ideias O b s e r va d o r da ec o n o m ia
No período entre 2011 e 2020, o Brasil, um país subdesenvolvido, avançará pouco ou nada. Por que ficamos parados no tempo e como escapar da armadilha
O BSERVAD O R DA EC O N O MIA
Graziele Oliveira
a história e na memória de muitos brasileiros, os anos 1980 ficaram registrados como a década perdida. Após o período do milagre econômico e um ano de crescimento espetacular, 1980, o Brasil entrou numa fase dramática de estagnação social e econômica. A tristeza daquele momento podia ser observada na falta de expectativas dos cidadãos: o sonho típico do jovem brasileiro instruído e de classe média era deixar o país. Pois aconteceu de novo. Após outro período de robusto crescimento, desta vez com progresso social, e outro ano redondo de crescimento espetacular, 2010, caímos na mesma armadilha de que parecíamos ter escapado. O ano que termina dá sinais claros de que estamos, novamente, no meio de uma década perdida. As projeções, mesmo as mais otimistas, indicam que o brasileiro chegará a 2020 mais pobre do que estava em 2011. A renda não conseguirá vencer a inflação, nem a produção conseguirá superar a pobreza. Haverá como escapar, de novo, da armadilha?
O PIB per capita é um indicador fundamental de desenvolvimento. O do Brasil disparou nos anos 2000. Nesta década, voltará a cair PIB per capita em US$
13,2 2011
11,6 2014
9,7 2020
(1) De 2015 em diante, projeções Fonte: FMI, com tabulação de Roberto Luis Troster
58 I época I 21 de dezembro de 2015
8,1(1) 2016
A resposta que a presidente Dilma Rousseff deu a essa pergunta, na semana passada, foi a substituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no Ministério da Fazenda. Ao longo do ano de 2015, Barbosa manteve uma disputa surda com Levy dentro da área econômica do governo. O último capítulo dessa disputa se deu em torno do valor que o setor público brasileiro se propõe a poupar em 2016 – a recomendação dos economistas era 2% do Produto Interno Bruto (PIB), dada a situação de caos da dívida pública brasileira. Joaquim Levy propôs um valor bem mais tímido, 0,7%. Barbosa queria poupar ainda menos, 0,5% – e foi sua opinião que prevaleceu. Numa situação em que os principais problemas do país – inflação, desemprego, falta de confiança dos investidores – decorrem do excesso de gastos públicos, Nelson Barbosa é o nome certo para a Fazenda? Por esse episódio, e por seu retrospecto
(leia mais em Personagem da Semana, na página 23), há dúvidas. A nomeação de Barbosa se deu numa semana recheada de notícias ruins na economia.Uma segunda grande agência global de classificação de risco, a Fitch, tirou do Brasil o selo de destino seguro para empréstimos, o “grau de investimento”. Ao menos 18 grandes empresas brasileiras foram rebaixadas na mesma leva, incluindo Bradesco, Itaú e Petrobras. A terceira grande agência, a Moody’s, é a única a ainda manter o “grau de investimento”, mas é questão de tempo para que o país perca essa nota. Para coroar o momento tenebroso, o banco central dos Estados Unidos, o Fed, a fim de conter uma inflação nascente, começou a elevar os juros no país, após nove anos de taxas estáveis ou em baixa. Isso atrai dólares para lá. As novidades ruins significam menos dinheiro disponível no Brasil, ou seja, menos negócios, menos investimen-
to e menos empregos. A situação é séria a ponto de ninguém esperar reversão em menos de dois anos. “O Brasil dá sinais de fraqueza e piora do ambiente econômico desde 2012 e não vejo chance de recuperação antes de 2019”, afirma Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria e ex-presidente do Banco Central. “Vamos passar aí quase uma década com crescimento muito baixo.” Antever uma década perdida deixou de ser vaticínio pessimista. Mesmo que o país volte a crescer nos anos à frente e se encontre num bom momento ao fechar a década – o que é perfeitamente possível –, deveremos chegar a 2020 em condições econômicas e sociais parecidas com as de 2011 (leia nos gráficos). Juros e inflação, no Brasil, mantêm-se em níveis muito acima dos razoáveis para o mundo desenvolvido. No fim da década, continuarão assim. Um dos indicadores mais fundamentais de desenvolvi-
