Revista UP - Univale/MG

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Universo Pesquisa - Univale 2015

A DOENÇA QUE PARALISA OS SONHOS RESENHA: BREVE PANORAMA SOBRE A OBRA DE WILLLIAM SHAKESPEARE

AS DONAS DAS RUAS


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EDITORIAL

Referências e reverências M

eio: do latim, medius. Substantivo masculino, adjetivo, advérbio. É a mensagem? Os fins os justificam? Locus de pedras Drummondianas? Nonada! Parafraseando Rosa, o meio é a morada do real. E é nesta travessia, onde o caminho a percorrer vai ficando menor que o já trilhado, que alunos do quarto período do curso de Comunicação Social da Universidade do Vale do Rio Doce encontraram o momento propício para dar praticidade às teorias apreendidas em sala de aula. Lançaram-se, então, ao desafio de produzir uma revista jornalismo científico. A Universo Pesquisa surgiu da arguta observação do Coordenador do Curso de Comunicação Social, Dileymarcio de Carvalho Gomes, para quem urgia a necessidade de escoar a produção científica da UNIVALE. O professor enxergava na revista um meio adequado para tornar comum o conhecimento produzido nas mais diversas

instâncias da Instituição. Cabe dizer, tarefa que foi facilitada pela imprescindível colaboração de professores dos mais variados cursos da universidade. E como sói acontecer com boas ideias, o feitio desta revista trouxe efeitos colaterais mais que benignos: quando se ia imaginar que, no quarto período, alunos discutissem, de forma elaborada, questões atinentes às formações identitárias, culturais, territoriais, pós-modernas? Ou as nuances de processos migratórios? Temas que exigem capacidade crítica e reflexiva tomaram conta do cotidiano dos alunos. Um processo de amadurecimento que serviu como ponte para a construção de novos saberes. Afinal, não há meio-termo para quem, como naquela música dos Titãs, tem o “desejo, a necessidade, de querer inteiro e não pela metade”. As páginas a seguir revelam o instantâneo desta jornada: um exercício constante de apuração, produção, reportagens, fotografias

Ms. Caroline Prado Marchesini Nunes Professora Curso de Comunicação Social /Univale

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Foto: Davidson Fortunato

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Foto: DIVULGAÇÃO

A EDUCAÇÃO COMO BASE DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

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Universo Pesquisa é uma publicação do Curso de Jornalismo da Faculdade de Artes e Comunicação (FAC) Fundação Percival Farquhar Presidente: Sr. Francisco Sérgio Silvestre Universidade Vale do Rio Doce Reitor: Prof. José Geraldo Lemos Prata Coordenador do Curso de Jornalismo e Produção Publicitária: Prof. Dileymárcio de Carvalho Gomes Projeto Gráfico e Design: Prof. Elton Binda Editor e Jornalista Responsável: Prof. Caroline Prado Marchesini RG: 14.474/MG Reportagens: Alunos do 6ºperíodo de Jornalismo Editoração Eletrônica: Prof.Elton Binda Impressão / Tiragem: Gráfica e Editora Leste / 1000 exemplares

Redação

Expediente

AS DONAS DAS RUAS

Foto: ARQUIVO PESSOAL

Egresso da UNIVALE é destaque na Europa

Laboratório de Jornalismo e Publicidade Carlos Olavo da Cunha Pereira Rua Israel Pinheiro, 2000, Bairro Universitário - Campus Antônio Rodrigues Coelho - Edifício Pioneiros, Bloco C - Sala 6 - Governador Valadares / Minas Gerais CEP: 35.020.220 Contato: (33) 3279-5548 circulando@univale.br

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Foto: Mauro Lúcio

A DOENÇA QUE PARALISA OS SONHOS

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Foto: Júlia Denadai

Fotos: Arquivo pessoal

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HISTÓRIA NÃO SE CONTA, REGISTRA- SE

MUITO ALÉM DAS PESQUISAS

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NAVEGAR É PRECISO

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NAMORO ANTIGO

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YES, NÓS SOMOS BRASILEIROS


Foto: Davidson Fortunato

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Sociologia

AS DONAS DAS RUAS Pesquisa estuda o cotidiano das varredoras de ruas e aborda invisibilidade social como resultado do preconceito com a profissão. Davidson Fortunato

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oseli Cruz Coelho, 42, acorda às seis da manhã. Vassoura em punho, limpa os cômodos da casa, que divide com dois filhos e quatro sobrinhos, na Ilha dos Araújos, em Governador Valadares. A mulher, que estudou até a quinta série, toma café, calça luvas, veste-se com o tradicional uniforme laranja e parte para ganhar a vida tirando a sujeira das ruas cidade. Roseli trabalha como Margarida. Profissão batizada com nome de flor, numa rotina onde sobram espinhos. A maneira pela qual são conhecidas as coletoras foi usada pela primeira vez em meados de 1970, no interior de São Paulo. Margarida, palavra feminina, flor. As conexões são evidentes. Mas a escolha tem lá a sua sutileza: no meio de Margarida, encontramos “gari”, nome dado a quem trabalha

Kesia Melo

Daniela Franco

Salomão Renato

com a coleta. Embora valha para ambos os sexos, o termo gari é mais aplicado aos homens. Roseli está na profissão há seis anos. Acostumada a recolher quase todo tipo de lixo, por vezes, convive com o pior deles: o preconceito. Como se a atividade fosse algo menor. Como se não fosse importante o bastante. Enquanto recolhe a sujeira, numa exaustiva rotina que avança noite adentro, percebese vítima de uma espécie de invisibilidade de conveniência: a população sabe da importância do trabalho das Margaridas, mas muitos moradores lhes negam o reconhecimento. E é justamente este ponto de vista social sobre as coletoras das ruas o tema do projeto de pesquisa da professora Camila de Almeida Miranda, Mestranda em Gestão Integrada do

Território da Universidade Vale do Rio Doce, UNIVALE. O estudo tem como título “O olhar da sociedade sobre as coletoras das ruas: as Margaridas que fazem o sol brilhar com mais limpeza em Valadares”. Aborda questões como a invisibilidade social e a falta de valorização profissional dos trabalhadores de profissões desprovidas de status, glamour, reconhecimento social e adequada remuneração. “O lixo é algo que a sociedade rejeita, que ela não quer mais. Pode ter a discriminação, por elas trabalharem com o lixo, por ser uma profissão sem qualificação profissional muito alta ou por ser uma profissão mal remunerada em comparação às outras. Não é só com quem trabalha com limpeza, que fique claro: ocorre também com quem normalmente serve algo. Normalmen-

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Sociologia

te são só braços e pernas que servem.’’ Afirma Camila. A pesquisadora tomou como base o estudo sobre invisibilidade pública, do professor Fernando Braga da Costa, da USP. Quando criança, vivendo num bairro de classe média, Fernando já havia percebido que é grande a quantidade de gente que, de forma preconceituosa, tratava mal profissionais como empregadas domésticas, coveiros e coletores de lixo. Já adulto, cursando o segundo ano do curso de Psicologia, recebeu como tarefa conhecer de perto a situação de pessoas com menos poder aquisitivo. Fernando escolheu trabalhar com os garis. Um longo aprendizado, que durou quase uma década. No período em que elaborava sua pesquisa de campo, vivenciando o cotidiano dos homens que cuidavam da limpeza da USP, Fernando descobriu que não seria fácil a tarefa de se ‘’infiltrar’’ naquele meio. Os garis do Campus não o tratavam com naturalidade, pois logo reconheceram que ele não pertencia à mesma classe social. Após algum tempo de convivência, e de testes que exigiriam demonstração de humildade, Fernando Braga da Costa foi aceito pelos outros coletores. Ganhava 400 reais por mês, trabalhando meio período. Formado, continuou a pesquisa com vistas ao doutorado. Durantes os estudos, comprovou o que chamou de ‘’invisibilidade pública: “as pessoas enxergam a função de limpar as ruas e não o ser humano em si. Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim e não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbar-

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Foto: Arquivo pessoal

A docente e pesquisadora Camila de Almeida de Miranda estuda o olhar da sociedade sobre as coletoras de ruas.

ravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste ou em um orelhão ”. Nesta mesma linha, a professora Camila de Almeida Miranda vem observando o cotidiano das Margaridas em Governador Valadares. Elas são, em sua maioria, afrodescendentes , com baixa escolaridade. Muitas são desrespeitadas durante seu trabalho, com xingamentos, caras fechadas ou, simplesmente, são ignorada, como

se fossem invisíveis. Isto, em uma sociedade onde o nível de consumo de bens materiais é o agente determinador do posicionamento de cada participante nas classes sociais. Assim, os trabalhadores que executam tarefas imprescindíveis à sociedade moderna são apenas “elementos” que realizam trabalhos a que um membro das “classes superiores” jamais se submeteria a fazer. O símbolo mais evidente desta situação precária é o uniforme utilizado pelos coletores, indicativo de


Sociologia Foto: Davidson Fortunato

A invisibilidade social, marca do preconceito com a profissão.

que determinado “elemento” não tem qualificação suficiente para pertencer à hierarquia social dominante. Em paralelo, trabalhos manuais - especializados ou não -, embora fundamentais, também não têm o devido reconhecimento da sociedade. O estudo de Camila ainda está no início, há uma estrada pela frente, muita coisa para desvendar em meio a este grande entulho de “pré-conceitos” sociais. Mesmo assim, a pesquisa já oferece indícios para uma necessária mudança de comportamento: “uma conscientização precisa ser feita desde cedo. Nossas crianças devem ser educadas para que todas as profissões sejam importantes. Nossa sociedade, desde sempre, supervaloriza algumas funções em detrimento de outras. É uma coisa de mostrar par a sociedade que aquele profissional tem valor, que ele faz falta, porque o que

mais se ouve é: “vai estudar! Senão, você vai virar gari ou empregada doméstica. Só um forte trabalho de base, de educação, para mudar essa realidade’’, diz Camila. Roseli, margarida, também não floreia: acredita que este é o caminho para evitar comentários cada vez mais recorrentes: “quando estou limpando, o pessoal fala que não é era hora de varrer, não! Que enche de poeira. E a gente tem que engolir calado, não pode

responder. Mas se não varrer, como é que fica? Outros finjem que a gente não existe... Por sorte, tem gente humilde, que acena e chama a gente de tia.” Apesar das dificuldades, a “dona da rua” gosta do que faz, considera- se feliz: meu trabalho ajuda a todos. E se ficasse em casa, sem emprego, teria depressão! A melhor parte é terminar a limpeza, ‘’ conclui, varrendo a indiferença com um sorriso capaz de vencer qualquer preconceito. Foto: Arquivo pessoal

O professor da USP, Fernando Braga Costa (de boné azul, ao centro), entre os homens da limpeza.

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“Entre Aspas” Fotos: DIVULGAÇÃO

A EDUCAÇÃO COMO BASE DO DESENVOLVIMENTO HUMANO Reitor da Univale faz um balanço sobre os primeiros anos à frente da Instituição. E destaca a força do trabalho em equipe para vencer desafios. Guinther Carvalho

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leito Reitor da Universidade Vale do Rio Doce em 2013, José Geraldo Lemos Prata é natural de Manhuaçu, Minas Gerais. Em uma conversa com a Universo Pesquisa, o dono de uma trajetória atuante tanto na docência quanto no meio empresarial, fala sobre as dificuldades, os méritos e o que almeja para

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Kessy Almeida

Gabriella Luiza

Laisla Andrade

o futuro da Universidade. A Universidade enfrentou um período turbulento. Agora, vive um processo de evolução constante, com diversas melhorias. A que o senhor atribui esta mudança. José Geraldo Lemos Prata:

Primeiramente, não acredito que as melhorias tenham sido especificamente ou exclusivamente em função da minha vinda para a reitoria da UNIVALE. Tive, isto sim, a felicidade de chegar num momento propício e poder colaborar positivamente com esta maravilhosa equipe de trabalho que temos, tanto nas mantidas quanto na


“Entre Aspas”

Fotos: DIVULGAÇÃO

“Material humano nunca nos faltou” mantenedora. O que existe aqui é a vontade e o empenho de professores e pessoal técnico administrativo em devolver a UNIVALE para um patamar de onde ela não deveria ter saído. Para isto, tem sido feito um enorme esforço conjunto para a recuperação financeira da instituição, porque material humano nunca nos faltou! Vale dizer, esse processo de melhorias não começou comigo, mas sinto uma grande satisfação em fazer parte dele e participar – junto com a FPF, Fundação Percival Farquhar-, de uma gestão que conseguiu um equilíbrio financeiro que já nos permitiu, em 2014, pagar, de forma bastante antecipada, uma parcela do 13º salário a professores e funcionários. Aos poucos, e sabendo que ainda há muito a ser feito, também começamos a investir na infraestrutura dos cursos, com equipamentos e laboratórios que representam melhorias na qualidade de ensino.

educação é a base de todo desenvolvimento humano. Partindo deste princípio, e conscientes do papel social que a UNIVALE tem com a comunidade na qual está inserida – e digo isso projetando o seu alcance regional –, procuramos desenvolver as potencialidades regionais, através da oferta de cursos que atendam às demandas do mercado de trabalho e às necessidades sociais. Proporcionamos a milhares de estudantes esta fantástica experiência do conhecimento e, consequentemente, formamos profissionais capacitados para fazer a diferença em suas áreas de atuação. Objetivamos promover o crescimento – com desenvolvimento – da nossa região.

Valadares se consolidou como um polo educacional. Neste contexto, a UNIVALE, desenvolve um papel de grande relevância, tanto na formação de profissionais quanto na função de agente transformadora do desenvolvimento regional. Como o senhor avalia este trabalho.

José Geraldo Lemos Prata: Nossos cursos tanto de graduação quanto de pós-graduação são estruturados de acordo com as normas vigentes do MEC – Ministério da Educação. Neste cenário, buscamos através dos nossos projetos pedagógicos, oferecer formação de excelência e atender ao alto padrão de qualidade de ensino almejado pela UNIVALE.

José Geraldo Lemos Prata: A

A educação continuada é um dos diferenciais no mercado de trabalho. Como são estruturados os cursos de graduação e pós-graduação da Univale?

José Geraldo Lemos Prata

Como reitor, quais são as expectativas para os próximos anos? José Geraldo Lemos Prata: Nossas expectativas são as melhores possíveis. Aprender com o passado – em seus acertos e erros – é o que nos permite ter uma visão mais clara, assertiva e realista do futuro. O grande desafio desta gestão é tomar, hoje, decisões que permitam esse futuro. É isso, o que propomos a fazer todos os dias. A força da marca UNIVALE nos confere uma enorme responsabilidade. Ao mesmo tempo, ela é, junto com o incrível contingente de grandes profissionais que temos em nosso corpo docente, uma valiosa ferramenta para a elaboração e execução de projetos que a coloquem em uma rota definitiva de evolução.

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Saúde FOTOs: Mauro Lúcio

Nathália, 19 anos, na batalha diária contra a doença.

A DOENÇA QUE PARALISA OS SONHOS Família valadarense que contribuiu para pesquisas sobre o gene de doença rara necessita de cuidados básicos. Mauro Lúcio

A

Fibrodisplasia Ossificante Progressiva, mais conhecida como FOP, é uma doença genética que causa a formação de ossos no interior dos músculos, tendões, ligamentos e outros tecidos. A incidência é de um caso para cada dois milhões de pessoas. Se uma ocorrência é rara, imagine três, numa mesma família. Há oito anos, essa situação completamente atípica foi registrada 12

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em Governador Valadares pela revista científica Nature, uma das mais conceituadas do mundo. Carlos Marinho Queiroz e as duas filhas dele, Nathália e Camila, todos portadores da FOP, foram alvo de uma extensa reportagem. O ineditismo chamou à atenção de especialistas. E resultou em pesquisas fundamentais para a descoberta do gene causador da doença. De acordo com Patrícia Delai,

médica, pesquisadora e presidente da FOP Brasil, a rara configuração genética da família Queiroz foi de suma importância para o desenvolvimento de estudos sobre a doença. Vale dizer, ainda não há cura para a FOP. Mas o tratamento pode prolongar a vida dos portadores por até setenta anos. Para Carlos, essa possibilidade chegou tarde. Ele morreu vítima da doença. As filhas, hoje ado-


