Trabalho de Conclusão do Curso de Arquitetura e Urbanismo - Senac São Paulo

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Elizabete Rasteli Moreira

AISTHESIS:

Arquitetura como uma experiência fluída

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo Orientador: Profº Nelson Urssi.

São Paulo, 2015



Para todos seres que acrescentam a mim e ao mundo melhores formas de pensar e vivênciar a vida. Aos meus amados pai Armindo, mãe Eliana e irmão Álvaro, que me aturaram e apoiaram no árduo processo de graduação com vosso indeicutível amor. Aos amigos e colegas, idos e vindos, que de uma maneira ou outra me acrescentam mais e mais maturidade. A todos os mestres que me orientaram em todos esses anos e podem agora, finalmente, “sentir o sabor” de seu trabalho e merecida recompensa. À música, minha parceira íntima e infinita. Aos músicos que me extasiam, me transportam e me ensinam. Em especial, ao meu músico Ruggero, eterna fonte de inspiração.



resumo O objetivo desta pesquisa é buscar analogias entre o som e a arquitetura. Pretende-se compreender quais são essas relações e como a arquitetura pode se estruturar através do som, considerando que a arquitetura se relaciona com o som e a música de diversas maneiras. Para tal, são utilizadas metodologias como: revisão bibliografica; estudos de caso por meio de análises das diversas relações fenomenologicas dos processos que envolvem ambas as artes. O resultado da pesquisa é o projeto arquitetônico de um pavilhão que tem como partido as premissas estudadas e é chamado de Aisthesis: a palavra grega que significa “a compreensão pelos sentidos”. Palavras chave: espaço, som, fenomenologia, arquitetura.

abstract The main purpose and objective of this research is to seek analogies between sound and architecture. It is intended to comprehend what these relations are and how architecture can be structured through sound, considering that architecture relates with sound and music in several ways. Thus, many methodologies are utilized, such as: bibliographic revision; case studies through phenomenological relations’ analysis of the processes in which both arts are involved. This research results in the architectonic project of a pavillion based on the studied premisses and named “Aisthesis”, a greek word meaning “comprehension through the senses”. Keywords: space, sound, phenomenology, architecture.



sumário Introdução

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A FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO

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O SOM E O SILÊNCIO O silêncio do som e o vazio da arquitetura Silêncio como vazio

17 18 19

ESTRUTURAS COMPOSITIVAS Harmonia Possibilidades de harmonia na arquitetura Melodia Possibilidades de melodia na arquitetura Ritmo Possibilidades de ritmo na arquitetura

23 23 24 25 27 29 30

A MÚSICA QUE TOCA NA ARQUITETURA

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SER ARQUITETURA

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O PROJETO

37

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LISTA DE FIGURAS

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introdução Essa pesquisa apresentou alguns desafios, pois procurou situar sumariamente o leitor no contexto filosófico em que se encontram as conexões entre as duas artes: música e arquitetura. E buscou o reconhecimento da interseção existente entre as linguagens musical e a arquitetônica. Acredita-se que os conceitos musicais e a compreensão específicas do som, no que se refere também à música, podem contribuir para a identificação de propriedades para a arquitetura. A grande sensibilidade que ser humano possue ao som, segundo Berendt (1997) contribui de forma primária para a realização desta pesquisa de intercâmbio. O estudo se inicia na análise particular de como o som poderia influenciar conceitos dentro da arquitetura, tais como sua composição, interação, e vivência usuário-espaço. Para que as relações estejam completas, os conceitos geralmente atribuídos às duas artes deveriam ser estudados, mesmo que sumariamente. Por exemplo, o ritmo, que normalmente é reconhecido como característico da música, pode ser aplicado também à arquitetura, dança, escultura, pintura, etc. Dessa maneira o estudo do som é usado como ponto de partida, para posteriormente os estudos de caso venham fomentar a pesquisa de forma a estabelecer as analogias. Portanto, o estudo do som fornecerá conceitos a serem discutidos, tais como ritmo, harmonia, melodia, que buscam paralelos na arquitetura. A pesquisa é complementada e afirmada pelo diálogo com questões filosóficas presentes no processo de projeto de espaços sensoriais e de experimentação do próprio indivíduo, como exemplo a fenomenologia da percepção. Os conceitos de fenomenologia da percepção agregam ainda mais para o trabalho, e posteriormente para o projeto, pois abordam aspectos de percepção não só auditivos, mas também relacionados à todos os outros sentidos humanos e tipos de vivência do espaço.



FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO Aos poucos nossa relação com o espaço mudou completamente. Suprimimos o tempo Kairós1, que nos proporciona a visão subjetiva de nossas experiências. Passamos a viver o tempo com os ponteiros dos relógios, a velocidade dos smartphones, nossas horas e minutos são inteiramente cronometrados. O tempo moderno vem de Chronos, ele é racional e funcional. Não podemos perder tempo, ele nos custa muito, e é a partir daí que incorporamos às nossas vidas meios e hábitos que agilizem os processos. O computador é um desses meios, ele toma menos tempo no trabalho de projeto e torna-o mais eficiênte. Porém, observando o papel atual da computação no processo de criação e projeto, nota-se facilmente a deterioração da incrível capacidade humana de imaginação em diversos sentidos. Esse processo é transformado num mero passeio na retina, pois o computador constrói uma série de imagens manipuladas passivamente. O criador se distancia do objeto, enquanto o trabalho com maquetes físicas e desenhos a mão o aproximam do contato tátil com o espaço pensado. Assim, o corpo do projetista experimenta a imagem física do projeto com as mãos e a cabeça ao mesmo tempo. O trabalho criativo passa a exigir uma identificação corporal e mental, de empatia e compaixão. (Pallasmaa, 2011, pg. 12)

