Revista Piaui

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30 anos de jornalismo: Eugênio Bucci faz balanço da carreira

Alessandra Gardezani Camila de Souza Silva Emanuella Minari Juliana Alves Milene Silva


SIMPLESMENTE A MELHOR PIZZA DA REGIテグ


EDITORIAL "O jornalismo é conflito, e quando não há conflito no jornalismo, um alarme deve soar. Alíás, a ética só existe porque a comunicação social é lugar de conflito. Onde a etiqueta cala, a ética pergunta. "(Sobre Ética e Imprensa - pg 11)

Expediente: Alunos:Alessandra Gardezani Camila de Souza Silva Emanuella Minari Juliana Alves Milene Silva Fotografia: Guilherme Alonso Ilustração: Miller Guglielmo Diagramação: Fábio da Silva Pré-orientação: Alexandre Possendoro Orientação: Cibele Maria Buoro Coordenador: Nivaldo Ferraz Grande reportagem apresentada à Universidade Anhembi Morumbi como critério parcial para obtenção do título de graduação no curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo.

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O LADO B DE BUCCI

Ao trazer a ética para o centro dos debates sobre imprensa, Eugênio Bucci ganhou reconhecimento e hoje ocupa posto de autor de referência nos cursos de jornalismo

evento de grande proporção, mas em Jornalista e teórico da comunicação abre nossas vidas teve um peso muito grande”, relembrou Bucci enquanto as portas de seu escritório e dispõe-se a buscava em suas prateleiras uma pasta uma auto-critica preta na qual guarda a matéria sobre a censura até hoje. refletiu o contexto político da época: L o c a l i z a d a a c e r c a d e 4 0 0 os exemplares foram recolhidos. Hoje, professor da Escola de quilômetros da capital paulista, a pequena Orlândia, cidade do interior de São Paulo, tem aproximadamente 246 quilômetros quadrados de área e cerca 37 mil habitantes. Pouco conhecido, o município foi notícia nos anos 70 na mídia local. Mais precisamente no dia 1 de maio de 1976, o Diário da Manhã de Ribeirão Preto levou a conhecimento público uma informação pouco convencional com a seguinte manchete: “Direção de Escola em Orlândia censura matéria do MDB no jornal estudantil”. alvez não fosse grande surpresa que houvesse represálias, afinal em meio à ditadura militar querer publicar músicas de Chico Buarque que estavam sob censura era desafiador, até mesmo para uma publicação de pequena circulação organizada por três jovens de 16 anos e que era veiculada somente na Escola Técnica Estadual Profº Alcídio de Souza Prado. Eugênio Bucci e os amigos Gilberto Zancopé e Adilson Nunes “infringiam a lei” - no entendimento da direção do colégio - utilizando o espaço do jornal Apelo. A solução

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“Estávamos motivados por uma vontade grande de participar e p r o m ove r i n t e r a ç ã o e n t r e o s estudantes. Era um tempo infelizmente sombrio no Brasil, então não era um ambiente em que as ideias podiam fervilhar com facilidade”, contou Eugênio Bucci, com os olhos voltados à esquerda como quem resgata as memórias que há tempos não são lembradas. escolha pela profissão de jornalista foi uma resposta ao ato de ter ser sido censurado e desestimulado a produzir textos contestadores em Orlândia. “Fui para São Paulo estudar jornalismo por pirraça”, revela. Mesmo jovem, o engajamento de Bucci com a política sempre foi algo presente. “A segunda edição do Apelo trazia uma entrevista com o governador Paulo Virgilio e alguns de seus secretários e com o prefeito Cyro Armando Catta Preta. Por conta de alguns fatos relatados, a edição foi proibida de circular. Foi um acontecimento pequeno, era um jornal de pouquíssimos anúncios e durou só quatro ou cinco edições. Não foi um

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Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), Eugênio Bucci foi o único dos três amigos que seguiu na carreira jornalística. Possui um currículo recheado de obras publicadas e artigos em jornais de circulação nacional, como O Estado de São Paulo, no qual é responsável por uma coluna quinzenal. Foi também secretário editorial da Editora Abril e presidente da estatal Radiobrás. Adilson Nunes, ou Jovito, optou pela carreira de radialista e Gilberto Zancopé, o Giba, preferiu lidar com números e se formou em economia. “Para nós era uma brincadeira apenas, e algumas críticas ou colocar piadas contra a ditadura era um modo de fazer as pessoas rirem”, contou ao telefone Zancopé, em meio a uma de suas reuniões de negócios em Curitiba. Posteriormente, o trio cresceu e ganhou mais um integrante. Miguel Carlos Vitaliano, vulgo Carlucho, juntou-se a Jovito, Giba e Eugênio, e a partir de então o quarteto tornou-se inseparável. Conhecido e 'temido', o grupo de jovens contestadores

chamava atenção por onde passava. Para ganhar ainda mais força, criaram o grupo GEMA (Gilberto, Eugênio, Miguel e Adilson) que fazia shows frequentemente em diversas cidades do interior e críticas através das composições. “O Eugênio estava sempre na ponta liderando. Para se ter uma ideia, tínhamos uma música chamada 'Jampary Club'. É uma referência ao Rotary Club. No dia do aniversário do presidente do Rotary fomos na casa do cara e tocamos a música. Não fomos expulsos a tapas por muito pouco”, resgatou na memória Carlucho. Empolgado em falar do amigo Eugênio Bucci, carinhosamente apelidado de Patinho Feio, Miguel, o único que ainda mora em Orlândia, ria e falava com saudades da infância ao lado de Bucci. Carlucho e Eugênio se conheceram de uma maneira bastante inusitada. Dona Mary Bucci lecionava a disciplina de português para Carlucho. Certa vez, Dona Mary pediu para que ele levasse seu violão, pois tinha um filho que sabia cantar e se apresentaria para seus alunos. O grande dia chegou e Bucci se intimidou frente às pessoas. A cantoria não aconteceu, mas a amizade dura até hoje. “Tínhamos interesses em comum. Eu já militava no movimento estudantil e o pai dele tinha medo, eu com 20 anos e ele com 15. Eu era como um mau elemento,


que levaria o filho dele para o mau caminho, metido a liberal. Começamos a conversar e achei bem interessante, um menino de 15 anos ler o que ele lia e discutir sobre as ideias de Sócrates, A República, de Platão e Regras para a Direção do Espírito, de Réne Descartes”, conta Miguel com orgulho. Seu livro de cabeceira era Siddharta, escrito pelo alemão Hermann Hesse, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1946. “Nos dias de hoje estou lendo Antônio Callado, que escreveu um livro chamado Quarup, que também sou bastante fã”, conta Bucci. empre ligado às artes, o grupo GEMA foi responsável por diversas mudanças no ramo cultural de Orlândia. Da criação de uma escola de samba à FOARTE - uma feira de artesanato de Orlândia – músicas e poemas faziam parte do cotidiano dos rapazes. Porém, a censura também os ' p e r s e g u i a ' . A F OA RT E f o i recriminada por levar o dramaturgo Plínio Marcus para palestrar durante o evento. Isso desagradou grande parte da população, que considerava suas peças muito libertinas para a época. A veia artística de Eugênio aflorou desde menino. Aos 12 anos compôs Helena, canção que leva os seguintes versos: “Helena, mas que pena que você, perequetê(...)/ você pertence às mais altas camadas sociais (...)”. Segundo Carlucho, o senso crítico de Bucci já se mostrava presente. Quanto ao motivo da composição, o amigo revela que se tratava de uma paquera. “Com certeza foi para uma paixãozinha da época. Vivíamos fazendo isso. Pegávamos o nome das meninas e fazíamos arte. Estava na cara que era para alguém. Aliás, ele era muito namorador, viu?”, disse com voz de quem contava um grande segredo. “Ele era poeta, era músico, produzia músicas de boa qualidade”, endossa Gilberto Zancopé. Porém Giba relata que hoje essa veia romântica já não é mais tão presente no amigo. “Embora ele tenha se distanciado um pouco da música e da poesia, acredito que tenha feito isso depois que foi para a esquerda e ficou ateu, e nós todos éramos cristãos. Quando nos mudamos para São Paulo começamos a estudar e a militar no movimento estudantil e aderimos à esquerda, ao marxismo e ao ateísmo; e eu acho que isso fez mais mal para ele do que para mim”, explica detalhadamente como uma passagem marcante de suas vidas. Orlândia não comportava mais os planos de Eugênio, Miguel e Gilberto,

