#55
janeiro de 2012
nº55 Deixei de fazer o Elefante Bu por muitos meses. O que deu em mim? Não sei exatamente. Falta de motivação, um pouco de preguiça. Ou simplesmente o cansaço natural em fazer um trabalho há décadas. E no caso aqui isso é literal. O projeto do Elebu existe há mais de dez anos. Mas nunca deixei o zine totalmente largado. Produzia alguma coisa aqui e ali ao longo de 2011. Até que no final do ano veio aquele “boom”. Uma vontade de voltar a escrever sobre música e cultura em geral. Talvez tenha sido porque voltei a ouvir coisas novas que empolgavam, de dar espaço a produções que não encontraram um bom lugar. Seja lá o que for, o ano “x”, que é 2012, fez com que essa gana voltar. Essa edição que retoma o projeto do zine é uma mistura de coisas antigas, escritas no início do ano (como as resenhas dos discos, exceto a da Acidogroove). Neste bolo também estão as contribuições principalmente de Rubia Cunha. Foram republicadas algumas pequenas produções que fiz num experimento de tentar unir o formato da revista com o Tumblr – os textos sobre a banda Singapore e o ilustrador Hervé Bourhis. Mas também há coisas novíssimas como a entrevista com o cérebro por trás do movimento Occupy Wall Street, Kalle Lasn. Outra matéria inédita é sobre a banda The Salad Maker, que tem uma origem curiosa: é uma banda de São Paulo que foi formada em Londres. Outra matéria inédita é a expedição feita ao Parque Nacional de Brasília. É um lugar muito interessante porque é um pedaço de reserva ecológica totalmente cercada por cidades. Boa leitura e boa diversão.
créditos edição: Djenane Arraes
capa: arte de Rebecca Agra
textos: Djenane Arraes Rúbia Cunha Robson Cunha Pedro Wolff Robson Dias
occupy wall street
acidogroove
South Cry
agradecimentos: Kalle Lasn e Lauren Otaciano, Valdivino, Gilson e Amauri HervĂŠ Bourhis Todas as bandas
the salad maker
thor
HervĂŠ Bourhis
contato: @elefantebu elefantebu@yahoo.com.br issuu.com/elefantebu elefantebu.tumblr.com
singapore
Village Vanguard
s.o.s cerrado
wall street e outras ocupações
Kalle Lasn não inventou a roda do ativismo, mesmo assim conseguiu realizar um dos movimentos mais impressionantes e influentes do ano ao lado da Primavera Árabe
Djenane Arraes O movimento Occupy Wall Street nasceu para ser repercutido no Twitter. Depois de uma sessão de brainstorm, o documentarista Kalle Lasn e demais integrantes da Adbuster Media Foundation, sediada no Canadá, criaram um cartaz com uma bailarina em cima de búfalos com a frase “What is our demand?”. Em português: “Qual é a nossa demanda?”. Na parte inferior do cartaz trazia a hashtag #occupywallstreet, a data 17 de setembro, e a convocação: “traga a barraca”. O cartaz foi impresso e colocados em praças de grande circulação em Nova York. Na data sugerida, ainda sob os eventos que lembravam os dez anos dos atos terroristas de 11 de setembro, surpreendentemente as pessoas atenderam ao chamado. A princípio foram às ruas os desempregados e aqueles que sofriam duramente a recessão provocada pela crise econômica enfrentada pelos Estados Unidos. Occupy Wall Street cresceu se espalhou incendiado pela má reação dos policiais, pela ampla repercussão na internet e pela cobertura jornalística. De repente, o mundo pôde assistir passeatas frequentes que envolviam desde a atriz Anne Hathaway (que tem fortuna estimada em U$ 58 milhões), até estudantes pobres. Os cartazes que carregavam tinham os mais variados dizeres. “Limitação dos direitos políticos das corporações.” “Fim imediato das guerras.” “Aumento dos impostos aos milionários.” “Quadro negros, balas não”. Ou seja, cada um levou a própria demanda. Occupy Wall Street ganhou filiais no processo. Espalhou-se pelo mundo e ganhou versões em Londres, a Universidade de Harvard, Brasília . Artistas como Thom Yorke começaram a fazer shows para financiar o movimento. Todos tinha a sua demanda. Todos queriam revolução. No entanto, o estoniano Kalle Lasn não estava lá. Não acampou com os manifestantes. Isso não o impediu de ter o rosto veiculado nas mídias como um quase-líder . Ele, um homem de 69 anos que viveu até os sete anos num campo de refugiados na Alemanha, se define como anarquista que deseja a queda do atual modelo capitalista vigente: algo que chama de cassino global. Este é, para ele, um mal que precisa ser derrubado por todos independente da orientação política e ideológica. Conversei com Lasn por telefone e descobri que o cérebro por trás da onda de ativismo tem forte lado sonhador, mas os pés estão no chão.
Elefante Bu – Você diz que o Occupy Wall Street é um movimento novo porque é realizado por uma geração que nasceu com a internet. E o que mais? Kalle Lasn – São milhares de jovens ao redor do mundo que perceberam que o futuro não faz sentido dentro deste buraco de crises ecológicas, políticas e econômicas. São pessoas que preferem perder alguns confortos que continuar arcando com o sistema vigente. Daí a razão de elas terem se levantado e saído às ruas. O sentimento de um futuro negro é o que tem movido as pessoas. Claro que diferente das gerações anteriores esta cresceu na cultura da internet e sabe como usar redes sociais para, a partir
delas, organizar movimentos. Isso pode ser em forma de protestos tradicionais ou talvez em flashmobs. Eles possuem este poder incrível que a internet proporciona. É por isso que o Occupy Wall Street transformouse num movimento mundial no sentido de exigir transformações, especialmente no setor financeiro. Elefante Bu – Qual a vantagem que existe num movimento sem líderes que possam responder por ele e sem uma orientação ideológica préestabelecida? Kalle Lasn – Claro que não existiram inicialmente solicitações claras nas
Está aí a beleza desta história: mudanças puderam ser efetivadas por meio de um movimento espontâneo. É mais ou menos como um jazz em que não sabemos qual será a próxima nota. Não sou capaz de dizer o que vai acontecer, mas tenho impressão de que coisas inesperadas podem acontecer no próximo ano [2012] na economia global devido, principalmente, em decorrência à crise européia. Existe a população de 1 bilhão sustentando uma economia excludente para os outros 6 bilhões. Uma hora isso vai estourar. Talvez possamos saber mais notícias sobre o Brasil, que é um dos países mais bem-sucedidos da atualidade, ao passo que Estados Unidos Europa, Japão vão decair um pouco mais. Isso é mais combustível para os jovens continuarem a sair às ruas e lutar por uma economia mundial diferente. Elefante Bu – Em Brasília e no Brasil existe o movimento que também nasceu na internet chamado “Marcha Contra a Corrupção”, motivado por escândalos no governo. O senhor acredita que a corrupção é a maior ameaça à democracia?
ruas e tampouco se discutiu mudanças no programa político e social. Chamou atenção a falta de rostos-símbolos, de líderes e de palavras de ordem pré-estabelecidas. Cada um levou às ruas a sua dor. Mas fato daquilo simplesmente existir começou a provocar discussões mais profundas nos Estados Unidos, depois no mundo. Aí sim proporcionou a formulação de um debate concreto sobre demandas claras para mudanças na política social. Eu realmente acredito que isso sim pode ser o pontapé inicial para futuras mudanças dentro do sistema de capital. Penso que talvez possamos forçar a implementação de políticas como 'taxas de Robin Hood' [1% do valor de qualquer taxa tributária seja destinada a programas sociais]. Acredito que podemos desacelerar os 1.3 trilhões de dólares por dia em movimentações financeiras globais. Talvez possamos despertar nas pessoas do mundo inteiro que a verdade por trás da economia existe um cassino global. Wall Street é como uma gigante Las Vegas onde se fazem as mais diferentes apostas cujo único objetivo é produzir dinheiro, sem a preocupação de estabelecer uma economia real que possa impactar positivamente na vida das pessoas.
Kalle Lasn – As mídias americanas gostam de escrever reportagens sobre corrupção na África, nos países emergentes. Falam sobre extorsões praticadas por policiais em que têm de se pagar cem dólares por alguma razão. Mas essa é um tipo de corrupção que se vê todos os dias em todos os países. Eu não sei o que está havendo em Brasília, mas acredito que esse tipo de corrupção não é o mal maior. O problema está na corrupção no alto escalão. Posso dizer que o lugar mais corrupto do mundo é Washington DC. É onde estão as casas dos ladrões e dos lobistas que atuam nas grandes corporações e em Wall Street. É onde se baseia o jogo que eles fazem e que as pessoas comuns ganham nada com isso. Para você ser eleito no congresso ou ser um senador, vai ter que depender do dinheiro dessas corporações. O processo político americano é completamente corrupto. É difícil estabelecer a democracia neste meio. E não são apenas as pessoas do Occupy Wall Street que denunciam isso. Muita gente do Tea Party inclusive concorda que os Estados Unidos não são mais o topo da democracia, mas sim um estado corporativo. Chamam isso de “corpocracy”. Isso se repete em diversas partes do mundo e agora você vem me dizer que também existe no Brasil, do qual não me surpreendo.
Elefante Bu – O senhor é contra o sistema capitalista praticado no mundo de hoje. Mas existe um sistema ideal? O senhor teria um nome para um sistema mais justo que caberia no mundo de amanhã?
Elefante Bu – Existe e é algo muito grave. Apenas para o senhor ter uma noção, a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil vão custar duas, três vezes mais caras só por causa da corrupção.
Kalle Lasn – Eu não sei o que acontecerá ou o que esse novo sistema será.
