Revista EntreAtos - Edição nº 2

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ea revista

entreatos TEXTOS Adriano Duglosz Amanda Leones Andressa Bodê Luana Costa Samir Signeu Simone Carvalho IMAGENS Birgit Schrader Francisco Reyes V. Jana Spínola Alan Silva EDIÇÃO E DIAGRAMAÇÃO Laura Caroline IDEALIZAÇÃO Epifania Cia. de Teatro


ALÉM DAS COXIAS Os verbos mais presentes no cotidiano epifânico e de muitos outros grupos que, assim como a Epifania, se inspiram para o ato teatral são: reagir, reescrever, refazer, reinventar, remexer, repetir, respirar, retornar! E nesta edição, o que inspirou os integrantes foi o fazer teatral, no que diz respeito ao que está além do palco, além das coxias. Diante disso, os membros da Cia. prepararam artigos que falam desde o estudo e aperfeiçoamento do trabalho do ator, tema este pesquisado por meio de práticas e teorias, até as dificuldades e as exigências do setor quando o assunto é viver de cultura, no Brasil. Reinventamos um espetáculo fragmentado com planos para estreia no segundo semestre 2015, bom saber! Além das novidades, remexemos nas agendas e linha do tempo da Cia. e preparamos uma sessão de conteúdo das práticas da Cia. Epifania desde a estreia em 2010 ao processo de montagem do atual espetáculo para o ano presente. Repetimos gestos ao aprofundar temas como o Metateatro, retornamos à base das pesquisas cênicas de voz com o artigo Introito à Voz. Respiramos e entrevistamos um Iluminador e ainda, galgamos uma pesquisa rara do nem tão conhecido dramaturgo brasileiro, cujas artes podem inspirar o teatro experimental atual. Façam boa leitura!

Epifania Cia de Teatro


Espetรกculo: Solidรฃo a Dois Foto: Birgit Schrader e Francisco Reyes V.


Sumรกrio


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TREINAMENTO DO ATOR

Por Luana Costa

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CIA EPIFANIA

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METATEATRO

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ENTRENÓS:

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PERFIL:

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INTROITO À VOZ

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POR QUE É TÃO DIFÍCIL VIVER DE CULTURA?

História e Trajetória Por Samir Signeu

Beato Ten Prenafeta Por Adriano Duglosz José Joaquim de Campos Por Simone Carvalho

Por Andressa Bodê

Por Amanda Leones


TREINA MENTO DO ATOR UM POTENCIALIZADOR DA CRIAÇÃO CULTURAL

Espetáculo: Solidão a Dois Foto: Birgit Schrader e Francisco Reyes V.

Por Luana Costa

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E

ste tema tem sido alvo de vários estudos e de uma investigação calorosa e incansável há bastante tempo. Em meio a muitas inquietações, nós atores, buscamos incessantemente um aperfeiçoamento de nossas técnicas e uma maior autonomia para nossas pesquisas cênicas. Pensando então sobre esse treinamento, tendo como base um dos grandes mestres do teatro, cujo fundamento de pesquisa era o enfoque no trabalho do ator, percebemos questões fundamentais para esse estudo. Jerzy Grotowski (1933 – 1999), em seu trabalho no Teatr Laboratoium considera que o ator é o elemento central do teatro e sua busca em desenvolver-se por si só, consiste em grande desafio, visto que seu corpo é o principal elemento cênico. Para isso esse ator precisa criar um treinamento físico que o ajude a descobrir-se e exercitar suas potencialidades. No processo de criação atoral, o ator tem o objetivo de ampliar as possibilidades, tanto corporais quanto vocais, de forma a encontrar maior expressividade. As técnicas utilizadas por Grotowski visavam recompor o ator - o homem na sua totalidade: mente, corpo, gesto, palavra, espírito, matéria, interno, externo. Nesse sentido, a reflexão: “um meio para localizar e remover as resistências e obstáculos que o bloqueiam em sua missão criativa e o impedem de manifestar seus impulsos vivos.” Neste sentido, Grotowski destaca duas indicações para o treinamento físico: • Os exercícios devem ser individuais e motivados por associações, imagens precisas - reais ou fantásticas - ou seja, tenham conteúdo. • A reação física deve iniciar-se sempre dentro do corpo. O gesto visível só deve ser a conclusão desse processo. É o corpo-memória, o corpo-vida, imagens que projetam seu reflexo para mais além do teatro e da representação. Assim acontece quando “o homem não quer esconder mais nada: nem sobre a pele, nem a pele, nem embaixo da pele.” Temos como referência neste tipo de

treinamento, o trabalho do Odin Teatret de Eugênio Barba, e podemos nos aproximar dessa experiência através do relato que Júlia Varley, uma das atrizes do grupo faz de seu “Training” em Pedras d´água - bloco de notas de uma atriz Odin Teatret. Júlia narra seu aprendizado, suas descobertas e obstáculos, fala da importância do treinamento para se chegar à precisão das ações e reações, modulação de energia pela inteireza da presença física e vocal, dessa presença cênica adquirida através da perseverança em exercícios que induziram seu corpo a pensar sozinho. Fazendo-nos perceber a grande necessidade deste tipo de treinamento no trabalho do ator, proporcionando a tão almejada autonomia e vitalidade para essa criação atoral. Recentemente nós da Epifania Cia de Teatro, experienciamos uma oficina de teatro físico e máscara neutra com o pesquisador e professor Rudson Marcelo, revisitamos em grupo as brincadeiras infantis associando jogos teatrais com orientação da pesquisadora e professora Elaine Ferreira, duas integrantes da cia participaram do Laboratório de Práticas de Criação Atorais na UNESP, sob intermediação da pesquisadora e professora Lúcia Romano, ou seja, diferentes práticas que visam abarcar elementos para nosso próprio treinamento. Procuramos nos aproximar daquilo que nos proporcione um caminho de conhecimento, que nos sirva de base e que alimente e amplie nosso repertório de criação para nossos próximos trabalhos. Portanto, é por acreditar que o treinamento do ator seja uma porta imensa para a criação artística, um lugar de desafios e descobertas internas individuais, mesmo sendo vivenciado em grupo, a Epifania Cia de Teatro segue nessa busca constante, cheia de subjetividade, certos de que estamos no caminho para essa conscientização corporal, espacial, de controle rítmico, de presença cênica e de precisão que faz parte dessa jornada do ator e que revitaliza nosso encontro com o outro, o público. revista entreatos • 08


