Edição 3 - 2016 - Revista dos alunos do Instituto Federal de Sergipe e dos estudantes sergipanos
Especial crĂ´nicas
Vivi Emanuelle e Saulo Matheus na Galeria da Galera Devaneios de uma mente ociosa: por que vale a pena ter amigos?
E mais: poemas, contos, resenhas e artigos
PONTAPÉ INICIAL Expediente: Agradecimentos especiais: PROPEX Participaram dessa edição: André Macedo; Anne Karoliny de Oliveira Silva; Beatriz Augusta F. Santos; Cláudia Martins; Edisley Vitorassi Machado; Ingrid Larissa da Silva Santos; Isabely Ferrari; Josefa Laura Santos de Jesus; Julian Santos Azevedo; Laisla Letícia da Silva Alves; Lhaysla Manuelle Matos Oliveira; Luiz Filiphe Silva Souza; Maria Daniella Moura da Silva; Maria Eduarda Santos de Oliveira; Pedro Eric Silva Santos; Matheus Tavares de Andrade; Rita Santos Romão; Saulo Matheus da Silva Araújo; Suanny Natalie Matos de Araújo; Thais Catharine Silva Barreto; Victória Emanuelle Santos; Vitória Maria Silva Souza. Edição e revisão: Vinicius Valença Ribeiro Projeto gráfico e diagramação: Thiago Estácio Impresso produzido: Coordenação de Produção Gráfica / IFS / Campus Aracaju
Chegamos à terceira edição de Entretemas com duas novidades. A primeira é a nossa versão online. Ainda estamos em construção, mas já contamos com algumas publicações que podem ser acessadas em <http://revistaentretemas.blogspot.com.br/p/inicio.html>. A revista online apresenta as mesmas seções que a versão impressa e logo, logo vai estar repleta de conteúdo. Com a iniciativa, a produção autoral da galera pode ser ainda mais prestigiada. Fazemos aqui um agradecimento especial às alunas do IFS, Beatriz Augusta F. Santos e Cláudia Martins, ambas do segundo ano integrado em Edificações, e ao aluno Daniel Silva, do segundo ano integrado em Informática. O suporte dos três tem sido imprescindível para a extensão de Entretemas ao ambiente virtual. A segunda novidade é a inauguração de uma nova seção da revista: Ao meu redor, um espaço para a publicação de crônicas, gênero que tem feito nossos alunos alçarem grandes voos de criatividade. Aliás, essa edição é dedicada ao gênero. São doze crônicas: dez em Ao meu redor, e duas crônicas literárias na seção Literária Mente. Esta última traz também poemas de alguns de nossos alunos. Mais coisa boa pode ser vista na Galeria da Galera, com os belos desenhos de Victória Emanuelle Santos, do segundo ano integrado em Alimentos, e com o traço radical de Saulo Matheus, do primeiro ano integrado em Eletrotécnica. As outras seções também apresentam conteúdo inédito: textos informativos em Sobretudo; relatos em Na Memória; artigos de opinião em Penso, logo existo; e resenhas em 5 Sentidos. Agradecemos a todos os alunos que participaram dessa edição e destacamos o grande apoio que a Propex desde sempre tem nos dado, tornando possível a concretização de Entretemas. A todos, uma boa leitura!
Vinicius Valença - Professor do Instituto Federal de Sergipe Para publicar na Entretemas, ente em contato pelo email: entretemas@hotmail.com
índice SOBRETUDO • Vasco da Gama • K-POP
NA MEMÓRIA
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• Querido livro de capa azul • Relato de uma míope • O enterro da minha melhor amiga • Trevas
PENSO, LOGO EXISTO • Cachos • Manda nudes?
DEVANEIOS DE UMA MENTE OCIOSA
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• Por que vale a pena ter amigos?
AO MEU REDOR
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• Acabou antes de começar • Noel do Brasil • Cadê o tempo que estava aqui? • Crônica de um sorriso desarmado • Estiagem • Madura Criança • Até quando? • O verdadeiro Reflexo • Quando eu crescer eu quero ser • Simultâneo
5 SENTIDOS • Justiça • Mar Morto
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LITERÁRIA MENTE • Por que escreves tanto? • O amor roubado • Barba de pajé • Falta de controle • João pelo chão • Raiz negra • África • Um singelo lembrete • Procura-se
GALERIA DA GALERA
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SOBRETUDO
Vasco da Gama O Clube de Regatas Vasco da Gama foi fundado no ano de 1898, apresentando um grupo com 62 remadores. Recebeu esta denominação como uma forma de homenagear um fato marcante na história mundial: a descoberta do caminho marítimo às Índias pelo navegador que dá nome ao clube. Junto a este nome estava, então, a imensurável responsabilidade de representar de forma correta o ilustre navegador Vasco da Gama. Assim foi iniciada uma trajetória que começou com o remo e depois se expandiu para as diversas modalidades existentes. As que causaram mais impacto foram o futebol e o remo. A história desse clube é rica em fatores de grande importância para a sociedade, tal como o golpe contra o racismo no futebol, pois promoveu a integração de negros a esse esporte, fato que antes era tratado como algo impossível para todos os times. Os atletas retribuíram o que o clube promoveu e, com muita garra e determinação, conquistaram vários títulos pelo Vasco. À época, percebendo como esses atletas se destacavam, outros times do Rio alegaram favorecimento ao Clube de Regatas Vasco da Gama sob os argumentos de que o time estaria utilizando jogadores profissionais, e isso, até então, não era admitido. Na verdade, os grandes da época não
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suportavam ser derrotados por cidadãos negros e pobres. O Vasco em toda a sua trajetória apresenta aspectos gloriosos, mas, infelizmente, sob a gestão de pessoas incapacitadas, demonstrou períodos de imenso declínio. Nos últimos anos, os torcedores reconhecem apenas a palavra sofrimento, já que no período de oito anos, o time contabilizou três rebaixamentos, salvo o ano de 2011, quando o clube apresentou um futebol admirável, digno do nome que leva consigo. Nesta ocasião, o clube alcançou o vice-campeonato brasileiro, vaga na Libertadores, e o título da Copa do Brasil. Remo O remo foi o esporte que motivou o surgimento do clube, que alcançou no segundo mês de existência o espetacular número de duzentos e cinquenta sócios. Levando em conta que estava tudo começando, é uma boa quantidade. O seu uniforme apresentava duas cores, cada uma com um significado, e uma Cruz de Malta representando a benção cristã aos povos das Índias. O branco significava o estandarte que Vasco da Gama recebeu de D. Manuel, o Venturoso. Já a cor preta representava os mares obscuros navegados pelas caravelas. Nessa modalidade, o time adquiriu o seu eterno arquir-
rival, o Flamengo. A primeira vitória oficial do Vasco, no remo, ocorreu no dia 4 de junho de 1899. Depois, veio o futebol e as partidas foram permeadas de disputas veementes, fazendo com que os torcedores ficassem atônitos de tanta emoção a cada jogo. Futebol Ampliando suas atividades, o Vasco ingressou na modalidade futebolística. Como já foi dito, foi o primeiro time a integrar a população negra ao futebol. E isso consistiu em uma atitude totalmente digna e correta, culminando em vários títulos para o Gigante da Colina. A partir do momento em que o Vasco obteve êxito na sua escolha, as consequências da sua ação foram surgindo. Primeiramente, foi excluído de uma liga que fora criada como uma associação entre Flamengo, Fluminense e Botafogo. Era denominada AMEA. Anos mais tarde, com o apoio do Botafogo, o Clube de Regatas Vasco da Gama foi aceito na até então liga privada. Divergências à parte, Vasco e América realizaram um jogo amistoso para selar a pacificação entre as ligas que vigoravam. Este clássico marcou toda a história e até hoje é conhecido como o Clássico da Paz. Para atender às exigências da liga, os dirigentes do clube viabilizaram a construção de um estádio
SOBRETUDO
para o time, que seria denominado São Januário. Só para salientar, na época era o maior estádio do Brasil. Mas na estreia da nova casa, o Vasco não obteve o triunfo e foi derrotado pelo santos por 5 a 3. Mas olhando toda sua história, fica bem claro que não foi apenas no remo que o clube tornou-se referência. No futebol, após resultados esplêndidos contra clubes de grande expressão, o time adquiriu respeito e admiração. São contabilizados vinte campeonatos estaduais, duas Libertadores e uma Copa do Brasil, entre outras conquistas. O ano de 2015 O Vasco iniciou 2015 tomado por uma efervescente animação, proporcionada pelo fato de ter obtido o acesso à série A no ano anterior, quando pleiteava a série B. Com um jejum de 11 anos sem conquistar o campeonato carioca, o clube estava pressionado. Mas contrariando a todos que o subestimavam por apresentar um elenco muito inferior ao
de seus oponentes, o Vasco se consagrou campeão carioca de 2015. A partir dessa conquista, todos depositaram uma grande confiança no elenco do time, só que mais uma vez, para a surpresa de muitos, a equipe entrou em declínio, e isso culminou com o terceiro rebaixamento da sua história. Rebaixamentos O ano de 2008 estava sendo aguardado como qualquer outro pelos torcedores do Vasco da Gama, só que os mesmos não sabiam que o futuro traria surpresas trágicas e dolorosas. Apesar de uma campanha nada agradável no campeonato, na última rodada ainda existiam possibilidades para o Vasco permanecer na primeira divisão. O único empecilho era que não dependia apenas do time. Como está dito em uma frase popular “aqui se faz, aqui se paga”, e o Vasco obteve o resultado das suas ações, sendo rebaixado pela primeira vez na sua história gloriosa. Após obter o acesso
em 2009, sagrou-se campeão da Copa do Brasil em 2011. Foi o único ano de alegria nesse período de oito anos. Em 2013, mais uma vez, com uma campanha deplorável, foi rebaixado novamente. Já no ano de 2015, quando a situação aparentava ser diferente da dos últimos anos, com a conquista do campeonato carioca, o time entrou em declínio e mais uma vez o rebaixamento foi inevitável. Presente e futuro Mesmo assim, o Vasco da Gama é um grande time. Está entre os melhores do Brasil e tem uma história fantástica. Talvez o presente não seja bom, mas o passado é brilhante e o futuro certamente trará coisas boas para o Vasco.