Kalle Lasn – No meu entendimento, o Brasil ainda é um país jovem e
vigoroso. As pessoas no mundo entende que vocês, juntamente com China e Índia, estão fazendo muito melhor. Há mais aspectos positivos sobre esses países do que existe neste momento nos Estados Unidos, Canadá e na Europa. Mas a corrupção corporativa é um grande problema e vocês precisam tomar muito cuidado para que isso não contamine o sistema democrático da mesma forma em que aconteceu com os Estados Unidos. Elefante Bu – O senhor gosta dos Muppets? Kalle Lasn – Assistia os Muppets quando mais jovem. Essa é uma pergunta muito estranha. Elefante Bu – Comentaristas da Fox News acusaram os Muppets de serem comunistas e também de ser a causa dos movimentos sociais que vemos hoje. Tudo porque aparentemente eles foram criados pelos vermelhos liberais de Hollywood que pregar que as corporações são vilãs. Kalle Lasn – É preciso tomar muito com a Fox. Eles são muito eficientes em dizer essas bobagens que atraem publicidade, como culpar os Muppets, e mentir sobre coisas muito mais importantes sobre a política e a economia. A melhor coisa que se faz em relação à Fox é ignorá-los. Não é possível sequer discutir, porque quanto mais você o faz, mais forte eles se tornam. Elefante Bu – Mas o que o senhor realmente pensa da mídia? Kalle Lasn – Penso que a mídia é um dos futuros alvos dos movimentos sociais. Você pode falar de problemas na economia, pode falar de cassinos globais, pode falar da corrupção em Washington e em Brasília. Mas o que não se fala é que existe também corrupção comercial dentro das grandes mídias. Eu não sei como é o ambiente de informações que circulam no Brasil, mas posso dizer que nos Estados Unidos somos direcionados pela CNN, Fox e alguns grandes jornais e revistas. Cada um tem a sua versão sobre uma determinada notícia, mas todos eles são conduzidos de acordo com uma política comercial. Há muito tempo que a mídia deixou de informar as pessoas de forma com que elas tirem suas próprias conclusões. Tudo fica tão confuso que ninguém sabe mais o que realmente está acontecendo. Com certeza você nunca ouvirá histórias contundentes sobre a corrupção em Washington DC ou sobre o cassino global econômico. É preocupante
porque as mídias não deveriam ser afetadas por este tipo de interesse. Elefante Bu – O que o senhor espera para o futuro? Kalle Lasn – Ainda estou tentando entender sobre tudo que aconteceu nos últimos meses com o Occupy Wall Street. Estou planejando escrever um livro que vai se chamar 'Occupy 101: Um Manifesto Para Estudantes ao Redor do Mundo'. É um trabalho que vai ser destinado para universitários e para aqueles que desejam conhecer outras visões que não as ditas por esses ditos profetas da economia. Acredito e espero que estudos que façam uma reflexão deste movimento também possam ser realizados. Penso que o meio universitário é sempre o mais fértil não só para a reflexão de tudo que se passou, mas também é o lugar ideal para que as pessoas continuem o processo iniciado nas ruas. Cabe a esses jovens realizarem as mudanças. Elefante Bu – O senhor acredita que o Occupy Wall Street é um indicador para uma revolução global? Kalle Lasn – Acho que depende muito da forma em que essa crise atinge cada um. No momento, isso pesa mais na Grécia, na Itália e na Espanha. Talvez outros países estejam enfrentando dificuldades semelhantes. Mas no momento a situação não está ruim o suficiente para provocar algum tipo de revolução. Se a economia global entrar em colapso, se o índice Dow Jones tiver uma espantosa baixa a ponto de lembrar o cenário de 1929, aí sim penso que o movimento Occupy Wall Street possa crescer para um movimento de revolução global.
camaleões nada vegetarianos
The Salad Maker canta em inglês, tem jeito londrino e nasceu naquelas terras. Mas é banda brasileira boa de se ouvir que entra no mercado para recuperar o espaço perdido pelo rock
Djenane Arraes “Muita gente acredita que somos vegetarianos ou algum movimento desta natureza, mas na verdade a idéia da The Salad Maker partiu de mim e do meu parceiro, o primeiro baixista da banda que hoje trabalha como nosso produtor, Amauri Silva. Isso foi em Londres. Quando mudamos pra terra da rainha, eu comentei com o Amauri que queria formar uma banda que pudesse tocar o estilo que quisesse, que seria um mistura de tudo, sem rótulos. Bom, já tínhamos a idéia do que seria a banda e faltava o nome. Nesse momento, nós trabalhávamos numa loja de saladas em Londres na qual nosso cargo era “Salad Maker”. Assim como as pessoas que trabalham em bares são bartenders, nós éramos os 'fazedores de salada'. O Amauri sugeriu esse nome, que casou muito bem com a idéia da banda, e aí batizamos a banda de 'The Salad Maker'.” Quem fala é Thiago Romano, o baixista desses fazedores de salada. Mas é uma mistura mesmo? Se olhar no sentido que eles de fato navegam sobre várias ondas entre o indie, o alternativo e o pop-rock, a coisa é por aí mesmo. O que não se viu ainda é o quarteto fazer sertanejo brega do Michel Teló. Aliás, dizem que o Paul McCartney está com vergonha alheia de seus conterrâneos por trocarem a gritadora do soul Adele pelo “ai, eu te pego”. Mas o ex-Beatle talvez gostasse de saber que brasileiros se juntaram lá mesmo na terra dele para formar uma banda brasileira que faz um som muito gostoso. O vocalista, por exemplo, tem um timbre parecido com o do Eddie Vedder. O nome do moço que toca guitarra e canta é Renato Vanzella. Perguntei se eoles tinham ouvido essa comparação ou piadas do relacionando os dois antes. Thiago Romano disse que não. “Mas é um grande vocalista no qual torna a brincadeira muito gostosa de ouvir.” Bom, se começarem a comparar, desde já peço desculpas pela sugestão. Completam o quarteto o baterista Ricardo Pandorf e o outro guitarrista Dênis Viégas. Por ter nascido em Londres – o ano era 2008 –, The Salad Maker teve o privilégio de vivenciar um pouco do cobiçado circuito. Chegaram a ensaiar no Roundhouse, uma espécie de casa de cultura sem similares no Brasil. “Os organizadores da casa adoraram nosso som”, lembrou Romano. “Eles eram uns ingleses malucos, mas gente boa, e convidaram a The Salad Maker para participar de um evento na casa. Posteriormente, eles nos convidaram para participar do Camden Crawl 2009, que é o maior evento londrino para bandas independentes.” Essa oportunidade o quarteto perdeu porque estavam gravando no Brasil e faltou dinheiro para fazer a viagem. Ainda assim tocaram no próprio Roundhouse, e no Buffalo Bar, e no Cross Kings, e em várias outras casas londrinas. “Também me lembro de, no final de 2009, abrirmos o show do CPM 22 num evento organizado por brasileiros e divulgado em português. Imagina isso: no meio de Londres, a galera entregando flyers em português para o show do CPM. Cara, de cabeça eu me lembro disso, mas existiram várias outras. Eu costumo dizer pra galera: 'Tomem cuidado com Londres, pois lá é a cidade das oportunidades e 'muita oportunidade deixa a gente perdido'. Ah, me lembro de chamarem a banda pra tocar em Leeds e por aí vai.” O quarteto voltou ao Brasil para não se perder em Londres, certo?
Bom, quase. A mudança tornou-se necessária para consolidar a formação do grupo. “Quando procurávamos músicos para fazer parte do projeto. Como a maioria das pessoas que vai para lá estão em busca de oportunidades, estudos, dinheiro e etc, ficava sempre difícil mantermos os mesmos integrantes, pois tínhamos que conviver com a despedida sempre que começávamos a criar um conjunto mais entrosado.” Uma vez no Brasil, com uma formação definida, os quatro integrantes gravaram EPs. Atualmente trabalham na divulgação do primeiro disco, Only Music Now, lançado pela Pisces Records, e com produção de Rafael Crespo, o ex-guitarrista do Planet Hemp. O que o quarteto oferece é um exemplo bem acabado do rock que transita pelo pop. Daquele tipo desencanado, universal e gostoso de ouvir. Um dos grandes méritos do Salad Maker, talvez por terem nascido em solo londrino, é a ausência de influências audíveis de bandas como Los Hermanos e de toda a sonoridade alternativa “samba-groove-eletrônico”
repleta de barulhinhos. Daí a sensação de se tirar férias da coisa maçante que dominou a esfera independente brasileira por tempo demais. Aliás, a dita brasilidade passa longe e não há nada de errado com isso. Uma boa musica para começar a entender o som do Salad Maker é Discoteca. A canção é cheia de viradas interessantes. Começa com um arranjo de baixo, evolui rapidamente para algo quasi-Franz Ferdinand, a estrutura é um pop rock e ainda sobra passagem para uma pegada mais punk. Discoteca é o melhor exemplo da boa miscelânea camaleônica proposta pela banda. Mas uma canção com tantos momentos distintos de pouco mais de 5 minutos talvez não seja ideal para apresentar o público com ouvido menos treinado. A escolhida para apresentar a Salad Maker foi Bigger Than This, que ganhou clipe oficial que circula pelo Youtube e outros canais tradicionais, como a velha MTV. Canção simples, de amor: “So I write a poem for you/ Will you accept my loyalty this time?/ Girl keep your heart and mind opened up for me.” Se fosse apostar numa próxima canção boa para tentar a rádio, a eleita seria Between Dreams. Canção mais direta, com jeito de que agradaria em cheio a molecada que curte um rock acessível com mais pegada. Para brincar com a ideia de Eddie Vedder, Pax tem direito até a um
pequeno grito semelhante ao que o vocalista do Pearl Jam faz em Do The Evolution. Banda feita, estilo camaleônico definido, disco pronto. O que falta agora ao Salad Maker é enfrentar de peito aberto o penoso mercado nacional. Aberto porque dá de tudo: do bom e do ruim e principalmente o que aparece na novela. Penoso por ser um meio cheio de esquemas, armadilhas e muitas amizades. “Em questão de estrutura, estamos muito distantes de Londres, principalmente quando a questão se trata de produtores e pessoas especializadas que trabalham com o rock no país. Costumamos dizer que aqui existe muito amadorismo nas pessoas que se julgam grandes articuladores de bandas no país. Mas, ao mesmo tempo, o público é muito caloroso. Temos a certeza que com essa invasão dos grandes festivais internacionais e nosso país cada vez mais na rota das grandes bandas gringas, o cenário tende a crescer e a se profissionalizar, afastando de vez essa corja podre que ainda resiste na cena rock do país”, reclamou Romano. Algumas pequenas conquistas foram feitas e a banda conseguiu divulgação em veículos como a MTV e a rádio Transamérica. Há espaço para muito mais. Eles têm música para isso.
acidogroove – talvez hoje eu tope um plural É fascinante observar as versões demo e oficial de determinadas músicas. Em especial porque a impressão que tenho é de que a demo consegue ser melhor do que a original na maioria das vezes. Não sei por que a demo é fruto da leveza e de certa falta de compromisso. Há um não-acabamento que no final funciona a favor. Mas quando a mesmíssima música é regravada e colocada no disco para se tornar oficial ela se modifica. O arranjo é outro, há influência do produtor, do tempo, e de outras tantas variáveis. Sei da existência da Acidogroove faz alguns anos. É uma banda mineira de Uberaba que nem sei como a conheci exatamente. Não lembro as circunstâncias. O mais provável é que tenha baixando uma mp3 em algum lugar, gostei, entrei em contato e fiz uma matéria no Elebu na ocasião. A música O Anti-Herói foi a que me arrebatou. E também tinha Plural dos Dobrados, que gostei muito. Eram canções que tinha boa execução na minha rádio particular formada pelos meus CDs e mp3 que cato por aí. Engraçado essa coisa de pensamentos. No final do ano passado fiquei a pensar em que fim teria tido algumas bandas que gostava. A Acidogroove era uma delas. E não é que dias depois recebo um e-mail do Fred Pinheiro, vocalista e guitarrista da banda. A banda não apenas estava viva, mas tinha lançado o primeiro disco e este estava a caminho. Foi uma alegria só. Recebi dias depois Talvez Hoje Eu Tope Um Plural. Se me perguntar o que essa frase significa, não sei. Esqueci de perguntar. Talvez seja algum mineirês. Pessoas da terra boa, ajudem aqui! A primeira música que ouvi foi, claro, O Anti-Herói. E estranhei. Cadê a escaleta que deveria estar ali? Fred disse que ao longo desses anos a Acidogroove sofreu problemas na formação. É a dança das cadeiras que as bandas grandes ou pequenas sofrem constantemente. A saída ou a entrada de um novo elemento modifica a estrutura toda. E no caso, o tecladista não estava mais lá. Os outros gravaram e saíram. Restaram os fundadores Fred Pinheiro e o baixista Cláudio Neto. Mudou, mas a essência ainda estava ali: música bucólica com influências fortes do Clube da Esquina. Não seria a falta da escaleta que me faria desgostar deste trabalho. “Ah vai dizer/ que eu sou assim um cara anormal/ um contra-regra sem direção/ brincando de ator/ de manhã” Além das músicas que conhecia e já gostava bastante, ainda conheci mais algumas “novas”. Boas coisas como Julia em Firmamento e Monstro Verde. Minha nova favorita, no entanto, é Carta ao Amigo. Um rock direto para contrastar com a letra triste e melancólica. “Pra dizer: também preciso ir/ desvaneio num esforço
sideral/ depois disso um gole frio da manhã e num lamento a vida de desfez/ prum anti-herói que sou.” Interessante é que a temática do anti-herói está muito presente no disco. É citado de forma direta em duas canções e está também na logo com o nome da banda – uma alusão direta ao Super-Homem. “É antagonismo”, disse Fred Pinheiro. “Gostamos de falar do lado anti-herói do cotidiano.” O anti-herói é aquele que realiza a justiça por um motivo egoísta qualquer e utiliza meios pouco ortodoxos. É o oposto á figura do Super-Homem. Então o que seria este antagonismo do cotidiano? A quebra dele, a fuga em direção ao incomum. O que é incomum na Ácido groove? Talvez esteja no estilo em correspondentes no cenário atual da música independente brasileira. Ou no timbre a lá Renato Teixeira que serve ao rock em vez do folk. Ou nas desilusões que são inerentes ao cotidiano, que é o tema mais explorado no disco. Talvez Hoje Eu Tope Um Plural é um apanhado de pequenas tristezas, melancolias e de amores condenados. E também é um bom disco construído pela Acidogroove. Mostra, acima de tudo, que a banda fez bem ao resistir. (por Djenane Arraes)
discos vanessa da mata - bicicletas, bolos...
adriana calcanhotto - o micróbio...
Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias não é genial, mas tem seus momentos. A melhor coisa a respeito do quarto disco de estúdio de Vanessa da Mata é que ela não teve o menor medo de ousar. E se isso faz surgir canções mais ou menos (mesmo que não fuja do espírito da obra), como o reggaezinho sem sal As Palavras, há outras simples e muito interessantes como Meu Aniversário, que tem um arranjo maravilhoso. A melhor faixa, a mais empolgante, é Bolsa de Grife. Só ela dava uma resenha inteira. Até porque é uma das melhores críticas já feitas à sociedade de consumo: em vez de apontar dedos e dizer palavras de ordem, frases de efeito, Vanessa da Mata criou uma história sobre a bolsa milagreira que curou nenhuma das angústias, mas deixou belas prestações a serem pagas. E pra completar, o arranjo é sensacional com uma guitarra que há muito não se via na MPB. Além do consumo, Vanessa brinca com o engordar e com crendices do cotidiano. E fala bem com arranjos, texturas, ritmo e um danado de um guitarrista que é bom pra caramba. O curioso é que derrapa quando vai falar do amor. Parece que romantismo não é mesmo a dela.
Quem diria que Adriana Calcanhotto era uma sambista de mão cheia? Um samba com guitarras distorcidas, com baixo, com bateria, e com o toque de violão característico da compositora. Um samba denso, torto, desvinculado a ortodoxias. Mas sim: samba com marca de Adriana e +1. Leia-se Domenico Lancelotti, que fez o projeto +3 com Kassin e Moreno Veloso e que Adriana também participou. Alberto Constantino é o outro instrumentista constante no projeto. Confesso que esperava pouco do trabalho sucessor do deslumbrante Maré. Grata surpresa ao constar que Micróbio do Samba também é um baita disco. A música conhecida é Vai Saber?, que Marisa Monte gravou em Universo ao Meu Redor – também só de sambas. A versão (original?) de Adriana é mais leve, acelerada e menos produzida do que a da colega. Não tenho preferências com entre uma e outra. É uma grande canção e cada cantora colocou sua personalidade nela. Micróbio do Samba traz outras pequenas preciosidades. A marchinha Tão Chic faz valer o nome. Já Reparô é uma das composições mais “Chico Buarqueana” que Adriana escreveu. É fabulosa. Micróbio do Samba é disco para se ter em casa.
marcelo camelo - toque dela
los porongas - o segundo depois do...
Muita coisa foi dita a respeito de Marcelo Camelo. Ele foi a figura romântica de uma geração, foi considerado o melhor compositor, um personagem de uma nova MPB. De certo, Marcelo Camelo tem o seu nome na história junto ao Los Hermanos. Mas como artista solo, a coisa é diferente. Foi pálido no primeiro disco. No segundo, Toque Dela, Marcelo Camelo não avança. É interessante a indefinição entre o pop e a MPB que ele parece ter imprimido à carreira, mas Marcelo ainda ele ainda não conseguiu convencer. Sobra ambição estética, falta tesão no resultado. O disco tem alguns momentos, como não. O primeiro single Ô ô é a coisa mais interessante de Toque Dela. Tem pegada, peso. A letra pílula e o estilo arrastado e tedioso de Camelo melhoram com o bom arranjo. O que vem depois é ladeira abaixo. Tudo O Que Você Quiser é influência explícita de Mallu Magalhães, inclusive no cantar. A pop Acostumar começa promissora, mas revela ser apenas uma versão de todas as outras. O resto é repetição de temas, rimas, versos. É também sono. Um tão intenso que nem mesmo Arnaldo Antunes foi capaz de dar nos seus trabalhos mais tediosos. Talvez esteja mais que na hora de Camelo ligar para Rodrigo Amarante.
Se O Segundo Depois do Silêncio, da Los Porongas, ganhou flores nas páginas dos jornais e sites, eu não sei. Mas o grupo acreano merece flores pelo lançamento de um trabalho interessante e bem construído. O disco chama a atenção com o produtor: Dado Villa-Lobos. Ele que nunca foi grande coisa com músico, pode ter encontrado uma boa carreira. Los Porongas era uma banda de muito potencial. O primeiro disco tinha engasgos que geravam a falta de interesse. Dado parece que ajudou a concertar os problemas. A banda também ajudou ao evoluir em tudo: como instrumentistas e letristas. A faixa inicial, Fortaleza, é um paredão sonoro empolgante com boas tiradas. “Quem no final poderá plantar as flores que nascem na cabeça”. A faixa em questão é a chave para o resto do disco, que vai ser fiel à sonoridade e ao tipo de mensagem muito mais puxado para pequenas crônicas filosóficas. Agora é bom dizer que a Los Porongas, mesmo com um disco bem-acabado, vai freqüentar radinho de ninguém. O Segundo Depois do Silêncio pouco se adapta até para os padrões atuais (e medíocres) do indie nacional. Esse talvez seja o maior problema deste disco: não se encaixa em lugar algum.
the strokes - angles
radiohead - the king of the limbs
Noutro dia, li uma entrevista de Phil Spector no livro que copila as melhores entrevistas feitas pela revista Rolling Stone. Falou a respeito de “contribuição”. Para ele, existe o fazer uma música ou um disco de sucesso, e existe o contribuir. Sucesso, qualquer um pode fazer. Contribuição, nem sempre, porque isso significa ser relevante na história. Fiquei pensando nisso enquanto ouvia Angles, dos Strokes. Acredito que a banda deixou a sua contribuição quando lançou Is This It. Depois disso: não mais. Angles é um disco pálido, quase monótono. Há sim algumas faixas interessantes (que não é o single Under Cover of Darkness). A música Gratisfaction, por exemplo, é legal. É a mais ensolarada e praiana que uma banda com a Strokes é capaz de fazer. Não que seja importante ter algo ensolarado, mas no caso aqui seria uma boa mudança de cenário. Sairia do mais do mesmo que o quinteto se encontra neste momento. Ora, este é o quarto trabalho em pouco mais de dez anos de carreira e parece que eles não saíram do lugar. E como não existe ali um letrista interessante o suficiente para sustentar uma obra vasta com o mesmo som (vide Bob Dylan e Renato Russo), arriscar é saudável. Casablancas... chama o Amarante!
É um grande prazer quando um artista da magnitude de Paul Simon volta à boa forma após alguns anos sem brilho. No caso aqui, desde o majestoso Graceland, em 1986. Não é que So Beautiful or So What seja perfeito. O disco tem alguns momentos de bobagem e tédio. A faixa Love and Hard Times supostamente deveria ser profunda, singela e bela. Só que, aparentemente, é complicado cantar lento e não soar como um gato miando em agonia. Nada contra o estado mais espiritualista que Simon imprime ao disco ou a essa faixa mais especificamente, mas esse ruído vocal desagradável se faz presente. Felizmente, outras canções encobrem os pequenos tropeços. Rewrite é uma das melhores do disco. É na simplicidade, na bola de tênis que dá o ritmo, no assobio, no violão bem tocado, e quando fala do desespero cotidiano que Simon lembra o quanto é grande. Talvez essa seja também uma das maiores virtudes que circundam So Beautiful or So What como um todo. Outro ponto interessante é que o espírito de Graceland foi retomado, mesmo que discretamente. Love And Blessings é onde se identifica essa característica com mais facilidade. E talvez no ritmo que conduz a faixa título.
lady gaga - born this way
stornoway - beachcober’s windowsill
O disco tem sido promovido desde setembro, VMA 2010, como a revolução do pop e o disco da década de 10. Bem, não repete o furor de The Fame Monster (2009), que foi um fenômeno. E mais: decepciona! De fato, parece que tudo em relação à cantora chegou ao nível insuportável da superexposição. A fórmula que a levou ao mainstream, um Electroclash atrasado (som) com um Poser alta-costura (imagem), não tem mais força como outrora. Mesmo apostando no futuro (revival 1990), ela pode ter ficado datada (retro 1980). Se, antes, ela soava como neo-Madonna; agora, está mais para As 7 Melhores da Pan , via techno, poperô e eurodance. O problema de Lady Gaga é sempre esse: apostar muito nas releituras do passado, sejam elas das décadas de 1980 ou 90. Ela não faz música para o futuro. Talvez, porque saiba que ela própria não esteja lá, assim como as meteóricas Sinead O'connor e Alanis Morissette, que tomaram o showbizz de assalto no passado, deram o seu recado, mas ficaram restritas a seus fans. Só o futuro para dizer se Lady Gaga ainda é importante pra música ou somente para os little monsters. (por Robson Dias)
A primeira coisa que pensei quando escutei a faixa Zorbing do disco Beachcomber's Windowsill, da banda britânica de folk-rock Stornoway foi o seguinte: “mas que raio de sotaque é esse?” Achei que fosse tudo, menos uma banda inglesa. Depois veio o segundo pensamento: “mas que raio de música estranha é essa?” Não que fosse tão diferente assim. Zorbing teve impacto porque soava bucólico demais para uma letra urbana. Esse choque foi encarado da melhor maneira possível. O conjunto agradou, traçou coisas diferentes e legítimas. Pelo menos mais credibilidade do que ver um vídeo clipe gravado no campo de uma banda indie da moda. O disco segue com a mesma qualidade e, de certa forma, não perde a característica urbana com jeito campestre. Eles não são de mostrar barulhos e ruídos, experimentações. A música é correta, delicada. A impressão é que o disco corre sob trilhos, sempre apresentando boas canções, como Watching Birds e Here Comes The Blackout – que tem a história mais interessante que fala de pânico com um arranjo minimalista. O timbre do vocalista Brian Briggs é muito bonito e ele canta de um jeito que até mesmo as baladas ficam agradáveis. E sim, isso é algo a se louvar. Vale à pena.
the glee music - 5
nina becker - azul
Comentar discos de Glee tem sua dificuldade. Uma coisa é a relação da música original com o cover. Outra é como essa música se encaixa no seriado. Uma terceira é o cover em si. A primeira opção me parece ser melhor para a crítica do disco. Glee 5 tem músicas de Justin Bieber, Katy Perry, Michael Jackson, My Chemical Romance e duas canções originais. Ao todo são 16 faixas, das quais 13 acrescentam absolutamente nada. A produção sequer se preocupou em dar alguma dignidade a coisas abismais, como o repertório de Bieber – conseguiram a incrível façanha de piorar o que já é ruim. Há um mash-up terrível entre Thriller (Michael Jackson) e Heads Will Roll (YYY). E tem as canções originais. A primeira é a balada Get It Right, interpretada por Lea Michele. Ela é uma boa cantora, a melhor intérprete do elenco, mas não faz milagre. Get It Right é boba, sem expressão, esquecível. Não difere em nada das outras 30 mil baladas que você ouviu na vida. Ainda tem a pop Loser Like Me: nada especial. Claro que o propósito de Glee é ganhar dinheiro. Mas bem que a produção poderia, ao menos, arriscar um algo mais. Há cinco bons cantores no seriado. Poderia se fazer melhor uso deles.
