Revista Electrónica Internacional de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Volumen IX, Numero III, Septiembre a Diciembre de 2007
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AUTORES
Adriana Braga Delia Crovi Druetta Dulce Marcia Cruz Euclides Quandt de Oliveira Hans Peder Behling Marcela Brown Octavio Penna Pieranti Rogerio Proença Leite Soraia da Rosa Mendes Suely Fragoso Suzy dos Santos Valério Cruz Brittos
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Eptic On Line, v. IX, n. 3, sep.-dic./2007 1. Expediente 2. Presentación Artículos 3. A educação a distância no ciberespaço: por uma cartografia em movimento. Hans Peder Behling Dulce Marcia Cruz
4. Consumo y ennoblecimiento del espacio público. Rogerio Proença Leite
5. A comercialização da informação e do conhecimento. Rodolfo Coutinho Xavier Fernando Augusto Mansor de Mattos
6. Comunicação On-line: uma perspectiva ecológica. Adriana Braga
Entrevista 7. Contra 52 vetos, uma reação coesa e a deposição de Jango: entrevista com Oswaldo Munteal Filho. Octavio Penna Pieranti
Especial CBT 8. O Código Brasileiro de Telecomunicações: considerações acerca do marco legal. Euclides Quandt de Oliveira
9. Da Segurança Nacional à insegurança jurídica nas telecomunicações: o Código Brasileiro de Telecomunicações, 45 anos depois. Octavio Penna Pieranti
Investigación 10. Ombudsman de mídia: a fiscalização dos conteúdos televisivos. Valério Cruz Brittos; Marcela Brown
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11. Quem procura, acha? O impacto dos buscadores sobre o modelo distributivo da World Wide Web. Suely Fragoso
12. Grupo Carso y telefonía en México: urdimbre de poder económico, político y social. Delia Crovi Druetta
Reseña/Nota de Lectura 13. Televisão Pública: uma necessidade democrática. Soraia da Rosa Mendes
14. Seus problemas acabaram: o Espaço como ponto de partida. Suzy dos Santos
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EXPEDIENTE Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Volumen IX, Numero III, Septiembre a Diciembre de 2007 http://www.eptic.com.br ISSN 1518-2487
Revista avaliada como “Nacional A” pelo Qualis/Capes Director César Bolaño (UFS - Brasil) Editor Valério Cruz Brittos (UNISINOS – Brasil) Co- editores Alain Herscovicci (UFES – Brasil) Francisco Sierra ( US – España) Apoio Técnico Marcos Vinícius N. G. Castaneda (UFS - Brasil) Elizabeth Azevêdo Souza (UFS - Brasil) Hugo de Carvalho Pimentel (UFS - Brasil) Consejo Editorial Delia Crovi (UNAM - México) Enrique Bustamante (UCM – España) Enrique Sánchez Ruiz (UG – México) Isabel Urioste (Un. Compiègne – Francia) Jean-Guy Lacroix (Un. de Québec - Canada) Luis Alfonso Albornoz (Un. Carlos III de Madrid España) Juan Carlos de Miguel (Un. Pais Vasco - España) Marcio Wohlers de Almeida (UNICAMP - Brasil) Othon Jambeiro (UFBa - Brasil) Ramón Zallo (Un. Pais Vasco – España) Roque Faraone (Um. de la República - Uruguay) Sergio Caparelli (UFRGS - Brasil)
Abraham Sicsu (Fund. Joaquim Nabuco – Brasil) Alain Rallet (Univ. Paris - Dalphine-Francia) Alemanha) Anita Simis (UNESP - Brasil) Cesare G. Galvan (UFPb - Brasil) Diego Portales (Univ. del Chile) Dominique Leroy (Un. Picardie – Francia) Francisco Rui Cádima (UNL – Portugal) Gaëtan Tremblay (Un. de Québec - Canada) Giovandro Marcus Ferreira (UFES - Brasil) Graham Murdock (Loughbrough Univ. - UK) Guillermo Mastrini (UBA – Argentina) Hans - Jürgen Michalski (Univ. Bremen Jorge Rubem Bitton Tapia (UNICAMP - Brasil) Joseph Straubhaar (Univ. Texas - EUA) Manuel Jose Lopez da Silva (UNL - Portugal) Marcial Murciano Martinez (UAB – España) Murilo César Ramos (UnB – Brasil) Nicholas Garham (Westminster Unv. - UK) Pedro Jorge Braumann (UNL – Portugal) Peter Golding (Loughborough Univ. - UK) Philip R. Schlesinger (Stirling Univ. - UK) Pierre Fayard (Un. Poitiers – Francia) Reynaldo R. Ferreira Jr. (UFAL – Brasil)
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Presentación O terceiro número do volume IX da Revista Eptic On Line traz um caderno especial sobre o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), organizado por Octavio Pieranti, doutorando em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV). É dele um dos dois artigos do dossiê, Da Segurança Nacional à insegurança jurídica nas telecomunicações: o Código Brasileiro de Telecomunicações, 45 anos depois, que analisa a vigência do CBT e dos documentos que o alteraram face sua vinculação com a ideologia da Segurança Nacional, típica da época em que foram promulgados. Também consta do caderno o texto O Código Brasileiro de Telecomunicações: considerações acerca do marco legal, do ex-ministro Euclides Quandt de Oliveira, o qual demarca alguns pontos que caracterizam a evolução das comunicações telefônicas no Brasil. Também é de Octavio Pieranti a autoria da entrevista Contra 52 vetos, uma reação coesa e a deposição de Jango, com Oswaldo Munteal Filho. Doutor em História Social pela UFRJ e mestre em História Social da Cultura pela PUC-Rio, Munteal tem se dedicado a estudar o governo de Goulart, objeto do mais recente de seus oito livros, O Brasil de João Goulart: um projeto de nação. Antes disso, abrindo a seção Artículos do periódico, Hans Peder Behling e Dulce Marcia Cruz, em A educação a distância no ciberespaço: por uma cartografia em movimento, estudam as relações entre tecnologia, economia e pedagogia, destacando questionamentos direcionados ao aparato tecnológico indispensável para a viabilização dos cursos, bem como os custos, as pessoas envolvidas no processo, os modelos econômicos mais adequados e a pedagogia de base. Já Rogerio Proença Leite, no texto Consumo y ennoblecimiento del espacio público, pretende dar uma contribuição analítica em defesa da vida pública na experiência urbana contemporânea. A edição traz também um artigo de Rodolfo Coutinho Xavier e Fernando Augusto Mansor de Mattos, A comercialização da informação e do conhecimento, através do qual são estabelecidos alguns parâmetros teóricos para compreender o mercado das produções científicas legitimadas; e uma contribuição de Adriana Braga Comunicação On-line: uma perspectiva ecológica, que busca explorar algumas questões teóricas pertinentes ao estudo da comunicação on-line, quais sejam, a Teoria Materialista da Comunicação e a Ecologia da Mídia. Na sessão das investigações, Valério Cruz Brittos e Marcela Brown participam com o
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texto Ombudsman de mídia: a fiscalização dos conteúdos televisivos, em que são analisados os processos midiáticos televisivos, a partir do atual panorama da televisão brasileira, com o propósito de avaliar a figura do ombudsman nesse meio. O resultado de investigação de Suely Fragoso, intitulado Quem procura, acha? O impacto dos buscadores sobre o modelo distributivo da World Wide Web, traz uma revisão de forma crítico-descritiva da história dos sistemas de busca, desde os primeiros buscadores até as práticas colaborativas, e propõe a discussão a respeito da vinculação entre os buscadores e o mercado publicitário, apresentando a concentração do tráfego na web em torno de um pequeno número de sistemas de busca, os quais pertencem a um número igualmente reduzido de grupos empreendedores. Delia Crovi Druetta completa o caderno de investigações com o artigo Grupo Carso y telefonía en México: urdimbre de poder económico, político y social, onde é pesquisada a situação da telefonia fixa e móvel no México. Destacam-se ainda as resenhas O espaço como ponto de partida, de Suzy dos Santos, e Televisão pública: uma necessidade democrática, de Soraia da Rosa Mendes.
César Bolaño
Valério Brittos
Director Eptic On Line
Editor Eptic On Line
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A Educação a Distância no Ciberespaço: por uma Cartografia em Movimento1 Hans Peder Behling2 Dulce Marcia Cruz3
Introdução Este artigo apresenta alguns elementos teóricos de uma pesquisa que teve como objetivo principal investigar os aspectos tecnológicos, econômicos e pedagógicos relacionados à educação a distância (EaD) no ciberespaço. Segundo Palloff e Pratt (2002), independentemente do método de ensino utilizado, a EaD no ciberespaço promove uma transição da sala de aula tradicional e presencial no campus para a sala de aula não presencial, mediada por computadores conectados via Internet. Como outras tecnologias empregadas em comunicação buscaram integração, e não a substituição das formas presenciais, as tecnologias de EaD no ciberespaço, ao invés de inaugurar uma nova educação, integram-se às formas já existentes, buscando auxiliar na resolução de problemas. Esta integração não significa estabilidade; ao contrário, significa o advento de novas formas de promover testes dentro do paradigma, contribuindo e potencializando-o com mudanças contínuas. Para Palloff e Pratt (2002) o sucesso da EaD depende de uma seleção e posterior transposição das melhores práticas presenciais. Isso implica numa série de mudanças, segundo Lévy (2005), primeiramente na aclimatação dos dispositivos e do espírito de EaD ao cotidiano; depois no reconhecimento das experiências adquiridas e, para Belloni (1999), no próprio processo de ensino e aprendizagem. Neste sentido, esta pesquisa foi norteada para investigar os aspectos relevantes na transição da educação presencial para a EaD no ciberespaço, na tentativa de descobrir se a tecnologia e o ambiente ciberespacial contribuem com a redução de custos com estrutura, professores, deslocamentos, freqüência e disponibilidade e também para descobrir quais são as novas exigências para os agentes, ou seja, o perfil mais adequado para professores, alunos e outros sujeitos potencialmente envolvidos com os cursos. A investigação partiu do 1
Este artigo apresenta elementos do referencial teórico de dissertação de mestrado defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) sob o título “Comunicação e linguagem no ciberespaço: análise de curso de educação a distância da UNISUL VIRTUAL”. 2 Mestre em Ciências da Linguagem na UNISUL, Professor da Universidade Regional de Blumenau. 3 Doutora em Engenharia de Produção na UFSC, Professora do Departamento de Metodologia de Ensino do Centro de Ciências da Educação da UFSC. 7
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pressuposto de que a tecnologia possibilita a reprodução e repetição em larga escala do ensino levando à socialização e democratização, viabilizando uma educação mais enxuta, com menos infra-estrutura e portanto, custos muito mais acessíveis. A metodologia utilizada no trabalho foi uma pesquisa bibliográfica exploratória. Durante o trabalho as questões econômicas cederam lugar às questões pedagógicas: descobriu-se que a mudança de foco do ensino para a aprendizagem, a exigência de planejamento e ao mesmo tempo a flexibilidade na abertura para que todos possam contribuir, a colaboração e o comprometimento de todos os envolvidos no processo, as particularidades de cada atividade e de cada grupo, a importância dos detalhes na tentativa de construir em todos os envolvidos a sensação de fazerem parte de uma comunidade de aprendizagem entre outras coisas revelaram-se como as grandes transformações necessárias para o sucesso na transição. Nos próximos itens analisaremos alguma das questões tecnológicas, econômicas e pedagógicas que compõem a EAD no ciberespaço. Questões Tecnológicas Tremblay (1995) afirma que a tecnologia é uma característica central desde o início dos estudos em comunicação (com excessão da semiótica, da retórica e poucas outras). Para o autor, essa tendência deve ser questionada pois a tecnologia não pode ser considerada autônoma em relação à questões e estruturas sócio-econômicas. Belloni (1999) chama de NTICs (novas tecnologias de informação e comunicação) os computadores interligados em redes, que recebem de outros autores como Lévy (2005) e Gomez (2004) a denominação de dispositivos. Diversos autores relacionam as novas tecnologias à EaD e, nesse contexto, Gomez (2004) alerta para alguns cuidados especiais com os dispositivos: a verificação da efetiva conectividade das máquinas e a instalação dos programas e dos plug-ins necessários. Magdalena e Costa (2003) afirmam que o nível educativo de uma sociedade informacional é medido pela alfabetização tecnológica, ou seja, pelo relacionamento crítico, assertivo e competente com o ambiente; pelas interações entre os interlocutores e pelos produtos que os indivíduos conseguem gerar a partir dos meios. Palloff e Pratt (2002) ressaltam que o acesso e a familiaridade à tecnologia (hardware e software) contribuem para uma maior possibilidade de participação. Para Belloni (1999), a interatividade no contato com bancos de dados e a interação com outros estudantes proporcionada pela navegação nas redes pode permitir um novo modo de educação, só que isso vai depender muito da pedagogia de base que inspira e 8
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orienta as atividades, pois “o uso destas TICs pode também ocorrer de forma mecânica, nada inovadora, interativa, mas não reflexiva, submetida a uma lógica de estímulo/resposta, na qual o programa é quem conduz a ação ou a aprendizagem” (BELLONI, 1999, p.73). De acordo com a autora, a inovação está muito mais nas metodologias e estratégias de ensino do que nas tecnologias propriamente ditas, pois elas não substituem as tecnologias anteriores e nem assumem suas funções, embora transformem profundamente seu uso, assim como acontece em diversas outras esferas. A autora conclui que a integração das NTICs na educação já não é uma opção, “o que exigirá dos sistemas educacionais grandes esforços de imaginação pedagógica e um volume considerável de investimentos financeiros […] Sua utilização educativa se integra numa nova concepção da tecnologia educacional, agora concebida como comunicação educacional” (BELLONI, 1999, p.104). Questões Econômicas As questões econômicas geraram e continuam gerando discussões na área da EaD no ciberespaço. Alguns autores como Lévy (1999) defendem que as escolas virtuais custam menos do que as presenciais. Palloff e Pratt (2002) criticam essa noção econômica que privilegia um exame superficial, pois a estrutura de um curso virtual é menos explícita, porém não menos onerosa. Para os autores, a economia com estrutura física é compensada com o dispêndio com tecnologia, transmissão, manutenção, infra-estrutura, produção, apoio e recursos humanos qualificados. Os autores afirmam ainda que pagar menos para um professor a distância caracteriza outro equívoco, pois a não necessidade de deslocamento ofusca as exigências com preparação, disponibilidade e freqüência (visitação e participação diária) por parte do professor. O que se descobriu é que há uma variedade de formas de pagamento aos professores: desde nenhuma espécie de pagamento, a pagamento a partir de um número determinado de alunos, ou ainda eliminação do número máximo de alunos matriculados e até remuneração de acordo com o número de matrículas. Algumas instituições oferecem um estipêndio pela elaboração do curso, adicional pela preparação da primeira aula (Salomon et al., 1997). É o fato de esse campo ser tão novo para muitas instituições que faz com que aqui se reafirme que demorará algum tempo para que cheguemos a uma fórmula adequada para mensalidades e salários. (PALLOFF e PRATT, 2002, p.85)
Belloni (1999) e Peters (2003) relacionam a EaD aos modelos teóricos oriundos da economia e da sociologia industrial. Peters (2003) afirma que os pioneiros do ensino a distância eram empresários de instituições que visavam o lucro e aplicavam as concepções de produção e consumo de bens educacionais em massa, com cursos que, por motivos econômicos, duravam 9
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cerca de oito anos. Esse processo de industrialização segundo Peters foi denominado de fordismo da educação por Raggat. Para Belloni (1999), duas orientações teóricas ou filosóficas surgiram e coexistiram no campo da educação em geral e da EaD na década de 80 do séc. XX: o estilo fordista (educação em massa baseada nos princípios da baixa inovação dos produtos, baixa variabilidade dos processos de produção e baixa responsabilidade do trabalho) e o estilo de educação aberta e flexível. Tanto Belloni (1999) como Peters (2003) dizem que o estilo fordista passou a ser substituído por modelos pós-modernos ou pós-fordistas de organização industrial, menos interessados em homogeneizações e mais interessados em satisfazer a muitos desejos específicos dos consumidores, a exemplo do neofordismo. Belloni (1999) afirma que o neofordismo aposta na alta inovação e variabilidade dos produtos e processos produtivos visando segmentos específicos do mercado, mas conserva do modelo fordista a estratégia de baixa responsabilização do trabalho (formas de organização fragmentadas e controladas). Peters (2003) afirma que, para atingir o neofordismo na EaD, seriam necessárias consideráveis mudanças nos processos produtivos e nos conceitos de aprendizagem. Segundo o autor, a produção de mercadorias deveria ser: por demanda, sem produção de estoques, eliminando a divisão do trabalho, substituindo a hierarquia por redes de relacionamento horizontais e a especialização pela polivalência dos funcionários, promovendo contratações temporárias e enxugamento de processos e suprimentos. Ainda parafraseando o autor, a aprendizagem deveria migrar para o conceito de estudo autônomo no ambiente de aprendizagem digital. Assim como em diversas esferas nas quais o pós-modernismo caracteriza-se muito mais em oposição às concepções do modernismo do que por características próprias distintivas, de acordo com Peters (2003), no ensino não se foge à regra. Para o autor, no ensino pós-moderno aparecem denúncias às idéias otimistas do progresso geral da humanidade, à esperança de um mundo melhor, mais civilizado e culturalmente desenvolvido, bem como críticas à crença na ciência e na supervalorização da técnica; à crença no poder da educação de transformar o homem. Wood & Zurcher (apud PETERS, 2003) afirmam que a transição da educação moderna para a pós-moderna representa uma mudança de valores da racionalidade para a irracionalidade: da razão para a emoção; do compromisso social para o compromisso consigo mesmo; e por fim, da satisfação orientada para a gratificação. De acordo com Palloff e Pratt (2002), as instituições de 10
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ensino poderão oferecer várias formas de transmissão de conhecimento sem a preocupação de que elas estejam competindo entre si quando começarem a reconhecer os alunos como clientes. Essas nomenclaturas que utilizam uma metáfora importada da era industrial, econômica, tais como sociedade da informação, economia da informação e outras, que têm em sua base atividades de produção, processamento e difusão de informações, são criticadas por Tremblay (1995). O autor afirma que estas terminologias generalizadoras são problemáticas e inadequadas pois cada indivíduo, cada profissional de comunicação produz, processa e difunde informação de maneiras diferentes. Para Belloni (1999), a superação dos impasses criados pela relação entre EaD e indústria pode ser alcançada se a primeira for considerada como atividade do setor terciário (prestação de serviço), substituindo a lógica da estandardização pela lógica da personalização. Questões Pedagógicas Gomez (2004) afirma que a EaD no ciberespaço valoriza os acasos que eram vistos com preconceito, considerados como erros, e até mesmo descartados pela pedagogia tradicional. Para a autora, estes acasos são próprios da experiência e favorecem o apelo simbólico no processo de constituição da subjetividade, impedindo que a EaD no ciberespaço se baseie em didatismos, modelos prontos ou protótipos. Segundo Palloff e Pratt (2004), no ciberespaço as diretrizes e os procedimentos educacionais devem ser mais flexíveis e fluir livremente, partindo dos próprios participantes. Magdalena e Costa (2003) afirmam que a busca e seleção de informações nos diferentes endereços pode colocar os alunos diante de enormes desafios: manter o fio da meada ou perder-se nele; descobrir que existem temas relacionados, até então insuspeitados; deparar-se com enfoques divergentes ou com diferentes níveis de complexidade; decidir, dentre o material acessado, o que vale a pena ler de forma mais detida e o que não vale o esforço, que fragmento (s) da leitura selecionar e guardar para uso futuro, como organizar essa seleção para uso posterior. (MAGDALENA e COSTA, 2003, p.55)
Gomez (2004) afirma que o desafio da EaD no ciberespaço será encontrar estratégias para educar na multiperspectividade da rede, na qual a dúvida aparece a cada passo e a ação e reflexão não podem ser descuidadas. Para Belloni (1999), será quase impossível para as equipes responsáveis pela concepção dos cursos de EaD do futuro garantir a qualidade ergonômica (técnica) e pedagógica necessária. Diversos autores apontam estratégias e os problemas que surgem a partir delas, a exemplo dos Projetos Político Pedagógicos (PPPs) e do Estudo 11
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Estruturado, entre outros. Dentre essas estratégias de produção da EAD, pode-se identificar alguns momentos que serão descritos a seguir: a etapa do planejamento ou PPP e seu desenvolvimento até o design educativo; a mediação pedagógica que possibilita uma cartografia em movimento e o início do curso propriamente dito que começa a partir da criação de uma comunidade de aprendizagem no ciberespaço. Do PPP Estruturado ao Design educativo O planejamento de um curso a distância passa geralmente pela criação de um Projeto Político Pedagógico (PPP) específico. Segundo Gomez (2004), não existe um modelo padrão de PPP para a EaD. Para a autora, o PPP de uma escola virtual deve surgir da participação democrática dos próprios membros da comunidade virtual, iniciando com alguns acordos preliminares, seguindo com as etapas de pesquisa e preparação, planejamento e implementação, sempre levando em conta as possibilidades e as limitações metodológicas do projeto. A autora afirma ainda que a gestão da educação deve acontecer no intuito de garantir a obtenção dos resultados desejados, envolvendo diversos agentes como professores, coordenadores, alunos, dirigentes entre outros. A estruturação do ensino e da aprendizagem não é novidade, afirma Peters (2003), pois já acontecia na exposição do saber por meio de livros (na subdivisão de componentes em prefácio, introdução, seqüência dos capítulos, resumo e conclusão), bem como na articulação das aulas presenciais (planos de aula, etc). Segundo o autor, na EaD, essa estruturação se dá com base em critérios da tecnologia de ensino seguindo um roteiro: análise, seleção e definição de objetivos de ensino e aprendizagem; escolha de conteúdos e estratégias para atingir estes objetivos; emprego dos meios técnicos que tornem o processo eficiente; construção de testes de verificação de eficiência; aplicação de avaliações para promover a otimização e melhoria da estrutura. Para Peters, a eficiência e o controle de sucesso objetivado tornam-se importantes neste processo estruturado de ensinar e aprender que segue o modelo behaviorista, baseado em premissas positivistas teórico-científicas, realizado por meio de procedimentos empíricos, e que, apesar de carências e déficits, é extremamente atraente há mais de vinte e cinco anos. Peters avalia que o sucesso da estruturação da EaD levou políticos e pedagogos em todo o mundo a esquecer as desvantagens deste procedimento, por acreditarem, entre outras coisas, que o ensino acadêmico poderia ser racionalmente planejado, sistematicamente desenvolvido e controlado como algo 12
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produzido industrialmente e que era possível manipular o comportamento didático objetivado, na perspectiva de poder alcançar praticamente todas as pessoas interessadas e aptas. Assim como Belloni (1999) e Peters (2003), Gomez (2004) também relaciona as teorias de aprendizagem aos conceitos do segundo setor (industrial). Gomez (2004) associa as teorias de aprendizagem ao conceito de DI (design instrucional): fordistas e industrialistas (educação em série, na concepção de linha de montagem); taxonomia de Bloom (neo-bevahiorismo que considerava importante a classificação dos objetivos de aprendizagem perseguindo o propósito de oferecer guias claros e compreensíveis para uma avaliação sistemática e atingir a totalidade do processo cognitivo). Para a autora, a concepção de designer instrucional também possui fragilidades “na pretensão de definir previamente o processo educativo a partir de uma teoria do comportamento, o que o fixa no nível do saber instrumental, deixando de lado a possibilidade de criatividade e diálogo” (GOMEZ, 2004, p.127). Segundo Gomez, as contribuições do behaviorismo, das ciências cognitivas e da psicologia do processamento da informação são as fontes teóricas de uma proposta que se preocupa com a mudança de hábitos, condutas e conhecimento escolar, ou seja, admite uma concepção de sujeito como processador ativo da informação. Além disso, a autora afirma que o DI emerge no âmbito educativo da EaD no ciberespaço reforçado com as contribuições do marketing, da informática, do mundo dos negócios e da publicidade e da educação corporativista, experimentando teorias e práticas pedagógicas mais flexíveis como o construtivismo e o holismo, aproximando-se de um DE (design educativo) atento às mudanças sociais e com a responsabilidade de coordenar as atividades de montagem do curso de EaD na Internet. A Cartografia em Movimento Nesse movimento de mudanca da produção do curso a distância, a mediação pedagógica e o desenho colaborativo adquirem lugar de destaque na EaD pela Internet. Para Gomez (2004), a vida material da humanidade está mediada por instrumentos: produções culturais e técnicas que são produtos sociais dos quais a linguagem é o mais importante. Numa perspectiva dialógica, afirma a autora, a mediação consiste na sabedoria de revisitar e utilizar referências, levando em conta a concepção de que nada se cria a partir do vazio. Segundo Belloni (1999), a educação sempre utilizou a mediação de alguma tecnologia ou meio de comunicação como complemento ou apoio à ação do professor. Mas, para ela, as tecnologias de mediação pedagógica
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presencial (a sala de aula, o quadro negro, o giz, o livro e outros materiais) diferenciam-se das tecnologias de mediação na EaD, nas quais a interação com o professor é indireta e muito mais dependente da mediatização. As mediações na esfera digital, de acordo com Gomez (2004), se interpenetram, são coextensivas do processo de criação de estratégias pedagógicas. Segundo a autora, essas estratégias, que não podem ser fixas nem neutras, criam significações que remetem a questões históricas e sociais, cuja mobilidade permite que o mapa do curso modifique-se constantemente com o parecer dos participantes, assemelhando-se muito mais a uma cartografia em permanente movimento do que a um desenho acabado. Gomez afirma ainda que esta cartografia em movimento baseada no desenho participativo procura apresentar o território e as estratégias de aprendizagem, e serve como espécie de banco de dados para a elaboração de um roteiro, contendo propostas, glossário do curso, banco de fotos, banco bibliográfico, banco de curiosidades, banco de instituições de ensino da área, revistas da área, e-books, eventos da área, buscadores internos, links relacionados, ajuda de navegação, questões freqüentemente consultadas, entre outras necessárias à produção e à entrega dos cursos. Comunidades de Aprendizagem As questões tecnológicas, econômicas e pedagógicas que compõem o processo de planejamento e execução da EaD convergem na criação e administração da comunidade virtual que vai definir se e como a aprendizagem vai ocorrer. E essa comunidade de aprendizagem, segundo Palloff e Prat (2002), tem seus pilares colocados no início do curso. Os autores enfatizam bastante a importância desse momento inicial, no qual é fundamental que as diretrizes apresentadas normalmente junto com o plano de ensino e com o roteiro do curso, sejam bastante claras e, de preferência, colocadas em discussão. Segundo os autores, é no início que devem ser apresentadas as estratégias necessárias para obter a confiança do aluno: estabelecer diretrizes claras para a participação; promover a discussão destas diretrizes até que todos concordem; ficarem claros os quesitos de avaliação, pesos e notas; criar com os alunos um plano de ensino claro, flexível e de fácil compreensão; explicitar o tempo necessário para a participação; criar um site (ou ambiente virtual) de fácil navegação e troca de mensagens e arquivos. Além disso, o professor deve dar o exemplo de participação, estando presente diariamente, intervindo prontamente quando a discussão estiver fraca ou indo na direção errada e telefonar para os que não estão participando e trazê-los de volta. 14
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Palloff e Pratt (2002) alertam para o tamanho ideal na formação dos grupos de aprendizagem em duas situações distintas: nas atividades sincrônicas
(entre cinco e dez
integrantes); nas atividades assíncronas (aproximadamente vinte participantes). Para os autores, os grupos criam uma ilusão de privacidade, o que determina a importância de enviar as diretrizes para uso adequado do material do curso, normas de segurança, critérios de avaliação, aceitação e participação logo no início. É também importante que a participação seja incluída no processo de avaliação, pois os integrantes do grupo tem responsabilidade mútua, principalmente porque o sucesso da aprendizagem no curso depende da participação coletiva. Num cenário de crescimento geométrico da disseminação de informações, Magdalena e Costa (2003) estimam que o volume do conhecimento construído pelo homem dobra a cada dois anos, enquanto que na escola ele continua estático. Para dar conta dessa rapidez do ciclo de produção de conhecimento, Gomez (2004) afirma que todos os agentes envolvidos em processos pedagógicos deveriam assumir a postura de eternos aprendizes, o que Belloni (1999) chama de formação ou aprendizagem ao longo da vida, e Peters (2003) de educação permanente. Todos os autores citados concordam que a educação permanente funciona com base em uma série de opções oferecidas pelas instituições produtoras e distribuidoras de cursos e materiais. A relação entre ensino a distância e educação permanente são listadas por Peters (2003): valorização do estudo na idade adulta; formas alternativas e adicionais de estudo; mudança do foco da educação baseada na preparação e formação para educação como elemento integrante da vida; ensino a distância possibilitando auto-realização; mistura de formas e experiências de vida; estudo auto-dirigido; dependência da mediação do ensino e da aprendizagem; universidades a distância a serviço da igualitarização das oportunidades educacionais; motivação por uma escalada profissional e social; contribuição para uma sociedade estudantil aberta; maior acessibilidade e mais rapidez nas formas de transmissão, a caminho da universidade virtual. A aprendizagem permanente também muda. De acordo com Palloff e Pratt (2002), em EaD, a aprendizagem deve ser ativa, ou seja, o estudante deve ser responsável pela sua conexão e interagir através do envio de seus pensamentos e idéias dentro da comunidade virtual, pois é ele quem deve atribuir sentido aos conhecimentos vinculados ao curso. Os autores afirmam que o sucesso da aprendizagem em comunidade e da facilitação on-line depende de honestidade, correspondência, respeito, franqueza e autonomia. Ao descrever processos de aprendizagem organizacionais, os autores afirmam que Chris Argyris criou o termo aprendizagem de loop 15
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simples para referir-se à resolução de problemas e o termo aprendizagem de loop duplo para referir-se à reflexão sobre a maneira de resolvê-los. Para eles, já é possível ir mais longe pois quando Robert Hargrove criou o termo aprendizagem de loop triplo se referia à aprendizagem real, transformadora: um processo de auto-reflexão que ocorre em vários níveis, cuja meta principal é mudar paradigmas adotando novas concepções de uma mesma idéia, compreendendo, inclusive, a própria aprendizagem. O ensino aberto, para Peters (2003), está relacionado à aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes em princípio acessíveis para qualquer pessoa, do qual, portanto, ninguém pode estar excluído (princípio da igualdade). Segundo Edwards (apud Belloni, 1999) a EaD, com sua ênfase no fornecimento de oportunidades de aprendizagem a distância, é consistente com o modelo fordista de produção e consumo de massa. Já os discursos sobre Aprendizagem Aberta (AA), ao contrário, colocam a ênfase nas necessidades específicas e/ou mercados disponíveis e nos meios necessários para atender a estes mercados. Peters (2003) defende que os programas de ensino devem estar abertos, e considerar tanto condições externas (barreiras educacionais como custos, práticas educacionais, ambiente sociocultural) quanto internas (abertura para desdobramentos imprevistos na construção de uma competência no âmbito individual), ao invés de serem definidos e elaborados antecipadamente à maneira científico-empírica. Para o autor, as concepções do ensino aberto independem do curso ser presencial ou a distância, porém, na EaD, evidencia-se uma afinidade especial com o ensino aberto, por ser tendencialmente igualitário, basear-se em grande parte na atividade própria de estudantes autônomos, estar mais relacionado com a prática da vida e da profissão e enfatizar a interação e a comunicação. Belloni (1999) propõe que a AAD (aprendizagem aberta e a distância), caracterizada essencialmente pela flexibilidade, abertura dos sistemas e maior autonomia do estudante, é mais coerente com as transformações sociais e econômicas contemporâneas. Para a autora, o fundamento deste modelo é o foco do processo de aprendizagem no aprendente, e não no ensino ou nas tecnologias. A autora afirma ainda que EaD e AA referem-se a dois aspectos diferentes do mesmo fenômeno: EaD é mais uma modalidade de educação, e AA relaciona-se mais com modos de acesso e com metodologias e estratégias pedagógicas. Para a autora, a EaD tem todas as características necessárias para favorecer uma postura ativa de educação permanente e aprendizagem autônoma, mas diversos estudos mostram que os tele-estudantes tendem a assumir 16
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uma postura passiva, digerindo pacotinhos instrucionais, o que contribui com a crença de que o aprendente auto-atualizado é um mito. A questão se é possível alcançar autonomia e atitude ativa do estudante, condições fundamentais para aprender a distância, estão no centro dessa discussão. De acordo com Fiorentini (2003), a concepção de aprender a aprender implica na superação e reformulação de alguns princípios pedagógicos tradicionais, como por exemplo, passar a enxergar o conhecimento como processo, construído a partir da atividade do sujeito sobre o mundo e não mais como coisa estática. Além da importância da formação da comunidade e das noções didáticas e pedagógicas envolvendo estratégias e táticas de ensino e aprendizagem, a educação no ciberespaço envolve ainda questões nem sempre relacionadas com o conteúdo do programa da disciplina ou do curso. Neste contexto, aparecem as situações interacionais, ou seja, as trocas que acontecem entre os diversos integrantes de uma comunidade. Considerações finais De forma otimista, Lévy (2005) afirma que a grande questão da EaD no ciberespaço deixou de ser a transição do “presencial” para “a distância” e passou a ser a transição da educação institucionalizada para uma situação de troca generalizada dos saberes. Essa visão contribui com a noção de que a alfabetização informacional ou ciberespacial depende mais do desenvolvimento da visão crítica por parte do estudante do que do desenvolvimento de suas habilidades com um computador ou programa informático específico. Esta transição é possível, segundo Belloni (1999), por causa da disseminação das tecnologias de informação e comunicação que levou a uma forma de EaD que utiliza todos os meios anteriores (impressos e audiovisuais) mais os novos (computadores, Internet, etc), implicando mudanças radicais nos modos de ensinar e aprender. A maior parte das vantagens de custo e tentativas de relacionar a EaD no ciberespaço a modelos econômicos mostraram-se paradoxais ou completamente equivocadas: a não necessidade de estrutura física e toda a logística diretamente envolvida (aluguéis, água, luz, mobiliário, etc) acaba sendo compensada pelos custos com a compra e manutenção do aparato tecnológico necessário no planejamento, desenvolvimento e entrega dos cursos; a não necessidade de presença física do professor em sala para ministrar as aulas é compensada pela maior disponibilidade, mais freqüência de visitas e mais participação do professor que a modalidade a distância exige. Assim, a EaD no ciberespaço escapa da lógica da modernidade (estandartizada, 17
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industrial) e aproxima-se da lógica da pós-modernidade (personalização típica da prestação de serviços). As questões pedagógicas relacionadas à EaD no ciberespaço também acompanham a lógica da personalização, valorizando o acaso e a criação da subjetividade individual, impossibilitando a criação de didatismos, modelos educacionais e protótipos de projetos políticopedagógicos. Essa lógica exige mais dinamismo e flexibilidade, bem como a participação coletiva de alunos, professores e profissionais envolvidos em atividades administrativas e apresenta o desafio de encontrar novas estratégias para educar, abandonando a ultrapassada visão behaviorista e industrial do design instrucional, em busca de uma visão construtivista e holista do design educativo, atento às mudanças necessárias. Se na EaD no ciberespaço a mediação tecnológica é inevitável, a mediação pedagógica e o desenho colaborativo merecem o verdadeiro destaque, pois nessa modalidade a linguagem é a mediação mais importante de todas para a efetivação da comunicação. A interação indireta professor-aluno no ciberespaço gera essa mediação que exige e ocasiona menos rigidez no processo, mais trocas sociais, e, conseqüentemente, mais mobilidade, permitindo que o mapa do curso se modifique constantemente levando ao conceito de cartografia em movimento. A cartografia em movimento exige a mudança de foco do ensino para a aprendizagem, com regras claras, debatidas coletivamente logo no início do curso de modo que ninguém fique isolado. A idéia é que todos os envolvidos sintam-se parte de um grupo e consigam perceber a formação de uma comunidade de aprendizagem menos hierárquica, menos estruturada, menos autoritária e possam assumir um perfil de aprendizagem ativa, aberta, autônoma e constante. No entanto, mesmo com o aparecimento de quaisquer novos dispositivos tecnológicos e com as inúmeras interferências desses dispositivos e de fatores econômicos no processo de ensino e aprendizagem, o grande problema da educação continua sendo a pedagogia de base e a comunicação. A inovação real é sempre nos campos metodológico e estratégico, de modo que o grande desafio passa a ser educar levando em conta as possibilidades e limitações próprias da multiperspectividade do ciberespaço. Neste sentido, a EaD no ciberespaço diferencia-se de outras formas de educação (presencial ou a distância) por impedir o êxito de padrões que camuflam sua própria ineficácia no deslumbramento espetacular, próprio da mera novidade tecnológica.