Pedro Eric Silva Santos – aluno do 2° ano integrado em Edificações do Instituto Federal de Sergipe.
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SOBRETUDO
K-POP 99% das pessoas no Brasil provavelmente nunca ouviram essa palavra, mas aquele 1% é kpopper. Brincadeiras à parte, K-pop é um fenômeno musical que vem se expandindo pelo mundo pouco a pouco. Significa Korean pop, ou seja, música popular coreana. Trata-se de um conjunto de variados gêneros musicais. Tem música eletrônica, electropop, hip hop, alternative, rock e R&B originários da Coreia do Sul. E também envolve dança. O K-pop tem grande influência dos Estados Unidos, sobretudo devido ao hip-hop. Traz sempre grupos de meninas ou meninos, bonitos (ou não), que cantam e dançam sempre com um dose de fofura ou sensualidade. O K-pop não é uma subcultura apenas ligada à música. É também um movimento que influencia o modo de se vestir dos jovens. Além disso, na Coreia do Sul, o K-pop costuma agradar a todas as faixas etárias. Fora do país, porém, esse tipo de música se restringe mais aos adolescentes ou jovens adultos, levando em conta que a maioria dos grupos de K-pop é formada por pessoas dessa faixa etária. Na Coreia do Sul, existem várias empresas que
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criam esses grupos de K-pop, como por exemplo a YG Entertainment, a SM, a JYP, entre outras. O seu modo de criação, de treinamento e de exposição é diferente do que acontece em todo o resto do mundo. Há um modelo padrão para este processo, algo que só ocorre lá. Os jovens primeiramente passam por uma audição na qual eles apresentam seus talentos e, depois da escolha das empresas, estes selecionados passam por diversos treinos para desenvolver e aprimorar suas qualidades. São treinos de canto, dança, interpretação, línguas etc. O horário de treinos é algo extenso e, no início, eles não recebem nenhum tipo de recompensa. Só vão ganhar dinheiro depois de um certo período de tempo. Após muito tempo de práticas, podendo atingir até sete anos, os artistas debutam, ou seja, são lançados no mercado musical. E mesmo depois de serem lançados, o treinamento continua para apresentações ou competições que ocorrem logo depois de lançamento de singles em programas coreanos como Music Bank, M Countdown entre outros. Além disso, as empresas muitas vezes investem em cirurgias plásticas e no estilo dos artistas, visando o padrão coreano.
SOBRETUDO
A partir de 1992, o rap se tornou muito popular no país devido a Seo Taiji & Boys, que é visto como o início do K-pop moderno. Gêneros como balada e rock ainda são populares hoje, mas isso é discutível. Algo que choca muitas pessoas que veem um clipe de K-pop pela primeira vez é a quantidade de integrantes. Há grupos com até doze, por exemplo, mas os pequenos e medianos também são comuns. A existência de termos no mundo do K-pop é tão grande que até mesmo os fãs se confundem. Vejam só os exemplos: K-dramas – são novelas/séries coreanas; kpoppers – são os fãs do Kpop; Bias – é o integrante favorito do grupo; K-idols – são os artistas de forma geral; Treinee – são os jovens que treinam para serem idols; Debut – é o lançamento do grupo no mundo da música; Maknae – é o mais novo do grupo. Estes são apenas alguns dos termos. Há uma infinidade deles. Vale lembrar que o K-pop não se refere somente ao pop coreano, mas sim a vários outros estilos e músicas, como até mesmo o rock. O “pop” do termo K-pop significa popular, ou seja, faz uma referência às músicas que estão famosas no momento. É bom avisar logo para quem se interessou em pesquisar músicas de K-pop que isso pode se tornar um vício. Então cuidado, pois aos poucos você acaba entrando mais e mais no mundo coreano. Aliás, não só no coreano, mas no asiático inteiro. E a vida de kpopper no Brasil não é nada fácil. Mas que todos deveriam pelo menos escutar algumas músicas, deveriam! Garanto que vale a pena. Grupos masculinos: Bigbang, Bts, B.A.P, Winner, SHINee, Epik High, 2PM, Super Junior, Exo, iKON, HYUKOH, Teen Top. Grupos femininos: 2NE1, 4Minutes, Sistar, AOA, Girls’ Generation, EXID, Wonder Girls, Miss A. Artistas solos e duplas: AKMU, Jay Park, Ailee, Lee Hi. Programas de variedades: Weekly Idol, Running Man, Infinite Challenge, Happy Together. Vitória Maria Silva Souza – aluna do 1° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
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NA MEMÓRIA
Querido livro de capa azul De todos os livros que já ganhei, o que eu jamais esquecerei é um livro de capa dura, folhas amareladas, empoeirado e com cheiro de biblioteca velha. Para mim, não é esquisito pensar tão bem de um simples livro antigo, até porque este livro está vivo há muito tempo, alegrou-me bastante e deixou o conhecimento por onde passou. Como toda criança de cinco anos, eu amava bisbilhotar as coisas dos outros e aí, em um desses momentos, encontrei o livro. Mesmo não tendo muita paciência para ler, pedi-lhe gentilmente emprestado. E aquela pessoa querida, com atitude repentina, acabou me presenteando com o grande livro de histórias bíblicas infantis.
Já se passaram dez anos e o livro ainda continua comigo com suas charmosas orelhas de burro. Depois de anos com este simples objeto, a cada dia que passa tento levá-lo a todo lugar que vou. Ele carrega consigo um mar de palavras e um imenso valor sentimental. Sei que daqui a algum tempo, ele talvez possa não mais existir. Talvez, saia do conforto do meu armário e, ao ir parar em outras mãos, tenha seus restos jogados em um turbulento lixão. Isso porque sei que daqui a alguns anos as pessoas provavelmente não vão se interessar por um livro de historinhas para crianças. Naquela noite, eu pude perceber o real significado de ganhar um pre-
sente especial e, de todo coração, aquilo me marcou. Lembrei também da expressão singela do meu querido avô que, com a maior humildade do mundo, deu-me seu livro sem querer nada em troca. Eu não sei por onde este livro passou antes de chegar até mim, mas tenho certeza de que muitas pessoas sorriram e recitaram suas palavras. O querido livro de capa azul marcou a minha infância.
Anne Karoliny de Oliveira Silva – aluna do 1° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
Relato de uma míope
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Eu até enxergava o mundo, mas do meu jeito, conforme a minha pupila permitia. Saco de lixo era cachorro e cabelo no chão era aranha. Minha visão era um espelho em dia chuvoso e eu adaptei-me a isso, porém aquela chuva não cessava nunca. Minha retina, de tanto escravizá-la, estava fraca e vermelha. Minha cabeça doía feito dedo mindinho do pé no móvel. Era alérgica a filmes com legenda. Percebi que havia algo errado. Meus olhos necessitavam de óculos. Desde então, meus olhos os namoram. Eles se completam feito pão e manteiga, beijo e dia chuvoso.
São tão companheiros quanto os amigos que veem tudo e guardam segredos. Mas o que me livrou do saco de lixo que persistia em ser um cachorro, do cabelo que aparentava ser uma aranha, da folha que mais parecia uma barata, me cega quando tomo café quente ou refrigerante, me incomoda durante o beijo, me faz tropeçar na chuva, e deixa uma marca no meio da cara. O.D.1,50 e O.E. 1,50; graus que codificam e reconstituem o mundo, mas que servem apenas como auxílio. Mas mesmo sem os óculos, a miopia não tira a minha capacidade
de enxergar o mundo e a vida com a mente, com o bom senso. Pois é, tanta filosofia e no fim das contas só restam mesmo lentes manchadas. Sempre chega alguém pedindo para provar os meus óculos, deixando-os completamente marcados de dedos. E assim segue o míope. Se esses graus aumentarem, não comprarei outras lentes e sim um labrador.