Existe um modo de vivenciar arte e arquitetura, de maneira a qual a percepção de cada indivíduo envolva seus sentidos e passe fazer com que ele também seja parte do espaço, para si e para a própria obra arquitetônica. (Pallasmaa, 2011, pg. 12) Juhani Pallasma (2011) discorre sobre uma “arquitetura que intensifique a vida”. Hoje, vivemos tão imageticamente que nosso olhar tem o desejo próprio por controle e poder. Nossos sentidos estão focados no olhar. Com o desprendimento do olhar fixo defensivo poderiamos experimentar integralmente, também, com todos os outros sentidos. Baseado nisso que Pallasmaa diz que a arquitetura deve “fundir nossa imagem de indivíduos com nossa experiência do mundo”. A arquitetura existe também com a tarefa mental de articular a experiência de se fazer parte do mundo e reforçar nossa sensação de realidade e identidade pessoal. (Pallasmaa, 2011, pg. 11)

“A visão isola enquanto o som incorpora; a visão é direcional, o som é onidirecional. O senso da visão implica exterioridade, mas a audição cria uma experiência de interioridade. Eu observo um objeto, mas o som me aborda; o olho alcança, mas o ouvido recebe. As edificações não reagem ao nosso olhar, mas efetivamente retornam os sons devolta aos nossos ouvidos.” (Pallasmaa, 2011, pg. 46)

Os gregos antigos possuíam duas palavras para definir a noção de tempo: chronos e kairós. Chronos era usada no contexto de tempo cronológico, sequencial e linear. Ao tempo existencial os gregos denominavam Kairós, um tempo subjetivo: um momento oportuno, tempo de amadurecimento, tempo para compreender, para assimilar e aprender. Enquanto Chronos é de natureza quantitativa, Kairós possui natureza qualitatitva. 1


A arquitetura ultrapassa seu próprio significado final de edificação. Ela é capaz de redirecionar nossa consciência para o mundo e a própria sensação de termos uma identidade. Não cria apenas meros objetos de sedução visual, como muitos pensam, mas fornece o horizonte para o entendimento dos significados e confronto da condição existencial humana. Portanto, a grande missão da arquitetura é fazer com que nos sintamos seres existentes não apenas corporeamente. Quando percorremos uma obra ocorre um intercâmbio entre o indivíduo e o espaço, emoções e experiência. (Pallasmaa, 2011, pg. 13)

Nossas definições de espaço normalmente partem da concepção cartesiana, a qual o espaço é um plano regular onde se dispõe todos os corpos. Portanto, atribuimos existência aos espaços, mas sem os própios indivíduos esse espaço não seria capaz de existir. Sendo assim, pensar um espaço como existente, significa pensar em si próprio. É dessa forma que algumas teorias vem tratando da percepção do “eu” e da dimensão corporal do ser. Contrapondo as definições mais imediatas do que é espaço e resgatando a profundidade do corpo e sentidos humano. (Pallasmaa, 2011, pg. 17)

A audição é um dos nossos sentidos que estrutura e articula a experiência e o entendimento do espaço e das coisas. Quando, por exemplo, removemos a trilha sonora de um filme, as cenas perdem sua plasticidade e senso de continuidade. O cinema mudo, de fato, tinha de compensar com a representação de feições e gestos exagerados, a ausência dos sons. Qualquer um que já assistiu ao filme Blindness2 (Ensaio sobre a cegueira) pode confirmar a capacidade extraordinária do ouvido de imaginar o volume daquilo que ressoa no vazio da escuridão. (Pallasmaa, 2011, pg. 15)

A fenomenologia da percepção diz que nosso corpo sempre nos conecta à um sistema de circunstâncias e noções, diante de uma experiência, tornando o corpo a principal referência de um indivíduo. Ou seja, o indivíduo não deve compreender o espaço apenas a partir dele mesmo ou do espaço, mas como uma extenção do próprio corpo. Husserl (2011) torna os conceitos secundários, para a compreensão do espaço e tempo, em primários. Propondo que o espaço não é mais uma forma sintética e exterior ao ser vivo. (Merleau-Ponty, 2011, pg. 148)

Blindness (Ensaio sobre a cegueira), é um filme produzido pelo Japão, Brasil e Canadá no ano de 2008, resultado do livro de José Saramago, no qual a trama traduz a confusão dos conceitos em um tempo no qual todas as informações têm o mesmo peso. A cegueira de Ensaio é branca – é o brilho da luz que cega, é o excesso de informações desordenadas que confunde, em vez de esclarecer, e não deixa ver como o mundo de fato é. O resultado disso é o caos. Os “doentes”, isto é, as vitimas da epidemia de cegueira retratada no filme, são obrigados a reaprender a viver em sociedade, a refazer o contato, a tatear, ouvir, para reencontrar os valores humanos. 2


A concepção Husserliana não falará mais em espaço, e sim em espacialidade, pois o espaço será visto a partir de então como um atributo da consciência, doando o sentido de espaço para a experiência. Afinal, o sentido encontrado nessa nova percepção é o de espaço experenciado. A partir desses aspectos, viver é experimentar, e experimentar é parte fundamental da consciência. Dessa forma, o espaço vivido deixa de ser o meio objetivo no qual as coisas se encontram, e passa a ser o meio humano pelo qual a posição das coisas torna-se possível. (Merleau-Ponty, 2011, pg. 143) A partir das novas percepções Husserlianas, Merleau-Ponty (2011) compreende que o espaço existe pois o corpo se movimenta, e com esse movimento o indivíduo é inserido em um meio. O corpo vive as relações que o afetam e incorpora o indivíduo espacialmente ao mundo, ensinando o mesmo a comportar-se motoramente. Sendo assim, o espaço existe para que o indivíduo note que seu corpo é o próprio espaço, e não para que o corpo se movimente. O filósofo conclui, então, que o humano não é uma máquina que se movimenta por si em um espaço, mas uma motricidade3 sustentada pelas relações criadas na experimentação dos espaços. (Merleau-Ponty, 2011, pg. 149-159)

