universidade federal de mato grosso faculdade de arquitetura, engenharia e tecnologia departamento de arquitetura e urbanismo trabalho final de graduação I elizabeth othon de souza orientadora: prof. dra. andréa figueiredo arruda canavarros cuiabá/2016
melhorias habitacionais no assentamento são miguel leitura das demandas
aula de voo mauro iasi o conhecimento caminha lento feito lagarta. primeiro não sabe que sabe e voraz contenta-se com o cotidiano orvalho deixado nas folhas vívidas das manhãs. depois pensa que sabe e se fecha em si mesmo: faz muralhas, cava trincheiras, ergue barricadas. defendendo o que pensa saber levanta certezas na forma de muro, orgulhando-se de seu casulo. até que maduro explode em voos rindo do tempo que imaginava saber ou guardava preso o que sabia. voa alto sua ousadia reconhecendo o suor dos séculos no orvalho de cada dia. mesmo o voo mais belo descobre um dia não ser eterno. é tempo de acasalar: volta à terra com seus ovos à espera de novas e prosaicas lagartas. o conhecimento é assim: ri de si mesmo e de suas certezas. é meta da forma metamorfose movimento fluir do tempo que tanto cria como arrasa a nos mostrar que para o voo é preciso tanto o casulo como a asa
ELIZABETH OTHON DE SOUZA
MELHORIAS HABITACIONAIS NO ASSENTAMENTO SÃO MIGUEL LEITURA DAS DEMANDAS
Trabalho Final de Graduação apresentado como requisito para a conclusão do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura, Engenharia e Tecnologias da Universidade Federal de Mato Grosso. Orientadora: Prof. Drª. Andréa Figueiredo Arruda Canavarros
Cuiabá, 2016
agradecimentos
AGRADECIMENTOS A hora de falar sobre a gratidão é uma pausa necessária, de avaliação do ciclo que se encerra e dos novos ciclos que se iniciaram ao longo dessa jornada da vida, e da jornada da graduação. Este trabalho é o nascimento de uma inquietação coletiva e da necessidade de se compartilhar sonhos gerados por 6 anos. Me sinto grata pela quantidade imensa de almas brilhantes que cruzaram meu caminho me ensinando tantas coisas que um abraço em cada uma seria mais apropriado do que colocar esse agradecimento em palavras. Algumas me acompanham há 23 anos, outras surgiram nos 6 anos de graduação, e outras neste último ano. Todas me trazendo muito afeto, atenção, diversão, as pausas tão importantes, viagens e novos olhares, colo pro choro, abraço nas crises e partilha nos sonhos. O último ciclo foi marcante pela chegada de um ponto de ruptura importante, e por marcar o início do fim do ciclo da graduação. Foram dias nebulosos, mas necessários para o florescer. Então, estes agradecimentos são especialmente para os que me compartilharam esse sonho comigo e não me deixaram desistir. Gratidão aos meus guias espirituais, pela confiança,o conforto e apoio; À minha mãe, que além de me parir, me dar asas e fazer os melhores almoços vegetarianos do mundo, me acompanhou e foi minha assistente nas visitas ao assentamento, e agora podemos compartilhar essa a relação de afetividade que criei com aquele lugar. Ao meu pai e meu irmão, pelo que me tornei graças ao apoio e amor incondicional de vocês; Á minha família, que nestes 6 anos de graduação perdoaram minhas ausências e se alegraram com minhas conquistas. Especialmente minha prima Kadinne, pela cumplicidade e cuidado. À Andréa Arruda, professora orientadora e amiga, quem me faz acreditar que é possível seguir pelos caminhos da coletividade, por não desistir de mim e acreditar na minha vontade e no meu esforço; A professora Doriane Azevedo, pelas conversas sempre tão sinceras, pelo aprendizado dentro e fora de sala de aula, e pela oportunidade de conhecer a realidade dos municípios de Mato Grosso nas viagens do EPURA; A FeNEA, onde eu fiz grandes amigos que levarei para a vida, onde pude conhecer o mar, as dunas, as metrópoles, os rios e os laços; Aos queridos do Motirô - Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UFMT, Antonio, Jessica, Marcia, Douglas, Taynara, Renan, Alexsander, Ana e Maria Julia, pela amizade, pela força, carinho e amor pelo que construímos juntos; Aos moradores do Assentamento São Miguel, pela acolhida calorosa, especialmente Sr. Osvaldo pelo apoio e companhia nas visitas, Neuza pelo apoio incondicional às loucuras do Motirô na escola, e as crianças, pelos laços e por nos ensinarem sobre o afeto da forma mais simples; E meus amigos, que merecem um capítulo à parte (quem sabe no TFG 2). Antonio, por compartilhar sonhos, angústias e aventuras (das aulas de desenho no coxipó até as viagens feneanas), e não me deixar ser louca de encarar o campo sozinha; Doug, Raquel, Renan, Julia, Brunna, Gui, Malu, Mel, Pedro, Fer e Marcos, pela energia compartilhada, por me obrigarem a sair de casa e me divertir, por acolherem meu choro, minhas dúvidas na madrugada, pelas playlists e vídeos fofinhos. Família BNB, Ana Eliza, Marcel, Elana, Tamara, Gizele, Fábio, Jackson e Giulia, pelos anos mais divertidos e estressantes de nossas vidas, sucesso e força para os nossos sonhos. Luciano, por cruzar meu caminho durante os momentos mais surreais dessa jornada de cura, pelo carinho e energia compartilhada, e companhia nos estudos e na preguiça.
sumรกrio
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................9
DESENVOLVIMENTO RURAL E HABITAÇÃO o lugar da habitação rural nas políticas públicas.................................13
O ASSENTAMENTO SÃO MIGUEL (Sadia III).....................................................17
A CONSTRUÇÃO DO COTIDIANO......................................................................25 a moradia no campo: especificidades de arranjos e usos...................26 as casas e quintais da agrovila do assentamento São Miguel.............29 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................49 ANEXOS.............................................................................................................53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................59
introdução
8
INTRODUÇÃO Este trabalho final de graduação tem a difícil missão de reunir referências, inquietações e sonhos gerados nestes 6 anos de graduação no curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMT. A principal reflexão surge da teoria e da prática colocadas lado a lado na construção do conhecimento. Logo nos primeiros semestres pude ter o entendimento da Arquitetura e Urbanismo enquanto área comprometida com as populações sem acesso a direitos básicos, inserida no contexto social brasileiro de profundas desigualdades. Buscando na prática atual de arquitetura e urbanismo o comprometimento com as camadas excluídas de nossa sociedade, várias foram as referências que pude ter ao longo destes anos, destaco aqui as organizações de arquitetas e arquitetos que atuam profissionalmente com Assessoria Técnica, como Usina CTAH, Peabiru, Cearah Periferia, Ambiens – Cooperativa de Arquitetos, entre outras e outros que me inspiraram para a realização desse trabalho e para a carreira que pretendo seguir. Sob este ponto de vista, a prática deve se realizar enquanto prática política, ocupando os espaços perante a realidade concreta, juntamente com a parcela da sociedade sem acesso a recursos e direitos, estimulando a participação social, compartilhando a atuação e o processo de transformação da realidade diária de todas e todos envolvidos no processo. Devo destacar aqui alguns momentos que constituíram mudanças de perspectiva significativas, e que me guiaram a escolha deste tema. A função social da profissão foi primeiro instigada pelas aulas de Teoria da Arquitetura e Urbanismo II, ministradas pela professora doutora Doriane Azevedo, e me deparei novamente com o assunto no Seminário Regional de Ensino Superior – SeRES em Uberlândia, promovido pela FeNEA1. Na construção do movimento estudantil pude ter contato com diferentes olhares sobre nossa formação e tomei consciência da dimensão de nossa responsabilidade enquanto técnicos e agentes produtores do espaço urbano. Em 2013 tive a oportunidade de fazer parte do grupo de pesquisa e extensão EPURAinQuadrantes – Estudos em Planejamento Urbano e Regional, onde me aproximei da temática da habitação, da extensão universitária e consequentemente da realidade de diversos municípios do estado de Mato Grosso. A extensão universitária é caracterizada pelo contato e pela troca de informações e conhecimentos entre sociedade e Universidade. Tantas são as formas de como a Extensão pode acontecer, assim como tantas são as parcelas da sociedade que podem ter acesso a um trabalho acadêmico. O último marco desta trajetória foi também no âmbito da extensão, desta vez através do Motirô, Escritório Modelo de Arquitetura e Urbanismo da UFMT. Por serem realizados trabalhos de extensão com intenções e resultados tão variados, a prática dos Escritórios Modelo busca sua forma de exercer esse diálogo com a sociedade. A própria palavra extensão acaba por ser questionada, como tão bem o faz Paulo Freire, em “Extensão ou Comunicação?”:
Atividades feitas durante o processo do parque recreativo da EMEB Bianka Lorena Capilé. Fotos: Motirô,2015
“A expressão ‘extensão educativa’ só tem sentido se se estender algo desde a ‘sede do saber’,
até a ‘sede da toma a educação como prática da ‘domesticação’. Educar e educar-se, na prática da liberdade, não é ignorância’ para salvar, com este saber, os que habitam nesta” (FREIRE,1983)
1
Federação Nacional das e dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil
9