Maria Daniella Moura da Silva – aluna do 1° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
NA MEMÓRIA
O enterro de minha melhor amiga É clichê, eu sei. Mas fazer o quê? Sou filha da mãe que tenho, uma mulher que sempre se alegrou em comprar todos os vestidos bufantes que coubessem em mim quando eu era bebê. Hoje, ao ver fotos de antigamente, eu me arrependo de não ter aprendido a falar mais cedo para poder dizer o quanto tudo aquilo era constrangedor. Mas, enfim, tão clichê quanto os vestidos bufantes que me faziam parecer um bujãozinho com capa, só mesmo as bonecas. Eu tinha muitas, pode acreditar. Grandes, pequenas, que falavam que andavam, as que davam medo... Todas. Bem, era legal ter toda uma coleção de “amigas disponíveis”. Mas eu não queria uma coleção. Apenas uma
era suficiente. Eu tive que escolher, e a que mais parecia comigo foi a vencedora. Boneca de pano, apenas de calcinha, cabelos arrepiados e um olhar assassino – exatamente como eu naquela época. Após a seleção da “melhor amiga”, as outras foram facilmente esquecidas, abandonadas. A mesma coisa aconteceu com as minhas vizinhas, que ansiavam usar as canetas para pintar e melhorar a aparência das bonecas rejeitadas. Tivemos momentos legais, compartilhamos experiências. Juntas descobrimos o mundo, desbravando os cantos mais obscuros da casa, irritando e odiando qualquer um que usasse chamar de idiota nossa “amizade”.
Quando enfim ela se foi, perdida durante uma grande reforma em casa, eu chorei. Tempos depois, descobri que ela juntou-se à terra, cimentada no chão da casa. Para mim foi reconfortante, praticamente um enterro. Depois de perdê-la, fui obrigada a lidar com o mundo real, onde as gurias da minha idade roubavam meus doces e brinquedos, disputavam a atenção dos adultos e faziam idiotices. Foi difícil, mas a transição foi precisa, e a dor, a primeira de muitas.
o mano chega em casa pensando no desemprego? A mídia globalizada te faz acreditar naquela merda toda que tá ali. Às vezes, me sinto sonhador, pensando na paz, mas o Brasil é um buraco sem fim, com todos os brasileiros caindo e pedindo pra morrer como se estivessem diante da encarnação do exército de Hitler. E seguem os políticos, roubando merenda escolar. Esses são os mais sujos, são os mais corruptos. Não dá pra se espantar quando aparece um indivíduo programado para roubar ou até chegar no ponto lamentável de cometer um
assassinato. A cada dia a população vem sendo injetada de ódio. Esse ódio só vai terminar quando cada corrupto e cada porco que ataca a zona periférica estiver numa jaula. Enquanto isso, sigo em frente. Ser dizimado jamais. É preciso sempre lutar.
Josefa Laura Santos de Jesus – aluna do 1° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
Trevas Eu vivo em trevas que matam uma pessoa a cada nove minutos, onde crianças brincam de bang-bang ao invés de carrinho, onde as mães pedem paz sem parar para seus filhos, onde a polícia não te dá proteção, onde playboy quer a cabeça do pobre no esgoto, onde nos privam da educação, onde políticos roubam mais que assaltantes de banco. Tanques de guerra não vão trazer paz. Medo é diferente de respeito. Fique ciente de que aqui um salário mínimo não cabe na casa de uma família das menores classes. Como falar de casal feliz, se
Saulo Matheus da Silva Araújo – aluno do 1° ano integrado em Eletrotécnica do Instituto Federal de Sergipe.
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PENSO, LOGO EXISTO
Cachos Tá na moda assumir os cachos? Assumir o cabelo original nunca foi sinônimo de moda. O fato de você usar seu cabelo ao natural faz com que as pessoas interpretem isso como falta de vaidade. Mas algumas meninas só querem se sentir confortáveis e seguras sobre ter um cabelo bonito exatamente do jeito que ele é. Porém, para muitos, isso não inclui aceitar os cachos. Muitas meninas com cabelos naturalmente cacheados já até esqueceram como é o aspecto natural dos fios, pois ter o cabelo liso ainda parece ser a condição para existir e ser aceita. Infelizmente, para muitas é o único jeito de estar bem em público; é o único jeito de se sentir bonita. Costumam dizer que cabelo liso dá menos trabalho, mas algumas crespas já perceberam que não é bem assim. Cabelo alisado requer cuidados e visitas ao salão de tempos em tempos. Exige o uso de química, que destrói os fios. Ainda tem o secador e a chapinha. Isso sem falar do risco de o cabelo cair devido ao corte químico. Os cachos trazem consigo o poder de revelar preconceitos. Várias frases horripilantes são ditas, às vezes até em um tom “doce”, às vezes como um “conselho” para as cacheadas/crespas:
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“Pra uma negra, até que você é bonita.” “Como você lava o cabelo? Ele molha?” “Seu cabelo é bonito. Já pensou em alisar?” “Você é muito nova pra usar cabelo cheio.” “Trança é bonita. Para quem tem cabelo ruim é uma salvação.” Junto com os cachos, vieram os turbantes. Ao contrário do que alguns podem pensar, eles não vieram para esconder o cabelo. Tanto os turbantes quanto as tranças são usados para afirmar a cultura afrodescendente, além de ser uma alternativa super estilosa para suportar o calor. Libertar-se dos alisamentos é uma decisão difícil de ser tomada, mas pode render visuais muito mais cheios de personalidade e um cacheado surpreendente. Todo cabelo precisa de mãos cautelosas, precisa de paciência. Precisa de um pouco de compreensão, tempo, carinho. Ele precisa, sobretudo, de uma mudança de olhar, de uma quebra de todos os paradigmas sobre o que é um cabelo bom, um cabelo bonito, um cabelo saudável. O preconceito já está enraizado em nossa cultura, assim como a ideia de que existe um tipo de beleza melhor que o outro.
Não dá mais para cair na armadilha de estereótipos frios e mesquinhos. Libertar-se é mais gratificante. Se você é crespa, saiba que o seu cabelo não é duro, nem é palha e nem precisa ser domado – ele não está fora de controle. Pare de achar que o seu cabelo não tem solução. Na verdade, ele nunca foi um problema. Seu cabelo apenas não é liso. Essa visão de mundo muda completamente a forma de olhar e lidar com os cachos. Sermos quem somos faz parte da construção de uma identidade, independentemente de como você é: cacheada, fitness, magra, ou gorda. Tudo bem, mas e se eu quiser alisar meu cabelo quimicamente? Tudo bem também, desde que isso não seja uma paranoia, uma autoimposição resultante da falta de amor próprio. Use liso quando quiser, mas quando sentir falta dos cachos, não pense duas vezes: deixe-os vir à tona. Seu bem-estar tem que ser seu prato principal, do café da manhã ao jantar. Alimente-se dele e farte-se. Liberdade é poder ser quem é. A pretensão é amar-se. Cachos à mostra? Só se for agora.
Maria Daniella Moura da Silva – aluna do 1° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
PENSO, LOGO EXISTO
“Manda nudes? ” O perigo em suas mãos. Certa feita, em um dia habitual e monótono, durante as visitas constantes e praticamente diárias às redes sociais (algo que já se assemelha a um ritual) aproveitei um momento de ócio para ver postagens aleatórias. Deparei-me com um vocábulo que definiria como inédito e revelador. Como grande parte das expressões que surgem na Internet, esta apareceu também de forma repentina. Não se falava em outra coisa e a ideia já despontava uma nova modinha na web. Timelines recheadas e repletas da expressão provocaram reboliços e milhares de comentários. Neste exato momento, me vieram à mente diversas reflexões e contemplei o quão influentes poderiam ser as ideias altamente popularizadas entre os internautas. A partir daí, pude assimilar a definição de “nudes”. Nada mais, nada menos que fotos íntimas publicadas e/ou compartilhadas com grupos frequentemente bem restritos, e alguns mais amplos. Contudo, o ponto mais intrigante não se fixa nesse fator, mas sim na naturalidade com que tal ideia foi tratada e absorvida entre o público jovem. Dessa forma, pude indagar: até que ponto as ideias disseminadas em meios de comunicação podem persuadir as pessoas e influenciar nossas convicções? Que consequências traz o uso inadequado das redes sociais propiciadas pelo avanço tecnológico? Fato é que a repercussão da publicação dessas imagens tem sido extrema e tem ultrapassado o âmbito virtual. Indivíduos no auge da sua juventude, beirando o cume das emoções
e sentimentos, envolvidos pela euforia e pelas amizades acaloradas, geram situações no mínimo embaraçosas. Na tentativa constante de salvaguardar seu status, o sujeito exerce, de forma imperceptível, papéis perigosos. Quando se trata de imagens íntimas e pessoais, as motivações que levam um sujeito a compartilhar conteúdos privados devido à excitação e à autossatisfação podem gerar problemas. Muitos casos específicos têm sido bastante recorrentes no cenário atual. Distintamente das fotos furtadas por hackers, como o caso famoso de Carolina Dieckmann, constatei que os “nudes” são imagens compartilhadas intencionalmente e também alcançam um público bem abrangente. É o que ocorre diversas vezes com casais em relacionamentos não consolidados, imaturos e instáveis numa sociedade onde os relacionamentos amorosos já são tão banalizados. Em grande parte dos casos, as fotos vazadas têm gerado consequências terríveis, pois não atingem apenas o convívio social da vítima. Às vezes, ficam expostas para o mundo, o que provoca um verdadeiro turbilhão de emoções negativas para quem passa por isso.Imaginando todo esse cenário, sem delongas e rodeios, foi uma atividade árdua tentar descobrir uma razão coerente e lógica para compartilhar dados extremamente individuais, e, no fim, a tentativa foi frustrada. O uso dos recursos tecnológicos tem gerado muitas polêmicas na contemporaneidade, principalmente
quando tem relação com o compartilhamento de informações de caráter individual. Logo, o aspecto crucial a ser pontuado é essencialmente um: atitudes impensadas geram consequências desastrosas. Fica a questão: temos refletido sobre nossos atos, como no caso das publicações e compartilhamentos nas redes sociais tanto de “nudes” quanto de posições agressivas sobre determinados assuntos e até mesmo daquilo que passou a se chamar cyberbullying, ou temos vivido no ímpeto do momento sem tomar as rédeas dos caminhos que podem trazer problemas para a nossa vida? O avanço tecnológico proporcionado pela ascensão do capitalismo está longe de ser um fator negativo na vida dos indivíduos. Pelo contrário, tem proporcionado inúmeras facilidades no cotidiano acelerado. Porém é mais que claro que é preciso saber jogar com a liberdade que se conquistou. A utilização inadequada do que quer que seja pode gerar transtornos incalculáveis. Isso serve para a internet também. E aí? Vai continuar mandando nudes?