Por outro lado, Bachelar (1993) nos revela a análise reflexiva e silenciosa, a qual nos adentramos e conhecemos a solidão secreta que nos rodeia. Pois a palavra não pode substituir uma autêntica experiência física e sensorial. Dizendo que devemos transcender as urgências mundanas do cotidiano e por meio da solidão podemos chegar a consciência de nossa existência única e própria no espaço que resulta no desenvolvimento da consciência da percepção. A introspecção e reflexão privada resultam na ação pública. Por alguns instantes é preciso tomarmos a experiência apenas para nós mesmos. Assim, podemos utilizar a imagem a nosso favor, juntamente com o restante de nossos sentidos. (Bachelar, 1993, pg. 237-238) Desde a Grécia Antiga, a arquitetura contempla a arte refinada de oferecer prazer aos olhos, e tornou-se uma imagem fixada pelo visor da câmera fotográfica, perdendo sua plasticidade. Ainda assim, é a única capaz de despertar simultaneamente todos os nossos sentidos e nossas percepções sensoriais. Como a passagem da luz, da sombra e transparência, das cores e texturas, temperatura e sons. O paradigma visual também se encontra na cidade contemporânea. O planejamento urbano desvincula cada vez mais o corpo da cidade. Os processos de zoneamento e urbanismo têm favorecido a idealização da “higiene do ótico”. (Pallasmaa, 2011, pg. 29)

Com o termo Motricidade, Merleau-Ponty desejava elucidar que existe uma “intencionalidade originária” em nosso corpo. Dizendo que o corpo só se origina como movimento, não porque há espaço, pois não existe um espaço prévio e um corpo que se mova neste espaço; mas porque há um apelo ao corpo, vindo do mundo, o qual é respondido pelo corpo como movimento, surgindo daí o espaço. MERLEAU-PONTY, Maurice. Op. cit., pg. 149-159. 3


Kevin Lynch (1997) pensa na escala urbana e chama de “legibilidade” a maneira como, num modelo mais coerente, as cidades podem ser reconhecidas e organizadas para que seus habitantes a percebam de maneira diferente. Sendo isso, importantissimo para a própria relação do indivíduo com seu local de convívio. As experimentações com som e imagem nos anos 80 levaram ao surgimento de novas performances, deixando de serem consideradas meros registros. São chamadas “videoperformances” e “audio-performances”, que atuavam como espécies de “instalações interativas”. (Gonçalves, 2006, pg. 84) Como exemplo, Bill Viola4, que tem em seus trabalhos a unidade espacial, a manipulação do tempo e a inserção do artista e seu próprio corpo como parte fundamental da obra. O artista investiga a possibilidade da imagem tornar-se um ser vivo que pode ser explorado do interior. Assim como faz na instalação Território do Invisível (1994), por exemplo. Assim, pode-se afirmar que arquitetura deve ser compreendida mais como uma de série experiências parciais do que como uma totalidade. Então, para entendermos a interação entre os fenômenos experienciais e seus propósitos, devemos dividir o todo arquitetônico e analisarmos nossas percepções parcialmente.

4 Bill Viola é um videoartista estadunidense que começou sua carreira na década de 1970 com trabalhos no Everson Museun em Syracuse, Nova York. consistem em instalações, vídeos e performances, sendo marcados por um uso transparente do aparato videográfico, um controle e entendimento complexo do tempo, e por um inventivo uso do som. O tom espiritual de vídeos como The passing (1991) é constante em sua obra, já vídeos como Reverse Television(1983) trabalham uma crítica à televisão e à passividade de telespectadores. Também trabalha códigos simbólicos e reflete sobre a falta de consciência coletiva na arte e faz um uso muito próprio do sonho e da fantasia.


“Nenhum som teme o silêncio que o extingue.” John

O SOM E O SILÊNCIO

Sabe-se que o som é onda. É uma vibração de um corpo ou partícula, o qual nosso ouvido é capaz de captar e o cérebro de interpretar, ganhando sentidos. Então, som é movimento e não podemos discutir música sem antes conhecer os conceitos de som e silêncio. O som está presente em todas as coisas e em todos os lugares. (Wisnik, 1989, pg. 18)

Fig. 1 – Onda sonora, que pode variar conforme frequência e amplitude

Temos como referência o corpo humano, que é movimento. O organismo enquanto vivo nunca para, apesar de poder se manter estático. John Cage5, através desse pensamento, diz que podemos escutar o som grave de nossa pulsação sanguinea e o agudo do nosso sistema nervoso, se estivermos em um local totalmente silencioso. Por outro lado, não há som sem pausa, som é presença e ausência e está, apesar de não parecer, em meio ao silêncio. Ou seja, a onda sonora é formada de um sinal que se apresenta e de ausência que pontua a apresentação desse sinal. Há tantos ou mais silêncios quanto sons no som. (Wisnik, 1989, pg. 18)

Fig. 2 – Silêncios alternados contribuem para a definição do som

No mundo físico, em suas culturas, se origina o universo ruidoso. Cada cultura escolhe quais ruídos serão sons e quais sons serão ruídos. Dessa maneira, o ruído se caracteriza como desorganizado, poluente e caótico. E o som, a ordem aceita. Sendo assim, quando um indivíduo produz essa ordem de forma intencional e sequencial considera-se sons musicais, ou simplesmente música. Os sons e os ruídos na música ou na arquitetura são retirados e recolocados nas culturas e consequentemente nas obras por elas produzidas. Portanto, as duas artes se organizam igualmente e são constituidas por movimentos culturais. (WISNIK, 1989, pg. 19)

John Milton Cage Jr. foi um compositor, teórico musical e escritor norte-americano.