Saúde

lescentes, batalham em condições precárias contra um mal sem cura. Nathália, 19, já está com o quadro bem avançado. Mãos e mandíbula estão sem movimentos, calcificadas pelo avanço da FOP. É como se todas as suas juntas estivessem paralisadas. Já a irmã caçula, Camila, 17, apresenta as primeiras manifestações da doença. A Fibrodisplasia Ossificante Progressiva tende a se manifestar até a idade de dezoito anos. No começo surge uma vermelhidão na pele, seguida de um inchaço e, posteriormente, a região é ossificada. Gradativamente, a pessoa perde os movimentos. No caso da Nathália, a descoberta se deu quando ela era bem nova. Mas uma queda de bicicleta agravou a situação. Hoje, a família já perdeu as esperanças de uma possível cura ou retrocesso da doença. O foco é proporcionar os cuida-

dos necessários para prolongar ao máximo a vida da moça. O tratamento deve ser seguido à risca. Mas nem sempre isto acontece. Nem familiares, nem mesmo todos os profissionais da área de saúde estão bem informados sobre a forma correta de lidar com as limitações provocadas pela doença. Para Patrícia Delai, que estudou o caso da família valadarense “o quadro clínico das pessoas com FOP é imprevisível. A piora pode ocorrer pelo curso da doença ou por procedimentos cirúrgicos e injeções intramusculares que acarretam a explosiva formação de ossos. Sei que as meninas tomaram injeções de Benzetacil, mesmo após a exaustiva orientação para não tomar injeções, mas é impossível dizer que esta é a causa do estado atual.” Em decorrência das limitações, a jovem Natália encontra- se em um estágio avançado de depres-

são. Tarefas simples como ir ao banheiro, tomar banho, escovar os dentes, pentear os cabelos ou escolher a roupa que vai vestir já não são possíveis. A articulação da mandíbula é limitada, o que dificulta a fala e até mesmo a alimentação de Natália. Maria das Dores, mãe das adolescentes, enfrenta uma dura batalha para lidar com a doença na família. Ela teve de abandonar o trabalho e diz não saber mais o que fazer diante de tantas dificuldades. A Univale tem dado apoio à família por intermédio de profissionais dos cursos de odontologia e de psicologia. Um bálsamo para vidas tão sofridas. São medidas paliativas numa existência onde cada dia é uma vitória. Jovem, já debilitada na cama, limitada pelo próprio corpo, percebe-se em Nathália, outra face triste da doença: aquela em que ,além dos ossos e juntas, paralisam- se os sonhos.

Fatores que dificultam encontrar a cura para a FOP : • • • • • •

Raridade genética. Escassez de amostras de tecidos. Falta de informação. Orçamento limitado. Desinteresse por parte dos laboratórios em desenvolver a pesquisa Falta de uma política pública para tratar a doença

Maria das Dores cuidou do marido, vítima de Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP). Agora, trata das duas filhas adolescentes.

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Antropologia/migração Fotos: DivulgaÇão

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Antropologia/migração

NAVEGAR É PRECISO Camila Fernandes

B

uscar lugares que oferecessem condições básicas de sobrevivência era a sina dos primeiros migrantes. O deslocamento, fato corriqueiro início da humanidade, foi a forma encontrada para fugir das ameaças das intempéries. Havia, ainda, a necessidade de explorar novos horizontes em busca de suprimentos: nossos ancestrais ficavam em um lugar enquanto houvesse água limpa, animais para caça e clima favorável. Na falta de um deles, pernas pra que vos quero! Com o surgimento da agricultura, as pessoas aprenderam a desenvolver as condições básicas de sobrevivência, o que possibilitou o estabelecimento dos grupos em determinados locais, mais propícios ao plantio e à criação de animais. Emergia daí as primeiras sociedades. Povoados surgiam ao redor de grandes bacias hidrográficas. Pouco a pouco, a imigração como estratégia de sobrevivência foi dando ao espaço ao deslocamento como passaporte para o enriqueci-

Myllene Nobelle

mento e para a expansão territorial. Não sem antes cortar a cabeça dos dragões imaginários e passar imune aos acenos das ninfas e sereias mar adentro. Tempo do mercantilismo e das grandes navegações. Segundo o pesquisador e professor do curso de Historia da Universidade Vale do Rio Doce, Giuliano Souza, o europeu cumpria uma rota na direção de uma terra totalmente diferente da sua cultura. Eles viajavam durante um ano inteiro em buscas de especiarias. Por conta da distância e em busca de um pouco de vida em terra firme, estabeleciam- se nos territórios desconhecidos. Atualmente, pesquisadores relatam o pioneirismo da presença viking na América do Norte como sendo anterior às grandes navegações. De toda maneira, a expansão marítima europeia foi fundamental para o início do processo migratório. E nenhum país sintetiza a riqueza e as complexidades dos deslocamentos culturais, resultantes do fluxo migratório, como o Brasil. Atraídos pelo

solo promissor, vieram os europeus. Com eles, africanos das mais diversas etnias. No período de 1550 a 1850, cerca de três milhões de africanos foram trazidos para o Brasil. Segundo o professor Giuliano, “os escravos eram migrantes forçados. E eram obrigados a estabelecer vínculos com lugares, culturas e pessoas diferentes. A presença africana no Brasil foi tão forte que, em determinado momento, a proporção era de nove africanos para um europeu”. Longe da exuberância pacífica dos contos, os europeus, índios e africanos lutaram nos territórios assimétricos das contaminações culturais. Para escravos e ameríndios, soava impossível responder às chibatadas hegemônicas do colonizador. Massacrados, eles não só sobreviveram: deslocaram- se, reinventaram- se e seduziram o terrível capataz. E num movimento de travessia cultural, influenciaram decisivamente o que se convencionou a ser chamado de brasilidade.

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Antropologia/migração Foto: Arquivo pessoal

Mister Simpson, o americano que escolheu Governador Valadares para viver.

NAMORO ANTIGO Pesquisa revela a presença de americanos em Governador Valadares, ainda na década de quarenta. Camila Fernandes

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overnador Valadares é conhecida pelos recursos naturais, pela projeção econômica, pela temperatura alta e , claro, pelo fluxo migratório de seus moradores para os Estados Unidos. A cri-

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Myllene Nobelle

se econômica dos anos 1980 foi a mola para um movimento que atravessa gerações. Não era fácil, e muito menos barato, deixar a cidade e partir na direção de uma Canaã pós-moderna, trajada de terra da oportunidade.

Descobrir ou ser “ des- coberto” pela a América, substantivo que condensa e reduz todas as outras: latinas e centrais. Mesmo assim, milhares se arriscaram. Apesar do auge deste movimento migratório ter sido há cerca


Antropologia/migração Foto: Dilvulgação

Mica, o mineral que serviu de matéria- prima para a indústria bélica atraiu muitos americanos para Governador Valadares.

de 20 anos, o intercâmbio entre as duas culturas se deu muito antes, ainda que modestamente. Nos anos de 1960, grupos de valadarenses já visitavam os Estados Unidos. Fato que se repetiu na década seguinte. Mas o que pouca gente sabe é que o intercâmbio cultural teve seus primórdios na década de 1940. E no sentido inverso. Americanos vieram para o Brasil em busca de nossas riquezas minerais. Entre 1939 e 1945, o mundo contemplou, perplexo, um dos maiores conflitos de que se tem notícia. Estima-se que entre 50 e 70 milhões de pessoas morreram durante a Segunda Grande Guerra. Nesta época, Governador Valadares era um polo de extração da mica, mineral usado como matéria-prima para a indústria bélica. De acordo com a professora e pesquisadora do Mestrado em Gestão Integrada dos Territórios da Univale, e referência em estudos migratórios, Sueli Siqueira, a produção local de mica atraiu muitos americanos. O mesmo se deu com processo de escoamento do minério de ferro. Os Estados Unidos firmaram um acordo para extração do minério na região de

Itabira, a 213 quilômetros de Valadares. Para levar a produção ao porto mais próximo, era preciso reestruturar a malha ferroviária local. Tarefa que foi incumbida a 17 engenheiros dos Estados Unidos. Eles trabalharam em Valadares e aqui e construíram bairros inteiros baseados no modo de vida americano. Entre os estrangeiros estava Mr. Simpson, o único que decidiu ficar na cidade após o fim da obra. Em Valadares, o americano formou família ao lado da portuguesa Geraldina Simpson. Juntos, fundaram a primeira escola de inglês da cidade. O intercâmbio, àquela época, não se resumiu à exploração e transporte das nossas riquezas: ainda durante os horrores da Segunda Guerra, o governo americano financiou em Governador Valadares a construção do SESP – Serviço Especial de Saúde Pública. O objetivo era tratar o surto de malária que atormentava os moradores. Como se vê, se fomos nós quem pedimos a mão do Tio Sam , foi porque, antes disto, houve uma piscada, um flerte, um aceno do lado de lá. Paixão antiga e que permanece até os dias de hoje.