“O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete. ” Aristóteles
Lhaysla Manuelle Matos Oliveira – aluna do 2° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
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DEVANEIOS DE UMA MENTE OCIOSA
Por que vale a pena ter amigos? Um dia, sonhei que vivia sozinha numa ilha. Era um lugar tranquilo, sem estresse, sem gritaria, sem discussão por abobrinha. Mas era um lugar sem risos, sem muita história, era um lugar meio vazio. No final do dia, eu saí da minha solidão e voltei a todo vapor para a terra com barulho, estresse, risos e, sobretudo, repleta de gente. Porque no fim, mesmo com tantos contratempos, é bom ter gente pra dividir e deixar a nossa ilha mais feliz.
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Por que cuidar daquele amigo que vive se esquecendo da gente? Por que ligar para aquele amigo que não liga nunca? Por que demonstrar cuidado mesmo às vezes tendo sido tão ferido? Por que continuar querendo bem ao amigo que trai nossa confiança? Por que continuar achando graça de amigos que vivem fazendo piadas sem graça? Por que amar aquele amigo que faz a gente pagar mico? Por que chegar no horário e esperar aquele amigo que sempre se atrasa? Por que ser amigo daqueles que somem por anos? Dos que não dão notícias? Dos que nunca dizem “eu te amo”? Dos que parecem mais interesseiros do que verdadeiros amigos? Dos que às vezes nos substituem? Dos que não respondem os e-mails? Dos que não visualizam as mensagens? Dos que tem valores e crenças diferentes das nossas? Dos que conhecemos ontem? Dos que tem uma péssima correspondência afetiva? Dos que
nos fazem chorar? Daqueles com quem não temos nada em comum? Por que amar esses amigos que são tão assim? Tão sei lá ? Não sei. Na verdade não tenho a resposta exata pra essas perguntas todas, mas mesmo assim me peguei pensando sobre cada uma delas ao refletir sobre esse sentimento chamado amizade. Esse negócio que quando a gente vê já tomou conta da gente, já é parte da nossa história, da nossa vida. Afinal, ninguém vive no mundo isolado como numa ilha. A gente foi feito pra se relacionar. Relacionar-se é preciso. Por isso, acredito que no final isso de amizade é a gente quem escolhe. Mesmo tendo esses amigos que sumiram, que não demonstram amor, que nos irritam fácil, que não ligam nunca, que às vezes não demonstram seus sentimentos, e que nos ferem também, e não pedem perdão, e que mesmo assim, a gente decide amar. Amar porque amizade não é o que fazem por nós, mas sim o que fazemos pelo outro. Fazemos porque nos importamos, pois a reciprocidade do
amar é estar disposto a renunciar nossos gostos mesmo se o outro não tiver nada a oferecer ou mesmo sem ouvir um pedido de desculpas. E amamos mesmo assim. Porque é melhor sermos dois do que um, porque é bom ter com quem dividir as histórias, porque também é bom ter alguém pra gente se preocupar, porque no final a vida fica ainda mais bonita quando encontramos alguém pra chamar de amigo. Para os meus amigos de verdade, para os que eu não dou parabéns no Face Book, para os que eu não ligo sempre, para os que eu enjoo sempre e decepciono também. Amo vocês e espero continuar achando que mesmo com as dores vale muito a pena ter vocês na minha vida.
Rita Romão, ex-aluna do IFS, militante da Aliança Bíblica Secundarista, e atualmente uma diarista de si mesma!
AO MEU REDOR
Acabou antes de começar Uma vez, eu fiz planos. Quis acordar tarde, viajar, ver cada parte bonita do mundo, comprar todos os tipos de doces, ter todas as roupas que gostasse, aprender a tocar todos os instrumentos do mundo e colecionar amores. Planejei escrever um livro inteiro, construir uma boa casa para os meus pais com o salário do meu bom emprego, entender todas as matérias da área de exatas, instalar um ar-condicionado em meu quarto e pintar todas as paredes de minha casa de azul. Quis conhecer pessoas, andar na rua a qualquer hora, ter um cachorro chamado Cachorro, deitar na areia da praia e tomar um vinho com o amor da minha vida. Tam-
bém já quis fazer uma faculdade sem pensar nos fins lucrativos. E, então, eu pensei no mundo em que vivo hoje. Pensei nos jovens sem esperança que me rodeiam, no país em crise econômica, nos adultos frustrados, nos assaltos e assassinatos, nas almas feridas de corações partidos pelas ilusões amorosas. Pensei nos calos que estouram no meio da rua dentro dos sapatos, na desigualdade social, nos garotos com fome, nos dedos mindinhos que estão sempre correndo o risco de levar uma topada; nos suicídios, pensei nos suicídios e na crueldade humana, no egoísmo e nas pessoas que falam ou rangem os dentes enquanto dormem (sim, isso me irrita) ...
Noel do Brasil Papai Noel veio ao Brasil no dia 24. Estacionou seu trenó com suas belas renas em uma esquina para entregar seu presentes. Quando voltou, seu trenó havia sumido. Levaram praticamente tudo. Sobrou apenas sua sacola de presentes, os quais ele juntou o ano todo com auxílio de seus duendes. “Vamos lá, Noel! Você já deveria ter imaginado o que aconteceria se deixasse seu trenó ali. É Brasil! Que descuido hein?” Pensou o senhor das barbas brancas imaginando o sermão dos seus duendes. Determinado a continuar seu itinerário, ele seguiu caminhando energicamente pelo bairro pobre. Foi bem recebido pelos moradores, todos atenciosos com o senhor barbudo. Nele, não havia mais a magia, mas não deixava de ser mágico para as crianças ter um Papai Noel na sua casa na véspera de Natal. Ele até que estava achando a noite tranquila, porém nada de bom o esperava. Caminhando um pouco mais, Noel foi parado por policiais, que disseram que só o liberariam com uma grana por fora. Papai Noel não
tinha nada além dos seus brinquedos, então apelou para o lado emocional dos homens da lei e conseguiu se safar. Parece que o espírito natalino ainda reinava. Aproveitou e pediu uma moedinha para pegar o ônibus a caminho do próximo bairro. Subindo no ônibus, que estava cheio, olhou ao redor para saber se iriam ceder um lugar para ele. Ninguém cedeu. O velhinho foi em pé com sua sacola cheia de presentes no coletivo lotado. Enfim, Noel chegou ao seu ponto e desceu no bairro mais rico da cidade. Seguindo seu percurso, ele foi de mansão em mansão, sendo bem recebido e saindo. No entanto, ao passar na frente de um barzinho do bairro, o bom velhinho foi surpreendido e espancado quase até a morte por um bando de jovens burgueses bêbados que o confundiram com o líder do partido político opositor ao deles. Isso tudo devido a sua roupa vermelha e a sua barba branca. Papai Noel estava estatelado com o rosto inchado e com os dentes quebrados. Havia sofrido várias fraturas quando foi socorrido pela
Lembrei da falta de amor das pessoas, e das pessoas que não sabem amar. Lembrei das dores nas costas, do aumento dos impostos, do provável apocalipse zumbi, das crises de identidade das garotas de treze anos, e da dificuldade de se ter educação de qualidade e emprego digno. Também me recordei dos casos de adultérios, assédios, cáries, mortes, doenças, mentiras, brigas desnecessárias, falta d’água, e vasos sanitários com os assentos molhados. Conclusão? Desisti dos planos.