Cia Epifania

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Epifania Cia de Teatro deu seus primeiros suspiros em 2008, durante as aulas de teatro Pós-Dramático. Para traçar um rumo ao fazer teatral, decidiram experimentar produzir o espetáculo “Fragmentos Tchekhov”, livremente inspirado na obra de “As três irmãs” cujo autor dá sobrenome ao espetáculo. E foi idealizado pelo diretor Samir Signeu, começando por alguns exercícios cênicos até chegar ao resultado que foi estreado em abril de 2010 no Teatro Augusta. Desde então, a Cia. segue com pesquisas de teatro pós-dramáticos, experimental. Em 2015, com cinco anos de existência, a Epifania está com sua quinta montagem que, baseandose no tema DOR, reúne textos clássicos das tragédias gregas, artista feminina com grande influência nas artes plásticas, pessoas comuns e nas próprias atrizes. Denominado “Das Dores”, também idealizado e dirigido por Samir Signeu, propõe estruturas textuais fragmentadas e independentes. Há composição de gestos cotidianos e teatralizados, quase chegando ao teatro-dança (proposta esta realizada com o curto espetáculo inclusivo Íris, de 2012).

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Falando nisso...

O espetáculo Íris surgiu a partir de um convite para realizar uma apresentação de abertura da 1ª Reunião do Instituto IRIS, evento beneficente cujo tema era deficiência visual. Das mais diversas intervenções, a Cia. Epifania tem desenvolvido uma linha de pesquisa inovadora e em ascensão no Brasil. O intuito é experimentar provocar e instigar o público com relação à vida e à arte em si.


T rajetória

O CAMINHO EPIFANICO ATÉ AQUI

23 de maio de 2012 no auditório da Universidade Anhembi Morumbi a Cia se apresenta em evento beneficiente cujo tema era deficiência visual com uma intervenção teatro-dança intitulada "Íris".

Além de continuar com a encenação de "Fragmentos Tchekhov", o grupo inicia as pesquisas do segundo espetáculo que compõe a Trilogia "Solidão a dois - Fragmentos"

2010

2012

2011

10 de abril de 2010 Epifania estreia em São Paulo com o espetáculo "Fragmentos Tchekhov".

14 de Abril de 2012 apresentam “Solidão a dois – Fragmentos”.

Em 2013 a Cia. se concentrou na reciclagem do ator, convidando profissionais de teatro que ministraram oficinas de "máscara neutra" e "jogos e cantigas nacionais".

2013

Em novembro de 2012 integrantes da Cia. montam projeto em parceria com a ONG Casa Clamor Cavanis e a Secretaria de Estado da Cultura de SP - Oficina Livre de Teatro Cavanis. Um projeto que visa à socialização de pré-adolescentes e sua formação humana.

Em 2014 a Cia. deu início a pesquisa de dois espetáculos: "Gógol na Garganta" e "Das Dores", ambos encenados e dirigidos por Samir Signeu.

Em Setembro de 2014 a Oficina IRIS, ministrada por integrantes da Cia. integrou a Programação no Projeto "São Paulo Mais Inclusiva". A Cia. esteve nas Bibliotecas Paulo Setúbal, Álvares de Azevedo e Padre José de Anchieta, atendendo uma Público de Diferentes idades.

2014

Em Abril de 2013 a Cia. participou do evento "Segurança do Trabalho" com a intervenção "IRIS Sentir para poder ver", para funcionários da construtora OAS, na obra do aeroporto de Guarulhos.

2015 2015: Atualmente a Cia. se prepara para estreia do seu mais recente trabalho "Das Dores"

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MATÉRIA DE CAPA

METATEATRO O Teatro dentro do teatro

Imagem: Alan Silva | Espetáculo: Íris

Por Samir Signeu

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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES É preciso fazer algumas considerações gerais, com a perspectiva de elucidar o conceito

de metateatro e explicitar algumas ilações intrínsecas ao metateatral, e observar que: a) o metateatro (teatro dentro do teatro, teatroobjeto) pode ser encontrado tanto no drama como na comédia, na tragédia, na farsa, etc., ou seja, não está vinculado especificamente a nenhum gênero dramático; propiciando assim, também, uma discussão crítica sobre a pureza dos gêneros; b) o metateatro está ligado não só à idéia do teatro como espelho da realidade: o teatro como metáfora da vida, onde o mundo não é senão um teatro; mas, também, a certos procedimentos de ruptura da ilusão dramática e cênica, distanciando-se, assim, das regras das três unidades aristotélicas (ação, espaço e tempo) e também das concepções de mimesis e verossimilhança; c) é principalmente no século XVIII, que a concepção de mimesis é abalada. Era da razão. Era da paródia, que teve neste século seu ponto culminante. A paródia como instituição. A