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PROFESSOR DA UNIVALE APRESENTA ARTIGO SOBRE MÍDIA E MIGRAÇÃO EM SEMINÁRIO INTERNACIONAL Otacílio Rodrigues

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artigo do professor do curso de Comunicação Social, Franco Dani Araújo e Pinto, aborda o processo de emigração maciça ocorrida no Brasil a partir da metade da década de 1980, quando milhares de pessoas, a maioria, de Governador Valadares, deixaram o país para tentar viver o sonho americano. Franco analisa a representação de jornais brasileiros de circulação nos Estados Unidos na construção da identidade brasileira em território norte-americano. O

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trabalho foi apresentado no o II Seminário Internacional História do Tempo Presente, em Florianópolis, Santa Catarina. Graduado em Comunicação Social pela Universidade Vale do Rio Doce, pós-graduado em Educação a Distância e mestrando em Gestão Integrada do Território/ UNIVALE, o professor Franco usou como base de pesquisa os dois jornais mais tradicionais entre os emigrantes: o “Brazilian Times” e o “Brazilian Voice”. Os veículos foram fundados no fim da década de

Francislaine Ribeiro

Larissa Barros

1980. Ambos são produzidos nos Estados Unidos, focados em mídias étnicas e direcionados aos brasileiros que vivem na terra do Tio Sam. Todos os seus anunciantes também são brasileiros. Foram analisados 36 exemplares, publicados entre janeiro e abril de 2014. “Os brasileiros que foram para os Estados Unidos vivenciam uma cultura completamente diferente da qual estão acostumados. Muitos sequer dominavam o idioma daquele país. O que buscamos apreender é de que


forma jornais escritos em língua portuguesa, com notícias da terra de origem, podem ajudar o processo de ambientação, ou seja, na reconstrução da identidade desses indivíduos”, afirma. Segundo o professor, o tema surgiu como resultante da tentativa de aliar a Comunicação Social- área em que atua há mais de uma década -, à proposta multidisciplinar do Mestrado em Gestão Integrada do Território. Nasceu, também, da necessidade de compreender como a chamada mídia étnica brasileira, nos Estados Unidos, ajuda aos imigrantes a se adaptarem em território estrangeiro: “buscamos verificar como essa mídia, que é feita numa linguagem que eles compreendem, os ajudam os neste processo de adaptação e ambientação”diz , ressaltando a importância do direcionamento acadêmico de sua orientadora, a professora Sueli Siqueira, referência em migrações internacionais. Ao discorrer sobre o processo migratório, o estudo abordou o poder de veiculação das notícias e como este se transforma

em um agente que delimita os espaços físicos e simbólicos. Neste caso, a noção de território está diretamente ligada às relações de poder entre o indivíduo, o grupo e o espaço que ocupam. O território passa a ser entendido não como uma muralha geográfica, mas como uma dimensão simbólica das identidades sócios- culturais, que inserem- se, reforçam- se e definem um grupo num espaço enraizado de valores como a língua, a moral, a religião e os costumes. Para o pesquisador, as mídias estudadas cumprem a importante função de propagar assuntos de interesses das comunidades migrantes, que se aproximam tanto pelo espaço geográfico quanto pelas notícias do território de origem. O estudo verificou se os jornais exerciam seus papeis de mídias étnicas, se suas notícias eram direcionadas para a necessidade do homem de socializar– se em contextos diferentes e se este processo de construção social era formado pelo discurso midiático que representa as realidades desses indivíduos.

Foto: Arquivo pessoal

Professor, jornalista e pesquisador Franco Dani.

No Brasil, é latente a carência bibliográfica de estudos que abordem o papel das mídias étnicas. Diante disto, o professor espera que seu trabalho desperte o interesse de novos pesquisadores. Por fim, reforça o aprendizado como um dos principais trunfos desta experiência: - “voltei para casa com muita coisa boa na bagagem. Algumas delas já estão sendo aproveitadas no projeto de pesquisa da dissertação”, diz, ciente do profícuo caminho a percorrer.

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YES, NÓS SOMOS BRASILEIROS Inglesa residente em Governador Valadares vivencia as negociações presentes na identidade cultural do sujeito Pós- Moderno. Rafael Rocha

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ratos clássicos da culinária brasileira, como feijoada e moqueca, não são encontrados com facilidade no interior da Inglaterra. Muito menos fazem parte do paladar dos ingleses. O que não exclui a chance de encontrarmos por lá apreciadores de nossa famosa culinária. Ann Cheffins é testemunha de que para cultivar as tradições não existem fronteiras. A britâ-

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Samuel Martins

nica, que atualmente mora em Governador Valadares - onde já foi dona de dos restaurantes mais tradicionais da cidade-, tem , na culinária, a mediadora entre suas origens e o país que hoje considera sua nação. Ann nasceu em uma pequena cidade próxima à Manchester. Desfrutava de uma vida simples e tradicional, à moda inglesa. Cursou o ensino regular até os 15 anos. Muito habilidosa ma-

nualmente, começou a carreira em uma fábrica de roupas. Dois anos depois, ela e o pai adquiriram uma loja de tecidos. Mas Ann queria mais. Decidiu vender o que havia conquistado para passear nos Estados Unidos. Para a aventura, teve como companhia uma amiga da época de colégio. As duas desembarcaram em Miami, no estado da Flórida, no início da década de 1980. Embaladas


Antropologia/migração

pela sede da experiência, própria da juventude, aproveitaram a América por seis meses. E puderam vivenciar as transformações culturais daqueles anos. Sentiam, também, as peculiaridades do modo de vida norteamericano. Ciente das negociações entre seu berço cultural e o país pelo qual estava de passagem, Ann recorda da lentidão com que tinha acesso às informações artísticas e sociais sobre o seu país de origem. O que acontecia na Inglaterra chegava ao outro continente com cerca de uma no de atraso: “Nos Estados Unidos, tudo é muito grande, extravagante e exuberante. Mas o ritmo cultural da Inglaterra é mais acelerado,” diz. Passados um ano e meio, Ann e sua colega de infância já se sentiam adaptadas ao país. Mas o destino embaralhava as cartas novamente: no dia do casamento da amiga com um imigrante brasileiro, Ann conheceu seu futuro marido, também brasileiro. Casou- se e, após um ano, veio para a terra do esposo, Governador Valadares. Ainda com o sotaque carregado, a inglesa relata o estranhamento inicial: “quando eu cheguei ao Brasil, senti muita dificuldade. Quase não havia biscoito recheado, não tinha iogurte, não tinha cereal, os carros eram carroças... Enfim, não tinha muita estrutura. Mas eu não reclamo disto, eu entendia e gostava muito do lado brasileiro da convivência familiar, do calor humano, de bater papo... E isto me ajudou na adaptação, eu me identifiquei muito”- diz, sem esquecer de frisar a sua da identificação com o Brasil, que hoje considera o seu país.