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Referências bibliográficas
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Consumo y Ennoblecimiento del Espacio Público* Rogerio Proença Leite** Los proyectos contemporáneos de gentrification 4 , que ponen en relieve las relaciones entre mercado y patrimonio cultural, han contribuido a alterar el sentido público del espacio urbano en la medida en que califican al ciudadano como consumidor (Appadurai, 1986; García Canclini, 1996). Estos proyectos pretenden, en general, articular un eje convergente entre tradición y consumo, teniendo en cuenta: 1) Los centros históricos como sitios de convergencia de la población con un pasado común, expresión de una identidad de la nación, de la tradición y de la ciudadanía; y 2) La intervención como una forma de recobrar un espacio urbano como “espacio público” de ocio, entretenimiento y consumo de la población. Rehaciendo el trayecto político de valorización de esos sitios, las prácticas de gentrification expresan un reto que debe ser vencido: ¿cómo sostener la idea de que son políticas que pretenden recobrar el espacio público y promover un “regreso a la vida urbana”, cuando las actividades que nortean tales políticas son excluyentes y asimétricas en cuanto a las reales posibilidades de uso y refutación? ¿En otras palabras, la planificación estratégica del urbanismo empresarial, basado en el market lead city planning, representa una negación de la ciudad como espacio político, en la medida en que transforma el espacio público en espacio para el espectáculo, entretenimiento y consumo?
Este artículo pretende ser una pequeña contribución analítica en la defensa de la vida pública en la experiencia urbana contemporánea. Teniendo como referente empírico el proceso de “revitalización” urbana del Barrio del Recife Antiguo, pretende analizar dos aspectos importantes, a saber: 1) Cómo las prácticas constitutivas de la formación de los lugares en el espacio urbano inciden sobre la formación del espacio público; y 2) Cómo ese proceso puede contribuir para que se hagan las necesarias distinciones conceptuales entre los conceptos de espacio urbano, esfera
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Rogerio Proença Leite é doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP e professor de sociologia da UFS. É Pesquisador do CNPq, Pesquisador Associado do CEMI-UNICAMP e Articulador da Rede Brasil-POrtugal de Estudos Urbanos (CNPq e CAPES/GRICES). 4 La expresión gentrification (ennoblecimiento) es utilizada por autores como Harvey (1992), Featherstone (1995) y Smith (1996) para designar formas de iniciativas que eligen ciertos espacios de la ciudad como centros especiales. Sharon Zukin (1995) utiliza la misma expresión para designar la transformación de los significados de una localidad histórica en un segmento del mercado, considerando la apropiación cultural del espacio desde el intenso flujo de capitales que establece formas de consumo visual. 20
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pública y espacio público. Sobre este segundo aspecto cabe señalar que mi texto defiende que esos términos pueden y deben ser considerados distintos, en la medida en que la utilización de cada uno de ellos implica diferentes formas de comprensión sobre la dimensión pública de la vida urbana contemporánea. Identificando lugares y Fronteras: el Barrio de Recife Antiguo El proceso de gentrification del Barrio del Recife Antiguo, en la ciudad de Recife, Estado de Pernambuco, fue iniciado en los años 1990 y no se constituyó en una experiencia separada de las prácticas contemporáneas de preservación del patrimonio en Brasil. La implantación, sin embargo, ha sido interpretada como el marco de una nueva fase de las políticas de patrimonio, por haber adoptado un modelo mixto de gestión, basado en el sistema de asociación entre el poder público y la iniciativa privada, incluyendo recursos de la Prefeitura de la Ciudad de Recife, del Gobierno del Estado y del BID, a través del PRODETUR y del Programa MinC/Monumenta5. El Plan de Revitalización del Barrio del Recife Antiguo ha seguido el llamado city marketing, cuyas prácticas comprenden un conjunto de intervenciones urbanas volcadas a la transformación de sitios históricos degradados en zonas de entretenimiento urbano y consumo cultural. La característica más recurrente de esas intervenciones urbanas que pretenden modernizar recursos potenciales para una mejor inserción en la “competencia inter-ciudades” 6
ha sido una
relocalización estética del pasado, cuyo patrón inmutable de prácticas que mimetizan el espacio público tornan el patrimonio una mercancía cultural, pasible de ser apropiada por la población y por el capital. Esas prácticas de gentrification emprenden lo que podría llamarse un “embellecimiento estratégico”, término utilizado por Walter Benjamin (1997) para comentar las reformas urbanas de París realizadas por Haussmann en el contexto del bonapartismo autoritario pos-1848, cuyos despliegues europeos hicieron de la Viena de la Ringstrasse un icono del liberalismo austríaco 5 El Monumenta surgió de un acuerdo financiero a través de una asociación entre el Ministerio de la Cultura y el Banco Interamericano de Desarrollo (BID), firmado en París en marzo de 1999. En la primera etapa del acuerdo, el proyecto Nº. BR0261 del Program to Preserve Urban Historical and Cultural Heritage, cuya agencia directiva en Brasil era el propio Ministerio de la Cultura, preveía la movilización de aproximadamente US$ 200 millones, siendo US$62.5 del BID, US$62.5 millones del propio gobierno brasileño (incluyendo la participación de los Estados y Municipios). Más detalles, revisar: Leite (2004).
6
La “competencia inter-ciudades” se refiere al incremento de las políticas de patrimonio como recurso estratégico para potenciar la expansión del mercado de captación de recursos en el interior de los flujos globales (Fortuna, 1997). 21
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(Schorske, 1990). Más de cien años después, las prácticas de intervención urbana continúan “embelleciendo” estratégicamente las ciudades históricas a través de las políticas de patrimonio cultural. Sin embargo, aunque intenten evitar barricadas, esas políticas levantan sus propias fronteras cuando segmentan y disciplinan ciertos espacios urbanos para uso extensivo del ocio, turismo y consumo. La pregunta de Doña Chiquinha, una vieja moradora del Barrio del Recife Antiguo, sintetiza ese impasse para las políticas contemporáneas de “revitalización” del patrimonio cultural urbano: “¿Será que yo nací aquí pero a la hora en que este barrio se embellezca no habrá de tener una esquina pa' mí? ¿No habrá un sitio pa' Cícera ? ¿Y pa' aquel pueblo todo de la Comunidad Nuestra Señora del Pilar?”7
Aunque el resultado más evidente del proceso de gentrification del Barrio del Recife Antiguo haya sido su inmediata transformación en un polo de ocio, no se eliminaron los aspectos contradictorios del paisaje urbano. En el entorno de las principales calles “revitalizadas” los mendigos dormían en los paseos oscuros, la basura se amontonaba en un callejón de ruinosas edificaciones antiguas, los niños olían pegamento, las prostitutas parecían disimular sus intenciones: todos cautelosos, como reconociendo que estaban en desventaja en esa disputa por los lugares que avanzaba por todo el espacio local.
Así como no había una caminata casual que llevase al Barrio del Recife Antiguo, tampoco había posibilidades de una permanencia casual en su interior. Para estar en el Barrio era necesario hacer elecciones, mapear direcciones, elaborar itinerarios, ocupar espacios. Lejos de ser una homogénea configuración social, el Barrio del Recife Antiguo pasó a ser un múltiple arreglo social de contrastes: en la conjunción entre espacio público y patrimonio cultural urbano se construyeron distintos mecanismos de interacción mediados por la diferencia. Día y noche pasaron a establecer marcos simbólicos profundos en la vida del Barrio. Durante el día los espacios no se diferenciaban unos de los otros. Por la noche, cuando la agitación de los bares se intensificaba y otras sociabilidades creaban nichos espaciales en diferentes calles, el Barrio parecía un escenario pequeño para una ciudad entera que ha querido ver y ser vista. En una disputa por la apropiación de los espacios, las personas buscaban un modo de pertenecer, de ser parte de un lugar que se transformaba en una de las zonas de mayor visibilidad pública de la 7
Declaración de Francisca Lopes Gomes al autor, en la Comunidad Nuestra Señora del Pilar, Barrio de Recife Antiguo, 11 de abril de 2000.
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ciudad. Esta segmentación, moldeada por las fronteras simbólicas que se erguían por las calles, se intensificaba con los flujos nocturnos provocados por las personas en dirección a diferentes puntos del Barrio. A partir de esos flujos se constituyeron por lo menos cuatro espacios de significación y una zona liminar de pasaje en el Barrio del Recife: el Polo del Buen Jesús, el Polo Moneda, la Comunidad Nuestra Señora del Pilar, el Marco Cero y la zona de pasaje comprendida por el eje entrecruzado de dos grandes avenidas rectilíneas: las Avenidas Marqués de Olinda y Río Branco.
El Polo del Buen Jesús, centro de irradiación de todo el proceso de gentrification, se volvió el espacio más ennoblecido del Barrio. Con la “revitalización”, las viejas prostitutas que residían en los pisos superiores de las casas de la Calle del Buen Jesús fueron desalojadas, y las antiguas edificaciones fueron reformadas: ahora abrigan sofisticados pubs, restaurantes y dancing bar. El aire sombrío del muelle del puerto, en cuya bruma de pecado y peligro el barrio buceaba, fue sustituido por la abundancia de las luces y por los ruidos de las fiestas. Jóvenes de clase media pueblan las filas en las puertas de los bares y las parejas ocupan las mesas dispuestas en los paseos: el Barrio del Recife Antiguo se volvió un agitado punto de encuentro, consumo y ocio. Tal vez ningún otro espacio en la ciudad fue capaz de convergir a tan diferentes contendientes por una visibilidad pública. A las seis de la tarde se cerraba el tránsito de autos por sus calles. Caballetes de madera y un reforzado esquema de seguridad transformaban este trecho de la ciudad en un boulevard artificial. Poco a poco las calles eran tomadas por las personas y los paseos por las mesas de bares y restaurantes. Sin embargo, no todo concurría a componer un mismo paisaje urbano: a pocos metros de las calles “revitalizadas”, los antiguos habitantes –que no frecuentaban los bares y restaurantes del Barrio– se amontonaban en una pequeña zona residencial. En casas de mampostería, cartón y madera, los moradores de la Comunidad Nuestra Señora del Pilar se preguntaban cuál sería su lugar en el Plan de Revitalización. La comunidad se asentó en lo que parecía ser un lugar olvidado y sin valor para la ciudad: entre los fondos de dos industrias, bajo el ruido ininterrumpido de las máquinas y camiones, en el abandonado patio de la antigua Iglesia del Pilar. En una calle de tierra, sentada en un banco sobre ese suelo de tierra batida, Doña Chiquinha, 23
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como es conocida la antigua moradora Francisca Lopes Gomes, rememoraba la época en que la “revitalización” comenzó, sin la nostalgia de quien lamenta el pasado, pero con la franqueza de quien veía el “embellecer” del Barrio mientras su comunidad apenas podía caminar libremente por las calles “revitalizadas”. Indignada, Doña Chiquinha guarda hoy, en la voz, la sedición de quien oyó muchas promesas y vio pocos cumplimientos: “Nosotros aquí residimos en un abandono. Residimos aquí en una basura, en un abandono. Nosotros no tenemos baño, nosotros no tenemos agua, nosotros no tenemos luz. Lo que aquí tenemos mucho son ratones, inmundicia, para infectar a la gente de aquí. (...) ellos solo reurbanizaron el Recife Antiguo. Aquello allí es del empresario y para ellos. La reforma [revitalización] le está sirviendo a ellos y no a nosotros”8. El proceso de “revitalización” cambió el paisaje urbano del Barrio del Recife Antiguo, pero no alteró las asimetrías que demarcaban los espacios de las desigualdades sociales del lugar. Al contrario, parece que profundizó ciertas distancias sociales, visibles en las distintas formas de permanencia temporal y espacial, que pasaron a revelarse en las dispares sociabilidades que se estructuraban en los diferentes horarios y locales de la vida cotidiana del Barrio. Mientras la Calle del Buen Jesús levantaba sus caballetes e intentaba disciplinar los usos del espacio, las personas que no pudieron -o no quisieron- compartir las actividades de consumo explícito trashumaban para otros espacios. Uno de los “puntos de fuga” del Barrio del Recife Antiguo fue exactamente otro Polo que se desarrolló fuera de la planificación del Plan de Revitalización. El denominado Polo Moneda, analizado en un trabajo anterior (Leite, 2002), fue un caso de ocupación espontánea en un área del Barrio que aún no había sido “revitalizada”. Algunos bares, volcados a un público joven, formaban el perfil underground del lugar, llamado muchas veces “Berlín Oriental”. Sin embargo, hubo un espacio en el Barrio del Recife donde la contienda pública por el reconocimiento político de los diferentes modos de pertenecer a la ciudad ganó mayor visibilidad y eficacia: el Largo del Marco Cero, espacio de convergencia y de fronteras liminares. Lugar donde la “diferencia se encontraba”, el Largo pasó a desempeñar un papel fundamental en la afirmación de los diferentes lugares y sociabilidades que se estructuraban en el Barrio. Me ocuparé brevemente de él en el apartado siguiente.
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Idem.
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Entre-lugar: el Largo del Marco Cero La ausencia de una demarcación simbólica específica hizo del Largo un espacio vulnerable a las apropiaciones dispares, contribuyendo para que se volviese un espacio de interacciones disonantes, en el cual las diferencias perdían su característica de extrañeza: su paisaje social indefinido estaba compuesto exactamente por la ambigüedad y el contraste de los usos y contrausos concomitantes de un Barrio ennoblecido. Era en el Largo donde las sociabilidades pudieron igualmente ver y ser vistas, sin la mediación simbólica y normalmente favorable al refuerzo de las identidades de los espacios de origen en el que surgían.
La intervención en el Marco Cero condensó una parte sustantiva de la política de gentrification implantada. Antes de la reforma, el lugar era una pequeña plazoleta con bancos de madera, donde se podía, a la sombra de sus árboles, conversar a cualquier hora del día. Era un lugar que invitaba a mirar y perderse en el paisaje natural del puerto, en la calma casi somnolienta del final de la tarde al margen del muelle. El Marco Cero era un lugar de permanencia, y no apenas de paso, que evocaba el Puerto y el propio Barrio del Recife Antiguo como ningún otro lugar. En cierta forma uno sentía haber llegado al Barrio sólo cuando iba hasta la plaza, adonde estaba la estatua del Barón de Río Branco mirando al mar, junto al pequeño monumento que localizaba el hito cero de la ciudad. Con la reforma, la plazoleta fue simplemente arrasada: le arrancaron los árboles con tractores, removieron bancos y veredas y rehicieron su traza, que ganó perfil de Largo. La estatua de Río Branco fue desplazada a un costado, entre soleadas palmeras imperiales. Un nuevo piso dibujó una enorme rosa de los vientos en su centro (sólo visible cuando se sobrevuela el lugar), contorneada por la frase: “Vi el mundo... comenzaba en Recife” 9 . El resultado fue la transformación de un espacio potencial para el encuentro público en un espacio para espectáculos públicos. Sin bancos y sin sombra, el nuevo Largo del Marco Cero repetía una experiencia común en las grandes metrópolis: la remoción de los equipamientos urbanos que aseguraban la permanencia fortuita de las personas en los lugares.
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El diseño del piso, con la rosa de los vientos y la referida frase, fue una concepción del artista plástico brasileño Cícero Dias.
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El enorme vacío del Largo, solamente ocupado en días de grandes eventos –shows que movilizan una masa disforme y temporaria de personas–, pasó a ser la representación urbanista más fiel de la idea empresarial del Plan de Revitalización del Barrio del Recife Antiguo al alterar la imagen del Barrio, transformándolo en un “espacio público para reunión y espectáculo"10. La reforma del Marco Cero tuvo dos objetivos fundamentales. Primero, imprimir en el Barrio una imagensímbolo de la propia reconquista de una zona que ya fue, en el pasado, una de las más importante de la ciudad de Recife. La reforma marcaría esa reapropiación de un área histórica, cuyo patrimonio cultural estaba siendo igualmente redescubierto y revalorizado. Segundo, la reforma venía a suplir una deficiencia del lugar: la falta de un espacio amplio para eventos de gran porte. Inicialmente, los usos diurnos del Largo fueron visiblemente perjudicados por la imposibilidad de permanencia en un espacio desprovisto de protección ambiental contra las soleadas mañanas del nordeste brasileño. Por la noche, los grandes eventos masivos fueron naturalmente transferidos al Largo, que pasó a abrigar una multitud sin los trastornos usuales de los otros Polos. Durante esos eventos, una vez más se colocaban los caballetes que lograban ser eficaces para desviar el flujo del tráfico de automóviles (la Avenida Alfredo Lisboa, que pasa por el Largo, es una de las principales vías axiales del Barrio) y también para demarcar los límites de acceso a los vendedores ambulantes. En el Largo pudieron verse los habituales frecuentadores del Buen Jesús, los usuarios del Polo Moneda, los personajes liminares del eje Marqués de Olinda-Río Branco (incluyendo prostitutas), los estratos más bajos que tienen en esos eventos su oportunidad de frecuentar el Barrio, bandas de jóvenes, turistas, familias, personas mayores, niños, chicos de la calle, pequeños vendedores de la Calle del Buen Jesús y probables habitantes de la Comunidad Nuestra Señora del Pilar. Finalmente, todos los ruidos visuales (ennoblecidos o contraennoblecidos) que, en el Largo, perdían naturalmente esa característica conflictiva y se volvían simplemente diferentes personas que usaban el lugar.
En el amplio espacio del Largo las sociabilidades eran marcadas por el clima de fiesta. Algunas parejas bailaban, otras personas solamente asistían a los shows. Era común que sus
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Agencia de Desenvolvimento Econômico do Estado de Pernambuco-AD/DIPER. Plano de Revitalização–Bairro do Recife. Planificação Urbana e Economia, vol .1. Recife, 1992: 37-39.
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frecuentadores se mezclasen con facilidad, hecho que difícilmente ocurría en los otros Polos del Barrio. En noches normales, sin la agitación de los eventos, el Largo desempeñaba en el Barrio del Recife Antiguo el papel de mantener la ciudad abierta. Bien iluminado y espacioso, aunque hubiese perdido en el tiempo diurno las posibilidades de permanencia, por la noche el Largo ganó un atributo que antes no tenía: el de ser un espacio sin fronteras definidas, donde simplemente se podía deambular sin recurrir al consumo como en el Polo ennoblecido del Buen Jesús. La escala ampliada del Largo imprime una sensación de vacío y alejamiento que, en cierto modo, dificultan los contactos más próximos entre las personas, reforzando la funcionalidad ecléctica de la organización del espacio urbano y arquitectónico haussmaniano de la “París” brasileña.
En el Barrio del Recife Antiguo, a despecho del carácter monumental del eclecticismo y del enorme vacío que se formó en el Largo del Marco Cero, los usos y contra-usos sociales subvirtieron aquel escenario ennoblecido. Quizá exactamente por haber sido transformado en esa enorme escena para eventos grandiosos de entretenimiento, el Largo pasó a ser objeto de manifestaciones sociales y políticas de la ciudad, volviéndose uno de los espacios más centrales y de mayor visibilidad pública del Barrio que, a su vez, ya se había transformado en un espacio central de Recife. Al abrigar actos públicos de significativa carga simbólica, el Barrio, a través de su Largo, revelaba la más contundente subversión del uso: el que se extendía más allá del consumo y el ocio y alcanzaba la dimensión propiamente política de la ciudad. El antiguo Barrio del Recife nunca tuvo un espacio político central para manifestaciones públicas, exceptuando los movimientos huelguistas de los trabajadores del puerto. Los grandes actos públicos y las marchas de protesta generalmente sucedían a lo largo de la Avenida Boa Vista y terminaban en la llamada Plazoleta del Diario, lugar en donde se sitúa la sede del Diario de Pernambuco. Las manifestaciones que allí ocurrían se aseguraban, así, su divulgación por el periódico más importante de la ciudad. Había, por tanto, una elección estratégica en razón de la visibilidad que el lugar representaba para la esfera pública. Sin embargo, con el proceso de gentrification del Barrio, que resultó en la creación de un área de visibilidad pública, hubo también un desplazamiento de la esfera de la vida política de la ciudad hacia ese espacio central. De la misma forma en que pasó a tener una variada programación de eventos, el Largo del Marco Cero también abrigó diversos actos públicos. En noviembre de 2000 27
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se realizó un culto ecuménico de repudio al antisemitismo, que reunió a las iglesias Episcopal Anglicana, Presbiteriana, Bautista y Luterana, además de representantes de la Congregación Israelita Paulista11. El evento fue un pedido público de perdón a los judíos y tuvo al Marco Cero como lugar escogido no sólo por estar próximo al predio donde existió la primera sinagoga americana, sino por ser ese espacio que refleja y amplía la visibilidad de los acontecimientos que en él ocurren. Manifestaciones que mezclan fiesta y acto público también empezaron a ocurrir en la “escena-arena” del Marco Cero. El acto público llamado “Día del ¡Basta! Quiero Paz” reunió a una multitud de manifestantes a pesar de la lluvia. Organizado por ONGs con el apoyo de la prensa local, el hecho congregó a la gente en un acto ecuménico precedido por un festival artístico y cultural que contó con la participación de grupos que normalmente se presentaban en la Calle de la Moneda (Kerosén Caimán, Maestro Salustiano, Jorge Cabellera), además de improvisadores y otros invitados. El acontecimiento tuvo, obviamente, una gran repercusión en la prensa local. Los primeros actos, manifestaciones y rituales públicos fueron los indicios preliminares de una reconquista práctica y simbólica del Barrio, cuyas fronteras y usos ya anunciaban que difícilmente se mantendría como un mero espacio de consumo y ocio, socialmente aséptico y despolitizado. El Plan de Revitalización se había propuesto transformar al Barrio del Recife Antiguo en un “espacio de ocio y diversión” a través de la creación de un lugar que promoviese “la concentración de personas en las áreas públicas creando un espectáculo urbano”. Lo logró. Pero quizás no esperaba que ese espectáculo también posibilitase prácticas sociales relacionadas con agendas políticas. Pretendió, y de la misma forma fue exitoso, promover la “Recuperación de la imagen del Barrio” y la “Manutención y valorización del patrimonio ambiental y cultural”12. Pero tal vez no haya imaginado que los usos del Barrio fueran a imprimir en esa imagen y en su patrimonio significados que sobrepasarían los límites del embellecimiento estratégico de las políticas de gentrification. El urbanismo empresarial parece olvidar que una ciudad está hecha de personas: “...es necesario pensar en personas utilizando y transformando los espacios en que viven. Los paisajes vacíos pueden ser engañosos” (Arantes, 1997). 11
Diário do Comércio, Recife, 14 de noviembre de 2000.
12 Agencia de Desarrollo Económico del Estado de Pernambuco-AD/DIPER. Plan de Revitalización - Barrio de Recife. Planificación Urbana y Economía vol.1. Recife, 1992: 37-39
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La propuesta de “revitalización” del Barrio del Recife Antiguo fue un punto común en la agenda del Partido del Frente Liberal (PFL) y del Partido del Movimiento Democrático Brasileño (PMDB) en Pernambuco. La alianza entre los dos partidos viabilizó la candidatura de Jarbas Vasconcelos al Gobierno del Estado, a cambio de su apoyo a la reelección del entonces Prefeito de la capital, Roberto Magalhães. La reforma del Barrio era una vidriera política del PFL, que intentaba consolidar su imagen y hegemonía política en una capital que siempre había sido el reducto de la izquierda en el Estado. La aproximación entre Jarbas y Joaquim Francisco (PFL) permitía asegurar la continuidad del proyecto de “revitalización” y por otra parte alteró el cuadro sucesorio en Pernambuco, desbancando a Miguel Arraes de su tentativa de reelegirse gobernador por tercera vez. Elegido gobernador en 1997, Jarbas retribuyó el apoyo a Roberto Magalhães en la elección para Prefeito en el año 2000, sellando la alianza PFL-PMDB. Sin embargo, el resultado fue un duro golpe para las pretensiones del PFL de mantenerse en el poder y para la creencia de que Jarbas era imbatible en la capital del Estado: quien ganó las elecciones municipales fue el Partido de los Trabajadores (PT) con João Paulo, en pleito muy disputado pero en el medio de un proceso en el cual el PT –el Partido del actual Presidente Lula- capitaneó los votos en muchas ciudades importantes, consolidándose desde el punto de vista electoral en el ámbito nacional. En la edición del día 30 de octubre de 2000 el Diario de Pernambuco anunciaba en primera página: “Recife, Una Ciudad Roja”. La noticia daba cuenta de que el PT había conmemorado su victoria justamente en el Largo del Marco Cero. En un ritual de apropiación simbólica de la ciudad, los militantes y simpatizantes del partido, juntamente con el alcalde elegido João Paulo, ocuparon todo el Barrio, que quedó pequeño para la cantidad de gente que compareció en el lugar. Vestida de rojo y al ritmo de un trío eléctrico, la multitud ocupó la zona del Marco Cero y su entorno en una ruidosa manifestación pública de reconquista política de un espacio que fuera reformado por el PFL y constituido como ícono de una ciudad ennoblecida. Este acto público, con todas las características de una fiesta del pueblo, fue el mayor ruido visual que el Barrio pudo haber tenido. Con el carácter central que ganó el Barrio al transformarse en uno de los espacios de mayor
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visibilidad pública de la ciudad, la conmemoración del PT reafirmaba una tendencia ya observada antes: el Barrio del Recife Antiguo como un todo, y en particular el Marco Cero, se convirtieron en un espacio para la representación pública de diferentes visiones del mundo y de legitimación para distintas reivindicaciones. Como buena parte de las manifestaciones que pretenden inscribir nuevos sentidos a ciertos espacios de la ciudad, la conmemoración del PT fue una forma de ritual público de construcción de un espacio de significación. Como resalta Antonio Arantes: “...las manifestaciones públicas del conflicto social no eclosionan en cualquier calle, en cualquier plaza, en cualquier día u horario. Ellas buscan, en cambio, lugares y ocasiones determinadas: aquellas que se presentan como adecuadas desde el punto de vista de las significaciones que encierran y de la producción de nuevos significados que ocasionan” (Arantes, 2000:102). La reconquista de la ciudad representada por el Marco Cero no sucedió solo por ser éste un espacio físicamente apropiado para la reunión de un gran número de personas. Más que eso, el Largo pasó a condensar los sentidos de pertenencia de sus usuarios. La frase irónica de un militante sintetizaba bien el sentido que marcó la elección del Largo como lugar para la manifestación. Parafraseando la expresión inscripta en el piso del Marco que destacaba la exaltación de una identidad regional (“Vi el mundo... comenzaba en Recife”), él dijo: “Vi Recife y él comenzó con la victoria del PT”13.
El proceso de gentrification del Barrio del Recife Antiguo no resultó en una única forma de recuperar el sentido político de la ciudad. Aún sustrayendo de los usuarios (principalmente residentes antiguos) lo que pasó a presentar a observadores (Certeau, 1998), el desalojo de los sujetos no implicó la supresión de una vida pública. Es en esta dirección que me gustaría proponer que el modo como esos observadores pasaron a tener importantes interacciones con esos marcos ennoblecidos hizo subsistir una sociabilidad pública, marcada por una nueva lógica interactiva, construida desde las demarcaciones espaciales de la diferencia, las que resultaron en actos (públicos, colectivos o no) de apropiación de lugares.
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Diario del Commercio, Recife, 31 de octubre de 2000.