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o silêncio do som e o vazio da arquitetura “(...) se podemos encontrar na arquitetura as contribuições das outras artes, é o espaço interior, o espaço que nos rodeia e nos inclui, que dá o lá no julgamento sobre o edifício, que constitui o “sim” ou o “não” de todas as sentenças estéticas sobre arquitetura.” (Zevi, 1996, pg. 20)

O psicanalista francês Lacan (1979) dizia que um vaso modelado pelas mãos de um homem pode ser considerado o elemento primordial da indústria humana, um instrumento, um utensílio, que nos permite afirmar a presença humana em qualquer lugar. Logo, o vaso se caracteriza vaso por ser vazio, sendo essa sua função. O vazio criado pelo vaso introduz a possibilidade de preenchê-lo e dar-lhe significado: “é a partir desse significante modelado que é o vaso, que o vazio e o pleno entram como tais no mundo.” Portanto, o vaso só pode estar pleno se antes, na sua essência, ele for vazio. Bruno Zevi (1996), afirmou que o grande protagonista do fato arquitetônico é o espaço vazio onde se vive. A arquitetura não provém de um conjunto de larguras, comprimentos e alturas obstantes no espaço, mas do vazio do espaço encerrado e do espaço interior em que os indivíduos andam e vivem. Assim, a arquitetura, com sua própria experiência espacial prolonga-se na cidade, ruas e praças, nos becos e parques, nos estádios e jardins, onde quer que a obra do homem haja limitado “vazios”. O espaço e o vazios são protagonistas da arquitetura, pois a arquitetura não é apenas arte. É também o ambiente, a cena onde vivemos. Dessa maneira, isso também é válido para a música, pois o som não existiria sem o silêncio. Dentro desse contexto, podemos analisar essa relação das duas artes em discussão: Silêncio e Vazio, Música e Arquitetura.


silêncio como VAZIO

Tal análise foi feita a partir da observação de estudos de caso. Neste ponto entendemos o silêncio a partir de três conceitos: o vazio que possui potencial para ser preenchido, o vazio que acaba por definir os espaços do projeto, e o vazio subjetivo, aquele que dá outro significado ao próprio vazio. (Grilo, 2008, pg. 13)

Fig. 3 – O jardim de inverno anterior a construção da Sala. Estação Júlio Prestes – São Paulo – Brasil.

O antigo jardim de inverno da Estação Júlio Prestes, antes abrigava palmeiras, porém com sua proporção ideal foi percebido potencial para que ali fosse instalada uma sala de concertos de ótima qualidade sonora. A atual Sala São Paulo apesar de permanecer vazia quando não esta em uso, tem o potencial para acomodar até 1.500 espectadores. (Zein, 2001, pg. 36)


Fig. 4 – Sala São Paulo de Concertos – São Paulo – Brasil.


Fig. 5 – Planta Esquemática da Cidade da Música – Esplana Nível 1 – Rio de Janeiro – Brasil.

Fig. 6 – A grande varanda

Na Cidade da Música, no Rio de Janeiro, os vazios definem o próprio projeto, dividindo-o em 5 blocos principais e a laje que abriga-os. Esses vazios oferecem aos blocos uma grande varanda induzindo os usuários a usarem como ponto de encontro, espera e descanso. Essa varanda (vazio), então, torna-se o elemento definidor dessa arquitetura.


Fig. 7 – Ópera de Oslo - Snohetta. Oslo – Noruega - 2007

Fig. 8 – The Carpet - Ópera de Oslo

The Carpet, como é conhecida a cobertura da Ópera de Oslo, deixa de ser uma mera cobertura pelo simples fato de ser subjetiva à finalidade de um telhado. A cobertura é capaz de cumprir sua função de fechamento sem necessariamente ter esse significado, oferecendo aos usuários uma grande praça e dando certa continuidade ao fiorde.


ESTRUTURAS COMPOSITIVAS Esse capítulo explica sumariamente parte da teoria musical, pois as relações entre a música e arquitetura não se dão apenas no campo filosófico e subjetivo, mas também dentro das estruturas usadas para a composição musical. A matemática definitivamente está presente em todas as coisas.

harmonia

Fig. 9 – Intrincada rede de ondas sonoras

As ondas sonoras apresentam-se como emaranhadas redes de ondas de diferentes formas e alturas, sobrepostas, que definem um único som perceptível. Ficando conhecido como série harmônica. Pitágoras, por volta de 400 a.C., foi um dos primeiros a estudar as relações entre alturas musicais e série harmônica, desenvolvendo o monocórdio, um instrumento que capta uma frequência básica e os harmônicos, descobrindo as proporções entre eles. Acreditava-se na existência de uma harmonia universal extensiva ao cosmos, incluindo os corpos celestes. Cada escala natural era associada a um planeta conhecido, ao que deu-se o nome de Harmonia das Esferas. Com isso surge um novo parâmetro ocasionado dessa harmonia que orienta as proporções e interações entre as partes e o todo universal. Isso, não só agrada aos ouvidos, como indica o que está em total conjunto agradável de sons com o cosmos, seja em música ou arquitetura. (Wisnik, 1989, pg. 19)


possibilidades de harmonia na arquitetura As proporções correspondentes aos intervalos musicais podem refletir nos projetos por meio de malhas modulares. No Parthenon, cada coluna pode representar a frequência básica, enquanto os espaços entre cada coluna, as proporções entre cada frequência. (Grilo, 2008, pg. 17)

Fig. 10 – Modulação na fachada do Parthenon – Grécia.


melodia Melodia é uma sequência de notas encadeadas. Podemos citar como exemplos de melodias um canto gregoriano, uma série dodecafônica, um solo de Miles Davis. As alturas músicais, ou notas, são usadas como referência na melodia, e são compostas em variações dentro de séries definidas, denominadas escalas. As melodias são combinações variadas nesta reserva. Já a escala, é uma reserva mínima de notas. (Wisnik, 1989, pg. 21) As culturas definem as escalas da mesma forma como é definido o que é som e o que é ruído. A escala pentatônica, por ser muito consonante, foi especialmente difundida no Japão e na China e é muito usada até em diversas composições e melodias. A escala pentatônica (escala de 5 tons) é uma das mais antigas e possui um grau de fusão entre as ondas sonoras que a compõe. (Wisnik, 1989, pg. 23) Na Grécia antiga, a escala diatônica (escala de 7 notas), continua de maneira distinta em cada região do país, e é conhecida atualmente como modos gregos. Por exemplo: o modo Dórico continha as 7 notas dispostas descendentemente de mi a mi; o Frígio, de ré a ré; o Jônico, de dó a dó, o Eólio, de lá a lá, etc. Dois desses modos foram consagrados na música erudita tradicional. São eles: o modo Jônico, definido hoje como escala maior; e o modo Eólio, conhecido como escala menor. (WISNIK, 1989, pg. 81)

