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EM BUSCA DA COLETIVA solução
LUCAS CHAVES PINHO, HISTORIADOR
s tambores ainda ecoam e dá pra sentir a terra tremer sob os pés, mesmo que de forma tímida. Os timbres metálicos ressoam numa espécie de surdina e, aos poucos, os resquícios de purpurina são lavados das ruas e dos corpos. O Carnaval chegou ao fim e o ano, enfim, pode começar.
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É curioso que uma festa nascida na Europa tenha prosperado tanto em terras brasileiras. Talvez tenha sido a alma encantadora de nossas ruas e do nosso povo, que clama pela liberdade, exala alegria e ousa contestar.
Durante a folia, podemos ver como é possível, e mais ainda, libertador, saborear uma espécie de caos organizado, onde reina, apesar dos percalços, a solidariedade.
Abraços, sorrisos, brigas, lágrimas e beijos intercalam-se em uma sucessão de acontecimentos que mais parecem um sonho ou delírio coletivo. Durante cinco dias somos a Terra das Possibilidades. Histeria. Catarse. A saga da humanidade em busca da Apoteose, para aproveitar, ainda que por pouco tempo, a companhia dos deuses.
Como diz o historiador e escritor Luiz Antonio Simas: “O Brasil não inventou o Carnaval, mas de certa forma foi inventado por ele… O Carnaval aponta o que o Brasil deveria ser, uma solução coletiva”.
Ao ler essas palavras numa quarta-feira de cinzas, não pude deixar de pensar na tragédia que assolou o litoral norte de São Paulo. Enquanto muitos rasgavam a fantasia no ápice do contentamento, outros sentiam o peito dilacerado por uma tristeza sem tamanho.
Lares tornaram-se menos que casas, estradas que não levam mais a lugar algum. O descaso evidente com os menos favorecidos. Onde está nossa solução coletiva? O Brasil também sabe ser uma amostra perturbadora da polaridade da existência, das coisas, dos corpos e seus sentimentos.
Como pode, no mesmo espaço de tempo, ocorrerem eventos diametralmente opostos? A vida tem formas muito peculiares de seguir seu rumo, enrolada nas serpentinas do destino, enquanto as águas rolam, incautas, por todos os lados.
Precisamos cuidar do nosso povo. Fazer valer as lições de uma festa popular. Abraçar desconhecidos, principalmente quando eles mais precisam. É ótimo ir pra rua, mas quando se tem um lar para voltar.
É imprescindível treinar uma escuta ativa e empática. A Natureza também tem dado seu recado ano após ano, e estamos insistindo em ignorá-la.
Salve, todas e todos que não hesitam em estender a mão aos mais necessitados nos momentos de apuro. O caminho da solução coletiva é possível, mesmo que estreito e íngreme como as tantas ladeiras de nosso país.
Chegou a hora de guardar as fantasias e arregaçar as mangas. Há muito trabalho pela frente.
Que possamos encontrar em meio às cinzas da esperança uma brasa teimosa, aguardando um sopro de alento para reacender a chama das possibilidades. Movidos pelo amor somos capazes de fazer mais e melhor, por nós e pelos outros.
“Omnia vincit amor et nos cedamus amori.”