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Visualidades e outros assuntos A educação tem vindo a ser um pilar das atividades da EMERGE. Temos vindo a perceber a importância que esta área tem, nos vários estágios da atividade artística. Com a Academia Visual (inicialmente denominado Residência Criativa de Produção Artística), pretendemos proporcionar aos alunos de artes do ensino secundário, o contacto com as profissões associadas à criação de uma exposição, mas acima de tudo ferramentas para o exercício do pensamento crítico e da interpretação visual, preparar os participantes para o momento da escolha na transição para o ensino superior, promover o contacto com a experimentação artística e promover a frequência dos equipamentos culturais da cidade. O projeto foi trabalhado em parceria com a Paços – Galeria Municipal de Torres Vedras, tendo alguns dos módulos sido desenvolvidos no Porta 5, espaço de oficinas afeto à Paços – Galeria Municipal de Torres Vedras. Contou com o apoio da Escola Secundária Henriques Nogueira e com a participação de vários artistas profissionais, nomeadamente artistas locais, como João Francisco e Carlos No, e o diretor do Teatro-Cine de Torres Vedras. João Gracia Miguel. O resultado deste projeto, que envolveu tantas pessoas e que todos dedicaram tanto do seu tempo e energia, resultou numa belíssima exposição, retratada neste catálogo.Nesta exposição, módulo final do projeto, os alunos são responsáveis pela produção e conteúdos, colocando em prática os conhecimentos adquiridos ao mesmo tempo que revelam alguns dos trabalhos produzidos durante a formação. Interstício” foi o nome escolhido para título desta exposição verdadeiramente coletiva. No momento em que se prepara esta publicação, que a Nádia desenha com toda a minúcia, estamos também nós num interstício entre a primeira e a segunda edição. Cheios com o que resultou a primeira edição, e expectantes com o que será a próxima edição. Deste interstício, não podia dizer melhor do que visionou a Joana Bento, curadoria da exposição: Intervalo entre duas coisas. Aquilo que une o início a um fim. Arte resume-se a isto. Começar num vazio e acabar preenchido, sendo o seu interstício que dita a sua essência e compõe o seu conteúdo. “(…) Tudo é interstício e acaso, mas está tudo certo.”, diria tão bem Fernando Pessoa. Esta exposição proveio de muitos acasos para se tornar no esplendor que todos podemos observar e, no fundo, arte não precisa de um método para o ser, precisa de carregar sentimento e mensagens, o que foi tão bem concretizado por estes artistas. Daniela Ambrósio, janeiro 2020
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Interstício “Interstício provém do latim interstitium, adotado pela língua francesa antiga no século XIV, designando-se por “aquilo que fica entre duas coisas contíguas.”. Em 2018, foi descoberto um novo órgão no corpo humano denominado interstício. Este órgão é assim designado por ser um espaço preenchido por líquido entre a pele e os restantes órgãos, músculos e sistema circulatório. Este fluído intersticial é um sistema de transporte e reserva de nutrientes e soluções entre os órgãos, células e vasos capilares. Na justiça brasileira, interstício é um termo que corresponde ao tempo mínimo que um funcionário deve permanecer num posto ou categoria profissional, antes de ser promovido. O mesmo se passa na Igreja Católica Romana, onde interstício é o intervalo de tempo que deve decorrer, conforme exigido pelos cânones da lei que a rege, antes da promoção de um membro para um grau superior da ordem. No âmbito social, um problema grave, e que parece não interessar a muitos, é o facto de pessoas sem abrigo viverem no interstício da vida em condições desumanas. Não fazem parte da sociedade e ao mesmo tempo fazem parte dela. De modo geral, interstício caracteriza-se por ser uma relação ambígua entre espaço e tempo. Intervalo entre duas coisas. Aquilo que une o início a um fim. Arte resume-se a isto. Começar num vazio e acabar preenchido, sendo o seu interstício que dita a sua essência e compõe o seu conteúdo. “Tudo é interstício e acaso, mas está tudo certo.”, diria tão bem Fernando Pessoa. Esta exposição proveio de muitos acasos para se tornar no esplendor que todos podemos observar e, no fundo, arte não precisa de um método para o ser, precisa de carregar sentimento e mensagens, o que foi tão bem concretizado por estes artistas. A simbiose entre arte e interstício vai muito além de um lugar, quer espacial quer temporal. Interstício é a essência, conteúdo da mensagem que o artista pretende transmitir através da sua obra, dado que a sua criação ocorre nesse interstício entre a intenção de criar e a obra final. No decorrer desse tempo, é onde se dá todo