Engenho e Arte - Março 2021 / 1º aniversário

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2020 2021 1º ANIVERSÁRIO ENGENHO & ARTE Nº1

MARÇO 2021 1


FICHA TÉCNICA Diretor: Joaquim Almeida Diretor executivo: Ricardo Monteiro Autores: Joaquim Almeida / Ricardo Monteiro / João Correia Gomes / Mário Baleizão Jr / Nuno Poitout / João Manuel Correia / Ana Luiza Oliveira / Edgar Carrolo / Sérgio Fonseca / João Basto / Henrique Fernandes / Rogério Madeira / Ricardo Rodrigues Gomes / Francisco Jácome Sarmento / Ricardo Caetano / Helena M. Ramos / José Pedro Ferreira / João do Rego Gonçalves / Ana Relvas / João Damásio / Fernando Henrique dos Santos / Gabriel Araújo / Carlos Garcia engenhoearte.info@gmail.com 2


EDITORIAL “E AQUELES, QUE POR OBRAS VALEROSAS SE VÃO DA LEI DA MORTE LIBERTANDO; CANTANDO ESPALHAREI POR TODA PARTE, SE A TANTO ME AJUDAR O ENGENHO E ARTE.” IN LUSÍADAS, LUÍS VAZ DE CAMÕES Acreditamos que a Engenharia é o motor da evolução da nossa sociedade e o binómio com a Arte eleva o nível e o prazer, na procura das melhores soluções para a nossa vida. A Engenharia é a base não só das infraestruturas que suportam a nossa vida (casas, escritórios, fábricas, estradas, ferrovias, redes de água, esgotos, eletricidade, gás, telecomunicações, etc) como também de todos outros equipamentos que suportam a evolução da medicina, formação, comunicação, produção, transformação, lazer, etc. Sem Engenho o mundo não estaria em constante evolução. A nossa revista teve a sua semente em Abril de 2019. Teve o seu primeiro ensaio em 8 de maio de 2019, com um artigo “CONSTRUÇÃO PRÉFABRICADA PARA HABITAÇÕES INDIVIDUAIS”, que permitiu começar a desenvolver o formato da revista em versão beta, ainda sem passar a estar acessível On Line. Ainda em Maio de 2019, entra nesta aventura o meu colega Ricardo Monteiro, que aceita este desafio de montar a estrutura necessária para a revista On-Line. Após alguns ensaios de soluções sobre o formato da revista, a 2 de Dezembro de 2019, inicia-se a execução experimental de vários artigos enquadrados nos temas da revista.

2020, já em plena pandemia, com o João Correia Gomes e o Mário Baleizão, com os artigos “A Engenharia é a Atividade de Base na Sociedade do Século XXI” e “Novo Aeroporto Montijo e Alcochete”, respetivamente. Como esta revista só é possível com a participação de Autores que queiram partilhar com o mundo o seu conhecimento e opinião, é nesta data que realmente ela nasceu. Assim, em termos formais, fazemos o nosso 1º aniversário nesta data de 10 de Março de 2021. Muitos autores têm contribuído para a nossa revistas, alguns muito assíduos, outros mais esporádicos, e no ano de 2020, para sempre recordado pelo ano do Covid-19 que nos preencheu muito a vida, terminámos com 246 artigos OnLine e aproximadamente 60.000 leituras. Parabéns a todos que contribuíram para este sucesso e o nosso profundo agradecimento. Joaquim Almeida, Director

A 24 de Fevereiro de 2020, decido fazer um primeiro artigo de Autor “Engenharia Portuguesa Quo Vadis?” e em conjunto com o Ricardo Monteiro intensifica-se os contactos com possíveis interessados em participar na revista, enquanto Autores, tendo as primeiras participações começado em 10 de Março de 3


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ÍNDICE

6 17 23 30 ENGENHARIA

ARTE & ARQUITETURA

Vítor Cóias: Reabilitar Tomás Taveira e o Pós-Modernismo 18 o património edificado é Isolamento de Edifícios sustentabilidade 7 21

Segadães Tavares Prémio Carreira 2019 (Parte 2) 13

INFORMÁTICA & TELECOM

INDÚSTRIA & NEGÓCIO

O papel do computador na engenharia 24

Como construir bem, a começar nas fundações 31

Computação Quântica - o fim dos computadores clássicos? 27

Portugal e Espanha disputam para ser a bateria da Europa 36

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INOVAÇÃO & SUSTENTABILIDADE

SMART CITIES & MOBILIDADE

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68

Avaliação do potencial micro-hidríco 41

A culpa não morre solteira 59

O mapa de John Snow 69

Construção tradicional? Adeus! 53

Será o hidrogénio o futuro energético da humanidade? 63

O segredo do alto desempenho 72

76 OPINIÃO & TRENDS

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90

Plano de negócio imobiliário 77

Obras de túneis imersos 83

A Geometria Descritivia nos cursos de Engenharia Civil 80

O prédio de madeira mais alto de França 87

A Engenharia por trás da maior ponte pedonal do mundo 91

A importância estratégica do Alqueva 57

PROJETOS & OBRAS

CIÊNCIA & SAÚDE

ENTREVISTA

A OET abre o diálogo para uma futura fusão com a OE 101

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ENGENHARIA

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ENGENHARIA

VÍTOR CÓIAS: REABILITAR O PATRIMÓNIO EDIFICADO É SUSTENTABILIDADE POR JOAQUIM ALMEIDA A sua recente Medalha Richard Driehaus é o fruto de uma dedicação na procura de soluções para preservar em vez de demolir, porquê esta escolha e a partir de quando a tomou na sua carreira profissional? Durante os anos, na década de setenta, em que trabalhei como diretor de estudos de dois grandes empreiteiros, as Construções Técnicas, em Angola e a Engil, depois da independência daquela nossa antiga colónia, achei que lidar com os problemas apresentados pelas construções existentes, normalmente de betão armado, era mais interessante do que projetar novas estruturas. Por isso, quando em 1980 fundei a Stap, decidi que, em vez de me dedicar à construção “pura e dura”, me iria concentrar numa atividade de caráter inovador: reparar, reforçar e reabilitar as estruturas existentes.

o conhecimento da história das construções e da história da engenharia civil, é imprescindível para se ser um bom engenheiro civil no presente. Infelizmente tais disciplinas estavam ausentes.

Por outro lado, no início dos anos oitenta, tive vários contactos com a Liga para a Proteção da Natureza, a mais antiga associação ambientalista de Portugal, fiz parte durante algum tempo dos corpos sociais e fui percebendo a frequência com que o património natural e a paisagem ficavam a perder com os empreendimentos de construção, grandes e pequenos.

Nessa altura, estávamos já em pleno reinado do betão armado, uma tecnologia construtiva introduzida em Portugal no virar do século, de cuja consagração o próprio complexo de edifícios do Alameda era uma dos marcos mais emblemáticos. Isto para concluir que não se pode ser um engenheiro civil no presente, sem conhecer a história da construção e a história da engenharia civil.

Considera-se um homem da engenharia do passado ou do futuro da engenharia?

Quanto ao futuro… Qualquer engenheiro que tenha consciência das rápidas alterações que a atividade humana está a provocar nas condições de vida no Planeta sabe que o futuro da engenharia vai ser trabalhar para corrigir os erros cometidos pelas economias baseadas na exploração desenfreada dos recursos naturais e desenvolver os métodos de produção que sirvam de base modelos de crescimento económico sustentáveis.

A minha curiosidade pelas construções antigas conduziu, como é lógico, ao interesse pela história da construção e, por essa via, à história da engenharia. A certa altura, neste percurso, comecei a notar uma lacuna importante do curso de Engenharia Civil que frequentei no IST nos anos sessenta. Estas disciplinas, ou seja,

Como engenheiro civil, o meu pequeno contributo 7


EXCLUSIVO terá sido promover a reabilitação das construções existentes de modo a prolongar a sua vida útil, assim evitando artificializar mais território e o consumo de mais materiais e mais energia. No futuro, quando avaliarem a viabilidade de um projeto, os engenheiros e os economistas têm de entrar em conta com a fase final, ou seja, o descomissionamento desse projeto e os respectivos custos. Não podem varrer esses custos para debaixo do tapete das “externalidades”, ou seja, ignorar o ónus que é deixado a quem vem a seguir. Ainda falando em passado, sei que fez parte das Construções Técnicas, essa que foi uma grande escola para muitos engenheiros aprenderem o que não se ensinava nas universidades, o que acha dessa formação “hands on” que as universidades têm dificuldade em integrar no seu ensino? A formação “hands on” era também uma lacuna importante do curso de civil nos anos sessenta, que só era colmatada por quem fosse capaz de sair da “zona de conforto” e tivesse a sorte de arranjar um estágio em obra, durante as férias. As Construções Técnicas estavam em grande atividade nos anos sessenta e, como aluno do Técnico, tive a ocasião de participar em visitas de estudo a algumas das obras. O Eng.º Henrique Leitão, que foi também um grande empresário, conseguiu reunir uma excelente equipa de engenheiros, quer do IST quer da FEUP, e a partir de contactos com congéneres estrangeiras, trouxe para Portugal tecnologias avançadas de engenharia de fundações e de construção em altura. Tive o privilégio de o conhecer pessoalmente e de trabalhar para ele na Delegação da empresa em Luanda, no início dos anos setenta. Além de engenheiro e empresário de grande visão, era também um verdadeiro “gentleman”. 8

“A FORMAÇÃO HANDS ON ERA TAMBÉM UMA LACUNA IMPORTANTE DO CURSO DE CIVIL NOS ANOS 60, QUE SÓ ERA COLMATADA POR QUEM FOSSE CAPAZ DE SAIR DA ZONA DE CONFORTO” Apesar das suas funções terem sido em grande parte de carácter técnico no sentido de concepção, cálculo, investigação, fê-lo em grande parte em empresas de construção. Acha que as empresas de construção têm de ter


ENGENHARIA O que acha do aproveitamento imobiliário das zonas históricas de cidades como Lisboa e Porto e a consequência disto no desenvolvimento de uma prática de reabilitação do edificado existente? As pressões do turismo e do imobiliário provocaram um forte agravamento dos preços da habitação, sobretudo em Lisboa e no Porto. Em resultado, estas duas cidades perderam dezenas de milhares de moradores. Os Censos de 2021 revelarão certamente essas perdas. Verificou-se um processo maciço de “gentrificação” ou elitização, que se traduziu no frequente despejo dos moradores originais, em parte substituídos por pessoas mais endinheiradas ou por turistas. O rápido aumento das rendas, colocou as casas nas zonas históricas fora do alcance dos cidadãos nacionais, em particular dos das faixas mais jovens, que foram empurrados para os dormitórios suburbanos, num processo particularmente penoso para os estratos sociais mais vulneráveis. Além do grande impacto sobre os moradores, a proliferação de alojamentos locais e de hotéis resultante do crescimento do turismo low-cost, alterou o caráter e a “atmosfera” dos centros e bairros históricos, desvalorizando-os enquanto património cultural, aos olhos dos próprios visitantes que pretendem atrair. Este processo está presentemente em reversão, mas muitos dos seus efeitos são irreversíveis, como é o caso dos empreendimentos dissonantes da envolvente urbana e desenquadrados da textura histórica consolidada, assinados por “arquitetos-estrela”. São exemplos casos como o da construção dum hotel de grande porte na frágil encosta da Gandarinha, em Sintra, em plena zona de paisagem protegida, ou o da construção duma “torre-restaurante” ao lado da estação de São Bento, em pleno centro histórico do Porto. O último relatório da UNESCO incluiu estes dois casos na lista do património mundial em risco, juntamente com a construção de um outro hotel num

dos claustros do Mosteiro de Alcobaça. Acha por exemplo que a reabilitação dos edifícios da Baixa Pombalina têm sido feita tecnicamente dentro das melhores práticas nesta matéria? Acho que não. Embora o Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina contenha um conjunto de disposições nesse sentido, na prática a câmara não controla o que se passa no interior dos edifícios. De acordo com o RMUEL, na apreciação de pedido de licenciamento, comunicação prévia ou autorização de utilização, os técnicos municipais não têm de se pronunciar sobre matérias respeitantes ao interior dos edifícios. Tais matérias consideram-se salvaguardas através dos termos de responsabilidade assinados pelos técnicos responsáveis pelos projetos e pela direção das obras. Por outro lado, para demolir elementos relevantes em termos patrimoniais, como, por exemplo, as caraterísticas estruturas de madeira, basta uma declaração dum engenheiro de que a sua reparação não é técnica ou economicamente viável. 9


EXCLUSIVO “VERIFICOU-SE UM PROCESSO MACIÇO DE GENTRIFICAÇÃO OU ELITIZAÇÃO, QUE SE TRADUZIU NO FREQUENTE DESPEJO DOS MORADORES ORIGINAIS, EM PARTE SUBSTITUÍDOS POR PESSOAS MAIS ENDINHEIRADAS OU POR TURISTAS. “ Concorda com a imposição de manter fachadas Pombalinas e construir tudo de novo no interior dos edifícios? Acha que uma estrutura de laje, viga e pilar de betão armado é uma boa solução para a reabilitação destes edifícios? Claro que não concordo. Essa é a solução mais fácil, dado o desconhecimento da maioria dos arquitetos, engenheiros e empreiteiros dos antigos materiais e processos de construção. Mas é uma solução mais onerosa em termos ambientais e que deita a perder o valor histórico-artístico dos edifícios antigos em geral e da Baixa Pombalina em particular. Além disso, em caso de sismo, o aumento da rigidez de um edifício, resultante do reforço com aço ou betão armado, pode agravar os danos nos restantes edifícios do mesmo quarteirão, porque nessa situação o quarteirão funciona como um todo. A solução que tenho proposto é proceder a um levantamento estrutural de todos os quarteirões e modelar o funcionamento estrutural de cada um deles em caso de sismo. Este estudo permitiria duas coisas: primeiro, referenciar deficiências estruturais ocultas e promover a sua correção; segundo, disponibilizar ao promotor de uma qualquer intervenção num quarteirão a modelação desse quarteirão, para o projetista poder avaliar o impacto das alterações nos restantes edifícios desse quarteirão. Sem esse conhecimento as sucessivas alterações são uma espécie de roleta russa. Em 2017 foi um dos sócios fundadores do GECoRPA, com objectivos muito ambiciosos na área da preservação do património edificado. Depois de tantos anos consegue afirmar que essa ambição foi atingida? 10

O GECoRPA, agora com novos corpos sociais, continua a perseguir três grandes objetivos: Promover a reabilitação do edificado como alternativa à construção nova, concorrendo, deste modo, para o desenvolvimento sustentável do País; Zelar pela qualidade das intervenções de reabilitação do edificado e do Património, através da divulgação das boas práticas e da formação especializada e da qualificação dos recursos humanos e das empresas; Contribuir para a melhoria do ordenamento e da regulação do setor da construção e para a mudança do seu papel na economia e na sociedade. Na realidade, destes três objetivos só o primeiro tem frutificado, nomeadamente através da abordagem “Reabilitar como Regra” da ex-Secretária de Estado da Habitação, Arq.ª Ana Pinho. No terreno, não há dúvida que, na última década, a reabilitação se generalizou, embora a forma como tem decorrido mereça reservas. Desde logo, grande parte das intervenções foi feita ao abrigo da dispensa de comunicação prévia, logo sem fiscalização, por pequenos empreiteiros de duvidosa qualificação; as intervenções dos grandes promotores imobiliários, por outro lado, não foram feitas com os moradores, mas em muitos casos contra os moradores, que foram obrigados a demandar as periferias.


ENGENHARIA Relativamente ao segundo e terceiro objetivos, e apesar dos esforços desenvolvidos, os resultados da ação do GECoRPA são praticamente nulos: Para além dos milhares de intervenções feitas em edifícios antigos ao arrepio do licenciamento e da fiscalização pelos municípios, sucedem-se os exemplos de intervenções de fachadismo, em que os edifícios são “completamente desmiolados” – para usar a expressão de um certo promotor imobiliário – e de demolições de edifícios antigos para construção de novos no seu lugar, muitas vezes dissonantes do tecido urbano circundante. Lisboa e o Porto estão povoados dos chamados “cabeçudos” e “monos”, não poucas vezes com a assinatura de “arquitetos-estrela”. Os alvarás são concedidos aos empreiteiros sem que eles tenham de fazer prova de possuir operários e quadros intermédios qualificados, logo não há estímulo para que os jovens escolham tais carreiras nem para que as entidades formadoras ofereçam formação neste setor. Ao contrário de outros países, em Portugal as principais profissões da construção não são regulamentadas, logo não há uma definição das competências que devem possuir nem da forma de as avaliar. Criaram-se situações absurdas como, por exemplo, o ajudante de cozinha ser uma profissão regulamentada, mas o carpinteiro não ser, ou do enólogo ser uma profissão regulamentada mas o encarregado-geral da construção não ser. O Decreto-Lei n.º 95/2019 foi um passo na direção certa, desde logo porque revogou o regime excecional de reabilitação urbana, e introduziu exigências no que respeita ao comportamento sísmico. No entanto, é pouco, e os resultados tardam em aparecer. Nas suas inúmeras funções e com o profundo conhecimento da engenharia e do mercado português, o que acha do futuro da engenharia civil em Portugal? Pelo caminho que as coisas levam, o futuro da engenharia civil em Portugal continuará, nos próximos anos, a ser “mais do mesmo”.

Reza-se pelo regresso em força da tríade Turismo/ Imobiliário/Construção em que governo, regiões e autarquias como Lisboa e Porto apostaram em pleno, pensando assim escapar às mudanças estruturais que há décadas fazem falta ao país. Durante a atual pandemia, só o parente pobre daquela tríade, a construção, tem visto o volume da produção crescer. Não tanto pelo investimento privado, mas sobretudo através do investimento público, mercê da estratégia expansionista adotada pela Comissão Europeia. As obras recomeçaram e continuam a bom ritmo, muitas delas envolvendo o Património Cultural Construído como sejam os casos que referi. Em Portugal, a engenharia civil está hoje inteiramente associada à construção “pura e dura” e ao poderoso lóbi do cimento, dos seus derivados e de outros produtos e serviços que dominam a fileira do setor, o que é uma degenerescência da própria natureza intrínseca da profissão: A engenharia civil surgiu para cuidar do bem-estar e da segurança das populações, não só das atuais, mas também das futuras. Tal enunciado remete imediatamente para 11


EXCLUSIVO noção de sustentabilidade. Um dos grandes problemas que se coloca neste contexto é o das alterações climáticas que, por falta duma reação coordenada e eficaz por parte das maiores economias do Planeta, se transformou entretanto na emergência climática. Num artigo recente na revista Ingenium, Viriato Soromenho Marques avisa que, por causa desse agravamento, os governos vão ter de dar prioridade às medidas de adaptação, muitas das quais vão envolver trabalhos importantes de engenharia civil. Outra área importante de atividade para os engenheiros do futuro próximo é a recuperação de locais afetados por instalações industriais desativadas (os brownfields), ou por urbanizações obsoletas (os greyfields), oo os rios afetados por barragens excedentárias, bem como de ecossistemas afetados pela atividade humana, como lagos, rios, estuários e segmentos da orla costeira. Além da história da construção e da engenharia civil, falta, no ensino da engenharia civil, uma visão mais solidária e mais holística.

Não das grandes empreitadas, onde os grandes empreiteiros portugueses estão em competição com os ainda maiores empreiteiros internacionais, nem procurando tirar partido da nossa mão-de-obra ser mais barata, onde estamos em competição com chineses, turcos, egípcios, etc.. Deverão antes capitalizando na especialização em áreas como a reabilitação estrutural e a conservação do Património, onde as empresas são geralmente mais pequenas e a mãode-obra é necessariamente muito qualificada. Para isso é preciso que os engenheiros mais jovens que estão nessas empresas “obriguem” os mais velhos a saírem da “zona de conforto”. Como é sabido, verifica-se em Portugal a situação peculiar de existirem duas associações profissionais que têm por objetivo defender os interesses dos engenheiros, não só civis, mas de vários outros ramos ou especialidades: a Ordem dos Engenheiros e a Ordem dos Engenheiros Técnicos. É uma situação absurda, que em nada contribui para a dignificação da classe. É, portanto, essencial que as duas organizações dialoguem e procurem chegar a acordo quanto aos atos de engenharia que devem ser da competência dos engenheiros e os que devem ser da competência dos engenheiros técnicos, tendo em conta os níveis do Quadro Nacional de Qualificações que correspondem a uns e quais os que correspondem aos outros. A alternativa é a fusão, pura e simples, das duas ordens numa só entidade que represente uns e outros, criando, dentro da “Nova Ordem”, a correspondência entre atos de engenharia e níveis de qualificação de engenheiros. E&A

As empresas do setor da construção repartem-se por quatro subsetores: Três tradicionais: as empresas de consultoria (projeto e fiscalização), as empresas fabricantes ou distribuidoras de materiais para a construção, as empresas executantes (empreiteiros e subempreiteiros) e um muito recente: as empresas de inspeções e ensaios. A maior parte destas empresas vive para o mercado interno. Falta às empresas nacionais o élan para se lançarem no mercado internacional. 12

“(...) É PRECISO QUE OS ENGENHEIROS MAIS JOVENS QUE ESTÃO NESSAS EMPRESAS “OBRIGUEM” OS MAIS VELHOS A SAÍREM DA ZONA DE CONFORTO.”