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Lugares Las fronteras que demarcaban los espacios del Barrio del Recife Antiguo pasaron a guardar estrecha relación con los usos predominantes que les calificaban como lugares. Por lugar comprendo una determinada demarcación física o simbólica en el espacio, cuyos usos lo califican y le atribuyen sentidos convergentes, orientando acciones sociales y siendo por éstas delimitado de manera reflexiva. Un lugar es, así, un espacio de representación cuya singularidad es construida por los “territorios de la subjetividad” (Guattari, 1985) mediante prácticas sociales y usos semejantes. En el Barrio del Recife Antiguo, pese a la existencia de usos diversificados y representaciones disonantes sobre cada uno de sus espacios, había una convergencia de sentidos en cada uno de ellos: la Calle del Buen Jesús era típicamente un lugar de consumo, la Calle de la Moneda un lugar de fuga y refugio, la Comunidad Nuestra Señora del Pilar un lugar predominantemente de refugio y vivienda. Los lugares urbanos tienen fronteras, pero ellas no son necesariamente fijas y mucho menos dadas: son construidas socialmente y negociadas cotidianamente con otros lugares en el complejo proceso de interacción pública a través del cual se afirman sus singularidades, emergen conflictos, disensiones y, eventualmente, acuerdos. Una convergencia de sentidos es así la condición necesaria para que un espacio se transforme en lugar. Dicha convergencia no implica necesariamente un acuerdo, pero sí una posibilidad de entendimiento. En términos generales, podríamos decir que el acuerdo se refiere al producto final de una interacción racional, sea ella resultante de una “acción comunicativa” o de procesos políticos de construcción de hegemonías. Por el contrario, lo que llamo aquí una posibilidad de entendimiento es ante todo el propio proceso constitutivo de convergencia de sentidos. Para que haya sentidos compartidos es necesario que ocurra un entendimiento mínimo sobre lo que representa un lugar y sobre los códigos culturales que lo califican.
La coexistencia de los lugares en situaciones de espacio compartido, como en el caso del Barrio del Recife Antiguo, induce a contextos que tienden a la necesaria formación de espacios públicos. Toda vez que los lugares no existen por sí mismos, pero se estructuran internamente a través de experiencias y subjetividades compartidas, mantienen una singularidad e integridad de las 31
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identidades de tribus mediante la contraposición. En otras palabras, aunque signifiquen una demarcación social que estría los espacios de la ciudad, necesitan contraponerse a otros lugares, en la afirmación pública del reconocimiento de su propia existencia y singularidad. De hecho, cuando en un espacio convergen muchas representaciones disonantes a través de una nodemarcación de lugares o la coexistencia de diferentes lugares –que implican distintas concepciones del mundo y reivindicaciones de validez–, la visibilidad social se vuelve políticamente necesaria para que esas distintas representaciones, como lugares, afirmen su singularidad como diferencia. Esos lugares, como sugiere Martín-Barbero, más que anhelar ser representados demandan ser reconocidos: “(...) volverse visibles socialmente, en su diferencia” (Martín-Barbero, 2000: 45). Las contiendas, que inciden sobre las demarcaciones sociales urbanas y disuelven las condiciones de entendimiento en dirección a una búsqueda del reconocimiento, pueden resultar tanto en un enfrentamiento político más elaborado como en una mera contraposición de estilos de vida, marcados por las formas cotidianas de códigos rituales de conducta. En ambos casos son establecidas las bases políticas de los usos públicos de los espacios de la ciudad.
La confluencia entre las sociabilidades comunitarias y sus lugares no sólo es necesaria –para afirmar públicamente las diferencias que necesitan ser reconocidas (Martín-Barbero, 2000)–, sino imprescindible para la propia demarcación social y espacial de los lugares. La forma binaria y contrastante subsiste (pertenecer o no pertenecer, compartir o no compartir) como mecanismo que opera la distinción entre identidades (Woodward, 2000). Por lo tanto, siempre debe haber la posibilidad real de una convergencia de sentidos en la formación interna de los lugares, al mismo tiempo en que es igualmente necesario que los valores, sentidos y acciones que delimitan y configuran los lugares puedan tener una existencia que exteriorize los lugares como modo de atender a las demandas de visibilidad y legitimidad públicas. Esa existencia externa implicaría el desplazamiento táctico de las sociabilidades internas que caracterizan ciertos lugares hacia otros espacios en los que la visibilidad y confrontación públicas permitiesen que esas sociabilidades se afirmasen. En otras palabras, los lugares necesitan de un espacio social que les trascienda y les cuestione.
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De los Lugares al Espacio Público
Una primera sugerencia analítica para comprender la naturaleza pública de la vida urbana contemporánea, consecuente con el caso del Barrio del Recife Antiguo, es que no se tome el espacio público como dado. Él no antecede acciones y espacios, sino que se constituye en el curso de esas acciones que atribuyen sentido y crean lugares en los espacios de la ciudad. Una de las principales consecuencias de esta premisa sería la necesidad de desmembrar las categorías analíticas del debate sobre el posible carácter vano del “espacio público”. ¿Al final, de qué espacio se habla? Parte de las ponderaciones en torno del concepto de espacio público no se refieren a una única problemática: diferentes abordajes tratan el tema con por lo menos tres distintas connotaciones: como espacio urbano abierto de propiedad pública del Estado (Public Property); como espaciosigno de las relaciones entre representaciones y poder que estructuran paisajes urbanos (Semiotic Space); y como esfera pública (Public Sphere) en la que los individuos como ciudadanos, políticamente enrolados, pueden ver y ser vistos, y viven bajo formas de solidaridad social (Gulick, 1998: 136).
Parte del debate contemporáneo sobre “espacio público” retoma la crítica social como principio analítico para reafirmar la necesidad de la constitución de esos “espacios” como instancias en las cuales los derechos sociales puedan ser reconocidos, en una perspectiva en la que la ciudadanía supone la existencia de una sociabilidad basada en el reconocimiento de los diferentes valores e intereses de la sociedad. Varios autores han destacado justamente esas dimensiones conceptuales que articulan la noción de ciudadanía con la existencia de los espacios de sociabilidad pública, en contextos de democratización. Sea tomando el “espacio público” como esfera –como “arena” o “escenario” de debate, visibilidad y negociación– o como espacio urbano, el debate retoma los grandes temas relativos al carácter liberador de la vida pública y a la permanente relación de lo público y de lo privado, remitiendo la discusión al árido terreno del debate sobre la existencia de un patrón de civilidad que supere la miseria, la exclusión y el autoritarismo. El principal foco de los abordajes que tratan el “espacio público” como esfera pública recae en las formas de participación política y organización de la sociedad civil al interior del debate sobre democracia y 33
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construcción de la ciudadanía, como por ejemplo en los análisis de Paoli & Telles (1998), Dagnino (1998) y Costa (2002).
De forma semejante, los análisis que utilizan el término “espacio público” como espacio urbano desarrollan, en la otra punta del debate, el mismo foco analítico en torno a temas semejantes: centrándose en la dimensión espacial de la desigualdad social, estos análisis recuperan el sentido de lugar y la dimensión pública del espacio urbano, traducidos en las distintas formas de ocupación de los espacios de la ciudad, en la construcción de los territorios urbanos y de los lugares políticos que expresan las demandas de ciudadanía, como proponen los estudios de Caldeira (1997), Magnani (1998) y Arantes (2000). Aunque sea posible tomar como complementarias las nociones de esfera pública y espacio urbano, creo que es necesario, sin embargo, señalar ciertas características que cualifican a una determinada calle como espacio público. La idea de una calle como “espacio complejo de la ciudadanía” supone que el espacio urbano sea no sólo una “arena” –donde diferentes intereses se vuelven públicos– sino también que pueda estructurar las propias demandas que la ciudadanía reclama. En este caso se entiende que una noción de espacio público requiere, para cualificar como públicos determinados espacios urbanos de la vida contemporánea, una inserción de conceptos de doble vía entre espacio y sociabilidad pública. Implica, por lo tanto, relacionar dos procesos interdependientes que concurren simultáneamente en una única dirección: la construcción social del espacio, como producto y productor de prácticas sociales; y la construcción espacial de la sociabilidad pública, como producto y productor de las dimensiones espaciales de la vida social.
Los abordajes clásicos como los de Hannah Arendt y Jürgen Habermas tratan esa doble inserción de modo diferenciado. Para Arendt, las experiencias públicas compartidas en un “mundo común” son constitutivas de la noción de vida pública, cuya esfera pública es mucho más que el lugar de visibilidad de lo real: es el lugar de la “excelencia humana”, en la medida en que permite al hombre conocerse y afirmar su existencia, superando la “privación” de no poder “realizar algo más permanente que la propia vida”. Lo “público”, añade, es en primer lugar lo que “puede ser visto y oído por todos”(Arendt, 1987: 67). 34
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En Arendt, la esfera de la vida pública como “espacio potencial” de la elocución y de la acción se caracterizaría por la experiencia socialmente compartida, de la que resultan las acciones humanas, independientemente de los lugares donde esas acciones se estructuran. Esta concepción de una “esfera” privilegiada para las interacciones públicas es recobrada en otra perspectiva de análisis: en el abordaje de Habermas (1998), quien califica la esfera pública como espacio social generado en la interacción comunicativa. Retomando parte de la tesis central de su Teoría de la Acción Comunicativa, Habermas define la esfera pública como un dominio de la vida social en el que la opinión pública es formada y cuyo “espacio”, compartido subjetivamente, posibilita a los agentes reivindicar de modo comunicativo las pretensiones de validez14. La concepción de Habermas respecto de un espacio social para el (y del) actuar comunicativo refiere a contextos de la acción y no a configuraciones espacio-temporales concretas. Como Arendt, la noción de esfera pública en Habermas también reafirma el principio de la interacción sobre el de la localización. Como esa interacción a la que se refiere Habermas es comunicativa, cuyas subjetividades son compartidas por las situaciones de elocución, la formación de ese espacio social es construido por el lenguaje como una categoría ontológica del actuar comunicativo. En rigor, la esfera pública prescinde, de hecho, de alguna localización espacial, en la medida en que su principal característica se relaciona con las acciones de los agentes comunicativos. El ámbito de esta sociabilidad pública no es el espacio urbano aunque en él pueda esporádicamente constituirse. Aunque califiquen políticamente la esfera pública como un “espacio” potencial de interacciones, Arendt y Habermas superan –cada uno a su manera– el discutible abordaje que considera la existencia a priori del espacio público, cuyos desdoblamientos en los estudios sobre urbanismo terminan por tornar equivalentes los términos espacio público y espacio urbano abierto. En la otra punta del debate, el análisis de Sennett (1998) sobre la sustitución de la cultura pública por la ideología de la intimidad permite analizar otros aspectos de la cuestión. A pesar de hacer una crítica a la sociedad intimista y defender abiertamente los usos públicos de la ciudad, Sennett no aclara si lo que llama “espacio público muerto” es causa o consecuencia de la formación de territorios en el espacio urbano, lo que, en su análisis, culmina en la “atomización” de las 14
Quizás en uno de los raros textos en los que Habermas sintetiza de modo claro y directo su concepto de esfera pública, es destacado ese aspecto relativo a la formación de la opinión pública: “By public sphere we mean first of all a domain of our social life in which such a thing as public opinion can be formed. Access to the public sphere is open in principle to all citizens. A portion of the public sphere is constituted in every conversation in which private persons come together to form a public”. (Habermas, 1997: 105)
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ciudades. Sennett afirma, inicialmente, que la impersonalidad de la vida pública es una de las razones por las cuales los
individuos se refugian en los territorios personales o comunidades
destructivas (Sennett, 1998:29). Pero enseguida afirma que la formación de la Gemeinschaft vació el espacio público (Sennett, 1998: 320). El problema es que solamente sería posible entender el aislamiento social como consecuencia, en la forma de las comunidades destructivas, si considerásemos la posibilidad de existencia anterior de un espacio público “muerto” y sin una cultura de la vida pública. ¿En qué sentido es posible hablar de la existencia de un espacio público sin cultura pública, sin interacciones, solo marcado por el aislamiento, donde el temor de una vida impersonal vacía la ciudad y tiraniza la intimidad en la forma de “celebración de los guetos”, de la formación de tribus sociales y del rechazo del desconocido como intruso? ¿Un espacio desprovisto de interacciones (conflictivas o no) continúa siendo un espacio público o se vuelve sólo un espacio urbano atomizado?15 El diagnóstico de Sennett tiene la pretensión de generalidad: no se refiere a contextos específicos, aunque trate indirectamente aspectos de la vida londinense y neoyorquina, pero habla de una supuesta decadencia del Public Man. Con Sennett no es posible caracterizar cuando un espacio urbano puede tornarse (o dejar de ser) un espacio público. Por permitir que se denomine cualquier espacio urbano como “espacio público” (muerto o no) y que se continúe llamándolo así aún cuando dejen de existir las formas de interacción pública, el esquema analítico de Sennett no propone una clara distinción entre espacios urbanos que pueden ser potencialmente espacios públicos de otros que tienen pocas oportunidades de serlo, como en el caso de las calles urbanas que son “privatizadas” para dar acceso exclusivo a sus residentes, o las calles y lugares “públicos” que por falta de infraestructura son poco utilizados o aún ciertas vías urbanas como anillos viales, puentes y viaductos. De la misma forma que la noción de esfera pública sugiere un predominio de la acción sobre el espacio, la noción de espacio urbano opera justamente al contrario. Pero no estará de más recordar que en una calle, a pesar del flujo continuo de personas en movimiento, la ausencia de 15
Sobre ese punto, Sennett ejemplifica su idea desde el patio “público” de Brunswick Centre, en Londres, cuyo planteo arquitectónico tendría como función separar el predio de los transeúntes de la calle, inhibiendo cualquier forma de interacción entre las personas. En el límite de su crítica a los espacios públicos de paso, Sennett llega a comparar la calle urbana al espacio público de pasaje por excelencia, aunque en ella no exista sobrevenida de cultura pública (Sennett, 1998: 26-28).
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acciones relacionadas con la interacción pública de diferentes puntos de vista hace que no exista una caracterización política que pueda distinguirla como espacio público. No obstante, es válido pensar la calle como un segmento del espacio urbano potencialmente relacionado con las experiencias públicas, en contraposición a la esfera de la vida privada, aun cuando cada vez más estas dos esferas se entrelazan en la vida moderna. Así la separación entre estos espacios de la vida social presenta frecuentemente áreas de confluencia que rediseñan las fronteras entre lo público y lo privado, cuyas configuraciones elaboran, como sugiere Arantes (2000), “referenciales espacio-temporales flexibles”. La calle es ante todo, por lo menos por definición, un espacio urbano de carácter predominantemente público, en el sentido de Public Property o propiedad pública del Estado (Gulick, 1998). En ella puede instituirse lo que Holston (1993) llamó un “sistema de espacios públicos” al referirse al desglose de calles y esquinas de la moderna arquitectura de Brasilia que elimina esos “puntos de convivencia social” cuya dimensión cotidiana se expresa (también) en las relaciones primarias de vecindad. La existencia per se de calles y esquinas animadas no es, así, condición suficiente, aunque necesaria, para instituir –en el espacio urbano– un espacio público. La obstrucción privada de las calles puede inhibir la construcción de su sentido público, pero su desobstrucción no garantiza necesariamente que en ella se desarrollen usos y prácticas capaces de diferenciarlas como espacio público. Siguiendo el mismo razonamiento, la temporaria suspensión de actividades sociales en una calle tampoco significaría la ausencia de esa característica pública, sino tan solo la suspensión de ciertas sociabilidades en algunos días u horas. Pienso, en este caso, en aquellas zonas típicas de las grandes concentraciones públicas como el Valle de Anhangabaú en São Paulo, o la Plazoleta del Diario en Recife, que en días “normales” parecen sólo una vía pública cualquiera, aún cuando retienen unas significaciones diferentes para la población al representar lugares políticos. Es en este sentido que, al analizar las transformaciones del espacio público paulistano, Arantes (2000) enfoca las dimensiones políticas y culturales de la producción social del espacio, argumentando con Schechner (1993) que las manifestaciones de una sociabilidad pública no ocurren en cualquier calle, sino en ciertos espacios que tienen significaciones para los actores involucrados. Más que un simple “escenario” para determinadas prácticas sociales, el espacio se vuelve reflexivo: gana significación por las acciones y les es constitutivo.
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La circunstancial relación causal entre esfera pública y espacio no torna menos admisible la premisa contraria: el espacio puede ser, en ciertos casos, más que una simple contingencia para la estructuración de las sociabilidades públicas. El espacio puede llegar a ser, en los casos en los que los agentes se reconocen por los significados comunes por ellos atribuidos, en factor de comprensión de la constitución de la propia esfera pública, en la medida en que ciertas dimensiones espacio-temporales inciden sobre los motivos de las acciones públicas. No por casualidad el Largo del Marco Cero, en el Barrio del Recife Antiguo, fue también el lugar que pasó a abrigar actos públicos y manifestaciones políticas. Además de haberse convertido, incluso a consecuencia de su escala, en un espacio propicio para las aglomeraciones urbanas, el Largo retenía un sentido común para la Ciudad de Recife: era su hito cero, punto de origen, de llegada y de partida. Tal vez esa reminiscencia común haya sido la única sobrevenida de una experiencia más ampliamente compartida de entendimiento (típica de los lugares) que se mantuvo en el Marco Cero. Y, como consecuencia de esa eficacia genérica, el Largo posibilitó que la convergencia de diferentes sociabilidades tradujese ese entendimiento en disensiones públicas (típica de los espacios públicos), diferenciando los lugares y el espacio público: dos categorías que igualmente presuponen una existencia reflexiva entre espacio y acción. Me gustaría, por lo tanto, sugerir que una noción de espacio público, construida desde la confluencia entre los conceptos de esfera pública (de la cual retira la categoría acción) y de espacio urbano (del cual retiene la referencia espacial), necesitaría contemplar las relaciones de reciprocidad causal entre la construcción social del espacio y la localización espacial de las acciones sociales. De la relación entre espacio y acción, las prácticas interactivas (acciones) atribuyen sentidos a los lugares (espacio), que, a su vez, aportan a la estructuración de esas acciones, promoviendo la confluencia entre el espacio urbano y la esfera pública, estructuras conceptuales de las que la noción de espacio público retira sus principales categorías. Aunque se constituya en el espacio urbano, es posible entender el espacio público como algo que traspone la calle; como un conjunto de prácticas que se estructuran en un cierto lugar: como espacio social, un espacio público no a priori sólo como calle (que por el contrario, es siempre calle, vacía o no), pero que se estructura por la presencia de acciones que le atribuyen sentidos. Aunque distintas, las nociones de espacio urbano y esfera pública tienen aspectos confluentes: 38
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aunque una Public Sphere no se limite a una determinada configuración física (cuando es mediática o virtual, por ejemplo), puede estructurarse en un espacio urbano específico como una calle o una plaza. Aunque no sea per se un lugar de interacciones y reivindicaciones públicas (sean reivindicaciones de validez, ideológicas o instrumentales), el espacio urbano (Public property) puede llegar a constituirse en una Public Sphere cuando a su espacio le son atribuidos sentidos (tornándolo un lugar) para las reivindicaciones en curso. En este caso se entiende que determinadas reivindicaciones públicas guarden relaciones con los lugares sociales en las que se estructuran. Por lo tanto, una noción de espacio público que no considere las prácticas interactivas entre los agentes involucrados en la construcción social de su espacio estaría simplemente refiriéndose al espacio urbano; así como la noción que prescinde de una referencia espacial para las acciones interactivas entre los agentes podría llamarse esfera pública, en la medida en que, como acertadamente subraya Costa (2002): “a pesar de la metáfora social que sugiere, equivocadamente, la existencia de una localización específica en la topografía social, la esfera pública se refiere más propiamente a un contexto de relaciones difuso en el cual se concretan y se condensan los intercambios comunicativos generados en diferentes campos de la vida social” (Costa, 2002: 12). Conclusiones Un espacio público, como categoría sociológica de la vida política de una ciudad, se estructura por la presencia de acciones que atribuyen sentidos a ciertos espacios urbanos. La dimensión propiamente conflictiva es, pues, inherente a la estructuración del espacio público en la medida en que éste puede ser traducido como el espacio del discurso, de la acción política y de la diferenciación. Si este presupuesto teórico es correcto, es posible hablar de la existencia o no de espacios públicos en áreas de gentrification desde las contiendas por la construcción de los diferentes lugares sociales, que en esos espacios pueden estructurarse como formas de exteriorizar las posibilidades de refutación y discordancia.
En el caso aquí propuesto se observa que el Barrio del Recife Antiguo, aunque ennoblecido, no permaneció inmune a las diferentes formas de apropiación política de su entrecortado espacio. Conflictivas identidades pasaron a coexistir en el mismo espacio, reinterpretando el Barrio desde disonantes representaciones que las personas construían sobre sí mismas, sobre los otros y sobre 39
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sus propias nociones de lugar. El hecho de haber un rígido control del acceso a las calles revitalizadas no evidencia necesariamente la ausencia de un espacio público, sino tan solo de restricciones a los usos del espacio urbano. Esta segregación, solamente cuando es acompañada de una pasiva aceptación de los excluidos, caracterizaría una muerte de hecho del sentido político de la ciudad, evidenciando la supresión del carácter público y político de la calle como espacio público.
Siguiendo el concepto de espacio público aquí sugerido, la dimensión propiamente pública de esas zonas ennoblecidas estaría implicada si las posibilidades de refutación y discordancia fuesen eliminadas con el exceso de segmentación urbana. No bastaría, así, conque esas posibilidades de discordancia sean minimizadas (como de hecho lo son) por el exceso de control y vigilancia de los usos segmentados de la ciudad, sino que se necesitaría, para suprimir el espacio público, que esas posibilidades fueran completamente extinguidas. Sin embargo, difícilmente podría ocurrir una eliminación completa, por el simple hecho de que eso implicaría la supresión radical del espacio urbano por el espacio privado. Las propuestas de ennoblecimiento, a pesar de las semejanzas, no podrían ser nunca condominios cerrados porque se nutren de la idea nostálgica de una calle verdadera, aunque virtual, en su limpieza, seguridad y armonía: una especie de calle desprovista de sus “enemigos”, casi una extensión de la propia casa (Leite, 2003). Por lo tanto, la fragmentación del espacio urbano en diferentes lugares no elimina necesariamente el sentido público de la vida urbana, pero lo modifica en la proporción en la que esa cartografía pública se vuelve compleja. Para convertirse en locus de la igualdad de derechos y de la libertad política, el espacio público debe soportar también las asimetrías de elocuciones y participación, que reflejan muchas veces las formas desiguales de inserción social de los agentes involucrados. Al contrario de perder su prerrogativa política con la discordancia, el espacio público se constituye desde las diferentes posibilidades de refutación, cuya igualdad de habla es constantemente reivindicada. Es en este sentido que podemos sugerir que las calles “revitalizadas” del Barrio del Recife Antiguo se volvieron espacios de contienda y pasaron a retener una dimensión predominantemente pública, en la medida en que la permanencia (o no) de las personas se transformó en una forma de pertenecer al Barrio y, consecuentemente, de tener derechos reconocidos. El Barrio del Recife Antiguo como un todo, y el Marco Cero en particular –como icono de la propia “revitalización” del Barrio– se volvieron un espacio público al convertirse en un espacio de lugares, que a través 40
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de su coexistencia realiza una afirmación pública de su propia existencia y singularidad.
La discordancia, pues, no elimina la prerrogativa política del espacio público sino que la anima. El sentido público de los espacios urbanos resulta también de la confluencia de diferentes lugares y sociabilidades que instalan posibilidades de negación y discordancia, cuya igualdad de habla es constantemente desafiada. La sociabilidad pública, en este sentido, comprende tanto las prácticas interactivas a través de las cuales las personas comparten experiencias comunes, como la afirmación de sus diferencias a través de distintos espacios de relaciones sociales construidos desde las distintas demandas y sentidos de pertenencia y reconocimiento. Así, tendría sentido pensar en la concepción de espacio público también desde la constitución de esas diferencias que no sólo se estructuran en los lugares, sino que crean una dinámica interactiva a través de la cual dialogan entre sí en el ejercicio cotidiano y público de la afirmación de las diferencias culturales y de las relaciones de poder que reafirman y contestan desigualdades.
Bibliografia
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A Comercialização da Informação e do Conhecimento Rodolfo Coutinho Xavier16 Fernando Augusto Mansor de Mattos17 Introdução
O objetivo deste artigo é discutir o processo de comercialização da informação e do conhecimento nas sociedades capitalistas atuais, destacando o papel exercido pelas mesmas na acumulação de capital. Em primeiro lugar, pretendemos estabelecer alguns parâmetros teóricos para compreender o mercado das produções científicas legitimadas, um mercado que não segue a lógica dos bens comuns, tangíveis e tradicionais. Em seguida, investiga-se o caso concreto das bases de dados privadas, detentoras do poder de comunicação e atribuição de reconhecimento à pesquisa científica. Quando se usa a expressão Sociedade da informação, supõe-se que se quer dizer que se está mergulhado numa sociedade em que se produz e se vende muita informação, principalmente nas economias mais promissoras. Pode-se afirmar que as máquinas nada mais são que um conhecimento entranhado na matéria, e que o próprio conhecimento pode ser produzido, distribuído e comercializado, gerando preços, estoques e custos. Ademais, é inegável a expansão da bibliografia referente ao consumo, gestão, administração da informação. Retoma-se à teoria de Marx. É claro que aqui se percebe com toda a clareza a invasão do capitalismo sobre a esfera da produção, disseminação e uso da informação geradora de conhecimento, ou seja, sobre a superestrutura, entendida como o conjunto articulado das idéias jurídicas, políticas, econômicas, religiosas, filosóficas de uma dada classe dominante que predominam na sociedade. Contudo, é errado interpretar que o conhecimento só tem função ideológica dentro do sistema, pois seu papel é o de promover maior acumulação tanto no seu próprio mercado quanto
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Mestre em Ciência da Informação pela PUC de Campinas. Professor e pesquisador em Carreira Docente (regime de 40 horas) na PUC de Campinas. Atua no programa de pós-graduação em Ciência da Informação e no Centro de Economia e Administração da PUC Campinas. Mestre e Doutor em Economia pela UNICAMP.
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em outros de produtos e serviços não diretamente vinculados ao conhecimento, mas necessitados de informações em decorrência da concorrência. Também não se pode repetir o erro de alguns teóricos, – Sweezy e Baran (1966) – que, segundo Bolãno (2000), teriam colocado o serviço da comunicação e da informação como trabalhos improdutivos, ou seja, não geradores de acumulação de capital. Não se deve reduzir o mercado do conhecimento a ideologia, a superestrutura ou a um setor de escape da acumulação de capital, já excedente em outros ramos como a indústria bélica. Na verdade, Marx demonstra na sua clássica obra “O Capital” , apesar de não se ater diretamente ao mercado do conhecimento, que as comunicações são indispensáveis para o desenvolvimento da acumulação do capital, da venda da mercadoria, para vencer a esfera da circulação e realizar o lucro, pois não é possível que a produção consiga ser consumida sem a comunicação. É inegável também que a comunicação científica é parte imprescindível de todos os elos da cadeia produtiva do conhecimento, a produção, a transferência da informação e o uso por cientistas e pesquisadores: Garvey (1979) considera que a comunicação científica está envolvida tanto nas atividades de produção quanto de disseminação e uso da informação, em um processo que se inicia na concepção da idéia a ser pesquisada até o momento em que os resultados dessa pesquisa sejam aceitos pela comunidade científica (GARVEY, apud OLIVEIRA e NORONHA, 2006, p.2).
Ademais, esse pensador percebeu que o desenvolvimento técnico relacionado às comunicações era essencial à expansão e aceleração da acumulação de capital; pela redução do tempo de transportes e comunicação, os espaços são suprimidos e os mercados se ampliam: “o principal meio de abreviar o tempo de circulação é o progresso dos transportes e comunicações” (MARX, apud BOLÃNO, 2000, p.25). “Economia de tempo, a isto se reduz finalmente toda a Economia”. (MARX, apud DANTAS, 2002, p.7). Aplica-se a teoria marxista como faz Bolãno (2000), e chega-se às mesmas conclusões: os transportes e comunicações são fundamentais no processo de reprodução do capital, que expande e cria mercados de consumo e fatores de produção para além das proximidades das indústrias – como faz a indústria do conhecimento -, que produz um mercado que tem uma lógica econômica própria e especial, que pelo trabalho concreto e não apenas abstrato gera produto, mercadoria, valor de uso e de troca. (BOLÃNO, 2000, p.28). 45
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Nesse sentido, pode-se afirmar que apesar da imensa contribuição das novas tecnologias da informação e comunicação na era digital e virtual, com respeito à facilitação da comunicação científica e maior acesso ao uso dos pesquisadores do conhecimento, a rede mundial de computadores não produz conhecimento independente de uma cadeia produtiva real, com relações sociais entre produtores, distribuidores e usuários, os quais necessitam do tempo e do espaço reais para problematizar, interpretar e analisar situações e dados concretos,um tempo de reflexão: “O produto do conhecimento, fruto de idéias, deve ser documentado na rede e, assim, facilitar o seu acesso a outros sujeitos, mas não devemos esquecer-nos que a rede não permite a produção do conhecimento em si. O conhecimento surge de perguntas sobre as mais variadas situações, o que exige tempo de reflexão por parte do sujeito. O conhecimento é produzido a partir de análises, de interpretações de dados, o que pressupõe a reflexão. A rede pode ajudar numa fase da produção do conhecimento, em especial a coleta de dados, pois sua velocidade agiliza essa etapa. Porém, a indagação inicial requerida para a problematização do conhecimento, bem como a busca do significado para as respostas encontradas, só podem ser realizadas pelo sujeito produtor de idéias.”(BOSI apud BARRETO, 2005, p.121).
Isso não significa que os serviços prestados pelas bases de dados privadas e os provedores de acesso em linha sejam improdutivos, a saber, não geram riqueza. Atualmente, não se discute que qualquer serviço que satisfaça as necessidades da sociedade é uma atividade produtiva no âmbito Macroeconômico, como argumenta Hicks: “a razão pela qual as pessoas podiam persuadir-se de que somente as atividades primárias eram produtivas baseava-se em que a palavra produção, quando empregada em sentido restrito, sugere a obtenção de um bem material, extraído pelo homem da natureza. De fato, uma grande parte da produção econômica é composta de bens materiais diretamente originários da terra; mas, a produção de todas as utilidades necessárias à vida humana em sociedade não se completa apenas com esse tipo de bens. Os comerciantes não são originariamente responsáveis pela produção dos bens com que transacionam; todavia, o comércio desempenha a útil atividade de reunir e oferecer os bens em locais que melhor satisfaçam às necessidades dos consumidores.[...].Além disso, há numerosos trabalhadores que não estão diretamente ligados à produção de bens materiais. Os médicos, os professores e os atores são, todos eles, exemplos de produtores de serviços que satisfazem necessidades tão importantes quanto as proporcionadas por certos tipos de bens materiais. Eles contribuem com trabalho socialmente útil, são remunerados por suas atividades e devem, portanto, ser considerados como produtores, na ampla e correta acepção do termo.”(HICKS, 1960, p.p.43-44)
Não se pode aqui simplesmente aplicar o modelo marxista sem nenhuma ressalva ou reformulação. Deve-se orientar para aplicação adaptada dos conceitos fundamentais como mais valia e geração do valor, os quais não estão restritos à produção dos bens comuns. No momento, 46
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não existe modelo que possa mensurar quantitativamente o valor e a mais valia extraída dos bens do conhecimento, mas isso não significa que eles não existam, trata-se da maior mais valia e valor produzidos pelos trabalhadores do conhecimento, e apropriados pelo capital. Vários são os problemas de tornar a informação uma mercadoria: seu consumo não exclui ninguém pelo fato de alguém já estar utilizando-a, não pode ser dividida e nem especificada por consumidor, não se pode mensurar o seu valor antes mesmo de adquiri-la. Isso implica dizer que o conhecimento e a informação não excluem a aquisição de ninguém porque alguém está consumindo-os, pode-se conquistar alguma exclusividade de acesso à informação e conhecimento, mas ela será temporária e sempre estarão em domínio público, não se pode medir sua utilidade sem antes tê-los adquiridos. Outros pontos podem ser mencionados, como o fato de que ambos funcionam como custo fixo na empresa, pois depois de adquiridos podem ser usados freqüentemente, além da sua utilização ampliá-los, mas paralelamente eliminá-los. Todos esses fatores fazem do conhecimento e da informação algo de difícil comercialização, mas que incide decisivamente na produção capitalista. A informação é comunicável e de certo modo externa ao seu possuidor, mas o conhecimento é pessoal, singular e não transmissível. Cada nova informação é interpretada de modo diferente por diferentes pessoas, pois elas têm distintos graus e tipos de conhecimento. A aquisição do conhecimento depende da capacidade cognitiva do sujeito que o recebe. Além disso, produzir conhecimento exige intuição e criatividade do indivíduo, o que torna o conhecimento algo mais subjetivo e temperamental. A teoria do equilíbrio geral não é capaz de incluir, em si, os processos de inserção e assimilação da informação. A ausência do controle de sua distribuição, a atuação não-rival como se fosse um bem público, a falta de avaliação possível antes mesmo da aquisição, dificultam sua apreensão pelo sujeito. Mas a informação por si só não é útil, faz-se necessário um conhecimento a partir do qual a informação se torna útil. Assim, quem efetivamente pode aproveitar-se de uma informação é quem já possui um conhecimento prévio. Isso coloca os agentes econômicos em pé de desigualdade, uns com relação aos outros, além dessa defasagem levar muito tempo e dinheiro para ser suprimida (POSSAS, 1998, p. 03).