A prática dos escritórios modelo, a partir desse questionamento, é uma atividade baseada na troca, no contínuo intercâmbio de informações com as comunidades que trabalham sem opressão ou qualquer tipo de imposição de qualquer uma das partes. Que haja sim, um trabalho com constante participação das comunidades, onde universidade e sociedade troquem conhecimentos de maneira horizontal, e não a extensão hierarquizada de uma parte sobre a outra. Buscam uma Extensão como comunicação, onde ambas as partes estendem seus conhecimentos, e só através do exercício desse diálogo constante se chegue a uma forma de educação libertária e condizente com nossa realidade social. Dessa forma, a prática da arquitetura pode ser vivida enquanto processo coletivo e atuar com a possibilidade de ações compartilhadas e flexíveis. Através do Motirô chegamos ao local em estudo, o Assentamento São Miguel (Sadia III). A inserção do Motirô no Assentamento São Miguel (Sadia III) ocorreu a partir do contato com uma das professoras da Escola Bianka Lorena Capilé durante as eleições do SINTEP – VG (Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública de Várzea Grande) em Maio/2015. A primeira visita ao assentamento ocorreu em agosto de 2015, durante um evento de ação de cidadania promovido pela Polícia Militar, neste dia tivemos a oportunidade de conhecer as principais lideranças, realizar filmagens, registros fotográficos e textuais. Por este levantamento inicial da área, pudemos avaliar a importância do espaço da Escola para o contexto da comunidade, e a partir disto desenvolvemos um plano de trabalho para o projeto participativo, a fim de identificar as principais demandas e construir metodologias projetuais. Em outubro de 2015 iniciamos as atividades de construção do projeto de um parque recreativo no espaço da escola, que foi construído em junho de 2016 por diversos estudantes de arquitetura, crianças e moradores da região através de um mutirão autogestionado durante o SeNEMAU2 Cuiabá. Durante estes meses de atividades na escola pudemos nos aproximar das trabalhadoras e trabalhadores da escola, das crianças e demais moradores do assentamento, quando pudemos ouvir sobre as maiores dificuldades do cotidiano. Nos relatos, era comum discorrerem sobre a distância dos centros urbanos, o que dificulta e até impossibilita o acesso aos direitos básicos, como acesso a saúde, cultura e possibilidade de geração de renda. Em conversas com as trabalhadoras da escola era comum falarmos de nossas atividades na faculdade, e em uma destas conversas compartilhei que gostaria de trabalhar com a questão da habitação, se possível considerando os recortes de gênero e baseada no projeto participativo. Logo surgiram pessoas dispostas a colaborarem com o trabalho, a primeira demanda surgiu a partir da família de Rosana, que possui 6 filhos e mora com a irmã em um sítio, e gostaria de construir uma casa no lote que possui na agrovila. A ideia era então reunir um pequeno grupo de mulheres que precisassem de melhorias em suas casas e construir este projeto com elas. Ao longo do processo de estudos, conversas, orientações e vivência no assentamento, logo a proposta se alterou, a fim de contemplar mais famílias desta vez considerando o recorte da agrovila. E então se iniciou a construção da proposta e metodologia de leitura do espaço, para posteriormente se definir as propostas de intervenção. No curso de Arquitetura e Urbanismo o debate se encontra centrado nas questões referentes ao espaço urbano, e a atuação profissional se encontra focalizada nas classes mais abastadas da sociedade. Trazer o debate para a zona rural e para as classes mais pobres é uma intenção política de reconhecer e trocar conhecimentos com essas populações invisibilizadas. A questão agrária se coloca ainda como questão complexa e de peso político neste debate, visto que o estado de Mato Grosso se configura como território de expansão do agronegócio e da produção monocultora mecanizada, ameaçando o meio ambiente e a permanência das populações que tradicionalmente ocupam o espaço rural, como os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e trabalhadores rurais. Levada por questões coletivas que também se tornaram pessoais, se chegou ao objetivo geral deste trabalho que é discutir a problemática da assistência técnica para habitação rural no contexto brasileiro, a fim de contribuir na melhoria da qualidade de vida das populações que vivem neste meio. A busca do entendimento de aspectos do cotidiano e do modo de vida das famílias se baseou inicialmente em leituras sobre os temas referentes a arquitetura e urbanismo, sociologia r geografia agrária, destacando temas como habitat do campo, habitação rural, e déficit habitacional. E a base empírica se deu em conversas informais com inúmeros moradores, conversas com lideranças, observações diretas, observação do uso e ocupação dos lotes, observação das edificações vazias, e entrevistas estruturadas. Ao fim da construção do parque recreativo na escola, as atividades do Motirô no assentamento se encerraram e então parti para minha jornada individual na agrovila. Com o auxílio e companhia de Sr. Osvaldo, morador do assentamento que gentilmente se ofereceu para me acompanhar nas visitas, iniciei as visitas às unidades habitacionais. O primeiro dia de conver2 Seminário Nacional de Escritórios Modelo de Arquitetura e Urbanismo, sua 20ª edição foi sediada pelo Motirô, e aconteceu em junho de 2016 no Assentamento São Miguel, com a temática “Direito à cidade para além do perímetro urbano”.
10
sas foi no dia 30/07, ocasião em que pude conversar com Eliely e Sr. Osvaldo, com o apoio de uma ficha de perguntas-chave, pudemos nos aprofundar na história do assentamento. As visitas às unidades habitacionais ocorreram com o apoio de uma ficha de caracterização da moradia, a conversa se iniciava com as perguntas pré-estabelecidas e se estendia até um bate-papo acompanhado de café passado na hora. Além da entrevista, durante a visita aproveitava para observar as edificações, o material e técnica construtiva, as particularidades de ocupação dos espaços privados, o uso do quintal, aspectos que alimentam a leitura das reais necessidades habitacionais de cada residência. Das limitações que surgiram nesse percurso, se destaca aqui a distância simbólica entre pesquisadora e moradores, o que interfere na lógica temporal cidade/universidade x campo, e por conta disto foi possível até o momento realizar a aproximação das leituras de necessidades em 9 das aproximadamente 30 unidades habitacionais da agrovila. A primeira parte do trabalho faz um panorama geral sobre as políticas públicas de habitação voltadas para o campo, demonstrando como a questão do habitat e da moradia é colocada no escopo da política agrária. Na segunda nos aproximamos da área de estudo, o Assentamento São Miguel (Sadia 3), das questões que envolvem sua formação histórica e a consolidação da agrovila. E por fim, se chega à leitura na escala da moradia, a construção do cotidiano com apresentação das conversas com os moradores e leitura das demandas apresentadas.
11
desenvolvimento rural e habitação
12
DESENVOLVIMENTO RURAL E HABITAÇÃO: O lugar da habitação rural nas políticas públicas A questão agrária no Brasil é um assunto complexo e de difícil enfrentamento, que pressupõe um entendimento do contexto socioeconômico do país. A Lei de Terras é um grande marco histórico, pois é o momento em que a terra é instituída como mercadoria e só pode ser adquirida através da compra, consolidando este novo e excludente regime fundiário. Desde então, o espaço rural foi território de conflitos e disputas entre as classes, por um lado as camadas dominantes historicamente detentoras de poder econômico e político, por outro pelas populações que tradicionalmente ocupam esses territórios e compõem a parcela da população com menos acesso a recursos e direitos básicos. A transição de uma economia de base agrária para uma economia urbana industrial, vivenciada ao longo do século XX, abalou as relações campo cidade, provocando grande mecanização do campo, elevado êxodo rural e grande crescimento das cidades. Na contemporaneidade a cidade se consolida como espaço central das decisões políticas e o processo de urbanização atua territorialmente tanto no espaço urbano quanto no espaço rural, modificando intensamente ambos. Nesta conjuntura, este trabalho busca voltar o olhar às discussões sobre os direitos sociais das populações do campo, considerando mais especificamente as famílias assentadas pela reforma agrária, , e as ações do Estado frente as demandas de habitação. Entende-se que é importante reconhecer e diminuir o grande abismo que separa o setor rural do urbano, a fim de desestimular as migrações e garantir a permanência da população em áreas rurais. Os movimentos sociais de trabalhadores do campo historicamente possuem um papel central na luta por políticas de desenvolvimento rural para além do setor econômico, gerando novas pautas e demandas para o Estado. Nesse sentido, o Estatuto da Terra, de 1964, é um marco histórico nas políticas acesso à terra, no intuito de reparar séculos de distribuição fundiária injusta. Tal Estatuto em seu Artigo 1º define como Reforma Agrária “o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade” Atualmente, a Reforma Agrária no Brasil se dá através de ações do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), autarquia do Governo Federal, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), criada em 1970 a fim de promover a reforma agrária de maneira justa, manter e gerir o cadastro nacional de imóveis rurais, administrar terras públicas, além de identificar, demarcar e titular terras destinadas a comunidades tradicionais quilombolas. O processo de demarcação e redistribuição de terras pelo INCRA se inicia com a compra ou desapropriação de latifúndios particulares1 considerados improdutivos, que são distribuídos e loteados entre as famílias cadastradas no órgão, e recebem além dos lotes uma assistência de consultoria e acesso a linhas de crédito para que possam iniciar a produção nessas terras. Segundo CERQUEIRA (2009, p.46), na maioria dos casos de luta pela terra, o momento inicial caracteriza-se pelo acampamento onde os trabalhadores organizados ocupam a área desejada ou áreas próximas, como margens de rodovias, a fim de exercer pressão no poder público para que se efetive a desapropriação. As famílias permanecem de maneira improvisada, morando em barracos de lona ou papelão, até alcançar seu objetivo final. Após a oficialização da demarcação do Projeto de Assentamento (PA) se inicia a elaboração do Plano de Desenvolvimento do Assentamento – PDA, segundo a Lei 8.629/1993, que regulamenta e disciplina disposições relativas à reforma agrária, em seu Art. 17 define nos incisos III e V que: [...] nos projetos criados, será elaborado Plano de Desenvolvimento de Assentamento - PDA, que orientará a fixação de normas técnicas para a sua implantação e os respectivos investimentos; e a consolidação dos projetos de assentamento integrantes dos programas de reforma agrária dar-se-á com a concessão de créditos de instalação e a conclusão dos investimentos, bem como com a outorga do instrumento definitivo de titulação (BRASIL, 1993 apud ARRUDA, 2007, p.54). No recorte aqui proposto, recorremos a Karnopp; Oliveira (2015), que identificaram em seu trabalho a importância da moradia para os segmentos da população de baixa renda que busca se estabelecer no campo reforçando a importância da construção de políticas públicas voltadas para esta questão a fim de garantir a permanência destas famílias no espaço rural. Verificando o aparato legal em relação à habitação rural no Brasil, foram encontrados sinais de preocupação com a 1 segundo o Estatuto da Terra (BRASIL,1964) latifúndio é o imóvel que exceda à dimensão máxima de 600 módulos rurais, ora tendo área igual ora maior à dimensão do módulo de propriedade rural que seja mantido improdutivo.