ENGENHARIA

SEGADÃES TAVARES PRÉMIO CARREIRA 2019 (PARTE 2) POR JOAQUIM ALMEIDA Esta entrevista é a 2ª parte. Pode ver a 1ª parte aqui O Engenheiro tem centenas de projetos. Nomeadamente a extensão da pista do Aeroporto da Madeira, com o qual recebeu um prêmio internacional*. O que é que esse projeto tem para merecer esse prémio? *(Prémio “ 2004 Outstanding Structure (OStrA) pela International Association for Bridge and Structural Engineering) Tem de perguntar a quem me premiou. Soube que tinha sido nomeado, mas ao princípio nem acreditei. Costumava ir muitas vezes a um restaurante onde um dia fui com uma namorada e lá encontrámos um cunhado dela que disse que eu tinha ganho um prémio internacional. Ele disse-me que a notícia tinha saído no jornal “O Diabo”. Eu fiquei admirado e até disse que esse jornal não tinha credibilidade para dar essa notícia, mas na verdade foram eles os primeiros na verdade a dar a notícia. Mais tarde acabei por receber um comunicado formal.

me convidou foi a Zagope-Andrade Gutierres por causa das fundações. As fundações eram no mar onde o Edgar tinha sugerido ao dono da obra. EnAquele projeto já tinha tido uma intervenção tretanto na obra estava previsto fazer um desdo Edgar Cardoso. Mas ele nunca tinha pro- baste da encosta e havia um problema que era jeto antes da obra. O projeto era feito na onde depositar essas terras. E eu disse porque obra pelos engenheiros do empreiteiro. O é que não fazemos as estacas num aterro com Edgar não era um grande engenheiro, era essas terras em vez de fazer as estacas no mar um homem de grande engenho. O Edgar e foi aí que comecei a “ganhar a obra” porque finos conceitos de estrutura tinha erros mui- cou muito mais barata. A solução em si tinha de to graves. Eu cheguei a colaborar algumas seguir passo a passo a conceção geral do Edvezes com ele porque ele pediu-me para gar. Não era disparatada, porque uma pista de resolver algumas coisas e ele sabia do meu aviação tem de ser muito mais rígida que uma valor. Tanto que o Edgar aceitou que eu fiz- ponte normal. Um avião a aterrar não pode ter viesse o projeto desta extensão da pista. “Ahh brações e as deformações têm de ser mínimas. se é o Segadães para mim então está bem…” Depois há um problema de construção e eu entro naquilo no que começa por ser um porque tínhamos de largura o que muiconcurso de conceção construção e quem tas pontes não têm de comprimento, 178m. 13


EXCLUSIVO

Foram soluções construtivas que tiveram de ser de alta resistência com um melhor estudo da concebidas. Tivemos de fazer cimbres móveis granulometria dos inertes. Aliás, nem preciscom 5 vãos de 32m mais as consolas de 14,5m. ava de tão alta resistência porque o que aqui o que contava mais era a rigidez, porque deNa altura eu tinha o princípio de não usar progra- pois do avião aterrar os esforços eram mínimas de cálculo comerciais e ainda bem porque mos. Assim o estudo passou por um correto a uma certa altura há uma guerra por causa dos estudo de pré-esforço das vigas de tabuleiro brasileiros da Andrade Gutierrez que tinham um conforme as várias zonas de ações, pista de projetista, Ivan Maia Freitas, que queria parte dos aterragem, parqueamentos, acessos latehonorários e eu fiquei à espera de saber o que rais, etc. Um outro problema foi a diferente ele ia fazer. Se ele tivesse participação ativa, com altura dos pilares, de 3m a 50-60m de altura. certeza. Assim, quando foi do cálculo dinâmico, ele tinha um programa o SAP mas este não Foram utilizadas estacas de 1,5m e 1,2 m de apanhava as vibrações do tabuleiro porque en- diâmetro. Na 1ª fase da expansão foram usatupia com os primeiros modos de vibração e eu das 8 estacas de 1,5m por pilar e 12 estacas conseguia todos modos de vibração até chegar de 1,2m por pilar numa 2ª fase de expansão. aos que importavam que eram os do tabuleiro. Aí As fundações tinham uma sondagem por espercebi que o projeto ficaria todo comigo, porque taca e em cada estaca eram deixados 3 tubos também o Edgar não o faria, mas isso já eu sa- para avaliação da integridade por ultrasons. bia antes, pois quando me pediram para fazer A diversidade de métodos construtivos os projetos só das fundações eu sabia que atrás e das soluções de estrutura é que fizervinha o resto, já que eram necessários todos os am desta obra uma obra única. O meu préoutros esforços da estrutura e como o Edgar não mio foi conseguir arranjar soluções e métoos iria dar, teria de ser eu que haveria de fazer o dos construtivos para concretizar a obra. resto do projeto. Foi um bocado de malandrice. Eu já tinha estado para colaborar na ponte de S. João para a Soares da Costa, onde o Manuel Ribeiro me convidou, mas eu vi logo o que se passava com o Edgar com os abusos dele nomeadamente com um dos problemas do excesso de cimento com dosagens de 450Kg por m3 de betão. Para o Edgar o melhor aditivo do betão era o cimento. Na extensão da pista da Madeira o Edgar insistiiu em 450Kg de cimento por m3 de betão o que provocava um calor de hidratação enorme, e eu queria era passar para os 300 Kg e ter um betão 14


ENGENHARIA

Recebeu também recentemente o prémio carreira 2019 dada pela FEUP. O que é que sentiu com este prémio? É dos prémios que mais me gozo deu. Muitas vezes somos nós que damos prestígio ao prémio, mas há outros que não e este é muito especial para mim. Tenho uma relação especial com a FEUP que para mim foi sempre a “Escola”. Tive professores muito bons como Correia de Araújo, Joaquim Sarmento, Joaquim Sampaio e Valente de Oliveira. Este prémio é atribuído por um júri que sabe o que está a analisar. E para não haver confusões ninguém da FEUP pode concorrer, o que mostra também a integridade deste prémio. Sinto muito orgulho de ter recebido este prémio.

“TENHO UMA RELAÇÃO ESPECIAL COM A FEUP QUE PARA MIM FOI SEMPRE A “ESCOLA”.” 15


EXCLUSIVO Que obra é que gostaria ainda de fazer? Há uma. O novo Aeroporto de Lisboa. O Montijo não satisfaz minimamente as necessidades. Sou a favor da opção de Alverca. É controversa, inicialmente foi ainda considerada, mas foi abandonada a favor da Ota, Alcochete ou Montijo. Alverca foi abandonado por conflito com a base aérea OGMA e porque tinha uma reserva logo ao lado, mas mais tarde o Mouchão da Póvoa há uns 4 anos foi inundado pelas águas das marés e por isso perdeu o potencial agrícola. A proposta é então construir aí uma nova pista paralela à pista da atual 0321, podendo também grande parte das operações passar para Alverca com uma pista que pode ter 4km. Anda tudo aldrabado, o Ministro Pedro dos Santos e o seu Secretário de Estado vieram dizer para imprensa falsidades, que queríamos pôr a pista no meio do Tejo, mas não é nada no meio do Tejo é naquele ilhéu o Mouchão da Póvoa de Sta Iria. E&A

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“O MONTIJO NÃO SATISFAZ MINIMAMENTE AS NECESSIDADES. SOU A FAVOR DA OPÇÃO DE ALVERCA. É CONTROVERSA, INICIALMENTE FOI AINDA CONSIDERADA, MAS FOI ABANDONADA A FAVOR DA OTA, ALCOCHETE OU MONTIJO. “


ARTE & ARQUITECTURA

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ARTE & ARQUITETURA

TOMÁS TAVEIRA E O PÓS-MODERNISMO POR JOAQUIM ALMEIDA Recentemente foi publicado em várias plataformas digitais um projecto seu de uma residência em Aveiro, que suscitou várias reacções ao seu inconfundível estilo das cores. Quer contar-nos um pouco a história desse projecto? O projeto no fundo não tem história. É uma encomenda normal de uma família de promotores imobiliários que queriam algo diferente da monotonia da arquitectura contemporânea, isto é, de hoje. A escolha cromática das suas fachadas são uma assinatura sua, pode explicar porquê é que não faz projectos sem esse dinamismo de cores? Esta é uma marca do seu Pós-Modernismo? É de facto, o Movimento Pós-Moderno reintegra na Arquitectura novas formas mais libertárias e reintroduz a cor, uma marca da Cultura Clássica Greco-Romana, e que tem raízes na Cultura Grega, Mesopotâmica e Micénica, entre outras, (vide o Palácio do Rei Minos em Creta). É de acentuar que o Partenon, que toda a gente pensa que é branco, era pintado a cores que iam do azul petróleo ao vermelho sangue, passando pelo azul celeste e pelo ouro. É evidente que as escolas não ministram ensinamentos aos futuros arquitectos e a falta de cultura que existe na generalidade na sociedade, na maioria da população mesmo urbana faz com que uma atitude estética diferente cause uma perturbação no diálogo com as formas e com as cores. Não é de admirar...

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“É DE ACENTUAR QUE O PARTENON, QUE TODA A GENTE PENSA QUE É BRANCO, ERA PINTADO A CORES QUE IAM DO AZUL PETRÓLEO AO VERMELHO SANGUE, PASSANDO PELO AZUL CELESTE E PELO OURO.”


EXCLUSIVO

Sendo a reabilitação de imóveis áreas que tem crescido mais mos anos, quer contar-nos as periências neste tipo de

uma das nos últisuas exprojecto?

Em boa verdade, estou a fazer uma reabilitação no Porto. Era um Edifício industrial junto à Estação de Campanhã e que vai passar a CoWork. Mantive rigorosamente a mesma traça, os mesmos volumes e todo o edifício foi tratado apenas no seu interior. Claro que o interior é também Pós-Moderno. Concorda com a imposição de manter as fachadas Pombalinas e construir tudo de novo no interior dos edifícios a reabilitar em Lisboa? Não vejo motivo para acabar com as fachadas Pombalinas. São uma marca da Cidade à qual todos nós nos habituamos. É evidente que uma intervenção que conduzisse a uma alteração de fachadas deveria ser altamente culta e constituir uma nova proposta para uma nova ideia de quarteirão. E qual é que acha que deveria ser a estratégia de Lisboa e Porto na preservação do património edificado? Penso que não havendo propostas profundamente cultas e que possam de algum modo propor novas ideias, novas estruturas de comportamento, algo de profundamente novo; não se justifica a alteração ao edificado histórico. Sei que fez muitos projectos de habitação

social (zona J de Chelas?) nos anos 70 e 80. Agora que se fala novamente em grandes investimentos na habitação de custos controlados essencialmente para arrendamento, qual acha que deve ser a estratégia que deveria ser adoptada, tanto em termos urbanos como em opções arquitectónicas e de soluções construtivas? Há um problema mental e de atavismo na sociedade portuguesa e que se refere aos edifícios em altura! O manter-se a ideia de que os Edifícios “altos” são perniciosos é falso na medida em que podem em muito pouco espaço albergar muitas famílias, ao mesmo tempo que libertam espaço urbano, que pode ser dedicado a múltiplas actividades lúdicas lazer tout court… E podem facilmente vir a albergar equipamentos sociais (escolas, centros de saúde, juntas de freguesia, pequenos mercados de levante e de proximidade, etc… Os custos por família ficam muito mais reduzidos, condomínios mais baratos; comunidades a partida mais sólidas, etc. Outra estratégia diz respeito à construção industrializada, quer de estruturas, quer de parâmentos! Chelas foi um exemplo que não frutificou porque os promotores e os arquitectos não dominam este tipo de estrutura construtiva! As Câmaras também não… O que quer dizer que dos muitos milhões que dizem que vêm para habitação, se vão vão utilizar apenas uma pequena parte, com prejuízo para os mais pobres. Chelas, hoje bairro do Condado, foi construído para albergar toda a comunidade cigana e 19


ARTE & ARQUITETURA gente muito pobre que vivia no Vale de Chelas. Considera-se um homem da arquitetura do passado ou do futuro da arquitectura (Pós-Modernismo)? Eu, com uma certa imodéstia, considero-me um arquitecto do futuro. Do futuro do Pós-Modernismo que combate o “politicamente correcto” isto é,o eleger como a única arquitectura possível a arquitectura Branca e de algum modo combate o maniqueísmo que se instalou, um pouco por todo lado o Mundo principalmente na Europa. Branco, linhas rectas e panos de vidro!! E&A

“EU, COM UMA CERTA IMODÉSTIA, CONSIDERO-ME UM ARQUITECTO DO FUTURO.”

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ARTE & ARQUITETURA

ISOLAMENTO DE EDIFÍCIOS POR ALINE GUERREIRO Porque, em Portugal, se continua a isolar os edifícios com materiais altamente poluentes?

que são então engolidas pelos animais. Sendo estes animais ingeridos pelo ser humano, está então a saúde humana em risco.

A pergunta impõe-se quando existem vários materiais substitutos, com vantagens físicas e ambientais. Mas, não há “milagres”: de facto, materiais como o poliestireno expandido – EPS, ou extrudido-XPS, ou ainda o poliuretano (PUR), são materiais com uma excelente condutibilidade térmica e de tão baixo custo, que se tornam atraentes para quem constrói, mas não tão atraentes, para quem habita os edifícios e ainda muito menos para o Ambiente. A questão impõe-se, ainda mais, quando estamos numa era de necessário combate às alterações climáticas e a sustentabilidade do planeta é urgente!

Acontece que os fabricantes destes materiais, insistem que é possível a sua reciclagem e, portanto, não são descartados. Ora se é verdade que a reciclagem é possível, já não é verdade que ele não é descartado. E a razão é simples: não há mercado que absorva as quantidades de resíduos produzidos por estes plásticos, incluindo os RCD (resíduos de construção e demolição). Ninguém conseguiu até hoje, provar que seja possível reciclá-los em grande escala pois, devido ao processo químico usado no fabrico, é quase impossível transformá-los no mesmo material que deu origem ao resíduo. Pelo que, usar a reciclagem, como argumento de sustentabilidade, é um engodo.

Todos eles são provenientes do petróleo, e ocupam uma já considerável fatia de todo o lixo produzido. A ameaça maior é quando este tipo de lixo chega ao mar. Há dois problemas causados para os animais marinhos, um químico e o outro mecânico (McCauley, D.). O mecânico tem a ver com o próprio material encontrado no intestino dos animais, que é muitas vezes letal. Já o aspeto químico tem a ver com as suas propriedades absorventes, agem como uma esponja, capturando todos os compostos que mais contaminam o oceano, decompondo-se, soltam micropartículas

Mas há mais, sendo a base destes polímeros o petróleo, são materiais combustíveis (ardem facilmente), por muito que os seus fabricantes tentem provar o contrário. E é importante alertar os técnicos projetistas, as equipas de fiscalização e também os donos de obra, que a importância das soluções de revestimento em fachadas, vai muito para além da eficiência energética.

Isolamento em poliestireno expandido (EPS)

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ARTE & ARQUITETURA

SERÁ QUE O ISOLAMENTO COLOCADO ESTÁ MESMO A CUMPRIR A SUA FUNÇÃO? Torre Grenfell, Londres, depois do incêndio em 2017

Basta recordar o que aconteceu em 2017, na torre Grenfell, em Londres. Por outro lado, se em 2007, a construção em Portugal passou a “conhecer” o isolamento, devido à entrada em vigor do Sistema de Certificação Energética (SCE), não é intrínseco dizer que o mesmo foi bem aplicado, ou se o material foi adequadamente escolhido. O facto é que as casas continuam a ser frias na estação fria, ou exageradamente quentes no verão, não indo ao encontro do que se pretende com a aplicação do isolamento. Sobre a eficiência energética destes polímeros, eu, como profissional do setor, arrisco-me a questionar se terá as mesmas características térmicas ao longo dos anos, como por exemplo, tem a cortiça. É talvez por essa razão que vemos atualmente, passados mais de 10 anos da entrada em vigor do SCE, notícias sobre o frio que os portugueses passam em suas casas. E não é necessariamente em casas antigas. Será que o isolamento colocado está mesmo a cumprir a sua função? As questões ambientais vão entrando nas agendas políticas. O EPS, por exemplo, foi completamente banido nos EUA, desde 2016, pelos seus impactos ambientais negativos já descritos. O Parlamento Europeu aprovou em 2019 uma legislação para banir em toda a União Europeia (UE) uma série de produtos plásticos descartáveis. A proibição entrará em vigor em 2021. A questão é que, não só os descartáveis causam danos. Todos aqueles que no final da sua vida útil não possam ser valorizados na totalidade, serão descartados, como os usados em soluções de isolamento dos edifícios. 22

E é dentro dos edifícios que passamos 90% do nosso tempo de vida. É realmente necessário que estes se tornem eficientes do ponto de vista de consumo energético, mas ao mesmo tempo são necessárias medidas mais sustentáveis na escolha dos materiais, para bem do planeta. E o que se passa é que quem habita os edifícios, na sua maioria, não percebe nada de construção, nem de soluções construtivas, muito menos de características dos materiais que são aplicados em suas casas. E todos precisamos de ter consciência e parar de poluir. Se continuamos a este ritmo, o mar irá conter em 2025, cerca de 1Kg de plástico, por cada 3 Kg de peixe (Ocean Conservancy). Cidadãos e governos precisam de se mobilizar, urgentemente, para travar esta avalanche de plástico que é utilizada, muitas vezes sem necessidade, porque há alternativas viáveis e não poluentes. E&A Artigo originalmente publicado dia 20/01/2021, aqui

SE CONTINUARMOS A ESTE RITMO, O MAR IRÁ CONTER, EM 2035, CERCA DE 1KG DE PLÁSTICO, POR CADA 3KG DE PEIXE (OCEAN CONSERVANCY)


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O PAPEL DO COMPUTADOR NA ENGENHARIA POR FRANCISCO JÁCOME A IMPORTÂNCIA DE SE DESENVOLVER A HABILIDADE DE PROGRAMAÇÃO INSTRUMENTAL DOS ESTUDANTES E PROFISSIONAIS DA ENGENHARIA Compartilho da opinião de que os computadores representam a invenção mais importante e sofisticada produzida pelo ser humano em sua faina existencial no Planeta. Assim como o microscópio e o telescópio nos revelaram estruturas inalcançáveis pelo olho humano, o computador, ao exponencializar a velocidade com que podemos realizar cálculos, propiciou grande parte das maiores descobertas científicas de nosso estágio civilizatório. Hoje, mais do que nunca, a evolução e a disponibilização da tecnologia dos computadores pessoais, para muito além de impactarem o exercício profissional da engenharia, demandam reconhecimento do papel instrumental que podem desempenhar

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no próprio modelo educacional vigente, sob cujos paradigmas vêm sendo formados os profissionais que ingressam nessa aurora do século XXI. A assunção dos computadores como meios de atendimento das necessidades mais básicas dos seres humanos, como interações e relações sociais, diluiu num mar navegável por internautas o potencial engendrado pelo uso pleno da programação instrumental, isto é, da elaboração de aplicativos que servem como instrumento de realização automáticas de tarefas laboriosas, seja por parte dos estudantes, seja por parte do profissional de engenharia. O valor do desenvolvimento da habilidade de programar vem sendo resgatado sob o reforço argumentativo dos benefícios que o pensamento lógico-estruturado e a capacidade de abstração possuem para o desenvolvimento cognitivo, com eficácia particularmente


potencializada quando a programação é inserida nos primeiros anos escolares, tendo como público alvo crianças e adolescentes. É fato que, por exemplo, no Brasil, atualmente pululam escolas de programação voltadas para esse público, tanto aquelas presenciais quanto as incontáveis instituições internacionais que disponibilizam cursos, muitas vezes gratuitos, via internet. Voltando ao campo da engenharia, concernente à produtividade, à segurança e à precisão de resultados, não há mais porque se ocupar com tarefas repetitivas, mas, sim, com a análise balizada dos resultados fornecidos pelas modelagens processadas pelas máquinas, cuja interpretação crítica e sucessivas modificações levam à otimização das soluções e consequente racionalização do uso dos recursos naturais do Planeta. Essa impossibilidade de desvio do rumo da automatização de processos já é, desde algum tempo, bem tipificada nos escritórios de engenharia de cálculo estrutural, área de conhecimento mormente constituída de métodos e processos de cálculo exaustivos. Há muito tempo, os engenheiros que contam com os softwares apropriados para essa área profissional libertaram a mente para a nobre tarefa de concepção e aprimoramento das soluções estruturais, sem mais terem de se debruçarem sobre cálculos, cuja realização tem, no computador, o instrumento de trabalho que permite acelerar a verificação da otimicidade dos projetos.

Em algumas subáreas, pertencentes ou não à engenharia, o medo inconfesso e equivocado de substituição do homem pela máquina apenas se presta a perpetuar situação insustentável do perdurar de uma mediocridade robustecida, quase sempre, pela acomodação fundada na recusa de se adaptar aos novos tempos, não raramente alimentada por exemplos isolados, fracassos pontuais em que se exacerbou a crença nas possibilidades do computador, adotando-se os resultados fornecidos, sem que o essencial tenha sido feito, ou seja, a análise crítica, cujo exercício tem como pré-requisitos a experiência e o conhecimento canônico, sedimentado pelos clássicos referenciais bibliográficos. Na atualidade, também graças ao advento e à popularização dos computadores, mesmo a experiência pode ser adquirida mais rapidamente. Afinal, reportando-nos, mais uma vez, à área do cálculo estrutural, a possiblidade de se calcularem tantas variantes quanto se queira da estrutura de sustentação de uma dada edificação, desenvolve a sensibilidade do profissional que usa o software de cálculo, aprofundando-a bem mais rapidamente do que o ritmo auferível antes dos computadores,quando a infinidade de cálculos, a possibilidade de erro e a necessária observância dos cronogramas não permitiam que se estudasse, nem de longe, o mesmo número de variantes, hoje recalculadas automaticamente, praticamente à velocidade da luz.

NA ATUALIDADE, TAMBÉM GRAÇAS AO ADVENTO E À POPULARIZAÇÃO DOS COMPUTADORES, MESMO A EXPERIÊNCIA PODE SER ADQUIRIDA MAIS RAPIDAMENTE. 25


No nosso entendimento, o potencial a explorar com o desenvolvimento da habilidade de sistematizar conteúdos — dissecando-os até à decomposição para os rearticular na forma de linhas de programação computacional — precisa ser assimilado desde o âmbito acadêmico, adequando ou modificando a maneira tradicional de se lecionar, a começar pela identificação e separação do que vem a ser meramente um meio metodológico e o que é um fim inerente a cada disciplina. Além de romper com a não rara sublimação dos meios em detrimento da análise — a verdadeira essência da engenharia —, tal separação antecede outra tarefa, a saber, a de reconhecer e sistematizar tudo o que, no conteúdo programático, seja passível de tradução em algoritmos, passando-se a adotar práticas de ensino que reatribuam à análise a prevalência eventualmente perdida, em consequência de uma trajetória pedagógica que, pelo menos no Brasil, parece haver colocado em segundo plano o incentivo ao raciocínio lógico-analítico. Práticas de ensino dissociadas da contemporaneidade tecnológica promovem o descolamento

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entre o perfil dos profissionais postos no mercado pela academia e o perfil técnico exigido num mundo cada vez mais digital. Afinal, ser digital, hoje, é um conceito muito mais abrangente do que ser meramente um usuário de computador e de aplicativos: refere-se a ter habilidade de programar. Sob o mote expresso na frase lapidar do cientista computacional norte-americano Donald Knuth (n. 1938), que define a Ciência como “o que nós compreendemos suficientemente bem para explicar a um computador” — tudo o mais é Arte —, a ideia é formar profissionais que atendam à crescente demanda do mercado por engenheiros promotores de redução de custos, aumento da competitividade pelo aproveitamento do avanço tecnológico dos computadores na solução de problemas, com a adoção de métodos rigorosos de apoio à tomada de decisão, tais como métodos de otimização para projetar e produzir sistemas e produtos de maneira sustentável, com crescente eficiência e economicidade. E&A Artigo originalmente publicado no dia 8/07/2020, aqui


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COMPUTAÇÃO QUÂNTICA – O FIM DOS COMPUTADORES CLÁSSICOS? POR RICARDO CAETANO ACTUALMENTE EXISTEM PROBLEMAS QUE OS NOSSOS COMPUTADORES JÁ NÃO SÃO CAPAZES DE RESOLVER. SERÃO OS COMPUTADORES QUÂNTICOS A SOLUÇÃO DESSES PROBLEMAS? 01110010… Bits, os tão conhecidos 0s e 1s que aparecem nos filmes com agentes especiais que descodificam passwords para abrirem ficheiros secretos... São os bits (Binary Digits) que regem os computadores de hoje em dia, os chamados computadores clássicos. São eles que servem de instruções e dados para realizar uma simples conta de 1+1 na calculadora, gerar efeitos especiais num filme de acção ou criar a planta dum edifício num programa de desenho como o AUTOCAD. Uma das várias vantagens que os bits têm é o facto de só existirem dois estados possíveis para os mesmos: sempre 0 ou 1. É essa característica que os torna únicos e faz com que seja possível obter sempre o mesmo comportamento, o mesmo resultado, a não ser claro que existam erros (os chamados bugs). Não fossem essas falhas e teríamos máquinas totalmente determinísticas, em que para cada pergunta teríamos sempre a mesma resposta, fosse hoje ou daqui a 1024 anos. Mas e se não tivéssemos só 0s e 1s? Conseguiríamos ter computadores que funcionassem? Foi no início da década de 1980 que se começou a falar de computação quântica, uma forma diferente de conceber máquinas capazes de resolver problemas que os computadores clássicos não conseguiam resolver. A computação quântica consegue resolver facilmente problemas de desencriptação

Doutor Lov Grover, criador do Algoritmo de Grover

de códigos de segurança bancários, descobrir qual o melhor trajecto entre dois locais, entre tantos outros problemas do nosso dia a dia. Mas como é que o faz? De uma forma parecida e ao mesmo tempo totalmente distinta dos computadores clássicos.