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Outra característica do conhecimento, intratável pela teoria ortodoxa econômica, é a cumulatividade. Quanto mais se conhece mais se está apto para adquirir novas informações, e produzir mais conhecimento. Quando se aprende coisas novas isso abre possibilidades de novos conhecimentos. Escolher conhecer alguns assuntos é não escolher outros, o que faz com que só possam ser retomados a partir de um gasto adicional. A dificuldade de transmissão e de aquisição do conhecimento torna essa mercadoria complicada de ser comercializada. Nesse sentido, o conhecimento tende a se concentrar num lugar específico, quem o detém consegue transmiti-lo em parte, especializações e pesquisas são promovidas localmente em instituições de ensino, hospitais, firmas, etc. Grande parte desse conhecimento não é traduzido em palavras. Tecnologia, mercados, fornecedores, consumidores, todos esses elementos fazem parte da pesquisa das empresas, o que as torna um imenso repositório de conhecimento. O conhecimento está nas organizações, as quais, com menor ou maior facilidade, transmitem e acumulam conhecimento no seu cotidiano. Crescimento, desenvolvimento e distribuição de renda dependem necessariamente da distribuição social do conhecimento, pois é esse processo disseminador que aumenta o poder aquisitivo da população. No que se refere à comercialização do conhecimento, do ponto de vista econômico ele é efêmero e passível de rápida obsolescência. Se não o utiliza ele se perde, além de quase na sua totalidade rapidamente se tornar obsoleto. Mercados e tecnologia mudam, o que exige mudança também no conhecimento, pois se alteram as situações em que é utilizado. A mercadoria informacional passa por uma cadeia produtiva assim como qualquer outra mercadoria. São variáveis independentes da sua função de produção: recursos humanos e materiais, de capital e financeiro. Todos esses insumos combinados devidamente e nas proporções adequadas produzirão a mercadoria informação. Cada um desses recursos gera um determinado gasto ou dispêndio na produção, o que sugere que a combinação que otimiza a redução de custos e desperdícios desses recursos é a que reduz o custo unitário da mercadoria e do estoque, por conseguinte, são bens que devem estar mais em circulação do que apenas armazenados para viabilizarem o lucro. Oferta, demanda, custo, preço e valor são temas inevitáveis quando se aborda o mercado do conhecimento. A informação é uma mercadoria simbólica, não se esgota com o seu consumo, 48
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sua transferência e aquisição sempre é compartilhada entre emissor e receptor, a duração e intensidade do seu consumo será determinada por sua qualidade e valor cultural, assim como a eficiência de seu suporte material. Como o produtor ou distribuidor nunca perde seu bem quando o dissemina, ele pode disponibilizar e vender a mesma informação quantas vezes quiser, mas a aquisição pela demanda depende de suas competências cognitivas, mesmo que a informação seja abundante, além de precisar que o consumidor a veja com relevância e utilidade para ser adquirida. Não há uma unidade de medida exata para quantificar uma informação, como existe para um bem material comum, tão pouco seu custo tem relação com o seu preço e com o seu valor. A produção da informação científica não segue a regra da dependência da demanda para crescer ou diminuir, o desenvolvimento da produção do conhecimento se dá independentemente de sua venda ou lucratividade, o que torna esse mercado mais complexo do que os demais, que dependem dele na criação de inovações tecnológicas. A disseminação da informação eletrônica pelas grandes bases de dados A Internet ainda continua sendo um campo de novas oportunidades de negócios, além de conter nela várias possibilidades novas de mercados, ajuda a baratear a busca por empregos e serviços, com maior facilidade e rapidez. A ausência de informação é um problema em todos os mercados. Ademais, a Internet estabelece novas bases para uma nova relação entre informações e empresas, conhecimento e bases de dados privados, tendendo a ampliar a produtividade. Os negócios da Internet, como as bases de dados, precisam de planos de negócios diferentes do que eram feitos no passado para obter sucesso. O montante de capital empreendido, para a produção de um grande acervo eletrônico, é monumental, o que leva os prejuízos elevados por vários anos, além de recrudescer as barreiras à saída, ou seja, não se recuperara fácil o capital investido em um negócio fracassado. Uma rede mundial de computadores interconectados, pode colocar várias e possíveis fontes de informação simultaneamente para toda demanda, várias pessoas numa mesma fonte de informação ao mesmo tempo. É claro que o acesso às redes estimula o trabalho em equipe. A possibilidade de todos terem acesso aos mesmos dados e interagirem facilmente em sua utilização favorecem os esforços coletivos. Ao mesmo tempo, a comunicação por meio de redes pode ajudar a integrar o grupo. De fato, serve para ampliar a influência do grupo tanto em termos quantitativos quanto em extensão geográfica (MEADOWS, apud ARELLANO; MORENO, 2005, p. 80). 49
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Teoricamente, a Internet elimina as limitações de um acervo único, disponibilizando toda a informação desejada de uma vez só. Serviços prestados no seu interior, como os dos fornecedores de acesso on-line aliados as grandes bases de dados, poderiam gerar um salto de competitividade e amenizar as desigualdades entre cientistas e pesquisadores do primeiro e do terceiro mundo. Mas o que faz de útil e necessário às bases de dados? As bases de dados resolvem problemas com relação à recuperação do conhecimento num ambiente informacional cada vez mais complexo. Devido à explosão bibliográfica, os vários tipos de documento, a redução das barreiras geográficas e outras que impediam o fluxo da informação, a velocidade das transformações do conhecimento e seu estado atual de interdisciplinaridade, dificuldades de representação e recuperação surgem para todos os documentos. Atualmente é impossível conter todo o conhecimento em um único lugar para consulta, mais fácil será se comunicar com todas as bases de dados que podem ter essa informação, o acesso gerado pelas tecnologias de comunicação e informação deram uma solução ao problema, ainda que não a ideal. Muitas definições levam em consideração o aspecto computacional das bases de dados, entretanto, há definições que negam essa diferença entre as bibliotecas tradicionais e as bases de dados on-line, frisando que se trata de um conjunto de informações, organizadas de uma maneira que possam ser recuperados:
Uma coleção de itens sobre os quais podem ser realizadas buscas com a finalidade de revelar aqueles que tratam de um determinado assunto. A base de dados consiste em artefatos, como livros (o acervo de uma biblioteca é uma base de dados com certeza), ou registros que representam os artefatos, como, por exemplo, registros bibliográficos constantes de páginas impressas, de fichas ou de meios eletrônicos (LANCASTER,1993, p.305).
Chama-se base de dados um tipo de mecanismo institucional, que garante a perpetuação e a transmissão do conhecimento registrado do passado. As bases de dados têm elevados custos fixos – custos que não variam com a produção - e baixos custos marginais – custos gerados pela produção de uma unidade a mais de produto -. Tanto a produção de informações científicas, quanto sua representação, estruturação, linguagem e recuperação produzida por softwares avançados, utilizados pelas bases de dados são dispendiosas, pois exige elevada aptidão humana em pesquisa, um trabalho que envolve muitos especialistas. 50
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Contudo, depois disso a reprodução de um artigo, dissertação ou resumo é extremamente barata, o que traz uma economia de escala considerável do lado da oferta: “Uma característica é o fato de que um negócio de informações ou de Internet geralmente tem altos custos fixos e baixos custos marginais (ou o custo de produzir uma unidade extra). É caro produzir a primeira unidade, seja um software, um serviço como apostas on-line ou uma mercadoria de informação mais amplamente definida, como uma droga de pesquisa intensiva ou um avião de projeto intensivo. Isso porque todos os custos são feitos de antemão e exigem muita habilidade humana. Entretanto, cópias subseqüentes são muito baratas ou mesmo livres de custos no caso de cópias de um programa ou de um livro on-line. A reprodução pode ser feita de maneira barata por computadores ou outras máquinas. Em outras palavras: os negócios de informações são inerentemente caracterizados por rendimentos ascendentes a avaliar no lado da oferta.” (COYLE, 2003, p.140).
Pode-se obter uma vantagem de liderança competitiva, ao ofertar para o consumidor um padrão tecnológico de busca e recuperação avançadas, mas isso se tornará caro caso os consumidores migrem para um concorrente – os novos repositórios institucionais e temáticos gratuitos por exemplo -. Em decorrência dos custos fixos elevados que as bases de dados têm, tanto mais é vantajoso e desejável reproduzir e vender em larga escala, o que torna a reputação crucial nesse negócio. Todas essas peculiaridades alteram a política de preços das bases de dados; seus usuários não estão interessados no quanto essas empresas gastaram para conseguir organizar, armazenar e disponibilizar tanta informação, nem quanto de tempo será necessário para recuperar o investimento feito, ou seja, igualar pelo menos a receita total com o custo total. Contudo, a reprodução de artigos, textos, dissertações, referências e resumos em meio eletrônico é muito barata, o que significa que há sempre a possibilidade de se ofertar e vender cada vez mais. A prática do mark-up, ou seja, estimar uma margem de lucro percentual em cima do custo unitário não é adequado às bases de dados, pois esses custos são muito baixos. Seria mais conveniente cobrar de acordo com o valor que cada cliente atribui à informação, o que permitiria que aqueles que têm melhores condições aumentassem a margem de lucro, enquanto aqueles que só esporadicamente utilizam o serviço e pagam pouco também pudessem ser incluídos. As vantagens para as bases de dados seriam o aumento das vendas, a elevação da economia de escala na oferta e a redução da capacidade ociosa do repositório on-line.
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Além disso, novos modelos de negócios são exigidos das editoras científicas tradicionais, na medida em que os repositórios digitais de acesso gratuito à informação, temáticos e institucionais, prestam serviços equiparados em qualidade aos serviços pagos dos provedores de fornecimento de acesso on-line e de suas bases de dados privadas ”os novos serviços de indexação disponíveis gratuitamente têm um desempenho semelhante a seus concorrentes pagos em termos de precisão e conveniência” (MORENO; ARELLANO, 2005, p. 83). Descontos promocionais para clientes assíduos, customizar produtos e serviços, rastrear o comportamento dos consumidores para atender mais adequadamente suas necessidades, são recursos interessantes que podem ser usados pelas bases de dados. O rendimento econômico de uma base de dados depende da eficiência proporcionada na procura de seus documentos. Esta, por sua vez, está condicionada ao período de tempo gasto pelo usuário nessa aquisição, a taxa de precisão, a taxa de revocação, ao refinamento dos sistemas de interrogação e de indexação. Tanto a linguagem de descrição dos dados quanto de comando ou busca, contém aspectos morfológicos e sintáticos, palavras-chave. Ambas devem estar harmonicamente conciliadas, pois enquanto a descrição dos dados é importante na entrada de uma base de dados, a linguagem de busca é imprescindível para uma boa saída ou recuperação daquilo que se deseja. Uma pesquisa mostra que se quiser procurar até a exaustividade um determinado assunto em 40 bases de dados, nas 13 primeiras se teria encontrado cerca de 80,6% de toda informação que é oferecida nessas 40 bases de dados sobre aquele assunto, ou seja, em apenas 32,5% delas. Ao passo que só 19,5% das informações relevantes estarão dispersas em 67,5% das bases de dados, o que demonstra que a exaustividade, ou seja, procurar um assunto em todas as bases é perda de tempo (CHAUMIER, 1986, p. 26 e 27). Essa característica da mercadoria informação faz com que a reputação e o marketing cresçam em necessidade para as bases de dados, pois os consumidores somente arriscarão comprar uma informação valiosa com um vendedor que seja seguro, idôneo. A reputação inibe a redução de intermediários, freqüentemente se está querendo que alguém garanta a compra, ou algum órgão ou alguém que se possa reclamar; além disso, muitas vezes se consultam pessoas físicas para saber sobre preços, do que programas na Internet com essa função. O excesso de informações disponibilizadas hoje na rede exige não só uma seleção rigorosa e sistemática do acervo que se quer construir, mas também o caminho mais rápido e 52
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adequado para se chegar exatamente na informação que se quer, uma busca eficiente. São esses pontos que as bases de dados de conhecimento têm a seu favor, permitindo que os usuários não se percam no volume de informação da Internet. OCDE – Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico -, OMS – Organização Mundial de Saúde - World Bank – Banco Mundial -, universidades e centros de pesquisa são organismos públicos ou privados, nacionais ou internacionais, produtores de enormes acervos de dados, os quais são processados e distribuídos por grandes bases de dados privados on-line. Os governos gastam em média 10 milhões de dólares para recuperar nessas bases de dados às informações financiadas pelo próprio governo, à custa do dinheiro público e da sociedade. De referências bibliográficas a artigos, dissertações e teses, todo conteúdo indexado nessas bases de dados foi financiado com dinheiro público. Contudo, a espanhola PIC e a ECHO – base de dados da Comunidade européia – são exemplos de bases de dados públicas, com custo reduzido ao seu acesso – apenas o pagamento da comunicação -. Contudo, quase a totalidade das bases de dados on-line é privada, e estão nas mãos dos norte-americanos. E cerca de 77% das bases de dados está em inglês. (FERIGLE, 1992, p.240). São exemplos de fornecedores de acesso on-line a essas bases de dados: o Dialog, STN internacional, OCLC, DataStar, LEXIS/ NEXIS, Questel-Orbit, Ovid Technologies e H.W.Wilson. (CENDÓN, 2003, p.227). Algumas vezes as próprias bases de dados são fornecedoras do acesso on-line, mas o que ocorre geralmente é o predomínio do monopólio da informação dos grandes distribuidores. Nesse contexto, a liderança monopolista norte-americana pode ser aferida com alguns dados: A Comunidade européia tem menos cinco vezes bases de dados com textos na íntegra que os EUA, a Comunidade européia tem seis vezes menos bases de dados estatísticos que os EUA, o EUA produz mais de dez vezes bases de dados que a Comunidade Européia, em 1990. (FERIGLE, 1992, p.240). Nos anos 80, somente 30% dos vendedores de bases de dados não eram norte-americanos, sendo que os demais 70% do mercado era dominado pelas grandes transnacionais estadunidenses como a Chase Econometrics, sucursal do Chase Manhattan Bank, e o Data Resources Inc. o Dialog, hoje da Thonsom, tido como o maior distribuidor de informação científica do mundo. Além disso, existem as companhias que alugam linhas de telecomunicação, para vender serviços
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on-line de acesso às bases de dados, são elas: A Tymnet com 32% do mercado e a SprinNet com 39%, pelos menos até 1990. (FERIGLE, 1992, p. 240-241). Nos anos 70, para tentar minimizar a dificuldade de acesso dos países subdesenvolvidos, pois não tinham a tecnologia mais eficiente, o Dialog começou a disponibilizar seus conteúdos em tecnologias ópticas – CD-Rom -, evitando assim os custos das telecomunicações, nessa época ainda elevados para países emergentes. As bases de dados eletrônicas via on-line e as ópticas off-line foram criadas para facilitar o acesso à informação científica; contudo, isso nem sempre acontece. Usuários reclamam que o índice de revocação de suas buscas dentro de um grande provedor em suas bases de dados é muito baixo, não se chega a utilizar nem metade das informações recuperadas, o que onera financeiramente as buscas e causa grande perda de tempo. As causas desses mal-entendidos nas buscas são as complexas e inter-relacionadas variáveis que as bases de dados tem que levar em consideração, são elas: objetivo do usuário, vocabulários controlados, paradigmas eficazes de metadados, escopo da base de dados, diferentes tipos de indexação dependendo da base de dados e outras. Uma busca com uma palavra-chave específica nessas bases certamente recuperará algum documento pertinente à necessidade do usuário. Contudo, apesar do índice de precisão ser elevado nesse caso, ou seja, a relação entre a quantidade de documentos pertinentes recuperados e a quantidade total de documentos recuperados, o índice de revocação é baixo, a saber, a quantidade de documentos recuperados dividido pela quantidade de documentos pertinentes nessas bases de dados. (MEADOWS, 1999, p. 232-233). Utilizar uma palavra-chave menos precisa fatalmente pode aumentar as chances de se recuperar outros documentos pertinentes. Contudo, o que se observa é a recuperação considerável de documentos não pertinentes, uma redução vertiginosa no índice de precisão, sem a melhora desejada no índice de revocação. Existem várias maneiras de se buscar informação nas bases de dados do provedor Dialog, mas as duas mais simples seriam: a busca registro por registro a partir de uma palavra definida pelo usuário, pelo procedimento do arquivo-invertido, o qual se assemelha a uma procura num índice com palavras-chaves,data, autor, título do periódico, para se ter acesso ao conteúdo do documento.
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As bases de dados inseridas no provedor Dialog deveriam ser avaliadas pelas seguintes critérios: abrangência de cobertura sobre o assunto, assiduidade das atualizações, praticidade do uso e predileção pelo usuário, qualidade da saída das informações, performance da linguagem de indexação nas recuperações, gastos de acesso e saída e quem paga, qualidade da documentação e dos sistemas de classificação, possibilidades de acesso e suportes de armazenamento, estrutura da base de dados e formato dos registros. (ROWLEY, apud VALENTIM, 2001, p. 133-134). A empresa Dialog contém 520 bases de dados privadas, classificadas como: bibliográficas, diretórios, financeiras, numéricas e de texto completo. As bases de dados bibliográficas são aquelas que indexam abstracts e referências bibliográficas dos artigos, muito utilizadas pelas cientistas. Podem trabalhar com vários tipos de documentos – papers, simpósios, seminários, patentes - ou com um único tipo. A tendência é que essas bases bibliográficas não indexem apenas os resumos e as referências bibliográficas, mas os artigos na íntegra. Em 2001 a Dialog contava com 4 mil periódicos de texto completo, difusos em suas bases de dados. Os critérios para a seleção e publicação de artigos nas bases de dados agrupadas sob a Dialog variam de uma para outra, mas há um núcleo comum que deve ser satisfeito: respeito à periodicidade, o trabalho tem que passar pela análise e aceitação de uma comissão editorial, palavras-chaves e resumos tem que ser feitos. A última exigência se torna fundamental para uma recuperação eficaz. Ilustrativamente, um exemplo de bases de dados bibliográfica inserida no provedor Dialog é a Medline, com um modelo de metadados de 27 campos e contendo vários tipos de documentos. Por outro lado há a Dissertation Abstracts Online, que indexa somente dissertações. As bases de dados de diretórios são bastante variadas, porque satisfazem uma gama muito grande de tipologias documentais, absorvendo todas as informações referentes a cada tipo de documento. Ademais, seu conteúdo pode variar enfaticamente, é o caso da Marquis Who’s Who, que indexa informações sobre pessoas e faz parte das bases de dados do Dialog. Já contém mais de 790 mil registros de pessoas, e possui uma estrutura de metadados complexa com 37 campos diferentes, para dar informações detalhadas sobre todas as pessoas. Um exemplo de bases de dados de textos originais integrais é a U.S. Patents Fulltext, inserida no provedor Dialog. São bases que detém para a recuperação textos completos, patentes,
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notícias de jornal, normas técnicas, artigos de revistas, etc. Os metadados dessas bases mudam muito, porque contemplam textos integrais muito diferentes entre si. No caso da base de dados de patentes citada, ela atua desde 1971 nos EUA, mas apenas em 1974 começou a indexar o texto completo das patentes. Já têm mais de 2 milhões e 245 mil documentos à disposição, além de mostrar o desenho da patente, seu desenvolvimento na criação, o procedimento legal para reservar o uso e a certificação pelo poder público. Essas duas últimas informações não estão contidas no documento original, derivam dos metadados da base, o que mostra a importância de agregação de valor que essas bases produzem sobre os documentos, gerando novas informações. Nessa base, as patentes são exaustivamente cobertas por 43 campos de metadados, permitindo uma busca mais precisa e minuciosa, caso seja do interesse do usuário. As bases de dados numéricas oferecem dados quantitativos sobre vários assuntos, além de textos completos. Diferentes textos na íntegra e dados exigem diferentes formas de tratamento da informação, no que se refere à representação e a descrição. Para ilustrar, há uma base numérica no Dialog chamada Population Demographics, com mais de 50.457 registros de informação. Vários dados sobre a população americana, coletados em 1990, são disponibilizados: poder de compra, empregos, informações industriais, ocupação, educação, renda, família, etc. Essa base de dados ainda disponibiliza vários estudos sobre projeções de dados como: econômicos, territoriais, planejamento estratégico, estatísticos, de situação local, de objetivo de mercado e outros. Há um modelo de metadados com 36 campos informacionais, o que permite recuperar informações sobre população, região, ocupação, etc. Bastante útil e relevante para as empresas, para que sua estratégia de mercado seja bem sucedida. Dados de organizações sobre investimentos, balanços, bolsa de valores, indicadores econômicos, cotações na bolsa de valores e outros, são indexados nas bases de dados financeiras. Mostram desde dados referenciais até textos na íntegra. Seu modelo de metadados é específico e adequado ao conteúdo disponibilizado, por exemplo, os balanços das empresas. Por exemplo, a base de dados Extel International Financial Cards, incluída no Dialog, detém informações empresariais financeiras, de cotações e textuais de várias partes do mundo como: Malásia, Singapura, Japão, Reino Unido, Austrália, América do Norte, Europa e outras. Já possui mais de 7.675 registros, e procura manter um histórico sobre os dados de 5 anos. 56
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Aplicação em fundos, informação das diretorias das empresas, dados das empresas, organogramas das organizações, lucros e perdas, balanços, relatórios de gerência e financeiros, inversões em ações, informações sobre bancos e auditoria, são analisados e colocados à disposição nessa base. O modelo de metadados com 54 campos informacionais usado nessa base exaure as possibilidades de busca, sendo bastante completo e satisfazendo as necessidades dos usuários. A descrição e representação dos dados são bastante minuciosas, além da completude das informações, isso dá alta credibilidade a base. As bases de dados que, por meio de seus metadados, acrescentam informações não disponíveis no conteúdo original, geralmente cobram mais caro o acesso, o que mostra uma tendência no mercado da informação científica. As grandes empresas transnacionais são as que mais se beneficiam das bases de dados privados on-line, pois detêm redes internas de comunicação que permitem uma boa velocidade de acesso às informações científicas. Informações importantes sobre o ambiente externo como patentes, recursos naturais, indústrias, inovações tecnológicas não são monopolizadas nem por governos e nem por empresas privadas, mas colocadas à disposição nessas grandes bases de dados on-line. Esses grandes distribuidores de informação, tanto mais vendem e fazem da informação uma mercadoria, mais cobram pelo acesso aos seus serviços, um processo em franca expansão, basta verificar que no Dialogue, em 1990, as bases de dados comerciais cresceram 30% nesse provedor sobre o total.(FERIGLE, 1992, p.241). A tendência a se passar de publicações impressas para publicações eletrônicas promoveu um processo de oligopolização dentro da Internet, o qual já existia e vinha se fortalecendo no campo da impressão. De 1997 a 2000, houve uma grande fusão, na qual as cinco maiores editoras científicas foram incorporadas pelas suas concorrentes. Isso gerou um aumento significativo nos preços, os quais aumentam vertiginosamente a cada ano.
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Fonte: Revista Brasileira de Pós – Graduação.
Tais empresas praticamente proprietárias do conhecimento impunham seu poder na venda para as universidades, sem dar nenhuma chance de renegociação de preços para seus clientes. Ironicamente, os próprios produtores de conhecimento são os que pagam mais caro para adquiri-los depois, em face da apropriação dessas grandes bases de dados privadas, que exponencialmente aumentaram o preço de suas publicações. Por conseguinte, o número de revistas científicas nas universidades diminuiu, mas seu custo aumentou drasticamente. Também confirma Tenopir e King essa absurda elevação no preço É praticamente indiscutível que os preços das revistas aumentaram de modo considerável nos últimos 20anos. Estima-se que os preços das revistas acadêmicas e científicas norte-americanas aumentaram de 39 dólares no ano de 1975 para 284 dólares em 1995. Portanto, os preços médios aumentaram em um fator de 7,3, ou 2,6 vezes em uma taxa monetária constante. (TENOPIR; KING, 1998, p. 5).
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Na área de medicina também o preço dos periódicos cresceu celeremente. A revista Blackwell de medicina aumentou em 184%, entre 1990 e 2000, enquanto na França o custo de vida teria aumentado 33%, apenas. (ANDRÉ, apud KURAMOTO, 2006, p. 3). A situação chegou a um ponto limite para as universidades e os Estados, que já não conseguiam atualizar suas publicações e nem aos governos comprarem essas coleções com dinheiro público, o mesmo que financia a produção científica. Chegada à crise até nas universidades norte-americanas, principalmente as particulares, iniciou-se um movimento de Estados e universidades para outras soluções viáveis com preços justos. Um problema antes restrito aos bibliotecários e administradores de universidades passou a ser tema de pesquisa central para as universidades. Mas isso não ocorreu só no Brasil, Harvard deixou de assinar cem revistas do provedor Reed Elsevier, porque não teve êxito em renegociar seus preços abusivos (SOARES, 2004, p.21). As conseqüências desse processo de privatização da informação são diversas: a informação deixa de ser um bem acessível às classes sociais com níveis de renda diferenciados, para ser submetida a leis do mercado; somente os países, as empresas e as pessoas mais ricas terão acesso às informações de qualidade, o que tanto aumentará a distancia social entre ricos e pobres quanto ampliará o poder dos economicamente incluídos; os países pobres serão dependentes da tecnologia dos países ricos, enviando dados brutos e importando dados elaborados; empresas que não tiverem acesso a essas grandes bases de dados, ou serão dependentes da lógica econômica daquelas que têm, ou não perpetuarão; pesquisadores que não tiveram acesso a esses acervos privados terão mais problemas em levar adiante suas pesquisas do que aqueles que têm; somente as informações de preços elevados serão contempladas nesses grandes distribuidores privados, deixando a área de humanidades de lado, isso resultará numa brutal perda na História da humanidade. Tais conseqüências da privatização, tanto no campo da infra-estrutura quanto do conteúdo propriamente, exigem a atuação governamental sobre novas políticas de acesso à informação, o que deveria estar contemplado ao lado do direito a educação para todos. Caso não se reverta esse quadro a tempo tem-se um futuro pouco promissor, produzido pelo acesso limitado, caro e complicado das informações.
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Considerações finais
A Internet poderia ser um instrumento de socialização e democratização da informação. Por meio dela, se poderia exercer plenamente a cidadania, tanto política quanto científica, resolver problemas com pesquisas mais práticas e precisas, reduzir a desigualdade de acesso à informação e social, econômica e política entre pessoas, países e empresas. Poderia se dar mais oportunidade para instituições de ensino e pesquisa, que têm menor quantidade e qualidade de produções científicas, disseminando informações geradoras de conhecimento para todos os cientistas e pesquisadores do mundo, sem exceções. Sabe-se que não basta toda a sua utilidade e relevância, o reconhecimento de seus serviços de comunicação e informação e o poder de compra do usuário. É preciso eliminar as barreiras técnicas, de conhecimento do funcionamento da Web, de vários aplicativos diferenciados e outras línguas com a finalidade de fazer o crescimento do acesso à informação e as inovações e obsolescências do conhecimento e da tecnologia mais velozes do que são. Contudo, hoje no estágio de desenvolvimento de um capitalismo monopolista, o grande oligopólio das bases de dados científicas apenas ampliou alienação e mais-valia, a submissão da transmissão do conhecimento pelos critérios econômicos de rentabilidade, impacto e vida útil, a elevação dos preços e a conseqüente perda de acesso da maioria da população à educação de qualidade. Todos devem se unir contra esses males, os quais atingem todos os conhecimentos, confrontando e retaliando com medidas enérgicas as grandes bases de dados privadas, quais sejam: recusando a compra das informações pelos preços abusivos que praticam, criando formas alternativas de transmissão e recuperação dessas informações por bases de dados públicas, editoras acadêmicas, que as disponibilizam por um preço muito menor e asseguram maior acesso para os cidadãos. A exclusão digital é somente um item de toda a exclusão econômica e social que se tem em curso no Brasil (Mattos, 2003). Não se trata apenas de possuir um computador com banda larga, mas de dar uma educação eficiente que através da reflexão, organização e reformulação da produção e distribuição da riqueza simbólica, possa efetivamente constituir profissionais, cientistas, pesquisadores trabalhando em benefício da sociedade.
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A proposta viável para essa situação, deve levar em consideração três aspectos, necessários em qualquer decisão governamental: o político, o econômico e o legal. O primeiro diz respeito à vontade política, a saber, a urgência que legislativo e executivo têm para formular e colocar em exercício leis que possibilitem um maior acesso à informação pelos indivíduos; o segundo leva em consideração que a verba destinada à educação, pesquisa e acesso à informação deve ser ampliada, o percentual do PIB brasileiro destinado a esses quesitos é muito baixo comparado a outros países emergentes; a terceira seria aplicar leis e regulamentações que coíbam o poder dos grandes oligopólios, democratizem a informação sem lesar o direito autoral e de propriedade intelectual. Qualquer projeto que almeje ser aprovado deverá necessariamente para por esses três aspectos, os quais podem não ser suficientes, mas são indispensáveis na construção de uma solução. Ao lado disso, por ser tratar de uma Política Nacional específica de informação, cabe também envolver no debate tecnólogos e cientistas da informação, os quais conhecem com mais profundidade as particularidades do conhecimento e da informação, no que toca seu registro, armazenamento, tratamento e recuperação. Atualmente o movimento ao acesso livre à informação científica, envolvendo o Instituto Brasileiro de informação para Ciência e Tecnologia – Ibict -, apresenta algumas propostas: construção de repositórios digitais gratuitos, arquivos abertos – open archives – e Eprints. A atitude é louvável, mas esbarra em alguns problemas: a necessidade da revisão pelos pares para a indexação nos open archives, o que nem sempre acontece, e o fato de que os repositórios gratuitos devem buscar deter o mesmo poder de reconhecimento que os provedores e as bases de dados privadas internacionais, mas isso vai demorar um pouco se for possível. Os aumentos de preços exagerados para os orçamentos das universidades das assinaturas das revistas científicas, comprovam o conflito de interesses entre o oligopólio privado da informação científica e a comunidade científica, que, ao mesmo tempo, demanda os serviços das bases de dados privadas e produz o conteúdo das mesma, gerando uma crescente exclusão no mercado de produção e disseminação do conhecimento, confirmando o que foi salientado na hipótese deste trabalho. De acordo com a lógica deste mercado, para estar incluído é preciso pagar “duas vezes”: por um lado, pagar (via impostos) o custo do Estado para financiar as pesquisas; em segundo lugar, arcar com os recursos cobrados para a assinatura das bases de dados. Deve-se destacar, 61
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contudo, que, no primeiro caso, todos os cidadãos arcam com as despesas decorrentes do financiamento público e, no segundo caso, apenas as pessoas físicas e jurídicas mais abastadas têm recursos para realizar o acesso às informações organizadas nas bases de dados privadas. Não se pode desprezar a produção intelectual de países emergentes como Índia e China, os quais não estão alinhados com as grandes bases de dados privadas. Em benefício do desenvolvimento da ciência, o que contraria o poder de mercado desse grande oligopólio, algumas medidas devem ser tomadas: envolver entidades políticas nessa briga, unir as pessoas interessadas na quebra do monopólio da informação por essas grandes empresas, juntar e conjugar os países numa política de retaliação e confronto as práticas abusivas dessas empresas, principalmente os emergentes, aproveitar os blocos dos países emergentes já montados, como o G20, boicotar a compra de informações disponibilizadas nessas grandes bases de dados, além de seus editores e colaboradores.