Mas como pode uma mulher que nasceu e cresceu por quase um quarto de século em um determinado local, dizer que considera outro lugar como seu? A resposta, ainda que rasa diante da complexidade do assunto, passa, sem dúvida, pelo sentimento de pertencimento cultural. É esta sensação, estimulada por povos do mundo inteiro, que projeta a identidade do indivíduo como parte de determinada nação. Tal senso meramente subjetivo, de acolhimento e de identificação, assenta às muralhas do imaginário. E faz de determinada cultura, um território simbólico para chamar de seu. Há décadas, pesquisadores do mundo inteiro estudam as complexidades culturais e o senso de pertencimento dos indivíduos contemporâneos. E, sem dúvida, o processo conhecido por globalização é um dos aspectos que possibilitam a construção deste sujeito: “À medida em que áreas diferentes do globo são postas em interconexão umas com as outras, ondas de transformação social atingem virtualmente toda

a superfície da terra” (GIDDENS, 1990). Tendo sofrido influências distintas ao longo de sua história, Ann encaixa-se perfeitamente no perfil de um sujeito multifacetado culturalmente. E que é tratado por estudiosos como Stuart Hall, por pós-moderno. O sujeito pós-moderno negocia suas tradições com a avalanche de influências do porvir, cada vez mais instantâneo. Ele desarticula sua estável identidade e abre possibilidades para a criação de novas identidades e de um novo sujeito. Na definição do pesquisador dos estudos culturais ingleses, o indivíduo pós-moderno é aquele próprio da cultura contemporânea, e que assume identidades diferentes em momentos distintos: “Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentirmos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma Foto: Arquivo pessoal

Karla e sua mãe, a inglesa Ann Cheffins

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Antropologia/migração

confortadora “narrativa do eu”. (HALL, 1990). Isto explica o motivo de Ann chamar o Brasil de seu país, mesmo conservando suas tradições britânicas. Hábitos, por sinal, bastantes presentes no dia-dia. Seu lado inglês jamais permitiria que visitasse um conhecido de mãos vazias. Ou mesmo que se esquecesse de ligar antes de fazer uma visita. Não por acaso, tais costumes foram transportados para a educação da filha, Karla Cheffins. Karla, por sinal, herdou também um olhar atento sobre nossos maus costumes: “irrita extremamente, a falta de educação no trânsito e o pensamento do brasileiro em se dar bem a todo instante. Eu sou cordial no trânsito. E isto sem dúvida, é influência da minha mãe”, ressalta. Mas Karla também destaca o fato de ser brasileira. E como qualquer outra moça do nosso país, ela encara com naturalidade os traços culturais herdados da convivência com a mãe: “O Brasil é um país de miscigenação muito grande. Por mais que as pessoas tenham familiares de origens étnicas distintas, é muito natural como a maneira de pensar e agir é ensinada. Sou uma brasileira como outra qualquer”. Apesar de ter nascido na Inglaterra, Ann tem o Brasil como seu território. Que é, dentre tantas definições, um espaço de experiências vividas: “é onde as relações entre os atores, e destes com a natureza, são relações permeadas pelos sentimentos e pelos simbolismos atribuídos aos lugares. São espaços apropriados por meio de práticas que lhes garantem certa identidade social/cultural” 22

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(BOLIGIAN; ALMEIDA, 2003, apud SILVA, 2009). “Hoje eu me sinto mais brasileira do que inglesa, não me vejo morando lá novamente”, argumenta Ann. Seus laços com o Brasil estão ligados à sua subjetividade como indivíduo contemporâneo, capaz de se adaptar e de viver ao ambiente em que passa a considerar

como seu: “sinto falta de comer cogumelos frescos. E sempre que encontro no supermercado eu compro. Mas os meus pratos favoritos são feijoada e moqueca de peixe. Então, enquanto tiverem esses pratos por aqui, junto a esse povo caloroso, é aqui que eu quero estar”, conclui, com o sorriso brasileiríssimo.

Tipos de sujeitos: Sujeito do Iluminismo – Baseia-se na concepção de que o indivíduo era o centro da sua identidade, sendo ela contínua e imutável ao longo da vida. Seria um ser unificado, dotado de emoções, razões e consciência já estruturadas.

Sujeito Sociológico – Com a crescente complexidade de um mundo que chegara a ser moderno, entendiase que a identidade do indivíduo não era autônoma e imutável. Havia uma interação entre o indivíduo e a sociedade (outro), que mediava valores, crenças e costumes, criando uma referência para a identidade. O “eu real” do sujeito, portanto, apesar de ter a essência do mesmo, era formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem. A identidade assume a tarefa de costurar o sujeito à estrutura social encontrada, tornando-o um sujeito unificado e estável dentro de um meio social. Entretanto, a chegada de um mundo pós-moderno traz à tona uma enorme interação cultural entre sujeitos e sociedades, fragmentando, assim , esse indivíduo “estável”, que passa a ter referências não de uma, mas de várias identidades. Sujeito Pós-moderno– Entende-se não ter uma identidade fixa, essencial, ou permanente. A identidade aqui torna- se “móvel”, formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou questionados nos sistemas sociais que nos rodeiam. O sujeito é visto como multifacetado, assumindo diferentes identidades em diferentes momentos.


MUITO ALÉM DAS PESQUISAS O estudo continuado permanece como a principal ferramenta para o crescimento profissional Deividson Rodrigues

João concluiu o ensino médio e, com muita dificuldade, terminou a graduação. Terá um bom emprego. E com a estabilidade alcançada, poderá casar- se, constituir uma família - daquelas bem bonitas, dignas dos comerciais de margarina. Ocorre que tal dinâmica faria sentido nos ponteiros anacrônicos de um passado sem volta. Na era digital, João pode ser José, Pedro, Marcos, Waldir... Cada um com suas particularidades. Mas que, em comum, lutam pela inserção em um mercado de trabalho cada vez mais exigente.

Aline Júlia

Nesta busca pela expertise, a pós-graduação é a ferramenta propulsora para o desenvolvimento de uma carreira promissora. Além do conhecimento proporcionado, o curso de PósGraduação amplia as opções profissionais para os que buscam a qualificação. Com intuito de aprimorar o ensino e enriquecer o corpo acadêmico da instituição, a Universidade Vale do Rio Doce oferece cursos de pós-graduação nas áreas de Direito, Educação, Gestão, Tecnologia da Informação e Saúde. Objetivando ampliar seus co-

Viviane Ferreira

nhecimentos, ciente da alta competitividade no mercado de trabalho, a farmacêutica Lorena Pereira de Oliveira optou por uma pós-graduação em Análises Clínicas e Gestão Laboratorial. Graças à especialização, a profissional atuou como farmacêutica bioquímica: “o curso foi de extrema importância para a minha formação. Possibilitou conhecer , por meio de aulas teóricas e práticas, as diversas áreas em que o farmacêutico pode estar atuando”, diz Lorena; hoje, Mestre e professora do Curso de Farmácia da Univale. Universo e Pesquisa - Univale 2015

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Bastidores da ciĂŞncia Fotos: Arquivo pessoal

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Bastidores da ciência

Egresso da UNIVALE é destaque na Europa Jornalista Valadarense está à frente das notícias sobre ciência em emissora de televisão alemã. Letícia Gabriella

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esde o inicio de 2013, Mauricio Cancilieri trabalha como repórter no canal alemão DeustcheWelle. Mas nada veio fácil. Antes de seguir carreira no exterior, o valadarense batalhou muito. Ainda na graduação, Mauricio traçou metas, definiu objetivos e correu atrás de oportunidades para aprimorar os conhecimentos. Na faculdade, Mauricio já buscava estágios para adquirir experiência. Nesta época, deparou- se com a possibilidade de trabalho na Alemanha. Cancilieri começou o curso de jornalismo por indicação do professor e atual coordenador do curso de Jornalismo, Dileymárcio de Carvalho: “O professor foi uma das pessoas que mais me incentivaram durante todo este processo”, conta o jornalista. Noinício da carreira, Maurício estagiou como repórter na TV Rio Doce, na TV Univale e, também, na afiliada da Rede Globo. Com o apoio da família e dos professores, Maurício conciliou os estudos da faculdade e o estágio com o aprendizado da língua alemã. “Foi uma época difícil, pois além da faculdade,

Natália Carvalho

Marcela Ferreira

também fazia estágio na Inter TV. Porém, não deixava de faltar às aulas de Alemão, pois era isto que eu queria para a minha carreira.” O caminho parecia espinhoso. Mas o sonho de ir para o exterior o impulsionava a crescer. Tentou uma vaga na TV Alemã por três anos, mas não obteve êxito. Não desistiu. Enviava o currículo a cada ano, até que em janeiro de 2013 foi aceito pela emissora para estagiar durante três meses. Quando o período de estágio

chegou ao fim, o jornalista aceitou uma proposta para trabalhar na emissora. Está lá até hoje. Há um ano e meio, atua na produção do programa Futurando, que aborda ciência, meio ambiente e tecnologia. Recentemente, assumiu a função de apresentador. Maurício também faz parte da equipe do programa Camarote 21, voltado à cultura. Ambos os programas são transmitidos em Governador Valadares, em uma parceria entre a DeustcheWelle, a TV Univale e a TV Rio Doce. Ele

Maurício Cancilieri em ação.