MAS E SE NÃO TIVÉSSEMOS SÓ 0S E 1S? CONSEGUIRÍAMOS TER COMPUTADORES QUE FUNCIONASSEM? Enquanto que temos os bits para os computadores clássicos, para os computadores quânticos temos os qubits (Quantum Bits). 27


Representação de um qubit

Os qubits, à semelhança dos bits, podem ter o valor de 0 ou 1 como estados possíveis. Mas o que os tornam únicos é que, além desses dois estados, podem ainda estar em estados intermédios em que são 0 e 1 em simultâneo. Estranho? Sim, mas podemos fazer a analogia como quando atiramos uma moeda ao ar. Enquanto a moeda está a rodopiar no ar, num dado momento há uma probabilidade de ser coroa, outra probabilidade de ser cara e ainda outra probabilidade de ser cara e coroa em simultâneo. Este estado “misto”, em conjunto com outras propriedades quânticas, faz com que se consigam criar soluções para problemas que não são possíveis de resolver com a computação clássica. No fim, tudo se baseia nos diferentes estados possíveis e as suas probabilidades. Como já foi referido, vários problemas ficam muito mais simples de calcular com a 28

computação quântica. A típica situação de descobrir uma palavra chave passa a ser uma tarefa trivial. Tal resulta que quando se tenta descobrir uma password com a computação clássica vai-se tentando combinação a combinação, uma de cada vez, tentativa e erro, enquanto que com a computação quântica conseguem-se testar todas as combinações em simultâneo. No entanto, após realizar essas combinações em simultâneo, é necessário refinar qual a resposta para se perceber qual é o resultado (estado) com a maior probabilidade de ser o correcto. Para se proceder a este processo de refinamento pode-se recorrer a alguns algoritmos quânticos tais como o algoritmo de Shor ou o algoritmo de Grover, ambos criados na década de 1990. É verdade que também se pode argumentar que existe paralelismo na computação clássica, pois tal já existe por exemplo nos nossos


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Computador quântico à escala humana

computadores quando estamos a ouvir uma música, enquanto estamos a ler as notícias num site e ainda fazemos um download de um ficheiro. De todo o modo, não se pode comparar milhões de milhões de processos clássicos a tentar descobrir uma password em paralelo, quando em muito menos tentativas a computação quântica consegue obter a resposta. Note-se que a computação quântica não é a solução para todos os nossos problemas, pois existem situações em que os computadores clássicos têm melhor desempenho. Exemplo disso são os programas de edição de texto ou folhas de cálculo (Microsoft Word e Excel respectivamente).

Processador quântico Sycamore

Sendo assim, o caminho mais natural daqui a uns anos será termos computadores híbridos, com núcleos clássicos e quânticos, em que conforme os diferentes problemas serão utilizados tantos os princípios clássicos como os princípios quânticos. Agora só temos de esperar que tornem os computadores quânticos mais compactos ou então darmos nós os passos para que isso aconteça! E&A Artigo originalmente publicado no dia 10/08/2020, aqui

Mas para os problemas de optimização (ex. gestão de stocks), procura (ex. melhor trajecto entre dois pontos) e outros, a computação quântica exerce a sua supremacia sobre a computação clássica.

PARA OS PROBLEMAS DE OPTIMIZAÇÃO, PROCURA E OUTROS, A COMPUTAÇÃO QUÂNTICA EXERCE A SUA SUPREMACIA SOBRE A COMPUTAÇÃO CLÁSSICA 29


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COMO CONSTRUIR BEM, A COMEÇAR NAS FUNDAÇÕES POR MÁRIO BALEIZÃO A construção de qualquer edifício obriga a um projecto de estabilidade, para dimensionamento da sua estrutura, cujo prazo de utilização mínimo é de 40 anos, mas que se pode estender por décadas, ou séculos. Para que um edifício, ou qualquer construção, resista muito tempo são essenciais duas condições: ter fundações estáveis e ter uma estrutura resistente a intempéries e sismos. Não vou abordar o dimensionamento de estruturas anti-sísmicas, mas vou começar por baixo e pelo mais básico: as fundações. A construção de edifícios tem geralmente um projecto completo e que inclui um estudo geológico do solo, onde estes serão implantados. Mas, na construção de moradias, esse estudo não existe e a escolha da melhor solução de fundações, face ao solo particular para cada caso, é uma decisão importante, com consequências (boas ou más), para a futura qualidade da construção. Se adicionarmos a isto o facto de muitas pequenas empresas de construção não terem engenheiros a dirigir obras (infelizmente, há empreiteiros a pagar uma avença a recém-formados, para terem alvará, sem nunca marcarem presença em obra), temos condições para uma obra começar mal. Esperar que um pequeno empreiteiro vá consultar um geólogo ou um engenheiro geotécnico é estar fora da realidade actual, quando às vezes nem engenheiros têm no terreno. Assim, cabe-nos a nós, técnicos em Engenharia, defender a qualidade do nosso edificado e a boa construção em Portugal. Portugal é um pequeno país, mas ainda assim com diferentes tipos de construção tradicional, na sua história mais recente.

Se a Norte do Tejo temos construções onde predomina a alvenaria de pedra, no Alentejo e no Algarve temos construção onde predomina a taipa e a alvenaria de tijolo, inicialmente de argila seca ao Sol. Estes dois tipos de construção distintas, com pesos de paredes muito diferentes, obriga a criar fundações assentes em rocha no Norte do país e fundações em solo rijo (até porque a rocha é mais rara), do Tejo para Sul. S e bem que castelos, mosteiros, catedrais e igrejas eram edifícios com uma construção mais cuidada e com fundações bem estudadas, a grande maioria das casas do cidadão comum, não seguiam nenhum estudo e apenas a opinião experimentada do construtor. Assim, em Portugal, quando começam a ser construídos edifícios com mais que um piso, para nobres ou para uso público, as fundações começam a ser mais bem estudadas. Desta forma nascem as paredes enterradas de alvenaria de pedra, como fundação de edifícios, à semelhança das masmorras dos antigos castelos e construção palaciana. Se os edifícios não podem ser fundados na rocha, como já Cristo afirmava, as paredes de alvenaria de pedra são uma base sólida para a construção de um edifício durável. Se não encontramos rocha, colocamos a rocha lá em baixo! Com o sismo de 1755, percebemos que a alvenaria de pedra seca não é estável e que a construção de paredes mistas de pedra e

SE NÃO ENCONTRAMOS ROCHA, COLOCAMOS A ROCHA LÁ EM BAIXO! 31


EXCLUSIVO A construção dos edifícios de fachadas de pedra de vários pisos, nos Estados Unidos, deu muita discussão, a nível académico e com construtores e empresas de prospecção de solos, dado que também é um país com petróleo.

argamassa bastarda (de saibro e cal) também não. Assim, o Marquês de Pombal, mandou fazer estudos para executar as melhores fundações e a estrutura mais resistente a sismos. Daqui surgiram duas inovações: as fundações em alvenaria de pedra assentes em estacas de pinho verde, cravadas no solo, e a estrutura em “gaiola pombalina”. As estacas de madeira permitiam uma segurança extra, no solo de Lisboa composto de argilas e de antigos lodos do Tejo consolidados, mas muito húmidos. Esta humidade permanente fazia com que o pinho verde não sofresse degradação, ao longo do tempo. No entanto, as obras do metropolitano e os edifícios com caves vieram a alterar as cotas de níveis freáticos e a provocar o apodrecimento da madeira das antigas estacas, agora sujeita a variações de humidade, ano após ano. A estrutura em “gaiola pombalina” tem alguma flexibilidade, para resistir a abalos sísmicos, mas precisa de boas fundações, para não haver assentamentos diferenciais nos edifícios do século XVIII. Já no século XX, as estruturas de betão, mais pesadas que as estruturas anteriores, vieram obrigar a um estudo mais aprofundado do solo e das fundações. Karl von Terzaghi (1883-1963), foi um engen heiro austríaco, que emigrou para a América e que é conhecido como o pai da Mecânica de Solos e da Engenharia Geotécnica.

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Assim, em 1947, na Conferência de Mecânica de Solos e Engenharia de Fundações da Universidade do Texas, em Austin, o Eng. Terzaghi deu a conhecer um método de estudo da capacidade do solo, que ainda usamos hoje em dia: o Standard Penetration Test, mais conhecido por SPT. Este teste serve para determinar o terreno “fixe”, ou seja, o solo firme, com grande capacidade de carga, que é o terreno original, compactado pelo tempo, onde a tensão superficial é segura o suficiente para a construção. A capacidade de carga encontrada pelo método SPT, de Terzaghi, consiste em cravar um tubo de 50,8mm exteriores (35mm interiores), no solo, com um peso de 140 libras (63,5 Kg) largado em sucessivas pancadas, de uma altura de 30 polegadas (76,2 cm) O tubo é graduado em intervalos de 15cm, a cravação dos primeiros 15cm não é considerada e quando, para conseguirmos cravar dois troços (30cm), tivermos de dar mais de 10 pancadas, atingimos o solo


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com boa capacidade de carga. Como o tubo é oco, este teste permite-nos ainda recolher amostras do solo e saber quando atingimos o nível freático. Como por dois pontos conseguimos passar uma linha recta e por três pontos conseguimos passar um plano, para sabermos a profundidade do solo de um lote de terreno, num plano abaixo do solo, precisamos obrigatoriamente de 3 testes SPT, isto porque os estratos do subsolo raramente são horizontais. Esta é a informação essencial para fazer qualquer projecto de estabilidade de um edifício, pois precisamos de saber qual é a capacidade de carga do solo e de admitir uma tensão admissível para o solo onde vamos implantar o edifício. Com o SPT, conseguimos saber a profundidade mais aproximada, nos vários pontos da implantação do edifício, onde vamos localizar as sapatas de betão armado. Como o solo não é perfeitamente homogéneo, é seguro acrescentar mais 20cm de escavação, ao cálculos segundo o plano definido pelos 3 pontos do SPT. Ainda assim e devido a características pontuais do solo, às vezes ocorriam assentamentos pontuais de sapatas, que originavam fissuras, nos edifícios. Para resolver este problema e para evitar assentamentos diferenciais entre sapatas, os engenheiros criaram as vigas de fundação, que distribuem esforços e dividem acções de carga e consequentes tensões do solo. Uma solução complementar e segura para os trabalhadores, quando o “fixe” do solo está a grande

profundidade, é fazer pegões em betão ciclópico, ou seja, é encher os buracos (quadrados ou rectangulares), com betão simples e pedras limpas, para fazer as sapatas a uma cota mais acessível. Quando um solo é demasiado macio e argiloso, por ser zona de aluvião ou de um grande aterro, há duas soluções: ou faz-se um ensoleiramento geral, ou fazem-se fundações indirectas. Um ensoleiramento geral é uma sapata a toda a dimensão do edifício e também evita assentamentos diferenciais. Se não encontramos rocha, nem terreno firme, criamos uma rocha artificial (em betão armado), onde colocamos os pilares.

CRIAMOS UMA ROCHA ARTIFICIAL (EM BETÃO ARMADO), ONDE COLOCAMOS OS PILARES 33


EXCLUSIVO

No entanto, se o solo for suficientemente plástico, devido a argilas e níveis freáticos altos, mesmo o ensoleiramento geral não é seguro: o edifício pode assentar de um só lado, como a Torre de Pizza! Para solos muito plásticos e húmidos, a melhor solução são as fundações indirectas: as estacas. As estacas podem ser pré-moldadas (pré-fabricadas), ou ser executadas in situ. As estacas pré-moldadas são cravadas em buracos parcialmente abertos, ou no fundo de rios, para a execução de pontes. Há ainda estacas encamisadas a tubos de aço e estacas em que os tubos de aço são cravados, para depois encher de betão. Foi assim que construímos a Ponte Vasco da Gama, sobre o leito do Rio Tejo. Esta bela ponte, tem 1916 estacas, constituídas por tubos de aço (de diâmetros entre 1,70 e 2,20m), cravados no leito do rio dragado e posteriormente cheios a betão. Os dois pilares principais da ponte têm 44 estacas cada. Para as estacas executadas in situ, é aberto um buraco circular com um trado (hélice sem fim, articulada a um engenho mecânico). O trado tem um eixo em tubo oco, onde após atingir a profundidade desejada é injectada bentonite (argila não orgânica), para conter as paredes do buraco. 34

Depois, pelo mesmo tubo (do eixo do trado) é injectado betão, por um camião bomba ligado ao trado, à medida que o trado sobe. A bentonite transborda do buraco, à medida que este é cheio com betão, de baixo para cima. Com o buraco cheio de betão fresco e com o trado fora do buraco, é cravada a armadora da estaca de betão armado, executada no local. Esta armadura tem geralmente o comprimento total do ferro, ou seja, 12 metros. Depois do betão seco, são saneadas as cabeças das estacas, ou seja, são demolidos os troços superiores das estacas, para remover o betão com vestígios de bentonite e para descobrir a armadura, a fim de executar as sapatas, apoiadas na quantidade de estacas definidas pelo projecto.


INDÚSTRIA & NEGÓCIO Assim, foram construídas as fundações do Quartel dos Bombeiros Voluntários de Vila Franca de Xira, por exemplo. Estas são as várias formas de bem construir fundações, em qualquer lugar. Em Portugal, temos construção muito variada: desde edifícios muito altos a construções junto ao rios, como em Aveiro, a nossa Veneza. Temos ainda pontes, projectadas e construidas por portugueses, em Portugal e no exterior. De 1990 a 1999, a União Europeia produziu 9 Eurocódigos, para o cálculo e dimensionamento de estruturas: Bases do Projecto de Estruturas, Acções de Estruturas, Projecto de Estruturas de Betão, Projecto de Estruturas de Aço, Projecto de Estruturas Mistas Aço-Betão, Projecto de Estruturas de Madeira, Projecto de Estruturas de Alvenaria, Projecto Geotécnico, Projecto de Estruturas Resistentes a Sismos e Projecto de Estruturas de Alumínio. Para aprofundar este artigo, aconselho a Parte 1 do Eurocódigo 7, “Projecto Geotécnico”, constante da Norma Portuguesa “NP EN 1997-1 2010”. E&A

FOI ASSIM QUE CONSTRUÍMOS A PONTE VASCO DA GAMA, (...) ESTA BELA PONTE, TEM 1916 ESTACAS, CONSTITUÍDAS POR TUBOS DE AÇO, CRAVADOS NO LEITO DO RIO DRAGADO E POSTERIORMENTE CHEIOS A BETÃO. OS DOIS PILARES PRINCIPAIS DA PONTE TÊM 44 ESTACAS CADA. 35


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PORTUGAL E ESPANHA DISPUTAM PARA SER A BATERIA DA EUROPA POR ENGENHO & ARTE CONHEÇA O PLANO DA IBERDROLA PARA TRANSFORMAR PORTUGAL E ESPANHA NA GRANDE “BATERIA” DA EUROPA A empresa de energia Iberdrola já controla a maior central de bombeamento do continente, em Valência, e está a construir uma central hidroeléctrica perto do Porto. Esta central, na sua máxima capacidade de armazenamento, conseguirá alcançar valores na ordem dos 4.000 MW (megawatts) de energia. No norte de Portugal, quase a meio caminho do Porto e Ourense, um colosso hidroeléctrico está em construção. É uma das maiores estruturas com estas características construídas nos últimos 25 anos na Europa. Três barragens e três centrais hidroeléctricas, Gouvães, Daivões e Alto Tâmega, que entrarão em exploração entre 2021 e 2023

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e que a Iberdrola espanhola explorará nos próximos 70 anos depois de investir cerca de 1.500 milhões de euros. Até hoje, já foram investidos 900 milhões de euros. A Iberdrola iniciou as obras em 2014 e já completou dois terços de um complexo no rio Tâmega, um afluente do Douro. Um marco comemorado com um acto oficial com a presença do primeiro-ministro português Antonio Costa, acompanhado de vários dos seus ministros, assim como o presidente da empresa espanhola Ignacio Sánchez Galán. As três centrais hidroeléctricas terão uma potência combinada de 1.158 megawatts (MW) e, de acordo com as próprias estimativas da empresa, quando totalmente operacionais, poderão produzir 1.766 gigawatt-hora (GWh) de electricidade por ano,


Um dos túneis para a construção da estação de bombeamento no complexo do Alto Tâmega

fornecendo energia limpa ao consumo equivalente de 440.000 casas portuguesas, evitando a emissão de 1,2 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera, tornando assim desnecessária a importação de 160.000 toneladas de petróleo por ano. Água para armazenar energia O novo complexo do Tâmega terá quase 900 MW de bombeamento, uma técnica que permite o armazenamento e reutilização de água para gerar electricidade em momentos de alta procura. Com a entrada em operação, a Iberdrola ultrapassará os 4.000 MW de capacidade de bombeamento na Península Ibérica (3.192 MW em Espanha e 880 MW em Portugal), com o objectivo de convertê-la “na grande bateria do Velho Continente”, segundo a empresa de electricidade.

Esquema das três barragens e centrais do complexo Tâmega da Iberdrola

nenhum tipo de emissão para a atmosfera”, afirmaram fontes do grupo espanhol. “O armazenamento fornecido pela tecnologia de bombeamento hidroeléctrico é essencial para garantir a estabilidade do sistema eléctrico diante da intermitência de outras fontes de energia renovável, como a eólica ou a solar fotovoltaica”.

A Iberdrola espera atingir 90 gigawatts-hora (GWh) de capacidade de armazenamento até 2022, o que significará um aumento em comparação a 2018 de quase 30%. Nos próximos três anos, a empresa adicionará, graças à nova A empresa distribui toda esta capacidade de instalação portuguesa, mais 20 GWh, equivaarmazenamento num total de quinze cen- lentes a 400.000 baterias de carros eléctricos trais de energia, estudando também a possibi- ou 1,4 milhões de baterias para uso residencial. lidade de expandir os reservatórios existentes em Espanha (um no rio Tiétar e outro no Esla) As centrais de bombeamento possuem dois para convertê-los em bombeamento, como reservatórios em diferentes alturas que perGalán revelou após o evento público, ocorri- mitem o armazenamento de água em período na cidade portuguesa de Ribeira da Pena. dos de menor procura e utilizá-la para produzir energia durante as horas de maior consumo “A tecnologia de bombeamento hidroeléctrico para responder a toda procura de electricidade. é actualmente o sistema mais eficiente para armazenar energia em larga escala. É mais lu- Nas horas de “vazio”, geralmente durante a crativo e fornece estabilidade, segurança e noite, nos dias de semana e fins de semana, sustentabilidade ao sistema eléctrico, geran- a energia não consumida e que normalmente do uma grande quantidade de energia com um tem um preço mais baixo no mercado, é usada tempo de resposta muito rápido e sem criar para bombear a água contida no reservatório 37


INDÚSTRIA & NEGÓCIO localizado no nível mais baixo até ao tanque superior por meio de uma bomba hidráulica que faz a água subir através de um tubo. O reservatório superior funciona como um tanque de armazenamento. Durante o horário de “pico”, os de maior consumo, a estação de bombeamento funciona como uma central hidroeléctrica convencional em que a água acumulada no reservatório superior, contida por uma barragem, é enviada para um reservatório inferior e, nesse salto, a electricidade é produzida com turbinas hidráulicas. A água, uma vez que a electricidade é gerada, retorna ao reservatório inferior, onde é armazenada novamente. A Iberdrola já opera em Espanha, na cidade de Valência, a maior instalação de bombeamento da Europa: La Muela II, no reservatório de Cortes de Pallás, localizado no rio Júcar. A sua produção anual, ronda os incríveis números de 800 gigawatts-hora (GWh), o suficiente para responder ao consumo de electricidade de quase 200.000 residências. Essa central possui quatro grupos de turbinas reversíveis dentro de uma caverna que permitem aproveitar a queda de 500 metros entre o depósito artificial de La Muela e o reservatório de Cortes de Pallás para produzir electricidade. As três barragens do colosso português No novo mega complexo hidroeléctrico de Portugal, será o aproveitamento de Gouvães, que já inclui uma estação de bombeamento e um reservatório superior. Possui quatro grupos geradores que juntos alcançam uma potência de

880 MW e serão alojados numa caverna subterrânea com um volume equivalente a 25 piscinas olímpicas. Essa central será reversível, ou seja, permitirá armazenar água do reservatório de Daivões no reservatório de Gouvães, aproveitando a diferença de altitude de mais de 650 metros entre os dois. A sua implementação ocorrerá no próximo ano. Por sua vez, a barragem de Daivões, cuja central associada terá capacidade de 118 MW, graças à instalação de três grupos, está quase concluída. A execução das obras da central hidroeléctrica alcançou os 50%, estando prevista a sua finalização para 2021. A construção da terceira etapa do projecto, a barragem de Alto Tâmega e a central, está prevista para começar ao longo do mês de Março deste ano, quando adjudicar a obra a outra empresa de construção, após a paralisação das obras no ultimo ano. A Iberdrola rescindiu o contrato com o consórcio responsável pela construção, liderado pela Acciona, por “atrasos e não conformidade”, estando um processo de resolução em andamento nos tribunais. A central terá dois grupos, que fornecerão 160 MW de energia. A inauguração está prevista para o ano de 2023.

Obras na estação de bombeamento da Iberdrola, no Tâmega

O RESERVATÓRIO SUPERIOR FUNCIONA COMO UM TANQUE DE ARMAZENAMENTO 38


A IBERDROLA CONCORRE COM A EDP E A ENDESA NO SECTOR DE MARKETING TAMBÉM NO MERCADO PORTUGUÊS O projecto original incluía uma quarta barragem, no rio Beça, mas foi descartada pela presença na área, de espécimes do mexilhão Margaritifera margaritifera, uma espécie em extinção.

Além de desenvolver o complexo hidroeléctrico do Tâmega, a empresa já possui 92 MW de energia eólica distribuídos em três parques no país e, em Agosto passado, 149 MW de energia solar fotovoltaica foram premiados em leilão.

As obras para a construção deste mega complexo do Tâmega têm impacto na área. Além das 56 casas que serão submersas na água, os desvios dos rios e as escavações nas montanhas deixarão uma marca permanente no ecossistema.