Laisla Letícia da Silva Alves – aluna do 2° ano integrado em Edificações do Instituto Federal de Sergipe.
ambulância, que por sinal chegou mais de uma hora depois. Acordou no dia 25 de dezembro. Depois de uma longa cirurgia, Noel só poderia ser liberado no dia 31. Os brinquedos foram saqueados, mas deixaram a sacola manchada de sangue com ele. Só sobrou isso. Nem os dentes ele tinha mais. Na cirurgia, tiveram que raspar algumas partes de sua barba, o que lhe deu um aspecto bem esquisito. Finalmente Noel foi liberado, mas ele não era mais o Papai Noel. Ele viu que não conseguiria sair mais desse país. Perdeu completamente sua identidade. Não se via mais como o bom velhinho, pois haviam sugado toda a sua bondade. Agora Papai Noel vive pelas ruas brasileiras, catando latinhas e as colocando em sua sacola. Com o dinheiro que ganha vendendo o material, compra cachaça. O bom velhinho se tornou o Velho do Saco.
Julian Santos Azevêdo – aluno do 2° ano integrado em Edificações do IFS
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AO MEU REDOR
Cadê o tempo que estava aqui? “Esse bimestre será moleza”, pensei. Três semanas de prova para umas dez ou onze matérias que terão avaliação. Vou ter tempo para estudar direitinho. Não vi problema em alguns professores passarem atividades durante essa semana, pois tinha alguns espaços livres. Fiz até um cronograma de estudo para aproveitar melhor os horários e, assim, ter momentos de descanso. Fui extremamente confiante para a primeira semana. Sabe como foi a segunda-feira? Pois é, com um balde de água congelante. Um turbilhão de coisas mudou meus planos. Toda a programação Sem estresse foi substituída por uma sobrecarga de atividades e por uma correria sem fim.
Mas quem em pleno século XXI não vive na correria? Quem tem tempo para fazer tudo o que deseja? Quem tem o tempo completamente organizado? Quem não quer mais horas extras no dia? Quem está totalmente de boas? Nem as pacatas cidades do interior estão tão pacatas assim. Correria, hoje em dia, já deve passar pelo sinal de Wi-Fi. Foi-se o tempo em que velhos colegas de escola encontravam-se na rua para relembrar os bons momentos da juventude. Os vultos que vagam pelas vielas, ruas e avenidas vivem em seu próprio mundo, formam uma multidão de solitários tecnológicos e caminham atordoados na busca do sucesso profissional. Cada vez mais essa multidão
ganha integrantes. Uma parcela considerável é a dos jovens exaustos, como eu. Eles estão sobrecarregados pelas tarefas escolares, as quais muitos precisam conciliar com um emprego. Adultos e jovens estão sendo atingidos pela síndrome do relógio acelerado, mas ainda há gente que acha brecha para dizer; “você não faz nada! só estuda!”. Pena que não tenho tempo para explicar a eles a minha vida corrida.
Isabely Ferrari – aluna do 2° ano integrado em Edificações do Instituto Federal de Sergipe.
Crônica de um sorriso desarmado “ Você já sorriu hoje?” Questiona um muro no meu caminho diário. Tá difícil, tá puxado meu camarada. A gente sorri engasgando preocupação com o atual momento político do Brasil. A juventude, que seria a maior prejudicada por um suposto futuro golpe, tá tirando selfie pro Instagram, cagando e engolindo a repressão nossa de todo dia. Lembra quando nosso querido Vice mandou uma carta para a presidente? Estava recheada de sentimentalismo (nada barato). Ele resmungava e se lamuriava sobre o seu cargo com pesar. Foi uma carta que supostamente seria destinada só e somente só a sua chefinha, mas, claro, foi parar nos braços acalentadores da imprensa. Curioso que foi bem na hora em que se instau-
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rou a análise sobre um pedido de impeachment. Coincidência? Acho que não! Como diria meu amigo (só na imaginação mesmo) Xico Sá, “corra, Lola, corra!”. A gente vive numa democracia pela metade. Quantas vezes você se policiou (ou foi policiado) pra não arreganhar descaradamente sua opinião? Além disso, há o policiamento em sentido literal. Nossos policiais são treinados para reprimir. A gente herdou isso de mais de 20 anos de ditadura, que nasceu como forma de fazer com que interesses de grupos se impusessem sobre a vontade do conjunto da sociedade. Trocando em miúdos, o povão foi nocauteado, ou melhor, sofreu uma goleada de 7 a 1, sem direito a reclamar do juiz ladrão. “Memó-
rias de um tempo onde lutar por seu direito é um defeito que mata”, cantaria Gonzaguinha. Ainda não sorri hoje. Optei pelo caminho mais longo. Nem a pau vou cruzar com aquela pergunta de novo. Será que o maluco que fez aquilo sabia da enrascada em que ele estava me metendo? Fico pensando; será que o prenderam por depredação de patrimônio público? Espero que depredação de juízo seja prevista em lei também.
Beatriz Augusta F. Santos – aluna do 2° ano integrado em Edificações do Instituto Federal de Sergipe.
AO MEU REDOR
Estiagem Dezessete horas para mais uma aula de Língua Portuguesa e cá estou eu sem crônica alguma. Escassez mais braba do que escrever sobre outros trocentos assuntos banais. Tudo que brota é erva daninha. Já falei sobre o tio da mercearia com suas cuecas samba-canção, e sobre a senhora do vestido cor-de-rosa lança-tendência. Até meu irmão estúpido virou crônica. Como era esperado, o texto ficou um lixo. O desespero da falta de criatividade, a cabeça rodando e milhões de nada. Pânico em pensar na cara de desdém do professor Vinicius. O
que fazer numa hora dessas? Já ouvi três CDs e nenhum conseguiu me inspirar. Nem ao menos consegui parafrasear algum versinho. Acordei na madrugada, na esperança de que o frio da noite me trouxesse alguma epifania, pequenininha mesmo. O máximo que consegui foi derrubar o celular na privada. Bosta de vida. Acho que são as matérias de cálculo as culpadas. Elas levam o que eu costumava chamar de criatividade. “É pau, é pedra, é o fim do caminho”. Escutando Jobim e Elis, chego a minha conclusão. A que ponto
cheguei. Terei que apelar na minha crônica. Farei dela uma grande indireta para que o professor a enxergue com outros olhos. Assim, lembro da minha realidade de fracasso. Mas esqueço o embaraço e entrego meu texto in natura, sem revisões e correções, sem capricho. Enfim sem conteúdo.
Cláudia Martins – aluna do 2° ano integrado em Edificações do Instituto Federal de Sergipe.
Madura criança Atualmente, nós crianças (sim, crianças), mal temos o conhecimento sobre o que é realmente uma infância ou adolescência. O mundo nos força a um amadurecimento precoce e muitas vezes incompleto. Nas escolas, exigem as responsabilidades e as atitudes de um adulto. Nos dizem: “Você não é mais criança!”. Melhor seria se dissessem logo diretamente: “Você não tem mais o direito de ser uma; tenha responsabilidade”. É o que nos falam. Cobram um amadurecimento repentino e prematuro e exigem que crian-
ças se portem logo como adultos. Em nossas casas se faz o mesmo, se não é que é pior. É sempre assim: “ Você não tem permissão pra isso, pra aquilo, ainda é nova demais. É uma criança”. Minutos depois, por um motivo qualquer, esse mesmo adulto irá nos dizer “por que ainda não cumpriu suas obrigações? Você não é mais criança!”. Nossos pais idealizam que uma criança perfeita deve se portar como um adulto responsável. Como consequência dessa juventude “madura”, a próxima gera-
ção de adultos não terá muita noção do que é ter uma infância ou adolescência. Por outro lado, há tanta gente jovem querendo se tornar adultos perfeitos antes do tempo, para serem bem vistos aos olhos da sociedade, que acabam atropelando tudo o que poderiam ter vivido nas melhores fases da vida.
Ingrid Larissa da Silva Santos – aluna do 2° ano integrado em Edificações do Instituto Federal de Sergipe.
Até quando? Mais um dia, mais uma prova, mais aulas exaustivas. Às vezes me pergunto quando vou sair do IFS, se é que essa libertação é possível. A cada ano uma greve, a cada greve mais atrasos, a cada atraso mais tempo perdido. E, quando enfim as greves acabam, a rotina volta junto com todos os problemas: os professores que não existem, os professores que não querem dar aula, os professores que querem dar aula. Os colegas bagunceiros, a
turma barulhenta, a sala calorenta, o estresse tomando conta. Assunto por cima de assunto, seminários, provas, atividades. Meu Deus!! Até parece um ciclo interminável. Quando enfim acabamos uma manhã exaustiva, enfrentamos a enorme fila do refeitório, esperando que ao chegar a nossa vez, ainda exista comida. Finalizada a refeição, precisamos mais uma vez de preparo psicológico para encarar as aulas da tarde. Tentamos pres-
tar atenção, mas o sono depois do almoço é mais forte. Passamos a tarde nessa luta contra a nosso próprio organismo. E quando chegamos em casa, lembramos que não vamos dormir porque precisamos estudar. Até porque a gente sai do IFS, mas o IFS não sai da gente.