13
questão desde o Estatuto da Terra, que em seu artigo 75, define dentre os objetivos da assistência técnica em assentamentos de reforma agraria “a elevação do nível sanitário, através de serviços próprios de saúde e saneamento rural, melhoria de habitação e de capacitação de lavradores e criadores, bem como de suas famílias” (BRASIL, 1964, art. 75, grifo nosso). A Constituição de 1988, em seu artigo 187 ressalta que a política agrícola deve levar em conta: “I - os instrumentos creditícios e fiscais; II - os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização; III - o incentivo à pesquisa e à tecnologia; IV - a assistência técnica e extensão rural; V - o seguro agrícola; VI - o cooperativismo; VII - a eletrificação rural e irrigação; VIII - a habitação para o trabalhador rural” (BRASIL, 1988, art. 187, grifo nosso) . Posteriormente, em 1991 a Lei 8.171/91 que dispõe sobre Política Agrícola, (BRASIL, 1991. p.558) faz referência à questão da política de habitação rural, no capítulo XX, em que dispõe o seguinte artigo: “Art 87. É criada a política de habitação rural, cabendo à União destinar recursos financeiros para a construção e/ou recuperação da habitação rural. § 1o Parcela dos depósitos da Caderneta de Poupança Rural será destinada ao financiamento da habitação rural. Art 88. Vetado Art 89. O poder público estabelecerá incentivos fiscais para a empresa rural ou para o produtor rural, nos casos em que sejam aplicados recursos próprios na habitação para o produtor rural. ” (BRASIL, 1991. p.558, grifo nosso) No âmbito de políticas estaduais de Mato Grosso, foi encontrado um registro do ano de 1999 de um projeto de Lei chamado “Programa Popular Habitacional Rural”, de autoria do ex-deputado José Riva, porém o mesmo não foi aprovado. Em 2000, se instauraram-se um conjunto de normas para a execução dos PDA’s, e através da Norma de Execução nº. 2, de 2001 (INCRA, 2001 apud ARRUDA, 2007, p.55), especificam-se “[...] os procedimentos técnicos e administrativos a serem adotados na fase de implantação dos projetos de assentamento de reforma agrária”. Determina que a fase de implantação de assentamento compreende: a elaboração do Plano de Desenvolvimento do Assentamento - PDA; a execução de serviços de medição e demarcação topográfica; a elaboração do projeto simplificado; a aplicação do crédito de instalação (apoio e material de construção) a definição e caracterização da infraestrutura básica; a definição e caracterização das atividades a serem apoiadas com os créditos de produção do PRONAF-A; a supervisão e acompanhamento do projeto de assentamento pelo período de 03 (três) anos (INCRA, 2001, apud ARRUDA, 2007, p.55). Os créditos de instalação se aperfeiçoam à medida que se avança a articulação entre o poder público e os movimentos sociais de luta pela terra, sendo o MST –Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o mais expressivo. Conforme ARRUDA (2007, p.58), a elaboração de um Programa Habitacional para a Reforma Agrária consistiu de uma negociação entre o MST e o governo no início da gestão 2003-20062 a fim de elaborar um programa específico que atendesse à produção de novas unidades habitacionais e melhoria de antigas, com a intenção de melhoria da qualidade de vida nos assentamentos. Destas negociações se resultou o Programa de Subsídio Habitacional Rural - PSH-Rural, decorrência da articulação entre o INCRA a CEF e o MST. A parceria entre o Ministério das Cidades (MC) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) se firmou através de um termo de cooperação técnica, onde decidiram garantir financiamento habitacional próprio para os trabalhadores rurais sem-terra e os pequenos agricultores brasileiros. O convênio entre INCRA e CEF, conjugado com o PSH, tem por objetivo: [...] estabelecer as condições de financiamentos destinados a beneficiários pessoa física, complementados com recursos orçamentários da união sob a forma de subsídios oriundos do PSH – Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social, para a produção de unidades habitacionais em assentamentos rurais, conforme estabelecido no termo de cooperação técnica celebrado entre o INCRA e a Caixa. (Termo de cooperação téc2
14
Governo de Luís Inácio Lula da Silva
nica INCRA / CEF conjugado com o PSH). Os recursos para a aplicação do referido programa são oriundos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), via Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), através do Crédito de Instalação de Infraestrutura e complementado com recurso subsidiado do Ministério das Cidades (MC), respectivamente nos valores de R$ 5.000 e R$ 4.500. Recentemente, em 2009 foi criado pelo Governo Federal o Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), no conjunto de ações do Programa Minha Casa Minha Vida, através da Lei 11.977/2009, e segundo a Caixa Econômica Federal tem como finalidade possibilitar o acesso à moradia digna no campo ao agricultor familiar, trabalhador rural e comunidades tradicionais. Assim, CERQUEIRA (2009, p. 45) entende que a demarcação e criação de um projeto de assentamento não é apenas um ato administrativo, mas é resultado da luta social que se processa há algum tempo em nossa sociedade, e expressa um ato abrangente que envolve uma série de significados e elementos. Desta forma, conclui-se que a qualidade de vida do trabalhador não se limita apenas ao acesso à terra, e que um aspecto fundamental para o desenvolvimento dos assentamentos rurais é melhorar as condições de moradia, ampliando a perspectiva de continuar vivendo no espaço rural.
15
o assentamento sĂŁo miguel
16
O assentamento São Miguel, conhecido como Sadia III, está localizado na zona rural do município de Várzea Grande/MT, distante cerca de 30 km da capital. A área compreende oficialmente 4722,13 ha, e se situa entre os limites dos municípios de Jangada, a noroeste; Várzea Grande, a leste, e Nossa Senhora do Livramento ao Sul. O acesso ao local a partir de Várzea Grande se dá via BR 364, importante rodovia de escoamento da produção do Norte e Centro-Oeste, que passa pelos estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Aproximadamente 15km após o Trevo do Lagarto se inicia a estrada de terra que dá acesso à região, que é composta por fazendas, pequenos sítios, o Assentamento São Miguel (INCRA), e outros três assentamentos do Banco da Terra1: Rio dos Peixes, Espinheiros e Capão das Antas. Segundo relata Bergamasco (1996), de uma forma geral, os assentamentos rurais devem ser entendidos como “a criação de novas unidades de produção agrícola, por meio de políticas governamentais visando o ordenamento do uso da terra, em benefício de trabalhadores rurais sem ou com pouca terra” (BERGAMASCO, 1996, p.7 apud CERQUEIRA, 2009, p.45) O Assentamento São Miguel foi criado em 1998 através de processo de desapropriação do latifúndio então pertencente a empresa Sadia, com uma área total de 4.722ha que foram distribuídos entre 144 famílias. A história de luta do São Miguel se inicia em 1996 com a organização das famílias, que através da FETAGRI2, iniciaram o processo pela desapropriação da fazenda improdutiva pertencente à Sadia. O contexto político de Mato Grosso era a gestão de Dante de Oliveira, momento em que o INTERMAT – Instituto de Terras de Mato Grosso atuava fortemente a favor das famílias trabalhadoras sem terra no espaço rural e no espaço urbano. Segundo relatos dos moradores, a organização das famílias se deu em duas frentes: as famílias organizadas pela FETAGRI e um grupo de famílias que se organizava em outro acampamento em Paranatinga. Das famílias acampadas e sem perspectiva de assentamento naquela região, houve um movimento visando a formação de uma comissão para conhecer a terra em Várzea Grande. A comissão era formada por 7 pessoas, tendo à frente o Sr. Osvaldo, que fez o contato com Sr. Miguel, presidente da FETAGRI na época e liderança de referência no local. 1 O Banco da Terra é uma linha de crédito através do qual os trabalhadores rurais com renda de até R$15.000,00 anuais podem obter financiamento para investir na compra de imóveis rurais. 2 Fundada em 1971 no município de Cuiabá, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Mato Grosso, FETAGRI-MT, representa os interesses e anseios de aproximadamente 500.000 trabalhadoras e trabalhadores rurais. Seus projetos e ações se baseiam no entendimento de desenvolvimento rural sustentável, cujos eixos se fundamentam na luta pela reforma agrária; no fortalecimento da agricultura familiar; na luta pelos direitos trabalhistas e por melhores condições de vida para os assalariados e assalariadas rurais; assistência técnica, crédito, comercialização, cooperativismo na construção de novas atitudes e valores para as relações sociais de gênero; e geração na luta por políticas sociais e pela democratização dos espaços públicos voltado também as Políticas Públicas para o campo.
17
18
Em março de 1996 chegaram as famílias pioneiras para iniciar o acampamento. O dono da fazenda propôs fazer um acordo com a FETAGRI onde as famílias ocupariam 200ha durante dois anos em um regime de comodato3, para que as famílias pudessem produzir e se manter enquanto se desenrolasse o processo de desapropriação via INCRA. Segundo os relatos haviam 96 pessoas acampadas no primeiro ano, quando se deu a fundação da associação de moradores do Assentamento São Miguel (Sadia III). Segundo CERQUEIRA (2009, p.52) é na fase de acampamento onde acontecem as primeiras discussões sobre como se dará a vida no futuro assentamento, assim se realizam as primeiras intervenções sobre a distribuição das famílias, como se dará a coordenação do assentamento e como se processará a produção agrícola. Este momento se apresenta com alto teor de organização política e ajuda mútua, onde os integrantes se organizam para lutar coletivamente pelos direitos do grupo, pressionando constantemente o poder público. Durante o acampamento em estudo, as questões do cotidiano se resolviam através de ajuda mútua, por exemplo, quem morava na cidade levava alimentos para os acampados. Enquanto algumas pessoas permaneciam na organização do acampamento, outras se responsabilizaram pela busca de contato com as secretarias a fim de garantir às famílias o acesso a políticas públicas. Neste momento surgiram dúvidas sobre a localização do assentamento, pois este se encontra entre os municípios de Várzea Grande, Nossa Senhora do Livramento e Jangada. A dúvida foi solucionada quando encontraram um documento de 1953 que atestava que o núcleo urbano estava situado em Várzea Grande, portanto o assentamento estava sob responsabilidade deste município. A escolha do modelo de parcelamento do assentamento com a Agrovila se deu após algumas reuniões entre os futuros assentados, todos consideravam importante ter um núcleo “urbano” para instalar a escola, as Igrejas, serviços e comércio local. Muitas famílias escolheram permanecer na agrovila por conta da Escola, que na época da demarcação era improvisada em um galpão. O projeto de parcelamento do assentamento rural foi oficializado em 12/02/1998, segundo dados do INCRA4, com capacidade para assentar 150 famílias, e adotou a tipologia do parcelamento com a agrovila , diferenciando o lote de plantio e lote de moradia. Cada família assentada tem um lote na área agricultável e outro na vila. A definição de agrovila, segundo CAMARGO (1970,p.10) apud CERQUEIRA (2009, p.92) é como um ‘bairro rural’, com equipamentos comunitários como a Escola, Sede Administrativa, Centro Social e Posto de Saúde localizados na área central, templo ecumênico para atender às diferentes práticas religiosas, e espaços destinados para a prática recreativa de esportes. O projeto da agrovila do PA São Miguel possuía em seu
Famílias saindo de Paranatinga em direção a Várzea Grande. Foto: Acervo Sr. Osvaldo
Panfleto de divulgação da ação de construção da Igreja Assembleia de Deus. Foto: Acervo Sr. Osvaldo
Batismo da Igreja Assembleia de Deus. Foto: Acervo Sr. Osvaldo
Formatura da primeira turma da escola do assentamento. Foto: Acervo Sr. Osvaldo, 2006.