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que decidiram partir para São Paulo prosseguir com os estudos. Bucci seguiria o jornalismo, legado dos atos repressores dos quais foi vítima nos períodos do jornal Apelo. Prestou dois vestibulares na USP: para Jornalismo, ingressando em 1978, e Direito na Faculdade São Francisco, onde começou a estudar em 1980. “Eu não acho que eu era bom de redação. Aliás, nos dois vestibulares tive notas muito ruins na redação. Eu tirei três ou menos de três nas duas redações”, conta Eugênio de forma muito calma. Em São Paulo, Bucci morou primeiro com um primo. Posteriormente se mudou para um apartamento na rua Fradique Coutinho, em Pinheiros, no qual passou a dividir com Carlucho e Zancopé. “Eu queria estudar jornalismo, então tive que vir à USP porque queria participar das coisas boas que estavam acontecendo. uando eu cheguei na universidade, o sentimento de medo era muito menor que o sentimento de otimismo que a ditadura iria cair. Estava s u rg i n d o o P T ( Pa r t i d o d o s Tr a b a l h a d o r e s ) e e s t á v a m o s reconstruindo as entidades estudantis, então o sentimento de confiança era muito maior”, recorda enquanto não perde a atenção no computador e no celular. Mas qual é a sensação de sair de um munícipio tão pequeno e chegar a uma grande metrópole, onde a universidade é praticamente uma cidade? “Como me senti? Bem, a cidade universitária era maior que Orlândia! Daí você vê”, relembra enquanto continua se movimentando para frente e para trás em sua poltrona que soltava um barulho arranhado e incômodo, mas o professor da USP parecia nem notar. Continuava contando, absorvido na memória. “Eu fiquei louco quando fui ao 'bandejão', naquele tempo eles serviam copo de leite! Dois meses depois, estávamos fazendo greve. Ocupação porque a comida estava cara, mas para falar a verdade eu não achava cara, eu achava baratíssima! Subiu o preço em alguns centavos, mas eu achava muito interessante o princípio do movimento”, continuava a contar empolgado entremeado de risos. “Mas o restaurante era muito bacana. Então, fiquei encantado. Eu me apaixonei pela cidade universitária! Achei que tinha chegado ao mundo ideal, e até hoje acho isso”. Apesar da seriedade e ideais políticos, os momentos de festa também foram frequentes durante a faculdade. “Nós éramos muito bagunceiros. Quando o grupo saía para beber, o Eugênio também bebia. Mas ele também era a

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pessoa que segurava e não deixava com que passássemos do limite. Ele sempre foi um amparo. Mais ético, com mais moral. É amigo e mantinha sua retidão”, revela Carlucho. Segundo os amigos – que vêem a retidão e a política presentes até hoje em Eugênio Bucci – a educação herdada da família é seu alicerce moral. Filho de Mary e Bruno Bucci, cresceu em uma família cristã, frequentadora assídua da paróquia da cidade. “Eram muito amorosos, uma família muito harmônica. Um exemplo para a comunidade pela retidão, caráter e vida familiar; e isso sempre esteve presente no Eugênio. É e sempre foi uma pessoa muito querida e apoiada, voltado aos eventos benéficos para a sociedade”, recorda Zancopé. eu Bruno e dona Mary esperavam que o filho escolhesse uma carreira considerada mais nobre, como medicina, direito ou engenharia. “Ele bateu o pé e falou: 'não, eu vou fazer o que quero: jornalismo'. Eu sei que foi uma briga danada, sabe? Ele brincava comigo: 'Carlucho, você vai ser médico, vai ganhar mais dinheiro. Escritor não ganha dinheiro, então você vai me sustentar porque vai ficar muito mais rico que eu'”, emenda Miguel, que virou médico e tem um consultório tradicionalmente conhecido em Orlândia. Durante sua passagem pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) na USP, Bucci começou a chamar a atenção de seus mestres. Para o professor Luis Milanesi foi um de seus alunos mais “brilhantes”. “Eu tive uma empatia muito forte com o Eugênio porque me identifiquei rapidamente. Ele tinha algumas características muito especiais. Sempre foi uma pessoa muito brilhante, inteligente e culta” conta, ao mesmo tempo em que, ao voltar ao passado, realçava partes da história para que a reportagem percebesse ser ele o responsável pela descoberta do jornalista Eugênio Bucci. Sobre o “brilhantismo”, Milanesi não é o único a compartilhar desta opinião. O sogro Dalmo Dallari, também exprofessor de Bucci na Faculdade São Francisco quando cursava Direito, ressalta a liderança e a pró-atividade política do genro. “Ele foi um estudante muito ativo, chegou à presidência do Centro Acadêmico XI de Agosto e nessa condição nós tivemos bastante contato. Foi meu aluno e um dos mais brilhantes sem dúvida alguma”, complementa em uma conversa na sua casa. Segundo Dalmo, o curso de Direito enfatiza a

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relação entre ética e direito. Dalmo Dallari sempre enxergou no aluno Eugênio Bucci uma preocupação de natureza ética, que foi essencial em sua formação. “Para Eugênio a humanidade se divide em dois grandes grupos: um deles é o dos jornalistas e o outro é dos 'outros'”, conta Dallari de maneira bem à vontade, fazendo questão de declarar sua satisfação em ter Eugênio Bucci como genro. “Eu tinha (e tenho) uma filha que também estudou na Faculdade de Direito na mesma época. Eles foram colegas e acabaram se casando, o que me deixou extremamente feliz”. Sentado em sua cadeira giratória no escritório que divide com o irmão, o arquiteto Ângelo Bucci, Eugênio conta, timidamente e com o olhar desviado, como conheceu a esposa, Maria Paula Dallari Bucci. À época, ele cursava o quarto ano e ela, o segundo, ambos do curso de Direito da USP. Militantes de ideologias diferentes - ela do PC do B e ele mais voltado ao movimento Trotskista – estavam constantemente travando debates. Bucci tentava convencer Maria Paula de suas ideias. Em contrapartida, ela adorava que ele tentasse convencê-la. E com o pretexto de discutir política as conversas ficaram cada vez mais frequentes. “Ela é firme no que acredita e com certeza me convenceu muito mais do que eu a convenci. E foi assim que começou”, relembra com olhar tímido, mas com voz de respeito e admiração à esposa. “Ela tem um rosto bonito, é inteligentíssima e tem muita fibra”, confessa. O namoro começou em 1985 e no ano seguinte resolveram se casar. A festa foi cercada de amigos, no Clube Pinheiros. O casal decidiu por fazer um churrasco para celebrar a união. Vinte anos depois optaram por oficializar a relação em uma cerimônia religiosa. “Concordávamos que faltava casar na Igreja. Aproveitamos a ocasião para reafirmar os votos de casamento. A ideia surgiu em uma viagem à Veneza”, resgata nas lembranças. Eugênio tem dois filhos, Martha Dallari Bucci, estudante de arquitetura da USP, e Mario Bucci, que segue os passos do pai: formado em jornalismo e aluno de direito. “Bucci é um homem de família, bastante apegado e muito afetivo. Ele dialoga e discute, não impõe verdades. Mario, por exemplo, estudou jornalismo e agora cursa direito por pura convicção, não por imposição do pai”, o sogro Dallari faz questão de esclarecer.