Imagem: Jana Spínola | Espetáculo: Íris

O

universo dramatúrgico teatral dentro da sua amplitude e diversidade geográfica, histórica, de tempo, de estilos ou gêneros sempre foi pródigo em fornecer-nos novos caminhos para ampliar e esclarecer sobre os domínios do teatro. Em 1963, o dramaturgo, crítico e estudioso teatral norte americano Lionel Abel, com o seu já antológico livro METATHEATRE - A New View of Dramatic Form, introduziu um novo verbete - Metateatro - nos dicionários de muitos países, abrindo veredas de conteúdo e forma na estética cênica. Em 1982, Manfred Schmeling, a partir do seu curso realizado na Universidade Nova Sorbonne, em Paris, escreveu métathéâtre et intertexte - aspects du théâtre dans le théâtre, que teve como propósito mostrar que a reflexão metadramática faz do texto uma espécie de história literária dramatizada; e que através do questionamento de suas formas autotemáticas e dos fenômenos de intertextualidade que freqüentemente se relacionam, podemos compreender a evolução do teatro. Em 1996, Patrice Pavis, no seu Dictionnaire du théâtre, assim conceituou este novo vocábulo: “Teatro cuja problemática é centrada no teatro que fala, portanto, de si mesmo, se auto-representa”. Em tempos de pós-modernismos, onde tudo é denunciado, tudo é desmistificado, tudo é passível de mudanças, tudo é possível e permitido em todas as artes, voltar à dramaturgia e tentar detectar, por meio de exemplos, que o metateatro sempre esteve presente em muitos textos produzidos durante toda a história do teatro ocidental, e que ainda é um recurso muito utilizado em textos recém-produzidos; é o objetivo deste trabalho. Trabalho este que não pretende esgotar o assunto, mas sim pontuar e refletir sobre uma palavra - metateatro - que em si já carrega os conteúdos e significados de refletido e de reflexão.

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MATÉRIA DE CAPA paródia era constituída pelo texto parodiado e o parodiante; temos, então, um teatro dentro do teatro parodiado. O teatro desta época tem como receptores um público que não aceita mais a tragédia clássica como a expressão de uma arte e de uma moral solidificada; d) ainda no século XVIII, na Alemanha, a arlequinada aproxima-se do teatro dentro do teatro e destroi, também, o teatro bem feito, concepção clássica de mimesis, das regras, da moral, etc. As arlequinadas tornam-se sátiras. As peças reintroduzem o Arlequim contra uma crítica racionalista que o havia expulsado da cena. A arlequinada não era um espelho que dava uma imagem fiel da realidade, mas um espelho que a deformava deliberadamente. Era uma arma contra o espirito absolutista e contra a aristocracia; e) ainda na Alemanha, e também no século XVIII, temos um fenômeno estético e filosófico chamado Ironia Romântica, que mantém uma relação direta com o teatro dentro do teatro: o espectador se vê duplo, e torna-se espectador dele mesmo. Ele volta seu olhar sobre si mesmo e não sobre o espaço. Essa reflexividade pode se multiplicar a vontade. Temos ai, ilustrada, a idéia de Friedrich Schlegel de que o espírito romântico implica numa reflexão infinita, um reflexo infinito de reflexos; f) dessa forma, o espectador frente a um

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espetáculo que tenha no metateatro a sua estética, é instigado a uma postura e atividade mais reflexivas e ativas na sua recepção e apreensão deste produto teatral; g) geralmente no metateatro temos a confrontação do homem com a sua realidade, com sua própria identidade - o ser e o parecer, pois temos ai o jogo dramático em sua forma refletida e o caráter reflexivo aparece em vários e diferentes níveis; h) muitos teóricos, dentre eles Lionel Abel e Manfred Schmeling, relacionam a utilização do teatro dentro do teatro ao desenvolvimento da tragicomédia, após o seu inicio no século XVIII, que carrega em si um universo caótico e alienado, mas sendo perceptível uma representação cuja reflexividade está engajada na vida política, e outra representação que tematiza sobretudo as condições estéticas e artísticas da ilusão teatral; i) muitas vezes na encenação metateatral o enunciado está amalgamado com a enunciação, o que resulta numa auto-reflexão. Dentre as formas pelas quais o metateatro se manifesta, ainda que não seja propriamente o teatro dentro do teatro, podemos mencionar o prólogo ou o epílogo (uma reflexão sobre o jogo), tão freqüentes nas comédias gregas e latinas. Ainda na dramaturgia clássica grega e latina é possível encontrar nas falas do coro e nos discursos aos espectadores índices de


peça ao seu bel prazer, tendo controle de tudo, e encarando a vida como um espetáculo. Em Sonhos de uma noite de verão, os artesãos representam uma cena da peça sobre o amor de Piramus e Tisbe; temos, aqui, personagens que na peça não são atores atuando como atores. Mas o exemplo mais recorrente, e objeto de vários estudos e citações, inclusive no livro de Lionel Abel, é a intriga secundária A Morte de Gonzaga, em Hamlet, onde temos uma companhia de atores, contratada e dirigida por Hamlet, que dentro da peça representarão uma outra peça. O espectador real é colocado frente a uma segunda representação: ele assiste ao espetáculo ao qual os personagens da peça também assistem, com o detalhe de que o espectador-personagem não é livre na sua reação, pois as didascálias ou indicações cênicas constantes no texto direcionam as suas reações. O tema da vingança em Hamlet, segundo Manfred Schmeling, tem uma relação direta com o teatro dentro do teatro, e que se realiza através de uma tríplice função interna: revelar, divertir-se e vingar-se. A idéia do personagemdramaturgo se configura em vários personagens de Hamlet, mas principalmente no próprio Hamlet, que direciona todas as suas ações, incluindo o seu texto no texto da peça a ser representada, e dirigindo a gestualidade, as intenções dos atores contratados, e até mesmo