mento é o PIB (Produto Interno Bruto) per capita, ou a produção total do país dividida por seu número de habitantes. Não se trata de um indicador perfeito, mas dá uma ideia bem razoável do nível de bem-estar da população. Nos bons anos 2000, o PIB per capita brasileiro, em dólar, avançou da casa dos US$ 3 mil para mais de US$ 10 mil. Nos anos à frente, esse indicador rolará ladeira abaixo. “O assalariado ganha hoje 35% menos que no início do primeiro mandato da presidente Dilma”, diz o consultor Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Numa projeção com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), Troster afirma que um cenário ruim, porém realista, é que o país volte a crescer em ritmo forte e sustentável, acima dos 3% ao ano por anos seguidos, somente em 2024. É difícil o país reduzir seus níveis de pobreza com crescimento inferior a s
Dilma Rousseff queria entrar para a história como a presidente que derrubou os juros. Eles continuarão a ser uma aberração global Taxa básica de juros em %
14,2 2015
14,6(1) 2016
11,5 2011
9,0 2020
7,2 2012
(1) De 2016 em diante, projeções Fontes: BC e Tendências
21 de dezembro de 2015 I época I 59
O BSERVAD O R DA EC O N O MIA
2,5% ao ano – a média de crescimento global, neste ano, será 3%. Crescer em ritmo forte daqui a cinco ou dez anos será, provavelmente, mais difícil para o Brasil, porque a população estará estável e envelhecendo. Por isso, a perda de uma década significa uma tragédia social (leia a reportagem na página 62). Podem-se ler variações do mesmo prognóstico ruim a respeito do Brasil em relatórios do FMI, das grandes consultorias e dos maiores bancos. Na avaliação do Bradesco, o PIB per capita recuará da casa dos US$ 13 mil para perto de US$ 10 mil ao longo da década. E o PIB crescerá, na média, 1,5% ao ano, abaixo do necessário para abrir postos de trabalho suficientes. “Não conseguimos ainda enxergar uma estabilização da economia”, afirma Ilan Goldfajn, economistachefe do Itaú Unibanco e ex-diretor de Política Econômica do Banco Central. Varia a forma de apresentar o problema. “Acho um exagero falar que já estamos no rumo de uma década perdida – embora os riscos de que isso aconteça não sejam pequenos”, afirma Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda. Mas o economista não deposita suas esperanças no futuro próximo. “O Brasil começou a viver, nos últimos dois anos, o que pode ser o mais longo período de baixo crescimento de sua história. Uma possível reversão só se dará a partir de 2019 e com uma renovação de lideranças”, diz. Num momento de mais sorte, o Brasil talvez pudesse contar com um puxão de forças externas, como uma forte expansão da economia dos Estados Unidos ou da China. Não há no horizonte sinal desse tipo de alento. O crescimento nos Estados Unidos deverá continuar tímido e o da China em desaceleração. A Argentina, sob o novo governo de Mauricio Macri, tem boas perspectivas. Mas demorará a resolver a própria crise e se tornar novamente um parceiro comercial promissor para o Brasil. O governo, usualmente fonte das projeções mais otimistas, reconhece obstáculos sérios no caminho. Levy afirmou que o Brasil retomará sua expansão no fim de 2016, contrariando a maioria das projeções do mercado, que aguardam esse fenômeno apenas em 2017. Mas admite que o país não está pronto para 60 I época I 21 de dezembro de 2015
Mesmo nas estimativas mais otimistas, a inflação seguirá na mesma faixa alta em que se mantém desde 2005 Inflação em %
10,5(1) 2015
6,5 2011
5,2(2) (1) Em 12 meses até novembro (2) A partir de 2016, projeções Fontes: IBGE e FMI, com tabulação de Roberto Luis Troster