Sabe aquela história do vocalista da banda sensacional que parte para um projeto solo, ou até mesmo a carreira, e faz um trabalho que não chega perto da excelência do coletivo? É mais ou menos isso que aconteceu com Nina Becker. Ela brilhou na Orquestra Imperial em interpretações segura em meio a uma turma de nomes que, a princípio, ofuscam o dela com facilidade. Mas na hora de se fazer o trabalho próprio, cadê? Ela não é encontrada em nenhum lugar de Azul, um disco lento e chato. E não se justifica uma proposta assim com o nome do trabalho que já mostra algo melancólico, devagar, meio depressivo e/ou intimista. É possível fazer um trabalho com tais características e ser brilhante. Apenas para citar um exemplo: Arnaldo Antunes é um mestre na estética. A investida de Nina Becker em fazer um disco “azul” não foi das mais felizes. A voz o tempo inteiro sussurrada chega a irrita, as canções não são tão boas e os arranjos beiram o boteco. Seria até uma caridade dizer a essa moça que ela não precisa cantar em francês. Aliás, não cante. Deixe a língua do povo mais “simpático” da Terra para eles mesmos ou para alguém que possa fazer algo verdadeiramente interessante.
fernando anitelli - as claves da gaveta
the pain of being pure... - belong
Existe uma diferença abissal entre a MPB da forma que ela nasceu e a música de boteco que erroneamente é entendida da mesma forma. A MPB, como eu entendo, é a música regional brasileira casada com o pop universal que recebeu tratamento sofisticado, jazzístico. A MPB está na perfeição sonora do primeiro disco de Nara Leão, está no Clube da Esquina, nos Secos e Molhados e na geração nordestina da década de 1970. E veio Djavan que, de certa forma, mesmo com a harmonia sofisticada, mandou a MPB pro boteco. Não entenda mal, Djavan é fantástico. O único problema é que ele, sem querer querendo, inspirou e abriu o mercado para pessoas que baratearam a MPB. Hoje, a impressão é que você faz uma música, coloca a palavra “balaio” e beleza: todo mundo vai achar lindo. É a essa turma que pertence Fernando Anitelli e o disco As Claves da Gaveta. Ele faz parte da mais ou menos Teatro Mágico, banda que faz mais valer a parte cênica do que a produção de uma música interessante. O disco solo do líder da trupe acabou sendo um fiel retrato da limitação e bobagem que é a autêntica MPB de boteco. As Claves da Gaveta é só mais um disco. Não tem nada de novo ou de especial. Melhor seria se ele tivesse ficado... na gaveta.
Uma coisa que não entendo são os elogios destinados a uma banda indie só porque os integrantes descobriram que certa vez existiu o The Smiths, então foi desenvolvido um trabalho que ‘resgata’ a temática e o estilo. Isso significa que estamos falando aqui de uma banda com espírito emo que faz indie. Essa combinação, de uma maneira estranha, atrai ouvidos dos saudosos. A combinação faz surgir os salvadores da semana. É mais ou menos isso que acontece com a banda The Pains of Being Pure at Heart no segundo disco Belong. Vê que o nome já traz vibrações emo violentíssimas. O som não é muito melhor. Vocal sussurrado não por estilo, mas porque o vocalista Kip Berman é fraco. Há uma parede sonora carregada de guitarras, auxiliadas pelo tecladinho pouco criativo e semvergonha de Peggy Wang. O resultado é um som retrô utilizado exatamente da mesma maneira por outras 9850 bandas mundo afora. Deve existir outras cem iguais só em NovaYork, de onde esses puros de coração vieram. Ah sim, e ainda tem as letras igualmente emos para fechar o pacote. Se puder, não perca o seu tempo com isso. É melhor escutar o Smiths original, ou as agonias de Thom Yorke, o Radiohead... ou até mesmo a Adele.
filmes/séries incontrolável Lembra do filme do carro descontrolado que vive passando na Sessão da Tarde? Aquele que tem uns caras, uma mulher e um bebê sofrendo dentro do tal carro enquanto a força policial fica pensando no que fazer para resgatar os coitados? Bom, esse é um belo filme B com uma história simples, uma produção marrom e que todo mundo pára para assistir. É mais ou menos essa mesma lógica de Incontrolável (Unstoppable, EUA, 2010), de Tony Scott. Aqui existe um trem desgovernado pesadíssimo que carrega equipamento explosivo. Um condutor trapalhão deixa o trem engatado (vamos assim dizer) e desce para desviar uma linha, mas falha tanto em desviar a linha quanto voltar para a locomotiva. Nesse meio tempo, vemos Frank (Denzel Washington), funcionário de aviso prévio, tendo que engolir jovens como Will (Chris Pine) tomando o emprego dos mais antigos. É justo na linha que eles se encontram que o trem desgovernado se encontra. Sentiu o drama? Não há muito que dizer sobre a história e você já deve ter sentido como o filme termina. A diferença deste para os outros similares é a produção cara e os atores de prestígio. Nada disso importaria, claro, se a produção não fosse boa e o roteiro, decente. Incontrolável é um bom filme. Vale à pena.
a morte e vida de charlie A Morte e Vida de Charlie (Charlie St. Cloud, EUA, 2011), de Burr Steers, é a fábula do jovem promissor que dá nome ao filme interpretado por Zac Efron. Charlie é um velejador talentoso que ganha bolsa para estudar numa universidade. É uma oportunidade para alguém que não tem muito dinheiro: a mãe enfermeira (uma ponta sem brilho de Kim Besinger) luta para sustentar dois filhos. Mas Charlie e o irmão mais jovem sofrem um acidente de carro. Ele sobrevive, o mais jovem não. Aí entra o “tcham” do filme: por causa do trauma, Charlie desenvolve a capacidade de ver espíritos que ainda não foram até a luz, por assim dizer. Um deles é o próprio irmão. Os dois se veem na floresta e Charlie promete que todos os dias, no fim da tarde, iria se encontrar com o irmãzinho para jogar baseball. E o bom moço cumpre a palavra mesmo que signifique perder as boas oportunidades da vida e ir trabalhar num cemitério. A Morte e Vida de Charlie é um filme bobalhão com Zac Efron ainda com resquícios das atuações na série infanto-juvenil da Disney que o lançou. Ele é um ator promissor. Uma pena que as escolhas que tem feito não ajudem a se libertar do famigerado musical high school. O filme é bobo, mas pode ser que você ache bonitinho.
além da vida A cena inicial de Além da Vida (Hereafter, EUA, 2010) é um tsunami. Um casal aparentemente bem-sucedido está num quarto de hotel. Enquanto o homem permanece preguiçoso na cama, Marie (Cécile de France) vai à feira de artesanato comprar presentes naquele que era o último dia de viagem. O homem acorda no hotel à tempo de testemunhar o mar recuar e a onda gigantesca avançar litoral a dentro. Marie é pega pelas águas. Ela perde uma menininha que estava tentando proteger no processo. Não foi culpa dela: a correnteza era forte demais. Marie se afoga, tem uma experiência de quase-morte até ser reanimada por dois homens no telhado de um edifício. A cena termina, nove minutos depois, com o homem encontrando com Marie no meio de uma praia arrasada por destroços depois que onda passou. Depois de assistir essa cena, pode desligar o filme e fazer outra coisa porque esses nove são tudo que vale à pena assistir em Além da Vida. Há muitos filmes ruins por aí, mas impressiona o fato de este ter a assinatura de Clint Eastwood na direção. Talvez se ele tivesse umas lições sobre espiritismo e cinema no Brasil, poderia ter feito algo melhor. Mas o que ele fez é pura bobagem.