Maria Eduarda Santos de Oliveira – aluna do 2° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
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AO MEU REDOR
O verdadeiro reflexo Em mais um dos muitos exercícios do livro de Português, deparei-me com uma foto que me chamou bastante a atenção. Nela, um pinguim olhava para o seu próprio reflexo na água. Apesar de ser uma representação do comportamento animal, a foto me lembrou um comportamento dos seres humanos: a preocupação que temos com a beleza e, mais precisamente, com o nosso corpo. Muitas vezes me vi parada na frente do espelho olhando meu reflexo e analisando o que poderia ser mudado para que instantaneamente a beleza fosse alcançada. O problema é que os estereótipos estabelecidos pela sociedade são muitos e acabam determinando como devemos nos vestir, como devemos nos portar e até mesmo o
peso que devemos ter para sermos considerados belos e atraentes. Essas imposições sociais são capazes de levar os indivíduos a cometer loucuras. Não é à toa que a anorexia é uma das doenças mais recorrentes entre as meninas adolescentes e está muito vinculada à bulimia, um outro distúrbio. No caso da anorexia, trata-se de um distúrbio alimentar que provoca uma perda de peso acima do que é considerado saudável para idade e altura. Tem como característica a distorção do nosso reflexo. Ou seja, a pessoa se vê de forma diferente daquilo que realmente ela é. Em síntese, o indivíduo magro se vê gordo na frente do espelho. É fácil ser prisioneiro da própria aparência. Passamos a vida querendo nos ver de outro jeito, dese-
jando que o nosso corpo obedeça aos padrões estabelecidos pela mídia e pela sociedade. Precisamos nos ver sem essas predefinições, observar o nosso reflexo no espelho da Verdade e aceitar a maneira como viemos ao mundo. Quem sabe assim, cheguemos perto da nobreza daquele pinguim do livro de Português. A observação do seu próprio reflexo na água pode ser resultado de uma série de razões. Mas estou certa de que isso não inclui o desejo de ser outra coisa além de um pinguim.
Thais Catharine Silva Barreto – aluna do 2° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
Quando eu crescer eu quero ser
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Cá estou eu, no meio do Ensino Médio, sem saber o que fazer da vida. Apesar de cursar o Integrado em Edificações, o ramo da construção civil nunca me atraiu. Na verdade, eu entrei nesse curso só por causa da minha “afinidade com as exatas”. Mas agora mudei um pouquinho de opinião e quero fazer Direito. Ontem eu queria fazer Astronomia. Amanhã eu posso querer ser gogo boy. Pois é, não está fácil. Existem alguns pontos importantes que geralmente são levados em conta quando se trata da escolha da carreira. São eles: seu gosto e interesse pela área, o mercado de trabalho, e o dinheiro que dá pra fazer. Acho que gostar do que você faz é o mais importante, mas mesmo que dependesse só disso, são tantas as
opções! Eu poderia ser um astronauta pisando pela primeira vez em Marte, um pesquisador descobrindo a cura da AIDS, ou mesmo um juiz condenando Eduardo Cunha (dizem que vaso ruim não quebra cedo). Analogamente ao processo de busca por um marido ou uma esposa, é preciso encontrar uma profissão que nos faça acordar todos os dias felizes por saber que estamos indo trabalhar. A pressão social é grande, principalmente por parte da família. Isso pode causar certa ansiedade, afinal, o Carlinhos já está se formando em Medicina e você continua sem ter sequer uma noção do que fazer. Mas assim como na busca por um cônjuge, a pressa pode te distanciar de uma boa escolha. Quanto mais certeza
se tem, menores são as chances de um arrependimento futuro. O Deboísmo (corrente filosófica) me ensinou a ficar de boa diante de qualquer situação. Não precisa ter pressa. Uma hora eu vou saber o que fazer. Todos descobrem um dia. Vou ser um bom profissional, fazendo o que eu gosto e não o que meus pais ou tios querem que eu faça. E se esse dia não chegar, vou continuar de boa, agora vendendo minha arte na praia.
Luiz Filiphe Silva Souza – aluno do 2° ano integrado em Edificações do Instituto Federal de Sergipe.
AO MEU REDOR
Avenida Rio de Janeiro. Sexta-feira. Toca o bip do relógio marcando meio-dia. Muito sol. Horário de pico. Engarrafamento. E, para completar, o sinal ficou vermelho. – Que saco! – Manuel reclama. Liga o rádio para distrair, mas nada lhe agrada. Desliga. Eis que do nada... SPLASH. Um flanelinha joga água bem no vidro dianteiro do carro. Manuel não entende nada. Agora é a vez do sabão e um pouquinho mais de água. O indivíduo passa o rodo uma vez, duas, três, quatro vezes, e dá um sorrisinho satisfeito com o trabalho feito. – Iaí sinhô, gostou do serviço? – perguntou o flanelinha. – Mas eu não te pedi serviço nenhum! – retrucou Manuel já estressado. – Oxe, da qual foi tio? Fiz o serviço direitinho, ói aí! O vidro tá até brilhando, e é só dois conto. Ajuda o mano aqui da quebrada e pá, tô precisando. – o flanelinha fala com uma chave na mão. – Argh, tá bom! – Manuel retira do bolso uns trocados e entrega ao rapaz. – Toma aqui e vá simbora! – Valeu tio, é nóis! Entre os carros, lá se foi o flanelinha aplicar mais uma vez a sua tática do “ou me paga, ou desenho no capô do seu carro”. Enquanto isso, nada do engarrafamento acabar. Quanto mais o tempo passa, mais carro aparece. Quando de repente...TRACK... um motoboy em
alta velocidade, passando entre os veículos, levou o retrovisor de um carro recém-comprado, um HB20 novíssimo. Melina, a dona do carro, saiu do veículo gritando e foi tirar satisfação: –Seu desgraçado, filho de uma égua, olha só o que você fez! –Ih moça, ninguém mandou botar o carro aí não. Cê viu que eu tava vindo e parou o carro desse jeito porque quis! Tava pedindo pra que eu levasse mermo. – gritou o motoboy. –Hã? Você vai pagar seu miserável. –Irri, primeiro murro, um real! – gritou um guri que viu a situação no momento em que estava saindo da escola com os colegas. –A senhora é uma barraqueira. Olha aqui minha moto toda arranhada por sua causa. A culpa é sua. –reclamou o motoboy. –Sou barraqueira mesmo! E se você não me der o dinheiro pra consertar esse estrago, você vai se ver comigo e com a polícia, rapaz. –Tá me ameaçando é ? –É, tô sim! Gritos e buzinas se misturam com o canto do vendedor de cocada: –Ai iô iô, olha a cocada, olha a cocada!!! Ai iô iô, olha a cocada, olha a cocada!!! Januária observa pela janela do ônibus o vendedor e suas cocadas. Isso aumentou a sua vontade de chegar logo em casa e almoçar, para matar aquela fome que tanto a consumia. Mas o seu pensamento
foi logo interrompido pelos gritos de uma discussão entre uma senhora e o cobrador. –Minha senhora, a sua filha já tem que pagar passagem, ela tem oito anos. –falava o cobrador. –E por que não falou isso antes de eu passar ela por cima da catraca, hein? Vê as coisas e só diz depois. Ela é pequena, e pelo que eu saiba não paga. –Ela paga sim, e você sabe muito bem disso. Olha o tamanho da menina. Deixa de cinismo! –Me chamou de cínica foi? Cínico é você! Vou pagar logo isso, sabe por quê? Porque eu não faço questão. Ninguém merece essa vida de pobre, aff! – Ela paga as passagens dela e a da filha ao cobrador e os ânimos se acalmam. O tempo passa e Januária ainda sente fome. O vendedor ainda canta. Melina e o motoboy ainda brigam, e o guri ainda bota lenha na fogueira. O flanelinha prossegue com seus golpes. Manuel continua estressado. A senhora continua indignada e o cobrador não quer nem saber. O sinal se mantém vermelho. Mal sabem eles que esse semáforo travou e que em instantes ocorrerá um acidente por isso. Muitos barracos e palafitas ainda serão armados naquela tarde escaldante e estressante de sexta-feira. Victória Emanuelle Santos – aluna do 2° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
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Simultâneo
SENTIDOS 55 SENTIDOS
Justiça
Justiça é um documentário realizado em 2004 pela cineasta Maria Augusta Ramos. O filme foi gravado no Rio de Janeiro e apresenta o panorama de quatro casos no âmbito do Direito Penal, sendo que duas dessas histórias são retratadas com mais profundidade. O filme é daqueles em que as pessoas são gravadas sem interferência do diretor ou de qualquer outra pessoa que não faça realmente parte da situação jurídica que depois virou cena. É como se o documentarista quisesse passar a sensação de que não esteve ali, vivenciando aqueles momentos. Como em um reality show, não há entrevistas, não há olhares diretos para a câmera, não há diálogos das pessoas filmadas com o telespectador. Apesar de todo esse silêncio de quem está por trás das lentes, existe sim um posicionamento do realizador. Essa tomada de posição diante das questões do Direito brasileiro se mostra não por palavras, mas através das escolhas de edição do documentário. É assim, por meio da composição fílmica, por meio daquilo que Maria Augusta decidiu mostrar, que chegamos à conclusão de que o que pesa mais em Justiça é, realmente, a crítica ao Estado, ao sistema jurídico, aos indivíduos. Não poderia ser de outra forma. Basicamente, o que vemos em Justiça oscila entre cenas de julgamentos e de pedaços do cotidiano dos envolvidos: a defensora pública, os juízes, os réus, as famílias. Alguns detalhes do filme revelam os problemas da prática do Direito no Brasil. A primeira cena, por exemplo, é emblemática. Um réu cadeirante, em determinado momento, solicita ao juiz uma remoção da cela para