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Bastidores da ciência

Mais um trabalho sobre ciência e tecnologia

conta que não foi fácil deixar sua família para partir em busca do sonho. E ressalta: “acostumarse a viver na Alemanha, com seus hábitos diferentes dos brasileiros foi um desafio à parte”. Segundo o valadarense, o trabalho em uma emissora de televisão estrangeira é uma rotina de novas descobertas. É onde tem contato com entrevistados das mais diversas áreas do conhe-

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cimento: “lembro-me de fazer uma matéria com astronautas sobre poluição luminosa, algo totalmente novo para mim. É um trabalho muito bacana, garante. O jornalista vive na cidade de Colônia. E não poderia estar mais feliz. Descobriu sua vocação. Sua grande paixão é a de levar não só noticias, mas emoção aos telespectadores. Quanto ao futuro, diz estar aberto às

novas oportunidades. Pretende fazer pós-graduação e, quem sabe, iniciar um mestrado. Maurício nunca esquece suas raízes. Inevitavelmente, isto o leva a pensar no período em que cursou jornalismo na Univale. Recorda com carinho dos anos partilhados com professores e alunos. Do passado, carrega a mais bonita das bagagens: a gratidão.


Desenvolvimento sustentável

A IMPORTÂNCIA DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL PARA AS EMPRESAS Leandro Silva

D

urante o processo de desenvolvimento das sociedades, o homem utilizou os recursos naturais para o aumento da produção e o acúmulo de bens. Isto trouxe grandes impactos sobre o meio ambiente, como a poluição da água, do ar, além de afetar a produção alimentícia. A reflexão e o debate de propostas que visem à mudança deste cenário, tornaram- se fundamentais para a criação de projetos que aliem desenvolvimento econômico e sustentabilidade.

Fábio Velame

Mariana Pereira

O desenvolvimento sustentável é aquele capaz de suprir as necessidades dos seres humanos sem comprometer a capacidade do planeta para atender às futuras gerações. Tal conceito surgiu no início da década de 1970, na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, na Suécia. Uma das principais ferramentas para alcançar o desenvolvimento sustentável é o licenciamento ambiental, que surgiu como

uma maneira de prevenir e fiscalizar as atividades que venham degradar ou alterar as características de determinado habitat. O licenciamento é um importante instrumento de gestão, servindo para garantir a preservação e a proteção do meio ambiente visando não só o presente, mas as futuras gerações. De acordo com Ranam Moreira Reis, aluno do mestrado em Gestão Integrada do Território da Univale, a evolução da legislação ambiental nacional e internacional criou parâmetros

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Desenvolvimento sustentável

Foto: Arquivo pessoal

Ranam Moreira Reis - “ o licenciamento é uma ferramenta de proteção ambiental”.

a serem seguidos para uma convivência harmônica entre a sociedade e o meio ambiente. Em seu artigo publicado no periódico científico “Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA”, o acadêmico aborda o tema “Concessão de licença ambiental – da competência dos entes federativos e a Lei Complementar nº140/2011” Ranan explica que o licenciamento é mais uma arma para a proteção ambiental. “Em nossa região, temos a SUPRAM Leste Mineiro - Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável -, que acompanha os casos em que existe a necessidade de se fazer o licenciamento ambiental. Este, por sua vez, é um processo que se dá através da junta de documentos, visitas técnicas e pareceres dos órgãos responsáveis. Postos de gasolinas, companhias de venda gás, lavanderias, lava-jatos são exemplos de empreendimentos que necessitam da licença ambiental: “Os estabelecimentos que precisam e não realizam o licenciamento estão propensos a causar prejuízo ao meio ambiente, além de

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poderem sofrer as sanções legais”, conclui. Mas a regularização de um empreendimento não termina com a obtenção da Licença de Operação ou da Autorização Ambiental. O fato de se conseguir um desses diplomas legais significa tão somente que o empreendimento atendeu à algumas das exigências. A manutenção da regularidade ambiental pressupõe o cumprimento permanente de diversas exigências. Iranelson N. Coelho é diretor administrativo de uma reformadora de pneus em Governador Valadares. A primeira licença do empreendimento dele foi expedida em 2006. A renovação se deu neste ano . A próxima está marcada para 2022. Segundo Iranelson, tudo que a empresa faz relacionado ao meio ambiente é registrado. É o caso das palestras em escolas, das visitas de alunos à empresa, da confecção de panfletos. O diretor destaca as ações da empresa: “não posso me preocupar só em 2022, tenho tarefas a cumprir: monitoramento dos resíduos e dar um fim ecológico para eles, protocolar os documentos

necessários… Tudo tem que ser registrado anualmente. Mas isto não é nada complicado de se fazer. Basta boa vontade e prevenir sempre. Para isto, é necessário contratar alguém que tenha conhecimento ou um engenheiro ambiental para auxiliar na obtenção dos certificados”. O diretor esclarece que é muito comum as pessoas pensarem licenciamento ambiental como sinônimo de despesa, mas ele discorda: “quando você investe em meio ambiente, você vai conseguir economizar. Por exemplo, hoje, todos os meus resíduos plásticos, papelão e pó de pneu, são vendidos com notas fiscais para firmas que reciclam e que também têm licenciamento ambiental. Então, o que antes era jogado fora, hoje é recurso. Você consegue ganhar dinheiro! Meu lixo, hoje, deve dar em torno de 400 reais por mês”. A cada ano crescem os números de pesquisas e estudos voltados para a temática sustentável. Em comum, há a certeza de que o crescimento econômico aliado aos avanços ambientais é uma equação mais que pos-

Com o objetivo de alcançar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, os princípios do Direito Ambiental surgiram no Brasil com o intuito de direcionar e gerar soluções importantes para o setor. Os mais conhecidos são o da Prevenção e o da Precaução, que visam nortear e legitimar as decisões jurídicas. • O Princípio da prevenção busca extinguir os riscos ambientais comprovados. • O Princípio da Precaução alerta para que os possíveis impactos negativos sejam eliminados antes mesmo de passar por uma comprovação científica.


Saúde

LEISHMANIOSE: O CÃO É VÍTIMA, NÃO O VILÃO! Leandro Aquino

Wesley Moura

Fagnar Coelho

A

Foto: DIVULGAÇÃO

cada ano, quase 2 milhões de novos casos de leishmaniose são registrados no mundo. 3 mil, só no Brasil. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS). A doença é causada por um protozoário chamado Leishmania, que é transmitido pela picada de um inseto de nome flebótomo.Popularmente conhecido como mosquito-palha, o inseto se contamina com o sangue de pessoas e animais doentes e transmite o parasita a pessoas e animais sadios. O maior número de casos em território nacional é registrado nas regiões Norte e Nordeste, onde a precariedade das condições sanitárias favorece a propagação da doença. Mas se engana quem pensa que a leishmaniose está restrita às áreas florestais e zonas rurais do Brasil setentrional. Com o avanço dos desmatamentos e com o aumento das migrações, a doença se instalou também nos centros urbanos. A doença apresenta duas formas: a leishmaniose tegumentar ou cutânea e a Universo e Pesquisa - Univale 2015

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Saúde

leishmaniose visceral ou calazar . Há uma diferença significativa entre esses dois tipos. A tegumentar ou cutânea é caracterizada por lesões na pele, podendo também afetar nariz, boca-(esta forma é conhecida como “ferida brava”. Já a visceral ou calazar é uma doença sistêmica, pois afeta vários órgãos, sendo que os mais acometidos são o fígado, baço e medula óssea. Esse tipo de leishmaniose acomete essencialmente crianças de até dez anos. Após esta idade se torna menos frequente. É uma doença de evolução longa, podendo durar alguns meses ou até ultrapassar o período de um ano. Pessoas infectadas devem ser, obrigatoriamente, isoladas em locais apropriados para receber os devidos cuidados, a fim de se interromper a cadeia evolutiva do protozoário e evitar a sua disseminação. Por ser um problema grave de saúde pública, a leishmaniose é o foco do projeto de pesquisa entre a Universidade do Texas Medical Branch (UTMB) e o instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). No Brasil, deve ser testado ainda neste