sustentar esse crescimento. “Precisamos estar preparados para que daqui um ano, quando a economia voltar a crescer, a gente tenha enfrentado essas questões da oferta”, disse ele, em outubro. “Questões de oferta” significa conseguir gerar produtos e serviços em volume que atenda à demanda, sem que haja estrangulamentos de energia, estradas ou crédito. Corrigir ao menos alguns desses aspectos exige que o governo inspire confiança no mercado – algo que parece impossível neste momento. Muitas medidas para corrigir as distorções não exigem dinheiro. Simplificação de regras e um rumo claro poderiam fazer muito para facilitar a abertura de empresas, atrair capital externo e incentivar a oferta de crédito privado de longo prazo no país. Mas nada disso está sendo feito. Com as crises econômica e política alimentando uma à outra, nada indica que essas peças,
2017
4,6(2) 2020
fundamentais para o desenvolvimento, estarão no lugar, à espera do crescimento, venha ele em 2016 ou 2017. Diante de uma década perdida, o que fazer? Por mais desanimador que soe o prognóstico de médio prazo, deve-se lembrar de que o crescimento e o desenvolvimento não serão retomados por simples gravidade, nem no longo prazo, nem nunca. Não há lei cósmica a empurrar sociedades no rumo da prosperidade. Se os brasileiros quiserem que a próxima década seja diferente da atual, será necessário construir as condições para que isso ocorra. Parte do avanço talvez esteja no nascedouro. Se chegarmos à próxima eleição presidencial com corruptos mais receosos de roubar e candidatos mais receosos de mentir, estaremos no rumo certo. u Com Paula Soprana e Marcos Coronato
o b s e r va d o r d a e c o n o m i a
Ajustar as contas públicas não é um luxo para agradar a grandes investidores. O ajuste fiscal é o programa social mais eficiente que o Brasil poderia fazer hoje Graziele Oliveira
Orçamento do governo federal para 2016 foi aprovado na quinta-feira da semana passada, sem cortes no Bolsa Família. O relator do Orçamento, deputado Ricardo Barros (PP-PR), integrante da base governista, havia proposto cortar R$ 10 bilhões do programa e tentar compensar a redução de verba com ganhos de eficiência e combate a fraudes. Não obteve apoio de seus colegas aliados do governo nem da oposição, e o Bolsa Família foi preservado. É uma boa notícia no combate à pobreza? Sim – mas tanto quanto a colocação de gaze sobre uma fratura exposta. A economia brasileira estrebucha, com inflação e desemprego em alta, em grande parte 62 I época I 21 de dezembro de 2015
por causa das contas públicas em estado caótico. E os pobres serão as maiores vítimas dessa pane. Só será possível consertar a fratura exposta com ajuste fiscal – neste momento, o programa social mais eficiente que o país poderia fazer. É importante que o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, tenha isso em mente (leia mais em Personagem da Semana, na página 23). Economistas liberais e social-democratas reconhecem a importância do Bolsa Família. Não se trata de minimizar seu impacto social. Mas a desconfiança generalizada de consumidores, investidores e empresários, provocada pela inépcia do governo federal, causará mais estrago social do que um progra-
ma consegue compensar. A taxa de desemprego começou 2015 em 7%, chega agora a 10% e deverá atingir 12% no fim de 2016, de acordo com a projeção do Itaú Unibanco. E a renda oriunda do trabalho, que agora falta, foi o maior fator de redução da pobreza no Brasil nos últimos anos, com mais peso que o Bolsa Família, como já demonstrou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um órgão do governo. “A queda do nível da atividade resulta em queda da renda do trabalho e aumento do desemprego. Certamente vamos parar de reduzir a pobreza e ela talvez volte a aumentar”, diz a economista Sonia Rocha, pesquisadora do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade s
o b s e r va d o r d a e c o n o m i a