3 O contrato de comodato é previsto pelos artigos 579 a 585 do Código Civil, se tratando do empréstimo gratuito de bens, como imóveis rurais a título gratuito por um prazo determinado. 4 Informações gerais sobre os assentamentos da Reforma Agrária, disponível em: http://www.incra.gov.br/. Acessado em: 25/08/2016
19
AGROVILA esc.: 1/5000
2
acesso a rodovia 364
estrada vicinal
1 3 4
LEGENDA
6
casas visitadas quadra
5
cooperativa 8
7
ponto de Ă´nibus igreja
9
borracharia bar escola mercearia
estrada vicinal
20
parcelamento áreas destinadas a equipamentos públicos e lotes de 20x60m. Nas áreas destinadas aos equipamentos esperava-se a implantação de uma Escola e de um posto de saúde, além de equipamentos de lazer como praças. A Escola Municipal de Educação Básica Bianka Lorena da Rocha Capilé, foi executada pelo Ministério da Reforma Agrária em 2002, e se tornou uma escola de referência na região tanto pela qualidade de ensino quanto pela estrutura. O espaço da escola se tornou uma referência nas relações sociais da região, pois além de atender a educação básica, ensino médio, EJA e cursos profissionalizantes, também é o espaço utilizado para o atendimento de profissionais saúde, que acontecem de 15 em 15 dias. As maiores queixas dos moradores são sobre a falta de acesso a atendimento de saúde, pois existe um terreno destinado para a construção de uma unidade de atendimento básico, porém este nunca foi construído. Na ocasião da demarcação dos lotes, em outubro de 1998, muitas famílias acabaram por se concentrar na vila por falta de estradas de acesso aos lotes de produção, posteriormente com os recursos de instalação algumas famílias se mudaram para os lotes de pro- E.M.E.B. Bianka Lorena Capilé Foto: Acervo SeNEMAU Cuiabá,2016 dução, chamados de sítios. Os primeiros anos no Assentamento São Miguel não foram fáceis, a terra havia sido entregue sem infraestrutura de estradas, sem energia elétrica e sem abastecimento de água, tendo as famílias que buscar água na “cacimbinha”5 dos assentamentos vizinhos. Recentemente foi construído um poço semi-artesiano coletivo, que abastece a maior parte das casas da vila. O abastecimento de água nos lotes de produção se dá por poços artesianos ou captação de água dos ribeirões que banham a região. A medida que os créditos de instalação foram sendo recebidos as condições melhoravam. Para instalação de infraestrutura, abertura de estradas e construção de pontes o INCRA passou entre Mercearia da Cida, na entrada da Agrovila. Foto: Acervo SeNEMAU Cuiabá, 2016 5
Lugar de guardar água feito no chão.
21
Dia de festa na casa do Sr. Osvaldo. Foto: Acervo Sr. Osvaldo, 1998.
Dia de festa na agrovila, detalhe para os materiais da construção ao fundo. Foto: Acervo Sr. Osvaldo
Edificação da primeira igreja da agrovila. Foto: Acervo Sr. Osvaldo
Casa na Agrovila.. Foto: Acervo SeNEMAU Cuiabá, 2016.
70 e 80 mil reais, de acordo com relatos dos moradores. A rede de energia elétrica chegou na vila na gestão de Jonas Pinheiro pelo programa “Luz do Campo”, mas nem todos tinham acesso a recurso para instalar energia em casa, tampouco no lote de produção. Hoje, após quase vinte anos, todas as famílias possuem acesso à energia elétrica, tanto nas casas da agrovila quanto nos lotes de produção, isso foi possível depois do programa “Luz para Todos” do governo federal, na gestão de Luis Inácio Lula da Silva, em 2004. O primeiro crédito de produção conquistado foi utilizado para comprar ferramentas e lona. Posteriormente em 2001, o PRONAF6 foi acessado no valor de R$9.500,00 para cada família, com 10 anos para pagar. A EMPAER7 atuou com auxílio técnico aos produtores, que fizeram planos individuais de produção para conseguirem os créditos. No início as casas foram construídas com palha e madeira, o crédito de material de construção foi recebido depois que todos foram alocados nos lotes de produção. Segundo os relatos, para a construção das casas dos “sítios” (lotes de produção) foi contratada uma construtora pelo INCRA. No momento de construção das casas foi dada a preferência do benefício a quem não tinha casa na cidade. Para a construção das casas na agrovila buscou-se a linha de crédito específica para compra de materiais de construção, bem como a orientação técnica para construção de uma planta padrão, composta por 3 cômodos e um banheiro. Algumas famílias utilizaram o crédito para pagar mão de obra, mas a maioria das casas foi construída por mutirão entre os assentados. Durante a coleta de informações, a questão da economia local se mostrou um fator de preocupação entre os moradores, pois as ofertas de emprego se resumem a escola, ao garimpo nas proximidades e fazendas confrontantes. E os assentados pouco tem comercializado os produtos de agricultura familiar, devido à dificuldade do acesso a linhas de crédito, poucos conseguiram manter a produção. Os que comercializam o fazem de forma autônoma na própria região, ou indo a feiras de Várzea Grande e Cuiabá. Os produtos mais frequentes são as carnes de galinha, porco, vaca, peixe, leite e queijo, verduras e legumes, como maxixe, Jiló, quiabo, pepino e também doces, salgados e bolos. As dificuldades de acesso a trabalho levam muitas pessoas a buscarem outras alternativas na cidade, e estas acabam morando nas periferias sob condições ainda mais precárias. Essa evasão fica evidente quando identificamos que, dos 150 lotes demarcados pelo INCRA no período da criação do assentamento, apenas 100 lotes mantem os beneficiários originais, os demais foram vendidos a terceiros.
6 Segundo o Manual do PRONAF, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) é um programa do Governo Federal que oferece financiamentos para as agricultoras e os agricultores, a fim de apoiar o desenvolvimento rural sustentável e garantir segurança alimentar, fortalecendo a agricultura familiar. 7 A Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), disponibiliza aos agricultores familiares os serviços de assistência técnica, extensão rural, pesquisa e fomento.
22
Apesar de antigo o assentamento, este ainda se encontra em processo de regularização fundiária. Em 2013 uma empresa foi contratada pela Associação para realizar os levantamentos necessários para a regularização dos lotes junto ao INCRA. Foi realizada a primeira etapa de georeferenciamento, conferindo lote a lote, bem como a poligonal de todo o parcelamento. Esta etapa já está no INCRA aguardando a liberação para que seja iniciada a segunda etapa, quando será entregue a cada assentado os confrontantes e dimensões do seu lote. A terceira etapa seria a entrega da titulação da terra de cada lote. Atualmente nenhum assentado possui esta titulação.
23
a construção do cotidiano
24
A CONSTRUÇÃO DO COTIDIANO
A “cotidianeidade” é vista como o informal, o espaço do banal, do espontâneo, mas é também o conteúdo das formas, das ideologias, da cultura, da linguagem, das instituições, das atividades constituídas e estruturadas (HERCULANO, 2010). As reflexões de Henri Lefebvre sobre a produção do espaço se coloca aqui enquanto norteadora das escolhas metodológicas, visto que suas maiores contribuições se deram através de sua teoria de produção do espaço e como elucida a relação entre o urbano (espaço construído) e a vida cotidiana. Entendemos então que a compreensão do espaço só é alcançada a partir da compreensão da sociedade. Lefebvre ao falar sobre a cidade (espaço construído) não a reduz a simples localização de fenômenos da modernidade (como industrialização), mas a revela como sentido da vida humana em todas as suas dimensões, para além da acumulação e enquanto possibilidade de realização da vida. Em seus estudos Lefebvre se aprofunda no espaço urbano, por conta de seu contexto histórico e as urgências da época, porém a teoria de produção do espaço se aplica também ao recorte territorial aqui proposto. A questão central deste trabalho é o lugar da moradia adequada nas políticas de reforma agrária, pensando enquanto proposta de assessoria técnica para as famílias assentadas, tendo como objeto de estudo o Assentamento São Miguel. A fim de se avançar nas propostas e pensar coletivamente com os moradores o formato destas possíveis intervenções, surge a necessidade de se fazer a leitura do espaço construído e da vida cotidiana, considerando as limitações e contradições presentes nas relações entre academia e comunidade. A leitura do espaço construído da agrovila do Assentamento São Miguel se deu através de diversas visitas ao assentamento entre outubro de 2015 e agosto de 2016. Foram realizadas visitas em 9 casas da agrovila, entre os meses de julho e agosto, a fim de entrar em contato com as famílias residentes no local, verificar o interesse das mesmas em participar do projeto. Quando verificado o interesse, foi feita a entrevista sobre o perfil da família e em busca de apreender a relação da família com os espaços e identificação de demandas. Foi desenvolvida uma metodologia que sintetiza as informações em uma ficha de caracterização de cada moradia1, incorporando registro fotográfico, relatos dos moradores e medição das unidades habitacionais. Algumas limitações surgiram nesse percurso, como a distância simbólica entre pesquisadora e moradores, decorrente das contradições sociais inerentes desses universos, que são naturalmente distintos, o que interfere também na lógica temporal cidade/universidade x campo. Nesse sentido, foi possível até o momento fazer uma aproximação das leituras dessas necessidades, que consistiu na sistematização de 9 casos. Vale ressaltar que o processo de leitura dos déficits não se ateve apenas a questões técnicas, tentamos, na medida do possível, captar as singularidades do espaço rural entendendo-o enquanto materialização da história de vida de cada família, seu cotidiano, sua luta, seus sonhos, aspirações e limitações.