velozes e furiosos 5 Para quem viu um, viu todos. A história de Velozes e Furiosos 5 (Fast Five, EUA, 2011) gira em torno de carros tunados e personagens canalhas um tanto quanto simpáticos não têm muitas surpresas além de muitas mortes, destruições e de que o Rio de Janeiro continua o mesmo. A corrupção e a bandidagem andam a solta ao mostrar que até o FBI não tem moral diante de tantas armas. Mesmo policiais que se dizem incorruptíveis acabam quedando por uma pegada mais u-hú do Vin Diesel... Nem The Rock escapou da pegada. A trupe se mantém a de sempre e pessoas mortas aparecem dando o ar da graça nesse possível “fechamento” da franquia. Ah! Deixame ser sincera: não rola de fecharem a franquia. Pelo menos não quando depois da famosa animação de corrida nos créditos finais, dão o gancho para o sexto filme e um nó na cabeça enorme de como isso tudo é possível? Quanto a mim, eu sinceramente achei que dava para cortar partes do filme que não perderíamos a linha desenvolvida por Justin Li nessa continuação. (por Rúbia Cunha)
a maldição
thor
O filme baseado no livro de Stephen King mostra uma comunidade cigana bem vingativa, mas talvez maldições rogadas por essa comunidade venham assustar o imaginário dos supersticiosos, já que o cinema sempre trabalhou em cima da mitologia contada por pessoas que sempre os temeram. É admirável o fato do rogador de pragas possui ar trágico-cômico e o amaldiçoado mostrar o lado vingativo-batalhador, levando o meu lado crítico cair na gargalhada em todas as cenas de confronto entre ambos. Torna-se triste pensar que a mesma obra gerou um seriado que mostra um lado mais sombrio e sério e que desperta a curiosidade em busca dela. Mas licenças poéticas dos diretores são bem famosas e se por um lado eu tenho Thinner, por outro eu possuo um seriado do qual eu não recordo nome, canal e nem ator principal. Quem sabe eu não tenha sido amaldiçoada por um cigano ou até mesmo pelo Stephen King ao dizer que a película serve para rir e o concorrente possui mais charme? Sabese lá... (por Rúbia Cunha)
Não conheço muito os quadrinhos de Thor. Na verdade sei muito pouco sobre o deus nórdico do trovão. Mas sempre fui apaixonada por aquele homem loiro de corpo perfeito e olhos claros. Foi a imagem do ator que me arrastou para as salas. Aquele homem perfeito visualmente, quase um photoshop vivo é um verdadeiro colírio para as mulheres de tirar o fôlego. Mas à medida que fui vendo o filme, entendi os cinqüenta anos de existência do herói nos quadrinhos. Sua arrogância é realmente petulante, Odin (salve, salve Anthony Hopkins), fez muito bem em expulsá-lo de Asgard e manter seu filho sem os poderes e o Mjölnir, pois tal atitude acabou gerando bons momentos de gargalhada à medida que Thor ia ganhando a consciência de que não era o mais o todo poderoso. Loki está sensacional e Kenneth Branagh deve agradar a gregos e troianos, ao criar uma linha temporal que conseguiu abranger o meio século de existência dos quadrinhos. Aaah, sim!!! Fica a dica; não saia antes do final dos créditos! (por Rúbia Cunha)
piratas do caribe 4
sobrenatural
Ou Navegando em Águas Misteriosas, pareceu recuperar o fôlego do primeiro filme. O capitão Jack Sparrow aparece um pouco mais loiro e continua mostrando suas fugas espetaculares planejadas em cima da hora; Barbossa mostrou-se mais sagaz na continuidade da franquia e devo parabenizar as mudanças do rumo que a trilogia estava tomando, pois a introdução de Barba Negra e sua filha (Penélope Cruz) no quarto filme, enquanto todos buscam a fonte da juventude, acrescentou um pouco mais das mitologias marítimas. Exemplificando a aparição das sereias que prende a atenção do espectador em cima dos efeitos visuais, mas fico me perguntando se primeira sereia que aparece não é a noiva do Mamma Mia! Pois a aparência é idêntica!!! (risos). Voltando ao foco, mais uma vez há uma cena final após os créditos e os boatos já começam a correr na possibilidade de Tim Burton ser o diretor do quinto filme, enquanto nada é confirmado o início da “nova trilogia” é de tirar o fôlego e de nos agrilhoar na cadeira do cinema. (por Rúbia Cunha)
Mesmo tendo a mesma temática da franquia Atividade Paranormal, o filme Sobrenatural, mais conhecido como Insidious, apelou um pouco para os efeitos especiais no que se trata dos demônios e fantasmas que assombram a família vitimada. Não bastando isso, eles apelaram no que se trata de projeções astrais, afirmando que devido a uma prolongação de tal experiência, a pessoa que demora a retornar está sujeitando o seu corpo a ser tomado por outros espíritos e principalmente pelos demônios que aproveitam a ínfima chance para vir ao mundo dos mortais apenas para causar o mal às pessoas. Se não levar em conta esses detalhes que James Wan introduziu no filme, os sustos devido às assombrações que perseguem a família, mesmo com elas mudando de residência, dão para assustar um bocado. Mas você não deve ir a um cinema lotado de pessoas mal educadas que ficam conversando o tempo todo e entram em crise de riso a cada susto que levam, nesse caso, prefira o DVD e sua casa. (por Rúbia Cunha)
hq/livros o colecionador de ossos
criaturas flamejantes
Você pode pensar que estou me referindo ao filme estrelado por Denzel Washington e Angelina Jolie, mas se pensou dessa forma, sinto informar sobre seu engano. Jeffery Deaver, escritor do livro que inspirou o filme, mostrou-se um autor extremamente cativante. A leitura é dinâmica e o leitor devora as páginas avidamente, chegando a mergulhar de cabeça nas cenas dos crimes e no desejo de desvendar as pistas deixadas pelo criminoso. O cenário é pulsante, vivo e tridimensional tal qual Rhyme alerta várias vezes a policial Sachs. O livro guia do assassino, citado na trama, acabou virando meu objeto de desejo, busquei-o na internet nas duas formas que ele fora citado e qual não foi a minha surpresa ao ler uma declaração do autor em que o tal exemplar é difícil de encontrar por ser uma obra de ficção. Ou como diriam os boatos, ele realmente fora furtado da Biblioteca Pública de Nova York? P.S.: A insônia adquirida pela leitura deu-se por conta da adrenalina e o gancho deixado para uma possível continuação do livro. (por Rúbia Cunha)
A introdução de Ao Vivo No Village Vanguard, escrita por Nat Hentoff é empolgante. É um texto que abre o apetite para a leitura ao mesmo tempo em que garante que Max Gordon tem valor literário. Nat Hentoff é um historiador, escritor e crítico de jazz altamente qualificado para o ofício. Se ele disse, você não precisa concordar, mas vai considerar. E com o passar das páginas, percebe-se que Hentoff estava certo a respeito de Gordon: você se depara com um livro de memória singular, de um texto espertíssimo tal como as improvisações geniais do jazz. Max Gordon é um imigrante europeu que foi parar nos Estados Unidos no início do século 20. Cresceu pobre no Oregon, mas com dignidade. A família queria que ele fosse advogado, e chegou a ir a Nova York estudar em Columbia. Mas a profissão não era para Gordon. Passou muitos perrengues na metrópole até conhecer uma garçonete que propôs abrir uma casa noturna. Gordon não foi dono de um lugar qualquer: ele criou a Village Vanguard: a mais tradicional e conceituada casa de jazz de Nova York. Local onde tocou Miles Davis, Sonny Rollins e um monte de outros consagrados. Era um local para comediantes que revelou uma porção deles em temporadas de gags antes de tomarem caminho para a Broadway. Gordon reserva um capítulo para falar da época que abriu o Blue Angel, casa noturna em Upper East Side onde pessoas como Woody Allen, Barbra Streinsend começaram a carreira. E diz sobre isso: “Não é que eu tenha revelado alguém. Eu só administrava a casa por onde essas pessoas passaram”. Mas não se trata apenas de fazer uma referência de onde fulano e ciclano iniciaram a carreira. As pequenas situações e a forma simples como os eventos se sucedem montam um mosaico do que foi a história cultural de Nova York. Está ali registrada a época em que os poetas falavam a um público de bêbados transgressores da lei seca, do apogeu e queda de ruas, hábitos, estilos de vida. Gordon ainda se permite fazer experimentações: em um dos capítulos publica na íntegra uma longuíssima carta de um amigo sobre o porquê dar a voz a artistas negros era importante. Não se tratava de um conselho, mas de um cumprimento porque Max Gordon foi responsável por dar espaço a esses caras. Noutro, reproduz um diálogo com um dos artistas que passaram pelo Village. Em resumo: as pequenas transgressões na narrativa deram um tempero a mais em uma história que por si só é muito boa. Ao Vivo no Village Vanguard é um tremendo livro. Como jornalista, ele é uma obra quase que acadêmica, que me joga informações essenciais para se falar de determinados temas. Mas também funciona para o leitor de ocasião: é um entretenimento enriquecedor.
o iluminado Stephen King quando escreveu esse livro, deveria imaginar que as idas e vindas do raciocínio de cada personagem seria o suficiente para render um bom filme. Sua descrição na linha de pensamento chega a se tornar confusa e alguns leitores podem se perder quando o real e o surreal se misturam no decorrer da trama. Então à medida que a minha leitura avançava, eu tinha certeza de ter encontrado outro livro apaixonante de King, pois A Hora do Vampiro foi devorada em uma noite de tão envolvente que era. As explicações do termo iluminado, da psicose em pessoas isoladas do mundo e do sobrenatural que o autor descreve com verdadeiro fascínio, vão levando o leitor a cada página e desligando-o do tempo e do local enquanto a leitura se desenvolve. Mesmo tendo levado três dias para ler, me surpreendeu o fato de não ter associado as descrições das personagens aos atores que as interpretaram na versão cinematográfica, mas tenho que confessar, infelizmente, que o final teria sido melhor sem o epílogo/verão. (por Rúbia Cunha)
‘We would describe ourselves as enthusiastic drunks with an anything goes philosophy and a hatred of anything boring.’
singapore
Djenane Arraes “Eu não posso atender ao telefone agora porque estou mais chapado do que um filho da puta” A tradução para o verso de Brian Elder é livre, mas garanto que o significado é esse mesmo. A banda canadense Singapore é nova, nasceu em 2010, e dá pinta de que se sente confortável na ala dionisíaca do rock: aquela que costuma ser a mais divertida. Sim, é por onde transitaram adoráveis canalhas como Jerry Lee Lewis, Iggy Pop e Keith Richards, esses doces rebeldes que deram sentido a vida de alguns ou tornaram a festa de outros um pouco mais interessantes. Os canadenses Josh, Jay e Jack descrevem a si mesmo como bêbados entusiasmados que têm a percepção de que canta é diversão total. Passaram por várias bandas antes de se reunirem sob o nome de Singapore. Josh, inclusive, faz rap sob o pseudônimo de Barry Lyndon. A razão? Não sei. Esqueci de perguntar. Mas digo que ele pode falar do trio pinto, cu e boceta com tanta autoridade quanto qualquer outro player norte-americano com 39745kg de ouro pendurado do pescoço. A diferença desses dionisíacos canadenses para os demais é que fazer rock num país frio talvez dificulte o balanço da pélvis. Aquela que Elvis Presley gostava de sacudir para o delírio das menininhas e o horror dos pais. Ao menos foi assim até o exército o engolir. O trio Singapore não inspira requebros. Os arranjos mais elaborados, o compasso mais
tranqüilo não permite o mesmo efeito. Em vez de gritos na televisão, imagina-se a banda no palco de um pub. E Josh apareceria à frente dos vocais com sua voz a lá Nick Cave. Ele seria capaz de cantar a ineficiência do advogado alcoólatra incapaz de defendê-lo na canção 2006, e fazer isso soar como uma fábula. “A história é verdadeira, foi um ano maluco”, garante a banda. É um conto real que integra o EP virtual Do Re Mi Fa Q, inteiramente disponibilizado no blog da Singapore na rede Tumblr. Disco físico? “Discos são bem inúteis hoje. Eles custam dinheiro e ocupam espaço”. Olha que eu quase posso concordar com isso quando vejo a pilha de discos que acumulam poeira no meu móvel. Daí, lembro-me da tristeza que era perder bons discos toda vez que uma porcaria acontecia no computador e eu não tinha ainda um HD externo para armazenar os arquivos. Apesar da mentalidade moderna (sim, não gostar mais de discos físicos é uma nova tendência) que passa pela idéia de que a música deveria ser viral e não um artefato, a banda prepara um trabalho tradicional. “Sim, será um disco cheio tradicional com 13 ou 14 faixas com disco por todo o mapa conforme os estilos saem. Das mais lentas as mais rápidas. Das mais brilhantes as mais estúpidas. Quando escrevemos canções e tão logo ficamos entediados, sabemos que ela não é boa”. Enquanto o disco tradicional com amplo leque de possibilidades não vem Do Re Mi Fa Q está aí para comprovar que as promessas da banda são verdadeiras. O EP pode ser chamado de qualquer coisa, menos de chato e tedioso. Tem cinco faixas em que entram as duas canções já citadas. A produção foi de Jack realizado num estúdio caseiro. Trabalho muito bem realizado, é bom dizer. Ele conseguiu fazer um belo tratamento com as texturas e miudezas sonoras, detalhes que enriquecem canções que cruas já seriam ótimas. Sim, sou do grupo que acredita que toda boa música tem que ficar boa também no violão e Do Re Mi Fa Q definitivamente tem esta característica. Além das faixas citadas, o EP também traz Cocktail Flu, Head Swap e Wailing Wall. Das três, a primeira é a melhor. Vocais rápidos, guitarra ligeira, boa virada melódica antes de entrar novamente a um ritmo quase epilético. “My mama told me not to talk to you/ But you gave me the cure for the cocktail flu”. Vê? Dionisíaco. Certo dizer é que a filosofia da diversão e da música descompromissada é um bom negócio para a carreira da Singapore. Desta forma a banda traz frescor à porção do mercado indie tomado por quase-emos e de gente que se leva a sério demais.
