andré santa rosa - visão noturna para astronautas [ofolheto#001]

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OFOLHE TO##001

ANDRÉ SANTA ROSA


visĂŁo noturna para astronautas andrĂŠ santa rosa maceiĂł/recife 2020


e pensar que tudo evolui para esgarรงada solidรฃo cรณsmica - victor heringer


ventania i can’t keep track of each fallen robin - leonard cohen

nunca te faça as ruínas noturnas da cidade sequer esqueça tudo que vivemos na quarta-feira de cinzas em São Salvador alguém cantava wild is the wind soprava seus cabelos e as suas bandeiras estavam todas suspensas sustentando outras formas de presença que não a tua memória mais um corredor de hotel se inventa mais uma tarde & os deslocamentos do fogo as fotos e retratos em chamas e eu li suas mensagens que depois de anos ignorando um simples sopro seu: não existe última vista da cidade para nós dois o vento é selvagem você simplesmente fecha a janela


transmutação MODO DE USAR:

adormeça e sonhe com transmutação pratique 5 horas diárias de observação felina seja triste e corte seu cabelo (se possível, jamais leia um tweet pelo resto da vida) investigue os mistérios da projeção astral acredite somente no concreto mas converse com as plantas em seguida, seja literalmente uma planta & cresça na direção que bem desejar


verano me balançava o mar e nadar com você naquele tempo não sabíamos sobre o avanço das marés que invadem nosso continente, assim como a violência hedionda dos algoritmos não sabíamos o que aconteceu em paris em maio de 1968¹ but time couldn’t drain the history of the stars na vista do trapiche seus olhos estão a brilhar numa outra cor a areia guarda o acúmulo das nossas vozes essas promessas de erupções solares: tramas de desinventar invernos e em um sopro destruir todas as cidades onde não ouço seus passos imaginar Sísifo feliz é um fardo desmedido and time couldn’t drain aquela cena congelada todos nós devorando as torrentes por onde escapamos juntos a luz hoje eu guardo somente a lembrança da sensação de enjôo e queimaduras: foi assim que o verão acabou ¹ os maoístas iam ao cinema. no tempo livre os garotos brincavam de atirar pedras na polícia.


machine-heart

pleasure pleasure garden - patti smith

no alvorecer dos deuses os corpos transmutam-se em cores é uma claridade que só os olhos do meu amor entendem

se pudéssemos abrir as pessoas veríamos que somos todos formados por essas paisagens vulcânicas: uma metralhadora em estado de graça (suspensa no ar) minha caloi vermelha enferrujando no quintal de casa veja bem, infelizmente é sempre assim: paisagem, metralhadora, bicicleta nunca essas estátuas de argila esculpidas por suor e lágrimas naquele instante apaixonado inoxidável em pause quando estar no mundo é esse fogo que anda comigo nunca esse mundo possível: se consigo dormir vejo desbotado um quadro de família a imagem serena são sebastião flechado me sinto como ele, mas sou também todas as flechas & tenho a certeza - ainda pulsa em mim um coração mecânico celeste


chat do whatsapp, por intermédio de uma nova história dos objetos A: o q vc acha q sonhariam os objetos A: se os objetos sonhassem?? B: Acho q todo objeto sonha B: Minha escrivaninha com certeza B: sonha com os livros q nunca foram escritos B: Acho que o pé da cama coitado, deve sonhar em ser pé de sofá A: a minha cama não tem pé A: o q será que isso diz sobre os meus sonhos? B: O sofá tem? A: tem mas sao curtos B: Talvez eles até sonhem em serem maiores

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osteologia & agora por onde vou para sempre estou amarrado Ă s sinfonias dos teus ossos


9°39’20.8”S 35°42’14.1”W

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8°02’25.9”S 34°53’40.2”W



night vision for astronomy um avião em deslocamento a costurar outra linha no céu: essa forma sua de fixar suas passagens & os solstícios em seus beijos conheço bem essa caixa de ruído e eu a seguro na espera de quem sabe um dia te acertar entre as estrelas do teu signo2 porque elas que são rastilhos que somente brilham com a tua ausência