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Os domingos são dias sagrados e

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guardados para a família. Sabe aquele típico almoço de italianos? Assim fica a casa de Dalmo Dallari aos finais de semana. Filhos, genros, noras e netos enchem a residência que chega a ter 15 pessoas. Para os netos, muitas vezes os almoços se tornam verdadeiros seminários, pois as discussões vão desde futebol, passando por política até chegar às relações internacionais. “Eugênio gosta de futebol e é são paulino. Mas tenho netos corinthianos, então o que impera é uma democracia futebolística”, brinca. Por vezes até a música e os dons artísticos de Eugênio, como tocar violão, ficam à mostra aos familiares. Não só para os íntimos, mas grandes jornais como a Folha de S. Paulo já serviram de mural para a publicação de suas artes. No dia 21 de agosto de 2011 o caderno Ilustríssima publicou o poema intitulado Justiça, com os seguintes versos: O que a lei/não redime/ é o crime/com defeito// Se bem-feito/ou bonito/o delito/talvez rime/ com direito// Se perfeito/ora, o crime/é a lei//. “Mas essa é uma parte que eu não gostaria de divulgar, acho um vexame. Jornalista não pode escrever poema, cantar e tocar” considera Bucci, ao ser entrevistado em seu escritório. O lugar mistura um pouco de estilo tradicional e moderno, com descontração, mas de uma organização impecável. Sobre a mesa estão filmes, livros e revistas dos mais variados assuntos. Daquelas rotuladas como de 'fofocas' à títulos internacionais, todas ao lado umas das outras, sem preconceito. Inclusive, em suas prateleiras lotadas de livros que tomam conta de quase duas paredes inteiras, uma curiosidade: a Bíblia fica quase que ao lado do Alcorão e abaixo da 'sessão religiosa' estão as 'obras eróticas'. Para ele, os livros possuem energia. Na outra parede, além dos títulos de sua autoria - dezenas de cada um -, um livro chama a atenção em meio ao grande número de capas dos mais variados tipos. Minha Luta (Mein Kampf), de autoria de Adolph Hitler, popularmente conhecido como 'Bíblia Nazista', integra a coleção do intelectual trotskista. Próximo à janela, um quadro com uma espécie de slogan da Teoria & Debate, revista da qual foi criador juntamente a outros nomes de esquerda, faz parte da decoração. Do lado oposto, próximo à porta, um cartaz com um desenho e mensagens em defesa de um Brasil livre e democrático marca presença.

Savazoni, ex-aluno de Eugênio na Faculdade Cásper Líbero (lá Bucci foi professor em 2001). Revivendo a cena, Rodrigo fez questão de deixar claro que testemunhou o convite. “Quando fui para Brasília em 2003, queria fazer jornalismo independente numa empresa pública e por isso surgiram tantos atritos, mas já acreditava na possibilidade de independência editorial e hoje ela é fundamental para o Brasil”, conta Bucci e acrescenta que, em sua perspectiva, foi em defesa da liberdade que ele se engajou nessas lutas e organizações. Talvez se não fosse censurado em Orlândia não travaria duelo com aquelas questões que seriam as que hoje norteiam seu discurso ideológico: a verdade, a liberdade e o direito à informação. Bucci acredita que ele e sua geração tiveram muita sorte porque não perderam ninguém para a repressão, mas a geração de cinco anos antes havia perdido vários dos seus na luta armada. u i t a s p e s s o a s d o g ove r n o apostavam que Bucci faria um jornalismo de oposição, o que foi uma dificuldade. “Essa não era minha intenção, por isso houve muito atrito, muita incompreensão parte a parte. Mas eu também posso ter sido bastante teimoso”, confessa pensativo enquanto coloca uma mão sobre a outra apoiada na mesa do escritório. A bandeira do jornalismo independente, de autonomia e de uma abordagem mais crítica dentro de uma empresa pública não fora bem absorvida no primeiro momento. elso Nucci Filho, que conheceu Eugênio durante sua passagem pela editora Abril, se identificou com Bucci por ter os mesmo ideais. Ambos fizeram parte do Conselho de Ética do grupo Abril, fato que contribuiu para a aproximação dos dois. Nucci também estava presente em Brasília na época da Radiobrás, porém em outro cargo. “Entrar no governo Lula no momento de sua subida fez com que fossemos tomados de esperança”, conta sentado na poltrona de sua casa, no bairro dos Jardins, enquanto sua gata passeia de um lado para o outro e senta em frente aos seus pés. No momento em que Eugênio Bucci sentiu que o governo havia optado por uma comunicação não transparente, foi decepcionante. Então caíram em si e perceberam que teriam que enfrentar uma forte batalha. “Para o PT, a comunicação sempre foi uma maneira de chegar ao público para promover sua imagem”, diz Nucci. Para o ex-aluno Rodrigo Savazoni, a

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Bucci revela os altos e baixos de presidir uma estatal

Entre os retratos que permitem aos visitantes conhecerem alguns momentos especiais da vida pessoal e profissional de Eugênio Bucci, estão expostas fotografias com familiares, homenagens, viagens entre outras recordações. Junto a isso, também espalhado pelas prateleiras repletas de livros, um exemplar do jornal Apelo. Uma dessas fotos tem uma essência no mínimo curiosa. Manifestantes seguram uma faixa com a frase: “Pela não destruição da Radiobrás e pelo fim das demissões. Fora Eugênio Bucc!”. O retrato também deixa claro quem organizava o protesto: o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal (DF). Questionado sobre o que significava, Bucci foi categórico. “Ela representa uma condecoração, a certeza de que eu estava fazendo a coisa certa”, referindo-se ao fato de ser o responsável pela demissão de 150 pessoas que possuíam fraco desempenho durante o período em que esteve à frente da presidência da Radiobrás, no primeiro governo Lula. “Não fechei postos de trabalho. O sindicato instigou uma onda de processos muito vigorosa. E eu perguntava para o sindicato: vocês defendem as pessoas ou os postos de trabalho? Porque as pessoas que vão

entrar aqui também serão filiadas ao sindicato. Vocês são um sindicato das pessoas com alguns nomes e sobrenomes ou um sindicato da categoria? Essas pessoas não trabalham, ou estão inadequadas. É uma situação complicada. A gente demitia, mas contratava outras mediante concurso. Por isso aumentamos muito a quantidade do pessoal concursado”, relembra. oi em um churrasco no Instituto de Cidadania, ao lado do Museu Ipiranga, em São Paulo, que dia 19 de dezembro de 2002, Eugênio Bucci aceitou o convite do então presidente Luis Inácio Lula da Silva para assumir o comando da Radiobrás. Dias antes, Luis Gushiken havia feito o primeiro contato para convidar Bucci a se mudar para Brasília, onde atuou por quatro anos. “Lembro que o Lula chegou e o Eugênio estava com um frango na mão. Ah! E também estava junto o Carlos Tibúrcio, um dos assessores de Lula. Então Tibúrcio falou: 'você lembra do Rodrigo, Lula? O Rodrigo fez um trabalho de internet par a gente e quem o trouxe para cá foi o Eugênio'. Lembro que Lula respondeu: 'tá vendo, deve saber que Geninho será meu presidente na Radiobrás'”, recorda Rodrigo