Detalhe da ampliação feita na casa 01. Foto: Elizabeth Othon, 2016
1 Ver anexo I
Utilização do quintal em um dos lotes visitados. Foto: Elizabeth Othon, 2016
25
A moradia no campo: especificidades de arranjos e usos
A questão da moradia no campo, diferentemente da cidade, não se resume ao seu espaço construído. A leitura do habitat deve ser feita enquanto espaço de reprodução da vida, considerando suas particularidades, como a relação com o quintal e a produção agrícola. Os aspectos que definem o mínimo de habitabilidade no espaço urbano também se aplicam ao campo, tais como infraestrutura, abastecimento de água potável, energia elétrica, saneamento básico, cultura e vivência comunitária. Procuramos identificar quais seriam as necessidades habitacionais das famílias do Assentamento São Miguel, especificamente as residentes na agrovila. Nessa leitura, foi possível aproximar dos conceitos de déficits qualitativo e quantitativo, introduzindo, na medida do possível, aspectos condizentes ao modo de vida no campo. Se coloca aqui a metodologia da Fundação João Pinheiro que trabalha também o conceito de inadequação dos domicílios, partindo do pressuposto que uma forma de enfrentar a questão habitacional é se pensar em políticas complementares às políticas habitacionais, e não obrigatoriamente se produzir mais unidades. Segundo a FJP, entende-se por déficit habitacional quantitativo, a necessidade imediata de construção de novas moradias a fim de solucionar problemas sociais e específicos de habitação. E por déficit habitacional qualitativo, a inadequação de moradias questões que se relacionam com suas especificidades internas que refletem problemas na qualidade de vida dos moradores, e que podem se solucionar com ações de melhorias dos domicílios. Adotamos neste trabalho o entendimento sobre o déficit habitacional da FJP que se subdivide em quantitativo e qualitativo. Segundo a Fundação, o déficit habitacional quantitativo observa os aspectos dos domicílios como rusticidade e improvisação de materiais, coabitação familiar e ônus excessivo com aluguel. Já o déficit habitacional qualitativo, quando se observa a densidade excessiva de moradores por cômodo, inexistência de unidade sanitária interna, inadequação fundiária e carência de serviços de infraestrutura (energia elétrica, abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo). O quadro abaixo sintetiza o entendimento sobre os déficits de acordo com a Fundação João Pinheiro (2015):
Quadro 1: Metodologia de cálculo do déficit habitacional e
26
da inadequação de domicílios.
A partir dos conceitos de déficit, da revisão de bibliografia sobre o habitat no campo e referências de estudos de moradia no espaço urbano, construiu-se a ficha de entrevista (ver anexo) que se estrutura da seguinte forma: - Perfil da(o) entrevistado Perguntas objetivas sobre origem da pessoa entrevistada, idade e nome a fim de se ter uma leitura da origem dos assentados e a leitura da faixa etária dos moradores da vila. Nesta leitura parcial pudemos ver a variedade de situações, algumas famílias que estão na agrovila há 20 anos desde a luta pela terra, e outras que chegaram há poucos meses por conta do trabalho na Escola. - Características gerais Bloco formado por questões abertas sobre o histórico da chegada da família no assentamento e porque escolheram morar na agrovila. Entre as respostas mais citadas está a proximidade da Escola e a facilidade de acesso à cidade, pois a vila possui um ônibus que faz diariamente o trajeto Sadia III-Várzea Grande. - Perfil Socioeconômico Questões objetivas com opções pré-determinadas sobre o perfil socioeconômico da família, quantidade de moradores na unidade habitacional, origem da renda e renda média. Com estes dados pudemos avaliar até então que a maior parte das famílias possui renda de 0-3 salários mínimos, se enquadrando no perfil contemplado por políticas públicas habitacionais como o Minha Casa Minha Vida e Lei de assistência técnica. - Características Físicas Urbanas e Ambientais Questões sobre a infraestrutura da agrovila e dos lotes, busca-se saber sobre o abastecimento de água, energia e esgotamento sanitário. Até então pudemos identificar um padrão de infraestrutura nas casas, todas possuem fossa séptica para esgoto do banheiro e a água da cozinha é reutilizada em grande parte dos domicílios, quase todas casas são abastecidas pelo poço artesiano comunitário, todas residências possuem ligação na rede oficial de energia elétrica que foi instalada na região através do programa Luz para todos, o lixo em sua maioria é queimado no próprio lote. - Equipamentos públicos e comunitários, comércio e serviços Perguntas abertas sobre a vida cotidiana na agrovila e o uso dos equipamentos comunitários. Grande parte das respostas sobre o que mais gostam na vila se referem à convivência com vizinhos e a tranquilidade proporcionada pela vida no campo, e sobre os aspectos negativos poucas famílias responderam, pois se dizem satisfeitos com as condições de vida no assentamento, que parecem precárias ao nosso olhar urbano e acadêmico, mas que são melhores do que a condição anterior destas famílias, mais precarizada no espaço urbano ou sem acesso à terra.
- Características dos domicílios
Este bloco de perguntas se mostrou ao longo das entrevistas como o espaço central de partilha das impressões da família (sob a ótica da pessoa entrevistada) em relação ao espaço da casa. Primeiramente se perguntou sobre o domínio da casa, se comprada, alugada ou cedida, neste ponto obtivemos uma quantidade significativa de residências alugadas comprometendo boa parte da renda das famílias, o que caracterizaria, no entendimento da FJP como déficit quantitativo.
- Possibilidades de ampliação e modificação
Neste último momento de conversa colocamos a possibilidade de modificação da habitação, em perguntas abertas questionamos as dificuldades e aspirações das famílias. Este momento se mostrou muito rico no sentido de mostrar as limitações da profissão e realizar a autocrítica enquanto estudante e futura arquiteta urbanista. Sobre as modificações e possibilidades de ampliação a pergunta foi livre, e neste ponto as famílias pontuaram o que gostariam de fazer se tivessem recurso. Muitas vezes minha impressão e opinião sobre a necessidade de algumas melhorias não eram as mesmas relatadas pela família, colocando em conflito o que se entende no universo acadêmico e de políticas públicas por mínimo habitacional. Na transcrição das entrevistas em alguns casos foi colocada a opinião da pesquisadora baseado em conceitos como melhoria do conforto ambiental, proteção da saúde da família e proteção do material de construção.
27
28
as casas e quintais da agrovila do assentamento são miguel sistematização dos dados coletados nas visitas
29
CASA 01
data da entrevista: 14/08 entrevistada: Osvaldo entrevistadora: Elizabeth
Img. x: Sr. Osvaldo e D. Irene. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Família Souza Lima
A família do Sr. Osvaldo Souza Lima,mora na Quadra 05, Lote 05. A família está no Assentamento São Miguel desde 1996, participaram desde o acampamento. Antes de morar no São Miguel, a família morava em Barra do Garças - MT. A família é composta por 4 pessoas, Sr. Osvaldo, Dona Irene e dois filhos. Na casa moram apenas Sr. Osvaldo e D. Irene. A renda da família vem do trabalho no lote de cultivo da família e do trabalho de D. Irene como cozinheira da Escola da vila, o que gera uma renda média de 2 salários mínimos. O que mais gostam na vila é da tranquilidade da vida no campo e da convivência com os vizinhos.
a casa
Img. x : Vista frontal da casa a partir da rua. Foto: Elizabeth Othon, 2016
A casa foi construída pela família com o auxílio-moradia do crédito de instalação. A casa é feita de alvenaria e é rebocada na parte do projeto original. A parte da casa que consideram mais importante é a cozinha. O esgoto do banheiro vai para uma fossa séptica, e o esgoto da cozinha é reutilizada para molhar as plantas.O lixo do lote é queimado no próprio lote.
o quintal
Img x: Vista lateral da casa. Foto: Elizabeth Othon. 2016
A família não possui produção no lote da agrovila, para isso utilizam o lote de produção. A parte da frente da casa possui uma grande árvore que recepciona quem chega. Na lateral da casa podemos ver uma rede armada entre duas árvores, e uma moto estacionada. A cozinha extende-se para o quintal nos fundos da casa, com uma prateleira e o fogão a lenha próximos ao reservatório de água.
as demandas
Img x: Vista dos fundos da casa. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Interior da cozinha. Foto: Elizabeth Othon, 2016
30
LEGENDA fogão a lenha caixa d’água fossa séptica horta coqueiro
LOCALIZAÇÃO na agrovila esc.: 1/20000
árvore de grande porte árvore de médio porte árvore de pequeno porte área de descanso
acesso principal
IMPLANTAÇÃO lote 20x60m esc.: 1/500
LEGENDA ampliação projeto original
PLANTA BAIXA unidade habitacional esc.: 1/100
31
CASA 02
data da entrevista: 14/08 entrevistada: Maricelma entrevistadora: Elizabeth
Maricelma e Clara. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Família do Livramento
A família de Maricelma do Livramento,29 anos, mora na rua perto da quadra. Estão no Assentamento São Miguel desde 2013. Antes de morar na agrovila, moravam em um sítio no próprio assentamento. A família é composta por 3 pessoas: Maricelma, seu esposo Totti e sua filha Clara, de 11 anos. A renda da família vem do trabalho de Totti como vigia da Escola da vila e alguns bicos, o que gera uma renda de 1 salário mínimo. A família está inscrita no Bolsa Família, e a filha estuda na escola da vila. O que mais gostam na vila é a Igreja, o colégio e a quadra, onde podem se divertir. O que menos gostam na vila é a poeira, e a falta d’água em alguns dias.
a casa
Área de estar na frente do lote. Foto: Elizabeth Othon, 2016
A casa é alugada pela família por R$200,00 mensais. A parte da casa que consideram mais importante é a cozinha, pois é onde fazem os alimentos. O esgoto do banheiro vai para uma fossa séptica, e o esgoto da cozinha vai para os fundos do lote. O lixo do lote é queimado no próprio lote. A casa é feita de alvenaria com telha de barro e não é rebocada.
o quintal
x: Vista lateral da casa. Foto: Elizabeth Othon. 2016
O quintal nos fundos da cozinha é utilizado para lavar e estender roupas, para receber visitas e fazer churrascos nas horas livres da família. Também é o espaço ocupado por Clara para brincar sozinha ou com outras crianças da vila. A parte do lote voltada para a rua da quadra possui uma grande árvore e um banco onde a família costuma receber visitas e passar o tempo.
as demandas
Área de descanso nos fundos da casa. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Interior da cozinha. Foto: Elizabeth Othon, 2016
32
LEGENDA caixa d’água fossa séptica
LOCALIZAÇÃO na agrovila esc.: 1/20000
árvore de grande porte árvore de médio porte árvore de pequeno porte área de descanso
IMPLANTAÇÃO lote 20x60m esc.: 1/500 acesso principal
PLANTA BAIXA unidade habitacional esc.: 1/100
LEGENDA projeto original
33
CASA 03
data da entrevista: 14/08 entrevistado: Marcos entrevistadora: Elizabeth
Vista da entrada principal. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Família Almeida A família de Marcos Antonio de Almeida, de 36 anos mora na rua perto da quadra. A família está no Assentamento São Miguel desde junho de 2016. Antes de morar na agrovila moravam em Várzea Grande. A família é composta por 3 pessoas, Marcos, sua esposa Eva, e a filha de 11 anos. A renda da família vem do trabalho de Marcos na Escola da vila, e Eva vende biscoitos caseiros, o que gera uma renda média de 2,5 salários mínimos. A família não está inscrita no Bolsa Família, e a filha estuda na escola da vila. O que mais gostam na vila é o emprego na escola, a comunidade e o sossego.