² right next to planet Jupiter.


parking lot (2:33 a.m) no banco traseiro de um carro estou em uma posição desconfortável dobra o quarteirão, uma esquina de um bloco não sei se um quadrado perfeito - afinal, qual a geometria das coisas que afundamos? my house is falling apart & agora o silêncio de um estacionamento olho pro velocímetro 80 90 100 120 2:33 foi um erro muito caro dos bilhetes escritos à mão e em tentativa de voltar para casa hoje eu durmo na mesma cama todas as noites é uma posição desconfortável mais um bloco de um quadrado que não é perfeito, não sei mais depois parados em um estacionamento my house is falling apart mas não precisávamos que fosse assim com a madrugada rente ao teu peito


sp (single parents)

p/ velocidade do metrô, caio, alice e eu

vinho derramado em uma blusa branca um fluxo interminável de vermelho ébrio (as vestimentas de baco) retratos: todas as coisas jorram nunca estancam vermelho: a cidade, batom linha do metrô passou cortando a madrugada pelas ruas do centro o vórtex dos corações secretos se deslocam pela fresta em que vaza a luz do flash neon os garotos andrógenos com seus cigarros mentolados filas de boates, apolos etéreos todos absortos esperando por algo


apartamento apartamento, 1002, mormaço mais um em um milhão no bairro quarto mudo:poucas palavras sobrevivem a nós e ao mundo as palavras são esse fogo de origem desconhecida desliza pela mobília pelas costas, costelas pelas estrelinhas no teu peito até o lado oposto ao clarão queima tudo que deveria ser dito mas não existe palavra certa para o silêncio sentido derrubando a paisagem a noite passou o último mergulho nas luzes na cidade cada janela esses olhos a vida privada de uma casa álbuns de retrato, louça chinesa uma vida que nos acossa penso na imagem perfeita: nos seus olhos o céu da sua boca pronunciando rendição essa luz essa luz nunca estilhaçou sob mim não ergue bandeiras & a beleza é o que permanece mesmo que uma presença opaca foi a nossa palavra que sequer retornou a brilhar lá fora os carros continuam passando infinitamente


we rule the school * era o ano de dois mil e etc e no banheiro da escola fiz um pacto de sangue com você & ali no vermelho fui feliz (hoje reminiscente em cicatriz) pronunciávamos in reverse da escuridão nossos nomes eram o primeiro e o quinto na lista de chamada ** no intervalo bebi uma coca-cola você pensava na geometria das estrelas: esse amor escavações para trilha de vênus um moshpit de navalhas a rasgar a carne do tempo *** hoje nossos nomes permanecem gravados em um banco de madeira que viverá mais que as nossas próprias peles³

³ tive essa revelação em um sonho.


o rosto que já há tempo perdemos

tanto faz saber a teoria das cordas ou tocar em um violino the sound of your skin eu sei que não existe outro dialeto outro continente que não seja esse: a visão noturna pela qual você me enxerga um dia a vida se torna essas gavetas vazias é uma tragédia qualquer aprender a amar as casas elas se dissipam na luz são uma foto desbotada do time do CSA no ano de 2008 e nessa época morava muito longe da cidade e sempre faltava luz mas em algum lugar isso tudo ainda existe os rastilhos do seu toque and i adore you the sound of your skin as tatuagens, a tua constelação a rebobinar meu sonhos quem eu era quando tinha tanta certeza passou a janela está fechada mas já parou de chover um altar de fotos de família a tristeza cosida por minha mãe agora os nomes das ruas que me levam pra casa me falham a memória & nenhum livro conhecerá os verões que vivemos


mas lemos sempre em busca dos nossos nomes a janela estĂĄ fechada e agora vocĂŞ fecha a porta mesmo sabendo que existem coisas que nĂŁo voltam mais


crédito da imagem: alice mota

foram impressos 30 exemplares de 'visão noturna para astronautas'. as fontes utilizadas no projeto são minion, bahnschrift e helvetica. os papéis são colorset 120g/m², kraft 80g/m² e sulfite 70g/m². o folheto é uma iniciativa da &legal edições, até que a morte os separe.


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