Referências
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Comunicação On-line: uma perspectiva ecológica Adriana Braga*
Não existe, então, nenhum ganho no prazer, nenhum aumento inequívoco no meu sentimento de felicidade, se posso, tantas vezes quantas me agrade, escutar a voz de um filho meu que está morando há milhares de quilômetros de distância, ou saber, depois do mais breve tempo possível depois de um amigo ter atingido seu destino, que ele concluiu incólume a longa e difícil viagem? Não significa nada que a medicina tenha conseguido não só reduzir enormemente a mortalidade infantil e o perigo de infecção para mulheres no parto, como também, na verdade prolongar consideravelmente a vida média do homem civilizado? (...) Se não houvesse ferrovias para abolir as distâncias, meu filho não teria jamais deixado a cidade natal e eu não precisaria de telefone para poder ouvir a sua voz; se as viagens marítimas transoceânicas não tivessem sido introduzidas, meu amigo não teria partido em sua viagem por mar, e eu não precisaria de um telegrama para aliviar minha ansiedade a seu respeito. Em que consiste a vantagem de reduzir a mortalidade infantil, se é precisamente essa redução que nos impõe a maior coerção na geração de filhos, de tal maneira que, considerando tudo, não criamos mais crianças do que nos dias anteriores ao reino da higiene, ao passo que, ao mesmo tempo, criamos condições difíceis para nossa vida sexual no casamento e provavelmente trabalhamos contra os efeitos benéficos da seleção natural? Enfim, de que nos vale uma vida longa se ela se revela difícil e estéril de alegrias, e tão cheia de desgraças que só a morte é por nós recebida como uma libertação? Sigmund Freud, 1930
O controle da natureza pela Humanidade a partir da ciência e sua aplicação técnica é um anseio que remonta a milhares de anos. Freud (1974 [1930]), entretanto, observa que o poder sobre o espaço e o tempo, a subjugação das forças da natureza, não aumenta a quantidade de satisfação, e não torna a vida mais feliz, a reconhecer que este não constitui o único objetivo do esforço cultural, nem a única condição da felicidade humana. Entretanto, mesmo na intenção de entoar uma crítica pessimista, como no trecho citado acima, Freud começa por reconhecer os benefícios devidos aos progressos científicos e tecnológicos. De modo correlato, um/a analista sensato/a que quisesse ressaltar os benefícios obtidos da introdução de uma tecnologia na cultura teria que reconhecer o preço pago para isso, como faz Neil Postman (1994). Neste artigo, busco *
Adriana Braga é Doutora em Ciências da Comunicação com a tese “Feminilidade Mediada por Computador: interação social no circuito-blogue,” vencedora do prêmio The Harold Innis Award for Outstanding Thesis on Media Ecology 2007/EUA. Graduada em Psicologia, Mestre em Ciências da Comunicação, é autora do livro Personas Materno-Eletrônicas: uma análise do blog Mothern (Sulina, 2008, no prelo), na coletânea Produzindo Gênero (Sulina, 2004), organizadora da coletânea CMC, Identidades e Género: teoria e método (Editora da UBI/Portugal, 2006), tendo publicado artigos nas áreas da Comunicação, Ciências Sociais e Antropologia. 64
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refletir sobre a comunicação on-line a partir de uma perspectiva ecológica da mídia, visando a articular os fenômenos sob reflexão ao contexto sócio-cultural-tecnológico de sua ocorrência. No que se segue, discuto algumas raízes filosóficas que presidem ao surgimento do campo teóricometodológico da ecologia da mídia. Ponto chave nesta abordagem é a noção de processo midiático a partir de sua materialidade, posição que se relaciona com premissas da vertente filosófica denominada materialismo. O termo ‘materialismo’ foi empregado pela primeira vez em 1674, na obra The Excellence and Grounds of the Mechanical Philosophy, de Richard Boyle, e que designa, de modo geral, toda doutrina que atribua causalidade à matéria (Abbagnano, 1998, p. 649). Existem diversas perspectivas denominadas ‘materialistas,’ com relativamente pouco em comum, como os materialismos cosmológico (uma filosofia da natureza, próxima do atomismo), metodológico (uma epistemologia do conhecimento), prático (uma filosofia moral, próxima do hedonismo) e psicofísico (uma fisiologia do conhecimento), além das vertentes autônomas e relacionadas do materialismo histórico (método historiográfico marxista por excelência) e materialismo dialético (filosofia oficial do comunismo). Dentre estas diferentes vertentes, elementos para uma teoria das materialidades da comunicação podem ser encontrados – embora pouco desenvolvidos – no materialismo psicofísico. Nesta concepção, os fenômenos psíquicos são causados estritamente por fenômenos fisiológicos: o espírito humano e seus produtos seriam epifenômeno da base neural-fisiológica.18 Atribuindo menos ênfase ao aspecto orgânico-fisiológico desta concepção, encontraremos uma espécie de ‘determinismo da matéria,’ isto é, um reconhecimento das condicionantes de ordem material (naquele caso, dos limites sensoriais) nas ações do espírito delas resultantes. Um raciocínio da mesma ordem – ou seja, que aponta para a determinação da infra-estrutura material nos processos sociais e históricos – é central para a teoria marxista conhecida como ‘materialismo histórico.’ Esta perspectiva propõe um parâmetro de interpretação que consiste em atribuir aos fatores econômicos peso preponderante na determinação dos eventos históricos. Enquanto para Hegel era a consciência que determinava o ser social, para Marx, ao contrário, o modo de produção da vida material condicionava o processo da vida social, espiritual e política, ou seja, é o ser social do indivíduo que determina a sua consciência.
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Esta perspectiva sustenta vários ramos da ciência médica até hoje, como a neuro-ciência, por exemplo, em pesquisas sobre a atividade mental como resultante da ação de neuro-transmissores. 65
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Uma perspectiva teórica convergente com o materialismo histórico pode ser identificada no argumento de Harold Innis, em The Bias of Communication, de 1951. Innis, um dos principais teóricos dos estudos da comunicação moderna, precursor da chamada Escola de Toronto, discute neste livro as mudanças sociais decorrentes da introdução de uma nova tecnologia em uma cultura, referindo-se ao poder acumulado por aqueles que detêm o saber especializado para controlar seu funcionamento. O poder se desloca de mãos na medida em que o grupo que dominava um conhecimento tradicional é deposto pelo grupo que tem acesso ao saber especializado disponibilizado pela nova tecnologia. Assim, “monopólios do conhecimento” são erguidos e derrubados, distribuindo de modo desigual os inevitáveis ônus e bônus da implementação de determinado recurso tecnológico (Innis, 1995 [1951]).19 Proveniente da mesma escola, Marshall McLuhan, na década de 1960, sintetiza o impacto da estrutura tecnológica sobre seu uso no conhecido aforismo “o meio é a mensagem.” As idéias e escritos do canadense, considerados irrelevantes e até mesmo ingênuos quando da sua morte em 1980, parecem ganhar novo fôlego diante dos usos e possibilidades em informação e comunicação abertas pelo suporte técnico da Internet. As noções “aldeia global” e “o meio é a mensagem” (McLuhan, 1994 [1964]) – que tenta sobrepor o impacto social, psicológico e sensório provocado pela introdução de um meio de comunicação em detrimento de seu próprio conteúdo – parecem apropriadas, esclarecedoras e premonitórias dos arranjos sócio-tecnológicos que se apresentam. O fato é que as mudanças tecnológicas em si não validam a re-introdução deste aporte teórico como instrumento para exame dos novos ambientes de mídia. Não obstante o esforço do núcleo de pesquisadores/as de Toronto em explorar correlações entre tais conceitos e as mídias atuais, vários autores encontram limitações graves nesta transposição teórica. Uma série de argumentos demonstra a deficiência da avaliação determinista e monolítica de McLuhan em combinar averiguações tecnológicas com políticas, apontada já nos anos 1970 e reafirmada para os arranjos sociais mais recentes. Christopher Horrocks (2001) aponta algumas pressuposições filosóficas sob certas narrativas concernentes à “realidade virtual,” termo que proporcionou uma confusão entre artificial e real, fabricado e natural, embora o ponto forte original da virtual reality (VR) seria partilhar imaginação, habitar mundos gráficos que fossem reciprocamente expressivos para os/as 19
Essa posição representa um importante aporte teórico contemporâneo na Economia Política da Comunicação. 66
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envolvidos/as, ou seja, referente a um tipo de tecnologia particular. Entretanto, o termo foi aplicado não só para tecnologia e experiências de interação com simuladores de componentes computadorizados, mas para a própria realidade, provocando o que o autor chamou de definição ‘fraca’ de VR, uma extensão na qual as mais variadas interações passaram a ser designadas como ‘virtuais.’ McLuhan, que obviamente desconhecia a tecnologia virtual, utiliza o termo em sua definição ‘fraca’ (Horrocks, 2001, p. 35). Estudos filosóficos de Richard Coyne (1999) sobre as novas tecnologias vinculam valores espirituais a uma sensibilidade romântica dos novos meios. A separação platônica do mundo entre o reino das idéias e dos sentidos, posteriormente desdobrada na doutrina em que o espírito desencarnava do corpo material em direção a uma unidade ideal, teria, segundo o autor, sido absorvida pelas narrativas digitais, herdando esse idealismo em um conceito neoplatônico de êxtase. Assim, a tese mcluhaniana da mídia e tecnologia teria como premissa não apenas o tema romântico da unificação e transcendência, mas ainda o tema sedutor do pós-humanismo e simulação: o mito do retorno, via tecnologia, para uma realidade social préescrita. A articulação entre real e virtual tem várias vertentes, cada qual agrega valores relativos a ambos os termos. Horrocks compara esses modelos ao projeto de McLuhan. O autor não reconhece no estudioso das mídias um entendimento da realidade virtual como uma falsa versão da realidade. Como meio, a realidade virtual não poderia ser falsa por ser definida como uma prótese, tornando esse critério epistemológico irrelevante. O caráter histórico do trabalho de McLuhan reconhece um período tribal pré-escrita não empobrecido (posteriormente fragmentado pela cultura escrita), impossibilitando qualquer relação com o modelo que a define como se a realidade fosse empobrecida diante da possibilidade da virtualidade enriquecê-la, uma hiperrealização do real. A possibilidade de escapar da realidade pela via tecnológica só poderia ser considerada no contexto religioso, que sustenta o retorno e a unificação, mas ainda assim, o virtual seria retorno à realidade e não escape. No que respeita ao entendimento da realidade como construção social, McLuhan parece ambíguo na medida em que, se por um lado a frase ‘o meio é a mensagem’ parece trocar a ênfase do mundo representado não inocentemente pela mídia para operações em que este mesmo conteúdo é dispersado no ambiente, por outro, os temas do retorno e da primazia da fala-e-presença sobre a escrita-e-ausência são contraditórios com o paradigma da realidade construída socialmente (Horrocks, 2001).
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As principais idéias de McLuhan têm sido resgatadas para a compreensão da era virtual. As hipóteses teóricas contidas nas noções rear-view mirror (espelho retrovisor), cultura visual versus acústica, meios quentes e frios e tetrad theory (teoria tetrádica) são aplicadas e testadas por pesquisadores como Paul Levinson (1999), que sustenta os pressupostos evitando, entretanto, a visão simplista original. Enquanto que para McLuhan a cultura funciona como um espelho retrovisor pela propriedade que tem uma nova mídia de tornar a anterior obsoleta ao mesmo tempo em que absorve seu conteúdo, Levinson não subordina a cultura escrita em relação ao imediatismo da cultura oral, mas ressalta a imposição da mídia oral, visual e escrita no interior da cultura virtual, como na Internet. O autor sustenta que uma cultura conectada, imediata e tribal distingue-se da mídia eletrônica apenas pelo potencial da tecnologia de satélite, que conecta as pessoas instantaneamente com os eventos de todo o planeta. Sendo assim, a palavra escrita não teria se tornado obsoleta, mas transfigurada como conteúdo da nova mídia. Aspectos do trabalho de McLuhan que sublinham o caráter híbrido das mídias tornam-se assim importantes na posição de Levinson em defesa de um modelo duplo de interação na mídia interativa – operada em tempo real em que se utiliza a fala, a escrita e imagens –, que substitui a versão da mídia acústica. As definições de meios quentes e meios frios parecem ser as mais problemáticas no contexto digital, a considerar que o destaque na capacidade de interligar usuários/as de modo global deixa em segundo plano o grau de participação ativa desses/as usuários/as na mídia, sempre angulado pela ênfase do envolvimento oral, tátil e acústico. Nos ambientes de Internet, a existência de estruturas diversas e o fato de que um simples monitor de um computador poder desempenhar múltiplas funções, demonstram uma alteração significativa na definição de participação utilizada por McLuhan, na medida em que na tela podem estar ao mesmo tempo meios ‘frios’ e ‘quentes’ em funcionamento. No caso da cultura escrita, definida como mídia visual por McLuhan, é possível observar um desvio para o caráter acústico nos termos do autor a considerar as possibilidades de interação promovidas pela cultura digital. O texto escrito, em tempos digitais, pode ser utilizado em comunicações em tempo real, desdobrado através de links, combinado com outras mídias na rede, editado enquanto é lido, desestruturando a primazia do autor e a integridade do texto. A noção mais funcional às condições da era digital parece ser a publicada postumamente tetrad theory (McLuhan & McLuhan, 1988, p. 129) desde que se entenda o computador como mídia e o tome como representante da condição virtual. A teoria prevê quatro efeitos 68
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provenientes da introdução de um novo meio no contexto social: a amplificação de alguns aspectos da sociedade; o envelhecimento (obsolescência) de aspectos da mídia dominante antes da emergência do novo meio; a proeminência de aspectos tornados obsoletos previamente; e a revitalização de mídias em conseqüência do pleno desenvolvimento do potencial do novo meio. Horrocks (2001) encontra cada um dos efeitos previstos por McLuhan na sociedade contemporânea como resultado da entrada em cena do computador ligado à Internet. A mídia em questão teria ampliado a participação do público em um meio de comunicação a considerar a promoção da interatividade entre os/as participantes em nível global, atividade meramente sugerida com relação à televisão; teria eclipsado as funções do telefone, do fax, da máquina de escrever, do pincel, do papel, do CD, entre outros; teria reinventado a carta escrita no formato do e-mail; e a revitalização do telefone celular com o desenvolvimento do WAP (Wireless Application Protocol). No que respeita às limitações históricas das idéias de McLuhan, Horrocks é taxativo ao sustentar que os esforços em relacionar tais teorias com a era atual das comunicações são minados pelos problemas estruturais do trabalho original. É sua falta de engajamento com a economia política dos meios de massa e sua recusa em considerar o conteúdo da mídia de qualquer outra forma que não seja a irrelevância. Não há lugar em sua tese para a análise do papel de resistência à mensagem do meio, e um cínico poderia argumentar que há apenas uma tênue possibilidade de que o mchuhanismo possa sobreviver sem passar por uma radical reorientação para fatores políticos e sócio-econômicos. Uma crítica geral sobre o trabalho de McLuhan teria que considerar temas relativos ao capital global multi-corporativo, acesso a novas tecnologias, vigilância e censura e monopolização de software.20 (Horrocks, 2001, p. 62)
Além dos importantes aspectos elencados na citação acima, há ainda para aqueles que têm acesso às novas tecnologias da comunicação, restrições à participação relativas a pertencimento, reconhecimento, repertório, valores partilhados, capacidade de expressão através da escrita, domínio de regras gramaticais, etc, a chamada info-exclusão. Sendo assim, apesar de haver afirmações de que a idéia de uma comunicação global estar realizada plenamente com as formas atuais de comunicação em rede, é importante ressaltar que as interações, a conexão e comunicação em escala global estão submetidas também a ordens outras que correspondem a 20
Tradução pessoal. No original: “This is its lack of engagement with the political economy of mass media, and its refusal to consider the content of media in any way of other than as an irrelevance. There is no room in his thesis for analysis of the role of resistance to the message of the medium, and a cyinic might argue that there is only a slim possibility that McLuhanism can survive without undergoing what amounts to a radical reorientation to socioeconomic and political factors. A through critique of McLuhan’s work would have to broach issues of multicorporate global capital, acess to new technologies, surveillance and censorship, monopolisation of software.” 69
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antigos protocolos, que o exemplo a seguir, retirado do espaço interacional de um weblog 21 ilustra:
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data: 2004-08-19 20:37:36 Mãe de dois ( sem email / sem homepage) escreveu: É uma pena que você nunca dêem bola pras mães de classe baixa que visitam o site. * * * * *
As idéias e conceitos do teórico Marshall McLuhan têm sido revigorados e desenvolvidos por estudiosos/as da cibercultura pelo natural interesse despertado a partir do tema da “aldeia global” e sua confluência com o atual momento tecnológico. Em contrapartida, têm provocado uma reação negativa na forma de críticas severas entre aqueles/aquelas que se preocupam com as políticas que movimentam os altos dígitos da indústria da comunicação, que parecem acreditar que nada do que McLuhan disse poderia adequadamente articular a relação entre mídia, poder e comércio. Entretanto, apesar da consistente reação sustentada por essa vertente crítica, que argumenta contra a idéia da comunicação sem fronteiras ou sem limites propalada por McLuhan – que desconsidera os limites políticos e econômicos dessa comunicação “ideal” – o mais famoso aforismo do autor canadense, “o meio é a mensagem,” parece poder ser lido de modo convergente com a preocupação desses mesmos pesquisadores/as seus opositores. Para além de uma discussão baseada nos conteúdos veiculados e práticas surgidas, em que parecem estar focadas as duas posições mencionadas, uma reflexão sobre a ideologia embutida na tecnologia do computador é proposta na leitura de Neil Postman, que apresenta os dois lados da tecnologia, em seu bem e seu mal, numa visão muito particular, publicada em um livro que parece ter tido pouca repercussão no Brasil. Em tempos de grande entusiasmo no meio acadêmico, motivado pelas possibilidades comunicacionais abertas pela tecnologia do computador no campo das mídias, o pesquisador norte-americano Neil Postman lançou, no início dos anos 1990, o livro Tecnopólio. O autor visava a atentar para o efeito bilateral de qualquer inovação tecnológica, que tanto é fardo quanto
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O comentário do weblog citado compõe o conjunto de dados utilizado na tese Feminilidade Mediada por Computador: interação social no circuito-blogue (Braga, A., 2006). 70
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é graça, que faz e desfaz, que dá e toma. Nessa perspectiva, não seria possível uma tecnologia neutra, na medida em que os usos que fazem dela são condicionados, em grande parte, pela própria estrutura da tecnologia, que introduz ideologia própria, muda significados de palavras com raízes profundas. O telégrafo e o jornal diário mudaram o que antes chamávamos de ‘informação’. A televisão muda o que antes chamávamos de ‘debate político’, ‘notícia’ e ‘opinião pública’. O computador muda a ‘informação’ mais uma vez. A escrita mudou o que antes chamávamos de ‘verdade’ e ‘lei’; a imprensa mudou-as mais uma vez e agora a televisão e o computador tornam a mudá-las. (...) a tecnologia se apodera imperiosamente de nossa terminologia mais importante. Ela redefine ‘liberdade’, ‘verdade’, ‘inteligência’, ‘fato’, ‘sabedoria’, ‘memória’, ‘história’ – todas as palavras com que vivemos. E ela não pára para nos contar. E nós não paramos para perguntar (Postman, 1994, p. 18).
Além da alteração terminológica, ocorrem alterações no domínio do poder. Grupos de elite surgem por terem competência no uso da tecnologia, criando paralelamente um outro grupo dos “incompetentes,” que garantem autoridade e prestígio ao primeiro grupo. Promovidos a sábios, não inspiram a questão: Toda ferramenta tecnológica carrega consigo um viés ideológico que predispõe uma construção de idéia de mundo específica, a valorização de certas coisas mais que outras, ainda que, dentro dessa nova ordem, outras clivagens se façam. Postman, a partir de uma surpreendente aproximação entre McLuhan, Marx e Wittgenstein, define como sendo este o sentido dado por esses autores com o aforismo do primeiro de que “o meio é a mensagem,” a afirmação do segundo de que a tecnologia revela o modo como o homem lida com a natureza, criando “condições de intercurso” para as relações interpessoais ou a afirmação do terceiro de que a linguagem, nossa tecnologia mais fundamental, não é apenas o veículo do pensamento, mas também o motorista. O/a próprio/a inventor/a de uma tecnologia não tem elementos para prever os usos e alterações sociais conseqüentes de sua criação. Uma nova tecnologia compete com as existentes não só por tempo, atenção, dinheiro, prestígio, mas principalmente pela predominância de sua visão de mundo, fomentando alterações sociais, institucionais e intelectuais relevantes, que por sua vez, são redirecionadas pela sociedade. Sendo assim, analistas da vertente ecológica da mídia estão menos interessados/as na eficiência do computador como ferramenta de ensino ou comunicação, do que na alteração que promovem no significado das coisas na medida em que “as novas tecnologias alteram a estrutura de nossos interesses: as coisas sobre as quais pensamos. 71
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Alteram o caráter de nossos símbolos: as coisas com que pensamos. E alteram a natureza da comunidade: a arena na qual os pensamentos se desenvolvem,” fenômeno nomeado por Postman (1994, p. 29) como tecnopólio. Nesse mesmo sentido, Robert Logan (2005), de modo a entender como o uso da informática e da Internet tem impacto na cultura contemporânea, examina os meios de comunicação prévios, como a fala, a escrita, a matemática e a ciência, que juntamente com a informática e a Internet, formam uma corrente evolutiva de seis linguagens, segundo o autor. A partir da perspectiva tecnológica, Logan desenvolve um modelo para explicar a origem da linguagem falada e sua emergência da comunicação mimética, bem como a origem da ciência abstrata e da lógica dedutiva no Ocidente como efeito do alfabeto fonético. Análise, codificação, decodificação e classificação são as habilidades cognitivas básicas envolvidas na ciência abstrata e na lógica dedutiva. Quando combinadas com a noção de lei universal surgida do monoteísmo e da lei codificada, têm-se todos os ingredientes para a ciência abstrata e a lógica dedutiva (Logan, 2005).22
A linguagem, nessa perspectiva, é definida como um método humano, não-instintivo, de comunicar idéias e emoções, bem como processar, armazenar e organizar informações através de significados de um sistema de símbolos produzidos de modo voluntário (Logan, 2000), ou seja, um sistema essencialmente para comunicação, produto de educação e cognição. Nesse sentido, o autor se distancia dos grandes nomes da teoria da linguagem, como Chomsky, que entende a linguagem como um sistema formal auto-contido usado mais ou menos incidentalmente para comunicação, resultado de uma estrutura humana inata. A considerar o aspecto ideológico da própria linguagem – entendida como tecnologia –, é possível dizer que a estrutura da linguagem caracteriza em grande parte o modo como as pessoas organizam informações e desenvolvem idéias, donde conclui-se que a linguagem é, ao mesmo tempo, meio de comunicação e ferramenta informática (sistema de processamento de informação). Para Logan, embora essas seis linguagens – fala, escrita, matemática, ciência, informática e Internet – sejam únicas em seus próprios vocabulários e gramáticas, elas estão relacionadas por formarem uma corrente evolutiva de linguagens, isto é, distintas e interdependentes. Cada nova forma de linguagem emerge pela necessidade de lidar com a
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Tradução pessoal. No original: “Analysis, coding, decoding and classification are the basic cognitive skills involved in abstract science and deductive logic. When combined with the notion of universal law emerging from monotheism and codified law one has all the ingredients for abstract science and deductive logic.” 72
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quantidade de informação excedente, impossível de ser expressa pela forma anterior. Sendo assim, a linguagem mais recente seria derivada e conteria elementos das formas anteriores. A evolução tecnológica é contígua à evolução biológica, sustenta Levinson (1998) no pretensioso livro The Soft Edge. Nesta perspectiva, a tecnologia difere-se do modo biológico principalmente por ser um meio de alterar, transformar o ambiente buscando a adaptação da espécie ao invés da alteração da espécie para adaptar-se ao ambiente. O autor introduz a noção de “mídia remediadora” (remedial media), denominação para as tecnologias inventadas visando a solucionar problemas criados por tecnologias anteriores. Os problemas criados pela Internet seriam, nesse sentido, resolvidos através de legislação e mais tecnologia, ou uma combinação das duas coisas. Logan (2005) localiza como o aspecto mais importante da Internet o modo pelo qual ela cria comunidades, uma das mensagens deste meio. Postman argumenta que a mensagem metafórica fundamental do computador é a de que somos máquinas, subordinando as reivindicações da nossa natureza, nossa biologia e espiritualidade, a exigir soberania sobre todos os domínios da experiência humana, ao sustentar que “pensa” melhor do que nós. A partir dessa ideologia, acredita-se que o melhor desempenho humano é quando este age como máquina, podendo assim ser satisfatoriamente substituído por uma. Segundo Postman, quando se perde a confiança no julgamento e subjetividade humana, desvaloriza-se também a capacidade ímpar de ter uma visão abrangente sobre as coisas em suas dimensões psíquicas, morais e afetivas, substituída pela crença no cálculo técnico. A tecnologia do computador contribui para acreditarse que a inovação tecnológica implica em progresso humano; entretanto, ao passo que uma instituição ou evento pode parecer mais imponente, mais técnico, com a automatização de suas operações, por exemplo, continuarão impolutas as imperfeições de suas teorias, idéias e suposições. Outras perspectivas convergentes O ato comunicacional está necessariamente assente em um suporte material que formata/configura a mensagem e a própria atividade comunicativa. As atividades desenvolvidas na Internet são caracterizadas principalmente por sua natureza prática, condições de produção que envolvem as possibilidades de participação promovidas pelo suporte técnico, o uso do corpo, a
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inserção da atividade dentro de um espaço físico, ou seja, circunstâncias materiais de apropriação do ambiente digital. Neste sentido, é importante destacar o desafiador aporte teórico de Hans Ulrich Gumbrecht, denominado ‘materialidade da comunicação.’ Gumbrecht (2004) coloca-se em oposição à tradição hermenêutica da filosofia ocidental. De acordo com essa vertente, a interpretação, isto é, a identificação e/ou atribuição de sentido é a prática exclusiva das Humanidades e das Artes. Partindo da convergência entre ‘materialidade’ e ‘materialismo,’ a perspectiva de Gumbrecht se relaciona com o materialismo histórico, embora não se filie a este. Sustentando a necessidade de ter em consideração, no estudo dos fenômenos comunicacionais, a base material que possibilita a veiculação do sentido, Gumbrecht define seu tópico de estudo nos seguintes termos: “Materialidades da comunicação são todos aqueles fenômenos e condições que contribuem para a produção de sentido, que não sejam os próprios sentidos.”23 (Gumbrecht, 2004, p. 8) Para ele, a dominação absoluta da interpretação e identificação do sentido, denominadas por ele como o “paradigma metafísico,” tidas como atividade acadêmica por excelência deve-se a dois séculos de institucionalização da hermenêutica. Ou seja, desde que o cogito cartesiano tornou a ontologia da existência humana dependente exclusivamente dos movimentos da mente humana, deixando de lado, ou mesmo esquecendo, os efeitos da tangibilidade emergente das materialidades da comunicação. O paradigma de Gumbrecht, então, assenta na questão de como (e se) a mídia e as materialidades da comunicação podem ter um efeito nos sentidos que elas veiculam. Embora Gumbrecht não cite McLuhan entre os autores de sua afinidade,24 pode-se perceber uma linha de continuidade entre a teoria das materialidades da comunicação e a reflexão decorrente do aforismo “o meio é a mensagem,” que marca uma posição similar: existe uma ideologia na própria tecnologia que permite a veiculação do conteúdo, que o condiciona e formata. Nesta perspectiva, a separação tão facilmente aceita entre materialidade e sentido, ou entre uma tecnologia e os conteúdos por ela veiculados, deixa de ser óbvia. Para ele, todas as culturas e 23
Tradução pessoal. No original: “Materialities of communication are all those phenomena and conditions that contribute to the production of meaning, without being meaning themselves.” 24 Um precursor de Gumbrecht – reconhecido pelo próprio autor – é Walter Benjamin (1985), cujo famoso ensaio sobre a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica suscita a questão da “aura” como característica imanente ao objeto artístico original, provocando efeitos físicos sensíveis – materiais – no espectador. Para Benjamin, desenvolvimentos tecnológicos produzem uma reestruturação da percepção e da interação humana, antecipando em algumas décadas a posição de Ong, Innis e McLuhan, além, do próprio Gumbrecht. 74
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objetos culturais podem ser analisados como configurações de ambos, de “efeitos de sentido” (meaning effects) e “efeitos de presença” (presence effects), demandando uma combinação bem mais complexa entre as duas, salientando que uma maior atenção nos componentes da presença material poderia enriquecer o trabalho analítico no contexto das Humanidades. A mensagem ideológica, os efeitos da presença das tecnologias da comunicação nos contextos sócio-culturais, tem sido objeto de reflexão de teóricos de diferentes escolas, como visto acima, mesmo que não estejam explicitamente associados à vertente das escolas mencionadas. O tópico de estudo denominado Human-Computer Interaction (HCI), por exemplo, apresenta aportes teóricos de várias disciplinas, como psicologia, sociologia, ergonomia, educação, ciência da computação, engenharia de software e inteligência artificial, ao lidar com fatores humanos associados com as interfaces dos computadores, a considerar aspectos tais como níveis de conhecimento, ambiente de trabalho, produtividade e satisfação. A Etnometodologia aposta na utilização do vídeo para a coleta dos dados como essencial para a compreensão do fenômeno da CMC. A privilegiar a situação natural “localmente-situada,” sob esta perspectiva o fenômeno não pode ser interpretado através de uma descrição teórica, abstrata e estipulativa, mas pelo exame das situações concretas de uso. Tal opção metodológica privilegia a preservação do caráter interacional dos sujeitos com os objetos, considerando sua inserção em um espaço físico específico e suas orientações intersubjetivas (Greiffenhagen & Watson, 2005). Considerações finais Atualmente, 1,08 bilhão de pessoas opera computadores ligados à Internet em todo o mundo, segundo estimativas.25 No Brasil, há 25 milhões de usuários/as, dos quais 14 milhões são ativos/as.26 Não obstante, quase 6 bilhões de pessoas no mundo, 160 milhões no Brasil, não têm acesso a essa tecnologia, que parte almeja e parte mal sabe de suas possibilidades. A comunicação pela rede mundial de computadores introduziu profundas mudanças sociais: por um lado, por alterar os modos nos quais as pessoas que a utilizam comunicam-se umas com as outras; por outro, por criar uma nova categoria de excluídos. Neste cenário, no qual coexistem avanços tecnológicos e inequalidades sociais, estas atividades são caracterizadas mais pela sua prática e uso que por sua natureza teórica. Assim, o 25 26
Fonte: Computer Industry Almanac Inc., novembro de 2005. Fonte: Central Intelligence Agency’s World Factbook, novembro de 2005. 75
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acelerado avanço das tecnologias de telecomunicações demanda sofisticar o aparato teórico para investigar os fenômenos que estes processos originam, uma perspectiva que inclua as dimensões materiais, históricas, econômicas e interacionais dos processos. A perspectiva ecológica da mídia apresenta-se como aporte teórico-metodológico promissor para a compreensão e tratamento dos materiais oriundos da comunicação mediada por computador. Na medida em que esta abordagem considera essas práticas como atividades “localmente-situadas,” evita riscos de, desvinculando a reflexão dos fenômenos empíricos a que se referem, construir uma teoria meramente especulativa, que pouco contribui para o avanço da pesquisa.
Referências Bibliográficas ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 1998. BRAGA, Adriana. Feminilidade Mediada por Computador: interação social no circuito-blogue. Tese (doutorado) em Ciências da Comunicação. São Leopoldo, PPGCC/Unisinos, 2006. COYNE, Richard. Technoromanticism: Digital narrative, Holism and the Romance of the Real. Cambridge, Mass.: MIT, 1999. FREUD, Sigmund. [1930] “O mal-estar na civilização.” In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, Vol. XXI. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1974. GREIFFENHAGEN, Christian. & WATSON, Rod. “‘Teoria’ e ‘Método’ na CMC: identidade, género, e tomada-de-turno – uma abordagem etnometodológica e analítico-conversacional.” In: BRAGA, Adriana (org.) CMC, Identidades e Género: teoria e método. Colecção Estudos em Comunicação. UBI, Covilhã/PT, 2005. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Production of presence: what meaning cannot convey. California, Stanford University Press, 2004. HORROCKS, Christopher. Marshall McLuhan and Vituality. Cambridge, Icon Books, 2001. INNIS, Harold. [1951] The Bias of Communication. Toronto, University of Toronto Press, 1995. LEVINSON, Paul. The Soft Edge: A Natural History and Future of the Information Revolution. New York, Routledge, 1998. ____________. Digital McLuhan: a Guide for the Information Millenium. London, Routledge, 1999.