Paralelamente, a Iberdrola concorre com a EDP e a Endesa no sector de marketing também no mercado português. Hoje, a Iberdrola, é a terceira maior empresa de electricidade do país em participação de mercado, o primeiro fornecedor de electricidade do sector industrial e o segundo Para mitigar estes efeitos, a Iberdrola lançou um em termos de número de clientes residenciais. plano de acção socioeconómica de 50 milhões de euros para a área de influência, a fim de pro- A Iberdrola gere mais de meio milhão de conmover iniciativas sociais, culturais e ambientais. tratos de fornecimento de electricidade e gás, Paralelamente, as obras de construção levaram tendo como objectivo até 2025, duplicar os à criação de 3.500 empregos directos e outros valores actuais, atingindo um milhão de cli10.000 indirectos, 20% dos quais provenientes entes domésticos, num mercado composto por dos municípios próximos ao projecto. 5,2 milhões de pontos de fornecimento. E&A Artigo originalmente publicado no dia A aposta em Portugal 26/2/2020, aqui A Iberdrola propôs crescer em Portugal, um mercado identificado pelo grupo como estratégico. Obras na central de bombeamento no complexo do Tâmega, da Iberdrola, em Portugal

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SUSTENTABILIDADE

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SUSTENTABILIDADE AVALIAÇÃO DO POTENCIAL MICRO-HÍDRICO NO SECTOR DA ÁGUA: APLICAÇÃO, CONTROLO E SEGURANÇA OPERACIONAL DOS SISTEMAS HIDRÁULICOS POR HELENA M. RAMOS Resumo Vários estudos têm mostrado as diferentes oportunidades de aplicação de micro hídricas (MHP) para recuperação de energia e redução de CO2 no setor de água. Neste artigo pretende-se mostrar uma avaliação em grande escala desse potencial, utilizando um conjunto de dados de seis regiões da UE (Irlanda, Irlanda do Norte, Escócia, País de Gales, Espanha e Portugal) para os setores de água potável, irrigação e águas residuais. Extrapolando a base de dados desenvolvida, o potencial MHP anual total pode considerar-se como estimado em aproximadamente 600 GWh, dependendo de vários fatores, divididos entre Irlanda (15,5-32,2 GWh), Escócia (17,8-139,7 GWh), Irlanda do Norte (5,9-8,2 GWh), País de Gales (10,2-8,1 GWh), Espanha (375,3-539,9 GWh) e Portugal (57,6-93,5 GWh), e distribuídos em água potável (43% -67%), para irrigação (51% -30%), e águas residuais (6% -3%). Num estudo recente os resultados demonstraram reduções no consumo de energia nas redes de água que podem ir até cerca de 13%. Foi evidenciado que uma proporção significativa de energia poderia ser explorada em alguns locais, com uma contribuição valiosa para ganhos líquidos de eficiência energética e reduções de emissões de CO2. Os benefícios económicos, que devem ser um incentivo político e que necessitam para estimular soluções MHP em redes do sector da água, irão permitir atingir as metas de redução de emissões de CO2 tão desejadas. Por outro lado, a segurança das infraestruturas e a inconsistências em relação a medições de caudal em circuitos hidráulicos reais foram detetadas com implicações na sua real eficiência. Estudos intensivos afirmam que esses erros estão principalmente

associados aos equipamentos de medição e à baixa precisão ligada às perturbações induzidas pelas solicitações no sistema. Para verificar a origem desses problemas de medição e controlo das forças hidrodinâmicas, a interação fluido-estrutura permite avaliar as condições de operação, através da utilização de um modelo numérico CFD (Computational Fluid Dynamics). Para validar os resultados fornecidos pelo modelo numérico, devem desenvolver-se campanhas experimentais em instalações desenvolvidas para o efeito, utilizando equipamentos sofisticados do tipo transdutores de pressão e velocímetros dopplers ultrassónicos (UDV) para calibração e compreensão do comportamento dinâmico que possa ocorrer. Para complicar mais o estudo, apresenta-se o comportamento de escoamentos bifásicos, que são extremamente instáveis e perigosos e podem ocorrer em qualquer sistema hidráulico durante a operação se não for bem dimensionado.

FOI EVIDENCIADO QUE UMA PROPORÇÃO SIGNIFICATIVA DE ENERGIA PODERIA SER EXPLORADA EM ALGUNS LOCAIS 41


EXCLUSIVO

Fig. 1 - Disponibilidades e stress hídricos

Introdução É do conhecimento público, que a atividade humana afeta fortemente os recursos hídricos. A distribuição desigual de disponibilidades e consumos, o crescimento populacional, as alterações climáticas e a má gestão da água agravaram a situação de extremo stress hídrico. A Figura 1 apresenta um mapa de disponibilidades e de avaliação global do stress hídrico, expondo o volume anual capturado por municípios, indústrias e agricultura, como uma percentagem da disponibilidade de água. Assim, os valores mais elevados indicam um maior consumo em relação à água disponível, onde será necessário adotar uma abordagem mais sustentável da gestão da água de forma inteligente e integrada. O conceito de sistema de água inteligente utiliza tecnologias de informação avançadas para dados de monitorização com vista a um maior controlo e eficiência na alocação de recursos. Além disso, para aumentar a eficiência no controlo de perdas de água, a prevenção e a deteção precoce de fugas permitem o desenvolvimento das melhores práticas na gestão de ativos. Através das inovações tecnológicas, as redes de água inteligentes podem reduzir custos, aumentar a qualidade do seu serviço e otimizar a operação do sistema no controlo de perdas, na eficiência hídrica e energética, na segurança e na operacionalidade com vista à melhoria da gestão dos recursos hídricos e da operação dos sistemas. Recuperação de energia, modelos de simulação e controlo da pressão Dados sobre a localização, caudal e condições de pressão nas infraestruturas de água existentes numa zona da União Europeia 42

foram analisados de várias concessionárias de água e organizações públicas, tanto na Irlanda, Irlanda do Norte, Escócia, País de Gales, Portugal e Espanha (Mitrovic et al (2021). Os dados foram compilados, em particular como parte de um projeto de investigação financiado pela UE, o projeto REDAWN, na zona específica da Europa do Espaço Atlântico, www. REDAWN.eu. Os dados dizem respeito às infraestruturas das redes de água existentes, que apresentam potencial, com quantidades significativas de excesso de pressão, que poderiam ser usadas para gerar hidroenergia, sem interferir com os requisitos para os fins a que se destina o serviço de água. Esses locais existentes, onde o excesso de pressão é intencionalmente dissipado são identificados como: válvulas redutoras de pressão, válvulas de controle, câmaras de perda de carga, entradas de reservatório alimentados por gravidade, entradas de estações de tratamento de sistemas gravíticos e nos efluentes das estações de tratamento de águas residuais. As válvulas redutoras de pressão são dispositivos hidromecânicos que, com a passagem da água, reduzem a pressão através de uma perda de carga, permitindo o controlo da pressão sempre que há excesso e podepôr em risco a segurança das instalações hidráulicas (Figura 2).


SUSTENTABILIDADE

Fig. 2 - Válvulas redutoras de pressão (VRP) em sistemas do sector da água para controlo das perdas, com georreferenciação; utilização de micro-turbinas no aproveitamento de energia e controlo da pressão

Devido às complexas redes de distribuição de água (Figura 3), o sistema SIG torna-se imprescindível para a gestão dos dados georeferenciados, na definição de localizações, características, deteções, incluindo as componentes espaciais que possibilitam o planeamento e a gestão da melhoria em termos de localização das seções críticas. A aplicação do potencial SIG permite a agilização de processos, a análise de várias situações, a localização de clientes, passando de uma tecnologia inexistente a um recurso integrado com a simulação hidráulica através de modelos, como o EPANET. Deste modo, é possível identificar locais específicos para a recuperação do excesso de energia do escoamento. Investigações anteriores mostraram o potencial da instalação de micro-turbinas (micro-hydropower - MHP) para recuperar energia a partir do excesso de pressão, sem afetar os consumidores ou os processos a jusante. A recolha de dados sobre esses locais existentes nas infraestruturas de água, permitiu a avaliação do potencial de produção de energia que poderia ser alcançado com a instalação de micro-turbinas. A metodologia assim definida facilita a avaliação do potencial da infraestrutura existente. Embora as válvulas redutoras de pressão (VRPs), e.g., existam em redes de água para reduzir o excesso de pressão, a sua presença não se faz em todos

Fig.3 - Simuladores e localizadores SIG na obtenção da resposta em tempo real dos sistemas hidráulicos

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EXCLUSIVO

Fig. 4 - Redes de distribuição de água e controlo da pressão

os sistemas hidráulicos e pode haver excesso de pressão em redes de água onde nem existem VRPs. Como tal, a abordagem só pode avaliar o potencial de substituição ou o acoplamento de turbinas na infraestrutura existente, muitas vezes em redes complexas (Figura 4), com diferentes componentes. Para obter uma avaliação do potencial ótimo de possíveis micro-turbinas em redes do sector da água, é necessário avaliar os modelos hidráulicos de simulação de cada rede, o que nem sempre é possível a uma escala global. Os modelos de simulação hidráulica, permitem analisar diferentes cenários de localização otimizada de dispositivos de medição e controlo, assim como selecionar os melhores locais que apresentem maior potencial hidroenergético.

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É POSSÍVEL IDENTIFICAR LOCAIS ESPECÍFICOS PARA A RECUPERAÇÃO DO EXCESSO DE ENERGIA DO ESCOAMENTO


SUSTENTABILIDADE

Quadro 1 - Número de locais potenciais para recuperação de energia MHP nas seis regiões selecionadas da UE: dados obtidos por setor

Estimativa do potencial hidroenergético Com base em estudos aprofundados de conhecimentos recentes sobre a recuperação de energia em sistemas hidráulicos e na análise de dados de 8 828 locais de redes de água (cf Quadro 1), foram criadas bases de dados para a Irlanda, Irlanda do Norte, Escócia, País de Gales, Espanha e Portugal sobre o que existe ou está disponível para análise. Identificaram-se 30 concessionárias de água e entidades públicas (de redes de água potável, residuais e irrigação) nessas regiões. Mais de 73% dos serviços públicos contatados estavam em posição de fornecer dados com diferentes detalhes de resolução e espaço temporal. Os dados obtidos incluíram o caudal médio anual e informações de pressão, com longos registos de dados em intervalos de 5 minutos. No entanto, a maioria dos dados apresenta uma menor resolução temporal e, consequentemente a avaliação subsequente multi-país, do potencial de energia foi conduzida com base em valores médios anuais e respetivas condições de pressão. No Quadro 1 apresentam-se os resultados da análise sobre potenciais locais de recuperação de energia hídrica.

O Quadro 2 (página seguinte) mostra o potencial de energia em redes de abastecimento de água potável das regiões examinadas. Um total de 17944 kW foi identificado a partir de dados de redes existentes nas seis regiões investigadas. A maior parte desta estimativa foi na Escócia (15516 kW), que tinha uma base de dados bastante completa e bem definida. A segunda maior estimativa com um conjunto de dados, foi a Irlanda do Norte, com 859 kW. Relativamente às águas residuais apresenta-se a estimativa do potencial energético no Quadro 3 (página seguinte). Foi ainda estimado um total de 3206 kW de potência, em estações de tratamento de águas residuais nas seis regiões avaliadas, em função da população servida. O baixo nível inerente à maioria dos sistemas de tratamento de águas residuais resultou num potencial hidroenergético relativamente pequeno deste setor, em comparação com os sistemas de abastecimento de água potável, totalizando um total anual de 28,0 GWh. No sector dos sistemas de rega, as regiões com maior potencial são as do sul da UE, neste caso, em particular Portugal e Espanha, cujo fator médio do potencial de recuperação de energia 45


EXCLUSIVO

Quadro 2. Estimativa do potencial energético (>2kW) por região para as redes de abastecimento de água potável em função da população servida

Quadro 3. Potencial energético de MHP no sector de águas residuais

para a superfície irrigada foi estimado em 0,08 kW/ha. Neste caso, as áreas de superfície irrigadas eram áreas a jusante de cada instalação potencial micro-hídrica, de acordo com a topologia das redes de irrigação analisadas (Figura 5). Deste modo, as estimativas de potência e potencial hidroenergético para MHP a partir da análise de regiões com redes de rega pressurizadas em Portugal sintetizam-se no Quadro 4, onde se pode observar nas duas regiões Alentejo e Algarve com maior potencial hidroenergético total anual de 24 GWh.

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Fig. 5 - Distribuição espacial das redes de irrigação analisadas no sul de Espanha e Portugal perfazendo cerca de 177 locais potenciais para recuperação de energia MHP


SUSTENTABILIDADE No caso de Espanha, inclui-se a maioria da superfície de irrigação, com a relação entre a água de rega e o volume total e a extrapolação de potência e energia para as principais regiões, totalizando um potencial hidroenergético anual total de 221,4 GWh . No total pode afirmar-se que a potência instantânea estimada das redes de rega em Espanha e Portugal foi de cerca de 120,5 MW e considerando que o funcionamento das redes se concentra tipicamente nos meses de verão, a energia total anual disponível recuperada através de micro-hídricas (MHP) foi estimada em 245,4 GWh.

Quadro 4 – Potencial hidroenergético das redes de rega em Portugal e Espanha

Quadro 5 - Estimativa total para o potencial energético de 6 regiões da UE

Resumo do potencial hidroenergético total no sector da água A energia anual total estimada nas seis regiões analisadas e nos três setores de água é de cerca de 600 GWh, dependendo dos fatores selecionados para a estimativa do potencial de energia no setor de água potável. A maior parte da energia identificada encontra-se localizada em redes de água potável e de irrigação (cerca de 50% para água potável e 40% para irrigação). No Quadro 5 apresenta-se o resumo do total anual estimado para o potencial hidroenergético MHP em GWh nas seis regiões da UE sujeitas a análise, para os três setores de água.

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EXCLUSIVO

Fig. 6 – Condutas adutoras e roturas devido à ação sísmica ou a variações de pressão: redes de água, gás, de drenagem, de eletricidade interrompidas e cargas e momentos fletores ao longo dos trechos de conduta quando sujeitos a solicitações.

Segurança estrutural das instalações hidráulicas Os circuitos hidráulicos ou de transporte de fluidos, em geral, estão sujeitos a diferentes solicitações induzindo uma certa vulnerabilidade nessas infraestruturas. Entenda-se por vulnerabilidade a suscetibilidade de um elemento ou conjunto de elementos apresentarem falhas quando expostos a fenómenos associados a algum perigo. Tais perigos podem depender de diversos fatores causadores de inúmeros problemas, em particular, quando são negligenciados nas diferentes fases de um projeto: na conceção, no dimensionamento, na execução e durante a operação. A segurança dos sistemas hidráulicos com análise da componente estrutural associada à variação de pressão é de extrema importância e deve ser considerada desde as primeiras fases do projeto. 48

A deformada do sistema devido à ação sísmica conjuntamente com o peso próprio da estrutura e o peso da água mostram efeitos devastadores tanto em condutas enterradas como aéreas (Figura 6). O uso de um elemento de viga (1D) é aplicável à maioria das estruturas, e.g., pontes, estradas, passadiços ou pontes pedonais, suportam análises lineares e não lineares, incluindo plasticidade, grandes deformações e colapso. É comum a sua utilização em especialmente quando: ·o comprimento do elemento é muito maior do que a largura ou profundidade; ·o elemento tem propriedades consistentes de seção transversal; ·o elemento deve ser capaz


SUSTENTABILIDADE

Fig. 7 - Análises hidrodinâmicas do comportamento dos sistemas de medição e controlo aos efeitos dinâmicos associados a determinadas solicitações

de transferir momentos; ·o elemento deve ser capaz de lidar com uma carga distribuída ao longo do seu comprimento. Medição, simulação e controlo A utilização de sistemas de medição e controlo na interação fluido estrutura, onde a pressão e o caudal são variáveis fundamental da análise 3D, o que permite obter a resposta a determinadas solicitações a que um determinado sistema hidráulico pode estar sujeito. Na Figura 7 apresenta-se um exemplo de uma instalação reproduzida em modelo reduzido para análise dos efeitos hidrodinâmicos que ocorrem na realidade numa abordagem 3D ou, em alguns casos simplificando para 2D. O modelo computacional da dinâmica dos fluidos (CFD) deve ser utilizado em análises avançadas da modelação dinâmica dos fluidos do tipo Multiphysics, e apresenta resultados precisos para diversos problemas de escoamento de fluidos utilizando modelos matemáticos baseados no método dos elementos finitos (FEM), que usa a conservação aplicadas às equações

de Navier-Stokes (RANS com média de Reynolds) como equações que governam o escoamento:

O método dos elementos finitos (FEM) é um método computacional que divide um objeto em elementos menores, criando malhas de cálculos 2D ou 3D. A cada elemento é atribuído um conjunto de equações características que são resolvidas como um sistema de equações para estimar o comportamento desse mesmo objeto. Dos modelos de turbulência desenvolvidos, o modelo k-ε é um modelo bastante comum e usado, principalmente para aplicações industriais devido à boa relação de convergência e requisitos de memória relativamente comportáveis. Este modelo resolve duas variáveis: k, a energia cinética da turbulência; e ε, a taxa de dissipação da energia cinética de turbulência. 49


EXCLUSIVO

Fig. 8 – Distribuição de velocidades e das linhas de corrente do escoamento induzidas por curvas e efeitos rotativos no escoamento

Fig. 9 - Deformação da interface de água/ar: valores numéricos e experimentais

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SUSTENTABILIDADE Na Figura 8 apresentam-se os resultados de medições do perfil de velocidades através de equipamentos de medição sofisticados do tipo doppler, não intrusivos, e os resultados de simulação de um modelo de CFD na obtenção da distribuição de velocidades 2D e 3D num trecho crítico do escoamento, sujeito a efeitos hidrodinâmicos que podem dar origem a estimativas erradas do caudal ou a valores de pressão não uniforme com consequências danosas para as respetivas juntas e desastrosas para o sistema, induzindo roturas e a interrupção do seu funcionamento. Muitas vezes, em fases de enchimento ou ocorrência de cavitação é possível visualizar bolsas de ar aprisionadas ou libertadas em pontos altos do perfil do circuito hidráulico, que ao serem comprimidas dão origem a valores de pressão extremos, acima da resistência estrutural da conduta, conduzindo ao deslocamento ou até a rotura da mesma. Na Figura 9 mostra-se o efeito de uma bolsa de ar aprisionado num ponto alto de uma conduta que devido a solicitações hidrodinâmicas, induziu diferentes comportamentos consoante a variação de pressão e a dimensão da bolsa de ar no interior da conduta.

A informação fornecida pelo simulador (Volume of Fluid – VOF ar/água) no que diz respeito à cinemática do gás assume relevância para a interpretação do comportamento da interface e também para melhor compreender o seu efeito direto no amortecimento das oscilações de pressão durante um regime variável ou transitório. Na Figura 9, a imagem superior mostra a distribuição das fases (o ar a vermelho e a água a azul). Os balanços energéticos, de forças e dos caudais são essenciais para detetar fugas nos sistemas de abastecimento e distribuição, assim como identificar as instabilidades associadas à ocorrência de acidentes. Se a medição não for precisa, entendida ou controlada, pode dar origem a acidentes graves, ou a balanços de conservação da massa e energia errados. E&A

OS BALANÇOS ENERGÉTICOS, DE FORÇAS E DOS CAUDAIS SÃO ESSENCIAIS PARA DETETAR FUGAS NOS SISTEMAS DE ABASTECIMENTO E DISTRIBUIÇÃO 51


REDAWN: Reduzir a Dependência Energética nas Red es de Água da Região Atlântica A

projecto

REDAWN

visa

melhorar

a

eficiência energética das redes de água, através da instalação de tecnologia microhidríca inovadora. Esta tecnologia irá recuperar a energia não utilizada e desperdiçada nas redes de água existentes,

desde

as

de

irrigação,

abastecimento público de água, indústrias transformadoras e de águas residuais e melhorar a sua eficiência energética. O projeto REDAWN reúne 15 parceiros de 5 países em toda a costa atlântica que trabalham para uma maior eficiência nas redes de água. Este projeto é cofinanciado pelo Fundo Europeu

de

Desenvolvimento

Regional

(FEDER) através do Programa Interreg Espaço Atlântico 2014-2020. https://www.redawn.eu/pt/sobre-redawn

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SUSTENTABILIDADE

CONSTRUÇÃO TRADICIONAL? ADEUS! POR ENGENHO & ARTE A INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO ESTÁ A MUDAR, RECOMEÇOU A ERA DA PRÉ-FABRICAÇÃO E PRODUÇÃO EM MASSA, A CONSTRUÇÃO CIVIL RECOMEÇA DE NOVO A INDUSTRIALIZAR-SE E A SER EQUIPARADA À PRODUÇÃO EM SÉRIE DE GRANDES QUANTIDADES. À medida que a população mundial continua a crescer, somos confrontados com a necessidade de desenvolvimento e construção mais rápidos e em grande escala. Entender o processo de construção Os projectos e processos de construção permaneceram relativamente iguais por centenas, talvez milhares de anos. Um engenheiro ou arquitecto criaria uma visão para um projecto, o chamado projecto de base de arquitectura ou esquisso, um engenheiro civil criaria todos os suportes e funções necessários para que uma equipa de construtores conseguissem executar a construção deste projecto. Parece simples, mas uma coisa que o “processo experimentado e testado” tem cada vez menos é o tempo. Algo muito precioso e dispendioso nos dias que correm. Quando o tempo e eficiência tornam-se a principal restrição para a construção, como se pode constatar em áreas de rápido crescimento, actualmente a única solução é a construção tradicional, por vezes com falta de originalidade e beleza arquitectónica. Esta solução não se adapta à população em massa e nunca foi o seu uso final pretendido. Em vez de insistirmos nesta forma de construção de habitações, a indústria da construção, regressará de novo para uma indústria de produção em massa de larga escala,

amplamente utilizada no pós segunda guerra mundial. Este método inicia o seu desenvolvimento, concentrando-se em primeiro lugar na beleza e originalidade arquitectónica, e será impulsionada pela capacidade de fabricação e velocidade. Assim como a impressão 3D e outras técnicas de produção estão a infiltrar-se no mundo da engenharia mecânica, o mesmo ocorre com os vastos projectos pré-feitos, de concepção relativamente rápida, que se infiltram na indústria da construção. Existem inúmeras maneiras de criar uma estrutura usando componentes que se agregam entre si. Os construtores podem utilizar máquinas de impressão 3D em larga escala para casas de betão e tijolo, embora ainda não se tenha chegado a uma forma prática e simples para o seu uso generalizado. O que o mundo começará a ver em breve será um sistema de blocos de construção, criando um padrão, para moradias totalmente personalizadas, utilizando peças e componentes semelhantes, desta vez concebidas para possibilitar múltiplas formas diferentes de construção e assim poder permitir uma maior “originalidade”. 53


Tendências emergentes na indústria Esta tendência lentamente emergente na indústria da construção está a aumentar cada vez mais rápido. Começamos a ver arranha-céus erguidos num espaço de dias e semanas, contrariamente aos anos da construção mais tradicional.

Assim como a revolução industrial criou uma variedade de processos que aceleraram a fabricação e produção, estamos agora a regressar de novo a uma revolução na construção, que está a conseguir acelerar a nossa capacidade de projectar habitações, atendendo assim à crescente necessidade da população, criadas em pequena escala, nunca esquecendo de dimensionar os métodos para o tamanho de uma casa ou de um prédio, que se encaixam facilmente, para criar uma estrutura maior e que pode ser personalizada e aperfeiçoada, ao gosto do cliente.

Durante a maior parte da história, a construção contou com pedreiros, construtores e muitos outros fornecedores, para levar um projecto arquitectónico e de engenharia a bom termo. Assumindo que os negócios de retorno lento estão a ser abandonados, algo factual, e que o tempo é um factor determinante na construção, À medida que as técnicas de impressão 3D não há simplesmente tempo suficiente para em larga escala para edifícios amadurecem, o confiar na componente humana em estaleiro. sector começa a ver cada vez mais arquitectos a escolher estes métodos construtivos, Engenheiros e construtores, estão assim, a re- cabendo aos engenheiros tornar a sua concorrer a técnicas de construção de edifícios, cepção possível. Em termos de viabilidade, as onde as paredes são pré fabricadas em grandes estas técnicas foram comprovadas em pesecções e montadas no próprio lugar onde per- quena escala, nunca esquecendo que dimanecerão décadas. Essa técnica permite que mensionar os métodos para o tamanho de secções com centenas de metros de compri- uma casa ou prédio é outra questão. E&A mento sejam levantadas num espaço de horas. Artigo originalmente publicado no dia 14/03/2020, aqui

COMEÇAMOS A VER ARRANHA-CÉUS ERGUIDOS NUM ESPAÇO DE DIAS E SEMANAS, CONTRARIAMENTE AOS ANOS DA CONSTRUÇÃO MAIS TRADICIONAL 54


SUSTENTABILIDADE

A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DO ALQUEVA POR HELENA M. RAMOS A importância estratégica do Alqueva - o maior reservatório artificial de água da Europa A capacidade instalada de produção de energia eléctrica começou por ser de 260 MW, tendo sido alvo de um reforço de potência, que permitiu ampliar a capacidade do empreendimento para 520 megawatts (MW), com dois grupos geradores reversíveis, que deverão produzir anualmente 381 gigawatt hora (GWh). A albufeira atinge, à cota máxima, os 250 km², sendo então o maior lago artificial da Europa Ocidental. A quantidade máxima de água retida na albufeira criada pela imponente barragem de betão e arco, com quase 100 m de altura corresponde ao volume de 4 150 x106 m3, equivalente a todo o consumo anual de água em Portugal incluindo todo o regadio, o abastecimento às populações e à indústria, o que pode parecer um valor quase infinito, atendendo à recarga constante durante o inverno, e ao consumo humano típico, que se situa entre 180 a 280 l/dia, dependendo das regiões.