Os modos Jônico e Eólio são considerados ascendentemente quando apresentada uma sequência tom-tom-semitom-tom-tom-tom-semitom, para o modo Jônico e tom-semitom-tom-tom-semitom-tom-tom, para o Eólio. Percebe-se, assim, que a diferença entre as duas séries está na posição dos dois semitons presentes na série de 7 notas. (Wisnik, 1989, pg. 82) Outras duas escalas bastante utilizadas nas composições modernas são: A escala de tons inteiros, muito utilizada por Debussy no final do século XIX; divide a oitava em 6 partes iguais – dó-ré-mi-fá#-sol#-lá#-dó, por exemplo. Esta escala possui muitas dissonâncias em sua estrutura, em especial um trítono a cada três notas consecutivas. O trítono é o intervalo de 3 tons inteiros e ficou conhecido na Idade Média como Diabolous in Musica, dado ao forte efeito dissonante produzido. E a escala cromática, de 12 tons, a qual se apresenta baseada na simples sucessão de semitons – dó-dó#-ré-ré#-mi-fá-fá#-sol-sol#-lá-lá#-si-dó. Desta escala derivam as séries dodecafônicas, teorizadas por Schoenberg no início do século XX. Cada uma delas é tão simplesmente uma permutação matemática das doze notas. (Wisnik, 1989, pg. 84) Existem hoje amplas opções composições abertas pela música moderna. Com o uso livre das escalas musicais na criação de melodias é possível livrar-se de padrões rígidos, cheios de recursos criativos, permitindo espaço de reinventar séries de notas e inúmeras possibilidades de improvisos.


Fig. 11 – As escalas representadas pela escada.

Fig. 12 – Escalas muito utilizadas nas composições modernas.


possibilidades de melodia na arquitetura Vimos que melodias são sequências de notas musicais. Portanto, tratam do conjunto de notas que se sobressaem a todos os outros componentes da música. Em uma música, melodia é linha principal que expressa sentido à canção. Então, podemos notar melodia na arquitetura, de maneira que onde ela nos leva descobrimos o seu sentido. Como por exemplo o Ágora de Atenas, espaço público de fundamental importancia para a constituição do espaço urbano de Atenas. Percorrendo seu caminho era possível chegar até Acrópolis, e assim até o Parthenon. Caminho esse marcado por diferentes edifícios (notas) que se distribuíam ao longo de seu percurso e possuiam os modos gregos em sua composição assim como na escala pentatônica. (Grilo, 2008, pg. 20)

Fig. 13 – A Ágora de Atenas – Grécia – Séc. V a.C.


Fig. 14 – Modos Gregos: Dórica, Jônica e Corintía


r

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o

O fluxo é constituido de qualquer tipo de ocorrência sucessiva de eventos. É aleatório, como o caso da passagem de carros por uma avenida, ou estruturado, como um desfile militar. Dessa maneira, define-se ritmo como sendo a estrutura perceptível em um fluxo. Na música o ritmo faz-se a partir da estruturação das durações dos sons e silêncios. O ritmo mais elementar pode se considerar um pulsar. (Grilo, 2008, pg. 31)


possibilidades de ritmo na arquitetura Encontramos a ocorrência de fluxos na arquitetura de forma aleatória (arrítmica) ou estruturada (rítmica). A aleatoriedade, por mais que não defina rítmos perceptíveis, pode ter efeito interessante na obra arquitetônica. É o caso das fachadas presentes na Praça das Artes, em São Paulo. O novo edifício implantado ao lado do conservatório possui o ritmo de suas janelas completamente aleatório. Enquanto isso, o próprio conservatório revela a forma estruturada e ritmica em sua fachada.

Fig. 15 – Fachadas Praça das Artes e Sala do Conservatório. São Paulo – Brasil.


A MÚSICA QUE

TOCA

ARQUITETURA

NA

Dois tipos de associação de universos compositivos tinham se revelado mais comuns até o final do século XIX. O primeiro chamado de composição mediada caracterizou-se pelo modo de composição dependente de uma dimensão intermediária, cujas leis valiam tanto para música quanto para a arquitetura. Como exemplo o Parthenon e sua matemática harmônica. A composição por analogia subjetiva, foi o segundo tipo e constituiu-se de semelhanças de conceitos primordiais das artes, fundamentados em características culturais. Como exemplo a redenção aos céus que mudou as alturas das catedrais Góticas, ou o período barroco que apurou tanto a música quanto a arquitetura. (Almeida, 2005, pg. 28) Porém, essas teorias passaram por grandes mudanças a partir do XX, e novas formas de produzir arte começaram a caminhar de maneira mais experimental e subjetiva. Foi então, que as composições tornaram-se integradas e por camadas. A composição integrada acontece nos primeiros momentos do movimento Moderno e seus motivos compositivos se baseiam em um repertório subjetivo. Já a composição por camadas contrapõe a composição mediada, pois ela pode ser interpretada como uma série de camadas sobrepostas e relativamente independentes entre si. (Almeida, 2005, pg. 28-29) O Pavilhão Philips (1958) é um belo exemplo da composição integrada e dos diversos temas abordados até então. Projeto de Le Corbusier, constituido a partir da composição musical Metastasis de Iannis Xenakis, que se formou engenheiro pelo colégio politécnico de Atenas, mas desde cedo optou por trabalhos com instrumentos matemáticos, que fez com que desenvolvesse suas teorias musicais originais. As teorias matematicas associadas aos sistemas indeterminados (estatística, probabilidade, lei dos grandes números) presentes em sua música, fizeram com que suas peças fosses claramente de impacto emocional, pois possuiam extrema clareza harmônica e estrutural. (Veríssimo, 2009, pg. 30) A composição Metastasis foi desenvolvida nos anos de 1953 a 1954. Sua construção sonora explora um sentido geométrico. Baseando-se no deslocamento constante de uma linha reta, apresenta-se na composição a articulação sonora denominada Glissandi6, que é alcançada pela predominância dos instrumentos de corda. São sessenta músicos que formam a orquestra: duas flautas, dois oboés, um clarinete, um clarinete baixo, três trompas, dois trompetes, dois trombones, percussão, tímpanos, doze primeiros violinos, doze segundos violinos, oito violas, oito violoncelos e seis contrabaixos. Dividida em três partes a peça começa e termina pela continuidade do som, intercaladas por um período descontínuo na segunda parte. (Veríssimo, 2009, pg. 31) Glissandi é um deslize de um campo (nota) para outro. Termo musical italiano derivado do Glisser (francês), que significa deslizar. 6


Fig. 16 – Composição musical de Metastasis – Iannis Xenakis – 1954.