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Contra 52 vetos, uma reação coesa e a deposição de Jango: entrevista com Oswaldo Munteal Filho27 Octavio Penna Pieranti
A historiografia oficial recorre a diversos episódios para demonstrar a fragilidade da base de apoio parlamentar sobre a qual se sustentava o governo do Presidente da República João Goulart. Entretanto, poucos momentos são tão eloqüentes quanto o processo de aprovação do Código Brasileiro de Telecomunicações. Goulart estabeleceu 52 vetos ao marco, porém todos foram rechaçados, um a um, em votação nominal, pelo Congresso Nacional, em um comportamento que beirava um incomum desafio à Presidência da República. “O resultado deste choque demonstrou a grande organização do grupo da radiodifusão, pois, apesar de sua descentralização regional, este era coeso, na medida em que possuía um interesse coletivo único”, lembra o professor de História da PUC-Rio, UERJ e FACHA, Oswaldo Munteal Filho. Doutor em História Social pela UFRJ e mestre em História Social da Cultura pela PUC-Rio, ele tem se dedicado a estudar o governo de Goulart, objeto do mais recente de seus oito livros, “O Brasil de João Goulart: um Projeto de Nação”28. Nesta entrevista, o professor aborda as dificuldades do governo do Presidente deposto, dentre as quais a relação conturbada com os meios de comunicação de massa e o processo de aprovação do CBT.
Quando Jânio Quadros renunciou à Presidência da República, João Goulart estava em viagem na China. Surgiram, então, condenações à sua posse graças às suas posições trabalhistas. Como os meios de comunicação de massa analisaram a vacância de poder à época?
Em um primeiro momento, a reação da imprensa foi de perplexidade ante a crise, que consagrou o início do governo de João Goulart. Em 1960, a legislação eleitoral estabelecia que os candidatos à presidência e vice-presidência concorressem separadamente, o que tornou possível o 27
O professor Oswaldo Munteal agradece fortemente a colaboração fundamental da pesquisadora Isabel Cristina Fernandes Auler, estudante de graduação do 7º período do curso de História da PUC-Rio, com quem tem desenvolvido investigações acadêmicas acerca do governo de João Goulart. 28 MUNTEAL Filho, Oswaldo; VENTAPANE, Jacqueline; FREIXO, Adriano de (org.). O Brasil de João Goulart: um Projeto de Nação. Rio de Janeiro: Contraponto e Editora PUC-Rio, 2006. 252 p. 78
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estabelecimento de um quadro destoante, uma vez que Jânio Quadros representava a promessa udenista de erradicar a influência de projetos políticos que eram defendidos por seu substituto constitucional, como, por exemplo, o trabalhismo. Goulart elegeu-se pelo PTB e seu discurso encarnava uma postura nacionalista, na qual os direitos dos trabalhadores rurais e a reforma agrária estavam em pauta. Com a renúncia de Jânio em 1961, grupos conservadores tornaram-se temerosos em relação à ascensão de Jango, que representaria o retorno dos getulistas ao poder. Além disso, João Goulart fora reeleito à vice-presidência, em 1960, com o apoio dos comunistas, o que reforçava a preocupação conservadora quanto às suas ligação com a esquerda. A viagem a China também acentuou a frustração diante da posse de Jango como Presidente da República. A imprensa brasileira, em meio a toda tensão política desta época, expressou a apreensão conservadora quanto ao retorno de João Goulart ao Brasil e sua efetiva consignação como Presidente da República. Contudo, mesmo demonstrando desconfiança em relação à capacidade de Goulart para governar o país, parte da imprensa, pautando-se em uma conduta partidária, defendeu a posse do vice-presidente.
O rádio – mais especificamente a Cadeia da Legalidade, comandada por Brizola – foi um instrumento operado na defesa da posse de Goulart. Qual foi a sua real importância naquele momento?
No momento em que Jânio renunciou à Presidência, Goulart, como dito anteriormente, encontrava-se em uma viagem oficial a República Popular da China, não podendo assumir, de imediato, o seu papel de substituto constitucional de Quadros. Durante esse período de ausência, os ministros militares, Marechal Odilo Denis (Exército), Almirante Sílvio Heck (Marinha) e Brigadeiro Grun Moss (Aeronáutica), insurgiram-se contra a ascensão presidencial de Jango, sob a alegação de sua perigosa vinculação com os ideais comunistas. Jornais como O Estado de S. Paulo e O Globo, ao contrário de outras publicações, objetaram à posse de Goulart, apoiando a posição do veto defendida pelos ministros em questão. A Cadeia da Legalidade foi um instrumento de suma importância na campanha de mobilização popular, que visava impossibilitar o veto e garantir o cumprimento da Constituição. Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul na época, conseguiu, por meio da incitação da 79
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Brigada Militar e da sublevação do povo, paralisar o III Exército, pressionando-o a defender a legalidade constitucional. A adesão dos Generais Oromar Osório e Peri Bevilaqua influenciou na decisão do Comandante do III Exército, General Machado Lopes, em cindir as Forças Armadas e ceder à opinião pública local.
Por meio de mais de 100 emissoras de rádio, a Cadeia da
Legalidade transmitiu apelos, além de informações sobre as transações do Congresso com os militares. Desta maneira, a campanha em favor da posse de João Goulart espalhou-se por todo país, mobilizando civis e militares, irrompendo greves por diversas cidades e ressaltando o grau de consciência política da população brasileira.
Como os meios de comunicação de massa cobriram eventos cruciais do governo João Goulart, como a decisão pelo parlamentarismo e o comício na Central do Brasil?
Devido à preocupação existente quanto às posições políticas de Jango e sua capacidade de exercer o cargo de Presidente da República, o regime parlamentarista tornou-se uma solução aprazível aos setores mais conservadores, pois limitava o poder presidencial, agora submetido ao Congresso Nacional. Os meios de comunicação de massa apoiaram essa mudança na Constituição brasileira, defendendo a posse de João Goulart como Presidente. No entanto, a partir da radicalização política presenciada, no decorrer do governo de Jango, face a inúmeras greves, movimentos militares e uma decrescente taxa de crescimento econômico, acompanhada de um elevado nível inflacionário, a atitude da mídia em relação ao governou alterou-se. A intensificação da Guerra Fria também influenciou nesta alternância de posição da imprensa, conseqüência do acirramento do conflito entre as duas ideologias políticas da época. Posicionando-se agora de forma contrária a Goulart, a maioria dos jornais, como, por exemplo, o Jornal do Brasil e o Correio da Manhã, após o Comício de Reformas do dia 13 de março, acirraram suas críticas, conclamando o Exército a restaurar a legalidade e a ordem, ausentes no governo em questão. Como era a relação entre o Poder Legislativo e o Executivo à época? O Ministério formado por Jânio Quadros caracterizou-se por sua posição anti-getulista e por sua orientação política ortodoxa, que visava atender as exigências do Fundo Monetário Internacional, no intuito de reduzir o alto índice inflacionário, proveniente da crise econômica 80
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herdada pelo governo. Após a renúncia de Jânio, a apreensão diante do governo de João Goulart, cuja política baseava-se em projetos de reformas trabalhistas antagônicos aos planos conservadores
ministeriais,
trouxe
como
solução
mediadora
a
implementação
do
parlamentarismo a fim de limitar o poder presidencial. Com isso, ao tomar posse do cargo de chefe de Estado, posição que restringia suas ações políticas, Jango deparou-se com a difícil missão de tentar implementar seus projetos de reforma, a despeito de suas divergências com o Legislativo. Na tentativa de enfraquecer o poder de seus opositores, Goulart procurou ampliar sua base política, calcando-se no apoio do centro, sobretudo do PSD. Mas, concomitante a tal aproximação, Jango não se distanciou de suas filiações esquerdistas. Dessa forma, mesmo diante das dificuldades na relação entre Executivo e Legislativo, Jango conseguiu implementar um projeto nacionalista (ainda que menor do que o planejado), a partir da formação do gabinete denominado de “conciliação nacional”, chefiado por Tancredo Neves, do PSD, partidor possuidor do maior número de representantes na Câmara.
Em agosto de 1962 foi promulgado o Código Brasileiro de Telecomunicações. João Goulart estabeleceu 52 vetos ao documento, a maior parte dos quais ampliando os poderes do Estado na regulação do setor. Os vetos foram derrubados, um a um, em votação nominal no Congresso Nacional. O que esse episódio representou para o governo de João Goulart?
A radiodifusão já despertava grande interesse como veículo político, devido a sua relevância como instrumento para a campanha eleitoral. Além disso, esse mercado tornava-se promissor e, concomitante a seu crescimento, houve um aumento da participação dos meios de comunicação no âmbito publicitário. Durante a década de 1960, constituiu-se uma coligação ligada à radiodifusão comercial, cujo objetivo era pressionar o governo e garantir seus interesses econômicos, visto que a taxa de crescimento desse novo e empreendedor mercado começava a demonstrar índices de estagnação. A presença de empresários desse setor no Congresso Nacional permitiu um aumento significativo no poder de pressão do grupo em questão, o qual, legislando em causa própria, tornou-se capaz de anular a maioria das restrições a seus próprios interesses políticos e econômicos. Essa simbiose entre poder público e privado constituiu um obstáculo ao Executivo, uma vez que qualquer decisão governamental que prejudicasse o empresariado da radiodifusão seria repudiada pelo Legislativo. 81
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Os vetos de Jango ao Código Brasileiro de Telecomunicações, portanto, representaram sua tentativa em minar a força deste setor empresarial, cuja representação política deu-lhes acesso a irrestritos privilégios, além de grande influência na opinião pública, por intermédio dos meios de comunicação. O resultado deste choque demonstrou a grande organização do grupo da radiodifusão, pois, apesar de sua descentralização regional, este era coeso, na medida em que possuía um interesse coletivo único, que o tornava forte o bastante para rivalizar e superar a influência política de Jango no Congresso Nacional. Como o senhor vê a relação entre João Goulart e o empresariado ligado às telecomunicações, incluindo os membros da bancada da radiodifusão?
Durante os anos de 1962 e 1963, as reformas de base tornaram-se o cerne do discurso político de Goulart, devido à necessidade dessas mudanças estruturais no processo de desenvolvimento deflagrado no país. Até o momento, o desenvolvimento econômico brasileiro resultava de uma associação entre o estímulo a iniciativas particulares e o incentivo ao capital estrangeiro. Essa orientação econômica usual trouxera como conseqüência inúmeras dissonâncias internas, intensificadoras de contradições entre a necessidade de acumulação de capital pelo Estado, no intuito de investir em reformas públicas, e os interesses de determinados grupos empresariais, que, infiltrados no sistema tributário, prejudicavam a realização de tais reformas, preteridas por seus interesses particulares. Com isso, pode-se perceber que a pretensão de Goulart em desestruturar a complexa ligação entre poder público e poder privado, por meio de reformas eleitorais, administrativas e bancárias prejudicava sua relação com o empresariado. Com os grupos ligados às telecomunicações, tal relação não seria diferente, como é possível perceber em sua tentativa frustrada de limitar os poderes desse setor com os vetos ao Código Brasileiro de Telecomunicações. De uma forma geral, aliás, os interesses políticos de empresários de mídia no parlamento brasileiro contrastavam com os objetivos e posições de Jango – vale lembrar que Carlos Lacerda, por exemplo, um dos maiores críticos do governo Goulart, era dono da Tribuna da Imprensa.
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Passados 43 anos da queda de João Goulart, qual é a sua análise da cobertura feita pelos meios de comunicação acerca do golpe militar?
A queda de Goulart representou uma reação à sua política trabalhista, seu compromisso com a esquerda, em um momento de Guerra Fria, e sua pretensão em tornar os trabalhadores o alicerce de seu poder. A imprensa não só apoiou tal reação, como a incentivou através da exacerbação do medo, da difusão de uma imagem dúbia e radical de Goulart, além da conclamação do poder militar e da restauração de uma ordem que os meios de comunicação acreditavam não mais existir. Contudo, o projeto de ruptura constitucional baseava-se em uma negativa, ou seja, contra o governo vigente, mas sem possuir um ideário que restituísse a política suplantada. A censura à imprensa, implantada durante o governo ditatorial de 1964, trouxe o silêncio e o aparente consenso político. A eliminação do debate e da polêmica significa a erradicação da democracia, um regime que determinados grupos de mídia - ressalto a palavra determinados, devido ao grande número de empresários deste setor favorecidos pela ausência de um governo democrático - só souberam apreciar após a amputação de seu direito à liberdade de expressão.
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O Código Brasileiro de Telecomunicações: Considerações Acerca do Marco Legal Euclides Quandt de Oliveira 29
Os Primórdios da Telefonia
O Código Brasileiro de Telecomunicações, aprovado pela lei 4.117 de 27 de agosto de 1962, foi a base do crescimento das telecomunicações brasileiras. Para se distinguir bem a importância do seu papel, vale a pena se observarem alguns pontos que marcam a evolução das comunicações telefônicas no Brasil. Elas surgiram bem cedo, logo depois de o imperador D. Pedro II ter encontrado, em 1877, na Filadélfia, Graham Bell expondo sua invenção, o telefone. Após esse ligeiro relâmpago inicial, devido à falta de uma regulação adequada, a telefonia brasileira permaneceu quase estacionária, não acompanhando de perto as melhorias que ocorriam no resto do mundo. Durante muitos anos, para a remessa de mensagens importantes a locais distantes, as pessoas e empresas usaram apenas telegrafia. Podemos listar alguns fatos que marcaram a evolução interna das nossas comunicações: •
11 de maio de 1852 - Inaugurada a primeira linha de telégrafo elétrico no Brasil, no Rio de Janeiro, entre o Palácio Imperial da Quinta da Boa Vista e o Quartel do Campo.
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17 de janeiro de 1854 - O imperador D.Pedro II nomeou o Ministério da Justiça como Controlador Geral Telegráfico.
•
Janeiro de 1857 - Entrou em operação a segunda linha telegráfica no País, entre o Rio de Janeiro e Petrópolis.
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28 de junho de 1860 - A administração dos telégrafos tornou-se responsabilidade do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
1 Euclides Quandt de Oliveira é Oficial de Marinha Reformado, especialista em Eletrônica. Durante seu serviço na Marinha fez vários cursos nessa área, no Brasil e nos Estados Unidos. De 1965 a 1967 exerceu o cargo de Presidente do Conselho Nacional de Telecomunicações; de 1972 a 1974, foi Presidente da Telebrás e, de 1974 a 1979, foi Ministro das Comunicações. É autor dos livros Renascem as Telecomunicações – volume 1. Construindo a Base (Editel Gráfica e Editora, 1992) e Renascem as Telecomunicações – volume 2. Construção e Operação do Sistema (Editora Landscape, 2006). 84
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22 de junho de 1874 - Inaugurada a primeira linha telegráfica para o exterior, por cabo submarino, entre o Brasil e Portugal.
•
1877 - Na Filadélfia, D.Pedro II conheceu a nova invenção que estava sendo apresentada por Graham Bell, o telefone. De regresso ao Rio de Janeiro, logo determinou a instalação de linhas telefônicas entre o palácio imperial, as residências dos ministros, a Polícia e os Bombeiros.
•
1877 - Instalada a primeira linha telefônica pública, no Rio de Janeiro, ligando uma loja ao Corpo de Bombeiros.
•
1878 - Efetuada a primeira ligação interurbana, entre São Paulo e Campinas.
•
15 de novembro de 1879 - Decreto imperial autorizou a instalação e operação de linhas telefônicas no Rio de Janeiro, seus subúrbios e Niterói.
•
1879 - Em virtude da confusão que estava ocorrendo nas ruas, pela colocação individual de fios para telefones, foi assinado decreto determinando que os fios para telecomunicações, mesmo os destinados a uso particular, só poderiam ser instalados pela Diretoria de Telégrafos.
•
12 de agosto de 1881 - Resolução do Imperador determinou que as linhas telefônicas, assim como as telegráficas, pertenciam exclusivamente ao Estado e cabia ao Governo Imperial o direito de concedê-las, inclusive para uso particular.
•
21 de agosto de 1881 - Publicada a primeira lista telefônica brasileira, no Rio de Janeiro.
•
1885 - Existiam no Rio de Janeiro três companhias telefônicas e 1.675 assinantes.
•
2 de maio de 1890 - Decreto do governo republicano determinou que as linhas telegráficas e telefônicas da República dos Estados Unidos do Brasil eram propriedade da Federação e destinadas ao serviço da Administração Pública e dos particulares.
•
28 de maio de 1922 - A Companhia Radiotelegráfica Brasileira – Radiobrás, empresa norte-americana, iniciou serviços de radiotelegrafia e radiotelefonia com o exterior.
•
1922 - Instalada em Porto Alegre a primeira central brasileira de serviço telefônico automático.
•
13 de julho de 1928 - Inaugurado o serviço telefônico automático na cidade de São Paulo.
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•
27 de maio de 1931 - Decreto 20.047 regulou a execução dos serviços de radiocomunicação no território nacional.
•
1º de março de 1932 - Decreto 21.111 aprovou o regulamento para a execução dos serviços de radiocomunicação no território nacional.
•
31 de maio de 1944 - A Radional, empresa norte americana, foi autorizada a instalar serviço de radiocomunicações nas capitais dos estados e territórios, e a efetuar o respectivo serviço interurbano interestadual.
•
27 de agosto de 1962 - A lei 4117 aprovou o Código Brasileiro de Telecomunicações.
As Telecomunicações no Brasil antes de 1962
Até a época da II Guerra Mundial, as telecomunicações brasileiras resumiam-se nas ligações telefônicas e telegráficas e na radiodifusão (sem televisão). A legislação existente, de 1931 e 1932, só fazia menção às ligações telefônicas efetuadas por meio de equipamentos de rádio e, quando julgado necessário, era feita extrapolação dessas normas para serem aplicadas em telefonia. O público usuário mostrava alguma insatisfação em relação ao serviço telefônico, porém sem muitas reclamações a respeito. As pessoas não estavam habituadas a se comunicar frequentemente com aqueles que estavam muito longe. Nas áreas onde existia uma concessionária prestando serviços locais e o intraestadual, havia um maior uso da telefonia a longa distância, porém não eram muitas as cidades atendidas dessa maneira. Adicionalmente, não existia um Órgão Regulador, nem normas para o funcionamento das redes telefônicas. Elas eram instaladas com equipamentos vindos do exterior, provenientes de diferentes países; em conseqüência, não havia facilidade de intercomunicação entre tais redes, já que cada país tinha as suas regras e características de funcionamento. O primeiro dispositivo legal, referente às radiocomunicações, foi estabelecido pelo decreto 20.047 de 27 de maio de 1931, que “regula a execução dos serviços de radiocomunicações no território nacional” e inclui, entre eles, “a radiotelegrafia, a radiotelefonia, a radiotelevisão e quaisquer outras utilizações de radioeletricidade para a transmissão ou recepção, sem fio, de escritos, imagens, sinais ou sons de qualquer natureza por meio de ondas hertzianas” (art. 2º). Na realidade, a idéia predominante era que a radiodifusão destinava-se exclusivamente à educação. O art.12 desse decreto e seus parágrafos estabeleciam que: 86
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“o serviço de radiodifusão é considerado de interesse nacional e de finalidade educacional. §1º O Governo da União promoverá a unificação dos serviços de radiodifusão, no sentido de constituir uma rede nacional, que atenda aos objetivos de tais serviços. (...) §3º A orientação educacional das estações da rede nacional de radiodifusão caberá ao Ministério da Educação e Saúde Pública e a sua fiscalização técnica competirá ao Ministério da Viação e Obras Públicas.” Adicionalmente, o art. 13 fixava que “os serviços das atuais sociedades de radiodifusão continuarão a ser executados, a título precário.”. Pelo art. 29 foi criada a Comissão Técnica de Rádio, constituída por três membros, que teria como objetivo a realização de estudos e, principalmente, a verificação do local em que seriam instaladas as estações. Sua atuação foi de pouca significação para o setor de telecomunicações, embora tenha sido formalmente substituída pelo Conselho Nacional de Telecomunicações em 1962. Em 1º de março de 1932, pelo decreto 21.111, foi aprovado o regulamento para a “execução dos serviços de radiocomunicação no território nacional”, a que se referia o decreto 20.047 de 1931. Esse regulamento continha 109 artigos. É interessante notar que esses dois documentos eram simples e, apesar de serem longos, não continham referências diretas às atividades de telefonia. O primeiro tinha como finalidade regular a execução dos serviços de radiocomunicações e, em sua descrição, foi enfatizado que ele só se referia a serviços via rádio, o que ainda foi salientado pela frase “por meio de ondas hertzianas”. Dessa forma, ele não incluía comunicações via cabos, como era a telefonia local. O decreto 21.111 era um simples regulamento do decreto 20.047, portanto ele não podia ir além do que nele constava. Depois desses dois decretos, alguns pequenos documentos legais foram expedidos, porém de abrangência reduzida. Em consequência, todo o serviço telefônico foi prestado e fiscalizado com base nesses dois decretos, porém legalmente eles não tinham efeito sobre a telefonia. Até ser aprovado o Código Brasileiro de Telecomunicações, todas a discussões se baseavam no decreto 21.111. O primeiro serviço telefônico interurbano em âmbito nacional, entre diferentes estados e entre diferentes concessionárias, foi outorgado à Radional, subsidiária da empresa americana International Telephone and Telegraph Co - ITT, em 1944. Esse serviço atendia às capitais dos Estados e Territórios, porém, na maioria delas, não havia ligação com a rede local e o usuário, 87
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mesmo tendo em sua casa um terminal telefônico local, tinha de se deslocar à agência da Radional para receber ou fazer ligações e às grandes cidades. Esse serviço foi estendido a algumas outras cidades de grande população. O primeiro governo brasileiro após o conflito mundial de 1939 -1945, do presidente Eurico Gaspar Dutra, lançou o Plano Salte de investimento econômico, visando atender às necessidades reais do País, porém coerente com a nossa situação. Esse plano não incluiu, nem fez referência às telecomunicações O governo seguinte, de Juscelino Kubitscheck, promoveu o Plano de Metas, de maior amplitude, mas que também nada incluiu relativamente às telecomunicações. O Plano de Metas de Juscelino teve um resultado positivo quanto à economia do Brasil e, em pouco tempo, o crescimento da economia fez com que o setor empresarial começasse a mostrar inquietação e inconformidade em relação ao serviço telefônico. Juscelino, motivado pelas reclamações feitas, mandou que fosse analisada a situação desse setor e fixada a melhor forma de remediar os problemas existentes. Foi constituído um Grupo de Trabalho com essa responsabilidade, o qual efetuou um meticuloso levantamento da situação e concluiu que a causa principal da falta de investimentos na expansão da rede telefônica residia nas tarifas excessivamente baixas vigentes no setor. A ampliação dos estudos indicou que as baixas tarifas eram consequência da atuação errônea das Assembléias Municipais, então responsáveis únicas pela fixação desses valores. De acordo com as constituições sucessivamente vigentes no País, os serviços telefônicos locais e intraestaduais, eram respectivamente de responsabilidade do Município e do Estado. O maior problema ocorria nos serviços municipais, impulsionado por três fatores: a longa duração de implantação de um projeto de expansão telefônica, a duração do mandato dos vereadores e a inflação, que começava a aparecer. Somente a partir da década de 1940, com a operação interurbana da Radional, o telefone passou a ser considerado, pelo público, como um possível meio de comunicação entre localidades de diferentes estados. Até então, ele era considerado como sendo apenas um meio de comunicação local e qualquer mensagem para locais distantes era enviada por meio de telegramas. O interesse político pessoal predominava nas decisões dos vereadores, que eram os responsáveis pela fixação do valor da tarifa. Antes do início do período inflacionário, as tarifas a serem cobradas eram estabelecidas no contrato de concessão dos serviços telefônicos. Quando a inflação começou crescer, as concessionárias passaram a pedir reajuste tarifário por ocasião das 88
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expansões das redes telefônicas, as quais também deviam ser aprovadas pela Câmara Municipal. Quando era apresentado um projeto de novas instalações telefônicas, a concessionária solicitava um reajuste tarifário para compensar, em tese, o efeito inflacionário. Essa modificação do contrato de concessão era submetida à Câmara de Vereadores que, na maioria dos casos, não a aprovava, porque receava que ela viesse a ter efeito político-eleitoral negativo. Um projeto de expansão tinha a duração de três a cinco anos e, em consequência, o efeito positivo do novo serviço só afetaria o mandato eleitoral seguinte. Além disso, nas eleições que seriam efetuadas antes dessa entrada em operação, o aumento tarifário poderia ser usado pelos adversários políticos dos atuais vereadores. O Governo Juscelino efetuou vários contatos e tentativas de entendimento com os Legislativos Municipais, porém sem sucesso. Foi tomada a decisão de transferir para o Estado Maior das Forças Armadas (EMFA) a responsabilidade pelo encontro de uma solução. No EMFA, com a criação de uma Comissão Permanente de Comunicações responsável pelo assunto, logo se verificou que, no Congresso Nacional, encontravam-se em andamento alguns anteprojetos de lei para a radiodifusão, que passaram a ser acompanhados de perto.
A Aprovação do Código Brasileiro de Telecomunicações
A radiodifusão brasileira estava passando por uma situação de instabilidade legal, porque a legislação vigente ainda datava de 1931 e 1932, complementada por vários decretos-leis, decretos e portarias. A primeira estação transmissora de radiodifusão no Brasil foi a Rádio Clube de Pernambuco, inaugurada em Recife em 6 de abril de 1919, por Oscar Moreira Pinto. A primeira transmissão de radiodifusão no Rio de Janeiro ocorreu em 1923, feita pela Rádio Sociedade, fundada por Roquete Pinto e Henry Morize. Com a instalação de grande número de estações de radiodifusão e o aumento de sua audiência, as empresas de radiodifusão fizeram esforços para mudar as definições em vigor. Como já mencionado, a idéia fixada nos decretos de 1931 e 1932 era de que a radiodifusão era apenas um instrumento educacional e governamental. Em 1934 foi organizada a Federação Paulista das Sociedades de Radiodifusão, que passou a defender a modificação da legislação. Em 1940 foi constituída uma comissão para elaborar um estatuto para a radiodifusão, o que foi realizado. O documento, com o título de Código Brasileiro de Radiodifusão, foi apresentado ao 89
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Governo como sugestão. Entretanto o trabalho não teve prosseguimento, provavelmente porque o Congresso Nacional fora fechado pelo Estado Novo. Outras tentativas foram feitas, em 1944 e 1946, sempre sem haver posterior andamento. Em 1947 foi novamente apresentado, na Câmara dos Deputados, um anteprojeto de lei para o Código Brasileiro de Radiodifusão. Esse anteprojeto foi muito discutido em Comissões da Câmara, porém não chegou a ser votado. Durante esse tempo, o grupo jornalístico dos Diários Associados passou a crescer muito, a controlar o mercado de radiodifusão e, provavelmente por essa razão, não se interessava por uma nova legislação. A partir de 1951, quando a televisão começou a operar no Brasil, os Diários Associados passaram a também nela predominar, ficando muito próximos de um monopólio. Entretanto, ainda havia um número razoável de concessionárias de radiodifusão que continuava a se esforçar por uma mudança das leis. Em 1953 foi apresentado no Senado outro anteprojeto de lei, também para a aprovação de um Código Brasileiro de Radiodifusão, que, após longas discussões, foi aprovado. Enviado à Câmara, novamente ocorreu longa demora e continuaram as discussões sobre o código. Com a atuação do EMFA, durante o governo Juscelino, tiveram início entendimentos, na maioria dos casos, de caráter pessoal, entre os setores de telecomunicações e de radiodifusão. Houve acordo de que a melhor solução para os dois setores era a unificação em um novo Código que regulasse tanto a parte de radiodifusão, quanto a das comunicações telefônicas e telegráficas, nos âmbitos estadual e municipal. A partir de 1957 passou a ter lugar uma ação mais ou menos conjunta, no Congresso Nacional, do pessoal de radiodifusão com o pessoal de telecomunicações. Nesse ano, o senador Cunha Mello apresentou um grande número de emendas ao projeto do senador Marcondes Filho, adaptando-o ao setor completo das telecomunicações. Ele passou a ser conhecido como “Substitutivo Cunha Mello para o Código Brasileiro de Telecomunicações”. Mais um grande número de emendas foi apresentado a esse projeto e ele foi aprovado no Senado e encaminhado à Câmara dos Deputados. Passaram-se mais quatro anos e novo substitutivo foi apresentado pelo deputado Nicolau Tuma, o qual foi aprovado pela Câmara, após receber mais noventa e nove emendas. Um fato que auxiliou a aceleração da aprovação do Código foi uma inesperada punição, aplicada por Jânio Quadros a Rádio Jornal do Brasil. Poucos meses após sua posse na Presidência da República, Jânio Quadros ficou contrariado com os termos de um programa irradiado por essa rádio. As poucas normas existentes davam ao Presidente da República o poder de aplicar punições a seu critério e Jânio aplicou a Rádio Jornal do Brasil uma suspensão de suas transmissões por dois dias. Esse fato avivou muito as preocupações do setor de 90
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radiodifusão, porque era muito leve o teor do programa visado. O setor concentrou-se na idéia de que havia necessidade imperiosa de uma legislação completa e passou a se empenhar com maior interesse junto ao Congresso, conseguindo apressar a aprovação do projeto de lei. Retornando ao Senado, ele foi rapidamente aprovado. Levado ao presidente João Goulart, recebeu cinqüenta e dois vetos parciais, que modificavam inteiramente o espírito do projeto de lei, porém foi tão eficaz a ação conjunta dos setores de radiodifusão e de telecomunicações junto ao Congresso, que todos os vetos foram rejeitados. No dia 27 de agosto de 1962 foi sancionada a lei 4.117 - Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT).
Características e Organização do Código Brasileiro de Telecomunicações
Os dois setores, radiodifusão e telecomunicações, ficaram muito satisfeitos com a sanção do Código Brasileiro de Telecomunicações. Ele criou vários fatores que permitiram, principalmente, a evolução progressiva de uma rede nacional de telecomunicações que atendesse efetivamente às necessidades do povo e da economia brasileiros, em todo o território nacional. Até então existia uma falta de políticas claras, de normas e regras operacionais, que resultassem em um sistema coerente e compatível entre as diferentes redes estaduais e locais. A falta anterior dessas regras resultou na instalação de inúmeros sistemas telefônicos, que utilizavam equipamentos de diferentes origens e também diferentes características. Como consequência, a sua interligação era muito difícil e de custos elevados. O Código era constituído de treze capítulos e dois artigos como disposições finais: •
Capítulo I – Introdução – Em três artigos trata da área de abrangência e dos documentos internacionais.
•
Capítulo II – Das Definições – Em seis artigos define os diversos serviços e meios das telecomunicações brasileiras.
•
Capítulo III – Da Competência da União – Em seis artigos, define a competência da União sobre a prestação de todos os serviços de telecomunicações e seu poder de fiscalização. Dentro de seus limites respectivos, os Estados e Municípios poderão organizar, regular e prestar serviços de telefonia, obedecidas as normas fixadas pelo Conselho Nacional de Telecomunicações. 91
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•
Capítulo IV – Do Conselho Nacional de Telecomunicações - Em dezesseis artigos, cria o Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL, fixa sua competência, organização, composição, disposição geral sobre seu funcionamento e normas internas.
•
Capítulo V – Dos Serviços de Telecomunicações – Em vinte e um artigos define os diferentes tipos de serviços de telecomunicações, as normas gerais para sua concessão, fiscalização, vistoria e funcionamento. Autoriza o Governo Federal a constituir uma empresa, sob a forma de empresa pública, a fim de explorar industrialmente os serviços de telecomunicações postos sob o regime de exploração direta pela União. Fixa as normas básicas para seu funcionamento. Estabelece que as tarifas dos serviços públicos de telecomunicações serão fixadas pelo Contel.
•
Capítulo VI – Do Fundo Nacional de Telecomunicações – Cria o Fundo Nacional de Telecomunicações, para financiar a empresa criada no capítulo V.
•
Capítulo VII – Das Infrações e Penalidades – Define detalhadamente as infrações, seu julgamento e penalidades aplicáveis, para os serviços públicos, em especial a radiodifusão.
•
Capítulo VIII – Das Taxas e Tarifas – O Conselho Nacional de Telecomunicações é o órgão responsável pela fixação de taxas e tarifas de todos os serviços de telecomunicações. Estabelece as normas gerais que serão seguidas pelo Contel nessa atividade.