a casa
Vista da casa e ampliação. Foto: Elizabeth Othon, 2016
A casa foi comprada pela família, e está sendo ampliada por autoconstrução. A parte da casa que consideram mais importante é o banheiro. O esgoto do banheiro e da cozinha vai para uma fossa séptica. O lixo do lote é queimado no próprio lote. A casa é feita de alvenaria com telha de fibrocimento e rebocada no interior.
o quintal
Interior do banheiro. Foto: Elizabeth Othon. 2016
A primeira vista o que chama atenção a casa é o muro baixo e grade ao redor da casa. Segundo Marcos, o muro foi feito para que os 3 cachorros não fugissem, e para maior segurança da família. O quintal dentro do muro é utilizado para guardar o carro da família, possui plantas ornamentais, e a cozinha se divide entre o interior e o exterior da casa, se estendendo da área para o quintal. O quintal fora do muro é por vezes compartilhado com os vizinhos com as cadeiras sob as árvores, e Sr. Marcos pretende plantar no lote vizinho que também é da família.
as demandas
Interior da casa. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Edificação em construção. Foto: Elizabeth Othon, 2016
34
nova construção
LEGENDA caixa d’água
LOCALIZAÇÃO na agrovila esc.: 1/20000
muro
fossa séptica árvore de grande porte árvore de médio porte árvore de pequeno porte
IMPLANTAÇÃO lote 40x60m esc.: 1/500 acesso principal
LEGENDA ampliação projeto original
PLANTA BAIXA unidade habitacional esc.: 1/100
35
CASA 04
data da entrevista: 28/08 entrevistada: Mariazita entrevistadora: Elizabeth
Vista frontal da casa. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Família Leite Floriano
A família de Mariazita Leite Floriano, de 29 anos, mora na rua da Escola. A família está no Assentamento São Miguel desde 2007. Antes de morar na agrovila, moravam no Capão das Antas. A família é composta por 4 pessoas, Mariazita, seu esposo e duas filhas pequenas. A renda da família vem do trabalho do marido operando máquinas no garimpo e fazendas da região, o que gera uma renda média de 3,5 salários mínimos. A família está inscrita no Bolsa Família, e a filhas estudam na escola da vila. O que mais gostam na vila é a vizinhança, a escola, a facilidade de transporte para a cidade. E o que Mariazita menos gosta é a falta de um posto de saúde na região.
a casa
Vista dos fundos da casa. Foto: Elizabeth Othon, 2016
A casa foi comprada pela família, e fizeram melhorias como pintar, trocar as portas e colocar piso. A parte da casa que considera mais importante são os quartos, por ser o local de descanso. O esgoto do banheiro vai para uma fossa séptica e da cozinha a água é reutilizada para molhar as plantas. O lixo do lote é queimado no próprio lote. A casa é feita de alvenaria com telha de barro, rebocada e pintada no interior e na fachada de frente para a rua.
o quintal
Espaço de brincar das crianças: Elizabeth Othon. 2016
A entrada do lote possui árvores e algumas plantas ornamentais que nos direcionam para a varanda, onde a família costuma passar mais tempo e receber visitas. As crianças usam o quintal para andar de bicicleta, e indicam a sombra de uma grande árvore na lateral da casa, com um banco de madeira como o lugar onde mais gostam de desenhar e brincar. No fundo do lote vê-se o domínio da mulher, desde a área de serviço feita de material misto que se abre para o quintal até a horta na lateral da casa, a casa dos cachorros e o varal de roupas.
as demandas Vista interna do quarto. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Área de serviço feita de material improvisado. Foto: Elizabeth Othon, 2016
36
LEGENDA fogão a lenha casa dos cachorros
caixa d’água fossa séptica horta bananeira árvore de grande porte
LOCALIZAÇÃO na agrovila esc.: 1/20000
árvore de médio porte árvore de pequeno porte área de descanso
IMPLANTAÇÃO lote 20x60m esc.: 1/500 acesso principal
LEGENDA
projeto original ampliação
ampliação projeto original
PLANTA BAIXA unidade habitacional esc.: 1/100
37
CASA 05
data da entrevista: 14/08 entrevistada: Mariazita entrevistadora: Elizabeth
Vista frontal da casa, a partir da rua. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Vista lateral. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Família Leite da Costa D. Silvana Leite da Costa, de 58 anos, e seus 3 filhos moram na rua da Escola. A família está no Assentamento São Miguel desde 2004. Antes de morar na agrovila,moravam no Capão das Antas. A renda da família vem da aposentadoria de D. Silvana, e totaliza 1 salário mínimo. O que mais gostam na vila é o comércio e a facilidade de transporte para a cidade. E o que menos gosta é a falta de um posto de saúde na região.
a casa
A casa foi comprada pela família, e realizaram reformas para aumentar o banheiro, fazer uma varanda e melhorias nos revestimentos. A parte da casa que considera mais importante são os quartos, por ser o local de descanso. O esgoto do banheiro vai para uma fossa séptica e da cozinha a água é reutilizada para molhar as plantas. O lixo do lote é queimado no próprio lote. A casa é feita de alvenaria rebocada e coberta com telha de barro.
o quintal
O que chama atenção no quintal é uma construção de material improvisado que cobre o fogão a lenha, apesar de possuírem fogão a gás na casa, D. Silvana prefere utilizar o fogão de fora. O quintal é bem arborizado, e a parte da frente do lote é embelezada com plantas ornamentais próximas à varanda. Vista lateral da casa. Foto: Elizabeth Othon. 2016
Vista do interior de um dos quartos Foto: Elizabeth Othon, 2016
Fogão a lenha. Foto: Elizabeth Othon, 2016
38
as demandas
LEGENDA fogão a lenha caixa d’água fossa séptica coqueiro árvore de grande porte
LOCALIZAÇÃO na agrovila esc.: 1/20000
árvore de médio porte árvore de pequeno porte área de descanso
IMPLANTAÇÃO lote 20x60m esc.: 1/500 acesso principal
LEGENDA ampliação projeto original
PLANTA BAIXA unidade habitacional esc.: 1/100
39
CASA 06
data da entrevista: 14/08 entrevistado: Idari entrevistadora: Elizabeth
Vista da casa a partir da rua. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Cozinha que se estende para a área. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Família Ita
Sr Idari Ita Neto, de 51 anos, D. Noemia e seu neto de 10 anos moram na rua da Igreja Católica. A família está no Assentamento São Miguel desde 2013, a princípio moravam na chácara (lote de produção) e em 2015 se mudaram para a vila. A renda da família vem do auxílio-doença de Sr. Idari e do trabalho de D. Noemia como cozinheira numa fazenda da região, o que totaliza 2 salários mínimos. O que mais gostam na vila é a tranquilidade e a facilidade de transporte para a cidade.
a casa
A casa foi construída por Sr. Idari, que a fez parecida com a casa da chácara. A parte da casa que considera mais importante é a varanda. O esgoto do banheiro vai para uma fossa séptica e o da cozinha é reutilizado para molhar as plantas. O lixo do lote é separado, a parte orgânica utilizada como adubo e a outra parte queimada no próprio lote. A casa é feita de alvenaria rebocada no interior e com telha de fibrocimento, e a família possui um poço semi-artesiano no lote.
o quintal
Horta nos fundos da casa. Foto: Elizabeth Othon. 2016
O quintal é mais utilizado por Sr. Idari, que cuida da horta, planta mandioca e cria galinhas nos fundos da casa. O espaço também é utilizado para lavar e estender roupas, fazer churrasco e abrigar o cachorro da família. A entrada do lote possui algumas árvores e muitas plantas ornamentais, com o diferencial de seus vasos serem objetos criativamente reaproveitados, como cones e galochas.
as demandas
Vista do interior da casa. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Plantas ornamentais da entrada. Foto: Elizabeth Othon, 2016
40
galinheiro
LEGENDA poço artesiano
despensa
fogão a lenha caixa d’água fossa séptica horta mandioca
LOCALIZAÇÃO na agrovila esc.: 1/20000
árvore de grande porte árvore de médio porte árvore de pequeno porte
IMPLANTAÇÃO lote 40x60m esc.: 1/500 acesso principal
LEGENDA projeto original
PLANTA BAIXA unidade habitacional esc.: 1/100
41
CASA 07
data da entrevista: 28/08 entrevistada: Maria França entrevistadora: Elizabeth
Vista da casa a partir da rua. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Família Floriano
Maria Francisca Floriano, de 26 anos, e suas duas filhas moram na quadra atrás da escola. A família está no Assentamento São Miguel desde 2005, e nesta casa desde 2014, antes moravam no Capão das Antas, um assentamento na região. A renda da família vem das diárias que Maria faz e do Bolsa-Família das duas filhas, o que totaliza menos que 1 salário mínimo. O que mais gostam na vila é a escola, onde as meninas estudam, e a quadra onde podem se divertir. O que menos gostam é a água, por ser muito salobra.
a casa
A casa é alugada pela família, por R$100,00 mensais. A parte da casa que considera mais importante é o banheiro. O esgoto do banheiro vai para uma fossa séptica e da cozinha a água vai para o quintal. O lixo do lote é queimado no próprio lote. A casa é feita de alvenaria sem reboco e com telha de fibrocimento. Vista lateral da casa. Foto: Elizabeth Othon, 2016
o quintal
Segundo Maria, o quintal é mais utilizado pelas crianças para brincar, e para lavar e estender roupas. Também é onde recebem as visitas, no banco de madeira debaixo das grandes árvores.
as demandas
Área de serviço. Foto: Elizabeth Othon. 2016
Interior do banheiro. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Área de descanso nos fundos da casa. Foto: Elizabeth Othon, 2016
42
LEGENDA caixa d’água fossa séptica árvore de grande porte
LOCALIZAÇÃO na agrovila esc.: 1/20000
árvore de médio porte árvore de pequeno porte área de descanso
IMPLANTAÇÃO lote 20x60m esc.: 1/500 acesso principal
LEGENDA ampliação projeto original
PLANTA BAIXA unidade habitacional esc.: 1/100
43
CASA 08
data da entrevista: 28/08 entrevistado: Osvaldino entrevistadora: Elizabeth
Vista da fachada principal. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Família dos Santos Sr. Osvaldino Francisco dos Santos, de 82 anos, sua esposa D. Maria Calegari, e seus dois filhos moram na rua da quadra, perto da escola. A família está no Assentamento São Miguel desde 1996, e participaram da fase do acampamento, antes moravam em Rondonópolis - MT. A renda da família vem da aposentadoria de Sr. Osvaldino e D. Maria, e do auxílio-doença de um dos filhos, totalizando 3 salários mínimos. O que mais gostam na vila é a convivência com vizinhos e facilidade de transporte.
