A poética de um arquiteto Escrito por Emanuella Camargo
Luis Humberto acredita que falta mais opinião ao fotojornalismo de hoje. Foto: Mariana Costa
O olhar distante e nostálgico reflete um pouco da percepção de alguém que participou da construção da história política e fotográfica do país de maneira profunda, irônica e impactante. Os cabelos grisalhos, as mãos eventualmente trêmulas, os olhos escondidos por detrás dos óculos de grau elevado e o andar lento fazem contraponto a uma mente que, aos 75 anos, recorda cada minúcia do desafio que a profissão proporcionou. Modesto, o fotógrafo nega que tenha boa memória: “Se você me perguntar alguma coisa e eu não me lembrar, não se assuste porque é assim mesmo”, brinca. São 48 anos imersos na fotografia. Luis Humberto Miranda Martins nasceu no auge do governo de Getulio Vargas, em 1934, na cidade do Rio de Janeiro. Foi lá que se formou em Arquitetura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A fotografia entrou na vida dele de forma ocasional, em 1962, no nascimento do primeiro filho. “Antes disso eu nunca tinha usado uma máquina. Com o nascimento do meu filho senti vontade de documentar esse momento”, lembra. Passou por revistas como Isto é, Realidade, Claudia, mas foi na Veja que construiu boa parte de sua trajetória: “A Veja, na época, era uma revista decente”, critica o fotógrafo, sem esconder sua decepção. Dentro da rigidez do momento político vivido pelo país nos anos de chumbo de 1964, Luis Humberto entendeu os jogos e artimanhas políticos e, com isso, conseguiu explorar seu lado jocoso e irônico. “O poder só apresenta a face que ele quer mostrar. Como eu sou um cara bem-humorado, gozador não podia aceitar viver num momento de dificuldade para o país. Não podia aceitar o que eles queriam.” A forte ligação que ele tem com Brasília, lugar onde vive até hoje, contribuiu para que desenvolvesse métodos fotográficos para se esquivar do regime militar e da censura
do Estado. “Eu adotei uma prática: fotografava os militares antes e depois de cada evento”. Na revista Veja, seu olhar utilizou-se da fotografia para capturar as dificuldades e expectativas da época que, por vezes, se aproximavam de caricaturas. “Eu resolvi mostrar tanto quanto a revista podia cobrir. As pessoas daquele mundo de então eram indivíduos como qualquer um de nós. Eram risíveis e ridículas em certos momentos”, declara. A capital e o fotojornalismo
Junto com Darcy Ribeiro, Luis Humberto foi um dos fundadores da Universidade de Brasília (UnB). “Eu sou um dos poucos que sobrou”, se diverte com a constatação. A história da capital e a dele se cruzam em vários momentos. Com o olhar de arquiteto, registrou a antiga Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante; o enterro de Juscelino Kubitschek e o fervor da avenida W3.
O fotógrafo aconselha: apaixone-se por seu ofício e seja fiel a ele. Foto: Mariana Costa
“A universidade é um repositório da riqueza intelectual. Quando a gente começou, tínhamos em mente algo que mudasse a face do Brasil. Conseguimos até certo ponto. Fomos atropelados pelo golpe”. A crítica ao meio acadêmico é ouvida várias vezes. Os olhos brilham e a face se entristece. É mais melancolia que ar de reprovação.
Ele diz ter uma relação forte com a cidade, palco de vivência e de suas experimentações. Foi professor de artes, editor de jornal, escritor de livros, além de pai, marido e, não menos importante, fotógrafo. Referência de muitos profissionais e amadores de hoje, Luis Humberto é incisivo nas afirmações. Para ele, o fotojornalismo de agora deixou de expor opinião. “O fotojornalismo perdeu muito daquela coisa que era necessária na época. Tínhamos a necessidade de ridicularizar os detentores do poder. Hoje você faz sem muito objetivo político, vai fazendo”. Enquanto fala, as mãos compridas e magras apontam para o vazio, talvez uma maneira de expressar o desapontamento: “Tem cara que é inteiramente alienado. Fotografa o Papa do mesmo jeito que fotografa a madame no prostíbulo. Não é a mesma coisa”, alerta. Para Luis Humberto Martins o fotógrafo tem compromisso com a imagem que ele expõe ao mundo: “Acho que, no exercício dessa profissão, você tem a obrigação de informar, mas informar a partir da sua visão crítica. Não pode ser uma coisa qualquer, tocada de qualquer jeito. A fotografia ficou um pouco maquiada, ela agora é uma coisa bonita, elaborada, bem iluminada. Fotografia não é só isso”, critica.
Lembranças
Após alguns minutos de conversa, o pedido curioso da jornalista é atendido. Luis Humberto mostra arquivos de sua produção fotográfica. As folhas amareladas das revistas em que trabalhou são protegidas em uma pasta com plástico. Ao folhear as páginas da tal pasta, as histórias de cada fotografia são reavivadas nos olhos e gestos do fotojornalista. Ele não se diz saudosista em relação aos equipamentos analógicos. “Eu acho que o processo mudou e se estendeu. Nunca tive paciência para revelar em laboratório”. Por outro lado, o fotógrafo sente falta dos Foto de Luis Humberto para Veja, o fotógrafo trabalhou na revista por 10 anos. amigos que se foram e se alegra com a presença daqueles que o fazem relembrar o passado: “Gosto quando vocês [estudantes] vêm me visitar, tanto que eu nem pergunto quem é e já deixo entrar”. O senhor alto de gestos gentis e fala articulada foi paciente durante a entrevista. Sentado no sofá preto de couro, ele refletia por vários minutos em silêncio. As perguntas sobre o trabalho como fotógrafo pareciam instigar sua memória a relembrar os fatos. Ora esperançoso, ora desapontado. “Eu não tenho saudade. A história é impiedosa, não permite esse tipo de sensação”, diz.
http://fac.unb.br/campusonline/cultura/item/338-retratos-de-luis-humberto