Foi durante a Exposição Internacional de Bruxelas, que surgiu a idéia para o pavilhão. Le Corbusier e Xenakis decidiram, então, espacializar o som e compôr um evento arquitetônico no espaço e no tempo. Usaram, a contínua sensação de transformação da peça musical no desenho da forma arquitetônica. A inspiração formal surgiu da partitura da música, as massas de Glissandi foram responsáveis pelo desenho de parabolóides hiperbólicos. (Veríssimo, 2009, pg. 32)

A superfície que constitui as paredes e cobertura do pavilhão, é uma combinação de conóides e parabolóides, um corpo aberto projetado ao infinito. O interior do pavilhão é curvo, mas suas linhas dobram-se sobre si. Assim, a geometria fica indeterminada e o usuário perde a noção do módulo. Efeitos que juntamente com a iluminação obrigam o usuário trocar de sistema de referência e pedir auxílio à audição. Os olhos perdem a preferência, os ouvidos ganham espaço, os sentidos se afloram. O som que se ouvia em seu interior e as imagens projetadas sobre as paredes compunham o todo indissociável do projeto. Os responsáveis pela ambientação foi o grupo formado por Edgar Varèse, pioneiro da música eletrônica e autor de Poème Electronique, especialmente composta para preencher o espaço sonoro do pavilhão. O cineasta Philippe Agostini e o artista gráfico Jean Petit que juntos criaram e organizaram as sequências de imagens projetadas. (Veríssimo, 2009, pg. 34)

Fig. 17 – Croquis Pavilhão Philips – Iannis Xenakis – 1958.

Duas qualidades formais são estabelecidas se comparadas a morfologia externa e a planta da obra: uma orgânica, composta pela curva que define o perímetro do ‘estômago’, como queria Le Corbusier; e outra abstrata, gerada pela regularidade geométrica de planos curvos e amplos, destacados na modulação construtiva. (Veríssimo, 2009, pg. 33)

Posteriormente, esse tipo de arquitetura, repetiu-se e ficou conhecida como Polytope, que significa “muitos lugares”. (Veríssimo, 2009, pg. 34)

Fig. 18 – Desenhos do Pavilhão Philips – Iannis Xenakis – 1958.


Fig. 19 – Interior do Pavilhão Philips – Iannis Xenakis. Bruxelas – Bélgica - 1958.


Le Corbusier e Xenakis atingem as diferentes formas de percepção do espaço. Concluimos que arquitetura e música podem emanar-se por serem artes tão envolventes. Ambas permitem que vivências de imersões de experiências temporais sejam experimentadas também pelos corpos dos usuários.

Fig. 20 – Pavilhão Philips – Bruxelas – Bélgica - 1958.


SER

ARQUITETURA

Foram sugeridas diversas analogias durante a pesquisa. O espaço, matéria pura da arquitetura, encontrou possibilidades de paralelos musicais. Já Os vãos também existem. As semelhanças entre as artes as formas de fazer (e pensar) músicas contacta- podem não estar na maneira como elas se fazem preram e dialogaram com as estruturas arquitetônicas. sentes, mas nas impressões que deixam. Uma hora ou outra o visitante deve deixar a edificação. Então, no moNos damos conta, que os espaços com os quais nos mento de projetar um espaço devemos ter a consciênrelacionamos, muitas vezes passam desapercebidos, cia de pensar o que esse indivíduo leva consigo. Carreou porque realmente não possuem nenhum senti- ga somente memórias moduladas daquele espaço? Ou do significativo, ou simplesmente por não saírem do o cansaço da caminhada pelo edifício ? Ou foi possível recorrente estado de uniformidade, por parecerem ir além, pois a arquitetura o instigou a unir-se a ela ? apenas mais uma construção como tantas outras. A maioria dos indivíduos, têm apenas sua casa como parte integrante deles mesmos, como uma forma de extensão de si e do próprio corpo. Pois é nesse espaço de morar onde guardam suas vontades, seus segredos e imprimem todas suas características. Assim, as relações com os espaços públicos, as cidades, acabam por ficarem inertes, perdidas. Mas é obrigação da arquitetura mudar esse modo de vivência. Nós, arquitetos, também temos que nos desmecanizar da rotina corriqueira na qual estamos sintonizados. Para conseguirmos construir espaços nos quais os transeuntes parem para ouvir, sentir, viver o meio no qual hoje não passam de meros coadjuvantes.

O primeira tentativa de desalienar o modo de vida atual deve ser a arquitetura, que juntamente com a música ganha ainda mais força. Como uma forma de fazer indivíduos enxergarem a si próprios, de se ouvirem e de olharem à sua volta. Para que então a arquitetura faça sua parte e instigue os sentidos presentes no corpo humano, que são responsáveis pela verdadeira percepção e vivência do espaço.