rock e outras ilustrações de hervé bourhis
Djenane Arraes
Seco, mas verdadeiro. Tina contaria com detalhes em entrevista a Rolling Stone que Ike aplicava-lhe verdadeiras torturas como ser forçada a abrir as pernas e sorrir após ser espancada, ou ter as mãos amarradas com Há alguns anos chegou às prateleiras um livro de capa vermelha arame farpado. Pensando bem, a ironia de Bourhis era suave perto do que foi que fazia uma alusão a um disco de vinil com direito a furinho no meio e a realidade. Pule algumas páginas. Vá para o ano de 1973. Verá a capa tudo mais. O título era uma contradição com as dimensões da obra. Dizia O desenhada do clássico Raw Power, de Iggy and The Stooges. E também a Pequeno Livro do Rock, de Hervé Bourhis, mas não se era de longe uma informação: “Lou Reed é mordido na bunda por um espectador.” Qual a publicação de formato de bolso como eu poderia imaginar caso não tivesse relevância disso? Nenhuma, mas é engraçado. “Já foi escrito tudo sobre o o objeto no meu campo de visão. O tratamento era de luxo e de bom gosto. rock”, argumentou Bourhis, “por isso era fundamental procurar piadas O preço na época também estava bom, se considerar que o valor de venda esquecidas. Acho que é mais divertido contar a história grande por uma série de um livro no Brasil é um estupro ao bolso alheio. de outras curtas em vez de fazer uma análise acadêmica estéril e chata.” Folhear O Pequeno Livro do Rock foi um prazer. Ele tem formato de Bourhis também é um crítico de música. Um mais visual e coeso do quadrinhos e ótimos desenhos em preto e branco traz informações que outros atores literários, como Nick Hornby. Não é preciso perguntar sintetizadas da história de um dos gêneros musicais mais revolucionários. quais são os discos que ele considera interessantes. Existem 555 listados Ou alguém ainda duvida que o rock não tenha desempenhado tal função? na página oficial dos anos 50 à atualidade. Os artistas que lançaram os Tudo estava ali organizado de forma cronológica, fácil achar. Com um discos mais interessantes no ano passado na visão do autor foram: Keane pouco de leitura percebe-se que as informações de Bourhis fugiam do mais West, LCD Soundsystem, Caribou, Liars e outros seis. Em o Pequeno Livro do mesmo. Sem falar em corajosas. O escritor francês não tinha medo de do Rock, o lado crítico é exercitado nas batalhas pop: Prince versus Michael soar politicamente incorreto ou duro demais. Como na passagem do ano Jackson; Who versus Kinks; David Bowie versus Lou Reed, e etc. 1960. Ele escreveu: “Ike Turner aparece agora com a sua mulher Tina. Ela O autor considera que Greendaddy, por exemplo, vence Radiohead tem energia para dar e vender, e certamente fará sucesso se resistir às numa batalha discográfica. A razão é que o Grandaddy continuou surras que lhe aplica o marido.” comprometida com as canções pops. “Radiohead, querendo experimentar a todo custo, preferiu privilegiar o som em detrimento da canção. É um direito, mas o último disco é absolutamente chato e redundante.” E já houve quem reclamasse das opiniões sinceras e carregadas de certo cinismo. Certa vez, um fã do gênesis atirou o livro na cabeça de Bourhis durante uma noite de autógrafos porque causa da passagem em que fala da saída de Peter Gabriel, “sem dúvida cansado de se disfarçar no palco de raposa, flor, pulgão ou espinha purpulenta.” Bourhis desenvolveu em O Pequeno Livro do Rock em dois anos. Um projeto que foi intercalado com outros pequenos. A fórmula foi reutilizada em O Pequeno Livro dos Beatles, que consumiu um ano ininterrupto de trabalho, e foi outro sucesso. Mas nem só de rock vive o francês. O autor começou a desenhar aos sete anos de idade e não parou mais. Foi o vencedor do prêmio Goscinny em 2002 por Thomas ou Le Retour du Tabou. Ano passado foi agraciado pelo Jacques Lob pelo conjunto da obra. Infelizmente, os livros com histórias fictícias ainda são inéditas no Brasil, mas é possível ter algumas mostras no site oficial. “Há muitas formas de misturar texto e desenho. Eu prefiro criar história em quadrinhos de ficção ou até mesmo piadas”, disse Bourhis. “Fiz algumas histórias engraçadas, como graphic novels, enciclopédias e outros tipos de trabalhos como os Pequenos Livros do Rock e dos Beatles. Também fiz scrips para animações e outras ilustrações. O que me interessa acima de tudo é não me limitar a um gênero, uma atividade, para evitar a rotina e o tédio. HQs de ficção vão exigir mais pesquisa sobre a psicologia das personagens, a encenação, o suspense, o diálogo. O Pequeno Livro dos Beatles exigiu mais documentação, o realismo no desenho. Mas ainda é uma obra autoral. Existem os fatos a serem respeitados, mas dou a minha opinião. Tudo é subjetivo.” Essa característica pessoal é o que coloca na obra do francês um sabor especial. Se você vai ficar ofendido ou não, como o fã do Genesis, ou não vai concordar, como no meu caso com o Radiohead, é outra história. O que não se pode negar que isso faz da obra de Bourhis ser muito mais do que mais uma na prateleira entre tantos outros títulos.
pop e melódico A South Cry mostra que no interio do estado do Rio de Janeiro também se pode fazer metal universal, em inglês e bom
Djenane Arraes Um monte de gente pode protestar (sem razão), mas entre todos os estilos que transitam pelo rock no Brasil, os mais tradicionais entre eles todos são o metal e o hard rock. Todas as formas deles. Faça um festival do gênero na sua cidade que um bando de gente com camisas pretas vai surgir dos mais inusitados lugares. E vão prestigiar bandas que nunca tocaram nas rádios ou apareceram na televisão. Outra coisa: a maioria das bandas brasileiras com carreiras internacionais consolidadas é de metal. Fato! Por isso não é de se espantar que uma banda que transita entre o pop-metal e o hard rock melódico surja no interior do estado do Rio de Janeiro e faça um trabalho bom suficiente para atrair a atenção de figurões internacionais. É o caso da South Cry. Um indie vai gesticular de forma que diga com o corpo: “Nunca ouvi falar”. Mas vai ter um camisa preta com a logo do Iron Maiden que vai conhecer. A South Cry é formada por Daltri Barros (vocal e guitarra base), Guill Erthal (guitarra solo), Patrick Siliany (baixo) e Victor Cunha (bateria). O primeiro disco, Beyond Metaphor, foi lançado em 2003 na raça, com instrumentos emprestados. Felizmente as coisas deram certo. A banda atualmente trabalha em cima de Blue Moon, o mais recente disco da banda. A produção ficou por conta de Sylvia Massy, produtora e engenheira de som influente que trabalhou com os mais variados artistas. Desde Julio Iglesias e Seal até Aerosmith e Red Hot Chilli Peppers. Blue Moon prevalece o hard rock melódico. Todo ele pode ser ouvido, aliás, na página da banda. O disco mostra uma banda muito confortável com aquilo que faz. É consistente do começo ao fim, e ainda se permite algumas ousadias no meio, como uma nova interpretação para o clássico (intocável) Help, dos Beatles. O Elefante Bu conversou com a banda.
Elefante Bu – Vocês continuam morando no interior do Rio? Guill Erthal – Nós continuamos morando no interior do Rio sim, mas estamos providenciando nossa mudança para SP em breve. Algumas oportunidades estão aparecendo por lá. Elefante Bu – O fato da banda vir de uma pequena cidade pesou a favor? Daltri Barros – Na verdade, o fato de virmos de uma cidade pequena dificulta um pouco as coisas. Dificulta em relação a contatos, shows, etc. Apesar dessas dificuldades, acredito que nosso talento e um pouco de sorte nos levou ao patamar que nos encontramos hoje. Elefante Bu – Como rolou o contato com Sylvia Massy? Daltri Barros – O contato com a Sylvia Massy se deu através de nosso empresário Jeremiah Thompson. Ele, por ser americano, enviou nossos álbuns anteriores (Keep and Eye On Me e Beyond Metaphor) para a Sylvia e muitos outros produtores nos EUA. Assim que ouviu, a Sylvia gostou muito, interessou em produzir nosso terceiro álbum e nos apresentou uma proposta de trabalho muito boa para a produção do terceiro álbum (Blue Moon). Elefante Bu – O som de Seattle foi um norte quando a banda foi formada? Guill Erthal – Na verdade, nós temos muito pouca influência do som de Seattle. Algumas pessoas têm essa impressão porque acham que a voz do Daltri remete um pouco ao timbre dos vocalistas da cena de Seattle dos anos 1990, como o Chris Cornell e o Eddie Vedder. Esses vocalistas e suas
respectivas bandas até são influências do Daltri, mas acredito que essa influência apareça mais na atuação vocal do que propriamente nas composições. As nossas músicas têm influências de estilos como o Hard Rock de 70, o Alternativo e alguma coisa de Rock Progressivo (principalmente no segundo CD Keep Na Eye On Me). Elefante Bu – Vejo que o tipo de música que vocês fazem tem mais apelo no exterior do que num mercado brasileiro infestado pelo sertanejo. O exterior é um mercado mais aberto para vocês? Daltri Barros – Certamente que sim. O fato de cantarmos em inglês já é um fato de que nosso som é mais para o mercado dos EUA, Europa e Japão. O Brasil, de 1980 pra cá, se tornou um país com uma forte resistência para músicas com outros idiomas. Existe uma 'meia dúzia' de 'intelectualóides' ufanistas que ainda medem a música como 'isso' ou 'aquilo'. Esse tipo de pessoa que “rotula” música (e arte em geral), “data” música como 'ultrapassada' e/ou que diz “temos que valorizar o que é nosso, o que é brasileiro independente de ser bom ou ruim” é que estraga o cenário cultural no país. Música é arte, arte não tem fronteira nem idioma. Elefante Bu – Qual foi o retorno que vocês tiveram de Help? Presumo que seja complicado mexer em algo que muitas pessoas consideram intocável. Guill Erthal – A receptividade de Help tem sido muito boa. Obviamente sempre tem um ou outro que é mais fanático e que não entende a nossa intenção com essa versão. Os fãs mais fanáticos acham que queremos ser melhores e/ou refazer o que os Beatles fizeram. Não temos essa pretensão. Nosso objetivo foi fazer uma homenagem aos Beatles trazendo uma versão de Help de forma diferente, com uma “roupagem” diferente.