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situação era mais complicada porque a luta era com algo aquém do governo. “Na verdade a briga maior não era com o governo, e sim com o legado”, diz. “Eram 30 anos de história de uma empresa que em janeiro de 2003 as pessoas perguntavam se podiam fazer perguntas. Era uma questão comum entre os repórteres”, ressalta Savazoni. obre seu tempo de Radiobrás Celso Nucci Filho conta: “Lembro-me bem. Dia 30 de junho de 2003 Bucci pediu para que eu fosse lá com ele. Havia convocado toda a imprensa para participar de um seminário no qual fui somente ouvinte. Formalmente eu era assessor do presidente”. Na época a Radiobrás era formada pela Agência Brasil, algumas emissoras de rádio e de televisão. “Após o término do seminário, conversamos. Bucci falou que só tínhamos um tema para isso: o foco no cidadão. Porque atingimos a essência do serviço público; e eu pude aprender pessoalmente”, detalha. Para Nucci, a passagem de Eugênio pela estatal foi uma pequena evolução. “Ele tem uma condição de serenidade para lidar com essa coisa política. Falei para ele que eu não teria aguentado uma semana em seu lugar. Ouvi conversas assim: 'mas ministro, o senhor está usando esse tom de voz comigo por quê?' Eu nem sei o que teria respondido para o ministro”, confessa em tom de admiração e exaltação aos “feitos” do expresidente da Radiobrás. O lado político de Eugênio sempre prevaleceu, independente da situação. “Ele às vezes explode e perde a paciência. Isso pude acompanhar lá na editora Abril. Bucci tem um jeitão de Orlândia, né? Mas é uma pessoa bem educada e controlada. Agora lá no governo, na Radiobrás, Eugênio usou demais esse lado político que ele tem”, revela Cacalo Kfouri, que conheceu Bucci também na editora Abril e posteriormente migrou com ele para a Agência Brasil, onde atua como revisor até hoje. Enquanto conta as histórias que viveu com Eugênio, Cacalo por vezes interrompia sua linha de raciocínio para fazer elogios ao amigo, com quem havia saído para tomar uma cerveja alguns dias antes. “Ele pediu para eu caprichar porque vocês também ouviriam os 'inimigos'”, falou em tom de brincadeira. Segundo o sogro Dalmo Dallari, Eugênio Bucci teve dificuldades em Brasília por defender suas posições com firmeza. “Ele sofreu porque, para ele, deve estar implícita a ideia de que o jornalismo seja ético, independente,

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Segundo seus amigos, o sotaque de Orlândia é sua marca registrada

imparcial e que respeite a verdade”. s vezes, por defender suas ideias a fundo, chega a não aceitar que talvez não seja a melhor opção. “Eugênio tem posições muito firmes e discute com si próprio sobre a posições que a d o t a r á . Ta m b é m t e m m u i t a dificuldade em admitir que alguma de suas opiniões não seja a melhor, a mais verdadeira”, diz Dallari, cauteloso para não deixar o genro em 'maus lençóis'. Nelson Hoineff, que conviveu com Bucci durante sua passagem pelo Jornal do Brasil e continuou acompanhando sua carreira de longe, acredita que ter uma cabeça como a de Eugênio Bucci em um sistema estatal é um privilégio. “Eu notei a preocupação dele em buscar a isenção. E isso não era sempre possível”, conta durante um telefonema pela manhã, direto de seu escritório, no Rio de Janeiro. “Eu tenho a impressão de que ele viu no PT uma forma ou um caminho de trabalhar pela justiça social. Acho que esse foi o fator determinante de aproximação dele com o PT”, teoriza Dallari sobre a ligação política de Eugênio Bucci. Para ele, o genro acreditava que o PT seria um instrumento de defesa da pessoa humana e da dignidade; mas também de promoção da justiça social. Esse ideal vem de sua formação trotskista. Ainda segundo Dallari, Bucci hoje é anti-petista por conta de decepções acumuladas ao decorrer dos anos, por isso exagera nas críticas ao Partido dos Trabalhadores. Ao entrar para a estatal Eugênio Bucci talvez nutrisse a perspectiva de que poderia mudar muita coisa lá dentro,

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mas que seria difícil. Sabia que algumas pessoas não facilitariam os caminhos, como Bernardo Kucinski e Luis Gushiken. “Ele assumiu sabendo que ia pegar uma pedreira, porque os grandes inimigos do Eugênio já estavam lá dentro como é esse Bernardo Kucinski, que ele já conhecia desde a época da USP”, relata Cacalo bastante agitado enquanto sua esposa traz um café. Rodrigo Savazoni enfatiza que a polêmica entre Bucci e Bernardo Kucisnki se deve ao fato de que, este último almejava o cargo que Eugênio ocupou na Radiobrás. “O Bernardo queria ser o presidente, o que não aconteceu. O Bucci foi, e ai ficou uma história mal resolvida porque o Bernardo queria palpitar”, revela com convicção. Essa relação de amor e ódio veio de muitos anos de convívio dentro do PT, por conta da diferença de posições. Para o ex-aluno de Eugênio, Kucinski sempre foi uma pessoa de difícil convívio por ter como característica ser “ranzinza”. Mas, ao mesmo tempo, uma pessoa extremamente inteligente e sagaz. “Os dois eram muito rígidos e todos estavam muito certos, com aquela convicção de 'eu sei o que tenho que fazer'. Parecia o período dos bolcheviques se confrontando. O detalhe é que um era trotskista e o outro não”. obre essa acusação, Bucci diz ser possível que Bernardo almejasse tal posição, mas que suas críticas sobre a gestão da Radiobrás não aconteceram de maneira leviana. “Olha, eu acho que o Kucinski podia querer o cargo. É legítimo, mas eu duvido que ele tenha feito crítica por isso. Sabe, acho que

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ele divergiu. Isso não tem nada a ver com ele querer ser presidente. Porque ele não foi escolhido para ser presidente, mas a meu convite fez parte do conselho, estava lá sempre. Depois começou a brigar com a gente, mas estava lá todo mês nas reuniões”. Para esclarecer essa relação e as acusações Bernardo Kucinski foi procurado pela reportagem, mas negou conceder entrevista e decidiu enviar um artigo que havia publicado na revista Teoria & Debate, em abril de 2008, como forma de resposta. Em texto intitulado Reflexões sobre o jornalismo em tempos de Lula, Kucinski afirma que houve um complô da chamada grande mídia contra o presidente Lula, liderada pela Rede Globo que foi seguida pela revista Veja, que entre 2003 e 2006 publicou 50 capas contra o governo, sendo 18 consecutivas. Para ele, a política de comunicação do primeiro mandato Lula foi “equivocada, pois não havia um comando único entre Secom (Secretaria de Comunicação), Gabinete Porta Voz, a Assessoria de Imprensa e dos Ministérios da Comunicação e Cultura, ao contrário do que acontece no grupo de Roberto Marinho, liderado por Ali Kamel”. o ser questionado sobre os comentários de Kucinski, Bucci respira fundo e demonstra mais cautela nas respostas. Seu semblante agora é de seriedade. Ajeita-se em sua cadeira com as mãos sobre a mesa, frente ao notebook e ao celular. “Eu concordo que era preciso unificar a política de comunicação do governo federal, o que depois foi feito com Franklin Martins. Agora eu não concordo que houve um complô da