Imagem: Jana Spínola | Espetáculo: Íris

metateatro. No teatro espanhol de Calderón, Cervantes e Lope de Vega - três grandes nomes do século de ouro - encontramos o homem barroco, fascinado pela aparência (o parecer), com a concepção, em cena, de que uma força suprema transforma-o em marionete e o faz representar seus dramas (o ser). Theatrum Mundi. É no barroco que encontramos pela primeira vez, na forma completa, os atores que não são somente atores, mas que representam o papel de atores. Recurso este muito utilizado, ainda hoje, como elemento metateatral. Temos no título do mais conhecido auto de Calderón a síntese dessas idéias: El gran teatro del mundo, cujo temática é a de que o mundo é um palco, onde cada homem representa sua vida, atribuída por Deus, já no seu nascimento. Ainda, também, na obra prima de Calderón de La Barca, A Vida é Sonho, deparamos com os questionamentos sobre o ser e o parecer, com o entrave entre vida e sonho, realidade e fantasia. São muitas as rubricas do autor e as falas do personagem Sigismundo em que estão expressas as idéias e os conceitos acima. Em várias obras de William Shakespeare encontramos exemplos de metateatro. O personagem Próspero, de A Tempestade, com os seus poderes mágicos funciona como o dramaturgo que ordena os fatos e as ações da

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MATÉRIA DE CAPA opinando sobre o figurino e a maquiagem dos mesmos, além de tecer alguns comentários sobre os espectadores. O aparte pode ser considerado como uma forma periférica de metateatro; não temos aqui a quebra da ilusão, mas as confidências dos personagens dirigidas aos espectadores, criando uma cumplicidade que chama a atenção do público para o ponto de vista do personagem e muitas vezes antecipa cenas e ações. Este procedimento dramático tem presença marcante na obra de Molière. Mas é em O Improviso de Versailles, que o teatro dentro do teatro se manifesta: aparece aqui uma analogia entre o mundo do teatro e o mundo político, através do jogo estético, com seus diferentes níveis dramáticos, em confronto com as condições políticas e culturais da França, do século XVII. Em 1896, Anton Tchekhov escreve A Gaivota, e logo na primeira cena do primeiro ato somos informados da apresentação de uma peça; na cena seguinte o personagem Trepliov defende uma nova forma de teatro, contrapondo-se ao teatro tradicional, exercido e defendido por sua mãe, a famosa atriz Arkádina. Conflito de gerações. O teatro como metáfora e espelho da vida, onde a questão estética entra em paralelo com a do cotidiano social, familiar (como por exemplo, sobre o mau-humor da sua mãe). Com Luigi Pirandello, na primeira metade século XX, e sua trilogia do teatro dentro do teatro (Seis Personagens à Procura de um Autor, Esta Noite Improvisamos e Assim é, Se lhe Parece), temos a quebra radical da fronteira entre representação e realidade. O homem confronta-se com a problemática do ser e do parecer, na busca da sua identidade. Este teatro está diretamente ligado e marcado pela teoria da relatividade. O homem procura se situar na relatividade da representação e da não representação; da arte e da vida. E esta intenção de busca incessante do impossível constitue o principal tema da obra de Pirandello. Este teatro, além combater o teatro burguês, é a revolta de Pirandello contra as formas teatrais vigentes: o rigor das 15 • revista entreatos

intrigas, a fixidez das personagens, a unidade de ação, e a arte como plano preconcebido. Em Seis Personagens à Procura de um Autor, temos nesta peça a história das personagens e da representação, onde os protagonistas são criações da arte e do artificio. Já no prefácio desta obra Pirandello nos fala do papel da fantasia no trabalho do autor, do processo de criação do autor, da criação do caos orgânico e natural que ele, o autor, precisava representar. A ação (ou seria ações?) da peça desenvolve-se num espaço especial: num palco de um teatro de comédia, onde uma companhia está ensaiando; e muitas das metapeças têm como espaço para suas ações espaços que propiciam as estruturas da representação dentro da representação. Na cena final desta peça temos a concretização da tese da impossibilidade de um teatro que queira ser ao mesmo tempo a representação e a vida. E na última didascália do texto, o autor continua a jogar com as fronteiras e as relações entre o jogo e o não jogo, entre realidade e ficção. Em 1938, Thornton Wilder escreveu Nossa Cidade, peça que lhe daria o segundo Prêmio Pulitzer; além de ser um cântico poético sobre o cotidiano de uma pequena cidade dos Estados Unidos, temos nessa peça técnicas antinaturalistas, sendo a principal delas a presença de um Diretor de Cena, que não apenas narra ou introduz as cenas, mediando a produção e a recepção e colocando ao chão a quarta parede, mas que faz diversos pequenos personagens e muitas vezes faz a contraregragem do espetáculo; além de interromper e explicar as cenas, relacionando-se diretamente com a platéia. Estas intervenções na ação possibilitam o retroceder ou avançar no tempo, e também as mudanças de espaço (ambiente), sem que para isso se faça uso de grandes pirotecnias ou perda de tempo. Não só as falas do Diretor de Cena são longas, mas também as didascálias do dramaturgo que reforçam o caráter da encenação metateatral, que muitas vezes prima pelo despojamento e o uso em cena do realmente indispensável. Grande parte da matéria prima da obra de Jean


perspectiva e tendência anti-aristotélica. Ruptura das unidades de tempo, espaço e ação como elemento de confrontação com o tradicional e convencional. Através da narração, o espectador é transformado num observador, que tem a sua atividade despertada, para uma tomada de consciência ou postura. As cenas das peças são tituladas, tem pequenos prólogos e algumas linhas que situam o tempo, a ação e o espaço (pequenas didascálias), que farão parte da encenação por meio de recursos teatrais, como a projeção de slides, voz em off, cartazes, etc., antecipando o quê será visto em cena, o seu conteúdo. A inclusão de cantigas, dentro de um diálogo. O ator comentando criticamente as ações e atitudes do seu personagem são recursos que quebram a ilusão da ação, da quarta parede, propiciando ao espectador o distanciamento e ou estranhamento. Vários são os dramaturgos que utilizam de jogos intertextuais em suas peças, mas os mais citados são: a) Eugène Ionesco, que com a encenação em 1956 do Improviso d`Alma, foi considerado um