O volume útil da albufeira de Alqueva de 3150 hm3 corresponde a uma amplitude de variação no nível das águas de 22 m, entre a cota 152m (nível de pleno armazenamento) e 130m (nível mínimo de exploração). Abaixo deste nível fica ainda um volume equivalente à albufeira de Castelo do Bode (cerca de 1000hm3). Destes recursos hídricos, a EDIA (segundo Jose Pedro Salema, CEO da EDIA) tem a concessão do Estado Português para extrair anualmente 620 hm3, sendo 590 hm3 para abastecimento agrícola e 30 hm3 para abastecimento público e industrial. A importância do Alqueva na região Alentejana e para o país O projeto Alqueva tem algumas particularidades que sustentam a sua importância geopolítica e estrutural para a sustentabilidade da agricultura alentejana tanto ao nível público como privado. Contudo o empreendimento do Alqueva não consegue beneficiar a totalidade do Alentejo, mas muito contribui para que áreas significativas passassem a ser bastante competitivas. O Alqueva beneficia largas áreas de explorações agrícolas com regadio,

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embora muitas delas também possuírem áreas de sequeiro. Salienta-se que a sua capacidade de regularização vem contribuir para a uniformidade das disponibilidades hídricas. Por outro lado, a interligação entre a grande barragem do Alqueva e outras mais pequenas permitem transvases e uma melhor gestão da utilização da água nos locais mais carenciados. O tarifário é outro facto que contribui para enaltecer a competitividade, ao permitir a existência de culturas anuais permanentes. O tarifário otimizado teve por base um conjunto de medidas através da gestão única e integrada de todo o sistema, da implementação futura do Plano Nacional de Regadios, do investimento em energias fotovoltaicas e da otimização plena dos sistemas primários e secundários de rega apresentando valores máximos de 0,077€/m3 e mínimos de 0,03€/m3, permitindo de forma sustentada a realização da maioria das culturas de regadio existentes, assegurando a sua rentabilidade e por outro lado permitindo cobrir todos os encargos de exploração do sistema. Epicentro da Agricultura nacional O Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA) é considerado o principal projeto estruturante do Alentejo. A região beneficia de um conjunto de infraestruturas que potenciam o seu desenvolvimento de forma integrada e multissetorial, assegurando produção de energia, compensações climáticas de humedecimento do local, criando um micro-clima na região,

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assegurando o potencial de rega numa zona anteriormente desertificada. O setor económico agrícola é o que se apresenta com maior destaque neste desenvolvimento do regadio, de tal forma que a região já é considerada como o epicentro estratégico-agrícola nacional. No Alqueva existem já operacionais 120 mil hectares de área de regadio que foram inicialmente projetados. Por outro lado, a expansão da área servida em mais 47 mil hectares permite alargar substancialmente o impacto positivo do projeto na economia não só da região, mas principalmente no país. Recentemente uma equipa liderada pelo Professor Augusto Mateus concluiu um estudo para a EDIA sobre o impacto do projeto Alqueva na economia portuguesa e as conclusões são deveras expressivas e significativas. É espectável um aumento no valor bruto da produção de 340 milhões de Euros, um incremento da riqueza criada (VAB) de 254 milhões de Euros e mais de 7500 trabalhadores envolvidos na produção (fonte: EDIA). Deste modo, reitero o que José Pedro Salema (presidente da EDIA) afirma convictamente do quanto é fundamental encontrar o financiamento para alargar o perímetro de Alqueva, para desta forma garantir a sustentabilidade de todo o sistema, a plena


SUSTENTABILIDADE

COM MAIS DE 250 KM2, A ALBUFEIRA É ALIMENTADA PELAS ÁGUAS DO GUADIANA, E VEIO ALTERAR A FISIONOMIA DO ALENTEJO utilização das infraestruturas e para maximizar a riqueza criada a partir da maior reserva estratégica de água da Europa! O lago artificial criado pela barragem do Alqueva foi criado para revitalizar uma das zonas mais empobrecidas da Península Ibérica, acabando também por ser um polo turístico, que não pode ser esquecido, na contribuição para o desenvolvimento sustentado da região do Alentejo. Com mais de 250 km2, a albufeira é alimentada pelas águas do Guadiana, e veio alterar a fisionomia do Alentejo, criando um microclima na região, sentido muitas vezes pela humidade atmosférica concentrada na região da albufeira, permitindo também

dinamizar a própria vida dos seus habitantes. A barragem apresenta uma capacidade de armazenamento superior a 4.100 hm3, com uma extensão de costa equivalente a todo o litoral marítimo português, sendo inequivocamente uma imagem de marca do Alentejo, que impulsionou, desde logo, a agricultura e a geração de energia, e mais recentemente veio a tornar-se também no epicentro do crescimento de um turismo sustentável que pode travar o ritmo da desertificação e despovoamento que era evidente nesta região de Portugal. E&A Artigo originalmente publicado no dia 14/12/2020, aqui

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SMART CITIES & MOBILIDADE

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SMART CITIES & MOBILIDADE A CULPA NÃO MORRE SOLTEIRA – O LANÇADOR VEGA VOLTOU A FALHAR MAS AS RESPONSABILIDADES FORAM INTEIRAMENTE APURADAS POR EDGAR CARROLO O mais pequeno lançador europeu voltou a voar depois da missão realizada com sucesso no passado mês de Junho. No passado dia 17 de Novembro, ocorreu mais um lançamento do lançador europeu VEGA, depois da sua retoma no passado mês de Junho, com uma missão que fez história, e após uma longa ausência como por mim anunciado num dos meus artigos. Se o penúltimo lançamento, tinha sido um respirar de alívio, após o primeiro acidente em voo registado pelo mais pequeno lançador da família Europeia em mais de 8 anos de operação (e 14 lançamentos com sucesso consecutivos), este último serviria como uma espécie de confirmação, o que infelizmente não aconteceu… Este lançamento trazia a bordo dois payload. O SEOSAT-Ingenio, um satélite da Agência Espacial Europeia (ESA) em representação da Centro Espanhol para o Desenvolvimento de Tecnologias Industriais (CDTI) era um deles. Este satélite foi o resultado de cerca de uma década de desenvolvimento, com um investimento total de 200 milhões de euros, e 75% de tecnologias nacionais incorporadas, pelo que era sem dúvida um motivo de orgulho por parte da Engenharia Aeroespacial Espanhola. O satélite tinha como missão a observação terrestre, em especial o território Espanhol, com um varrimento de qualquer ponto da terra em apenas 3 dias e de todo o território espanhol 8 vezes por ano. A resolução da câmara era o estado da arte de tecnologia espacial espanhola, permitindo uma imagem com uma amplitude de 60 Km, com cada pixel representando 2,5m; isto na prática quer dizer que um carro

VEGA em posição vertical na estrutura de lançamento

no solo podia ser visto com tudo o detalhe a partir de uma imagem capturada a 670 km de altura. Estas fotos iriam ser usadas posteriormente para cartografia, agricultura, gestão de recursos naturais (para controlo de barragens e bacias hidrográficas). Na prática, estas imagens podiam alertar para incêndios, indicar o nível de nutrientes dos cultivos para determinar a quantidade de fertilizante a aplicar e detetar construções ilegais.

SE O PENÚLTIMO LANÇAMENTO, TINHA SIDO UM RESPIRAR DE ALÍVIO, (...) ESTE ÚLTIMO SERVIRIA COMO UMA ESPÉCIE DE CONFIRMAÇÃO, O QUE INFELIZMENTE NÃO ACONTECEU… 59


EXCLUSIVO

Payload integrada no interior da carnagem do VEGA

Juntamente com a missão espanhola, o satélite francês TAREMIS integrou igualmente o lançamento. Com uma massa de 175 quilogramas e um custo de cerca 155 milhões de Euros, este satélite, desenvolvido pelo CNES (Centre Nationale D’Etudes Spatiales), tinha como objetivo estudar com detalhe a radiação eletromagnética existente a uma altitude entre os 20 e 100 km e que dá origem a trovoadas.

Satélite SEASAT-Ingenio em montagem nas instalações da Airbus em Espanha

do processo de integração e como e porque é que a anomalia não foi detetada em terra. A anomalia não se ficou a dever a qualquer erro de design ou de qualificação de algum componente integrante do lançador, mas sim a um erro de integração do TVC, nomeadamente na inversão da cablagem dos atuadores eletromecânicos que permitem acionar o TVC, o que inverteu os comandos que eram fornecidos, resultando na degradação da traNo entanto, o que fica para a história, é que nen- jetória. Foi igualmente referido que o erro não hum destes satélites pôde realizar a sua missão… foi detetado devido a inconsistências entre requisitos específicos e controlos prescritos. Na madrugada de 17 de Novembro, o voo Nº17 do VEGA deu o seu início, e após um curto período em O relatório refere por fim um conjunto de que operou de acordo com o previsto, foi detetado recomendações a serem implementadas um desvio de trajetória no último motor a entrar e funcionamento, AVUM, de combustível líquido. Satélite TARENIS As análises preliminares aos dados telemétricos, que são recolhidos em tempo real durante o voo, permitiram apontar imediatamente um suspeito: o TVC (Thrust Vector Control), que tem como função ajustar a inclinação do propulsor, e consequentemente alterar a trajetória de voo. Uma comissão independente foi de imediato criada de forma a apurar ao detalhe as causas da falha catastrófica. Passado cerca de um mês após o acidente, foi divulgado o relatório com a confirmação das causas da falha, assim uma explicação do que correu mal ao nível 60


SMART CITIES & MOBILIDADE pelo fabricante do motor, a italiana AVIO, onde se inclui um conjunto de inspeções adicionais e teste nos próximos dois voos, assim como um conjunto de ações permanentes, a serem implementadas ao nível dos processos de fabrico, integração e verificação. A conhecida expressão popular “O seguro morreu de velho”, nunca foi tão verdade… Aquando do acidente fatal do VEGA em 2019, que traria para órbita o satélite militar dos Emiratos Árabes Unidos Falcon Eye 1, foi reclamado o maior valor de sempre por um satélite a uma seguradora; 389 milhões de euros! Antes deste acidente, já se tinham somado perdas no valor 160 milhões pela falha de um lançador americano em Janeiro, resultando na perda de um satélite de observação terrestre. Ao contrário da indústria automóvel, os seguros em Espaço não são obrigatórios por lei, pelo que apenas 60% dos satélites lançados são segurados, ainda que se tenha verificado uma tendência de descida dos prémios das seguradoras devido ao aumento da fiabilidade dos lançadores e crescente competição entre companhias de seguro. Naturalmente, após esses acidentes em 2019 e devido ao mercado relativamente pequeno que a indústria Espacial representa para as seguradoras, os prémios subiram em flecha, de forma a colmatar as perdas acumuladas no setor. Esse pode ser o motivo pelo qual nenhum dos satélites irremediavelmente perdidos em Novembro do ano passado tenha sido segurado, pelo que nenhum do investimento realizado é passível de ser recuperado. Levanta-se então a questão: será que não faz sentido criar legislação no sentido de minorar perdas em caso de acidentes Espaciais e proteger os investidores (muitos deles entidades públicas financiadas por todos os contribuintes)? Esta questão torna-se cada vez mais importante, em especial se tivermos em conta que se está a verificar um consistente aumento do número de lançamentos e a democratização do acesso ao Espaço, com períodos de desenvolvimento mais curtos e onde a qualidade pode ser descorada.

Integração do payload no topo do lançador

Fatores Humanos – o bode expiatório para as causas das falhas em Engenharia O erro que originou a falha catastrófica do VEGA em Novembro teve claramente uma origem humana, o que não gera surpresa, pois este continua a ser porventura nos dias de hoje, o grande responsável de falhas detetadas. No caso do VEGA, o erro que originou à destruição de mais de 300 milhões de Euros de tecnologia deveu-se à inversão na assemblagem de dois cabos. O leitor deve estar ainda neste momento a perguntar-se como foi possível esse erro não ser detetado com todos as inspeções e testes que são efetuados em Terra? Bom, é de fato até para mim que trabalha na indústria, e mesmo após ler o comunicado oficial compreender. Todos sabemos no entanto, que os erros humanos são frequentes, e a indústria Espacial está bem ciente disso, daí investir uma quantidade de recursos muito significativa para diminuir ao máximo a prevalência do erro, 61


EXCLUSIVO e quando ocorre, que este tenha o menor impacto possível na execução da missão. Ainda assim todos os procedimentos, testes, e sistemas redundantes não são suficientes para eliminar o erro da equação. Nos dias de hoje já começa a haver uma grande consciência empresarial para os fatores humanos e como estes podem afetar o comportamento no trabalho, na saúde do indivíduo e na segurança, pelo que a questão está mais no lado da definição das ações corretivas a um erro originado por fatores humanos

TER UMA EQUIPA DE INVESTIGAÇÃO MULTIDISCIPLINAR COM VISÕES DISTINTAS TAMBÉM É APONTADO COMO FUNDAMENTAL PARA UM CORRETO ENQUADRAMENTO DA FALHA

Estudos indicam que a falta de treino representa apenas 10% de todos os erros for fatores humanos, no entanto esta é a receita mais frequente para “resolver” o problema, quando muitas vezes não é a verdadeira causa do mesmo. A questão pode ser bem mais complexa do que isso, mas a necessidade de circundar rapidamente o problema é bastante tentadora… da organização, e é aí que muitas investigações falham, pois deixa de ser simples meO especialista em análise de falhas George Bern- dir o resultado das ações corretivas propostas. stein vai ainda mais longe e afirma que na área As questões culturais das organizações das geográfica onde ele trabalha, a causa mais co- empresas são um exemplo claro de uma área mum para falhas é o não seguimento dos pro- cinzenta de uma investigação, onde o impacto cedimentos existentes. Segundo a sua ex- no desempenho dos indivíduos que dela deperiência é necessário ir mais longe e perceber pendem é muito significativo, mas muito comse o problema é sistémico num único individuo, plexa do ponto de vista de mensurabilidade. o que pode ser sintomático de um treino defi- A estratégia de contacto direto com múltiplos ciente, ou se se estende a diversos indivíduos, indivíduos dentro da organização, que são eso que sugere que o procedimento não é claro. pecialistas nas suas áreas pode ser muito efiEm suma, quando o relatório do departamen- caz. Deste modo, a investigação é cruzada em to de qualidade refere o retreinamento como múltiplos planos de forma a identificar e reduzir ação corretiva, precisam de o fazer com toda a os “gaps” que possam existir. Ter uma equipa de certeza, porque tal declaração tem outra implíci- investigação multidisciplinar com visões dista: que o treino realizado até aí não era eficaz. tintas também é apontado como fundamental para um correto enquadramento da falha. No limite, uma má caracterização da causa da falha, pode resultar numa agudização da não conformidade já existente. Outras causas comuns relacionadas com fatores humanos são: Erros nos procedimentos; Erros de engenharia; Falta de treino, ou ineficaz; Erros na supervisão; Comunicação deficiente. Durante a investigação da falha é de facto fulcral ir até as camadas mais profundas 62

Conhecendo a indústria como conheço, e com o talento que ela reúne, tenho a certeza de que todas as melhores práticas foram seguidas para que o VEJA possa voltar a ter a fiabilidade de outrora e e ser um legítimo competidor no acesso ao Espaço no panorama mundial.E&A


SMART CITIES & MOBILIDADE

SERÁ O HIDROGÉNIO O FUTURO ENERGÉTICO DA HUMANIDADE? POR NUNO POITOUT A ELETRICIDADE É SEM DUVIDA A ENERGIA LIMPA POR EXCELÊNCIA, NO LIMITE TUDO É FEITO DE ENERGIA, MAS A PRODUÇÃO DA ENERGIA ELÉTRICA É ONDE O DEBATE SERÁ AINDA MUITO LONGO E AQUI CABE A SEGUINTE PERGUNTA. SERÁ O HIDROGÉNIO O FUTURO ENERGÉTICO DA HUMANIDADE? Antes de responder… As reservas de petróleo e de gás natural, fontes primárias dos actuais combustíveis fósseis, não durarão para sempre! Os stocks são finitos e, apesar de haver alguma discordância nos dados disponíveis, segundo o último relatório “Statistical Review of World Energy” elaborado pela BP, estima-se que as reservas conhecidas se esgotem em cerca de 50 anos, se mantivermos o ritmo actual de consumo. A poluição diretamente ligada à actividade humana está a afetar de forma evidente o meio ambiente, a nossa saúde e, consequentemente, nossa qualidade de vida. O tema das alterações climáticas impulsiona os governos de todo o mundo, cientistas e empresas privadas a procurar fontes energéticas alternativas que sejam mais limpas, mais sustentáveis e mais eficientes, como resposta à crescente procura energética (sob as mais variadas formas) que aumenta a ritmo constante nos últimos anos, a uma taxa média superior a 2%! As razões apontadas são o gradual crescimento económico, aumento da população mundial e o aumento do consumo por parte dos países emergentes, nomeadamente, China e Índia, entre outros. Dos países desenvolvidos, os Estados Unidos fazem jus à fama “à grande e à americana” e têm verificado um

acréscimo de consumo de cerca de 3,5%. A Europa, por outro lado, tem adoptado com sucesso medidas que levaram a um decréscimo do consumo médio energético, mesmo que residual, em cerca de -1% anualmente. Para fazer face a esta crescente procura energética, as soluções avançadas têm sido diversas e, por vezes, não consensuais. Há países a apostar na energia nuclear e a impulsionar a construção de novas centrais, outros que continuam a apostar nos combustíveis fósseis, mas, felizmente, as energias renováveis reúnem o maior consenso como aposta futura. Estas últimas, como a solar, a eólica e a hídrica têm evidentes vantagens mas têm também um inegável “Calcanhar de Aquiles”… Só estão disponíveis de forma intermitente, dependendo das condições meteorológicas e a acumulação da energia eléctrica resultante, para reserva, é difícil. As baterias adoptadas são pouco eficientes, volumosas, pesadas e dispendiosas. Não há actualmente uma voz uníssona sobre a melhor alternativa. Não obstante, no cardápio das fontes energéticas há uma que sobressai pelo facto de ser abundante, versátil e potencialmente gratuita… o hidrogénio. 63


O hidrogénio, que na realidade, não é uma fonte energética mas uma forma de acumulação de energia, é nesse sentido, um possível e provável concorrente às baterias. E, tal como o petróleo, o hidrogénio é também matéria-prima e tem um papel importante na indústria química, petrolífera, alimentar, espacial, etc.. Sendo o elemento mais abundante do universo, representando cerca de 75% da massa elementar, o hidrogénio só poderá ser usado sob a sua forma molecular H2. Pode ser obtido de diversas formas, umas mais interessantes que outras, subentenda-se, do ponto de vista energético, ecológico e financeiro. Hoje, a quase totalidade do hidrogénio é produzida a partir do gás natural e de processos industriais, método pouco eficaz e deveras poluente. Investigadores universitários, um pouco por todo o mundo, estão a tentar desenvolver métodos mais eficientes para a sua produção. Nos Estados Unidos, as universidades de Penn State e Virginia, descobriram como produzir hidrogénio mergulhando aglomerados 64

de átomos de alumínio em água, que ao reagirem, quebram as moléculas da água, produzindo hidrogénio e oxigénio. O método mais promissor da produção de hidrogénio e que pode fomentar novas oportunidades para a captura de energia renovável, é a electrólise da água. Num artigo publicado recentemente na revista Nature Communications, cientistas da Universidade de Glasgow, do Reino Unido e da Universidade de Lisboa, Portugal, descrevem um processo referente ao pulsar de corrente eléctrica sobre um catalisador sólido, que permite quase duplicar a quantidade de hidrogénio gasoso produzida, por milivolt de eletricidade. A grande vantagem é que a eletrólise da água pode ser realizada com recurso a electricidade produzida por energias renováveis, como a solar e a eólica e, nesse sentido, poderá ser limpa, 100% sustentável e potencialmente gratuita. Após a sua produção, o H2 pode ser armazenado sob forma líquida, localmente, em reservatórios pressurizados, construídos para o efeito, ou ser transportado recorrendo à já existente rede logística de distribuição de combustíveis


SMART CITIES & MOBILIDADE ou mesmo utilizando as actuais redes de gás natural. Colocado à disposição do consumidor final, o hidrogénio resultante terá de ser convertido em energia utilizável, nomeadamente, eléctrica. Para tal, recorre-se às fuel cell (células de energia). Resumidamente, são dispositivos electroquímicos que permitem, através de uma reacção química, a produção de energia eléctrica ao combinar o hidrogénio H2 com o oxigénio O2 atmosférico. Como resultado, obtém-se energia eléctrica limpa e, ao contrário da combustão convencional de combustíveis fósseis, o único subproduto produzido é vapor de água, isento de óxidos de carbono (COx) , óxidos de enxofre (SOx), óxidos de azoto (NOx), compostos orgânicos voláteis (COV), partículas finas, etc.. Verdadeiramente… Limpo!

A sua penetração no mercado actual depende da capacidade e vontade de investimento nas redes de produção, logística e abastecimento ao consumidor final. Para ser solução, o hidrogénio terá de estar disponível a um custo reduzido, quando comparado com outras alternativas. Vários países estão na vanguarda tecnológica, sendo o Japão, pela Toyota, um dos precursores no ramo automóvel. Quem não conhece o Mirai?

As actuais fuel cell são versões desenvolvidas a partir do conceito inicial datado de 1839 desenvolvido pelo físico-químico escocês Sir Williams Grove, que conseguiu pôr em prática o princípio teórico do químico Sir Humphry Davy, apresentado em 1801. Estes quase dois séculos de evolução e refinação tecnológica permitiram que atualmente as fuel cell sejam dispositivos estáveis, compactos e leves, permitindo a utilização em diversos meios de transporte como automóveis, autocarros, camiões, barcos, etc. e em diversas aplicações Industriais como geradores eléctricos (primários ou de backup).

A Coreia do Sul está a seguir os passos e a gigante Hyundai/Kia tem tido um papel activo na democratização das fuel cell no ramo automóvel. Na Europa, por exemplo, a Mercedes juntou-se à lista dos fabricantes automóveis apostados em tornar os FCEV (Fuel Cell Electric Vehicles) numa solução viável, credível e acessível, para um futuro de mobilidade mais limpo. Na Holanda, concretamente, em Amesterdão, um projecto piloto H2SHIPS, de cerca de 6,33M€, será lançado brevemente para colocar em serviço um barco alimentado por fuel cell para transporte de passageiros nos canais urbanos da cidade. Caso se verifique a eficácia desejada, prevê-se a construção de mais 58 barcos, até 2032. A elevada densidade energética gravimétrica do hidrogénio, que é, resumidamente, a quantidade de energia armazenada por quilograma de matéria, é uma clara 65


vantagem sobre outras formas de acumulação de energia. O hidrogénio tem uma densidade energética de cerca de 40.000 Wh/kg, a gasolina cerca de 12.500 Wh/kg e, a título de curiosidade, as baterias do mais conceituado fabricante de carros eléctricos a bateria, vulgo BEV (Battery Electic Vehicles) é 250 Wh/kg. Ou seja, o hidrogénio tem uma densidade energética de cerca de 3 vezes superior à gasolina e cerca de 200 vezes superior à das melhores baterias atualmente no mercado. Esta capacidade intrínseca de armazenar energia torna o hidrogénio na forma ideal para alimentar, entre outros equipamentos, automóveis, autocarros, camiões, comboios ou barcos, sem ser necessária uma radical alteração do paradigma actual da tecnologia, bastando adaptar os novos componentes associados às fuel cell à arquitetura dos equipamentos já existentes no mercado. Hoje, o custo de produção e, por conseguinte, de aquisição, sem ter em consideração eventuais benefícios fiscais, de um veiculo “convencional”, equipado com motor de combustão, ou ICEV (Internal Combustion Engine Vehicle), é substancialmente inferior ao dos mais directos concorrentes BEV ou FCEV. Para veículos equivalentes, um BEV será cerca de 40 a 50% mais caro que um ICEV. E um FCEV será cerca de 40 a 50% mais caro que um BEV.