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Reencontro do grupo GEMA em 1998 na casa de Carlucho em Orlândia

ministrar aulas na faculdade. “Eu vivia preocupado com a ética, eu sentia que era preciso ter um padrão mínimo de consciência de que o comercial não pode interferir no editorial. Essa que é a grande conscientização. Uma vez no curso Abril o Celso Nucci Filho me pediu para fazer uma palestra sobre esse tema. Acabou ficando com uma estrutura grande. Depois o Ricardo Setti foi convidado para pensar em um projeto de livro sobre ética pela Cia das Letras, e ele falou: 'Olha, não tenho condição de escrever esse livro, mas o Eugênio talvez possa'. E me indicou. E eu aproveitei aquela palestra, aquele roteiro, e desenvolvi o livro. Escrevi e foi assim que nasceu. Ali eu comecei a sistematizar melhor. E depois disso me convidaram para dar aula de ética na Cásper Líbero”, lembra o professor com ar de quem se sente satisfeito com a conquista. ugênio Bucci leciona na graduação em Jornalismo da ECA as disciplinas de Ética – uma de suas principais discussões – e Jornalismo Digital. É também professor da pós-graduação na mesma instituição com a disciplina Fabricação de Valor no Imaginário: uma Crítica a Comunicação. Além disso, também dirige um curso na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) em parceria com o IAEL (Instituto de Altos

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Estudos em Jornalismo), financiado por Roberto Civita. Intitulado Pós em jornalismo com ênfase em direção editorial, o curso é direcionado à jornalistas que almejam lançar novos produtos no mercado. “Eugênio é um d o s p o u c o s p r o fi s s i o n a i s d e jornalismo e da educação com potencial equivalente em ambas as áreas (Jornalismo e Educação). Assim, é um dos poucos, também, que poderia ser capaz de montar um curso de tal qualidade, com o grupo de professores que conseguiu convidar. Não foi fácil, tenho certeza. Este curso é dá maior importância, assim como os próximos que serão lançados na área de Pós Graduação dirigida pelo Eugênio”, revela José Roberto Whitaker Penteado, diretor da ESPM. “O Roberto Civita queria criar um curso de Jornalismo em nível de pósgraduação, e eu também. Um dos problemas graves da nossa imprensa é que nós, jornalistas, temos uma formação precária, que deixa a desejar. E esse curso tentou suprir uma das áreas. Um profissional dessa área precisa estudar a vida inteira e estudar formalmente, não é o auto-didatismo. razão desse curso é melhorar a imprensa no Brasil através de uma ação que contribua para melhorar a formação de pessoas que ocupam postos chaves na imprensa brasileira. O jornalismo exerce uma função

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organizadora do debate público, e precisa dominar um repertório que esteja a altura disso. Nunca foi tão fascinante ser jornalista! E nunca foi tão desafiador atuar na formação de jornalistas num país como o Brasil. O momento é excepcional”, conta Bucci animado e agitado por falar em um assunto que demonstra grande paixão. ara Hamilton dos Santos, que conheceu Bucci na Superinteressante, “a redação passou a ser um local onde se está produzindo um negócio, e isso deixou de ser um pecado”. “Acho que o Eugênio tem uma contribuição importante para isso também. Agora mesmo, o fato de ele estar responsável por um curso de especialização em Jornalismo com ênfase em Direção de Redação é um reflexo. O que é ênfase em Direção de Redação? É você formar um jornalista para gerir uma redação. O que significa ter meios e técnicas de gestão de pessoas, de projetos, de processos, de clima. Isso é muito importante. Imagine que nos anos 70 não havia redação se importando com clima”, diz enquanto 'gerencia' sua mesa. Como docente, Eugênio Bucci diz que almeja transmitir liberdade a seus alunos, a mensagem autônoma de lutarem em prol daquilo que acreditam. “O papel do professor é colocar o aluno em contato com algo que é maior do que ele mesmo,

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professor. O professor é como um conduite que está a serviço do futuro desse estudante e não a serviço do aluno ou de seu pai. Cada um tem uma vocação, um estilo, um destino. E o papel do professor é ajudá-lo a realizar isso! O projeto ele carrega, não sou eu que jogo o projeto nele”, explica ao mesmo tempo em que enfatiza o quanto é apaixonado pela profissão. E continua a divagar sobre seu papel na educação de novos jornalistas. “Não formo o aluno para ser jornalista de esquerda ou de direita, eu formo alunos para que façam o jornalismo que acreditam e que talvez escape a minha capacidade de classificação. É isso que procuro passar para eles. Estude com disciplina, o máximo que você puder. Faça o melhor que puder, mas não traia a si mesmo nesse sentido. Essa é a clareza que tenho. É um privilégio ser professor, por menos que seja prestigiado. Eu pagaria para fazer isso”. m relação ao dinheiro, o professor da USP se diz bastante satisfeito com o que ganha atualmente. “Na Abril, por exemplo, tinha alguns benefícios que hoje não tenho. Mas com o salário talvez esteja num tempo melhor, porque tenho alguns trabalhos que faço e pagam dignamente. Quando fiquei em Brasília, meu salário líquido como presidente da Radiobrás era muito menor daquele que eu ganhava

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na Abril. E o engraçado é que não me fazia falta, eu me sentia completo no que estava fazendo. Então a primeira coisa que eu fiz quando saí de lá foi comprar um carro novo. Adoro carros! Mas acho que a gente não pode exagerar, o limite é sempre subjetivo, mas passou de um certo nível acho meio obsceno. Graças a Deus posso hoje me dedicar a pensar e estudar. Nunca tive uma condição tão boa, tão favorável”. arlucho reitera que a ideologia do amigo sempre esteve acima da questão financeira. “Lembro que quando ele saiu da Abril teve um episódio interessante. Na época ele era diretor, daí perguntei: 'Você vai sair de lá? Mas imagina, diretor, um baita salário'. E ele: 'Mas quem te falou que eu estou atrás de salário? Não estou atrás de salário, estou feliz aqui, agora estou dando aula aqui na Cásper Líbero e está bom demais'. Ele trocou um negócio de alto executivo, não sei quanto ele ganhava, 30 mil, 40 mil, sei lá, para 3 mil, 4 mil como professor”. Vitor Blotta, ex-aluno de Bucci na ECA, foi convidado pelo ex-professor a expor seus conhecimentos em uma de suas aulas de pós-graduação. O tema era Habermas, filósofo alemão e especialidade de Vitor, que baseou seu mestrado nas informações que adquiriu durante o curso. Na disciplina em que a lotação máxima é de 20 alunos, cerca de 30 ocupam a sala da USP e sem nem piscarem ouviam atentamente a introdução que o professor deu ao tema. Em seguida, passou a palavra ao aluno e pouco o interrompeu em uma aula que mais escutou do que falou. “Nosso convívio durante o curso sempre foi muito proveitoso, pois apesar do formato expositivo da maioria das aulas, o professor nunca deixou de dar espaço para perguntas e comentários. Como profissional, vejo a curiosidade, a criatividade, a busca constante por atualização, uma capacidade notável de relacionar teoria com a prática e uma grande facilidade de simplificar ideias complexas sem retirar-lhes a riqueza. Como pessoa, o professor Eugênio é muito receptivo e acessível, disposto a ouvir e dialogar. Isso é essencial para quem procura difundir ideias e convencer as pessoas de sua validade”, relata Vitor sobre a relação aluno e professor. Porém, a trajetória para chegar ao cargo almejado e na instituição sonhada foi intensa e com algumas derrotas. A primeira vez que tentou ingressar na carreira de docente foi em 2002, mas não foi aprovado na banca formada por Arbex, Kardec e José