ano, um novo método molecular, desenvolvido nos Estados Unidos, para diagnósticos da infecção em cães. Enquanto buscam identificar possíveis vacinas, os pesquisadores estudam sinais que permitam antecipar o agravamento da doença. Mas apesar dos avanços dos estudos na área, a doença ainda provoca controvérsias, principalmente, quando a decisão envolve sacrificar um animal de estimação doente. Até pouco tempo, o tratamento da leishimaniose em animais era proibido. E todos os bichos contaminados deveriam ser sacrificados. De acordo com a veterinária Amanda Roger, os cuidados com o animal poderiam evitar muito desses sacrifícios. “o tratamento com os cães para não serem vítimas da leishmaniose é bem simples: manter limpo o local onde o cachorro fica, trocar a água do cachorro diariamente e, quando possível, levar o animal para exames de rotina no veterinário de confiança” explica a especialista. Ocorre que nem todo animal portador do vírus é transmissor da doença. Porém, quando o

cão apresenta o protozoário, devem ser adotados diversos procedimentos: “manter distância do animal infectado e chamar o veterinário, ou até mesmo a técnicos do setor de zoonoses, para aplicar injeção. Isto pode amenizar a situação. Mas é bom lembrar que nem sempre a injeção resolve o problema”, conclui a veterinária. Para combater a leishmaniose são necessárias medidas enérgicas. Em caso de contágio, o animal é submetido a um acompanhamento para que os sintomas clínicos não evoluam; e, principalmente, para que ele não se torne, também, um transmissor. Em alguns casos, mesmo existindo tratamento, os órgãos de saúde determinam a eutanásia. Mesmo que o animal não possa desenvolver os sintomas, ele continua sendo um hospedeiro. De toda maneira, o que deveria existir em maior proporção é uma política de combate aos mosquitos em parceria com pesquisadores e centros de estudos. Só assim, podese falar em erradicação da doença.

Sintomas da leishmaniose Leishmaniose visceral: febre, palidez, fraqueza e aumento das vísceras - principalmente do baço, do fígado e da medula óssea. Nos cães também pode haver descamação de pele e crescimento progressivo das unhas. Leishmaniose tegumentar: compromete pele e mucosas. Geralmente é caracterizada pela presença de úlcera cutânea única ou em pequeno número, com borda elevada e indolor, embora possa assumir formas diferentes. Provoca infiltração, formação de úlceras e destruição dos tecidos da cavidade nasal, faringe ou laringe. Também podem ocorrer perfurações do septo nasal ou do palato.

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Memória Fotos: Julia denadai

Sede dos Correios de Governador Valadares

HISTÓRIA NÃO SE CONTA, REGISTRA- SE “Proteger o patrimônio é preservar a nossa origem material e imaterial. É resgatar valores por meio da memória de bens que estão diretamente ligados à identidade de um povo.” Talita Ramalho

Pense e responda: ao retornar de uma cidade ou de um país, quais os elementos locais que ficam gravados em sua memória a ponto de você prometer- se uma nova viagem? Aposto que você imaginou uma gente acolhedora, comida cercada de bons temperos, tudo em meio a edifícios seculares ou a cenário paradisíacos. Sem dúvida, guardamos um conjunto de signos que nos fazem enxergá-los

Evanilson Correia

Júlia Denadai

Reinaldo Lopes

como representantes da identidade cultural de um povo. Segundo a Constituição, o patrimônio cultural relacionase às formas de expressão, aos modos de criar, às criações científicas, artísticas e tecnológicas. Por sua estreita relação com o passado, com os fazeres e com o modo de vida de determinado povo, o patrimônio pode ser definido como um bem de natureza material ou imaterial.

O patrimônio material é formado por um conjunto de bens palpáveis.Podem ser: arqueológicos, paisagísticos, etnográficos, histórico e artísticos. Já os bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas e ao modo de ser de um povo. Desta forma, podem ser considerados bens imateriais tanto os conhecimentos enraizados no cotidiano das comunidades quanto

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Memória

suas manifestações literárias, musicais, cênicas, além dos rituais, feiras e espaços que concentram e reproduzem as práticas culturais. Na lista de bens imateriais brasileiros estão a festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, a Feira de Caruaru, o Frevo, a capoeira, o modo artesanal de fazer o Queijo de Minas e as matrizes do Samba no Rio de Janeiro. Ocorre que sem um registro e uma política de preservação, tais representações culturais ganham as rugas do tempo. O que significa, na maioria das vezes, riscos de deterioração dos imóveis e dos bens que sintetizam a memória de um povo. Para sanar os desgastes e os estragos da passagem dos anos, o Brasil desenvolveu uma política específica para a restauração de seus bens. Vale citar o trabalho de pesquisadores e técnicos a frente de órgãos como o IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional e o IBRAM, Instituto Brasileiro de Museus. O Programa Nacional de Conservação surgiu a partir das iniciativas internacionais, como a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural, adotada pela Conferência Geral da UNESCO, em 16 de Novembro de 1972. E tem como base nomear e preservar locais importantes para a humanidade. Sob certas condições, os bens podem obter fundos do Patrimônio Mundial. Acontece que manter um patrimônio e reconhecer o seu valor têm sido uma das maiores dificuldades enfrentadas no processo de conservação.

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Vale frisar que tombar um imóvel requer investimento. E nem sempre é barato. Para se ter uma idéia, de acordo com o coordenador cultural de Governador Valadares, João Paulo Rocha, só em 2014, a prefeitura conseguiu arrecadar cerca 60 mil reais, em processos de tombamento. Valor que pode variar de ano para ano. João Paulo destaca o momento atual do sistema de gestão da cultura. “a secretaria da Cultura escolheu pessoas diretamente ligadas ao setor. A partir disto, um grande avanço foi alcançado.” A ação de preservação de um bem cultural envolve uma série de processos burocráticos. Primeiro, uma equipe da própria prefeitura é levada ao local para uma avaliação. Daí, o veredicto de um arquiteto e de um engenheiro. Mas além da falta de conscientização da população sobre a importância da conservação dos bens locais, a dificuldade ao acesso às políticas de preservação e a lentidão dos trâmites colaboram para a perda da memória de um povo. Foi o que aconteceu com o comércio do seu Margarido, na Rua Sá Carvalho, próxima ao SAAE Serviço Autônomo de Água e Esgoto, em Governador Valadares. O comerciante precisava de uma reforma para manter o antigo imóvel. A estrutura do lugar já estava danificada. Apesar das tentativas, o dono da venda não conseguiu apoio. O patrimônio não resistiu às mãos desajeitadas do tempo e desabou. Com a queda, foise mais um pouco da história do município.

Bioquê do prefeito: a famosa caixa d’água é patrimônio histórico e cultural do bairro Carapina, de Governador Valadares.


Fotos: Julia denadai

Maria Fumaça: os trilhos da memória valadarense.

NO RASTRO DAS REMINISCÊNCIAS Bens culturais celebram o passado de Governador Valadares. Talita Ramalho

Às margens do Rio Doce, aos pés da Ibituruna, com grande força pecuária e vocação turística, nascia Governador Valadares. A cidade desenvolvera-se em uma região também famosa pelas pedras preciosas. Mas talvez a mais

Evanilson Correia

Júlia Denadai

Reinaldo Lopes

bonita e reluzente delas seja a própria história do município. Não há jeito de recontar o passado sem se deslumbrar com seus patrimônios culturais. E eles são muitos: a antiga cadeia, sede da Biblioteca Municipal Professor Paulo

Zappi, a biblioteca pública, a “Fachada dos Correios”, com enormes colunas do início do século XX, os “Móveis do Júri do Tribunal de Justiça”, o painel do edifício Helena Soares e a igreja Presbiteriana. A lista é longa.

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Memória

Açucareira: um dos cartões postais da cidade.

Açucareira Impossível abordar os patrimônios culturais de Governador Valadares sem citar a Açucareira. Construída em 1948, a antiga fábrica de açúcar, já desativada, atrai turistas de todo país. O espaço, protegido pelo Ministério da Cultura, também é palco de festas tradicionais na cidade. O prédio rústico, tombado como patrimônio histórico municipal em 2001, faz parte de um projeto local que visa transformá- lo em Centro de Convenções.

Bioquê do Prefeito: a batalha dos menos favorecidos. Em 1968, durante o mandato do ex-prefeito Hermírio Gomes da Silva, foi construída uma caixa d’água no alto do morro O apelido de “Bioquê”, como é popularmente conhecido, vem do formato irreverente da caixa, que lembra um brinquedo chamado bilboquê. Desde então, tornou- se o símbolo do bairro. Após 46 anos, o Bioquê do Prefeito foi reconhecido como patrimônio histórico e cultural do município. O Conselho Deliberativo de Patrimônio decidiu tombar a caixa d’água por entender que o símbolo representa o suor de um povo na busca pelo direito de moradia.