s.o.s cerrado
Parque Nacional de Brasília chega aos 50 anos ilhado e maltratado pela urbanização sem freios e desorganizada do Distrito Federal. Mas aqui vai o alerta: ele é mais importante para a qualidade de vida da população do que se imagina
Texto e fotos: Djenane Arraes São 42 mil hectares de cerrado preservado por lei há 50 anos. Chegar ao coração do Parque Nacional de Brasília e olhar a imensidão verde que abriga centenas de espécies de animais e plantas traz a sensação de quietude. No dito popular: é chão que não acaba mais. Mas acaba. A imensa mancha verde está ilhada e ameaçada pelo avanço desenfreado das cidades do Distrito Federal e por todos os problemas gerados pela urbanização. O que muita gente pensa ser apenas o clube Água Mineral, não sabe naquele “mato torto” nascem águas que abastecem parte do DF, ajuda a regular o clima e é base de dezenas de estudos científicos. Acompanhei os agentes ambientais federais Valdivino Bernardes de Moraes e Otaciano Matos – subchefe da fiscalização em uma das rondas. O encontro para a pequena expedição foi na Administração. O clima estava bom e por sorte não chovia. O local fica ao lado do clube Água Mineral, o único espaço aberto à visitação pública. Da sede se tem uma visão privilegiada da Torre Digital e das construções do Setor Noroeste. “Tudo isso gera impactos”, disse Otaviano. “O Noroeste está dentro dos 3 km de raio do Parque. As construções afetam lençóis freáticos e por isso vão ter de pagar uma compensação ambiental.” Não apenas os lençóis que estão em risco: o equilíbrio da fauna também. Segundo o biólogo Guth Berger, os animais que habitam as bordas da área de preservação podem se deslocar para o interior. “Essas espécies podem ser afugentadas por causa do aumento de ruído e da luminosidade no Noroeste. Ao se deslocarem mais para o interior, podem começar a competir com outras espécies. Inúmeros podem ser os resultados, até mesmo a extinção de algumas delas.” Começamos nossa expedição pela via Epia e depois pela via Epct, que dá acesso ao chamado Lago Oeste. A razão era que os agentes precisavam abrir o portão 7 de acesso ao Parque para um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB). Ainda no asfalto, Otaviano apontava para construções à beira da via. “São todas áreas invadidas do Parque. Essas pessoas se dizem donas, mas não possuem um documento que seja para comprovar posse.” Os processos estão à espera de uma decisão na justiça, poder que não recebe elogios do agente por causa da lentidão. “O problema da justiça é que ela é conivente.” O problema vai além das residências ilegais que invadem as áreas de preservação. Aquelas que formam o Lago Oeste são separadas do Parque apenas pela estreita e mal conservada Epct. O Lago Oeste não passa de uma invasão de outra área de preservação ambiental (APA), só que essa feita por gente de alto poder aquisitivo. Como a área não área regularizada, não existem ligações da Caesb, por exemplo. Cada mansão tem seu poço artesiano: veneno para os lençóis freáticos. “Depois de muita luta na justiça, a gente recuperou uma das áreas de que foi invadida, desmatada e transformada em pastagem”, disse o agente. A área fica na beira da estrada de asfalto do lado do Parque. “Agora o esforço é a recuperação dela.” Outro empenho é desocupar áreas que foram anexadas recentemente. São espaços que se estendem até o Goiás na tentativa de se formar um corredor natural para que os animais tenham por onde sair para regiões próximas. Na estrada de chão que acompanha os limites da área já
no lado de dentro justo às novas terras – são 180km delas no total –, existe invasores. Podemos ver algumas carcaças de carros e de gado. “Muitos ladrões ateiam fogo nos carros aqui. Eles tiram pneus, rádio, algumas peças e queimam o resto só por causa das digitais”, explicou o agente. Fogo que é duplamente criminoso porque esta é uma das causas dos grandes incêndios na época da estiagem. Alguns tão intensos que nem mesmo os 30 brigadistas que ficam de plantão por seis meses e soldados do exército conseguem conter. Montanha de dejetos Na medida em que se avança na estrada da borda, os sinais da cidade Estrutural e do lixão começam aparecer. Moscas, urubus e sujeira – literalmente uma montanha de sujeira –, tomam conta da paisagem. Grandes tubos são visíveis ao alto da montanha de dejetos. Eles são fundamentais para a liberação do gás metano – que participa do efeito estufa e pode causar asfixia e provocar paradas cardíacas quando inalado. Outro produto do lixo é o chorume, a substância líquida resultante pela decomposição da matéria. Este material é extremamente poluente e os danos à saúde que provoca são imprevisíveis. No lixão de Brasilia, o chorume é depositado numa enorme piscina isolada por uma lona. Mas não há garantias de que este líquido tóxico não esteja contaminando a área – principalmente os córregos que passam pelas cidades de Vicente Pires e Águas Claras. É possível ver tocos de plástico e metal ao longo da pista próxima à montanha de sujeira. São tubos por onde a Caesb retira amostras de água dos lençóis freáticos que passam por ali para analisar os índices de contaminação. Existe um projeto para retirar o lixão dali. Mas então aquela montanha imensa de dejetos permanecer, a Terracap vai continuar recebendo uma multa de R$ 50 mil por dia. A Terracap foi procurada pela reportagem, mas não retornou. Outro alvo de constantes de análise é a nascente Peito de Moça, que possui grande peleza natural. A água literalmente brota de uma terra esponjosa há poucos metros de casa construída ilegalmente e de uma carcaça de carro incendiado. “Antigamente a água jorrava como se fosse um cano quebrado”, lembrou o agente Valdivino. “Mas daí construíram essa casa e furaram um poço. Agora a nascente está minguando”. A cerca divisória que faz fronteira com o Parque está quebrada. É um sinal de vandalismo provocado por quem vive abaixo da linha da pobreza. “Muitas pessoas quebram as estacas da cerca para usar o ferro na construção de barracos”, contou Otaciano. A população humana que vive abaixo da linha da pobreza também invade o Parque para pescar na barragem de Santa Maria. Caçadores também atuam clandestinamente lá dentro. “E também bandidos que estão fugindo da polícia. Noutro dia, Valdivino encontrou material cirúrgico no interior do Parque. No mínimo, algum tratou de algum ferimento para evitar ser preso no hospital.” A população humana também é a principal culpada pela entrada de cachorros e gatos domésticos. No meio natural, explica Guth Berger, os animais domésticos tornam-se selvagens e caçam animais menores, provocando desequilíbrio na frágil cadeia do Parque. “Os felinos, por exemplo, são animais que costumam caçar apenas por matar. Faz parte do
instinto deles. Ouvi algumas histórias do problema de matilhas de cachorros lá dentro”, explicou. Esses distúrbios não estão concentrados apenas nos limites da área de preservação. No interior, próximo à barragem de Santa Maria, existem algumas clareiras de terra vermelha e solo duro. “Isso está aí desde a época da construção de Brasília”, disse Otaciano. “Extraíram tantos minerais que nem grama conseguiu nascer de novo. Mas há projetos para tentar recuperar essas clareiras.” Ciência bem-vinda “Vou mostrar a você o lado feio e o bonito do Parque”, prometeu Otaciano antes de embarcarmos na caminhonete para a ronda. O lado bonito é a própria exuberância do cerrado: pode-se encontrar vários deles como campos sujo, limpo e rupestre, cerrado denso, matas galeria – que se assemelham muito com o aspecto da floresta Atlântica. O lado feio é todo o tipo de mal que as pessoas causam àquele ambiente. Mas existe a ação humana que é desejável: a científica. Existem dezenas de grupos de pesquisadores que atual dentro do Parque Nacional de Brasília. No início da ronda, pouco depois de liberar a entrada para os pesquisadores da UnB a caminho do interior, a equipe de reportagem cruzou com alguns desses pesquisadores. O primeiro deles, um grupo de analistas ambientais, fazia mapeamentos de espécies de pássaros. Muitos são os grupos de pesquisa atuantes lá dentro: cada um com sua especialidade. O biólogo Guth Berger, por exemplo, participou de uma pesquisa sobre uma espécie de pequeno cágado preto que é visto especialmente na região mais ao norte do Parque nacional. Ele formou-se recentemente pela UnB e deixou o projeto para fazer o mestrado, mas outros alunos da graduação vão continuar as pesquisas. “Agora eles vão partir para uma nova etapa, que é a coleta de material genético. Assim vamos poder determinar como estão os cruzamentos destes animais.” A análise é de suma importância devida à característica da área de preservação. Por ser uma ilha cercada por uma forte urbanização, os
As matas-galeria têm características semelhantes as da mata Atlântica
estudos sobre plantas medicinais por aqui”, disse Otaciano. “A estrela do momento é a canela de ema dos pesquisadores que vêem aqui. É uma planta medicinal e que também pode ser combustível.” A canela de ema é um arbusto típico do cerrado brasileiro. Ela existe em abundância no Parque e muitas delas, inclusive, apresentam o tronco queimado depois de resistirem às queimadas Durante a viagem, os agentes florestais pararam em frente a um pé de mangaba. A razão foi porque Victor Bonfim, o fotógrafo da revista Plano Brasília, reclamou um mal-estar. “Vamos parar em frente de um pé de mangaba que corta isso na hora”, sugeriu Otaciano. Ele retirou um pouco do leite do caule e misturou à água que levou em um cantil. O remédio, um líquido branco resultante, foi oferecido ao fotógrafo. Victor bebeu sem hesitar. A flora do Parque é apenas parcialmente conhecida. Estima-se que 10% delas sejam medicinais, como a popular arnicabrasileira, muito usada por populares como antiinflamatório e analgésico. Tivemos mais uma parada não planejada pelas estradas do Parque. Valdivino viu pegadas afundadas na terra. “É de cachorro?”, especulamos. “São muito espaçadas para ser de cachorro. Isso está com cara de ser do lobo-guará”, alertou Otaciano. Olhei ao redor. Nenhum sinal do bicho. Confesso que gostaria de ter visto um, mas a mãenatureza não faz aquilo que queremos. Estávamos caminhando para o final da manhã e a maioria dos animais do Parque tem hábito noturno. Seria mesmo difícil de ver algum. “Tem vezes que a gente patrulha o Parque durante um mês e não vemos bicho algum. Tem vezes que a gente encontra aos montes”, disse Valdivino. Tudo isso é anotado nos relatórios diários dos agentes: todas as informações servem não apenas para o controle da vigília como também é informação importante para os biólogos que atuam lá dentro.