a casa
Interior da cozinha. Foto: Elizabeth Othon, 2016
A casa foi construída pela família com o auxílio-instalação quando se iniciou o assentamento. A parte que considera mais importante na casa é a cozinha, pois é onde se produz o alimento da família. O esgoto do banheiro vai para uma fossa séptica e da cozinha a água vai para o quintal. O lixo do lote é queimado no próprio lote. A casa é feita de alvenaria rebocada e com telha de fibrocimento.
o quintal
Vista dos fundos da casa. Foto: Elizabeth Othon. 2016
Quem passa pela rua pode ver todos os dias Sr. Osvaldino sentado em sua cadeira de fio na varanda de frente da casa, onde recebe visitas, faz suas refeições e vê o movimento da vila. O quintal possui um fogão a lenha, muitas árvores frutíferas e uma horta, cuidada pelo filho.
as demandas
Vista da lateral da casa. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Sr. Osvaldino em sua cadeira de fio na varanda. Foto: Elizabeth Othon, 2016
44
galinheiro
LOCALIZAÇÃO na agrovila esc.: 1/20000
LEGENDA fogão a lenha
projeto original ampliação
caixa d’água fossa séptica bananeira
acesso principal
IMPLANTAÇÃO lote 60x60m esc.: 1/500
árvore de grande porte árvore de médio porte árvore de pequeno porte mandioca
LEGENDA ampliação projeto original
PLANTA BAIXA unidade habitacional esc.: 1/100
45
CASA 09
data da entrevista: 28/08 entrevistado: Sebastião entrevistadora: Elizabeth
Família da Silva Sr. Sebastião Clarindo da Silva, de 68 anos, mora sozinho na rua da quadra, perto da escola. Mora na agrovila do Assentamento São Miguel desde 2000, e antes morava em Rosário Oeste, sua cidade natal. A renda vem da aposentadoria de Sr. Sebastião e totaliza 1 salário mínimo. O que mais gosta na vila é a convivência com vizinhos, e o que menos gosta é a falta de acesso a médicos e atendimento de saúde em geral.
Casa vista a partir da rua. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Vista da casa a partir do quintal. Foto: Elizabeth Othon, 2016
a casa
A casa é alugada por um valor de R$200,00 mensais, essa já é a quarta vez que Sr. Sebastião se muda de casa. A parte que considera mais importante na casa é o quarto. O esgoto do banheiro e da cozinha vai para uma fossa séptica. O lixo do lote é queimado no próprio lote. A casa é feita de alvenaria, rebocada no interior, cobertura de telha cerâmica, revestida com piso e cerâmica nas áreas molhadas, aparentando reforma recente.
o quintal
O lote não possui muitas árvores, e Sr. Sebastião iniciou há pouco tempo uma roça de abóbora e quiabo. O quintal dos fundos é utilizado para estender as roupas.
Interior do quarto. Foto: Elizabeth Othon. 2016
Interior da casa. Foto: Elizabeth Othon, 2016
Área dos fundos. Foto: Elizabeth Othon, 2016
46
as demandas
LEGENDA fogão a lenha caixa d’água fossa séptica horta árvore de grande porte árvore de médio porte
LOCALIZAÇÃO na agrovila esc.: 1/20000
árvore de pequeno porte
acesso principal
IMPLANTAÇÃO lote 20x60m esc.: 1/500
LEGENDA ampliação projeto original
PLANTA BAIXA unidade habitacional esc.: 1/100
47
consideraçþes finais
48
CONSIDERAÇÕES FINAIS A sistematização das demandas foi feita de acordo com os tipos de intervenção frente às demandas. A grande maioria das demandas se enquadram enquanto enfrentamento do déficit qualitativo, e foram lidos enquanto situações de “reforma”, dividindo-se entre “melhorias” e “ampliação”. Sobre as melhorias, tem-se as intervenções sobre o acabamento (reboco e pintura), demandas muitas vezes observadas pela autora, considerando a conservação dos tijolos cerâmicos, material construtivo predominante. As áreas molhadas foram identificadas como pontos de melhorias em sua maioria por conta da falta de revestimento de paredes e piso, o que gera dificuldades na limpeza, e consequente problemas de saúde aos moradores da casa. No que tange a estrutura das casas, todas unidades visitadas possuíam estrutura de radier e cobertura de madeira. As demandas de melhoria das coberturas são no sentido de aumentar o conforto térmico das casas que são cobertas por telhas de fibrocimento. Sobre a ampliação, algo que nos chamou a atenção foi a demanda por ampliação das áreas e varandas. Cabe então fazer a diferenciação destas áreas, baseada nas conversas com moradores: Área de serviço: Local para lavar roupas nos fundos da casa, pode ser apenas a instalação de um tanque.
Área dos fundos: Geralmente uma extensão da cozinha, onde se coloca o fogão a lenha e uma mesa para refeições, considerado espaço de transição entre o espaço privado da casa e o espaço público do quintal. Área da frente: Extensão da sala, onde se recebe visitas e se tem momentos de descanso, como uma sala de estar entre o público (rua) e o privado (sala). As demandas colocadas como “outros” são desejos específicos das famílias, como a construção de um salão comercial, para o morador oferecer serviços de corte de cabelo; e a construção de uma “bancada americana” na cozinha da família.
AMPLIAÇÃO
REFORMA
MELHORIAS
TIPO DE INTERVENÇÃO
NOVAS UNIDADES
ACABAMENTO reboco externo reboco interno pintura interna pintura externa REVESTIMENTO* piso cozinha azulejo cozinha piso banheiro azulejo banheiro ESTRUTURA cobertura cozinha cobertura varanda cobertura geral forro interno esquadrias (portas) esquadrias (janelas) CÔMODOS sala quarto banheiro cozinha área de serviço
CASA 01
área no fundo área na frente OUTROS bancada americana salão comercial ônus excessivo coabitação
CASA 02
CASA 03
UNIDADES HABITACIONAIS CASA 04 CASA 05 CASA 06 CASA 07
CASA 08
CASA 09
TOTAL 6 3 5 6 3 5 2 2 1 2 2 3 1 1 1 3 4 3 1
2 2
c/ fogão a lenha
3 6 1 1 3
Quadro 2: Síntese das demandas
49
Além de questões pontuais sobre as demandas materiais das casas, as visitas e conversas com moradores foram essenciais para a apreensão do cotidiano e do uso de alguns cômodos, como o espaço da cozinha e sala, na organização da casa pela família, seus locais preferidos e a sua relação com o quintal. Neste ponto pudemos observar como as relações são postas no ambiente residencial, por exemplo, a cozinha destaca-se como espaço de domínio feminino, sendo ainda ambiente de importância na casa pois é onde se prepara o alimento para nutrir a família. Um espaço que não se limita às paredes de alvenaria, quase sempre fica parte “para dentro” e parte “para fora” seja pela falta de espaço interno, seja pela facilidade e gosto de se ter a cozinha externa, por vezes a comida é preparada no fogão a lenha, a louça lavada na pia do lado de fora. Também se explorou a relação da família com o entorno da casa, o quintal que é um espaço qualitativo muito importante no habitat rural, pois é para onde se estendem atividades que não estão restritas ao corpo da casa. O quintal reúne em alguns casos o plantio de subsistência, onde se tem a horta e onde se preparam os alimentos produzidos nesta, onde se encontra a árvore onde são recebidas as visitas, onde as crianças brincam e a vida se realiza. Esses usos da morada e sua relação com o quintal, nos remete as situações analisadas por Andrea ARRUDA (2010), conforme a leitura da morada camponesa feita pela autora, entende-se: “O “canto” é a intimidade, é a particular relação do indivíduo com o ambiente específico que lhe pertence, onde se estabelecem domínios por ele determinados, onde se espacializam seus espaços-atividades, onde a vida do cotidiano se expande. ” As visitas e leituras da habitação no espaço rural se justificam na intenção de se pensar propostas de melhorias nos habitats da agrovila do Assentamento São Miguel, enquanto experiência prática de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social1. Considerando as motivações do trabalho, diversas leituras paralelas puderam ser feitas. Destaco aqui uma das inúmeras situações que alimentaram a autocrítica da prática, e contribuíram para minha formação enquanto arquiteta que intenciona atender demandas populares Sobre os conceitos e postura enquanto detentora de conhecimento técnico buscando contato e partilha com outros saberes, cabe aqui relatar um trecho de uma entrevista que provou ser cada vez mais necessária a autocrítica e tomada de consciência sobre as contradições vividas, e consequente ação para minimizar essas contradições e estender o conhecimento técnico para além da academia, respeitando todos os saberes. Uma das questões da última parte da ficha de entrevista foi construída da seguinte forma: “Se pudesse ter acompanhamento de um arquiteto na reforma ou construção, acha que a casa ficaria melhor? Por que? ”. Por ser uma pergunta que se mostrou ainda mais direcionada quando feita por uma futura arquiteta, todas as respostas foram afirmativas, mostrando o “prestígio” e importância de nossa profissão, um dado estatístico primoroso para os que buscam a dita “valorização” da profissão. Um dado que mostra como somos “indispensáveis” na construção de habitats de qualidade e aprofunda ainda mais os abismos e contradições entre nossa classe, de privilegiados que tiveram acesso à educação superior técnica de qualidade, e as classes que aqui buscamos trabalhar em parceria, que por questões estruturais e históricas não tiveram acesso às mesmas fontes de conhecimento que nós, mas produzem seus habitats de forma primorosa com os recursos disponíveis. Para alimentar a autocrítica aqui colocada, busco um trecho das discussões sobre autonomia e heteronomia dos estudos coordenados por Silke Kapp, em um artigo de título “Arquiteto sempre tem conceito – esse é o problema”: “Para evitar confusões terminológicas, cabe esclarecer de antemão que entendemos por arquitetura o espaço transformado pelo trabalho humano, não apenas aquela pequena porção projetada por arquitetos e reconhecida pelo campo acadêmico e profissional da arquitetura como legítima expressão de seus princípios em determinado momento histórico (Kapp, 2005). Em outras palavras, arquitetura inclui o espaço comum, cotidiano, “ordinário”, como diriam os ingleses, para além das obras que se pretendem extraordinárias ou são eleitas como tais pelos historiadores. É nesse sentido que nos referimos a dois modos de operar: um da prática teorizada e institucionalizada, cujo foco está no projeto e no discurso; e outro, bem mais amplo, da prática pautada na experiência empírica e focada na construção e no uso. ” (KAPP, NOGUEIRA, BALTAZAR. 2009, p.5) As questões de autonomia e desconstrução da imagem do arquiteto enquanto único capaz de solucionar questões do espaço nos levam às futuras perspectivas do trabalho, que pretende prosseguir com a leitura e sistematização das demandas habitacionais da agrovila, e posteriormente construir um plano coletivo de reformas e melhorias para as famílias interessadas, considerando a aplicação de metodologias de projeto participativo.