Já o elevado custo de um FCEV é devido à fuel cell, que custa cerca de 20.000€, como é o caso do Toyota Mirai. Segundo um relatório da Strategic Analysis Inc., a elevada quantidade de materiais nobres como a platina, o titânio e a fibra de carbono presentes na fuel cell e a quantidade de mão de obra necessária para a sua construção (entre outros factores) explicam o elevado custo final de produção. Estes valores tenderão a baixar consideravelmente caso se ultrapasse a produção de 3000 unidades/ano. Para ter uma ideia clara, um sedan de gama média, versão ICEV custará 25.000€, um BEV cerca de 35.000€ e um FCEV cerca de 50.000€. Comparando os custos operacionais, a lógica difere ligeiramente, sendo o FCEV o mais caro a utilizar, cerca de 2 vezes mais que um ICE e umas impressionantes 4 vezes mais que um BEV, sem dúvida o que apresenta menores custos. Estes dados dependem muito do país onde o estudo comparativo é realizado pois os preços da gasolina, da electricidade e do hidrogénio flutuam bastante de mercado para mercado. Independentemente de eventuais flutuações, esta lógica é constante. Vários estudos oficiais foram realizados, por exemplo, pelo US Department of Energy (DOE), Fuel Cell Technologies Office (FCTO) a validar estes dados. Constatam, não obstante, uma tendência de aproximação dos custos entre os BEV e os FCEV. A Ballard Power Systems juntamente com a Deloitte China publicaram recentemente o relatório “Fueling the Future of Mobility” que estima que dentro de 10 anos os custos operacionais de um FCEV sejam inferiores aos de um ICEV e mesmo de um BEV, previsão validada também pelo “McKinsey Study” publicado pelo Hydrogen Council.

Evidentemente, estas previsões dependem de vários factores sendo o essencial o scalSe a construção do carro em si (estrutura, caring up, ou seja, aumento considerável de fuel roçaria, interiores, etc.) tem custos semelhantes, cell vendidas e aumento considerável de cono custo extra de um BEV deve-se essencialmente sumo de H2, de forma a baixar os custos. ao custo das baterias e componentes associados. 66


SMART CITIES & MOBILIDADE norte-americano e resto do mundo, indo ao detalhe de ponderar os diferentes aspectos da tecnologia. Este mesmo estudo aponta como factor limitador do crescimento das fuel cell a aposta concreta nas baterias cujos incentivos governamentais e redução constante do custo de fabrico tem potenciado a sua implementação nos diferentes mercados. Do ponto de vista técnico, comparando as 2 tecnologias de motorização eléctrica, um BEV tem uma construção mais simples, com menos componentes. As baterias, quando comparadas às fuel cell, tem um fabrico mais fácil e generalizado, acessível a inúmeros fabricantes.

Para os defensores do hidrogénio e das fuel cell, torna-se evidente que as políticas governamentais são essenciais para apoiar a visão de que o hidrogénio é um player essencial no nosso futuro energético.

E, obviamente, para apoiar o financiamento e crescimento das diferentes tecnologias associadas à produção do hidrogénio e das fuel cell, para impulsionar, como já mencionando, o factor de escala, de forma a reduzO hidrogénio é, inequivocamente, mais efi- ir os custos, aspecto primordial para as incaz, mais versátil e, como tal, está para ficar! corporar e democratizar na nossa realidade. Um FCEV é mais complexo. Tem mais componentes e as fuel cell são uma tecnologia muito mais cara e mais restrita, apenas ao alcance de cerca de uma vintena de fabricantes mundiais, actualmente.

Não há dúvida que sendo implementada e democratizada, a tecnologia fuel cell permitirá viajar mais longe com mais carga de forma mais eficiente e produtiva com menores custos de operação, respeitando as cada vez mais exigentes e limitadoras leis ambientais, visto que os FCEV tem, ao longo do ciclo de vida, menores emissões de gases com efeito de estufa, de acordo, por exemplo, com o estudo realizado pelo Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems ISE. Irá aumentar a nossa capacidade de contribuir para um futuro mais limpo e sustentável sem que isso obrigue a um retrocesso civilizacional. Estas claras vantagens têm impulsionado o mercado das fuel cell e a taxa anual de crescimento composta (CAGR) prevista para os próximos anos é de cerca de 15,5% segundo um estudo publicado pela Grand View Research, Inc., tendo em consideração as diferentes aplicações possíveis da tecnologia das fuel cell nos transportes e produção de energia, para os mercados asiático, europeu,

A ver vamos o que nos reservam os tempos vindouros… mas, seguramente, o hidrogénio fará parte do futuro energético da Humanidade! E&A Artigo originalmente publicado no dia 2/04/2020, aqui

O HIDROGÉNIO É, INEQUIVOCAMENTE, MAIS EFICAZ, MAIS VERSÁTIL E, COMO TAL, ESTÁ PARA FICAR

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CIÊNCIA & SAÚDE

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CIÊNCIA & SAÚDE

O MAPA DE JOHN SNOW POR ROGÉRIO MADEIRA Uma viagem até Londres de 1854 para reconhecer a importância do mapa de mortes por cólera, criado por John Snow, para a atual análise espacial de dados. A situação atual de pandemia mundial que estamos atravessar, derivado da propagação vírus COVID-19, levou a comunidade científica, uma vez mais, a apresentar múltiplos estudos com diversas abordagens e análises de forma a dar resposta ao problema e às necessidades dos Governos e das suas populações. Estes estudos são acompanhados, na sua grande maioria, por cartografia digital dinâmica, onde podemos realizar uma análise espacial da evolução da doença, nas várias unidades territoriais (país, região e concelho) e segundo variáveis, como a tipologia dos casos (confirmados, recuperados e suspeitos), número de óbitos, amostras recolhidas, sintomas diagnosticados, tipo do contágio (se local ou importado), grupos etários, género, etc. Atualmente, qualquer pessoa, um utilizador comum com acesso à internet poderá aceder a esta informação e efetuar uma simples análise, comparando e interpretando toda a informação disponibilizada, tirando as suas próprias conclusões. Como sabemos esta facilidade de acesso à informação, com análise espacial multivariável para tentar compreender um acontecimento e/ou responder a um problema, nem sempre foi assim. Afinal, onde tudo começou? Teremos que viajar até Londres e recuar

Broad Street, mapa de John Snow, 1854

até 1854. Nesta época, Londres era a principal cidade mundial e estava atravessar mais um surto epidémico de cólera, que viria a matar uma parte da sua população, no distrito de Soho. Tal como hoje, muitos estudos e opiniões se defenderam e um deles mais tarde se destacou: o de John Snow. Este defendia que a propagação da doença era ”causada pelo consumo de águas contaminadas com matérias fecais, ao comprovar que os casos se agrupavam nas zonas onde a água consumida estava contaminada com fezes” (in wikipedia). A sua teoria caiu em total descrédito por parte da comunidade científica e das autoridades sanitárias locais que defendiam a teoria da transmissão da doença por ar, via respiratória, devido à má qualidade do ar da cidade de Londres. No entanto, para fundamentar a sua teoria, o incansável médico epidemiologista teve uma reflexão científica única e vanguardista que viria a mudar a história da ciência, em especial, da ciência geográfica. Com o aumento do número de casos de cólera, consequentemente, do número de mortes, John Snow cruzou, não só, estes dados, como acrescentou a localização dos principais locais de abastecimento de água, identificando os poços (pump) públicos da 69


No seio da comunidade científica geográfica, este é considerado o primeiro acontecimento, onde se utilizou a análise espacial, no sentido de dar resposta às questões principais de um problema: o quê, quando, como, porquê e onde? Neste caso, era um problema de saúde pública e a análise geográfica ajudou a entender e a mitigar/resolver o problema.

cidade e sobrepôs esta informação num mapa de Soho. Na sua análise, Dr. Snow pretendia entender a distribuição espacial do número de mortes por cólera e se existia uma correlação com a proximidade dos poços de água. O que hoje parece algo simples, no passado não o era, e John Snow, sem formação cartográfica mas com conhecimento empírico da cidade, conseguiu identificar o poço na Broad Street como a principal fonte da contaminação da população, por este se encontrar na zona com mais casos registados. Com a aplicação desta inovadora técnica de análise espacial, John Snow conseguiu assim comprovar que a origem e propagação da doença estava relacionada com o consumo de água contaminada nos principais poços da cidade. 70

SEM FORMAÇÃO CARTOGRÁFICA MAS COM CONHECIMENTO EMPÍRICO DA CIDADE, CONSEGUIU IDENTIFICAR O POÇO NA BROAD STREET COMO A PRINCIPAL FONTE DA CONTAMINAÇÃO DA POPULAÇÃO


CIÊNCIA & SAÚDE O mapa de John Snow foi pioneiro e inovador para a época. O uso de cartografia e sobreposição de dados temáticos, devidamente distribuídos e simbolizados no mapa, ajudou a ilustrar graficamente o cruzamento da informação recolhida, conseguindo assim responder às questões que se colocavam. John Snow conseguiu fundamentar a sua teoria, junto da comunidade científica, em parte, devido a esta melhoria na comunicação da mensagem que pretendia transmitir.

São vários os documentos e artigos publicados sobre este mapa e, atualmente, derivado da atual situação de pandemia, muitas vezes o mapa de John Snow é relembrado.

Para análise atual dos dados de 1854, partilho outro mapa de John Snow, desenvolvido pela ESRI, com tecnologia cartográfica atual, devidamente georreferenciado sob uma base cartográfica do OpenStreetMap.

Nota: sobre a Geografia da Saúde, sugiro a leitura do livro “Olhares Geográficos sobre a Saúde” (2010), de Helena Nogueira e Paula Cristina Remoaldo, Edições Colibri. Na sua página 35, este faz referência ao mapa de John Snow, como o primeiro da Geografia da Saúde (segundo o professor Gilles Palsky) e na página 43, refere que os SIG (Sistemas de Informação Geográfica) nasceram com John Snow, por este ter utilizado a técnica de sobreposição de vários mapas (citando Martins, 2009).

Para dizer-vos a verdade, nunca será de mais... Sustentem o sustentável, E&A Artigo originalmente publicado no dia 22/05/2020, aqui

JOHN SNOW CONSEGUIU FUNDAMENTAR A SUA TEORIA, JUNTO DA COMUNIDADE CIENTÍFICA, EM PARTE, DEVIDO A ESTA MELHORIA NA COMUNICAÇÃO DA MENSAGEM QUE PRETENDIA TRANSMITIR 71


CIÊNCIA & SAÚDE

O SEGREDO DO ALTO DESEMPENHO POR ANA RELVAS OS SEGREDOS COMPROVADOS DO TIMING PERFEITO PARA MAXIMIZAR A PRODUTIVIDADE E O DESEMPENHO AO LONGO DO DIA “O tempo não é a coisa principal. É a única coisa.” Miles Davis É assim que começa um dos melhores livros que li nos últimos tempos sobre O TEMPO. Daniel Pink mostra-nos resultados surpreendentes no seu mais recente livro “Quando: Os Segredos Cientificamente Comprovados do Timing Perfeito”. Neste artigo vou partilhar algumas das ideias mais inovadoras e práticas do livro para obter já resultados. Mas aconselho a que leia o livro, em particular se gere equipas. O quê e quando: o segredo do alto desempenho A maior parte das pessoas tem alguma noção de que a sua energia varia ao longo do dia. Alguns até dizem que são cotovias (funcionam melhor de manhã) e outras corujas (funcionam melhor à noite). Daniel Pink traz-nos as evidências científicas do padrão desta variação e de como podemos tirar partido do conhecimento desse padrão para melhor desempenho. Já há muito que trabalho este tema nos meus cursos de gestão de tempo: aproveitar o pico de energia e concentração para fazer tarefas importantes que requerem…energia e concentração! O que este livro me trouxe de novo foi a perceção de que há padrões da variação 72

do estado ao longo do dia, que há tarefas mais adequadas a alguns períodos e como ajudar as corujas. A variação do estado ao longo do dia para a maioria das pessoas As três conclusões principais deste livro resumem-se muito sucintamente como: - As nossas capacidades cognitivas, disposição e desempenho variam ao longo do dia, de uma maneira impressionantemente previsível; - Essas variações são mais extremas do que temos noção; - A melhor altura para realizar uma tarefa depende da natureza da tarefa! Ao longo do dia, o desempenho da maior parte das pessoas (e já vemos detalhar isto, mas, em geral, as cotovias e outros tipos de pássaros) varia segundo uma curva semelhante à da imagem seguinte que essencialmente se caracteriza em três fases: 1.Um pico 2.Um vale 3.E um ressalto Não se agarre para já às horas específicas, mas foque-se na forma da curva.


Daniel Pink detalha, citando vários estudos, o tipo de tarefas que se devem realizar em cada uma destas fases: 1. O pico caracteriza-se pelo modo vigilante, em que temos energia para manter as distrações fora. É a altura ideia para realizar tarefas que requeiram todo o nosso poder mental lógico, a mente analítica ao máximo. Estas tarefas não necessitam de criatividade ou perspicácia. Este estado de vigilância ajuda-nos a evitar lógica “manhosa”, estereótipos e preconceitos e a filtrar informação irrelevante. 2. No vale a capacidade de nos mantermos focados reduz-se por isso devemos evitar fazer tarefas importantes que requerem concentração neste período porque o nosso desempenho vai sofrer com isso. 3. No ressalto a nossa energia aumenta, mas é curioso (e para mim esta foi uma das maiores aprendizagens) que este período é melhor aproveitado para tarefas criativas que requerem inspiração e ver soluções novas. No livro chamam-lhe “insight”. O cérebro já não está num período de vigilância tão forte como no pico e por isso permite-se criar conexões e ter momentos “ah-ah!”. Daniel Pink ilustra com vários estudos o impacto nas nossas capacidades de cada uma destas fases por isso aconselho mesmo a que leia livro se precisar de ser convencido. Cronotipos: qual o seu? Mais ou menos um quarto da população encaixa na descrição da coruja, pessoas que “funcionam” bem ao fim do dia. Os restantes três quartos são cotovias ou aquilo que o Daniel Pink chama “third bird”, os terceiros tipos de pássaros. No livro são apresentados dois métodos que pode utilizar já para saber que tipo de pássaro é.

Método 1: Identifique o ponto médio da sua noite (Ref. Roenneberg) O método mais simples consiste em pensar no seu comportamento nos dias livres, naqueles dias em que não é “obrigado” a acordar a uma determinada hora. Responda agora às perguntas seguintes: - A que horas normalmente vai dormir? - A que horas normalmente acorda? Qual é o ponto médio dessas duas horas? Por exemplo se adormece às 23:30 e acorda às 7:30, o seu ponto médio é 3:30. Agora encontre a sua posição no gráfico seguinte. É uma cotovia, uma coruja ou um terceiro tipo de pássaro?

Método 2: responder a um questionário sobre os seus hábitos Neste link (em inglês) encontra o Munich Chronotype Questionnaire (MCTQ) ou o Horne-Ostberg Morning-Eveningness Questionnaire que lhe podem dar informação mais exata embora o questionário do método 1 já lhe dê uma boa ideia. A probabilidade de não ser uma coruja ou cotovia, mas ser outro tipo de pássaro é, segundo Daniel Pink, 60 a 80%. O cronotipo é principalmente influenciado pela genética, seguido da idade (já que varia ao longo da vida) e do género. A curva para os diferentes cronotipos As cotovias e os terceiros tipos de pássaros apresentam uma curva como a já referida. 73


CIÊNCIA & SAÚDE As corujas têm uma curva semelhante, mas deslocada no dia: o período de ressalto (ideal para as tarefas que requerem inspiração ocorre de manhã) e o pico (ideal para tarefas que requerem mais vigilância e lógica) está mais ao fim do dia. Como tirar partido do cronotipo? Sabendo o cronotipo individual podemos ter isso em conta para organizar o nosso dia, reconhecendo o ciclo pessoal e o tipo de tarefas que realiza. De seguida vou partilhar algumas das sugestões do livro. Se tiver controlo relativo da distribuição de trabalho ao longo do dia opte por conscientemente realizar as tarefas na melhor altura. As tarefas mais importantes devem ser sempre realizadas no pico ou no ressalto. Se as suas tarefas são todas do tipo analíticas, faça as mais importantes no pico e menos importantes no ressalto. As tarefas mundanas como ver o email ou tarefas burocráticas podem ser feitas no vale. Sugiro que faça uma lista do tipo de tarefas que, na sua atividade profissional, se enquadram em cada fase. Se não tiver controlo da sua atividade ao longo do dia Não ter controlo da sua atividade ao longo do dia não impede que não possa tirar partido

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de tudo isto. Em primeiro lugar, estar consciente do que acontece com o seu desempenho ao longo do dia permite-lhe tomar medidas preventivas para quando as atividades não se adequam ao momento. Por exemplo, imagine que é uma coruja e tem uma reunião que requer capacidade de análise logo de manhã. Pode preparar-se por exemplo: Na véspera fazer uma lista de assuntos que quer tratar ou de informação que precisa de ter presente; No dia de manhã fazer algo que aumente a sua energia como fazer um pequeno passeio a pé vigorosamente, comer alimentos que ajudem a aumentar o seu nível de energia ou interagir com outras pessoas. Pode também fazer o melhor possível com o tempo que tem. Por exemplo, se é uma cotovia ou outro pássaro e tem só uma hora de manhã em que pode decidir o que fazer, use esse tempo para tarefas analíticas e não o desperdice a ver o email.

AS TAREFAS MAIS IMPORTANTES DEVEM SER SEMPRE REALIZADAS NO PICO OU NO RESSALTO


Pausas restauradoras

Para começar a por em prática

Todos temos uma lista interminável de coisas a fazer e todas parecem importantes. Por isso, investirmos em fortalecer a nossa energia ao longo do dia é essencial para conseguirmos tirar partido dos momentos em que, à partida, não estamos no pico do nosso desempenho. Uma das estratégias exploradas no livro é fazer pausas restauradoras.

Para arrumar ideias e aplicar o que leu, reforço o convite para:

Fazer pausas frequentes é uma estratégia para potenciar o foco e energia. Por exemplo, várias caminhadas curtas de 5 minutos ao longo do dia aumentam o nível de energia, foco, reduz a sensação de fadiga no fim da tarde, melhora o humor, concentração e criatividade. Pode sempre ir à casa de banho mais longe ou sair do edifício para apanhar ar.

- Identificar o tipo de atividades que pode fazer em cada uma destas partes do dia. E&A Artigo originalmente publicado no dia 18/12/2020, publicado aqui

Pode também gamentos ou

fazer alguns alonmover o corpo.

Fazer pausas com outras pessoas é melhor do que sozinho. Fazer pausas na rua é ainda melhor. Ver o fonema

email não

ou fazer um teleconta como pausa.

O almoço é uma pausa restauradora. Faça-o fora da secretária e desligue-se do trabalho.

- Identificar quais são as alturas do dia em que se sente com mais energia; - Identificar quais são as alturas do dia em que se sente com menos energia;

FAZER PAUSAS FREQUENTES É UMA ESTRATÉGIA PARA POTENCIAR O FOCO E ENERGIA

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OPINIÃO & TRENDS

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OPINIÃO & TRENDS

PLANO DE NEGÓCIO IMOBILIÁRIO: É CHAVE PARA O SUCESSO POR JOÃO CORREIA GOMES O mundo mais próspero e em alto crescimento atual tem de competir por capital para financiar os seus projetos. Ficar de fora leva à pobreza. O negócio imobiliário, apesar de parecer diferente por estar fixo ao terreno, é ainda mais carente de capital, mesmo muito capital, por ser intensivo no investimento inicial e com lenta recuperação de capital. Exceto para projetos de compra e venda tradicionais, requer uma ótica de investimento de longo-prazo, tipo capital paciente, o quetorna mais difícil captarcapital. Hoje, para ser bem-sucedido na promoção imobiliária já não basta aparecer no meio, comprar um lote de terreno, construir “como sempre se fez”, contratar uns pedreiros e serventes, pagar uns trocos por uns “bonecos” ao arquiteto e engenheiro. É uma chatice! E, depois, ir ao banco que vai emprestar “todo” o dinheiro necessário para a obra. No fim, contratar um mediador que desenrasca uns compradores locais para as frações. Esse mundo “feliz” já findou e muitos “construtores” ainda julgam que tudo ainda voltará depois da crise. Mas, a crise começou em 2008! O empreendimento imobiliário precisa de capital, muito capital. Para ser bem-sucedido, o projeto tem de ter escala para ganhar em eficiência, sinergia, poder negocial e inteligência produtiva. Se não for bem pensado, rapidamente pode tornar-se um descalabro com perdas totais. O risco de insolvência espreita. Para vencer é preciso marcar a diferença, o que requer uma equipa com os melhores profissionais que sabem, pensam, são criativos.

A eficiência neste mundo desenvolvido já não passa por cortar nos custos, sobretudo naquilo que o cliente não vê, contratar uns operários e um engenheiro baratos, e poupar nos materiais ocultos à vista. Numa economia em que escasseia a mão-de-obra manual e muscular com experiência, o trabalho terá de ser por máquinas. Num mundo que precisa de ser descarbonizado, a produção terá de recorrer a energia de fontes renováveis com um custo tendencialmente zero. A produção terá de mudar do estaleiro na obra para a fábrica em processo a montante. Na obra deve ficar apenas a montagem em tarefas simples, rotineiras, rápidas. Este processo requer muito planeamento e muito esforço da engenharia e arquitetura para saírem do conforto das soluções correntes de há meio século. 77


EXCLUSIVO A criação valor tores tangíveis

está a para

passar dos faos intangíveis.

Mais, sem captar o interesse e ganhar a confiança de quem tem realmente dinheiro, ou gere muito dinheiro, não consegue um projeto eficaz. E o capital disponível no mundo é imenso tanto em privados como em agregados como fundos de pensões. A liquidez de meios é enorme e procura oportunidades em todo o mundo para rentabilizar capital, mas seguras e com confiança. É assim que só alguns promotores imobiliários nacionais têm sucesso nos seus projetos. A maioria apenas se lamenta, pois, a banca já não empresta como antes e não há pessoal para trabalhar! E, para captar capital, sobretudo de fontes exteriores, é preciso competir com os outros empresários de outras economias, já muito experientes e competentes na apresentação dos seus projetos. E os outros já o fazem há muito tempo (Shepherd e Douglas, 1998)! Mas, qual é a solução? O sucesso nesta época não se compadece com as tradicionais abordagens, empíricas, no “acho que…” e muito focadas nos custos, correntes em economias de baixo nível de desenvolvimento. Tais processos arcaicos são hoje próprios das economias pobres ou em plena estagnação. Estas não dão relevância aos temas técnicos, o que obriga os quadros profissionais competentes a emigrarem para onde são recebidos de braços abertos. Há bastante tempo que os empreendedores nas economias mais prósperas aplicam uma metodologia essencial para a captação de capital – o Plano de Negócio (PN). Trata-se de um forte instrumento de comunicação ao mercado de capitais que projeta toda uma cadeia de eventos para atingir um certo objetivo. É como se fosse um filme do futuro, enquanto uma avaliação imobiliária é como uma fotografia do momento. Ao contrário do que observei tantas vezes na minha vida profissional, o plano de negócio não é um mapa de fluxos de caixa (cash-flows) a partir do qual se calcula a VAL e a TIR, embora estes sejam parâmetros importantes. 78

A rendibilidade não deve ser o único foco a “vender” ao potencial investidor, até porque pode levar ao engano. Em paralelo, a atração do investidor passa pela combinação da rendibilidade com o risco percebido e um plano de saída que sejam compatíveis com o seu próprio perfil e objetivos. Como é um plano, tem de projetar a sequência ideal de ações combinadas a implementar para o melhor desempenho do investimento. Tem de ser um documento sucinto, objetivo e claro para não acabar no caixote de lixo do investidor a atrair. Aplica uma metodologia iterativa (não linear) para convergir até à solução mais eficiente, com mais valor, mas com menos capital investido! Como? A elaboração de um plano de negócio requer um conhecimento técnico muito abrangente do processo de empreendimento imobiliário como: marketing; projeto de arquitetura e engenharia; processo de licenciamento; processos de construção; avaliação imobiliária; cálculo financeiro; legislação; fiscalidade, etc. Além do conhecimento técnico, o PN aplica ferramentas como o conceito imobiliário, o plano financeiro, o BPMN, o DCF.