(Iets). “Contemplando o que temos hoje, vamos passar aí oito anos com um PIB per capita quase estagnado”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. As perspectivas para 2016 já assustam, e há uma maldadezinha econômica a afetar também os anos posteriores. O emprego tende a ser o último indicador a piorar numa economia em crise e o último a melhorar numa economia em recuperação. Havia sinais claros de deterioração econômica no Brasil desde 2012, mas as demissões só dispararam no fim de 2014. O fenômeno inverso ocorrerá em algum momento nos anos à frente: a economia talvez volte a crescer em 2017, mas as contratações só voltarão a ocorrer em ritmo mais forte em algum momento posterior. Ainda assim, é difícil imaginar quando o desemprego voltará ao nível baixinho de 6,1% registrado em 2012. O efeito social do descalabro econômico já é perceptível. Em 2013, pela primeira vez em quase dez anos, a velocidade com que o país reduziu a pobreza caiu (leia o gráfico). As conquistas sociais do Brasil nos primeiros dez anos do século XXI, como o avanço no nível de escolaridade da população e a redução da pobreza e da desigualdade, foram notáveis. Entretanto, o país tem uma longa jornada pela frente até que esses indicadores alcancem níveis civilizados. Não era o momento certo para interromper o avanço. No pior cenário, isso pode jogar gerações futuras de volta na armadilha da pobreza. “Não vamos retomar o ritmo de melhorias em menos de cinco anos. Numa hipótese ruim, podemos demorar dez anos”, afirma Sonia, do Iets. Um importante termômetro de avanço e retrocesso social no Brasil é a Região Nordeste, onde há mais pobreza. Até 2013, em ritmos variados, o Nordeste superava a média brasileira em crescimento do PIB e da renda média, e em redução do analfabetismo e da pobreza. Era uma situação benigna, a fim de reduzir a desigualdade geográfica e os bolsões de miséria. Esses avanços não seguirão na mesma velocidade nos próximos anos. Um estudo da consultoria 64 I época I 21 de dezembro de 2015
A queda do desemprego foi o maior fator de redução da pobreza nos anos 2000. Agora, o quadro piora Taxa de desemprego em %
8,9(1) 2017
6,0
6,8(1)
2011
2020
4,8 2014
A ascensão de brasileiros para fora da pobreza será interrompida por causa da crise econômica Queda da pobreza em pontos percentuais da população
3,4
0,6 2011
2013
(1) Projeção Fonte: IBGE com tabulação de Sonia Rocha/IETS
Datamétrica indica que o crescimento anual do PIB per capita no Nordeste ficará em 0,7% ao ano entre 2010 e 2020. O ritmo é muito inferior aos 3,3% da década anterior e muito aquém do necessário para reduzir a miséria. “Será uma década de estagnação, em que haverá pouca redução das disparidades regionais”, diz o economista Alexandre Rands, presidente da Datamétrica. Rands evita classificar o período como uma década perdida, por acreditar que há em curso transformações importantes na região, como melhorias na gestão das empresas e na qualificação dos profissionais. As mudanças, espera ele, deverão permitir crescimento mais forte quando o país sair da crise. “A região não vai regredir ao que era anteriormente, mas vai hibernar. Quando o Brasil voltar a crescer, a região também voltará, sobre outras bases”, diz. A crise, por mais trágica que seja, permitirá análises úteis para que o país enfrente suas piores chagas. O pesquisador Renato Meirelles, presidente do instituto de pesquisas Data Popular, acredita que parte importante da população mais pobre conseguirá se defender melhor da crise econômica. Isso ocorrerá, na opinião do especialista, por causa do maior nível de educação. Um cidadão escolarizado, ainda que sua situação financeira sofra pioras drásticas, consegue reagir melhor ao novo cenário. É mais difícil que ele caia de volta na pobreza. A educação abre portas para novos empregos e para iniciativas empreendedoras. “O grande desafio para que o Brasil volte a crescer é dar condições para as pessoas de menor renda seguir avançando”, diz Meirelles. “Essa preocupação é encarada com pouca seriedade no debate político. Os políticos deveriam ficar atentos, porque isso os afasta da sociedade”, diz o especialista. A crise atual não é transitória. Há fatores estruturais a impedir que os brasileiros produzam com eficiência, diante dos padrões globais. Seria ingênuo imaginar que o combate eficiente à pobreza possa ser feito apenas com programas sociais, enquanto o país espera que a crise se vá. Ajustar as contas do governo, conter a inflação e facilitar a realização de negócios devem ser causas de todo cidadão que queira viver num u país com mais justiça social.