Imagem: Alan Silva | Espetáculo: Íris

Genet é retirada da sua própria experiência de vida. Em 1956, com a publicação do Balcão, temos o teatro dentro do teatro, peça em nove quadros, cuja ação também transcorre num ambiente de ilusões: Grande Balcão, um bordel de luxo, onde as fantasias sexuais e de poder são extravasados, onde todos podem escolher os seus personagens. Personagens que representam personagens que representam. Um jogo de aparência teatral. Um jogo de espelhos, e onde se vê, também, através dos espelhos. Problema existencial da relação entre os homens e a comunicação. A paramentação de muitos personagens ocorre em cena aberta, dialogando diretamente com os espectadores, que presencia a transformação de um personagem em outro. Este recurso metateatral é indicado por didascálias e concretizado pelas ações e falas dos personagens: Com Peter Weiss e Günter Grass, mas principalmente com Bertolt Brecht, através do seu teatro épico, temos uma das apurações das formas reflexivas do teatro - o metateatro - com o engajamento social e político, numa

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MATÉRIA DE CAPA dos mais expressivos e inovadores autores de vanguarda. Esta peça, puramente autotemática, crítica da crítica, é um grito contra os diferentes dogmatismos que os novos doutores em teatrologia queriam tentar impor, e é em grande parte uma montagem a partir dos textos de Roland Barthes e Bernard Dort, que também estão em cena como personagens. O seu conteúdo é elaborado e se nutre dos efeitos de intertextualidades, da ligação com outros textos e seus autores. b) Tom Stoppard, em 1966, com Rosencrantz e Guildenstern Estão Mortos, tem em Shakespeare, mais especificamente Hamlet, o ponto focal da intertextualidade, que é percebida e aceita pelos espectadores: a concepção Shakesperiana da arte é parodiada em cena; é também uma reação com procedimentos do teatro do absurdo ao teatro da ilusão; através da redundância metateatral, recorre a representação dentro da representação”, situando o tempo e o espaço não e muito longe e por volta da ação de Hamlet, de Shakespeare.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao estudar mais detalhadamente os conceitos e os exemplos de Metateatro, na dramaturgia universal, várias são as inferências e deduções a que podemos chegar, mas destaco as que sinto serem as mais representativas; a) o espectador é estimulado a refletir mais ativamente durante todo o processo de recepção de um espetáculo metateatral; b) o teatro dentro do teatro está Bertolt Brecht geralmente ligado, historicamente, aos períodos em que se sobressaem as inquietações do homem, ao lidar com a sua realidade; c) o metateatro possibilitou esforços inovadores não só na dramaturgia mundial, mas também na encenação, com a quebra da quarta-parede e a recorrência a outros meios diferentes dos só ilusionistas. d) o metateatro e a intertextualidade são possibilidades de um fazer teatral que serão sempre usados para renovar, refletir e revigorar o Teatro.

“...Apenas algumas poucas peças dizem-nos desde logo que os acontecimentos e personagens que nelas existem são da invenção do dramaturgo, e que na medida em que foram descobertos - onde existe a invenção também pode estar a descoberta - eles foram encontrados pela imaginação do autor mais do que por sua observação do mundo. Tais peças trazem em si a verdade, não por convencer-nos de ocorrências ou de pessoas existentes, mas por mostrarem a realidade da imaginação dramática, exemplificada não só pela do autor, mas também pelas de seus personagens. De tais peças pode ser realmente dito: A peça é que é a coisa. Peças desse tipo, parece-me, pertencem a um gênero especial e merecem um nome que as distinga. (...)Peças do tipo que tenho em mente existem. Não as inventei. Entretanto, terei a ousadia de dar-lhes uma designação. Chamo-as de metapeças, obras de metateatro.” Lionel Abel 17 • revista entreatos


Espetáculo: Solidão a Dois Foto: Brigit Schrader e Francisco Reyes V.

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ENTREVISTA

ENTRENÓS

Beato Ten P renafeta

Em entrevista feita por Adriano Duglosz, ator e assistente de iluminação da Epifania, Beato Ten Prenafeta pesquisador, iluminador cênico e artista plástico, revela como está o mercado de trabalho no Brasil e compartilha um pouco de suas experiências na profissão. EntreAtos - Quando você começou na operação de luz no teatro? Beato: Eu comecei logo depois de ler um livro que ganhei “Eletricidade básica para teatro” cujo autor é Hamilton Saraiva. Mas, foi a iluminação do espetáculo “Noites Brancas” (Dostoiévski) no Teatro popular do SESI, que me chamou muito atenção e passei a me interessar por esta arte. EntreAtos - Qual a origem da iluminação no teatro? Beato: É provável que tenha sido durante a escuridão das noites pré-históricas que nossos remotos ancestrais tenham atentado para a importância da luz. Nas noites enluaradas, e no domínio do fogo o homem esteve diante do desafio de controlar a luz. Como cita o livro: “Iluminação Cênica Fragmentos da História”. EA - Quais as maiores desafios de fazer uma iluminação teatral? Beato: Acho que o desafio maior é o princípio, é partir das trevas. E seguir pensando e experimentando a luz, na construção do todo. Como uma escultura ou uma pintura que vaise acrescentando elementos até tomar forma. Iluminar vai tomando forma à medida que a cenografia, os figurinos e adereços começam a ocupar seus espaços. EA - Existe diferença entre fazer uma 19 • revista entreatos