É a partir dessas perguntas que o projeto final passa a se desenvolver. Projeto no qual o indivíduo possa contemplar os próprios sentidos. Sendo arquitetura e indivíduo o conjunto da mesma obra. Para tal, o vazio é utilizado como forma da incorporação da intervenção fluída de quem utiliza, assim como o silêncio, que recebe os sons que lhe forem oferecidos. Materialidade e luz também conectam o usuário ao espaço de forma contemplativa. O objeto arquitetônico se apropria totalmente dos elementos naturais para que a essência da conexão entre o que é material e o que é subjetivo seja berrante. Assim os contrastes podem despertar a vontade de apropriação e conexão do corpo humano com o corpo arquitetônico. As relações desse projeto de pesquisa acontecem em diferentes níveis, que vão desde o momento anterior ao próprio partido de projeto, até o desenrolar do processo de desenho e escolha de um local de implantação, onde foi impresso meu próprio corpo, minha própria impressão, intenção e verdade.


O PROJETO “

Nessa comunhão dinâmica do homem e da casa, nessa rivalidade da casa e do universo, estamos longe de qualquer referência às simples formas geométricas. A casa vivida não é uma coisa inerte, o espaço habitado transcende o espaço geométrico.

Gaston Bachelard, 1993


No momento de definir uma questão para o projeto, foi percebido que o mais importante nessa pesquisa não era conseguir responder às perguntas anteriores, pois elas pertencem ao próprio indivíduo que caminhará por minha obra. O mais importante é ter conseguido entender que essas respostas são individuais e que a arquitetura nesse momento deve vir para instigar o modo de questionar a si próprio. Independente de qual seja ou como seja a experiência, ela deve existir. A questão do projeto, então, é movimentar a experimentação de um espaço no individuo que o ocupa. Assim, o indivíduo pode ser modificado pelo espaço adquirindo novas experiências, e o espaço modificado pelo indíviduo, por permitir que essas experiências sejam recebidas. Como vimos anteriormente, o vazio é natural na arquitetura e de grande valia quando queremos nos aproximar do ambiente, a cena onde vivemos nossa vida. Sem o vazio, a arquitetura simplesmente não existiria. Assim como sem o silêncio, um som ou uma música não são possíveis. Foi, então, buscando constituir um espaço que conecte a proximidade com ambientes naturais, os vazios e o silêncio, que surgiram as primeiras premícias deste projeto. Outra questão chave para o processo de desenvolvimento dos ambientes do pavilhão foi a separação de ambientes por obstáculos possíveis em nossa vida cotidiana, para que o usuário tenha ainda mais um motivo de desmecanizar-se. Relacionando os mesmos de maneira figurativa ao que poderiamos fazer se à nossa frente, de repente, aparecesse um abismo, um grande fiorde que precisamos atravessar. As possíveis soluções seriam: Caminhando, Mergulhando, Escalando, Observando e Ouvindo.

AISTHESIS



CAMINHANDO

É representado pelo túnel de acesso ao pavilhão. O túnel é revestido por xisto, intimida o usuário a toca-lo e descobrir as diferentes escalas da pedra, os pés colados no chão e a caixa que se fecha acima de quem adentra esse espaço transmitem a segurança de estar em terra fime, e dá a sensação que é um longo caminho, mas terá um fim. Ao fim do túnel o revestimento acaba e colide com enormes paredes de concreto aparente liso e polido. E uma grande escada em vidro e metal que representa o ambiente Escalando. Espaço onde materiais reagem entre si. A escolha consciente de um ambiente pesado feito de pedra se transformar num espaço livre e de grande pé direito, o qual adentra luz natural e possibilita a escalada em vidro e metal, evoca memórias primordiais que vem do uso da pedra, até um momento mais recente do uso avançado de materiais. Uma evolução lenta, mas que esta presente em diversas áreas da vida.



MERGULHANDO

Ainda no mesmo piso onde chega o túnel, é possível acessar uma sala de pé direito menor, mais escura, que permite em sua extremidade, através de um vidro na superfície do chão e da cobertura, que o usuário veja a água e sinta-se dentro dela. Nesse espaço é a luz quem cria a arquitetura. As aberturas em vidro possibilitam um clima sereno no meio do desespero que é mergulhar sem poder ver. A intenção é seduzir o usuário a sentir como um mergulho cego no espaço pode ser o caminho para onde pode-se enxergar.



ESCALANDO OBSERVANDO E OUVINDO

A escada helicoidal não permite que os pés estejam assim tão firmes como o túnel de acesso, o usuário já não sente-se tão seguro. E a escalada até a grande laje em balanço coberta por uma casca distante, revela que ali não existe interior, nem exterior. O invólucro da cobertura não diz o que é dentro ou o que é fora, a grande laje não impõe limite, o usuário pode saltar na água se quiser. Assim como pode descer até ela, percorrer o espaço sem que a peça arquitetônica seja necessariamente o ambiente de dentro que abriga e protege. A vegetação passa por baixo da laje livremente, assim como a água. Assim o usuário flutua, cria seu próprio fora e dentro, seu próprio ambiente. A idéia principal é que a escalada leve a uma sensação de conquista do próprio espaço.

Dentro do tubo que sustenta a escada helicoidal flutua uma grande escultura em aço corten que vai até o topo da cobertura em casca, e carrega pra dentro do tubo a água da chuva. Não pode ser tocada, esta ali para ser apenas observada. Descobre-se com essa observação que objeto arquitetônico tem diversas camadas e faz com que o usuário sinta-se de diferentes formas em cada ambiente, só que ali, ele só pode prestar atenção. Ficam dispostos também, fones de ouvido que emitem diversos sons. Sons que remetem a memórias, que remetem aos próprios materiais e elementos presentes na obra arquitetônica (pedras que se chocam, gotas de água caindo, o vento, o arder de uma brasa, e os sons da vida cotidiana (uma campainha, as chaves abrindo a porta, o digitar dos dedos nos teclados, as buzinas e conversas no meio da rua, a tv, um telefone tocando, uma musica que toca no rádio). Culminando em uma extensa experiência envolvida com todos os sentidos do nosso corpo.