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acabam refletindo muito nisso, era pelo talento, pelo esforço individual, pelo autoral. Isso mudou drasticamente. As revistas contribuíram muito para isso e o Eugênio foi um dos caras que mais trabalhou aqui. Por exemplo, uma das coisas que eu me lembro que ele trabalhou bastante foi em desenhar um fluxo da redação mais racional, transformar o processo numa coisa mais amigável para o jornalista e sua carreira”, relata Hamilton. m busca de argumentos convincentes sobre essa 'grande escola de jornalismo', principalmente no que se refere aos princípios éticos, tão defendidos por Eugênio Bucci vale ressaltar -, a reportagem apresentou-lhe algumas capas da revista Veja no último encontro que aconteceu no seu escritório, em outubro. Submetidas à apreciação do professor da ECA, a reportagem o questionou sobre a intenção e postura da revista. A primeira capa posta em xeque foi a da edição 1835, publicada em 7 de janeiro de 2004. Em exposição estava uma jovem mulher de pele bronzeada, cabelos longos e escovados, maquiagem feita, ou seja, sua imagem condizia ao padrão de beleza estabelecido pelo mercado de consumo dos produtos estéticos. Esta mesma moça da capa segura em uma das mãos uma foto de si mesma, com um aspecto mais rechonchudo, sobrancelhas mais grossas e sem produção cosmética. A manchete trazia a seguinte frase: “Beleza para todos”, seguida do subtítulo “O antes e depois de Bárbara Reiter, 36 anos, gaúcha, que é um exemplo da nova ordem estética silicone, lipo e Botox em doze prestações”. Intrigado, Eugênio apanha a capa, enruga as sobrancelhas enquanto lê e observa a foto. Diz calmamente: “Acho que não tem problema ético nessa capa, nessa matéria. Mas preciso explicar que acho que até aqui estamos falando de jogo claro com o leitor. Ele não é uma criança de cinco anos de idade e nem é um carneirinho. Se estivéssemos falando de uma imprensa que fala 'pare de comer arroz e feijão', e no dia seguinte todo mundo parasse de comer arroz e feijão porque as pessoas tem discernimento, aí seria uma coisa. Mas aqui o jogo é claro. O leitor pode falar 'se a revista acha que esse é o padrão de beleza, eu não quero mais comprar essa revista', e ele pode muito bem parar de compra-la. E pára! A pergunta é: 'Isso é uma tapeação para o leitor? Alguém está mentindo para ele?' Ai seria complicado, se está havendo um ataque ao direito à

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Eugenio, Carlucho, Jovito ensaiam em um bar antes do show

Faro, que alegou ser uma indiscrição dizer como chegaram a tal conclusão. “Eugênio Bucci obteve nota inferior ao candidato aprovado por decisão de uma banca julgadora. Mas de qualquer forma, o resultado que Bucci obteve na época apresentava uma diferença de pontos absolutamente insignificante comparativamente ao do outro professor, fato que atesta não se tratar de um demérito como a palavra "reprovação" pode dar a entender”, esclarece. professor Milanesi, grande inspiração para Bucci, acompanhou a caminhada de perto e foi um dos responsáveis pela realização do desejo de seu aluno prodígio, pois era diretor da ECA quando Eugênio prestou pela segunda vez. “Da primeira vez que ele não passou, não significou que não merecesse. As coisas são muito mais complicadas do que se imagina! É um assunto bastante incômodo, porque imaginar que aqui trabalhamos puramente com mérito, não dá certo. Quando ele não passou ficou muito mal e é claro que nos espantamos, porque eu tinha a mais absoluta certeza de que ia passar. O Eugênio ficou traumatizado. Quando fui diretor abriu um novo concurso que eu acompanhei passo a passo. É importante entender que a banca tem três professores, que com um determinado perfil escolhe um candidato. Com outro perfil, o escolhido será outro. Então o que aconteceu com o Eugênio foi exatamente isso. Passei a acompanhar para ver se escolheriam uma banca acima dessa contingência e grupos da universidade. Então dessa segunda

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vez ele passou, chorou, ficou bastante comovido”, detalha. Aliás, a todo o momento, Milanesi lembrava o quanto foi importante na vida de Bucci. Tanto pessoal como profissional. Ele também foi responsável por indicar Eugênio Bucci ao emprego que transformaria sua carreira: repórter de Veja, publicação da Editora Abril. “Na época o Mário Sergio Conti era uma pessoa ascendente na (Editora) Abril. Ele me ligou e disse: 'me mande alguém brilhante'. E eu não tive dúvida. O Eugênio foi lá e em pouco tempo estava no topo, pois se tornou secretário editorial da (Editora) Abril”, relembra do momento com grande admiração e sensação de dever cumprido. urante sua trajetória no grupo Abril, Eugênio teve diversas idas e vindas e passagens por vários títulos, como Playboy, Quatro Rodas, Veja, SuperInteressante, entre outros. Para Eugênio Bucci, a empresa dos Civita foi sua grande escola de jornalismo, principalmente no que se refere ao quesito 'ética'. “Mesmo antes de Bucci entrar na Editora Abril já conhecia sua postura quanto à ética, pelo que ouvi falar dele. Sabia que deixara o último veículo (a revista Set) porque considerou uma atitude da diretoria anti-ética. A partir disso soube que era alguém realmente comprometido com essa prática. Essa era uma questão fundamental para nós (Eugênio, Celso Nucci Filho e Thomaz Souto Correa). Para mim, ética é quase sinônimo de qualidade jornalística. Ele foi um dos primeiros a abordar o tema no curso Abril. Eu até falava um pouquinho no

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início, mas depois o deixei tocar”, resgata Nucci, que durante anos foi companheiro de Bucci na empresa. Junto a Thomaz Souto Correa, atualmente vice-presidente editorial, Celso e Eugênio criaram o código de ética da Editora, em vigência até hoje. atitude da direção da revista Set considerada por Bucci anti-ética refere-se a um veto, mais um que enfrentaria, mas agora, como jornalista formado. Por ter sido uma publicação especializada em cinema, o departamento comercial impediu a publicação da crítica a um filme de responsabilidade da produtora anunciante. “Eugênio sempre manteve uma opinião firme entre jornalismo versus comercial. Não cedia porque a ética tinha que prevalecer”, confirma Michel Spitale, diretor de arte da revista Set à época do acontecimento. Na própria Editora Abril, em uma t a r d e b a s t a n t e m ov i m e n t a d a , Hamilton dos Santos, que em 1996 foi colega de trabalho de Bucci na Superinteressante, agora supervisiona o setor de Recursos Humanos da editora. Em meio a muita correria, separa um tempo para falar sobre os anos que esteve com o professor de jornalismo da ECA. “Acho que uma das posições mais interessantes de Bucci é mostrar para o jornalista que a educação, o conhecimento ou a necessidade de se formar não termina no fato de ter 'talento' para escrever. No passado, uma redação era um terreno, um ambiente muito mais voltado à parte de criação do que de gestão. Gerir uma redação, ou um projeto editorial, e as faculdades