iluminação e operar a iluminação? Beato: São trabalhos diferentes para a finalidade. Fazer a iluminação (desenhar o mapa de luz) ou criar a luz é conceber um desenho, uma partitura de movimento de luz. Operar a luz é executar a tarefa de iluminar a cena conforme o mapa. Eu particularmente gosto muito de operar a luz que desenho. EA - Como interagir o trabalho de iluminação com a obra teatral? Beato: É um processo parecido com a criação da personagem do ator, envolve dedicação, pesquisa, criação, e experimentação. EA - O iluminador tem liberdade para criar ou é limitado de alguma forma? Beato: Depende da proposta do diretor. Cada diretor tem seu método ou ideia pré-definida. EA - Beato, para você, qual foi o momento de maior prazer na carreira de iluminador? Beato: Para mim foi no dia que Kazuo Ono foi assistir “Paranapiacaba - de Onde se avista o Mar” de Solange Dias, espetáculo dirigido por Cristiane Paoli Kito. Eu operei a luz na platéia e o Kazuo Ono entrou na sala e me cumprimentou com um caloroso aperto de mão. EA - Caso ocorra falta de energia durante uma apresentação quais medidas a serem tomadas? Beato: Hoje isso é muito difícil acontecer.


Normalmente encerra-se o espetáculo. EA - Você já passou por alguma situação curiosa trabalhando como iluminador? Beato: Uma época em Manaus, tive que operar um espetáculo sem ver as cenas. EA - Beato, como você inicia um trabalho de iluminação teatral? Existe um passo a passo? Beato: Cada trabalho é um novo ser, diferente, é sempre uma surpresa. Existe um passo a passo, mas prefiro que não seja igual. Uso sempre um caminho diferente. EA - Qual é o tempo estimado para criar uma iluminação? Beato: Varia muito. Depende da produção. EA - Iluminação teatral é diferente da iluminação de TV e Cinema? Beato: Completamente. Mas, acho TV mais próxima do teatro. EA - Para criar ou executar a iluminação no teatro é necessário formação profissional?

Beato: É indispensável ter formação por conta de a tecnologia estar sempre em evolução. É preciso estudar muito mais e estar em constante atualização. EA - Como você enxerga este mercado atualmente, no Brasil? Beato: Melhorou bastante. Muito teatro novo aparecendo por aí. Muito profissional qualificado para aproveitar. EA - Quais os melhores núcleos de formação para quem quer seguir carreira de iluminador? Beato: Temos universidades que formam iluminadores cênicos e iluminadores em outras diversas áreas. Muitos cursos técnicos e grupos teatrais para acompanhar os processos de criação. EA - Se pudesse citar um encenador ou grupo onde a iluminação é uma marca registrada, qual seria? Beato: Gosto muito do trabalho do grupo Vertigem, Sutil Companhia de Teatro, PiA FraUs na direção de Alexandre Fávero no trabalho “Primeiras Rosas”.

Beato é autor do projeto luminotécnico para o Teatro Eva Wilma, em São Paulo. Ministrou aulas de iluminação Cênica no CPT e no IBTT, Instituto Brasileiro de Tecnologia Teatral. Iluminou várias exposições de arte, entre elas: Amélia Toledo no SESI da Av Paulista, Rachel Rosalen – Black Rain # na anti-war projectInstituto Tomie Ohtake / Fundação Japão . Trabalhou com vários diretores de teatro, entre eles Antunes Filho, Cristiane Paoli Quito, Darci Figueiredo, Fauzi Arap, Gabriel Vilella e Roberto Lge. Participou do início do movimento que organizou o I congresso Brasileiro de Iluminação Cênica e é um dos fundadores da ABriC Associação Brasileira de Iluminação Cênica.

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PERFIL

José Joaquim

de Campos

Por Simone Carvalho

J

osé Joaquim de Campos Leão, conhecido como Qorpo Santo, nasceu em 19 de Abril de 1829 e faleceu no dia 01 de Maio de 1883. Antes de começar a produzir sua obra literária, trabalhou como professor e comerciante. Também exerceu as atividades de vereador e delegado de polícia na cidade de Alegrete, Rio Grande do Sul. Começou a escrever para o jornal da mesma cidade no ano de 1852 e a explicação do seu apelido é dada em um destes escritos: “Se a palavra corpo-santo foi-me infiltrada em tempo que vivi completamente separado do mundo das mulheres, posteriormente, pelo uso da mesma palavra hei sido impelido para este mundo”. (Enciclopédia ou seis meses de uma enfermidade, vol. II, p. 16) Por volta de 1862 começou a apresentar os primeiros sinais de transtornos psíquicos, denominando Monomania; que é uma paranóia na qual o paciente fica obcecado por uma determinada ideia. Este foi o período em que mais produziu; entre janeiro e maio de 1866 escreveu dezesseis peças. Em 1877 resolveu criar sua própria tipografia, intitulada: Ensiqlopèdia ou seis meses de uma enfermidad. Uma obra de vários recursos, uma coleção de nove volumes, cuja publicação se deu entre 1868 a 1873. Essa obra contém diversos textos literários, como poesia, teatro, crônica, biografia e prosa. Qorpo Santo ocupa um lugar de grande importância em nossa literatura, o que não lhe garante, infelizmente um lugar de grande destaque, tendo em vista outros grandes autores da nossa literatura nacional. Porém, o