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Justiça Brasil
o hospital, pois onde estava instalado, com mais setenta e nove presos, estaria tendo problemas para evacuar. Não é difícil imaginar por quê. Basta pensar um pouco: um réu cadeirante. E um réu para o qual nada de concreto havia sobre o suposto crime. O juiz do caso, por sua vez, pensa que aquela pessoa na cadeira de rodas está ali por conta de algo que teria acontecido depois de ele ter sido preso e, inicialmente, não dá chance de uma resposta rápida para a solicitação do rapaz. Mas até mesmo o telespectador, sem ter encarado o réu, consegue perceber que o problema do rapaz é uma deficiência física séria e, dadas as atrofias, antiga. A pergunta que fica: como o juiz não percebeu? Provavelmente porque juízes acabam se tornando autômatos diante de um trabalho que, na verdade, deveria exigir muita reflexão. Trabalham como se estivessem apertando parafusos. De qualquer forma, a diretora Maria Augusta tenta buscar algum equilíbrio. É o que vemos na figura do juiz e professor de Direito Geraldo. Diferentemente de outra juíza retratada no filme, ele tem uma postura mais tranquila quando julga. Fátima, a outra juíza, por sua vez, é bem mais dura e às vezes sarcástica. Apesar da presença do calmo, atencioso e comedido juiz Geraldo, como já mencionamos anteriormente, o filme tende forte-
mente à crítica. Elas eclodem em momentos pontuais da narrativa, às vezes em um detalhe, mas um detalhe forte. Exemplo disso se dá quando um dos réus retratados no filme, o jovem Carlos Eduardo, ao receber a sentença, é perguntado há quanto tempo está preso. Ele responde que há seis meses. O telespectador atencioso consegue juntar as pontas: foram seis meses preso até receber a sentença, e com uma troca de juízes nesse entremeio. Surge, então, a questão da morosidade da justiça brasileira. Também fica claro, no filme, que a sentença foi dada pelo novo juiz, que mal acompanhou o caso e assumiu porque a primeira responsável, a já mencionada Juíza Fátima, havia sido promovida à desembargadora. Uma cena forte, também, é a saída da prisão do rapaz Alan, que estava em reclusão por envolvimento com o tráfico de drogas. Ele anda pelas ruas do Rio em direção a um ponto de ônibus, com fisionomia muito abatida e os pés extremamente inchados. O que podemos depreender dessa passagem é que o Estado primeiro abandona, o Judiciário condena e, depois, o Estado, novamente, através do sistema prisional, não reeduca e, em alguns casos, como o de Alan, põe abaixo a saúde do indivíduo. As imagens de cadeias cheias são, também, um exemplo de como a diretora buscou evidenciar que os problemas não
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5 SENTIDOS dizem respeito apenas ao círculo jurídico, mas também ao estatal. O Brasil não tem pena de morte, mas tem uma pena de tortura silenciada, não oficial e até vista com bons olhos por uma parte considerável da elite brasileira. Provavelmente, a cena do filme em que vemos com mais contundência as opções da direção é aquela em que a defensora pública Ignez Kato faz críticas severas e diretas ao sistema jurídico. Isso acontece durante uma refeição em família. Ignez aponta o dedo sobretudo para os juízes que, segundo a defensora, entre outros problemas, associam quantidade de trabalho a
quantidade de condenações. Dito de outro modo, juiz que trabalha muito é aquele que condena mais. É o único momento do filme em que a crítica não é imagética, mas sim verbalizada. Portanto, é simbólico que a diretora tenha escolhido essa cena, entre tantas outras que provavelmente filmou. Isso deixa ainda mais claro seu posicionamento crítico diante das questões abordadas no filme. Justiça é um filme muito interessante para todos os que estão envolvidos com o Direito. Talvez juízes, promotores e defensores possam se enxergar ali. Já o estudante de Direito tem a chance de ver na
prática o que friamente chamamos de mercado de trabalho. Profissionais e estudantes de outras áreas também poderiam aprender e refletir com esta peça cinematográfica. Estamos certos de que sua exibição geraria boas discussões nas escolas, nas universidades e entre professores, sociólogos, filósofos e historiadores. Infelizmente, o documentário é um gênero audiovisual pouco prestigiado e pouco assistido em nosso país.
Edisley Vitorassi Machado (Professora e acadêmica de Direito da FANESE)
Mar Morto O Nordeste é arretado de bom!! São muitas as histórias que tem essa região brasileira tão diversificada em cultura, saberes e arte. Para a imaginação, é um celeiro de paixões e desejos impetuosos onde se fundem emoções e todos os tipos de sentimentos. É também o lugar das simples memórias de um povo que tantos pesares já enfrentaram, mas que não permitiram que todos os seus sonhos se esvaíssem. E como diria Fernando Pessoa: “De sonhar ninguém se cansa”. Vamos, então, mergulhar nesse oceano de amores intensos e de violenta afeição. Com o cheiro de mar, sol e cais, temos o prazer de apresentar aos nossos prezados leitores uma das melhores obras do caríssimo Jorge Amado: Mar Morto (Companhia das Letras). Como a grande maioria das obras do amado autor, todas as idas e vindas estão relacionadas a voluptuosos amores e à cultura de seu povo. Assim nasce Gumercindo, garoto aventureiro de longos cabelos, o qual devo apresentar-lhes. Guma, para os íntimos, nasce de um caso entre uma bela morena aracajuana e Frederico, belo marujo de corpo forte e rijo. Como todo bom homem
do mar, o pai de Guma lançou-se às águas e foi-se logo que pôde. Mãe solteira e sozinha, com pouco tempo, aquela formosa mulher, como muitas da época, passa a ser mulher da vida e vê-se obrigada a dar seu filho para que o pai crie, e assim acontece. Mas a vida do menino não se restringe apenas a pesares. Há também grandes aventuras e peripécias. Como seu pai, forte e homem do mar, Guma se apaixona por diversas mulheres, mas só uma verdadeiramente rouba seu coração valente: Lívia. “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia”. Nisso acreditava Shakespeare. Parece que ao escrever o primoroso Mar Morto, era o que pensava também Jorge Amado, apesar do grande intervalo de tempo e da grande diferença de época e de cultura entre o baiano e o inglês. E se podemos imaginar muito, também podemos incorrer em equívocos. Por isso, ler Jorge Amado é importante para conhecer a cultura afro-brasileira e descontruir os estereótipos que deturpam e que foram sendo criados ao longo da história do Brasil. Mar Morto é de leitura agradabi-
líssima. Além de contar intensas histórias de amor, traz conhecimento para o leitor a respeito de sua própria cultura, a brasileira. Viajemos, então, em sua leitura, levados nos braços da bela deusa do mar, dona das águas: Janaína, Inaê, Princesa de Aiocá, Dona Maria ou Iemanjá, como preferir. “Mesmo não sabendo que era amor, sentiam que era bom.” Jorge Amado.
Lhaysla Manuelle Matos Oliveira – aluna do 2° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
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LITERÁRIA
MENTE
Por que escreves tanto? Faço poesia para viver. Pra silenciar o grito que minh’alma dá. Como quem morre por amor E vive pela dor de não doer mais. Faço poesia para morrer. Como quem destrói seus fantasmas Para aflorar a pena de mim mesmo E morrer pra nascer de novo. Faço poesia para florir. Flores que brotam até da arrogância Crio em mim a chuva e o sol do querer E torno-me lua e arco-íris do prazer. Faço poesia para amar. Odeio a mim mesmo e recrio-me Atrás da doçura e da essência, Faço poesia por gostar de mim.
O amor roubado Quero ser teu ladrão Quero roubar seu tempo Seus beijos Roubar sorrisos ao contar Anedotas sobre as pessoas Quisera eu roubar sua mente, Nunca como quimera Quero roubar sua alma E tirar de dentro Toda essa suavidade Que traz luz ao meu coração Só não quero roubar uma coisa: Tua alegria Mesmo com mil anos de perdão Quero ser só amor E só amor darei De forma que seja só seu E que ninguém jamais roube.