o processo de pesquisa, criatividade, tentativa-erro para se concretizar a obra e poder haver assim comunicação entre a arte e o mundo. Atrevo-me a dizer que o interstício é base da arte, toda arte. Arte existe para nos emocionar, fazer pensar e transmitir mensagens. Isso é somente possível pelo interstício que a compõe. Nesta exposição coletiva é possível ver obras de nove artistas com visões tão dispares que se complementam no discurso. Bárbara Silva desenvolveu uma série de fotografias, Carolina Abrantes apresenta uma série de desenhos de máscaras africanas, Inês Ferreira apresenta duas instalações, a Margarida Delicado um poema, Maria Eduarda Sousa uma peça de arte performática, Mariana Mendonça duas action paintings, Marta Pereira uma instalação de desnhos, Patrick Santos videoart e Sara Andra-
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de três pinturas, duas de ação e uma expressionista abstrata. Além destas obras, são apresentadas duas obras de grupo, uma série de pinturas e uma instalação, que tiveram origem no trabalho e pensamento coletivo. Fotografar aquilo que a maioria não vê, que por ser tão simples, passa despercebido aos nossos olhos. Por aqui se regeu a artista Bárbara, fotografando a sua rotina, transparecendo-nos toda a sua simplicidade. Trabalhou no interstício, com a finalidade de nos passar aquilo que viu desde início. A artista Carolina Abrantes expõe impressões de desenhos que habitam um caderno onde parte do conceito de máscara, como elemento de comunicação ritualizada, que tribos africanas usam na sua relação com os seus deuses. A máscara é, portanto, o interstício comunicacional neste relacionamento com o intangível invisível. A artista Inês Ferreira apresenta-nos “Invisível”, que parte da forma das raízes profundas que guardam debaixo da terra aquilo que é invisível, para nos confrontar com o que para nós não é visível como os medos, angústias e o amor… Se destas raízes adventícias nada brotar, viver-se-á, então, no interstício. No meio de duas partes, mas não propriamente em nenhuma. Não é bom viver no interstício. Por isso, deixamos exposta esta raiz para que todos vejam o quão bonito é mostrar a nossa essência. “O Início do Recomeço de um Fim”, é uma obra conjunta de Inês Ferreira com Margarida Delicado. Partiu de um poema que fala da efemeridade da vida a partir do sentido figurado de um galho de inverno, frágil e velho. Inês aplicou a metáfora construindo uma instalação que incorpora o poema. “Quagga” como uma referência à espécie semelhante à zebra-da-planície que permaneceu no interstício durante muito tempo. Desapareceu em 1883 e renasce dezenas de anos mais tarde na África do Sul através do Quagga Project. Nesse espaço de tempo este animal não fez parte de nenhum ecossistema. Viveu no interstício ao não existir e a “reexistir”. As artistas Mariana Mendonça e Sara Andrade apresentam séries de pinturas “sem título” que colocam questões que se prendem com a força da ação na imagem. Nelas está implícita uma ação da exploração da mimésis a partir abstrato e não do real. Algo que se revelou extremamente desafiante, mas que não comprometeu o resultado. Apresentam vários formatos ao mesmo tempo que as suas pinturas convivem com fragmentos de uma pintura coletiva intitulada “Efémero” que explorou a performatividade do corpo e na ideia da efemeridade do material. Um trabalho que não tem fim e que explora exaustivamente a vontade de o alcançar, o qual nunca há-de ser atingido e por isso se deixa estar no interstício. Maria Eduarda, com a sua performance “Um Ego Refletido”, realça o paralelismo entre os humanos e os deuses, protagonizando uma deusa, mas com os seus traços de humana. Durante o seu discurso, a sua arma são os silêncios
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e interstícios que fazem destacar a sua mensagem, pela elevação do corpo e a comunicação. Com isto pretende subverter a ideia de que Deus criou o humano à sua imagem, para a ideia de que foi o humano que criou Deus à sua imagem. “Horizonte” uma linha que pretende representar a resiliência e persistência necessárias à vida, utilizadas para enfrentar obstáculos. Olhando para a vida como uma linha frágil entre o nascimento e a morte. Para aproveitarmos este interstício temos que ser, entre muitas outras coisas, persistentes e resilientes, como o artista Patrick Santos pretende exteriorizar. Por último, a instalação coletiva “After Objects” incide em objetos que têm uma ligação direta ao consumo desenfreado capitalista global e que estavam num estado de suspensão, portanto no interstício. A intervenção e reutilização colocando-os com aspeto dourado, pretende com isso renovar a aura do objeto reconfigurando e transformando-o em objeto de arte.”