CONSIDERAÇÕES FINAIS Mais do que concluir algo, consegui mudar minhas próprias percepções e raciocínios de projeto com esse trabalho de pesquisa. Assim desejo para quem o ler. A parte mais importante do trabalho se deu quando a real conexão entre arquitetura e a musica estabeleceu-se. Essa conexão definitivamente é o indivíduo. É impossível relacionar as duas artes sem tratar do indivíduo. Nós somos o que possui o elo mais importante entre nós mesmos e o meio pelo qual nos relacionamos com o espaço a nossa volta: o corpo. Das vivências e experimentações nas quais nossos corpos se envolvem e percebem o mundo (ou são percebidos), fica somente a possibilidade de um ou outro, ou ambos, serem afetados, modificados. Esse é o trunfo em ser arquiteto. É dentro dessa lógica que finalizo minha pesquisa, definindo arquitetura independente de sua materialidade visível e das formas, módulos e estruturas produzidas. Quando experienciada verdadeiramente, seu significado é muito maior para si mesma e para as pessoas. Realiza-se um encontro fluído de sujeito e espaço, tranformando-os em tempo, em duração de vivência.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ALMEIDA, Fernando. À luz da cadência: a música na arquitetura. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo - UFPE, Recife, 2005, 91 pg. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993, 242 pg. BERENDT, Joachim-Ernst. Nada Brahma. A música e o universo da consciência. Cultrix, 1997, 288 pg. CABRAL FILHO, J. S. Estratégias digitais – arquitetura e música eletrônica. In: Urbano Nojosa. (Org.). O Design Contemporâneo: o futuro das novas mídias, games e narrativas digitais. São Paulo: Nojosa Edições, 2006, p. 87-98. Disponível em : <http://www.mom.arq.ufmg.br/lagear/textos/estrategias-digitais-arquitetura-e-musica-eletronica/>. Acessado Março 2015. DONDIS, Donis A. A sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1991, 51-83 pg. FRACALOSSI, Igor. Questões de Percepção: Fenomenologia da arquitetura / Steven Holl. 15 May 2013. ArchDaily Brasil. Disponível em: <http://www.archdaily.com.br/18907/questoes-de-percepcao-fenomenologia-da-arquitetura-steven-holl>. Acessado Junho 2015. GONÇALVES, Fernando do Nascimento. Fabulações Eletrônicas: poéticas da comunicação e da tecnologia em Laurie Anderson. Rio de Janeiro: E-papers, 2006, 286 pg. GRILO, Pedro. Musica | Arquitetura: um espaço para possíveis analogias. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Universidade de Brasília. Brasília, 2008, 39 pg. LACAN, Jacques. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1979.


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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Onda sonora, que pode variar conforme fraquência e amplitude Fonte: GRILO, Pedro. Musica | Arquitetura: um espaço para possíveis analogias. Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo – Universidade de Brasília. Brasília, 2008, pg. 11. Figura 2 – Silêncios alternados contribuem para a definição do som. Fonte: GRILO, Pedro. Op. cit., pg. 9. Figura 3 – O jardim de inverno anterior a construção da Sala. Estação Júlio Prestes – São Paulo – Brasil. Fonte: colunas.cbn.globoradio.globo.com Figura 4 – Sala São Paulo de Concertos – São Paulo – Brasil. Fonte: galeriadaarquitetura.com.br Figura 5 – Planta Esquemática – Esplana Nível 1. Fonte: arcoweb.com.br Figura 6 – A grande varanda. Fonte: arcoweb.com.br Figura 7 – Ópera de Oslo - Snohetta. Oslo – Noruega – 2007. Fonte: ramaknight.com Figura 8 – The Carpet - Ópera de Oslo. Fonte: photo.jkscatena.com Figura 9 – The Carpet - Ópera de Oslo. Fonte: GRILO, Pedro. op. cit., pg. 13. Figura 10 – Modulação na fachada do Parthenon – Grécia. Fonte: GRILO, Pedro. Op.cit. pg. 17. Figura 11 – As escalas respresentadas pela escada. Fonte: GRILO, Pedro. Op. cit., pg. 21. Figura 12 – Escalas muito utilizadas nas composições modernas. Fonte: GRILO, Pedro. Op. cit., pg. 22. Figura 13 – A Ágora de Atenas – Grécia – Séc. V a.C. Fonte: timerime.com


Figura 14 – Alguns modos gregos presentes na arquitetura: colunas. Fonte: wikipedia.org Figura 15 – Fachadas Praça das Artes e Sala do Conservatório. São Paulo – Brasil. Fonte: Google Imagens Figura 16 – Composição musical de Metastasis – Iannis Xenakis – 1954. Fonte: archdaily.com.br Figura 17 – Croquis Pavilhão Philips – Iannis Xenakis – 1958. Fonte: archdaily.com.br Figura 18 – Desenhos do Pavilhão Philips – Iannis Xenakis – 1958. Fonte: archdaily.com.br Figura 19 – Interior do Pavilhão Philips – Iannis Xenakis. Bruxelas – Bélgica - 1958. Fonte: archdaily.com.br Figura 20 – Pavilhão Philips – Bruxelas – Bélgica - 1958. Fonte: archdaily.com.br Figura 21 – Pavilhão Aisthesis - Maquete eletrônica de arquivo pessoal executada em novembro 2015. Figura 22 – Implantação - Desenho de arquivo pessoal executado em novembro 2015.. Figura 23 – Planta Subsolo - Desenho de arquivo pessoal executado em novembro 2015.. Figura 24 – Planta Térreo - Desenho de arquivo pessoal executado em novembro 2015.. Figura 25 – Corte AA - Desenho de arquivo pessoal executado em novembro 2015. Figura 26 – Corte BB - Desenho de arquivo pessoal executado em novembro 2015. Figura 27 – Pavilhão Aisthesis - Maquete eletrônica de arquivo pessoal executada em novembro 2015. Figura 28 – Pavilhão Aisthesis - Maquete eletrônica de arquivo pessoal executada em novembro 2015. Figura 29 – Pavilhão Aisthesis - Maquete eletrônica de arquivo pessoal executada em novembro 2015. Figura 30 – Pavilhão Aisthesis - Maquete eletrônica de arquivo pessoal executada em novembro 2015.


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