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Aos Pais
Seríamos quase levados a lamentar, por vezes, que Deus, ao decidir sobre o modo de transmissão da vida, na espécie humana, não tivesse optado pela partenogênese! As crianças não ficariam assim desoladas por não terem pai. Ao passo que, nestes lares todos onde o pai se acha moralmente ausente, elas vêm a sofrer de perturbações mais ou menos graves... que o digam os psiquiatras! Pergunto a mim mesmo, com verdadeira apreensão, se não haveria, no nosso Movimento, um número ponderável de lares desta espécie, dedução a que chego ante as confidências que me são feitas por esposas e filhos já grandes. É tão fácil para o pai encontrar motivos que o tranquilizem. Um trabalho profissional arrasador, do qual volta à noite para o lar, tarde e esgotado, tornando- -lhe insuportável o barulho das crianças e as suas incessantes perguntas... sem nenhuma consideração para este homem consciente de suas responsabilidades sociais! E o jornal, e as saídas à noite, e as viagens de fim de semana para ir à pesca, ou talvez para reuniões de apostolado... Vêm as férias, e é então a vez das crianças de se acharem ausentes. Se, por acaso, pais e filhos se acham reunidos, é raro ver-se um pai passeando sozinho com um de seus filhos. Suspeitam eles sequer dos dramas que, por vezes, torturam o coração ou a consciência de um adolescente? Quanta desolação acarreta esta abdicação do pai na alma da criança,
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mesmo quando a mãe tudo faz para compensá-la. Porquanto a ação do pai é insubstituível para o harmônico evolver de sua inteligência, de seu julgamento, de sua afetividade, de sua consciência, de sua vida religiosa; indispensável a uma “estruturação” equilibrada de sua personalidade humana e religiosa. É inegável que são muitos os chefes de família que têm a vida sobrecarregada. O que não impede que a criança tenha o direito imprescritível à ação educadora de seu pai. Penso, aliás, que ela é muito mais questão de amor, de disponibilidade do coração, de espírito alerta, do que de tempo. É mais questão de qualidade de presença, do que quantidade, se assim me posso exprimir. Porquanto conheço também pais grandemente absorvidos por suas responsabilidades profissionais, sociais ou apostólicas e, no entanto, maravilhosamente pais. Será preciso acrescentar que o pai é ele próprio o primeiro a ser beneficiado pelo cuidado que dedica à educação de seus filhos? Com efeito, o exercício consciencioso e cristão do ofício de pai é um meio excelente de progresso na renúncia e no amor. E é também o primeiro de todos os apostolados. Quando a Igreja ensina que o fim primário do casamento é a procriação, ela se refere sem dúvida à geração de filhos, mas muito mais à sua educação.
Para terminar, convido-os a refletir sobre o texto singularmente evocado, de Roger Martin du Gard, que acabo de reler no número especial do Anneau d’Or: “O Pai”. “O que conheci eu, dele?... pôs-se a refletir. Uma função, a função paterna. Um governo, de direito divino, que ele exerceu sobre mim, sobre nós, no decorrer de trinta anos ininterruptos. Aliás, conscienciosamente rude e enérgico, embora para o bom motivo; apegado a nós como a um dever... Que conheci eu ainda? Um pontífice social, considerado e respeitado. Mas ele, ele, o ser que ele era quando se reencontrava sozinho na presença de si mesmo, quem era ele? Nada sei. Nunca expôs perante mim um pensamento, um sentimento, onde
pudesse ver algo de íntimo, algo que tivesse sido realmente, profundamente dele, toda máscara retirada... E a meu respeito, que sabia ele? Menos ainda! Nada! Qualquer colega de escola, perdido de vista há quinze anos, saberia mais a meu respeito!... Quando nos encontrávamos frente a frente, havia aí o colóquio de dois homens do mesmo sangue, de mesma natureza e, entre estes dois homens, entre este pai e este filho, nenhuma linguagem para comunicar, nenhuma possibilidade de participação de ideias: dois estranhos!...” HENRI CAFFAREL Colaboração: Mª Regina e Carlos Eduardo Eq. N. S. Mãe de Deus e Nossa Piracicaba-SP