A RENDIBILIDADE NÃO DEVE SER O ÚNICO FOCO A “VENDER” AO POTENCIAL INVESTIDOR, ATÉ PORQUE PODE LEVAR AO ENGANO


OPINIÃO & TRENDS

Embora procure a otimização do projeto, o resultado do plano de negócio nem sempre consegue ser positivo. Pode verificar-se que não existe uma solução viável para o projeto, sendo até mais económico desistir antes de investir milhões de euros num fiasco. Numa fase preliminar do projeto de empreendimento, quando ainda não foi adquirido imóvel o (terreno ou edifício) trata-se de uma virtude pois evitou o desastre. A perda fica apenas pelo custo do serviço do plano de negócio. Uma perda relativa que é suportável. Numa época em que a economia portuguesa, como no imobiliário, tem tantos desafios a enfrentar como a modernização, a eficiência, a produtividade, a competitividade, a atração de investimento de fontes externas, a descarbonização, as energias de fontes renováveis, há que descobrir e aplicar novos instrumentos de trabalho como o Plano de Negócio. E&A

NUMA ÉPOCA EM QUE A ECONOMIA PORTUGUESA, COMO NO IMOBILIÁRIO, TEM TANTOS DESAFIOS A ENFRENTAR (...) HÁ QUE DESCOBRIR E APLICAR NOVOS INSTRUMENTOS DE TRABALHO COMO O PLANO DE NEGÓCIO 79


OPINIÃO & TRENDS

A GEOMETRIA DESCRITIVA NOS CURSOS DE ENGENHARIA CIVIL POR HENRIQUE FERNANDES A CONTÍNUA DEGRADAÇÃO NO ENSINO DA ENGENHARIA CIVIL A Geometria Descritiva é uma Ciência da área da Matemática, ou não fosse o seu criador, Gaspard Monge (1746 – 1818) um insigne Matemático e Engenheiro. A Geometria Descritiva tem como objetivo imediato, nas palavras de Monge, na sua publicação Géometrie Descriptive (1795), representar sobre um plano, a épura, bidimensional, objetos tridimensionais que possam ser definidos rigorosamente. Abre-se aqui um parêntesis para referir que Gaspard Monge foi, na École Normale, colega de Lagranje e Laplace, entre outros. A Geometria ho Técnico a matemáticas resentação

Descritiva fornece ao Desenbase geométrica e as relações rigorosas necessárias à repde objetos tridimensionais.

Mas este aspeto essencial da Geometria Descritiva não é o único. Com efeito, o seu estudo promove o desenvolvimento da capacidade abstrata de análise tridimensional dos objetos, sendo esta uma necessidade absoluta para os Engenheiros, nomeadamente, os Engenheiros Civis.

poucos são os alunos que sabem com convicção qual o curso superior que querem seguir. Assim, frequentando, Matemática, Ciências Físico-Quimicas e Biologia e Geologia, têm um leque de opções de escolha de cursos muito mais A Geometria Descritiva é ensinada no en- abrangente, desde aqueles que se integram sino secundário, ao longo de dois anos le- na área da saúde aos da área das Engenharias. tivos, em regra, o décimo e o décimo primeiro anos, mas, um número muito significativo Assim, torna-se imprescindível que a Geometria de estudantes que acabam por seguir para Descritiva seja ensinada nas Faculdades/EscoEngenharia, não frequentam a disciplina. las de Engenharia, logo no primeiro ano, tal como acontecia no passado. Colegas da minha idade, E este fenómeno tem uma explicação abso- todos tivemos a cadeira de Geometria Descritiva. lutamente racional: numa fase tão precoce, 80


Porém, numa rápida, e não exaustiva, pesquisa feita nos planos curriculares dos atuais Cursos de Engenharia Civil, a Geometria Descritiva (Método de Monge ou da Dupla Projeção Ortogonal) aparece só no ISEL e no IPB e sem dignidade de cadeira autónoma. Nas restantes instituições de Ensino Superior (FEUP, IST, U.Minho, U.Coimbra, U.Aveiro, U.Covilhã, U.Algarve, ISEP, ISEC, …) nem mencionada é! Não admira, pois, que muitos colegas formados mais recentemente, revelem dificuldades acrescidas em ler um projeto! E executar cortes mais ou menos complexos? E quando se fala em resolver determinados problemas métricos (distâncias de pontos a planos, ângulos entre retas, diedros entre planos, etc? É um verdadeiro “Deus nos acuda”! O próprio desenho de telhados de águas e inclinações múltiplas é um problema de intersecção de planos que é trivial em Geometria Descritiva. Claro que a moda das coberturas horizontais, absolutamente inadequadas para o clima do norte do país, disfarça a ignorância nesta matéria, quando ela existe. Dir-me-ão que a Geometria Cotada substitui com vantagem a Geometria Descritiva.

Nada mais errado, como poderá ser corroborado por quem dominar as duas. Complementam-se, não se substituem! Parece que o paradigma atual para o Ensino da Engenharia (e da Engenharia Civil, em particular) se baseia na simplificação dos conteúdos curriculares: não tardará, a pretexto de que já existem calculadoras que resolvem integrais, que até o estudo do cálculo integral seja descurado! Então o Engenheiro Civil não será mais que um Encarregado Geral! Tristes tempos estes! E&A Artigo originalmente publicado no dia 14/06/2020, publicado aqui

DIR-ME-ÃO QUE A GEOMETRIA COTADA SUBSTITUI COM VANTAGEM A GEOMETRIA DESCRITIVA. (...) COMPLEMENTAM-SE, NÃO SE SUBSTITUEM! 81


PROJETOS & OBRAS

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PROJETOS & OBRAS

OBRAS DE TÚNEIS IMERSOS POR CARLOS GARCIA RESUMO Com este artigo pretende-se abordar algumas das questões técnicas relacionadas com a construção de túneis imersos e assim contribuir para a divulgação deste tipo de obras perante a opinião pública, as empresas e os quadros técnicos com possível vocação para a sua execução. Os últimos estudos realizados por Capita Symonds e TIS.pt, respectivamente em 2007 e 2008, que deram origem ao relatório do LNEC “VIABILIDADE DE UMA SOLUÇÃO EM TÚNEL IMERSO ENTRE BEATO-MONTIJO E MONTIJO-BARREIRO - Condicionamentos de Hidrodinâmica e de Dinâmica Sedimentar”, não inviabilizam este tipo de solução construtiva no rio Tejo, concluindo essencialmente sobre a necessidade da realização de uma prospecção geotécnica mais detalhada, para confirmar a viabilidade e estabelecer estimativas de custos confiáveis. Sendo os dois corredores acima mencionados os únicos com viabilidade ou existindo outros, certo é que atravessar o Tejo será sempre uma necessidade crescente, directamente relacionada com o número de alternativas disponíveis. Porque não um túnel imerso no estuário do rio Tejo ou a unir as duas margens do Douro na cidade do Porto. Portugal merece e a engenharia Portuguesa também.

PORQUE NÃO UM TÚNEL IMERSO NO ESTUÁRIO DO RIO TEJO OU A UNIR AS DUAS MARGENS DO DOURO NA CIDADE DO PORTO?

Corte tipo após o aterro - Fonte: Rasmussen, 1997

INTRODUÇÃO Tradicionalmente um túnel imerso é feito de caixões - elementos inteiros ou segmentados, de betão armado, aço ou mistos que são afundados numa trincheira submersa previamente escavada por intermédio de dragas. Estes caixões, independentes, são posteriormente unidos debaixo de água. -Os caixões/elementos podem ter um comprimento que varia, geralmente, entre os 90 e os 150 m. -São, debaixo de água, encostados uns aos outros, arrastados uns contra os outros e posteriormente unidos. -Podem ser fabricados em docas secas, estaleiros navais ou em bacias naturais construídas ou adaptadas provisoriamente para servirem como docas secas. Os Túneis imersos têm sido amplamente utilizados durante os últimos 120 anos. Em todo o mundo foram construídos cerca de 180, dos quais 125 para sistemas rodoviários ou ferroviários. Outros foram para abastecimento de água e para passagem de cabos eléctricos.

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EXCLUSIVO A técnica de túnel imerso é comummente utilizada para a travessia de rios, na Holanda, nos Estados Unidos e no Japão. 80% dos túneis imersos existentes foram construídos nestes 3 países. O design dos túneis imersos difere de país para país em função das características sísmicas específicas da zona em causa. Os túneis imersos não se adequam a cada situação, no entanto, se houver um curso de água para atravessar eles apresentam, geralmente, uma alternativa viável aos túneis escavados, a um preço comparável, e oferecendo um determinado número de vantagens. VANTAGENS DOS TÚNEIS IMERSOS Os túneis imersos são: -Mais vantajosos que os das soluções subaquáticas utilizadas em solos brandos; -Uma alternativa viável face à utilização de tuneladoras, sem os riscos associados a câmaras de pressão, à entrada súbita de água, a interrupções na continuidade do processo os túneis realizados com tuneladoras assentam num processo contínuo e qualquer problema que surja durante a operação é uma ameaça ao cumprimento do prazo de execução do projecto; -Mais adequados que as tuneladoras no caso de águas muito profundas. A utilização de tuneladoras encontra-se limitada a uma coluna de água máxima de 30 m (por causa da pressão máxima de ar à qual os trabalhadores podem trabalhar em segurança).

Comparação entre os comprimentos das 3 soluções – Túneis imersos mais curtos - Fonte: Tribune, 1999 84

-Vantajosos, pois sob o leito de um rio, são mais superficiais que os túneis executados com tuneladora, apresentando como consequência um menor comprimento, podendo ser colocados imediatamente abaixo de uma hidrovia, em contrapartida um túnel escavado é geralmente estável quando a altura do recobrimento é pelo menos igual ao seu diâmetro debaixo de água. Isto permite que o túnel imerso seja mais curto e / ou possuir secções planas - uma vantagem para todos os tipos de túneis, mas especialmente significativa nos túneis ferroviários. -Geralmente mais vantajosos do ponto de vista construtivo, pois: são mais rápidos de construir do que um correspondente túnel escavado. A realização de um túnel imerso possui três actividades principais – a de dragagem; a construção dos elementos do túnel e a instalação. Este tipo de actividades possibilita: a execução de várias actividades ao mesmo tempo; um elevado grande grau de repetição de tarefas; facilidade na hora de medir a eficiência dos trabalhos devido à repetição das actividades, o fácil controlo da realização dos trabalhos, executar os trabalhos com baixo grau de dificuldade; acelerar certos trabalhos que são críticos; a utilização de poucos materiais e com tudo isto, apresentam um risco moderado quanto ao prazo de execução. -Adequados a serem colocados em solos muito macios e em áreas propensas a actividade sísmica significativa e concebidos para lidar com as forças e os movimentos provocados pelas acções sísmicas.

Comparação entre as profundidades das 3 soluções – Túneis imersos menos profundos Fonte: Tribune, 1999


PROJETOS & OBRAS - Muito menos vulneráveis às acções sísmicas do que um túnel escavado, pois o movimento entre placas de uma determinada falha geotécnica no substrato rochoso não se transfere para o túnel, face à existência entre ambos de extractos de solo deformável. As juntas entre elementos pré-fabricados são flexíveis, o que permite aos caixotões rodar relativamente uns aos outros nos planos horizontal e vertical longitudinal. -Particularmente atraentes para auto- estradas largas e em soluções combinadas de rodovia/ferrovia.

Exemplos de secções transversais existentes

Os ventos, as marés e os efeitos das cor-Flexíveis quanto à secção transversal, rentes devem ser avaliados afim de deteras condições de execução durante as pois esta não tem obrigatoriamente que minar operações de dragagem e de afundamento. ser circular. Pode ser projectada praticamente todo o tipo de secção transversal. Dragagem ASPECTOS A TER EM CONTA Meio ambiente As questões ambientais mais comuns são as encontradas em qualquer obra de construção: o ruído e a poluição. As operações de dragagem e de aterro devem ser executadas de maneira a limitar a perturbação provocada ao equilíbrio ecológico natural no local da construção. Um aspecto de maior importância que afecta a construção é a possível presença de solos contaminados que devem ser removidos da trincheira onde o túnel é implantado. Formas de remover estes solos e transportá-los para depósitos especialmente preparados para recebê-los, são um problema ambiental que exige novas técnicas e procedimentos de controlo de qualidade específicos. As entidades governamentais que tenham jurisdição sobre a protecção do ambiente, os recursos naturais ou sobre eventuais condições locais especiais, devem ser consultadas na fase de concepção dos projectos.

A tecnologia de dragagem tem melhorado consideravelmente nos últimos anos e é agora possível remover uma grande variedade de materiais sem efeitos adversos sobre o meio ambiente. A dragagem consiste na escavação de uma trincheira com o objectivo de mantê-la livre de assoreamento até ao momento em que os elementos do túnel nela se instalam.

Equipamentos de dragagem

Interferências com a navegação Nas hidrovias movimentadas é, por vezes, assumido que a construção de um túnel imerso seria impraticável porque iria interferir com a navegabilidade. Na verdade, estes túneis têm sido construídos com sucesso em cursos de água excepcionalmente ocupados e sem problemas de maior. 85


EXCLUSIVO Estanquicidade Supõe-se frequentemente que o processo de construção de um túnel submerso aumenta a probabilidade de entrada de água. Na verdade os túneis submersos são quase sempre muito mais secos do que os túneis escavados, devido à construção dos elementos no exterior. As articulações submersas dependem de vedantes de borracha robustos e duradouros os quais provaram ser eficazes em dezenas de túneis realizados até à data. E&A

Esta foi a 1ª parte de um artigo sobre a realização de obras de túneis, em próximos artigos irei abordar : - A técnica de construção - Aspectos de projetos - Obras emblemáticas

Transporte de elemento

Colocação da junta de estanquicidade

A TÉCNICA DE TÚNEL IMERSO É COMUMMENTE UTILIZADA PARA A TRAVESSIA DE RIOS, NA HOLANDA, NOS ESTADOS UNIDOS E NO JAPÃO. 80% DOS TÚNEIS IMERSOS EXISTENTES FORAM CONSTRUÍDOS NESTES 3 PAÍSES 86


PROJETOS & OBRAS

O PRÉDIO DE MADEIRA MAIS ALTO DE FRANÇA POR ENGENHO E ARTE A 30 de outubro de 2018, foi inaugurado em Bordeaux o prédio de escritórios em estrutura de madeira e apresentado como o mais alto da França. Perspective, é o nome do edificio de escritórios em estrutura de madeira, construído e entregue, mais alto da França. Tendo uma altura de 31 metros, o prédio de 6 andares com 4.438 m² de área útil foi inaugurado a 30 de outubro de 2018 em Bordéus (Gironde). Está localizado no primeiro quarteirão do ZAC Saint Jean-Belcier a sudeste da cidade. Um local estratégico porque está próximo da estação Saint-Jean, das principais rodovias e da futura ponte Simone Veil que permite ao prédio participar da vida do bairro. A escolha da madeira maciça foi feita pelas suas propriedades de baixo carbono. Na verdade, esse material armazena carbono em vez de emiti-lo, “um metro cúbico de madeira armazena uma tonelada de CO2 “. Além que a madeira é um material 12 vezes mais isolante que o concreto.

A abordagem dos arquitectos Nicolas Laisné e Dimitri Roussel foi preservada até ao interior do edifício. “ A instalação de tectos falsos foi reduzida ao mínimo para permitir a leitura da estrutura de madeira do edifício e poupar alturas de espaço ”, explicam os designers. Os postes que estruturam o prédio também permaneceram em estado bruto. “ Uma escolha estética que confere ao local um ambiente acolhedor e acústica suave, enquanto as suas amplas janelas e terraços promovem a sua luminosidade e vistas excepcionais da cidade ” , explica o grupo Pichet.

Estes factores permitem classificar o edifício com de energia passiva.

Situada no coração do edifício, a escada, também em madeira, é o ponto central de circulação entre os pisos e os vários espaços de trabalho. O seu design, imaginado pelo atelier Briand & Bertherau, permite-lhe ser iluminado e ventilado naturalmente e desfrutar de uma vista sobre o jardim.

A tecnologia “pós-viga” possibilita a construção de uma estrutura 5 a 7 vezes mais leve que a do betão armado, o que agiliza a execução no estaleiro e reduz a poluição. Além disso a construção da estrutura durou apenas quatro meses, de junho de 2017 a outubro de 2017.

“O edifício foi totalmente projectado com ventilação natural. Esta solução é reforçada pela forma em U do edifício. O átrio funciona como chaminé térmica graças a um sistema de ventilação dia / noite com aberturas automatizadas na parte superior e a abertura dos espaços de escritórios ”, explicam Nicolas Laisné e Dimitri Roussel.

A estrutura “post-beam” foi realizada em madeira laminada colada, pinho Landes e o revestimento em abeto Limousin.

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FIcha técnica Localização: ZAC Bordeaux Saint-Jean Belcier, OIN Bordeaux Euratlantique - ilhotas 5.1ae 5.1b, Bordeaux, França. Programa: 4.438 m² de escritórios em estrutura de madeira e 80 unidades de habitação coletiva. Promotor: Groupe Pichet. Gestão do projeto: Nicolas Laisné , Dimitri Roussel , Studio Briand-Berthereau (desenho da escadaria monumental). Gabientes de projeto: Terrel (Estrutura-Fachada), Pouget Consultants (termofluidos elétricos), Ecotech (economia VRD), Emacoustic (acústica). Construtora: Groupe Pichet Altura : 31 metros

O rés-do-chão alberga o hall de recepção voltado para a fachada VIP da rue Brienne e localizado no alinhamento do átrio e do jardim. Uma escada bem como um elevador permitem chegar à notável escada e aos dois núcleos que servem os vários espaços bem como os elevadores. Uma entrada secundária encontra-se junto à estrada de acesso no centro da ilha. Ele conecta o estacionamento subterrâneo acessível por uma escada e um elevador independente. Por último, está previsto o acesso direto do átrio ao jardim, de forma a permitir aos ocupantes um aproveitamento real deste espaço central. Os pisos dos escritórios estão divididos em compartimentos fixos com menos de 300 m². Organizados em uma grade de 4,80 m de acordo com os padrões da madeira, eles permitem uma ampla modularidade de layouts (desde open space, até escritórios individuais, semi-divididos, etc.). Dois terraços acessíveis permitem aproveitar as várias vistas que o ambiente oferece (a cidade de Bordéus, a Garonne, a futura ponte, o jardim de Ars, as encostas da margem direita).

Niveis : R/C mais 6 pisos Superfície: 4.438 m² SU (escritórios), 5.156 m² SDP (habitação). Calendário: junho de 2017 a Setembro de 2018 Custo total: 18,4 milhões de euros. Medidas ambientais: Certivea NF HQE, BREEAM Very Good e BBCA. Detalhes do programa O edifício consiste em duas alas principais organizadas em torno de um átrio central voltado para o sul com vista para um jardim. Cada uma dessas alas possui um núcleo que concentra as instalações de risco, instalações sanitárias compartilhadas e também a comunicação. São estes os núcleos que permitem a ligação entre a escadaria central do átrio e os 12 pisos de escritórios distribuídos pelo edifício. 88

A ESCOLHA DA MADEIRA MACIÇA FOI FEITA PELAS SUAS PROPRIEDADES DE BAIXO CARBONO. NA VERDADE, ESSE MATERIAL ARMAZENA CARBONO EM VEZ DE EMITI-LO


PROJETOS & OBRAS

Construção: Terraplanagem geral da cave. Fundações por estacas em profundidade, com tipologia e dimensionamento de acordo com relatório de estudo geotécnico e de acordo com planos e estudos da Estrutura. Os pisos baixos (rés-do-chão e cave) são do tipo ensoleiramento geral de betão armado com espessura, características técnicas e dimensionamento de acordo com relatório de estudo geotécnico e de acordo com planos e estudos da Estrutura Os pavimentos dos andares superiores serão constituídos por uma laje maciça de betão armado, tradicionalmente fabricada ou utilizando pré-lajes, e piso misto de madeira-betão armado. A superstrutura de pilares e vigas em madeira laminada com paredes interiores em betão armado. E&A Artigo originalmente publicado no dia 21/08/2020, aqui

O SEU DESIGN, IMAGINADO PELO ATELIER BRIAND & BERTHERAU, PERMITE-LHE SER ILUMINADO E VENTILADO NATURALMENTE E DESFRUTAR DE UMA VISTA SOBRE O JARDIM 89


ENTREVISTA

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ENTREVISTA

A ENGENHARIA POR TRÁS DA MAIOR PONTE PEDONAL DO MUNDO POR JOAQUIM ALMEIDA O Engenho & Arte foi atrás da história por trás da obra. Acreditamos que a Engenharia é o motor do desenvolvimento da sociedade, não só em termos tecnológicos mas também em termos de conforto e lazer, e nesta obra a Engenharia vai proporcionar momento únicos de aventura na paisagem natural do rio Paiva. Fomos à procura de quem é a Engenharia deste novo ícone de Portugal e isso levou-nos ao ITECONS em Coimbra para falar com o Eng António Tadeu. Gostaríamos de começar por saber de como é que nasceu a ideia de se construir uma ponte pedonal sobre o rio Paiva e porquê? A iniciativa partiu da Câmara Municipal de Arouca, em 2016, quando era presidente o Engº Artur Neves. A ideia era ligar as duas margens do rio Paiva, na zona de Alvarenga e junto à cascata da Aguieira, para complementar a rede de passadiços, facilitar o acesso aos mesmos a partir de Alvarenga e permitir a vista elevada sobre a cascata. Outros pormenores deverão ser prestados pela C. M. Arouca. A ideia inicial era a de uma ponte com cerca de 300 metros de vão e 90 metros acima do rio. A topografia local e a dificuldade de acessos levou a que se tivesse de elevar a cota de nível da ponte e o vão para cerca de 480 metros. Por fim as condições geológicas levaram a uma última mudança de localização, com um vão entre eixos de pilares de 516.50 m e uma altura acima do rio de cerca de 175 m.

profissional, inclusivamente no domínio de projeto, construção e fiscalização de pontes e foi docente do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Coimbra durante 36 anos.