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Memória

Maria Fumaça da “Praça da Estação” Por volta do século XX, no desenvolvimento histórico do município, as locomotivas transportavam não só cargas e passageiros, mas o progresso. De fabricação européia, provavelmente inglesa, de 1925, a locomotiva ornamenta a Praça João Paulo Pinheiro ou “Praça da Estação”. Nos anos de 1980, foi doada ao município, sendo tombada como patrimônio cultural. Junto à Ibituruna e à Acucareira, a locomotiva é um dos cartões portais da cidade. Dizem que a trajetória de Governador Valadares é marcada por duas etapas: antes da ferrovia e depois da sua chegada à cidade. Por fortalecer a economia e o comércio da região, a maria-fumaça marca o presente

Açucareira: um dos cartões postais da cidade.

“Argolas de amarrar cavalos” Tombadas em15 de abril de 2003, as argolas que ficavam no centro da cidade foram deslocadas para o Museu de Governador Valadares. O objetivo? Evitar o vandalismo. Antigamente, a rua Marechal Floriano era um dos principais locais de parada das charre-

tes. E era nesta movimentada rua que ficavam ,chumbadas e junto aos meios fios, as argolas de amarrar solípedes. O nome vem do latim. Define o mamífero cuja pata possui um único casco. As argolas só foram descobertas em 1997, por Harley Cândido Nogueira.

Argolas de amarrar cavalos: patrimônio do fim do século XIX.

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O

dramaturgo e poeta inglês William Shakespeare é, possivelmente, um dos únicos autores a ultrapassar as fronteiras literárias para tornar-se um fenômeno cultural sem precedentes na história da literatura mundial. O bardo de Stratford tornouse um mito cultural, uma figura transnacional cuja obra deixa as páginas e os palcos para se inserir em variados contextos do cotidiano, infiltrando-se no imaginário popular de diferentes sociedades e culturas, como um símbolo público utilizado para os mais diversos fins. Frases de sua autoria como “há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia”; “ser ou não ser: eis a questão”; “até tu, Brutus?”; “o mundo é um palco e somos seus personagens”; “pompa e circunstância”, são reproduzidas, repetidas e resinificadas adquirindo efeito de

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provérbios populares. Além de criador de grandes frases, Shakespeare também é um exímio contador de histórias, seus personagens são tão marcantes que despertam a empatia de seus leitores, tornando fácil nossa identificação. Quem nunca se apaixonou como Romeu e Julieta? Ou ainda quem nunca sentiu um ciúme avassalador como o de Otelo? Quem nunca se sentiu enganado como Julio Cesar? Ou a sensação de estar ficando louco como o jovem Hamlet? Para compreendermos Shakespeare e a grandeza de suas obras tão marcantes é preciso anos de estudo e dedicação. Ofereço aqui apenas uma introdução para despertar o interesse daqueles que apreciam o bardo inglês e desejam começar a estudar e compreender melhor a obra deste autor que por mais de quatro séculos desperta a curiosidade e paixão de tanta gente em tantos lugares do mundo.

Shakespeare nasceu em Sratford, na Inglaterra em 1564, sob o reinado da Rainha Elisabete I. Segundo historiadores, essa foi uma era dourada na história daquele país. Um período de relativa tranquilidade social e prosperidade econômica. Houve, também, um notável florescimento das artes, especialmente, as artes dramáticas. O teatro elisabetano é caraterizado por grande originalidade e criatividade. Os frequentadores das peças pertenciam a todas as classes sociais, desde os nobres e aristocratas às classes mais baixas. O teatro elisabetano era atividade vibrante e em termos de sucesso e alcance popular seria equivalente, nos dias de hoje, ao cinema hollywoodiano. Shakespeare nasceu e viveu em uma época propícia para o seu talento, era o homem certo, na hora certa, no lugar certo. Por isso tornou-se o mais popular dramaturgo do teatro inglês do período elisabetano e suas obras permanecem vigorosas e atuais. Sobre os primeiros anos de


RESENHA

vida de Shakespeare, pouco se sabe de fato, algumas questões sobre sua biografia ainda são disputadas e longe de tornarem-se consenso. Entre os fatos disputados por historiadores e biógrafos estão sua escolaridade, seu casamento com Anne Hathaway e o início de sua carreira no teatro. Shakespeare teria começado no teatro como ator de pequenos papéis, o que foi fundamental para que aprendesse os artifícios dos palcos e da arte dramática que viria a dominar mais tarde como o autor de Romeu e Julieta e Sonho de Uma Noite de Verão. A primeira edição das peças de Shakespeare é conhecida como Folio, preparado sete anos após a morte do dramaturgo, por seus amigos atores. Nesta edição estão todas as peças atribuídas a Shakespeare, agrupadas em três classes chamadas tragédias, comédias e peças históricas. Entretanto, estudiosos do teatro Shakespeareano, dividem as peças de acordo com os períodos em que foram compostas, por possuírem qualidades e afinidades estéticas semelhantes. As primeiras seriam aquelas em que o autor experimenta com diferentes rimas e métricas; o domínio do verso branco ainda não é completo. Exemplos desse período são Dois Cavalheiros de Verona, Ricardo III e Trabalhos de Amor

Perdidos. Na segunda fase as tramas são mais bem construídas e a imaginação romântica de Shakespeare demonstra grande habilidade para criar personagens marcantes. As peças mais conhecidas dessa fase são Romeu e Julieta, Sonho de Uma Noite de Verão e O Mercador de Veneza. A terceira fase seria a mais bem definida artística e esteticamente, sendo também a mais sombria. É a fase das grandes tragédias que elevam Shakespeare ao status de grande pensador dos dramas humanos. São desse período Hamlet, Macbeth, Rei Lear e Otelo. Sem dúvida, a obra de Shakespeare é grandiosa, porém longe de ser perfeita. Algumas de suas obras-primas possuem muitas imperfeições, como trechos de gosto bem duvidoso, linguagem tediosa e extravagante além de falhas nas unidades de tempo e espaço no enredo de suas tramas, bem como de alguns problemas de composição dramática como a sobreposição de elementos cômicos em peças trágicas ou elementos trágicos em comédias. Apesar das imperfeições, a imagem que temos do dramaturgo é aquela que foi esterilizada e canonizada pelo establishment cultural, o que,

infelizmente, acaba por associar suas obras à uma imagem de superioridade intelectual que contém a ideia de que decodificar Shakespeare com êxito significa fazer parte de uma elite cultural, erudita, que em certo sentido, impõe visões excludentes e forja leituras inadequadas para as obras do dramaturgo. Num mundo em que a literatura perde cada vez mais espaço e o teatro representa apenas um nicho bem segmentado, é preciso desfazer essa imagem refinada de Shakespeare, pois suas peças possuem qualidades que estão além da ideologia de elites culturais. As obras de Shakespeare são frutos de sua imaginação criativa e romântica que representa todos os tipos humanos, de tolos a sábios, de palhaços a reis com suas emoções e medos igualmente humanos. A paixão de Romeu e Julieta, o ciúme de Otelo, a desonestidade de Iago, a avareza de Shylock, a ambição de Macbeth, a indecisão de Hamlet, esses e tantos outros personagens marcantes revelam o poder que a obra de Shakespeare tem para represntar homens e mulheres como nós. A obra de Shakespeare é, sobretudo, popular e assim deve ser compreendida e lida.

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Fotos: Stheffani Garcia

OLHARES

MERCADO MUNICIPAL DE VALADARES Stheffani Garcia

Amor de mãe: no meio das compras, pausa para o exercício da mais nobre das funções.

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Na feira tem carne, ver


Vida de feirante: disposição para acordar cedo, montar a barraca e vender os produtos frescos.

Todo dia ĂŠ dia de feira.

rdura, fruta e muito trabalho.

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OLHARES

MEIO AMBIENTE Theo Cometti

Fotos: Theo Cometti

João de barro (furnarius rufus), patrono da arquitetura.

Lagarto (ou sáurio), animal que varia de tamanho e de forma mais que qualquer outro do grupo dos répteis

Coruja (Speotyto cunicularia) de olhos abertos também durante o dia

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