•
Disposições Gerais e Transitórias – Estabelece as regras a serem seguidas pelos diferentes órgãos públicos, na implementação do Código.
•
Disposições Finais – Entrada em vigor do Código e revogação das disposições em contrário.
O Código Brasileiro de Telecomunicações sofreu modificações, merecendo destaque: •
Decreto-lei 162, de 13 de fevereiro de 1967 – Estabeleceu que, a partir de 15 de março de 1967, seria de competência exclusiva da União a exploração dos serviços de telecomunicações, diretamente ou através de autorizações ou concessões. A União substituiria automaticamente os Estados e Municípios, como Poder Concedente, em todos os serviços de telecomunicações até então sob sua jurisdição. Esse decreto-lei 92
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corrigiu uma falha que existia até então: o Poder Concedente dos serviços de telecomunicações estava dividido entre União, Estados e Municípios, o que impedia a integração desses serviços. Era necessário que constituíssem um sistema compatível em nível nacional, o que era impossível de se obter sem a existência de uma regulação centralizada. •
Decreto-lei 235, de 28 de fevereiro de 1967 – Alterou o decreto-lei 162, autorizando o Contel a assinar convênios com governos estaduais para execução de fiscalização e controle de telecomunicações por meio de seus órgãos especializados.
•
Decreto-lei 236, de 28 de fevereiro de 1967 – Foi elaborado e proposto pelo Plenário do Contel, com o propósito de esclarecer pontos duvidosos do Código. Na parte referente à radiodifusão, incluiu normas gerais para uma política de programações com cobertura nacional, ao mesmo tempo em que procurava evitar um possível monopólio da opinião pública. As diretrizes e restrições para a formação de cadeias nacionais de rádio e de televisão seguiram os mesmos princípios gerais vigentes nos Estados Unidos. Foi fixado, em seu artigo 12, um número máximo de concessões que podiam ser atribuídas a cada pessoa jurídica ou física. Havia a preocupação de evitar problemas como os que tinham ocorrido anteriormente, com a hegemonia dos Diários Associados. Como consequência dessa lei, foram constituídas várias cadeias de emissoras: Globo, SBT, Bandeirantes, Record, Rede TV!, CNT e outras. Há redes com maior audiência que outras, porém não existiu mais monopólio.
Efeitos do Código Brasileiro de Telecomunicações
A situação geral das telecomunicações brasileiras antes da aprovação do CBT apresentava, em princípio, problemas gerais que foram sanados em decorrência da regulação decorrente do Código. Os principais problemas e situações que sofreram correções ou modificações assim podem ser comentados: •
as tarifas telefônicas estavam abaixo da realidade, por problemas político-eleitorais das Câmaras Municipais. Essa dificuldade foi parcialmente solucionada com a aprovação do Código, quando todas as tarifas passaram a ser previamente aprovadas pelo Contel. 93
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O decreto-lei 162, de 13 de fevereiro de 1967, resolveu completamente esse problema, ao passar para o Governo Federal a responsabilidade total sobre as telecomunicações. O forte inter-relacionamento entre as redes de telecomunicações de áreas e estados diferentes exige a unificação das normas e regras de operação, o que é facilitado pela simultânea unificação geral da gestão superior. •
as maiores concessionárias de serviços de telefonia, quase todas estrangeiras, devido às baixas tarifas não se interessavam mais pela prestação dos serviços e não investiam mais em suas redes, que não eram ampliadas. Ao término da concessão entregavam as instalações à Prefeitura, que era o Poder Concedente. Ao receber as instalações, a Prefeitura podia adotar uma das seguintes linhas de ação: 1) Assumir a responsabilidade de prestação do serviço telefônico - Com esse objetivo, criava-se um órgão ou empresa municipal e tentava-se ampliar a rede telefônica para atender à demanda existente. Geralmente não havia experiência técnica, nem recursos financeiros suficientes para realizar as ampliações, ficando-se impotente frente às reclamações. Os serviços decresciam, com tendência a desaparecer, como ocorreu em várias localidades. 2) Procurar um grupo de empresários locais, interessados na ampliação da rede telefônica - Eles formavam uma empresa, à qual era outorgada a concessão para o serviço telefônico. Se esses empresários dispusessem efetivamente de dinheiro e as tarifas fossem atualizadas, poderia haver resultado positivo. Se dependessem apenas do autofinanciamento, não tinham êxito, porque a obra teria de ser realizada de acordo com a entrada de recursos e, em conseqüência, seria muito demorada, o que fazia com que os futuros usuários perdessem a confiança nela e, com frequência, a obra não chegava ao término. Os serviços decresciam, com tendência a desaparecer. 3) Assumir a responsabilidade de prestação do serviço telefônico – Posteriormente a Prefeitura aceitava a proposta, que com muita frequência era feita pela antiga concessionária, de assinar um contrato de administração, mediante uma quota mensal (normalmente de 12% da 94
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renda mensal bruta). Essa ação foi adotada com muita frequência pela Companhia Telefônica Brasileira, principalmente no interior do Estado de São Paulo. Com esse procedimento ela garantia o recebimento de uma boa remuneração, que não tinha quando operava como concessionária, além de não ter responsabilidade pela expansão da rede, o que passara a caber à Prefeitura. Os investimentos para expansões de redes eram de total responsabilidade da Prefeitura. •
Quando ainda não existia um órgão regulador para a telefonia, os equipamentos eram comprados no exterior sem preocupação de verificar quais eram as suas características técnicas. Essas eram sempre as do país onde tinham sido fabricadas as centrais telefônicas. Por essa razão, quando foi iniciada a automatização, na década de 1920, houve dificuldade de interligação entre as diferentes redes do país. Esse problema foi sanado com a aprovação do CBT e a constituição do Contel, que estabeleceu as normas e regras que permitiram a introdução da discagem direta à distância – DDD. Até essa ocasião, era grande o número de redes telefônicas locais, geralmente em pequenas localidades, que não tinham nenhuma possibilidade de ligação externa.
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A baixa rentabilidade das prestadoras de serviços telefônicos fazia com que elas não dispusessem de crédito junto às instituições financeiras, o que ainda mais restringia sua capacidade de investir na expansão das redes telefônicas. O CBT criou o Fundo Nacional de Telecomunicações (FNT), alimentado por uma sobretarifa nas contas telefônicas, e uma empresa para executar os serviços interurbanos interestaduais e internacionais, a Empresa Brasileira de Telecomunicações – Embratel. O FNT foi inicialmente colocado à disposição da Embratel para a implantação dos equipamentos e redes necessários à prestação dos serviços sob sua responsabilidade. Apesar da elevada demanda existente na telefonia local, essa decisão foi correta, porque a insuficiência de meios de longa distância mostrou ser muito mais presente. Com instalações de boa qualidade, operadas e geridas com eficiência, os tráfegos interestadual e o internacional cresceram com extrema rapidez, tornando-se a base principal da credibilidade financeira, que passou a existir em relação a todas as empresas que constituíam o Sistema Nacional de Telecomunicações. Com o crescimento da receita operacional total da Embratel, os recursos do FNT passaram a 95
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ser aplicados na expansão das redes locais e intraestaduais, sem criar nenhum problema financeiro para a empresa. •
Até a aprovação do CBT, os serviços internacionais eram prestados somente por cinco empresas estrangeiras, sendo a telefonia efetuada via rádio e a telegrafia e o telex via rádio e cabo telegráfico submarino. De acordo com o Código, esses serviços eram de responsabilidade do Governo Federal, que poderia executá-los diretamente ou através de concessões. Quando o Brasil aderiu ao sistema de comunicações por satélites, manteve essa posição. Foram iniciados entendimentos com os concessionários internacionais para a constituição de uma empresa, da qual todos participariam, assim como a União. Houve muita confusão: cada um desejava ser o único ou principal operador e não houve acordo. Após a constituição da Embratel, o Contel analisou o problema e propôs ao Presidente da República que fosse atribuída somente a Embratel a responsabilidade de operação do terminal internacional para satélite. Considerava que era perigoso deixar as comunicações internacionais sob o controle de uma única empresa, ainda mais se ela era estrangeira. Após alguns debates, o Presidente da República Castello Branco optou pela solução de criar a Embratel. As concessionárias não se conformaram e tentaram, de todas as maneiras, atrapalhar a ação da Embratel, que fez um bom serviço e, em curto prazo, instalou o terminal internacional. As concessionárias recusaram-se a usá-lo, pretendendo continuar a operar via rádio. Poucos dias depois do início da operação da Embratel via satélite, todas suspenderam seus serviços por falta de usuários. Todos esses passaram a preferir as comunicações via satélite, porque eram de qualidade extremamente melhor, pelo mesmo preço. Para se ter idéia do que representou o serviço internacional para o sucesso da implantação do Sistema Nacional de Telecomunicações, vale lembrar que a receita bruta da Embratel, apenas proveniente dos serviços internacionais, ocorrida nos nove primeiros meses de operação do terminal internacional por satélite, foi igual ao custo total de construção e instalação desse terminal.
•
Em cumprimento ao Código, o Contel foi constituído em 1963. Até 1967, com a criação do Ministério das Comunicações, que assumiu as responsabilidades do Contel, ele tinha elaborado e posto em vigor um grande número de normas e regras, anteriormente inexistentes, dentre as quais pode-se mencionar: 96
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- Regulamento para aplicação do Código Brasileiro e Telecomunicações; - Plano Nacional de Telecomunicações; - Regulamento dos Serviços de Radiodifusão; - Regulamento dos Serviços de Telefonia; - Plano de frequências de radiodifusão em onda média; - Normas para o Serviço Interior Limitado; - Tarifas para o Serviço Telegráfico Público Interior; - Normas sobre tarifas de telecomunicações; - Prioridades e diretrizes para a implantação do Sistema Nacional de Telecomunicações pela Embratel; - Instalação de redes privadas telex; - Instalação de estações de radiodifusão; - Instalação de estações de televisão; - Normas para estações de retransmissão de televisão; - Reserva de canais para televisão educativa; - Normas para o serviço de contabilidade das empresas telefônicas; - Normas padrão para os contratos de concessão de serviços de telecomunicações; - Diretrizes para o uso de autofinanciamento nas expansões de telefonia.
Considerações Finais
O Código Brasileiro de Telecomunicações vige até hoje, tendo sofrido várias modificações, o que é absolutamente correto, pois é necessário que se corrijam os caminhos que estão sendo percorridos, sempre que as circunstâncias aconselharem modificações. Não se deve ficar preso a idéias ou ideologias gerais. Um caso típico ocorreu no setor de telecomunicações. O Código previa que os serviços seriam prestados diretamente ou através de concessões. Na política inicialmente seguida em 1964, foi dada preferência às concessões. Mesmo após a aprovação do Código e emissão de regras e normas pelo Contel, os concessionários existentes declararam-se desinteressados na continuação da prestação dos serviços. Foi aberta a possibilidade de serem outorgadas novas concessões, porém os possíveis candidatos sempre deixaram claro que os investimentos teriam de ser totalmente custeados pelo Governo. Foi, então, tomada a decisão de 97
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prestação direta dos serviços interurbanos pela Embratel, a qual foi posteriormente complementada com a constituição da Telebrás. A política foi ampliada, com um forte apoio à indústria e ao empresariado nacional - tudo dentro dos termos do Código. Bons resultados foram sendo obtidos, com uma estrutura operacional estatal montada em termos de eficiência e capacitação para o preenchimento dos cargos de direção. Entre 1982 e1985, essa situação foi sendo modificada, com a crescente politização na indicação de pessoal para esses cargos. Esse fato foi crescendo continuamente e passou a se notar certa queda no crescimento do sistema de telecomunicações, coincidentemente com alguma estagnação ou até queda na qualidade dos serviços. Infelizmente crescia o número de dirigentes que assumiam seus cargos, não devido à sua qualificação, porém apenas por interesses políticos e eleitoreiros. Dentro do próprio setor foi crescendo a reação a essa situação e, em 1998, foi consumada a mudança de política do setor, com a sua privatização. Nesse meio tempo, ainda houve uma tentativa mais drástica e infeliz. A Constituição Federal de 1988 declarou a estatização completa do setor no seu artigo 21:
“Compete à União: (...) X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional; XI – explorar diretamente ou mediante concessão ou permissão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União; XII – explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e os demais serviços de telecomunicações.”
Essa estatização não chegou a ser implementada e o sistema de telecomunicações foi privatizado, sendo regulado pela Lei Geral das Telecomunicações (nº 9.472), de 16 de julho de 1.997.
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Da Segurança Nacional à Insegurança Jurídica nas Telecomunicações: o Código Brasileiro de Telecomunicações, 45 Anos Depois Octavio Penna Pieranti 30
Introdução Desde 1962, quinze Presidentes da República, incluindo os interinos, alternaram-se no poder. No mesmo período, a moeda brasileira mudou de nome sete vezes, em meio a idas e vindas do Cruzeiro que teimava em resistir. O Brasil modernizou-se e, com ele, as Comunicações. Em 1962, o país – ou melhor, uma ínfima parte dele - sonhava vagamente com o que viriam a ser Telebrás, Embratel e Radiobrás. A estação de Tanguá e os satélites Brasilsat I e II fariam parte de uma infra-estrutura distante. A transmissão em freqüência modulada não se impunha no rádio brasileiro e a televisão aventurava-se em preto, branco e tons de cinza. Em 1962, depois de nove anos de discussão, foi promulgado o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT). Muito já se aludiu a esse marco como reflexo de um raro – raríssimo – consenso no âmbito da Comunicação. Trata-se de meia verdade: como frisa o ex-ministro das Comunicações Quandt de Oliveira em artigo neste dossiê, o CBT nasceu como fruto de um entendimento entre empresários dos setores de telefonia, ainda explorado em regime privado, e de radiodifusão, que, nos anos anteriores, chegaram a trabalhar pela aprovação de dois códigos, um para cada setor. Em época de força reduzida de segmentos organizados da sociedade civil no âmbito da Comunicação, a ruptura com o aparente consenso dos empresários deu-se por parte do Presidente João Goulart, que, como evidenciado em artigo anteriormente publicado nesta revista (PIERANTI; MARTINS, 2007), estabeleceu 52 vetos à lei, a maioria dos quais enfocando uma ampliação da capacidade de intervenção do Poder Executivo nas telecomunicações. Em votação histórica, cada um doa 52 vetos foi derrubado, em votação nominal, pelo Congresso Nacional.
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Jornalista, doutorando em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV) e mestre em Administração Pública pela mesma instituição. Autor de Políticas Públicas para Radiodifusão e Imprensa (Ed. FGV, 2007) e organizador e autor de Estado e Gestão Pública: Visões do Brasil Contemporâneo (Ed. FGV, 2006). E-mail: octavio.pieranti@fgv.br 99
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Consenso é termo que marca a história do CBT. De marco aplaudido, passou, em poucos anos, a alvo consensual de ataques. De acordo com Herz (1988), após a promulgação do decretolei 236 em 1967, que modificou o marco original, em meados da década de 1970 o regime militar começou a ensaiar profundas mudanças no CBT. Mutilado, o documento sofreu sua principal transformação em 1997, quando, visando à privatização das empresas telefônicas, uma nova lei revogou todos os dispositivos do CBT referentes à telefonia e à transmissão de dados. O Código passava, então, a restringir-se à radiodifusão – rádios em ondas médias, curtas, tropicais e freqüência modulada e televisão em fase de pré-digitalização. A atual acusação de anacronismo, outro dos consensos que envolvem o CBT, respalda-se na simples evidência de inovações tecnológicas surgidas desde 1962. Mesmo que essas sejam cruciais para a motivação das críticas a que se submete o marco, entende-se, aqui, que tão importante é a mudança de princípios por que passaram o país e as telecomunicações nas últimas quatro décadas e meia. É objetivo deste artigo avaliar essa transformação, sob a ótica da Segurança Nacional.
A Ideologia da Segurança Nacional
Surgida na primeira metade do século XX, a ideologia da Segurança Nacional ganhou força nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, em um cenário marcado pela silenciosa Guerra Fria, capaz de dividir o mundo em dois blocos. Uma primeira crítica a essa assertiva pode referir-se ao entendimento do conceito de Segurança Nacional como uma ideologia. Apesar de ser uma crítica plausível, seu questionamento implicaria em fuga ao tema central a este artigo, bem como não seria possível debatê-la a contento no espaço disponível. Aqui, entende-se como ideologia um conjunto de idéias de um determinado grupo de pessoas, de certa forma representativo da totalidade de uma amostra (no caso, a nação), refletindo objetivos e diretrizes específicos. Mais importante para este trabalho é salientar o fundamento da Segurança Nacional, depreendido, em parte, do próprio termo. Ao se evocá-lo, presumia-se que a nação depende de regras específicas para a garantia de sua segurança; por oposição, significa que, não respeitadas essas regras, o país e, conseqüentemente, seus cidadãos, encontram-se em situação de 100
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insegurança. O problema passa a ser quais regras são essas, quem deve defini-las e de quem se deve defender a nação. A terceira parte do problema pode ser respondida de forma objetiva. Em um contexto de bipolaridade como o da Guerra Fria, não é difícil concluir que um bloco deve defender-se do outro, do que deriva um pilar da ideologia em questão: acreditava-se em um estado de guerra permanente, tomando por base a aparente perenidade do inimigo. Assim, por mais que houvesse mudanças de governantes ou reformulações de políticas, essas eram situações pontuais, que em nada reduziam a fragilidade do adversário. Guerras presumem derrotas e vitórias, a depender da perspectiva, consumadas pela mudança de regime e de orientação política nos contextos nacionais. Como frisa Comparato (1981), para inviabilizar essa hipótese era preciso não apenas defender-se do bloco adversário, como também de seus aliados – propensos de serem derrotados – e de si próprio – já que a influência do inimigo fazia-se sempre presente -, criando um cenário natural apenas à lógica orwelliana. Em outras palavras, era preciso defender a nação de inimigos, de amigos e de si próprio, já que no âmbito nacional poderiam estar incrustadas forças ligadas ao bloco adversário. Se ninguém era a priori confiável, em quem se deveria confiar? Apenas no ente que, representando a sociedade e, em tese, escolhido ou aceito por ela, poderia defendê-la, ao apontar caminhos para a garantia da Segurança Nacional – ou seja, os diferentes governos à frente da máquina estatal. Note-se que a ideologia da Segurança Nacional não se restringia apenas a regimes autoritários – como não o era o governo de João Goulart, quando se promulgou o Código Brasileiro de Telecomunicações -, porém encontra mais eco nessas situações. Não havendo oposição oficial (caso de regimes totalitários) ou sendo seu espaço de atuação formal ou informalmente reduzido (como no caso brasileiro a partir de 1964), cabe apenas ao governo decidir quais são as regras e setores essenciais à Segurança Nacional. As comunicações, reunindo comunicação de massa, telefonia e transmissão de dados, encaixavam-se nesse âmbito, sinteticamente, por dois motivos. O primeiro é a necessidade de se dispor de meios de comunicação eficientes para a coordenação de um ataque ou de uma defesa – prováveis em um contexto de guerra permanente. O segundo é a capacidade dos meios de
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comunicação de massa de difundir ideologia estrangeira (e inimiga), não consoante com os valores nacionais defendidos (WRIGHT, 1960). Escamoteada por esses motivos, jaz a retórica que apregoa o Estado como único ente capaz de reconhecer quais valores são efetivamente nacionais e que, portanto, devem ser protegidos. Os meios pelos quais isso se processa diferem em função do grau de autoritarismo do regime vigente e de seus interesses, já que esses não raro eram encarados como de interesse da própria nação e, conseqüentemente, cruciais à Segurança Nacional. Assim, sempre em alusão a ela, foram adotados procedimentos diversos no sentido de tentar regular as comunicações, como uso de licitações e concessões para traçar diretrizes, restrições ou aceitações de oligopólios e monopólios e a adoção das comunicações como pilar de estratégias de desenvolvimento e de políticas públicas – submetendo-as à lógica da Segurança Nacional (BELTRÁN, 2002).
A Ideologia da Segurança Nacional no Brasil
Pelo menos desde a década de 1950, militares de altas patentes lecionavam cursos e proferiam palestras sobre Segurança Nacional na Escola Superior de Guerra (ESG) no Rio de Janeiro. O público era diversificado, mas compreendia principalmente outros militares e, em menor medida, civis que alcançavam postos de destaque em suas instituições profissionais. Um dos expoentes da Escola, à época, era Golbery do Couto e Silva, que se tornaria fundador do Serviço Nacional de Informações (SNI) e, depois, ministro-chefe da Casa Civil do governo de Ernesto Geisel, outro dos palestrantes da ESG. De acordo com Golbery, ao Estado caberia o combate a ameaças contra a sociedade, os governantes e o aparelho burocrático, ou seja, cabia ao Estado garantir a segurança de todos os habitantes da nação e instituições a ela essenciais. Garantir a Segurança Nacional seria fundamental para atingir o que o autor chamou de Objetivos Nacionais Permanentes (ONP), etapas a serem percorridas com vistas ao desenvolvimento do país. Em uma situação de ameaça, o Estado deveria dispor de prerrogativas para agir sem limitações, visto que a Segurança Nacional encontrava-se acima de direitos individuais:
“(...) não há de fato – nem poderia haver em sã consciência – quem negue no Governo a responsabilidade total e, pois, o direito incontestável de agir, orientando, 102
Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, n. 3, Sep. – Dec. /2007 mobilizando, coordenando, para tal fim, todas as atividades nacionais. E a concentração maior de poder que daí resultar, em mãos dos delegados da vontade do povo, a ampliação da esfera de atribuições reservada ao Poder Executivo, as restrições impostas aos próprios direitos de cidadania na forma prevista nos textos constitucionais são corolários iniludíveis de toda situação de reconhecida gravidade para a Segurança Nacional – a aplicação de tais corolários comportando, como é evidente, grande margem de flexibilidade que lhes permita convenientemente adequar-se ao progressivo aumento ou relaxação das tensões externas ou internas que se estejam a manifestar” (COUTO E SILVA, 1981, p. 22-23).
Assim como no âmbito externo, no interno as comunicações também eram reconhecidas como de interesse nacional e centrais à segurança do país, já antes da Segunda Guerra Mundial. Em 1931, o Decreto 20.047 estabeleceu, em seu artigo 12, que o serviço de radiodifusão é de interesse nacional. A principal finalidade desse serviço era a promoção da educação, papel reforçado pela Lei 2.597 de 1955, que versa sobre zonas estratégicas para a defesa do país. Em seu artigo 6º, meios de comunicação como rádio, televisão, telefone e telégrafo eram reconhecidos como de interesse para a Segurança Nacional, mesmo caráter, por exemplo, das indústrias de armas e munições, das fábricas de explosivos e da exploração de energia elétrica. É simbólica a reunião de serviços aparentemente tão díspares como de interesse para a Segurança Nacional. Obviamente não se pode dizer que os meios de comunicação de massa oferecem, de forma direta, o mesmo nível de letalidade que armas e explosivos, porém cabe frisar que o Estado reconhecia em ambos uma possível ameaça ao status quo. Outra possível interpretação, que não se opõe à anterior, é o entendimento da comunicação como serviço público tão essencial ao dia-a-dia da sociedade quanto a energia, também mencionada na referida legislação. A Lei 2.597 foi revogada por completo apenas em 1979, já no ocaso do regime militar, o que permite afirmar que legalmente suas considerações acerca da Segurança Nacional foram por ele recepcionadas. Não bastasse a anuência em relação a esse marco legal, diversas manifestações de representantes do regime militar seguiram-se nessa linha, como, por exemplo, a do então Presidente da República, Arthur da Costa e Silva, para quem “mais comunicações é mais segurança, mais bem-estar, maior velocidade na penetração da civilização contemporânea nos distantes e silenciosos rincões de nossa Pátria” (MATHIAS, 1999, p. 162). Ainda que mais enfática durante o regime militar, a associação entre comunicação e Segurança Nacional já se processava mesmo durante a vigência de governos democráticos, a 103
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julgar pelo marco legal citado. Em 1962, com a promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações, essa relação voltou a se manifestar.
O Código Brasileiro de Telecomunicações e a Segurança Nacional
Mesmo que Segurança Nacional e Código Brasileiro de Telecomunicações já fossem próximos desde o nascedouro do segundo, essa relação viria a intensificar-se durante o regime militar, conforme claramente explicitado pelo decreto-lei nº 236, de 1967, que viria a alterar dispositivos do CBT. Para uma análise mais precisa desse documento, assim, julgou-se necessário sua releitura face às mudanças impostas pelo decreto-lei. Em publicação anterior (PIERANTI, 2007), foi abordado o papel que os militares já desempenhavam no âmbito das Comunicações quando da promulgação do CBT. Desde as primeiras décadas do século XX, eles estudavam o setor com afinco, impulsionando, em 1959, a criação das Armas de Engenharia e de Comunicações do Exército Brasileiro. A capacitação dos militares no setor refletia-se nos órgãos reguladores e superava em muito a preparação dos civis, visto que o know how desses encontrava-se disperso em mais de 600 concessionárias regionais de telefonia e em emissoras de radiodifusão, iniciantes no que se refere à formação de redes. Dos três membros da Comissão Técnica de Rádio, responsável por regular o setor de 1931 a 1962, dois eram militares. Durante o governo de Costa e Silva, doze dos dezesseis funcionários do embrionário Ministério das Comunicações, criado em 1967, eram militares, totalizando uma ocupação de 68,7% dos cargos disponíveis, quando a ocupação de cargos públicos por militares beirava os 12% (MATHIAS, 1999). O predomínio dos militares no âmbito das Comunicações refletiu-se no Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel), criado pelo artigo 15 do CBT. Dos dez membros do órgão, quatro eram militares, indicados pelos ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica e pelo Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. De 1962 a 1967, todos os presidentes do Contel foram militares. O conselho dispunha de poderes consideráveis no que se refere às telecomunicações. Nas trinta e cinco alíneas que compõem o artigo 29 do CBT, estão previstas competências inerentes à formulação e à implementação de políticas públicas setoriais, ao fomento de atividades e à fiscalização
das
empresas
outorgadas.
Há
dispositivos
imprecisos,
que
ampliam 104
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exponencialmente o poder do órgão dada a inexistência de limitadores, como a alínea “e”, segundo a qual é tarefa do Contel “promover, orientar e coordenar o desenvolvimento das telecomunicações, bem como a constituição, organização, articulação e expansão dos serviços públicos de telecomunicações”. Legalmente, portanto, o Contel não era apenas mero órgão técnico e auxiliar do governo federal, dispondo de mecanismos para a operacionalização de uma política nacional de Comunicações. Uma das poucas áreas em que enfrentava limitações claras era a de outorga, de responsabilidade, no que se refere à concessão e à autorização, diretamente do Presidente da República. Mesmo assim, cabia a ele ouvir o conselho sobre as propostas e requisitos exigidos pelo edital, conforme reza o artigo 34 do CBT, podendo o Contel propor, também, a caducidade ou perempção das outorgas. Em seu artigo 42, o CBT previa a possibilidade de criação pelo Poder Executivo de uma empresa pública voltada à direta exploração de serviços de telecomunicações. Em 1965 foi criada a Embratel, responsável por dar seqüência à montagem de infra-estrutura que ligasse as principais cidades brasileiras, o que começava a ser feito por meio de microondas. Nos anos seguintes, os investimentos da empresa voltaram-se à comunicação via satélite e tornaram possível a transmissão ao vivo pela televisão. A partir da criação da holding Telebrás em 1972, a exploração direta pelo Estado de serviços de telecomunicações, estimulada pelo CBT, tornou-se mais freqüente, mediante a aquisição de empresas telefônicas privadas ou ao vencimento das outorgas dessas. Como preceito da ideologia de Segurança Nacional e tomando por base o marco legal promulgado, o Estado passava a intervir diretamente, dispondo de maior controle, em atividades que poderiam afetar a segurança do país. Se, por um lado, os militares dedicavam-se ao estudo das Comunicações desde, pelo menos, o início da República, suas investigações referiam-se a questões ligadas à infra-estrutura. Não havia no âmbito militar – e tampouco no civil – a capacitação de profissionais voltados à regulação de conteúdo (PIERANTI, 2007). A principal ação estatal voltada às informações veiculadas era tradicionalmente a censura. A censura era de responsabilidade de intelectuais e de policiais, em uma mistura de formações que visava à qualificação do quadro de funcionários (KUSHNIR, 2004). A presunção que parece estar por trás dos critérios para a escolha desses profissionais é que intelectuais deveriam entender melhor a mensagem subliminar transmitida por autores politicamente 105
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engajados, bem como supostamente percebem com mais facilidade e antecipadamente os problemas que podem advir da programação exibida pelas emissoras. A preocupação com a Segurança Nacional manifesta-se nos dispositivos do CBT referentes à regulação de conteúdo, a princípio esparsos. A programação das emissoras de radiodifusão deveria orientar-se por finalidades educativas e culturais, conforme proposição que remonta aos decretos de 20.047 de 1931 e 21.111 de 1932, os primeiros a regulamentar a radiodifusão, e permanece vigendo no presente, de acordo com a Constituição Federal. Em 1962, o Contel tornava-se o órgão responsável por fiscalizar o respeito da programação das emissoras a essas finalidades. A censura somente seria aceita – e suas normas deveriam ser sugeridas pelo Contel - em caso de decretação de estado de sítio, o que equivale a dizer que seria medida extrema tomada apenas em caso de ameaça direta à Segurança Nacional, julgada como tal pelo governo federal. A partir de 1967, com a promulgação do decreto-lei 236 fruto do recrudescimento do regime militar, essa situação mudou. Explicitamente a censura só continuou autorizada em situações de estado de sítio, entretanto inúmeras ressalvas à programação e marcos legais limitadores de liberdades individuais e coletivas terminavam por restringir o fluxo de informações nas emissoras. Ao contrário de congêneres, o regime militar brasileiro caracterizou-se por um curioso apego a normas legais (SMITH, 2000). Por meio delas, ao mesmo tempo em que não previa a censura como instrumento legal via de regra, permitia sua prática como fruto de restrições outras. Ao CBT, conforme alterações do decreto-lei 236, coube dispor, em seu artigo 53, sobre abusos no exercício da radiodifusão, a serem fiscalizadas pelo Contel. Dentre eles estavam a incitação à desobediência, a divulgação de segredos de Estado, o ultraje à honra nacional, à moral familiar e aos bons costumes, a propaganda de guerra e a subversão, o estímulo à rebeldia nas Forças Armadas e a manifestações públicas e o insulto aos Três Poderes ou a qualquer um de seus membros. Amplas, as proibições permitiam qualquer interpretação, a critério do Poder Público, conforme convinha a um Estado autoritário imbuído da ideologia da Segurança Nacional. Note-se que esse artigo até hoje não foi explicitamente revogado, mesmo seu conteúdo ferindo frontalmente os princípios da Constituição Federal de 1988 – razão pela qual é apontado como não recepcionado pela Carta Magna.
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Nem sempre estava garantida a defesa em relação a acusações de desobediência a essas proibições. De acordo com o artigo 66 do CBT, o Contel deveria notificar a suposta empresa infratora, que teria cinco dias para apresentar sua defesa. No entanto, o Presidente do Contel poderia recusar o direito de defesa, caso a representação fosse feita por autoridades públicas específicas, dentre as quais o secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional. Considerações Finais Com o fim da Guerra Fria e a redemocratização política das nações latino-americanas, a ideologia da Segurança Nacional perdeu espaço e sua razão de ser. Os marcos a ela relacionados foram progressivamente revogados, ainda que nem sempre explicitamente. Dessa forma o foram, por exemplo, a Lei de Segurança Nacional (decreto-lei 898) e os Atos Institucionais. No âmbito da comunicação de massa, pródiga em documentos inspirados por aquela ideologia, o mesmo não aconteceu: permanecem vigentes, por exemplo, o Código Brasileiro de Telecomunicações, o decreto-lei 236 e a Lei de Imprensa. Ainda que houvessem sido revogados, jamais se chegou a um acordo acerca de novos marcos capazes de substituí-los. Novos projetos de lei que regulam a imprensa tramitam lentamente no Congresso Nacional, ao passo que o CBT foi, em grande parte, revogado com a promulgação da Lei Geral de Telecomunicações. Restaram, porém, os dispositivos referentes à radiodifusão e às sanções. A sensibilidade inerente à comunicação de massa é uma das causas para a polêmica que sempre se instala em momentos de discussão de novos documentos legais. Não se pode negar que o setor merece cuidados especiais, dada sua ligação com a democracia, porém essa não deve servir de justificativa para o imobilismo. A inexistência de marcos legais recentes e as mudanças na política nacional implicam na não recepção de dispositivos essenciais àqueles documentos, o que, na prática, traz prejuízos à ação reguladora do Estado no setor. Não bastassem as dificuldades neste âmbito, a vinculação entre a ideologia de Segurança Nacional e as telecomunicações, além de anacrônica, geram insegurança legal para mercado e sociedade. Assim, a sobrevivência do CBT dá-se em prejuízo da comunicação de massa, reflexo de dificuldades na busca de um consenso em torno de diretrizes a serem traçadas para o setor.