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seu trabalho não é de menor valor e desperta grande curiosidade em nosso meio literário. Seus escritos são datados do século XIX. Através dos textos editados passa a ganhar público. Sua obra é considerada inovadora no Brasil, principalmente se comparada com as peças de outros dramaturgos de sua época; tais como: Martins Pena e José de Alencar. EmAs Relações Naturais ele apresenta prostitutas como personagens, algo incomum em peças daquela época. Utiliza-se de cenas surreais, como personagens que no decorrer da peça perdem partes do corpo. Através dos seus textos, José Joaquim de Campos Leão, mostra a sua não conformidade com todos os problemas da sociedade em que viveu. Ele transmitiu em seus textos ideias de fundo moral e social econômico da sociedade do século XIX. Usava as palavras como uma arma para lutar, de maneira metafórica, contra a corrupção, a injustiça social, a pobreza e principalmente atingir de maneira significativa a burguesia. Conforme Guilhermino César (1976, p.57): Esse teatrólogo apresenta ao leitor de hoje um dos melhores retratos morais da sociedade brasileira, em meados do século XIX. A família, as crendices, as casas de jogo, as festas, o bordel, os heroísmos patuscos e a devassidão mascarada de santidade, encontramos de tudo um pouco nestas comédias. Qorpo Santo foi visto, talvez, como uma ameaça tanto na questão social quanto na questão técnica. Também podemos destacar o seu lado político/social, no que tange a sua


disponibilidade em atacar os valores defendidos pela burguesia e destacar, também, aspectos técnicos, ao quebrar com a estética realista. Geralmente, ele é mencionado como o precursor do teatro do absurdo. Estética que na década de cinqüenta, do século XX, teve uma ruptura com a estética realista. Absurdo que se refere tanto a

técnica quanto as denúncias de uma sociedade putrificada. Qorpo Santo na sua peça Mateus e Mateusa, deixa explicito, no trecho abaixo relacionado, o quanto a lei da moral e bons costumes, pregada por instituições religiosas já estavam ultrapassadas.

Dica de Leitura

O TEATRO LABORATÓRIO DE JERZY GROTOWSKI 1959 - 1969 Textos e material | JERZY GROTOWSKI e LUDWIK FLASZEN Ensaio | EUGENIO BARBA Edições Sesc São Paulo | Editora Perspectiva | Fondazione Pontedera Teatro Prefácio de Carla Pollastrelli | Tradução Berenice Raulino 2010, 253 p. | 2ª edição | ISBN 978-85-98112-35-0

O trabalho artístico de Grotowski é um dos mais significativos do teatro contemporâneo. Sua foi a elaboração do training, como exercício continuado, cotidiano e personalizado para o ator; sua a primeira experimentação sistemática e concreta da relação ator-espectador em um espaço cênico unitário. Sua a definição do grupo teatral como lugar de exploração pessoal e pesquisa artística, em um trabalho protegido, só em parte finalizado em cada um dos espetáculos. Sua a proposta de uma ética do ator como sujeito de experiências autênticas, que aperfeiçoa e desenvolve as intuições de Stanislávski. Muito do teatro contemporâneo, mesmo esteticamente distante dele, não teria sido possível sem o trabalho de Grotowski.

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Introito à Voz

PRINCÍPIO EPIFÂNICO DE IDEIAS SOBRE UM PEQUENO INSTRUMENTO COM GRANDE INFLUÊNCIA NO TEATRO E NA VIDA

Espetáculo: Solidão a Dois Foto: Birgit Schrader e Francisco Reyes V.

Por Andressa Bodê

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o partimos do pressuposto de que o teatro contemporâneo provoca a autonomia criativa do ator, por evidenciar a presença do intérprete e salientar a relação deste com o público, a VOZ falada torna-se, então, um elemento a ser estudado com maior profundidade e deve ser tratado com a mesma importância que o corpo do ator. Neste artigo, começaremos a pensar a voz humana como um delicado e maravilhoso instrumento de sons (harmoniosos ou não), que tem o poder de provocar o interlocutor e aproximá-lo da ideia falada. Como é este instrumento? Como ele funciona? Quais cuidados devemos ter com ele? Ao pensarmos em voz falada, vem à mente a emissão sonora da palavra ou o som produzido numa região específica da garganta, na laringe: as pregas vocais. Constitui-se por duas pregas do tamanho de cutículas de unha humana, envolvidas em uma mucosa e vibram quando o ar dos pulmões passa por elas e sai pela boca. Elas são as protagonistas do cenário interno, mas dependem intimamente de outros sistemas para formar o aparelho fonador. O aparelho fonador é constituído por estruturas dos sistemas respiratório e digestivo: laringe, faringe, boca e nariz. Assim, os sons produzidos são modificados, amplificados e ganham a identidade que se deseja para cada ideia formada ou compõem palavras, quando o ar vibrante (som emitido pelas pregas vocais) encontra obstáculos como lábios, dentes, língua, palato duro e mole. Estes cooperam na articulação de consoantes e de vogais, denominados órgãos de articulação. Que tal experimentar ler este artigo falando as frases e ouvindo o som de cada palavra? Observe as nuances físicas e emocionais que a voz pode provocar. Tente perceber: • As pregas vocais mudam de espessura para alcançar sons mais graves ou mais agudos. • A laringe parece flutuar na garganta para au-

xiliar as pregas durante a geração de um som. • Cada obstáculo na cavidade bucal ou nasal, estimulado adequadamente, forma uma consoante. Se o ar passa livremente, forma uma vogal. • Para controlar a pressão e saída do ar, o diafragma¹ é acionado e também auxilia na projeção vocal. Podemos pensar nestes recursos fisiológicos de maneira tanto científica quanto poética e evidenciar a importância de reconhecer e explorar o funcionamento da voz no ator. Esta perspectiva pode redimensionar sua relação com o processo criativo e, consequentemente, provocar experiências significativas no cotidiano e no espaço cênico. Além da voz natural, é possível provar de outros tons, sons e diversas identidades vocais, mudando o foco de ressonância. Tema que poderá ser abordado na próxima edição, pensando sobre quais técnicas vocais podem ser exploradas para enriquecer o processo criativo. O ator contemporâneo pode contar com diversos recursos e configurar os aspectos cênicos, visuais, de movimentos e ações. Mas a voz, a palavra falada, a emissão dos sons devem ganhar força e destaque no processo criativo. Principalmente no cuidado diário para manter sua integridade e bom funcionamento. Por isso, atores devem buscar orientações para cuidar da garganta e proteger seu pequeno patrimônio e instrumento de trabalho. A começar com um profissional de fonoaudiologia para diagnosticar quais exercícios e cuidados devem tomar.