1 A assistência técnica é o direito definido pela Lei Federal no 11.888 de 24 de dezembro de 2008 que assegura às famílias com renda de até três salários mínimos, de forma pública e gratuita, o serviço de assessoria em projeto nas áreas de Arquitetura, Urbanismo e Engenharia para a construção de habitação de interesse social, de forma pública e gratuita.
50
51
anexos
52
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE ARQUITETURA, ENGENHARIA E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO I
FICHA 1 – HISTÓRICO DO ASSENTAMENTO Nome do Entrevistado: Data da Entrevista: 1) Como aconteceu a organização do grupo? (por Cooperativa, MST, FETAGRI, etc.)
2) Como ficaram sabendo da terra? 3) Como foi a fase de acampamento? Como resolviam as questões burocráticas nesse período? Houveram conflitos? 4) Como foi feito o desenho do Assentamento? Quem cortou a terra e os lotes da agrovila? O incra/banco deu espaço para participação/opinião dos assentados? 5) Quem elaborou o PDA (Plano de Desenvolvimento do Assentamento) e como foi aplicado? 5.1) Como foi a construção das casas? Houve financiamento? Como foram construídas? 5.2) Tiveram assistência técnica para a produção? Foi continuada? 5.3) Como foi a abertura das estradas e instalação de infraestrutura? 5.4) Estavam previstos equipamentos comunitários?
53
54
UFMT // FAET // DAU // TFG I // 2016.1 // Elizabeth Othon FICHA DA MORADIA // habitat // Assentamento São Miguel (Sadia 3) 1. PERFIL DA(O) ENTREVISTADA(O) 1.1 Data da entrevista 1.2 Entrevistadora 1.3 Local da entrevista 1.4 Nome da/o entrevistada/o 1.5 Idade da/o entrevistada/o 1.6 Local de nascimento 1.7 Endereço atual 1.8 Último local que morou 2. CARACTERISTICAS GERAIS 2.1 Desde que ano estão na terra? Fizeram parte da fase de acampamento? 2.2 Breve historico da chegada da sua família ao assentamento/acampamento.Como soube do local? 2.3. Porque escolheram ficar na agrovila? 3. PERFIL SOCIOECONÔMICO 3.1 Quantas pessoas na família? 3.2 Quantas pessoas moram na casa? 3.3 Qual a origem da renda da família? ( ) trabalho na cidade ( ) trabalho na vila ( ) trabalho na escola ( ) lote de produção ( ) garimpo ( )outros lotes/fazendas ( )outro_______ 3.4 Faixa de renda familiar
( ) 0-3 SM ( ) 3-6 SM ( ) 6-9 SM ( ) +10SM 3.5 A família está inscrita no bolsa família? 3.6 Onde as crianças estudam?
( ) EMEB Bianka ( ) outro ___________ 4. CARACTERÍSTICAS FÍSICAS URBANAS E AMBIENTAIS 4.1 Como é o abastecimento de água? ( ) poço artesiano/semi-artesiano ( ) rio,córrego ou nascente ( ) caminhão-pipa ( )outro_______ 4.2 Como é o esgotamento sanitário? (coleta/tratamento) ( )fossa séptica ( )fossa negra ( ) lançado no rio ( ) lançado à céu aberto ( )outro_______ 4.2.1 O destino do esgoto da cozinha é diferente do destino do banheiro? 4.3 Qual o destino do lixo do lote? ( ) queimado ( )enterrado ( )terrenos baldios ( ) lançados em rio ( )outros______________ 4.4 Tem energia elétrica? Como é a ligação? 5. EQUIPAMENTOS PÚBLICOS E COMUNITÁRIOS, COMÉRCIO E SERVIÇOS 5.1 As correspondências chegam na sua casa?
55
5.2 Qual o espaço público ou de uso comum mais importante na região? ( )escola ( )quadra ( )salão de festas da igreja ( ) campinho ( )lago/represa ( ) outro______ 5.3 Quem mais utiliza? 5.3 O que a sra. mais gosta na vila? 3 coisas 5.4 O que a sra. Menos gosta na vila? 3 coisas 6. CARACTERÍSTICAS DOS DOMICÍLIOS 6.1 A casa é da sua família? ( )comprada ( )alugada ( )cedida 6.2 Se alugada, qual o valor do aluguel? 6.3 Como foi a construção? Teve projeto? Teve assessoria? 6.4 Qual parte da casa considera mais importante? Porque? ( )sala ( )cozinha ( )banheiro ( )quartos ( )varanda ( ) quintal ( )outros______ 6.5 Em qual local da casa a família passa mais tempo? ( )sala ( )cozinha ( )banheiro ( )quartos ( )varanda ( ) quintal ( )outros______ 6.6 Onde a família realiza as refeições? ( )sala ( )cozinha ( )varanda ( ) quintal ( )outros______ 6.7 E a cozinha? A família costuma utilizar bastante? Que atividades são realizadas ali? Quem mais utiliza? 6.8 E a sala? A família costuma utilizar bastante? Que atividades são realizadas ali? Quem mais utiliza? 6.9 Onde as crianças preferem estudar? 1.10
( )sala ( )cozinha ( )quartos ( )varanda ( ) quintal ( )outros______ Os estudos são realizados de que modo? ( )no chão ( )na mesa ( )outros
1.11
Quantos quartos tem na casa? Como foi feita a distribuição de pessoas por quarto?
1.12
Costuma receber visitas? Ficam aonde?
1.13
De onde vêm as visitas?
( )Antiga localidade ( ) cidade ( )da agrovila ( ) de assentamentos próximos ( )de outra cidade 1.14 Quais atividades são realizadas no quintal? (Estender roupas/brincar/tempo livre/lavar roupas/ cozinhar/horta/outro) 1.15
56
Quem costuma utilizar mais esse espaço?
1.16 Você ou algum membro da família exerce alguma atividade comercial ou de trabalho no seu atual domicílio? Que tipo de atividade e onde? 1.17
O que a sra. Mais gosta na casa? 3 coisas
1.18
O que a sra. Menos gosta na casa? 3 coisas
7. POSSIBILIDADES DE AMPLIAÇÃO/MODIFICAÇÃO 7.1 Se a família pudesse ampliar ou modificar algo da casa o que faria? De que modo? 7.2 Na sua opinião, o que mais dificulta a ampliação da residência? 7.3 Se pudesse ter acompanhamento de um arquiteto na reforma ou construção, acha que a casa ficaria melhor? Por que? 7.4 Acha que o desenho da casa influencia nas atividades ou no modo de convívio da família? Por que? Por exemplo, a casa é fácil de limpar? 7.5 Em algum momento pensou em se mudar da vila? 7.6 Onde prefere morar, na atual ou antiga moradia? 8. OBSERVAR Material construtivo predominante da casa Possui banheiro dentro da residência?
57
referĂŞncias bibliogrĂĄficas
58
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARRUDA, Andréa Figueiredo. O espaço concebido e o espaço vivido da morada rural: políticas públicas x modo de vida camponês. São Paulo, 2007. BRASIL. Cartilha do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR). Ministério das Cidades. Brasília, DF, 2013. Disponível em: http://www.cidades.gov.br. BRASIL. Constituição Brasileira (1988). Brasília, DF: Senado Federal, 2005. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const>. Acesso em: 7 jul. 2006. BRASIL. Governo Federal. Estatuto da Terra (1964). Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 dez. 1964. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/ sicon>. BRASIL. Governo Federal. Lei de Terras (1850). Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850. Secretaria de Estado dos Negócios do Império, Rio de Janeiro, 20 set. 1850. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao>. BRASIL. Governo Federal. Lei n. 8171, de 27 de janeiro de 1991. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 jan. 91. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ >. BRASIL. Governo Federal. Lei n. 8629, de 25 de fevereiro de 1993. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 fev. 1993. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sicon>. BRASIL. Ministério das Cidades; Ministério da Fazenda. Portaria Interministerial n. 186, de 7 de agosto de 2003. Disponível em: <http://www.fazenda.gov.br/legislacao>. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário; Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Paz, produção e qualidade de vida no meio rural. Brasília, DF, 2003. CERQUEIRA, Maria Cândida Teixeira de. A assistência técnica nos habitats do MST e o papel do arquiteto e urbanista. Dissertação de mestrado. Programa de Pósgraduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal, 2009. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação?. 7ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Centro de Estatística e Informações. Déficit Habitacional no Brasil 2013: Resultados preliminares. Belo Horizonte, 2015. HERCULANO, Selene. A vida cotidiana sob o olhar sociológico. Disponível em: < http://www.professores.uff. br/seleneherculano/images/stories/A_Vida_cotidiana_sb_o_olhar_sociolgico_v3.pdf>. INCRA. Normas de Execução n. 9 de 6 de abril de 2001. Diário Oficial n. 71-E [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 abr. 2001, seção 1, p. 201. Disponível em: <http://www.incra.gov.br>. KAPP, Silke; NOGUEIRA, Priscilla; BALTAZAR, Ana Paula. “Arquiteto sempre tem conceito - esse é o problema”. In: Projetar, 2009, São Paulo. Projeto como investigação: Antologia. São Paulo : Altermarket, 2009. KARNOPP, Erica ; OLIVEIRDA,Gabriel Anibal Santos de. A política habitacional brasileira e a habitação rural: um estudo preliminar sobre Santa Cruz do Sul, RS – Brasil. Santa Cruz do Sul, 2015. Disponível em: <https:// online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidr/article/viewFile/13318/2484>. Acessado em: 29/07/2016 NOGUEIRA, Priscilla Silva. Práticas de Arquitetura para Demandas Populares: A experiencia dos Arquitetos da Família. Dissertação de Mestrado. Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG (NPGAU) . Orientador: Silke Kapp. Escola de Arquitetura, UFMG. Belo Horizonte, 2011. PERES, Renata Bovo. Habitação Rural: Discussão e diretrizes para políticas públicas, planejamentos e programas habitacionais. Dissertação de mestrado. São Carlos, 2003.
59