O projecto apresentado teve a concepção Após a conceção foi constituída uma equipa que de quem? De uma equipa? Quem fez o quê? realizou estudos, concebeu modelos analíticos e numéricos, realizou ensaios laboratoriais sobre o O projeto foi adjudicado ao ITECONS e,den- comportamento da ponte, nomeadamente dinâmtro do ITECONS, foi desenvolvido pelo Engº ico, e pormenorizou alguns aspetos construtivos. Filipe Bandeira, tendo este efetuado a sua Fizeram parte desta equipa para além de Filconceção e dimensionamento inicial. O Engº ipe Bandeira, António Tadeu, Miguel SerFilipe Bandeira tem uma vasta experiência ra, Filipe Pedro, Miguel Esteves, entre outros. 91


Pode descrever o processo interactivo que levaram até à concepção da solução final? Depois de definida a localização, foi idealizada a forma do tabuleiro. Em termos de perfil longitudinal entendeu-se que deveria formar uma linha côncava pois, por um lado, mais se aproximava das pontes suspensas Incas, que a generalidades das pessoas tem no imaginário quando se fala de pontes pedonais suspensas e, por outro lado permitia uma maior flecha às catenárias de suspensão, benéfica para os esforços e amarrações. Em seguida foi concebida a suspensão em relação às ações verticais. Existem normalmente 3 soluções: Em muitas pontes, de vão mais reduzido, são utilizados os cabos que formam as guardas ou dão apoio ao pavimento para realizar a suspensão, amarrando nas margens, junto aos acessos. Como os cabos apenas funcionam à tração, as forças verticais, correspondentes ao peso da ponte e à sobrecarga, transmitidas a cada encontro, são

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são iguais à componente vertical do vetor de força o que, no caso de pequenos ângulos em relação à horizontal, provocam esforços elevadíssimos nos cabos e amarrações. Este problema pode ser minimizado elevando os cabos em relação aos tabuleiros nas extremidades da ponte e amarrando em pontos mais altos das encostas, levando assim a um maior ângulo e menores esforços. Esta era a solução idealizada para a primeira implantação da ponte, com vão de 300 m. Com a mudança de implantação, próxima do cimo das encostas, não era possível encontrar pontos de amarração mais elevados, pelo que teve de se adotar a terceira solução. A terceira solução consiste em criar torres ou pilares que elevam a cota de nível e o ângulo dos cabos, neste caso designados como catenárias, que se tornam de geometria independente do tabuleiro e que o suspendem através de pendurais. É a solução normalmente adotada em pontes rodoviárias como, por exemplo, na ponte 25 de Abril, em Lisboa. O equilíbrio das torres ou pilares, sobretudo


ENTREVISTA em relação às forças horizontais é conseguido através da continuidade das catenárias para o lado oposto ao vão central, suspendendo tramos laterais da ponte ou dirigindo-se diretamente para os maciços de amarração. Resolvido o problema da suspensão vertical, com esta última solução, faltava resolver o problema das forças horizontais, sobretudo o das forças transversais do vento. Também para este caso existem, normalmente várias soluções, como a amarração às margens através de tirantes em diversos pontos intermédios do tabuleiro, havendo mesmo exemplos de utilização de catenárias e pendurais utilizados no plano horizontal. Quer por dificuldade de execução, quer por motivos estéticos e que adulteravam o imaginário das pontes Incas adotou-se uma outra solução que consiste em inclinar os planos em que funcionam as catenárias e pendurais, criando numa só catenária, componentes verticais e horizontais que resolvem o problema das correspondentes ações. Adotaram-se ângulos de cerca de 20º em relação à vertical, cujo coseno e seno são sensivelmente proporcionais às referidas ações. Definida a geometria básica passou-se à conceção das torres de elevação dos cabos. Quanto mais altas fossem menores seriam os esforços nas catenárias e amarrações mas maiores seriam os esforços próprios e nas fundações. O bom senso conduziu a uma altura de 36 metros. Os pilares são inclinados, formando um V de forma a coincidirem com o plano das catenárias e reduzir os momentos fletores transversais. A sua secção em T é varável, com a alma aumentando de acordo com os respetivos diagramas de esforços e um pequeno banzo para melhorar o comportamento no plano longitudinal, em relação à encurvadura e aos momentos fletores.

“O BOM SENSO CONDUZIU A UMA ALTURA DE 36 METROS.” com os respetivos momentos fletores. A torre passou, assim, para a forma de A invertido. Para aceder ao topo dos pilares, onde se encontram as selas que recebem as catenárias, foi projetada uma escada de acesso à viga que depois dá acesso a duas escadas.

A seguir dimensionou-se o tabuleiro. A Câmara Municipal de Arouca tinha definiPara reduzir os esforços no plano transda uma largura de 1.20 metros de forversal foi criada uma viga de contrama a permitir o cruzamento de pessoas. ventamento de secção variável, de acordo 93


O tabuleiro é formado por 129 módulos metálicos pré-fabricados, galvanizados por imersão e depois montados por simples suspensão nos pendurais. As guardas são inclinadas, com uma inclinação próxima dos pendurais de forma a reduzir os esforços da suspensão do pavimento. Após análise de vários códigos/regulamentos de cálculo europeus e americanos foi adotada uma sobrecarga de 4 kN/m2, que corresponde a um peso total de 3277 pessoas de 75 kg, para o dimensionamento dos elementos isolados de tabuleiro e respetivos pendurais. Para o conjunto do tabuleiro foi considerada numa lotação de 1825 utentes de 75 kg. As guardas foram concebidas de forma a evitar a sua escalada, não só pelo seu ângulo como pela constituição e disposição da rede, como ainda pelo corrimão reentrante que volta à prumada do pavimento. O corrimão também foi concebido de forma a impedir que alguém tente sentar-se nele. O pavimento, contrariamente ao divulgado em algumas publicações não é em vidro, embora a sua transparência seja muito elevada, em função da forma como foi disposto o “gradil” que o constitui. Por fim foram dimensionados os maciços de betão armado onde as catenárias vão ancorar. Devido às elevadas forças em causa, tiveram de ser amarrados às encostas através de uma série de ancoragens pré-esforçadas.

“O PAVIMENTO, CONTRARIAMENTE AO DIVULGADO EM ALGUMAS PUBLICAÇÕES NÃO É EM VIDRO, EMBORA A SUA TRANSPARÊNCIA SEJA MUITO ELEVADA (...)” Pode concluir-se que toda a estrutura foi concebida como resposta aos esforços de cada componente, o que normalmente resulta numa harmonia sentida mesmo pelos não conhecedores da matéria. O facto de a estrutura nos “dizer” como funciona dá uma sensação de equilíbrio e segurança. Numa fase de pré-dimensionamento foram utilizados modelos simplificados de análise estática e dinâmica. Nesta fase foi separada a análise das catenárias principais dos pendurais e dos tabuleiros. Nesta análise foi utilizada a configuração de um cabo constituído por vários troços, aos quais foram penduradas, através de molas, massas correspondentes aos pendurais e aos tabuleiros. Estas primeiras análises permitiram, para além de definir as primeiras configurações da ponte, antecipar os modos próprios de vibração e as frequências associadas. À medida que se estabilizava a configuração final da ponte, os modelos de simulação foram sendo mais detalhados de modo a avaliar o comportamento não linear dos cabos quando submetidos à sobrecarga, ação do vento, sismo e temperatura.

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ENTREVISTA Os aspetos sobre os quais recaíram mais atenção eram os da instabilidade dinâmica provocada pela travessia de pessoas e pelo vento, no que se refere nomeadamente aos seguintes fenómenos: - Formação de vórtices (Vortex shedding): associado à formação de vórtices nos próprios rastros dos cabos; - Vibração devido ao vento turbulento (buffeting): principalmente associada à geração de efeitos originados pela variação da velocidade do vento tanto em módulo como em direção;

Para o efeito foram colocados novos cabos com origem nos mesmos pontos de onde partem os pendurais nas catenárias, mas dirigidos ao lado contrário do tabuleiro. Como na zona central, as catenárias são pouco mais altas que o tabuleiro, os novos cabos iriam atravessar a zona de circulação a baixa altura, dificultando a passagem de pessoas. Criaram-se, então, pórticos superiores que iriam desviar os novos cabos e manter a integridade da secção de passagem. Por simetria com a parte inferior acabaram por se criar hexágonos que se entendeu manter ao longo do tabuleiro, por razões estéticas e funcionais.

- Instabilidade aeroelástica (galloping): muito associada ao depósito de gelo, de água ou à incidência obliqua do vento em relação ao plano do cabo; - Vibrações induzidas pela vibração de cabos vizinhos: associadas a cabos colocados nas vizinhanças uns dos outros (grupos); - Vibrações induzidas pela circulação de pessoas: associadas ao movimento de pessoas com diferentes velocidades e direções. Reparámos que a ponte é suspensa por cabos de aço mas que existe uns quadro hexagonais que criam um “túnel virtual” no passadiço. Qual foi a razão destes “hexágonos”? Depois de fabricados alguns tramos de tabuleiro, foram montados numa das naves de ensaios do ITECONS de forma a aferir o seu comportamento, os pormenores de suspensão e as eventuais dificuldades de montagem. Constatou-se que, o posicionamento muito excêntrico dos utentes, por exemplo observando algum acontecimento ocorrido num dos lados do rio levaria a uma inclinação transversal elevada por rotação do eixo longitudinal do tabuleiro, que embora não pusesse em causa a sua segurança poderia provocar desconforto e receio na sua utilização. Entendeu-se, por isso, que seria conveniente reduzir este movimento.

Para suportar esta ponte foi preciso imaginar uma forma de fundações nas margens que suportassem todas as acções previstas. Isto foi difícil? Envolveu Fundações Especiais? Que tipo de terreno é que encontraram nas margens? Dado que os elevados esforços da componente horizontal das catenárias principais é equilibrado pelos esforços das catenárias de reação que ligam as torres às ancoragens, os esforços principais são de compressão, duplicados pelas referidas reações. Os momentos fletores nas fundações são, sobretudo, provocados por ações horizontais como o vento ou os sismos. 95


Em relação ao terreno, embora à primeira vista aparente ser granítico é, na verdade, constituído por arenitos que, embora com uma resistência considerável, estão sujeitos à desagregação e à erosão com o tempo. Assim, do lado de Alvarenga, onde as fundações assentam numa zona menos exposta, são diretas, constituídas por um ensoleiramento disposto sob uma grande viga de fundação que une os dois pilares. Do lado oposto a fundação encontra-se mais exposta e próxima da crista da encosta o que levou a adotar uma solução semelhante mas com o ensoleiramento assente num conjunto de micro-estacas que transfere as cargas para níveis inferiores, mais protegidos. Soubemos que a ponte foi testada em túnel de vento no LNEC. Este foi um processo promovido pelo Dono de obra ou por vocês enquanto projectistas? Tratou-se de um processo promovido pelo Dono de Obra com o apoio e a total concordância do ITECONS. Os ensaios aerodinâmicos realizados no LNEC permitiram

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validar

os

pressupostos

do

projeto

De que forma foram efectuados os testes no túnel de vento, quais foram os resultados dos testes e de que forma promoveram alterações na concepção inicial? Os testes foram realizados no túnel aerodinâmico do LNEC, da forma habitual, acompanhados de cálculos numéricos e comparados com dados de comportamento dinâmico calculados no ITECONS. Para este efeito foi testado em túnel aerodinâmico o modelo reduzido de um tramo da ponte. Os coeficientes aerodinâmicos (arrastamento, sustentação e momento) obtidos são compatíveis com os valores utilizados em projeto pelo que, dos ensaios efetuados, não resultou nenhuma alteração ao projeto.

“FOI TESTADO EM TÚNEL AERODINÂMICO O MODELO REDUZIDO DE UM TRAMO DA PONTE.”


ENTREVISTA Sobre o método construtivo da ponte, foi totalmente concebido por vocês ou teve a participação da construtora? No projeto tinha sido apresentado um método construtivo para demonstrar a exequibilidade da solução. Contudo não era vinculativo. Este método foi alterado por acordo entra a empresa adjudicatária e a equipa de “alpinistas” que fez a montagem. A principal alteração verificou-se na sequência de montagem dos tramos de tabuleiro. Houve alterações ao projecto ou métodos construtivos durante a obra? Quais e qual a razão? As principais alterações foram as já referidas e deveram-se à mudança de localização da ponte e alteração do seu vão. Houve também a introdução do sistema de contraventamento transversal, também já referido. Houve ainda pequenos ajustamentos e melhoramentos mas não significativos. O método construtivo foi abordado na pergunta anterior. O controlo de qualidade da obra é efectuado de que forma? Há alguma empresa de fiscalização envolvida ou é a empresa projectista que controla esse aspecto? Qual o papel do LNEC neste assunto? O controlo corrente de qualidade é realizado pela equipa de fiscalização da Câmara Municipal de Arouca. O ITECONS tem acompanhado a obra, esclarecido dúvidas e apresentado alternativas. Adicionalmente, realizou diversos ensaios como o já referido aos tramos de tabuleiro, mas também ensaios estáticos e de fadiga de cabos, de terminais de cabos e de outras peças. A participação do LNEC, até á presente data, limitou-se à realização dos ensaios aerodinâmicos. Prevê-se que os ensaios in situ, antes da entrada em serviço da ponte, sejam realizados em conjunto com o LNEC e o ITECONS.

“O CONTROLO CORRENTE DE QUALIDADE É REALIZADO PELA EQUIPA DE FISCALIZAÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DE AROUCA. O ITECONS TEM ACOMPANHADO A OBRA, ESCLARECIDO DÚVIDAS E APRESENTADO ALTERNATIVAS.” Vai haver algum teste de carga à ponte? Vai ser feita de que forma? Serão realizados ensaios estáticos e dinâmicos com grupos de pessoas que permitirão aferir e comprovar os pressupostos de cálculo, identificando as suas propriedades estáticas e dinâmicas e, principalmente, os coeficientes de amortecimento dinâmico. Em termos de tempo pode-nos informar quando iniciou a concepção, quanto tempo durou os cálculos, os testes no túnel de ventos, a conclusão do projecto. Quando foi o lançamento da obra, qual a previsão de fim da obra e entrada em utilização? Conforme descrito anteriormente a conceção da ponte teve lugar em 2016. As diferentes alterações foram realizadas ao longo dos últimos 4 anos. Os cálculos sempre as acompanharam. Os ensaios em túnel de vento demoraram cerca de meio ano. A obra foi lançada em 2017 e estará concluída dentro de semanas (exceto acessos e arranjos exteriores). A Câmara Municipal de Arouca prevê abrir a ponte ao público ainda durante 2020. Pode dar-nos os principais números desta obra de arte? Vão? Kg de Aço? Metros lineares de cabos? Quantidade de Betão Armado? Vão entre eixos de torres – 516.50 m Altura mínima acima do rio Paiva – 175 m Altura dos pilares – 36.50 m 97


Micro-estacas – 42 un Betão armado em estruturas – 1060 m3 Estrutura metálica do tabuleiro – 70 ton Comprimento total dos cabos principais – 1300 m Carga de rotura mínima de cada cabo principal – 987 tonf Número máximo simultâneo de pessoas na ponte - 1825 Percebemos que o projecto é do ITECONS Lda, quer falar-nos um pouco sobre o ITECONS? Sobre quem compõe a equipa de projecto? O ITECONS foi constituído em 11 de janeiro de 2006, sob a forma de uma associação sem fins lucrativos. Dispõe de laboratórios modernos, distribuídos por dois edifícios com cerca de 7500 metros quadrados, resultado do investimento de cerca de 16.5 milhões de euros em infraestruturas e equipamentos.

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Possui um corpo técnico multidisciplinar, com uma vasta experiência na prestação de serviços de investigação e consultoria em diversas áreas, onde se incluem a Construção, a Energia, o Ambiente e a Sustentabilidade. Possui um sistema de gestão da qualidade certificado pela APCER, em conformidade com a norma NP EN ISO 9001, e cerca de 300 ensaios acreditados pelo IPAC, em conformidade com a norma NP EN ISO/IEC 17025. Disponibiliza uma extensa lista de serviços de ensaio, relevantes para a indústria, nas áreas referidas. É Organismo Notificado (Sistema 3) e Organismo de Avaliação Técnica, no âmbito da marcação CE, Regulamento (UE) n.º 305/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de março de 2011.


ENTREVISTA

O Instituto é, ainda, reconhecido como CIT – Centro de Interface Tecnológico, promovendo a inovação e a capacitação das empresas, sendo igualmente reconhecido para a prestação de serviços a PME no âmbito de diferentes tipologias de Vales. O ITECONS dispõe de uma equipa técnica diferenciada, com experiência na área da consultoria técnica, prestando serviços diversos de engenharia, auditoria, certificação e peritagem, nomeadamente através do apoio na elaboração de projetos; acompanhamento de obras; análise, revisão e otimização de projetos; avaliação de segurança estrutural; simulação numérica; monitorização de construções e espaços envolventes; peritagens a acidentes. A elaboração de projetos não é um dos objetivos principais do Instituto, envolvendo-se o Itecons apenas em projetos que apresentem níveis de complexidade, que requeiram conhecimento científico de ponta e necessitem de recorrer à conceção de modelos numéricos de análise (estática e dinâmica) e à realização de testes experimentais.

Equipa técnica do ITECONS: Conceção e responsabilidade técnica – Filipe Bandeira Análise estática e dinâmica – Filipe Bandeira e António Tadeu Colaboração técnica - Miguel Serra Responsáveis pela realização de ensaios labo ratoriais - Filipe Pedro e Miguel Esteves Por fim a ultima pergunta, esta é mesmo a maior ponte pedonal do mundo? Em Julho de 2017, foi inaugurada, em Randa, na Suiça, a ponte Charles Kuonen, com 494 m de vão, e publicitada como a maior ponte pedonal suspensa do mundo. Se entretanto não for concluída nenhuma de vão superior (pelo menos não é do nosso conhecimento) a ponte de Arouca será mesmo a maior do mundo. E&A Artigo originalmente publicado no dia 16/06/2020, aqui Nota do Autor: Esta obra está a ser realizada pela CONDURIL e o dono de obra é a Câmara Municipal de Arouca 99


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ENTREVISTA

A OET ABRE O DIÁLOGO PARA UMA FUTURA FUSÃO COM A OE POR JOAQUIM ALMEIDA HÁ UM AVANÇO PARA UNIR OS ENGENHEIROS PORTUGUESES. SERÁ UM PASSO QUE IRÁ PROVOCAR UMA MUDANÇA? NO JOGO “POLITICO” DOS INTERESSES EXISTENTES PODEREMOS ESPERAR MAIS BOM SENSO? OU CONTINUAREMOS A DIVIDIR PARA REINAR? No seguimento do meu artigo “OS ENGENHEIROS E AS SUAS DUAS ORDENS” foi com agrado que verificámos que houve um forte interesse pelos leitores em geral e dos Engenheiros em particular bem como da própria OET (Ordem dos Engenheiros Técnicos) que manifestou-se num Comunicado Conselho Directivo Nacional em que publicamente afirma: 3. A OET – Ordem dos Engenheiros Técnicos decidiu responder favoravelmente ao apelo feito por um grupo de engenheiros e engenheiros técnicos, publicado na Revista Engenho e Arte de 8 de maio de 2020 (actualizado em 11/07/2020) relativamente à criação de uma Ordem que resultaria da fusão da OE e OET. Aceitando que a existência de duas Ordens Profissionais pode ser uma razão para o enfraquecimento da engenharia, por força da situação incomum de existência de duas Ordens que, apesar de possuírem designações diferentes, representam a engenharia portuguesa, o que tem permitido que arquitetos, ATAE’s e outros profissionais, pratiquem cada vez mais atos de engenharia que deviam ser exclusivos dos engenheiros técnicos e engenheiros. Com mais de 70 mil membros seria

uma das maiores Ordens Portuguesas. A OET manifesta abertura para dar início a conversações acerca destes assuntos, que acautelem o interesse das partes, no respeito dos direitos que cada membro das duas Ordens é detentor. A OET vê com interesse a constituição de um Conselho Superior da Engenharia, onde estes assuntos (e outros) podem ser discutidos, à semelhança do que já existe para os assuntos da FEANI desde 1993. Além desta menção em Acta do Conselho Directivo Nacional, foi-nos endereçado uma correspondência que transcrevemos na integra (páginas seguintes).

HÁ UM AVANÇO PARA UNIR OS ENGENHEIROS PORTUGUESES. SERÁ UM PASSO QUE IRÁ PROVOCAR UMA MUDANÇA? 101


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ENTREVISTA Na sequência desta correspondência tivemos uma conversa telefónica com Exmo.Sr. Bastonário dos Engenheiros Técnicos, Augusto Ferreira Guedes, em que apesar de não ter acedido a uma entrevista formal por uma decisão do Conselho Directivo Nacional em não dar entrevistas, prestou alguns esclarecimentos e confirmou a disponibilidade da OET abrir o diálogo à fusão das duas Ordens, afirmando que já anteriormente ter informado dessa disponibilidade, mas que nunca teve da parte da OE a abertura para discutir este assunto. Informou igualmente que num processo de negociação para uma fusão, a OET espera da parte da OE um tratamento justo e ao mesmo nível, tal como se espera entre pares. A OET de alguma forma coloca o ónus da criação de uma 2ª Ordem dos Engenheiros (a OET) pela tardia decisão da OE em fazer o reconhecimento dos Engenheiros com licenciaturas de 3 anos, em conformidade do Acordo de Bolonha. É convicção do actual Bastonário da OET que o país em geral e os Engenheiros em particular estão a perder influência e reconhecimento para a profissão, e que uma fusão, com o poder acrescido da união dos associados das duas Ordens, OET e OE, teria com a correcta estratégia a possibilidade de ampliar o reconhecimento dos Engenheiros, das suas competências e de dignificar a profissão. Depois deste passo formal por parte da Ordem dos Engenheiros Técnicos, fica agora para a Ordem dos Engenheiros o ónus de abrir a porta ao diálogo. Recomendo a leitura do artigo referido “OS ENGENHEIROS E AS SUAS DUAS ORDENS” para rever a história por trás desta questão e a minha incompreensão de como uma classe com tantos interesses comuns e de mentes tão brilhantes não consegue chegar a um entendimento a favor da profissão. Esperemos pela reação da Ordem dos Engenheiros. 104

Por fim, decidi fazer uma pequena sondagem (página seguinte) no Linkedin e no Facebook sobre o estado de inscrição dos Engenheiros nas duas Ordens. Desta sondagem que tive uma amostragem total de 788 votantes e verifiquei que o numero dos Engenheiros inscritos na OE (Ordem dos Engenheiros) variou entre 51% a 59%, na OET (Ordem dos Engenheiros Técnicos) variou entre 18% e 38%, Não Inscritos em nenhuma Ordem 29% e 1% . Surpreendentemente o valor de Inscritos nas duas Ordens é de 2% em todas as plataformas. A plataforma de Engenheiros Civis em Portugal, mostra bem que nesta industria há uma percentagem mais elevada de Engenheiros Técnicos de 38% e que quase todos estão inscritos numa das Ordens. Pela análise dos perfis dos votantes e porque o Linkedin tem um cariz mais profissional, vou dar maior credibilidade aos resultados nesta plataforma digital.

UMA FUSÃO (...) TERIA COM A CORRECTA ESTRATÉGIA A POSSIBILIDADE DE AMPLIAR O RECONHECIMENTO DOS ENGENHEIROS


Achei também importante fazer um exercício de quantificação do que resultaria em os Engenheiros terem uma só Ordem. Das respectivas páginas na internet tirei o numero de associados tendo em conta o numero de inscrições registradas, teríamos um total das duas Ordens de aproximadamente 72.500 Engenheiros Inscritos. Se Extrapolarmos o numero de Não Inscritos teríamos um TOTAL em Portugal de aproximadamente 102.000 Engenheiros. Este valor merece uma grande reflexão e uma tomada de estratégia bem conseguida por parte das duas Ordens para defender e promoverem a profissão de Engenharia.

Este valor merece uma grande reflexão e uma tomada de estratégia bem conseguida por parte das duas Ordens para defender e promoverem a profissão de Engenharia. Fiz também um exercício de considerar que somente 70% dos Engenheiros estarão no activo (dados que gostaria de ver confirmado pelas duas Ordens) e aí temos um total de aproximadamente 71.500 Engenheiros que são actores de mudança em Portugal. Dá que pensar! E&A Artigo originalmente publicado no dia 23/09/2020, aqui

QUEM GANHA COM A DIVISÃO DA CLASSE DOS ENGENHEIROS? 105


ENGENHO & ARTE

engenhoearte.info@gmail.com 106


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