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1. Beber, em média, dois litros de água por dia;

7. Não fumar;

2. Consumir maçã (tem ação adstringente, limpa laringe e boca); 3. Evitar gritar;

Sete orientacões universais

6. Manter a higiene bucal;

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4. Articular bem as palavras;

5. Evitar bebidas alcoólicas;


Espetรกculo: Solidรฃo a Dois Foto: Brigit Schrader e Francisco Reyes V.


Por que é tão difícil viver de CULTURA? Por Amanda Leones

Espetáculo: Solidão a Dois Foto: Brigit Schrader e Francisco Reyes V.

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ara tratar do assunto, é importante conção é viver de cultura, o ideal é conciliar as duas siderar que a cultura só foi contemplada coisas e construir um projeto criativo e rentável. como uma das prioridades do estado nacional Mas isso é possível? Com planejamento e orgabrasileiro a partir de 1988, na promulgação da nização é! Daí a importância do gestor cultural. nova Constituição Federal. E, ainda assim, com A partir dos anos 80, as ações para o desenvolviapenas dois artigos: o Art. 215 que (basicamenmento da cultura cresceram consideravelmente) determina a necessidade de Leis específicas te e, entre seus altos e baixos, vimos surgir dos para organização da Cultura; e o Art. 216 que próprios núcleos artísticos a figura do gestor. (basicamente) aponta a necessidade de incentiOs próprios atores, músicos, pintores passaram vos no setor cultural e autoriza as unidades suba ocupar e ainda ocupam esse lugar. Isso porque nacionais a organizar suas estruturas de gastos. um coletivo que ainda não tenha uma estrutura Antes disso, os investimentos no setor se consosólida não consegue contratar um profissional lidavam mais pela iniciativa privada do que por para administrar as atividades de gestão, que parte do estado nacional; o que, de certa forma, envolvem o planejamento estratégico e ações a não deixou de acontecer, já que mesmo com as longo prazo, o que não é tão simples, mas que leis de incentivo à cultura, que permitem a viademanda tanto organização, quanto criatividade. bilização de projetos através da recusa fiscal, o Um gestor é alguém capaz de dialogar com as poder de decisão permanece com a iniciativa políticas públicas de incentivo e com os difeprivada, que escolhe para quais projetos destirentes segmentos artísticos. Alguém diferente narão seus recursos. do produtor, que executa ações pontuais e que, Dito isto, compreender essa relação da cultura por sua vez, é diferente do captador, que capta com o estado nacional e os seus investimentos recursos para atividades já programadas. Um no setor é primordial, quando muitos nem imaprodutor não necessariamente deve saber plaginam o quanto essa relação é recente. E ainda, nejar, mas um gestor deve conhecer as etapas pensar que tal como a cultura, a educação, a da produção e também os diferentes meios para saúde, a alimentação e outros setores básicos do obtenção de recursos. Deve acima de tudo estar desenvolvimento necessitam igualmente de infamiliarizado com a linguagem artística que irá vestimento. Então, viver de cultrabalhar, pois somente tura é difícil, mas o que não é? assim será capaz de trans"Tentar não significa O que acontece com muitos por regras e lógica mercaconseguir, mas os que que almejam viver de cultudológica sem romper com conseguiram, foi ra é acreditar que ter um alto o contexto artístico. porque tentaram." potencial criativo basta e que É praticamente impossíisso lhe assegurara uma carvel sustentar um trabalho -Willian Shakespeare reira sólida e estável. Muitos se artístico sem conhecer o esquecem de que para viver de mínimo de uma estrutuarte é necessário encará-la como produto, e é ra gestora. Atualmente, existem muitos canais nessa “transição” do artístico para o comercial de conhecimento que oferecem oportunidades que muitos artistas se desestimulam. É quando gratuitas a quem queira aprender. Mas, infelizesbarram em uma série de burocracias ou de mente, ainda são poucos os agentes criativos apelos mercadológicos que tentam tornar mais que enxergam a gestão como uma necessidade, vendável o seu projeto artístico. No entanto, o limitando-se ao desenvolvimento da ação criaartista não precisa alterar sua arte em favor do tiva e se esquecendo de que a arte não sobrevimercado e, na realidade, nem o mercado conve sem financiamento. É difícil viver de cultura tratar algo que não atenda sua necessidade tão quando não se está pronto para tentar. somente por um fator criativo. Então, se a intenrevista entreatos • 28


Espetรกculo: Solidรฃo a Dois Foto: Brigit Schrader e Francisco Reyes V.


AGRADECIMENTOS É com grande satisfação que finalizamos o presente editorial da EntreAtos - Epifania. Agradecemos, em princípio, à Laura Caroline, realizadora da revista. Nosso agradecimento especial aos profissionais com os quais pudemos compartilhar nossos artigos a fim de somar conhecimento e trocar experiências, Beato Tem Prenafeta, Laura Melamed Barbosa e Samir Signeu. À nossos apoiadores Mário da Gráfica Unisind Soluções Gráficas e Erik da Innovation Brindes, com quem sempre que precisamos, investiram seu tempo e prestaram serviços para estampar nossas camisetas e imprimir a revista, folders, flyers e tudo quanto foi necessário para garantir a divulgação do nosso trabalho. À Arcobaleno – Fotografia, em especial Brigit e Franciso por acompanhar nosso trabalho a fim de captar as melhores imagens possíveis e registrar a beleza e a plenitude dos espetáculos, contação de histórias e ensaios. À nossos familiares e amigos que contribuem para o desenvolvimento da Cia. É com muito prazer que agradecemos e compartilhamos mais esta conquista!

Até a próxima!



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