pegadoas do lobo-guará
animais ficam isolados lá dentro. Por conseqüência, indivíduos começam a se reproduzir com membros da mesma “família”, o que provoca um enfraquecimento genético. “Significa que esses animais ficam suscetíveis à doenças que normalmente não teriam. São coisas que podem levar à extinção”, alertou Guth. E o Parque abriga espécies ameaçadas, como o lobo-guará e a suçuarana. “Foi por causa disso também que expandiram o tamanho da área para 42 mil hectares [era de 30 mil hectares]”, informou Otaciano. “Assim os animais podem ter uma saída.” Ao longo da estrada de chão, onde não raras às vezes minas d’água corriam por ali, existem laços de panos de cores fortes. Nada mais do que um recurso que pesquisadores utilizam para demarcar áreas. Algumas delas estão literalmente cercadas com linhas e barbantes. “Tem muito
Remédios que o cerrado provém
Tremores registrados Em alguns pontos do Parque é possível ver instrumentos de metal redondos que lembram grandes teias de aranha fincadas ao chão. Perto delas existem outros aparelhos fixados em bases de cimento. Nada mais são do que estações sismográficas de alta sensibilidade administrados e usados pelo Observatório Sismológico da UnB. Algumas delas estão em atividade desde 1968, quando a Unesco recomendou a instalação do equipamento no Parque Nacional de Brasilia. O objetivo era monitorar os tremores principalmente da região andina. “O Parque foi escolhido para se instalar os arranjos por sua localização, pela geologia favorável, e por ser um ambiente de quietude sísmica. Ou seja, não havia trafego de carros e de pessoas”, explicou Lucas Vieira Barros, chefe do Observatório Sismológico. Àquela época estava em ebulição, como definiu Lucas, a teoria das placas tectônicas. Terremotos podem acontecer em qualquer lugar por várias razões, mas eles são mais freqüentes no encontro das placas. No caso da região andina os terremotos são causados pelo encontro da placa de Nazca com a Sul-Americana. “Esses arranjos no Parque ajudaram a comprovar esta teoria. Mas eles também serviram para detectar sismos em
todo território brasileiro”, disse Lucas. “A gente entende que a instalação desses arranjos no Parque Nacional foi o que lançou as bases para a formação do atual Centro Sismológico de Brasília.” Além do registro de tremores, existem bases mais novas instaladas lá dentro que são capazes de detectar sismos causados por bombas nucleares explodidas no solo e na atmosfera. São equipamentos administrados pelo Centro Sismológico que fazem parte de uma rede mundial com bases espalhadas em todos os continentes. Se um país da América do Sul, por exemplo, realizar um teste nuclear clandestino, a base brasiliense será capaz de captar (e denunciar). Mesmo este trabalho científico importante vem sendo prejudicado com a urbanização desenfreada que avança sobre o Parque. Algumas das estações instaladas próximas à borda tiveram de ser inutilizadas. Hoje se faz necessária a instalação de novas estações mais ao interior. Mas, de acordo com Lucas, existe um impasse com a administração do Parque, que não autorizou as obras. “Caso não consigamos resolver, vamos de ter de pensar em áreas fora do Distrito Federal. A proximidade do Parque com a UnB é um dos grandes trunfos do nosso projeto.” Um dos vários aparelhos sismográficos encontrados no Parque
Trabalho com amor “Quero dizer que amo o que faço. A gente percorre essas matas todos os dias, a fiscalização do Parque é diária, faça chuva ou sol”, disse Otaciano. “Houve um tempo em que trabalhávamos aqui com material sucateado. Chegamos a fazer rondas com um caminhão precário, mas não deixamos nosso trabalho de lado.” Hoje o Parque Nacional de Brasília encontra-se sob a administração de Amauri Motta. Gestão, aliás, muito elogiada pelos agentes. Foi na gestão do atual administrador, conta Otaciano, que eles adquiriram uma nova frota de carros. Todos trabalham uniformizados e, durante as rondas noturnas, os agentes ainda usam coletes à prova de balas e armas. “Trabalho há seis anos só neste Parque e digo que essa gestão do Amauri é muito boa. Ele fez questão de melhorar toda a logística necessária para que a gente possa realizar bem o nosso serviço.” Falta mais alguma coisa? Sim: educação ambiental nas escolas públicas. “Muita gente pensa que o Parque é a piscina do clube Água Mineral. Não é. Mas quando a imprensa vem fazer reportagens, é só para falar do clube. O que é um absurdo. O Parque é muito maior e tem enorme
importância para a região”, defendeu Otaciano. O agente tem toda razão. O Parque Nacional de Brasília é o principal regulador do clima no DF e também é a maior caixa d’água natural. A represa de Santa Maria, que está no coração dele, fornece água de alta qualidade para 30% do DF. É ali que estão duas bacias importantes que alimentam o lago Paranoá. E se a população enfrenta tempos muito difíceis durante a seca, pior seria se aquela vegetação não estivesse ali e preservada. Exceto o Plano Piloto, as cidades do Distrito Federal são pouco arborizadas. A paisagem urbana é feia, de grande poluição visual. O pior de tudo: o solo está impermeabilizado. “Pense no subsolo como uma grande caixa d’água”, disse o geoquímico Ricardo Moreira. “O solo absorve as águas da chuva e forma os lençóis freáticos. É isso que vai abastecer a população. Mas as cidades estão impermeabilizadas. Isso significa que a água corre muito rápido para os leitos. Os córregos aumentam o volume, mas essa água é pouco absorvida por causa da velocidade. Não tem mágica, não tem mistério: com o tempo a terra vai secar.” E com tantos maus tratos à natureza e absurdos ambientais vistos no DF, só mesmo o Parque para segurar esse fiapo de resistência natural que é de extrema importância não só para o lobo-guará ou o cágado preto: o Parque é fundamental para todos os habitantes do DF. A maior caixa d’água do DF é um sistema frágil que requer atenção e cuidado de todos
tantos deuses, tantos credos Tantos caminhos que serpeiam, serpeiam (Ella Wheeler Wilcox, The World’s Need)
Insegurânça, esta é a palavra mais próxima que poderia definir Teobaldo Miranda. Sempre visto como um garoto tímido, introspectivo, bondoso e assexuado. Desde os primórdios de sua existência seus pais notaram neme características atípicas para uma criança de sua idade. Terapias, psicólogos, ativades de lazer e esportes foram investidos por seus pais durante sua formação até ele atingir a idade de 19 anos. Quando o próprio se convenceu que não iria mais conseguir ajuda desse tipo de profissionais. Estranhezas a parte, Teobaldo tinha uma vida funcional na sociedade. Formou em faculdade, tinha seu grupinho de amigos. Pessoa fragilizada, a sua maior dificuldade de lidar era quando dita sobre sua sexualidade. Seus amigos mais queridos tratavam o tema como tabu, visto que esse assunto o magoava. Sempre buscando uma forma de se aceitar ou ser aceito pela sociedade, Teobaldo considerou a melhor solução ingressar na carreira de monge. Pois sua fragilidade poderia ser fantasiada na condição celibatária de um monge. Mas mesmo assim, Teobaldo sabia que não era o suficiente para sanar -se perante si mesmo. Por isso vinha debatendo internamente e externamente com seus amigos mais queridos esta ideia ao longo dos anos. Tentava gradativamente se diagnosticar em algum grau de fobia social. Teobaldo Miranda tinha um cargo médio em uma empresa privada. Fora do mercado de trabalho, seus programas, os considerados cults, era cinema, café, sarais e campeonatos de esportes diversos. Não transava álcool, drogas e nem avançava noite adentro em festas. Morava só com a ajuda dos pais em um modesto apartamento no Distrito Federal. Este sempre limpo. Mas dúvidas, incertezas e fragilidade marcavam a vida de Teobaldo. Mas como diz aquela expressão: quem muito escolhe acaba sendo escolhido. O amor bateu na porta de Teobaldo na altura de seus 26 anos. Janaína era uma menina meiga que ambos foram se aproximando aos poucos dentro da empresa onde eles trabalhavam. O primeiro contato de ambos quando Teobaldo foi designado para ensinar o santo ofício para a nova estágiaria.
Depois de uma semana, o repasses do material de trabalho, viraram longas e elucubrativas conversas sobre temas de interesse dos dois jovens enamorados. Poesia, música clássica e pop e lirismo. Ambos sairam para curtir sons e dançar por ai na noite. Conflitos existências de ambos também foram discutidos, como as coisas que mais magoam um ao outro, problemas com aceitação dos próprios pais. Suas fragilidades. Visões de Deus e do que seria a vida após a vida. E principalmente: porque o mundo não é ideal. Porque os seres humanos praticam a maldade entre si mesmo e os outros seres do reino animal. Como em um conto de almas gêmas, dois corações puros finalmente se aceitaram. Com muita maturidade, ele aos seus 26 e elas aos 22 anos, encaram o desafio de assumir um relacionamentoi sem nunca o ter feito antes. Essa aceitação foi feita após seis meses de intercãmbio cultural, quando ocorreu o primeiro beijo. Amor puro e verdadeiro, um boom de explosão de carinho, compaixão, cumplicidade, zelo entre dois corpos. Amor perfeito sem vacilos. Apenas candidices. Sem casarem, Maria já dormia praticamente todas as noites com Teobaldo. Servir o ser amado com amor: este era o destino imortal de ambos. Depois de dois anos, o único conflito entre ambos era o fato de Teobaldo dizer a Janaína que ainda não estava pronto para ter um filho Sete anos se passaram desde o primeiro beijo quando ocorreu este episódio marcante na vida do casal. Dentro da cabeça de Teobaldo o encanto foi quebrado. Ele, questionando em um ensimesmamento teve um acesso de raiva e frustração consigo mesmo e já não conseguia mais segurar a barra do mundo dentro de sua cabeça. Em um quase surto, porém consciente. Ele começa pedindo para ter um tempo para si mesmo. Para ele poder se entender e devolver todo o seu amor a Janaína amada. Um dos problemas foi financeiro o outro foi a insistência de Janaína em lhe pedir ao menos compreensão. Ele a nega porque não consegue entender a si mesmo. Ela insiste e, pela primeira vez, depois de sete anos Teobaldo passa a noite inteira deitado sem conseguir dormir, tendo apenas pensamentos pertubadores.
por Pedro Wolff
Uma semana depois de noites mal dormidas, Teobaldo rebentinar todos os seus demônios. Ele que nunca havia tratado mal ninguém. O fez como nunca pudera imaginar. Agredir com palavras é pior que um murro. É pior que uma paulada. Foi como cortar a carne da alma gêmea. Esse acesso de fúria ocorre na calada da noite. Ele não pode deixar sua mulher amada na sarjeta. Sua consciência age, após esse oposto de catarse. Ela, falando por sua alma, pede lhe perdão e que não se vá. Ela com lágrimas somadas ao seu desespero aceita o amor de Teobaldo. Sem medo, e com certeza que não haverá arrependimento. Ele deita em seu colo e chora, por extensas horas. “Nunca me perdoarei por faltar-lhe com este respeito”. Ela lhe diz para não falar bobagem e não consegue pensar em nada, apenas lhe dar colo. Depois, pelas 5h. Ambos conseguem dormir para acordar às 9h para irem trabalhar. Foi o abraço mais gostoso de suas vidas. Tudo voltou como era antes. Amor e pureza. Não há livros que possam descrever o quanto intenso foi aquele abraço. Aperto gostoso, simbiótico de alivio e conforto. Porém, quando Janaína acorda percebe que Teobaldo não está com ela lhe abraçando. Ela parte pela casinha de dois quartos lhe chamando. – Amor... vamos tomar café; – Amor... você ta no banheiro? Por último, no segundo quarto ela encontra Teobaldo na forca, jaz sem vida. Ela senta, chora e já meia conformada chama os bombeioros. De Maria para Teobaldo
– Meu único amor. Porque você fez isso conosco. Não somente, mas para todos nas nossas famílias, trabalho, comunidade e sociedade. Essa é a maior violência que um ser humano pode fazer com o outro. Ninguém sabe o que se passou na sua cabeça. Mas na nossa, de quem fica, é a mais absoluta tristeza e sentimento de impotência de não ter podido lhe ajudar. Você está na história da minha vida e me marcou como nenhum outro. Seu maior erro foi perdoar a todos os mortais, e como em um flagelo por não se sentir perfeito não conseguia perdoar a si mesmo. Você deu todo o seu amor ao universo, mas faltou amor a sua própria pessoa. Agora, eu consigo, mas é difícil para mim conseguir me perdoar. Por mais que minha razão me de certeza que não tive culpa. Fica um vácuo em minha mente. E se eu não tive-se me envolvido. Você estaria vivo? A matemática é precisa e o destino também. E colocar “se” nos meus questionamentos não ajudam, só atrapalham. O destino seria esse? Mas Deus me pôs no seu caminho porquê? Agora, o meu legado é sua familia. Que faço parte dela e a minha que também faz parte dela. Mas lhe confirmo, nada foi em vão. Nosso amor continua florescendo. Parta em sua missão para onde quer que você vá. Mas nosso amor continua sendo construindo. Maria virou missionária católica e partiu para o novissimo continente. Morreu de velhice praticando a bondade por meio da religião e construindo seu amor com Teobaldo. Também em vida ensinou todos que aceitavam ouvir suas palavras para amar uns aos outros e amar a si mesmo.
#55
janeiro de 2012