Texto de Joana Bento curadora da exposição
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A Academia Visual é um projeto da autoria da EMERGE, Associação Cultural que opera em Torres Vedras no campo das Artes Visuais e da Educação Artística. Este projeto de formação de públicos, dirigido ao ensino secundário de Artes, teve como objetivo, nesta primeira edição, proporcionar aos participantes o contacto com as profissões associadas à criação de uma exposição, oferecer ferramentas para o exercício do pensamento crítico e da interpretação visual, preparar os participantes para o momento da escolha na transição para o ensino superior, promover o contacto com a experimentação artística e promover a frequência dos equipamentos culturais da cidade. O projeto foi trabalhado em parceria com a Paços – Galeria Municipal de Torres Vedras, tendo alguns dos módulos sido desenvolvidos no Porta 5, espaço de oficinas afeto à Paços – Galeria Municipal de Torres Vedras. Contou com o apoio da Escola Secundária Henriques Nogueira e com a participação de vários artistas profissionais. Nesta exposição, módulo final do projeto, os alunos são responsáveis pela produção e conteúdos, colocando em prática os conhecimentos adquiridos ao mesmo tempo que revelam alguns dos trabalhos produzidos durante a formação. “Interstício” foi o nome escolhido para título desta exposição verdadeiramente coletiva.
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Ficha técnica Artistas Bárbara Silva. Carolina Abrantes. Inês Ferreira. Margarida Delicado. Maria Eduarda Sousa. Mariana Mendonça. Marta Pereira. Patrick Santos. Sara Andrade.
Curadoria e desenho de exposição Joana Bento.
Comunicação Nádia Esteves. Carina Santos.
Fotografia Nádia Esteves. Carina Santos.
Design Nádia Esteves.
Coordenação Catarina Sobreiro. Daniela Ambrósio. Joana Alves. Jorge Reis. Patrícia Sobreiro.
Artistas convidados João Francisco, João Gracia Miguel, Carlos No.
Organização EMERGE
Parceiros e apoios Câmara Municipal de Torres Vedras Paços — Galeria Municipal de Torres Vedras Agrupamento Escolas Henriques Nogueira
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Participantes da Academia Visual 2019 Adriana Valente. Anabela Martinho. Bárbara Silva. Beatriz Bernardino. Carina Santos. Carolina Abrantes. Célia Lucas. Débora Augusto. Érica Fernandes. Filipa Miranda. Inês Ferreira. Inês Santos. Inês Teles. Joana Bento. Lara Santos. Marco Felisberto. Margarida Delicado. Maria Eduarda Sousa. Mariana Mendonça. Marta Pereira. Nádia Esteves. Patrick Santos. Regina Esteves. Rita Gonçalves. Sara Andrade. Sofia Franco.
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Maria Eduarda Sousa “Um Ego Refletido” Arte performática Scrip, figurinos ≈ 2’
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Inês Ferreira “Invisível” Instalação arame zincado de diversas espessuras, fita-cola crepe, cola de madeira, jornal, farinha, sal, sanguínia em pó, prateleira de madeira, papel, esferográficas, lã, tinta acrílica preta. 170 x 60 cm
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Inês Ferreira & Margarida Delicado “O Início do Recomeço de um Fim” Instalação de poesia Galho, tinta acrílica, papel 69 x 84 cm
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Marta Pereira “Quagga” Instalação de desenho Papel, grafite, carvão 127 x 154 cm (mancha)
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Sara Andrade “Sem Título” Pintura Acrílico sobre PVC 34,5 x 36,4 cm
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Sara Andrade “Sem Título” Pintura Acrílico sobre PVC 42,8 x 43,7 cm
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Mariana Mendonça “Sem Título” Pintura Acrílico sobre PVC 48,9 x 49 cm
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Sara Andrade “Sem Título” Pintura Acrílico sobre tela 100 x 100 cm
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Instalação Coletiva “After Objects” Instalação Spray dourado sobre objetos 100 x 321 x 195 cm (área)
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Bárbara Silva “Olhar Interstícial” Série de fotografia Impressão sobre papel fotográfico 15,2 × 294,4 cm
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Patrick Santos “Horizonte” Instalação de videoart PAL, 16:9, 25 frames, cor, sem som 3’26’’
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Carolina Abrantes “Máscaras” Desenho em caderno Grafite, lápis de cor, sanguínea em pó 57 x 123 cm
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