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informação. Mas se é alguma coisa que nosso senso crítico pode avaliar e p o d e j u l ga r c o m a u t o n o m i a , realmente acho que não é aí que está o problema”. segunda capa exposta, também foi da revista Veja, edição 1969, publicada em 16 de agosto de 2006. Uma moça negra de cabelos presos em um rabo de cavalo segurava um título de eleitor. A manchete era a seguinte: “Ela pode decidir a eleição”, com o subtítulo “nordestina, 27 anos, educação média, 450 reais por mês, Gilmara Cerqueira retrata o eleitor que será o fiel da balança em outubro”. Mais uma vez, apanha a capa calmamente e avalia o conteúdo. Após longos segundos, levanta os olhos aparentemente perdido. Parecia tentar entender aonde estava o erro na matéria. Questionado se a verdadeira mensagem não estaria em dizer que a classe média-baixa é a que votaria no PT e por isso, talvez, esse fosse o partido vencedor, Bucci quase começa a gargalhar e depois de um longo tempo acrescenta: “Imagina! De jeito nenhum! É claro que não! Eu entendo que é a representação de um segmento da população que é majoritário ou está indeciso; e são pessoas que nem ela, sua faixa de renda e escolaridade que vão definir a eleição. Às vezes a gente enxerga armações além das que existem. Vou dizer duas coisas: um – elas são mais humanitárias. Dois – elas quase nunca funcionam”, justifica perplexo. Na penúltima, optou-se por apresentar a edição 2233 publicada em 7 de setembro de 2011. Na capa, uma enorme seringa apontada para cima e duas versões de uma mesma moça com vestido azul, colado ao corpo e sapatos pretos de salto. Na primeira versão a moça está com sobrepeso, ou seja, rejeitado pelos padrões de beleza. Ao seu lado, a mesma moça agora aparece em versão bem mais light, esbelta, bem mais bonita e aparentemente mais feliz. Ambas as imagens apoiavam-se na seringa que tinha a altura um pouco maior que a delas. A matéria mostrava um remédio milagroso que auxilia na perda de peso. Porém, sua verdadeira função é para ajudar o metabolismo do diabético. Ao examinar, Eugênio diz: “Ah, sim! Aqui sim podemos ter um problema ético. Aqui se corre um risco grave, pois o leitor pode olhar para isso e dizer 'é propaganda!'. Ele pode achar que o laboratório comprou a revista e que estão querendo agradar o laboratório. Isso é cicuta (uma espécie de veneno)!”, revela Para finalizar, foi colocado à mesa a

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capa da revista Playboy, edição 433 de aniversário com Adriane Galisteu, publicada em agosto de 2011. Em uma das chamadas, lia-se: “Entrevista Sandy 'É possível ter prazer anal'”. Ao ver a revista, Eugênio Bucci reagiu com pasmar perguntando: “Mas qual é o problema com sexo anal?”. Esclarecida a questão de que o problema não era o sexo anal, mas sim a frase fora de contexto, uma vez que na íntegra percebe-se que a entrevistada foi induzida a falar sobre o assunto, mas de maneira geral, não de maneira pessoal. Porém, o corte dessa exata frase remete a uma conotação de vida particular. É questionado: - Mas isso não fica fora de contexto? Não temos um problema ético de manipulação? Responde prontamente: - Claro que não! Ela disse aquilo mesmo e não está fora de contexto não! – Defende de maneira convicta. Frequentemente, Eugênio participa de programas de televisão como o bservatório da Imprensa, transmitido pela TV Brasil, para debater 'ética', assunto que em sua visão tem total relevância. Segundo ele, a base ética para o jornalismo consiste em liberdade e verdade. “O primeiro dever do jornalista é a liberdade e a base é não mentir. Só que esse não mentir significa procurar comunicar o que de fato se passa com base nas habilidades comuns de uma pessoa normal, e não levar o outro a pensar algo que sei que não é verdadeiro. Eu posso cometer um engano, mas é fundamental que eu acredite que não seja engano. Acho que nesse sentido a intenção do jornalista é fundamental. Então, eu diria que o primeiro dever do jornalista é a liberdade, porque a sociedade tem esse direito”, defende. Para o professor Muniz Sodré, da escola de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “as discussões de Bucci são importantes academicamente porque ajudam a definir o que é jornalismo”. Porém, no dia a dia dos profissionais essa discussão fica em segundo plano, pois é considerada quase uma utopia, aponta Sodré. Endossando o time de acadêmicos que acreditam na relevância do trabalho exercido por Eugênio, está Adilson Citelle, mestre em letras e professor de Comunicação e Artes da USP. Em seu entendimento, o ponto fundamental do trabalho de Bucci está em não comprometer a qualidade da informação. “Ele está muito

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preocupado com a qualidade, a veracidade e a procedência da informação. A preocupação central dele é sempre essa, da relação jornalismo, circulação da informação e qualidade pública dessa informação. Essa triangulação é o que você encontra basicamente em suas obras e que vão se desdobrando em outros temas ou em questões emergenciais. Por isso, seus livros são adotados em cursos superiores, em pós- graduação e funcionam como material bibliográfico para ingresso em concursos. Essas obras são relevantes porque problematizam o dia-a-dia do profissional que trabalha com comunicação. Inclusive essas mídias mais recentes, como as digitais. Cremilda Medina, também escritora sobre a ética na imprensa e professora da ECA (USP), compreende a importância das discussões que Eugênio aborda em seus livros. Desde 1979 a professora aborda a questão ética e a responsabilidade social do jornalista. “Eu encontro essa afinidade com o trabalho prático e teórico do Eugênio. Eu o valorizo muito porque o Eugênio produz um enraizamento da bibliografia nacional nos desafios da nossa sociedade do hemisfério sul, assim não ficamos na dependência exclusiva de autores e obras do hemisfério norte”, afirma. Tanto admira sua obra que chegou a convidá-lo para um seminário organizado por ela em março de 2010. Posteriormente, o livro “Liberdade de Expressão, Direito à Informação nas Sociedades Latino-americanas” foi lançado com o conteúdo do seminário na íntegra. Nesse encontro, além de Cremilda e Eugênio, Demétrio Magnoli e Alberto Dines também estavam presentes. Dines, aliás, é o grande inspirador de Bucci. “Acho que o Alberto Dines é a grande influência para despertar minha vocação. Eu me lembro de sempre acompanhar sua coluna chamada O jornal dos Jornais, muito importante para mim”, destaca Eugênio Bucci agitado por falar de seus 'ídolos'. Além de Dines, Joelmir Betting e Tarso de Castro também foram nomes que influenciaram sua formação. ara o sogro Dalmo Dallari, Eugenio não é o tipo do intelectual que se perde no plano abstrato ou no plano da teoria. Ele conhece teorias políticas, jurídicas e naturalmente, as teorias do jornalismo. Mas ele não é o teórico abstrato, desligado da realidade. Essa é uma característica de seus escritos. Com esse pensamento, Luis Milanesi faz um complemento. “O Eugênio não é só uma pessoa de ideias, ele também

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as coloca de uma maneira agradável, única. Ao contrário de grande parte de cientistas sociais da USP. Muitos são impenetráveis. Agora dele, não existe ideia que você não absorva”. Sobre o fato de não ter seguido a carreira jurídica, Dalmo Dallari é categórico. “Eugênio não é um advogado frustrado, de maneira alguma. Ele reconhece que é muito útil o conhecimento jurídico e não tenho dúvida de que ele é essencialmente jornalista. Ele seguiu o jornalismo por opção, essa foi sua escolha”. E reforça que Bucci não é um sonhador, mas que simplesmente acredita que o seu bom trabalho pode produzir bons feitos. o final dos anos 80 Eugênio Bucci teve a oportunidade de trabalhar no jornal Folha de S.Paulo, ao lado de André Vitor Singer, de quem se tornou bastante próximo. Os caminhos, quase sempre bem paralelos, os levaram na maior parte do tempo ao mesmo destino. “É curioso porque fomos fazendo as coisas ao mesmo tempo sem combinar. Como o fato de termos ido para Brasília. Fomos e vo l t a m o s j u n t o s ; e n e m f o i combinado. Viemos para a USP. Estivemos juntos antes na Abril... Mas aí é justo dizer que foi a convite mesmo dele. Também tivemos grandes momentos no PT. Foi bem engraçado porque chegou uma época em que as pessoas nos confundiam:' Ah, você é o Eugênio... Ah não, é o André'. Então começamos a brincar que poderíamos passar um pelo outro tranquilamente”, conta André ao se recordar dos momentos de convivência com o parceiro de partido, enquanto olhava atentamente ao relógio de sua sala, na Universidade de São Paulo, onde coincidentemente Bucci também leciona. “Acho que o que ele diz, escreve e pensa, está diretamente refletido no que ele faz. Ele não só fala, mas vive também o que acredita. Claro que, sem dúvida, há uma enorme preocupação da parte dele de tornar coerentes os princípios que ele evoca”, complementa André Singer, em um dos poucos momentos que realmente se manifesta, pois durante toda a entrevista manteve um ar político e neutro perante todas as questões. Um dos contestadores de Bucci, Reinaldo Azevedo, foi procurado pela reportagem para esclarecer o artigo por ele produzido e intitulado 'Eugênio Bucci e a Mulher de César', publicado em fevereiro de 2010 em seu blog, no qual o critica por fazer um