Barba de pajé Eu parecia ingênuo, até ouvir aquele cabeça redonda, com barba de pajé, e um cabelo de senhor feudal grisalho, com olhos de revolução mantados pelo tempo, me dizer tantas e tantas vezes naquele mesmo lugar onde os pássaros costumavam assistir nossos devaneios mais profundos, que o melhor choro ainda é pela beleza, ao tempo que tentava colocar nesse homem uma impressão minha de mundo que o deixasse maravilhado, mesmo que por um instante, esquecendo daquele monstro feroz que tanto castigo causou ao nosso povo e tanta afronta causou a nossa honra e a nossa paz, por deixar tanta gente nossa passando fome por aí, inclusive aqueles dois filhos nunca esquecidos, eternizados num vão de um trem, numa estrada lamacenta de caminhões pesados e ônibus lotados, e aquele velho parecia saber exatamente o que dizer quando achava que era oportuno falar sobre a vida e suas adversidades, assim como sabia que o infortúnio formava uma linha
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tênue com as maravilhas já conhecidas e estabelecidas desde o início de tudo, e esse barbudo me ajudou por exatos dez anos em todos os sextos, por vezes, sétimos dias da semana, a encontrar um gradiente de argumentos que me fizesse perceber que a felicidade não é uma ideia velha, e a vida não é uma causa perdida, mesmo que já houvesse perdido as suas maiores alegrias por dois erros grosseiros da humanidade selvagem funcional, enquanto eu me debruçava sobre os meus livros, e pensava em como havia sido tolo sob aquele oceano de possibilidades a minha frente, que por um instante perdi a irracionalidade, e gozei do véu da sensatez, achando, entre os meus estudos, e um vocabulário invejável, o quanto de amor e justiça ainda poderia semear naquele metro quadrado de sonhos, agonias, cheiro de tempo e roupa de vagabundo que da vida mostrou o quão poético pode ser uma conversa de banco, uma dose de sorrisos e um teatro bem ence-
nado de príncipes e cavaleiros reais no meio daquela gente de branco amarrada, e hoje, cinco anos após o adeus final de toda essa viagem longínqua e ardilosa sob essas terras amaciadas, seu túmulo parecia obsoleto, seu memorial, seu buquê de flores amarelas e seu escrito jazido de prantos, mas sua frase de vida escorria no meu pensamento como cachoeira sem fim, a mesma que trazia à tona a lágrima da beleza que escorria dos meus olhos ao lembrar que ele sempre esteve certo, e naquele momento pude perceber tão claramente o melhor choro pela beleza, o choro da lembrança daquele homem que, de tão belo e singular, ensinou ao seu mais fiel discípulo, que chorar pela beleza é a causa-prima que sustenta a sensibilidade humana.
André Macedo – aluno do 3° ano integrado em Eletrotécnica do Instituto Federal de Sergipe.
LITERÁRIA
Falta de controle Renato acorda e, ainda com os pés descalços, procura logo o controle da televisão. Demora três minutos para encontrá-lo e, quando consegue, senta-se no sofá e tenta ligar o aparelho. Precisa de mais dez cliques no botão de ligar para perceber que a televisão está fora da tomada. Levanta-se rapidamente com muita raiva de si mesmo e empurra a tomada com toda sua força. Volta ao sofá. Qual seria o motivo para tanto ódio afinal? O dia estava lindo, as portas destrancadas e todos os seus amigos o convidaram para se divertir. Mas Renato insiste em ser um chato preguiçoso. Vai de canal em canal sem perceber seu conteúdo. Seu pensamento está
disperso demais para se concentrar na televisão. Provas, trabalhos, textos...a lembrança disso tudo se soma à aflição de Renato, que continua a passar os canais. É fácil perceber que assim como a câimbra no seu polegar seus pensamentos são involuntários e dolorosos. O padrão dos seus cliques é como o de sua vida: repetitiva, monótona e tediosa. Será que não existe um botão de desligar? Será que Renato não poderia levantar do sofá e estudar para as provas e fazer seus trabalhos e textos? Assim como o controle, sua vida precisava de uma fonte de energia para motivá-lo a fazer algo produtivo. Mas qual seria essa fonte de energia de
João pelo chão Sua cama é o chão. Seu cobertor, papelão. João olha as estrelas como se fossem sua família. Noite após noite, espera a compaixão alheia. A fome é sua pior inimiga nas noites de dezembro. A noite passa vagarosamente. Sua fome aperta cada vez mais. Ao amanhecer, os passos largos e os olhos de nojo passam rapidamente. João escreve poesias para disfarçar sua dor. Ao longo do dia, pessoas piedosas sentem pena e decidem ajudá-lo, quase sempre, com duas moedas. Poucas moedas não? Não para João. Aquelas moedas garantem seu pão. Na tão esperada noite, onde está João? João está deitado no chão, coberto pelo papelão, saboreando o
seu único pão. E o espírito de solidariedade, de amor e de generosidade do dia 24? Ficaram para trás no dia primeiro daquele mesmo ano. João não pede nada demais. Não tem família, nem lar, nem pão. Naquela noite de São Nicolau, observando as estrelas, João só pede compaixão.
Suanny Natalie Matos de Araújo – aluna do 2° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
MENTE
que ele tanto precisa? Enquanto pensa em todos os seus problemas, um aviso aparece na tela alertando que a pilha do controle havia acabado. Renato surta e quebra a televisão com a cadeira da sala de jantar. Esgotando-se a raiva, ele caminha em direção ao seu quarto e... acorda, percebendo que tudo era um sonho e que a vida era mais simples e muito mais feliz do que aquilo tudo.
Matheus Tavares de Andrade – aluno do 2° ano integrado em Edificações do Instituto Federal de Sergipe.
LITERÁRIA
MENTE
Raiz Negra
África
Vieram ao Brasil sofrendo discriminação Chegando aqui viveram na escravidão Negros maltratados por causa de sua cor Mesmo com tanta humilhação nunca perderam o seu valor
A África é como uma árvore enorme! Cheia de cultura, sabedoria e história. Nela vivem povos, povos lutadores! Que mesmo com a dificuldade Não deixaram a árvore morrer Porque eles sabem, ah eles sabem! Que uma árvore precisa de raízes para manter-se viva E firme no chão.
Lutaram e fizeram a grande revolução Que logo foi liderada por Zumbi, nosso irmão Criaram a capoeira para poderem se defender Trouxeram várias culturas para nos surpreender Dança de roda, culinária, e até seus modos de viver A consciência negra quer exatamente Provar que somos iguais e não diferentes São lutas populares Como as de Zumbi dos Palmares Que morreu por nossa gente
O povo é a raiz dessa árvore O povo do ontem O povo de hoje E o povo de amanhã Sempre será a raiz, a Raiz Negra da nossa África
Otávio Santos Silva – aluno do curso subsequente de Segurança do Trabalho do Instituto Federal de Sergipe
Um singelo lembrete Eu me lembro Você, já não sei Ela chão Ele mão Ela não Ele mão Ela chora Ele mão Ela para Ele para Mas ele tem outra mão
Procura-se
Ela vira o rosto Ele mão Ela fraca Ele mão Ela roxa Ele mão Ela lá Ele ali Talvez, quem sabe um dia Ela vire-se por inteiro e retire-se deste jogo.
Grito, grito com força Por dentro, para o mundo não me escutar Cadê tu inspiração ? Por onde andaste? Na passarela dos pensamentos acho que te perdi Ou deves ter ficado com alguém Apenas peço-te que voltes Pois meus lápis anseia gastar energia E meu caderno procura ser preenchido.
Victória Emanuelle Santos – aluna do 2° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe.
GALERIA DA GALERA
Saulo Matheus Saulo Matheus é aluno do 1° ano integrado em Eletrotécnica. Nosso artista desenha como quem canta rap. Sua força artística vem da cultura hip-hop e sua inspiração é o seu entorno: a favela, o favelado, a quebrada. Muitos de seus desenhos têm os traços do grafite. Segundo ele, o grafite é a arte que o favelado gosta de ver. É com isso que ele se identifica e se compromete. O grafite faz a cidade mais feliz. Saulo curte rap e alguns dos seus cantores preferidos são os Racionais Mc’s, Thiagão e Eduardo Taddeo. A arte de Saulo é para todos, pros mano e pras mina, tá ligado?
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GALERIA DA GALERA
Victória Emanuelle Victória Emanuelle é aluna do 2° ano integrado em Alimentos do Instituto Federal de Sergipe. Os desenhos apresentados aqui fazem parte de uma série inspirada na beleza das mulheres. São faces femininas – como retratos – que expressam a notável diversidade brasileira. As preferências artísticas de Victória também são muito diversificadas. Ela curte desde a obra clássica de Frida Kahlo, passando pela arte nordestina de Perron Ramos, até o traço pop do internacional Romero Britto. Os desenhos de Victória são leves e transmitem uma alegria sutil. Basta dar uma olhada naquele sorriso, no canto da boca das suas mulheres maravilhosas.