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jornalismo partidário a favor do PT. Ele preferiu não se manifestar enviando a seguinte mensagem: “Não tenho nada a acrescentar sobre o objeto de estudo de vocês”. Porém, em sua defesa, sai o ex-aluno Rodrigo Savazoni que, em sua forma de entender o fato, o ex-professor não faz concessões para obter benefícios. “O Eugênio sempre foi um cara muito íntegro e tem uma coisa que eu jamais desconfio que é a sua honestidade intelectual. Se assume uma posição, é porque acredita nisso”, justifica. icolino Spina, parceiro de Eugênio também na época da Editora Abril, diz que essa ética que tanto apregoa está presente no cotidiano profissional. “Em cada reunião com o grupo de negócios ele deixava sempre clara a necessidade da separação Igreja versus Estado nas decisões ou recomendações”. Por onde passou, os entrevistados não têm dúvidas: Eugênio deixou suas marcas. Na Playboy, por exemplo, Ricardo Castilho salienta que Bucci é um jornalista político, de seriedade, mas também de humor fino. “Era uma pessoa que apesar de ter um viés cultural era muito divertida. Aprendi bastante com ele, que não tinha muito aquela coisa sisuda”. Na redação da Teoria & Debate, revista de teor esquerdista, deixou também algumas heranças editoriais. Boas perguntas e curiosidade são acertos que, segundo Rose Spina, ainda redatora da publicação petista, o fazem contestador. “Ele é provocador, mas no sentido de suscitar debates. Mexe em assuntos que são tabus. Acho que essa é uma boa característica para defini-lo. Uma das ousadias deixadas na revista foi discutir o socialismo na época que a revista foi criada. E discutir, por exemplo, democracia em Cuba”, explica enquanto busca em meio ao monte de publicações a edição mencionada. Thomaz Souto Correa também destaca algumas características do lado profissional como a curiosidade. “Você não pode ser jornalista se não for curioso. O Eugênio tem uma curiosidade permanente. A revista Set e a Ação Games eram bem feitas e bem editadas porque havia alguém trabalhando para entregá-las de maneira clara. Ele é um bom revisteiro, que sabe como organizar e estruturar uma publicação”, completa. Na vida pessoal, Celso Nucci Filho revela que além de ser extremamente dedicado às amizades, é também bastante fiel. “É um sujeito bom de lidar. Tem momentos de exasperação;

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tem momentos que sai a flecha negra da ira, mas imediatamente corrige isso. É um sujeito com quem vale a pena conviver”, afirma enquanto alisa seu gato. Neste momento, Marília Scalzo, sua esposa, é direta: “para mim o que chama a atenção é o sotaque de Orlândia. Com certeza essa é a característica mais marcante que faz com que Eugênio seja diferente”, brinca entre risos. Marília também pôde conviver com Bucci no grupo dos Civita. Em contrapartida, Rodrigo Savazoni acredita que, anteriormente, Eugênio conseguia fazer uma discussão mais ampla sobre a mídia. “Eu não gosto das angulações que ele escolheu para fazer as coisas dele hoje em dia, porque parece que segmentou demais seu ângulo de análise, pois voltou-se especificamente a debater os ônus gerados por uma tentativa de controle da mídia em relação à imprensa livre”, comenta, exaltando o fato de que na verdade essa é uma discussão mais ampla, dialética e complexa. uanto aos defeitos, ninguém melhor do que o próprio Eugênio para listar tudo aquilo que o incomoda. “Eu vejo um monte de defeitos. Para começar, acho que muitas vezes criei situações de impasse ou confronto, justamente por ser impaciente. Por ser inflexível, tem questões que acho que sou duro demais, comigo e com as pessoas.

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Também tendo a ser vaidoso com minhas ideias, quero ser o autor das coisas. Preciso aprender certo desapego, porque esse também é um dos meus defeitos. Sou daquele tipo de cara que marcha com pé trocado e acha que o exército inteiro está errado. Tenho teoria e explicação sobre tudo, muitas vezes me isolei e fique completamente sozinho, por um pouco de arrogância. Eu tenho uma vinculação com minhas ideias que é quase visceral, e às vezes escorrega para certo fundamentalismo”, conclui. o ponto de vista profissional revela que sua trajetória está repleta de erros. “Eu não me arrependo de nada disso. Mas se me perguntam se o jornalista deve ter envolvimento político eu vou dizer que não. Não deve ter envolvimento partidário, nem com organização religiosa ou ONGs que tentam interferir no debate publico. Nada de errado com os partidos, com as igrejas, com as ONGs, mas o jornalismo fica melhor, ganha mais relevância, mais credibilidade e influencia mais quando ele toma o cuidado de não se comprometer com outras bandeiras. Então eu digo isso, mas ao mesmo tempo meu passado é a negação disso. Outro ponto são os poemas. Se você me perguntar se isso é bom para um jornalista, eu tenho certeza que não é. Jornalista tem que

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contar as coisas que acontecem, lida com fatos. Poesia é uma coisa de desocupados, é assim que é visto. Ou é uma coisa de vaidosos, caras que escrevem sonetos aí, para o pessoal achar bonito e tal. Outro detalhe foi na minha entrada na Abril.Quando eu cheguei lá achei que era a chance da minha vida. Mas sai depois para trabalhar com o Caio Gracco Prado. Eu não me arrependo não. Do ponto de vista de carreira foi um erro. Mas do ponto de vista de vida não foi. A minha carreira é cheia de erros. Se você quer saber uma coisa que os jornalistas não devem fazer veja as coisas que eu fiz. Por exemplo, sair da Veja depois de um ano. Nunca deveriam ter me deixado sair, deveriam ter me amarrado no pé da mesa. E trabalhar no governo, nunca deve fazer isso. Eu cometi um monte de erros”, revela em tom de advertência aos novatos na profissão. o interior paulista à chegada a uma grande metrópole e uma parada em Brasília, Eugênio Bucci viveu várias fases e tornou-se nome de relevância quando o assunto em questão é ética e imprensa. Apesar da passagem dos anos, Eugênio deixou Orlândia, mas Orlândia não o deixou, e esse é um de seus maiores orgulhos. Certa vez, assistindo a uma programa de TV e discorrendo sobre a obra de Mazaroppi, Bucci disse o seguinte: 'faço questão de contar que sou fã de Mazaroppi e caipira do interior. Assumo isso, afinal só moro em São Paulo porque minha profissão não permite que eu more em Orlândia. Sou caipira e pronto, gosto de ser assim e vou ser a vida inteira”, recorda Carlucho, o amigo de Orlândia, cidade onde seu pai ainda vive e frequentemente volta para viajar ao passado.

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