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Ombudsman de mídia: a fiscalização dos conteúdos televisivos Valério Cruz Brittos* Marcela Brown** Introdução Transparência e interatividade, em geral, não são sinônimos de estratégias midiáticas, especialmente quando se trata dos mais importantes veículos brasileiros. A problemática comunicacional é pouquíssimo abordada nos meios massivos, que tomam para si o conceito de popular. O debate pela democratização da mídia implica em conflitos de interesses empresariais, os quais, somados à pouco sedenta disposição da população em participar, resultam em receptores cujo comportamento é predominantemente pouco atuante. Visto isso, não seria de estranhar, portanto, que a palavra ombudsman seja mal vista pelo empresariado da comunicação e mal (ou nada) compreendida pelas massas: leitores, ouvintes e telespectadores, grosso modo, desconhecem o seu significado. O que se esconde por trás desse tema, apesar de certas limitações, é o direito de praticar a cidadania, fazer-se ouvir, participar, opinar. Poucos veículos no Brasil tiveram capacidade de abrir espaço para este assunto, expondo-se à autocrítica e interagindo com seu público. Os jornais Folha de S. Paulo e O Povo, do Ceará, são os únicos impressos brasileiros que não apenas implantaram, mas mantiveram o cargo de ombudsman no país. As emissoras de rádio Bandeirantes e Nacional (emissora da Radiobrás) transmitem programas semanais comandados por um ouvidor. A televisão confunde cegamente o popular com o grotesco, até porque a contínua inserção de baixaria na sua programação não é um fator de perda de audiência, uma vez que isso agrada a parte considerável do público. É muito nítido que há uma gama de anunciantes dispostos a manter seus contratos nas emissoras abertas e outra gama de novos anunciantes visando a sua entrada na programação televisiva, nos mais diversos horários da grade. Isso só faz aumentar o poderio desse meio, não apenas econômico, mas também cultural. A TV Cultura inaugurou o cargo de ombudsman em setembro de 2004, mas ainda não conta com um programa específico na emissora. Passado o primeiro ano de mandato do *
Professor no Programa de Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação (FACOM) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). ** Acadêmica em Comunicação Social – Jornalismo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). 109
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ombudsman Osvaldo Martins, que teve contrato renovado no fim de setembro de 2005, a interação da TV Cultura com seu público ainda ocorre apenas via internet ou cartas. Ainda em fase de implementação, a partir da renovação contratual, o ombudsman passou a atender somente as reclamações/opiniões voltadas para o jornalismo da emissora, que pretende inserir um programa com menos de 30 minutos na sua grade, ainda neste mandato. A TV Nacional, outra emissora da Radiobrás, dialoga com o público através de ligações, comandada pela mesma ouvidora da Rádio Nacional, Emília Magalhães, também semanalmente. É lícito elogiar tais exemplos, porém, deve-se destacar que ambos pertencem a concessões públicas, do governo de São Paulo e do governo federal, respectivamente, cabendo a elas estes pioneirismos voltados para cidadania. O que se pretende aqui, portanto, não é apenas apontar e analisar a trajetória que o cargo de ombudsman já percorreu, mas também apontar e analisar o que ainda falta percorrer. Visto isso, a questão que norteia este artigo é: o ombudsman pode contribuir para a democratização dos processos midiáticos televisivos? Tal pergunta supõe a democracia como instrumento através do qual o povo usufrui do seu poder, num elenco onde há autores e regras do jogo. Porém, há um procedimento universal nesse conceito, que diz respeito à participação e à liberdade. O ato de ligar e desligar a TV, bem como de trocar o canal, são, em certa medida, as únicas formas de decisão desse receptor. O que se busca, no entanto, não são apenas as constatações das mazelas que estão à solta no cenário comunicacional, mas o apontamento do cargo de ombudsman como uma das soluções, ou atenuantes, deste problema. O mesmo Brasil que rompeu com a ditadura em 1984 ainda engatinha no processo de democratização dos meios de comunicação. Há, evidentemente, um forte conflito de interesses que paira no âmbito midiático e impera sobre qualquer tipo de prática de cidadania. A marca mais profunda aqui, entretanto, é a distância que as massas da população mantêm em relação aos veículos comunicacionais (e vice-versa). A adesão ao cargo de ombudsman se restringe a alguns casos raros, por iniciativa das empresas de comunicação mencionadas. No caso da televisão pública, a intenção de rever os direitos dos cidadãos é sua missão legítima, já que possibilita a intervenção, ainda que mínima, nesse meio. Restaria para a televisão comercial, talvez, disponibilizar um programa de ombudsman para a audiência, para além de uma estratégia de marketing e tentativa de melhorar sua imagem diante do público (consumidor). O que se teme é que a natureza do cargo seja aniquilada neste processo, tornando-o uma espécie de oráculo midiático, no qual a audiência deposita suas insatisfações democraticamente, porém, sem 110
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visualizar resultados efetivos de sua participação nas telas de TV. Origem e história Este artigo é desenvolvido no âmbito teórico-metodológico, a partir da Economia Política da Comunicação (EPC), fonte explicativa histórica dos fenômenos midiáticos, que ganha maior relevância ainda a partir do final do século XX, ante o acirramento das lógicas capitalistas no funcionamento das indústrias culturais, com o aumento da comercialização dos meios de comunicação e a contínua liberalização desses mercados. Os rumos analíticos possíveis da EPC envolvem os negócios inerentes às políticas governamentais, a distribuição e substituição de mercadorias comunicacionais e as medidas no sentido de regulamentar o mercado das comunicações. Desse modo, acrescenta Mosco, “Em sentido estrito, economia política é o estudo das relações sociais, particularmente as relações de poder, que mutuamente constituem a produção, distribuição e consumo de recursos, incluindo os recursos comunicacionais”.31 O que segue é resultado de um estudo protagonizado pelo ombudsman de mídia. Esta profissão pode vir a representar não apenas uma prática de cidadania, mas, também, uma proposta de debate acerca das condições que possibilitem uma mídia mais acessível à sociedade, contribuindo a favor da qualidade e aprimoramento dos diversos aspectos na programação televisiva, evocando novos questionamentos e, principalmente, novas formas de pensar os meios de comunicação de massa, em especial a televisão brasileira. Em tradução informal, ombudsman significa representante do cidadão. Originalmente sueca, a palavra é a união dos termos ombuds (representante) e man (homem). Antes do ombudsman ser consolidado, em 1809, na própria Suécia, ainda denominado justieombudsman (ombudsman da justiça), o país já havia sido o precursor do cargo quase um século antes, ligado às ações do magistrado. 32 Em política, desde a antiguidade, sempre houve a figura do conselheiro; quase sempre revestido com o sagrado, era intocável. Na Roma Antiga eram encaminhadas reclamações dos cidadãos aos poderes administrativos: o tribuno romano. A origem do tribuno é conseqüência das reivindicações da plebe por reformas, no então verificado domínio exercido pela autoridade da classe aristocrática da ainda recente república romana. A 31
MOSCO, Vincent. Economia política da comunicação: uma perspectiva laboral. Comunicação e sociedade 1Cadernos do Noroeste, Braga, v. 12, ns. 1-2, p. 97-120, 1999. p. 97. 32 MACIEL, Roberto. Ombudsman no mundo e no Brasil: da admissão de falhas à busca do aprimoramento. In: SÁ. Adísia; VILANOVA, Fátima; MACIEL, Roberto (Orgs.). Ombudsman, ouvidores: transparência, mediação e cidadania. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2004. p. 13-18. p. 15. 111
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mais importante das funções exercidas pelos representantes da plebe na república romana era a chamada ius agendi cum plebe, o direito adquirido de convocar o povo com o objetivo de falarlhe.33 Nestas reuniões eram discutidas e analisadas proposições referentes a assuntos da esfera política, militar e administrativa. De imediato impõem-se os marcos dessa competência que ainda se pode verificar na ação do ombudsman: a capacidade deste de trazer à luz assuntos de interesse do público relacionados à produção midiática. Se tal exercício não se faz da maneira que era executado nos tempos da Roma republicana, ou seja, através do discurso in loco do alto do púlpito, hoje tal fato se dá nesta que é uma forma contemporânea de tribuna, ou seja, a imprensa. Há uma singularidade do tribunato que deve ser especialmente salientada, visto ter ela bastante importância na questão relacionada ao ombudsman de imprensa: a intocabilidade do magistrado que estivesse investido da potestas tribunicia. O período de estabilidade contratual que assegura o vínculo empregatício do jornalista executor do papel de sensor – o ombudsman – em uma empresa de comunicação, possui a marca milenar de intangibilidade assegurada às “potestas tribunícias”: o ombudsmanato, ainda que de forma leiga, é baseado em regimentos internos cujas prescrições são efeitos da inviolabilidade “sacrossanta” do tribuno romano. 34
Embora de passagem, também se faz necessário mencionar mais um elemento no qual se
entende haver alguma afinidade com o exercício do ombudsman. Da Antiga República, em Roma, passando para o governo sueco do século XVIII, já se contemplam algumas inovações decorrentes da idéia de defesa dos interesses do povo. Aqui, adquire especial relevância o fato de que foi a partir deste cargo governamental que se derivou a expressão com a qual denomina-se hoje o mediador dos pólos emissor-receptor na grande mídia: o ombudsman de imprensa. Contudo, é somente quase cem anos depois que o cargo, ainda não fragmentado nos termos da imprensa, foi finalmente consolidado: a reformulação da Constituição Sueca, em 1809, prevê o provimento do cargo de justieombudsman, representante do parlamento que, às funções do justiekanster, adicionava tarefas tipicamente atribuídas ao que o complexo administrativo convencionava chamar de “ouvidor”. 35 Ao justieombudsman cabia a recepção de queixas contra “serviços mal realizados, servidores negligentes ou entraves burocráticos, isto devido à
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GIORDANI, Mário Curtis. As instituições políticas. In: _____. História de Roma. Petrópolis: Vozes, 1968. p. 87111. p. 94. 34 GIORDANI, Mário Curtis, op. cit., p. 94. 35 Ibid., p. 15. 112
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determinação, na mesma carta constitucional, do direito de petição”.36 Foi o aumento, tanto da quantidade, quanto da natureza das requisições da população, que implicou em uma crescente ampliação da organização administrativa na Suécia do século XIX. A solução foi encontrada na conseqüente expansão da burocracia, através da criação de cargos de ombudsman condicionados à prestação de diferentes e específicos serviços à sociedade: “Entre eles, o allmanhetens pressombudsman, ou ombudsman de imprensa, eleito por um comitê de três integrantes, um dos quais do meio jornalístico. Qualquer cidadão, avaliando ter sido violada a ética jornalística, pode protestar junto ao pressombudsman”.37 A análise da queixa é de incumbência do pressombudsman, que, caso seja autorizado pela vítima, pode encaminhá-la ao julgamento da Comissão de Honra da Imprensa. Assim, inspirado nos moldes da democracia38 dos países escandinavos, o ombudsman de imprensa nasce em prol da defesa dos cidadãos, cujo foco, num primeiro momento, é direcionado ao público do jornalismo impresso, sendo que essa trajetória será analisada no tópico que segue. O pressombudsman contempla praticamente na íntegra as funções predestinadas já na sua origem,
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Ibid., p. 15. Ibid., p. 15. 38 O conceito de democracia possui uma enorme amplitude, estendendo-se por meio de teorias diversas, sendo oportuno citar aqui, ainda que de passagem, três delas, devido à suas tradições históricas: a Teoria Clássica, também conhecida como aristotélica; a Teoria Medieval, de tradição romana e relativa à soberania popular; e a Teoria Moderna, inspirada em Maquiavel. Certamente o surgimento da democracia foi impulsionado por uma situação antidemocrática e, apesar do conceito existir há séculos antes de Cristo, sua complexidade ainda emana na cultura contemporânea. Ela nasce, mais precisamente, numa reação da sociedade ateniense do século V a. C., de onde advém seu significado etimológico, cuja mera exposição é, por si só, de efeito muito mais imediato para a compreensão da idéia subjacente ao termo “democracia” do que uma exaustiva interpretação do conceito: democracia é a junção dos termos demo (povo) e cratos (governo), ou seja, governo do povo. Se naquela época não havia mistérios em observar a plena participação do povo nos moldes democráticos de Atenas, hoje é extremamente complexo conciliar a efetividade da participação popular com o aprofundamento da significação de liberdade instituída pela ética cristã. Há uma convergência de questionamentos quanto ao ideal de liberdade e o ideal de participação do povo diante do exercíco da democracia. Assim, a complexificação do conceito pelo cristianismo acabou por obscurecer também as formas da democracia se estabelecer nos Estados. BOBBIO, Norberto. Democracia. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: Universidade de Brasília: São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. p. 319-329. Para o propósito deste texto, no entanto, se propõe pensar de que forma poderia se dar uma democracia midiática, nos moldes da atualidade. Uma das possibilidades desse estabelecimento, poderia ser compreendida através de uma revisão da tradicional fórmula emissor-receptor, na qual o receptor assume uma postura inerte diante daquilo que é oferecido pelo emissor. O processo de democratização da mídia, portanto, consiste em dar voz a esse receptor, de modo que ele se torne um agente participativo da aldeia comunicacional, interagindo, opinando e sendo convidado a decidir, junto aos emissores, sobre a qualidade dos conteúdos que os meios dispõem. Nessa direção, o conceito de receptor seria rearticulado para consolidar-se como sujeito ativo da comum-ação. É relevante frisar, portanto, que nos estudos dessa pesquisa será considerado o conceito formal de democracia, para não dar margens aos relativismos em torno do seu conceito, sejam eles históricos ou ideológicos, uma vez que é o exercício democrático, tal qual é apresentado na sociedade contemporânea, o grande motivador deste artigo. 37
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mantendo inclusive os traços imaculados inerentes às suas características de berço: o ombudsmanato. Este período, durante o qual o profissional não pode ser demitido, surge como caráter intangível desta profissão, readaptada às demandas comunicacionais, que aparecem após a segunda metade do século XX, estendendo-se até hoje. Esta intagilbilidade, no entanto, pode ser relativa, à medida que o ombudsman de imprensa, a despeito de sua função destinada à defesa dos cidadãos, é, antes de tudo, um jornalista contratado por uma empresa de comunicação. No âmbito do jornalismo impresso, o ombudsman nasceu nos Estados Unidos, somente nos anos 1960, em alguns veículos que implementaram pequenos espaços destinados a apontar falhas nos seus jornais. O cargo, porém, atingiu seu ápice apenas em 1970, com a aparição da primeira coluna de ombudsman, no Washington Post. Devido à delicadeza intrínseca ao ofício, existe um mandato pré-estabelecido por cada veículo, como foi mencionado anteriormente, para garantir a estabilidade do profissional. Mas transcorreram espaçados lapsos de tempo até que a prática da endoregulação39 surgisse nos meios propriamente jornalísticos: é somente na década de 60 que se constata o nascimento do ombudsman de imprensa tal qual é dado conhecê-lo contemporaneamente. O impresso Washington Post foi o primeiro a inaugurar oficialmente uma coluna de ombudsman, contratando Richard Harwood. Também sucesso no diário espanhol El País, ambas experiências inspiraram o jornal Folha de S. Paulo no Brasil.40 Apesar dessas duas marcas históricas, há indícios, conforme já foi citado, de que no final dos anos 30, no século XX, o impresso japonês Yomiuri Shimbun já possuísse o cargo, embora extra-oficialmente. No cenário atual consta que mais da metade dos jornais do Japão implementou a função. Na Europa, a profissão também se expandiu, em menores proporções.41 Inspirada especialmente na experiência bem-sucedida do espanhol El País, a função chegou no Brasil apenas no final da década de 1980, através do jornal Folha de S. Paulo, marcando um passo importante no jornalismo impresso da América Latina. Pioneira, a Folha estimulou órgãos públicos e o empresariado a adotar o cargo. O principal objetivo seria receber reclamações e sugestões dos leitores, analisando-os e 39
Para os objetivos desse artigo, adota-se o termo endoregulação como sinônimo de autoregulação, nos mesmos propósitos de todas as outras expressões até aqui usadas para dar a idéia de um princípio interno de análise e organização nas redações, como é o trabalho do ombudsman. Endo é prefixo grego “ènden”. Significa “dentro”, ou seja, regulação que vem desde dentro. 40 COSTA, Caio Túlio. Orelhão de leitor. In: _____. O relógio de pascal: a experiência do primeiro ombudsman da imprensa brasileira. São Paulo: Siciliano, 1991. p. 15- 21. 41 MENDES, Jairo Faria. Ombudsman: o espaço para autocrítica nos jornais. Disponível em: <http://www.igutenberg.org/jairo24.html>. Acesso em: 15 set. 2004. 114
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estabelecendo críticas ao próprio jornal, além de produzir semanalmente outras críticas aos demais veículos de comunicação em geral.42 A exemplo da Folha, em 1993 O Povo, de Fortaleza (CE), também fundou este serviço numa coluna específica, que pretende dialogar com os leitores na busca pela qualidade. Na metade dos anos 90, já eram sete jornais, no Brasil, propondo esta interação via ombudsman: além da Folha e do O Povo, os impressos Folha da Tarde (São Paulo), O Dia (Rio de Janeiro), A Notícia Capital (Florianópolis), Correio da Paraíba (João Pessoa) e Diário do Povo (Campinas) também ofereciam o serviço de ombudsman para o público. Porém, os dois únicos a manterem o cargo foram a Folha e O Povo.43 É provável que neste palco de cinco desistências, duas permanências, e, acima de tudo, inúmeras resistências, a maior das dificuldades seja investir num profissional destinado a questionar a empresa para a qual trabalha. Se a crítica em si nem sempre é bem-vinda no âmbito das redações jornalísticas (estendendo-se a outras modalidades empresariais), a prática da autocrítica se torna ainda mais complexa, especialmente quando acompanhada de um custo.44 No que diz respeito às funções inerentes ao cargo, é possível verificar as seguintes: comparação dos dois principais veículos impressos que concorrem em São Paulo (Folha e O Estado de S. Paulo), críticas sobre os temas abordados no jornal, debates sobre ética, publicação de cartas de reclamações de leitores, autocrítica (problemas de circulação, atendimento ao público, discussão sobre qualidade, erros gramaticais, etc.) e apresentação de conflitos. 45 O jornalista Caio Túlio Costa foi escolhido para ser o primeiro ombudsman da Folha. Esta inovação foi implementada, há 14 anos, a partir do Código de Ética de Ombudsman de Imprensa, criado pela Organization of News Ombudsmen (Organização dos Ombudsmen de Imprensa). 46 Atualmente quem está ocupando o trono das reclamações da Folha é o profissional do jornalismo Marcelo Beraba, que também é presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e já foi diretor do Comitê de Liberdade de Expressão e do Comitê Editorial da Associação Nacional dos Jornais (ANJ).47 É ele quem hoje comanda este pequeno espaço para a reflexão sobre temas jornalísticos, cujo foco é a satisfação do público leitor, que pode dialogar 42
COSTA, Caio Túlio. Quando alguém é pago para defender o leitor. Folha de S. Paulo, 24 nov. 1989. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ombudsman/omb_19890924.htm >. Acesso em: 15 nov. 2004. 43 MACIEL, Roberto, op. cit., p. 17. 44 Ibid., p.17. 45 MENDES, Jairo Faria, op. cit. 46 MACIEL, Roberto, op. cit., p. 17. 47 FOLHA DE S. PAULO. Biografia do ombudsman. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/ombudsman/biografia>. Acesso em: 2 set. 2005. 115
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com Beraba via cartas, e-mails ou telefone. Não se pode deixar de frisar que o ombudsman de imprensa também foi muito bem acolhido no Nordeste, no caso do O Povo, onde a coluna do ombudsman já completou mais de uma década de atuação do gênero. Ainda no Nordeste, o próprio jornal O Povo, cujo sistema de comunicação alcança as ondas AM, incorporou à perspectiva ombudsmaniana a estação de rádio AM do Povo, entre 1998 e 1999. O último sucessor do mandato, porém, não pôde assumi-lo por motivos de saúde e, embora não se saiba por qual razão, não se contratou outro sucessor, tal situação interrompeu esta iniciativa de caminhar desde 2000.48 A Rádio Bandeirantes leva ao ar, todas as terças-feiras, o programa Ombudsman no Ar, observando falhas da empresa levantadas pelo próprio ouvinte, analisando-as e debatendo-as. Outra empresa radiofônica que aderiu a este tipo de programa visando colocar-se no lugar do público foi a Radiobrás.49 Como empresa pública, a Radiobrás faz frente à ouvidoria. O próprio cargo, exercido por Emília Magalhães, é chamado de ouvidor, e não de ombudsman. A sua atuação, porém, propõe o sentido que a palavra sueca atribui. O programa Fale com a ouvidoria é levado ao ar semanalmente, quando o ouvinte pode ligar levantando queixas, denúncias, elogios e comentários sobre temas jornalísticos, caracterizando-se como canal democrático, aberto a críticas. O cargo de Emília Magalhães é comissionado, sendo sua ouvidoria vinculada à Presidência da Empresa, a qual tem lhe dado plena autonomia, desde que foi implantado, durante a gestão de Eugênio Bucci. O cidadão participa e exerce a sua liberdade de expressão sobre os noticiários e programas da TV Nacional de Brasília (Canal 2), e da Rádio Nacional de Brasília AM (980kHz), recebendo respostas durante as transmissões. Trata-se de uma experiência inédita, cuja definição do mandato ainda está em análise pela diretoria jurídica.50 Também a Bandeirantes AM dispõe dos conceitos de ética e interatividade através de ouvidor. Mas a verdade é que o papel do ombudsman de mídia está apenas engatinhando no Brasil, uma vez que ainda não completou sequer duas décadas de sua incorporação no país e é sustentado por exemplos escassos, embora virtuosos. Diga-se ainda que o ombudsman é um mediador falível, tal qual a instituição que o 48
MACIEL, Roberto, op. cit., p. 21. LOPES, Boanerges. “Ombudsmania” chega à TV. Jornal Brasileiro de Ciências da Comunicação, São Bernardo do Campo, n. 263, 5 out. 2004. Disponível em: <http://www2.metodista.br/unesco/jbcc.htm>. Acesso em: 18 nov. 2005. 50 MAGALHÃES, Emília. Entrevista concedida pela ouvidora da Radiobrás, Brasília. Mensagem recebida por <marcelinhabrown@yahoo.com.br> em 28 out. 2005. 49
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contrata. A ele, cabe não apenas a competência de lidar com essa situação, mas a paciência e, ao mesmo tempo, a coragem para entranhar cada vez mais nos espaços internos das empresas (de preferência em todos os setores), sejam salas de redação ou estúdios de rádio e TV. Cabe aos cidadãos, por outro lado, fazer-se presente e insistente na luta pela abertura desses meios, ainda que na forma de uma nova proposta, que não envolva ombudsman. Ocorre que, o cargo não pode ser visto apenas como um oráculo que atua apenas apontado o que viu e o que sabe, mas como uma ferramenta eficiente, que implique em mudanças visíveis nos impressos jornalísticos e nos demais veículos de comunicação. Alguns meios impressos e radiofônicos, vêm cumprindo, mesmo que parcialmente, no caso das empresas citadas, seu papel de interlocutor da cidadania, ao dar voz ao seu público leitor/ouvinte. TV e capitalismo A despeito de certos exageros51 e de alguns preceitos enfadonhos em torno da ética na televisão, é sabido que ela, bem como a grande mídia em geral, é bastante auto-suficiente. Abordar o tema democratização da mídia é tarefa delicada, à medida que não apenas o jornalismo, mas também outras formas de comunicação, como a indústria televisiva do entretenimento, representam de forma mercadológica a sociedade, sem exercer efetiva e democraticamente seu papel diante do público que os negócios da televisão representam. As demandas empresariais priorizam uma viabilidade de lucros, articuladas por grandes parcerias, para as quais parece ser mais conveniente inserir conteúdos vazios de todos os tipos numa audiência, ao invés de instruíla, educá-la e informá-la conforme suas necessidades. Seria clichê dizer que os meios massivos utilizam sistemas de penetrabilidade que se propagam por todos os lados, sem deixar espaço algum. Tal fato se dá, em geral, diante de uma não-abertura de espaço para crítica. Aos cidadãos são oferecidas todas as fórmulas de entretenimento e informação prontas, cabendo a eles apenas 51
O lugar comum da crítica da mídia acaba por obscurecer aquilo que há de elogiável e louvável na produção televisiva. Criticar se tornou um chavão, uma regra da qual não há como escapar sem se sujeitar a determinadas intolerâncias, mesmo que estas se dêem de maneira velada. O emprego indiscriminado da postura crítica acaba por impedir a justa valorização dos aspectos positivos que residem na produção televisiva. A instauração de novas linguagens, novas estéticas e novas formas de educação da percepção são méritos que ninguém pode subtrair à TV. Ainda que haja programas sem os quais a televisão nada perderia (talvez até mesmo ganharia), como os dominicais Domingão do Faustão e Domingo Legal, por exemplo, existem produções que sintetizam o que há de melhor na TV brasileira, exibindo elementos oriundos da rica tradição cultural do Brasil, através de recursos estéticos que superam os comuns cenários televisivos. É o caso da minissérie da Rede Globo Hoje é dia de Maria – que foi ao ar pela primeira vez em janeiro de 2005 e que em outubro do mesmo ano reaparece em segunda temporada –, cujo formato conjuga esteticidade, cultura, entretenimento, televisão e qualidade com harmonia, ainda que aglutine – recriando – diversos elementos das tradições culturais. 117
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adequar-se a este processo (unilateral), ou seja, adquirir uma postura receptora e, mais do que isso, midiatizada. Para os negócios de televisão o comportamento midiático pode ser a própria legitimação da cidadania – cidadania midiática –, em que apenas a audiência possui obrigatoriedades – ligar a televisão, manter-se midiatizado, fazer-se audiência etc –, mas para diversas camadas da sociedade civil e organizações não governamentais, tal ousadia, de caráter predominantemente comercial, tange as raias da prepotência e da ganância empresarial. Mesmo com Luís Inácio Lula da Silva na Presidência da República, os eleitores não puderam verificar nenhuma atuação efetiva do governo com o intuito de intervir com alterações nas regulamentações específicas da televisão, a fim de direcioná-la ao controle social. Tal constatação é de fazer estranhar aos observadores atentos ao programa do PT, no qual consta a defesa de legislação no sentido de que as emissoras de TV tenham um mecanismo auto-regulador. O Governo Lula, embora tenha sido eleito no viés de uma campanha voltada para as políticas públicas, até agora nada fez para que essa lei fosse aprovada. A despeito das tentativas – frustradas e, evidentemente, condenadas pela grande mídia –, de regulamentar as comunicações no Brasil por parte da gestão petista na presidência, o governo deixou-se abafar rapidamente e aos poucos o tema dissipou-se através do agendamento de novas discussões e fatos noticiosos. O governo do PT pouco atuou nesse aspecto, desde que chegou ao poder, permitindo que cada vez mais os meios massivos usem e abusem de sua influência na sociedade, sendo cúmplices de uma espiral que aniquila a voz dos cidadãos. As propostas de interatividade na televisão brasileira se resumem à enquetes sobre temas da moda, escolha de vencedores de realitys shows, sorteios de prêmios e outras participações poucos significativas, considerando que não há qualquer processo de interatividade (excluindo aqui a TV Cultura, a qual em setembro de 2004 implantou um ombudsman na emissora), que compreenda os devidos conceitos de cidadania. A televisão, principal meio de comunicação de massa, continua imperando como um produto cultural de baixo nível, salvo raras exceções, que entra nos lares de milhões de brasileiros, diariamente. O grau de adesão e aceitação desse meio é tamanho que, num país em desenvolvimento como o Brasil, estima-se que 90 por cento dos domicílios brasileiros já possuam televisores.52 Este fenômeno, profundamente relacionado com sua ampla repercussão social em escalas 52
GRUPO DE MÍDIA DE SÃO PAULO. Mídia dados 2005. São Paulo, 2005. p. 105. 118
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consideráveis, estende-se inclusive e especialmente nos âmbitos políticos e econômicos. O que antes era privilégio apenas das classes altas, passou a ser privilégio também das classes médias e, em seguida e com mais intensidade no final dos anos 1990, de praticamente toda população brasileira. A franca acessibilidade dessa mídia repercute de forma clara na sua estruturação: a popularização da televisão demanda maneiras outras de orientá-la, abrindo espaço não apenas para o aumento de verbas publicitárias, mas para o surgimento de novas demandas na sua programação, no intuito de manter/aumentar a presença dos anunciantes. 53 Sua indiscutível natureza capitalista está profundamente atrelada à independência desse meio em relação ao público. A concentração de poder embutida no sistema comercial da televisão, somada ao seu caráter absolutamente corporativo, resulta numa nulidade, em termos de limitação e controle público da TV aberta. Diga-se, ainda, que o final do século XX representou para a televisão um aumento na disponibilidade de canais e, conseqüentemente, da concorrência. Trata-se da chamada Fase da Multiplicidade da Oferta, que: tem seu embrião no começo dos anos 90, quando seus caracteres começaram a manifestar-se primeiramente, aumentando as opções dos telespectadores e intensificando-se a disputa por audiência. No entanto, sua definição só pode ser concebida em 1995, quando o mercado de TV por assinatura passou a reunir condições para sedimentar-se e efetivamente enfrentar a televisão aberta. Ante a aceleração definitiva da globalização, neste novo período crescentemente proliferam conglomerados multimídia, intercâmbios entre corporações transnacionais, formatos de programação 54 mundializados e transmissão em larga escala de bens desterritorializados.
Nesse período em que a televisão encontra-se em acirrada disputa, há uma ampliação das lógicas econômicas. Esta mídia, que desde sempre assumiu um posicionamento empresarial 53
Embora já tenha sido objeto de muitas correntes de estudos, o conceito de popular ainda pode representar uma incógnita, ou um elemento difícil de ser fixado. Seria oportuno destacar aqui, entretanto, duas perspectivas para interpretar tal conceito, relacionando-as com a televisão, meio de comunicação de massa que se pretende focar neste trabalho. Por um lado, há um viés pejorativo, que desvaloriza tudo que não esteja atribuído a uma espécie de orgulho aristocrático, enxergando o popular como uma ofensa ao sentimento de classe, em que agremiações elitistas e figuras intelectuais preferem distanciar-se dessa raiz a fazer parte dela. Programas de baixo nível exibidos na TV, administrados e apresentados por empresários de elite e celebridades (oriundas das classes pobres ou não), são marcas registradas de uma presunção do conceito popular/popularesco. O direcionamento desses programas para o povo, porém, não define uma audiência uniforme, mas apenas predominantemente popular. Por outro lado, também se verifica um elogio dos produtos endereçados ao povo, bem pontuado, principalmente, nas produções cinematográficas e nas telenovelas brasileiras. Essas duas mídias constituem lugar comum para a exaltação das virtudes do povo brasileiro, destinando-se a um público-alvo mixado e, ao mesmo tempo, mais elitizado. O que se define como sendo popular na televisão, portanto, requer um estudo mais amplo, no sentido de que as classes D e E são majoritárias no Brasil, garantindo a inserção de anunciantes de produtos a elas direcionados: o “povão”, inevitavelmente, é o maior mercado consumidor da televisão brasileira, mas nem sempre é representado positivamente. O fato é que não é ele quem vai definir a forma de se “ver” nessa televisão. 54 BRITTOS, Valério. Os 50 anos da TV brasileira e a fase da multiplicidade da oferta. Observatório-revista do Obercom, Lisboa, n. 1, p. 47-59, maio 2000. 119
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privado e não de concessão pública, recorre, no Brasil, às mais variadas estratégias para manterse no jogo dos capitais. Investindo potencialmente numa programação popularesca, a televisão aberta pluraliza seus produtos a fim de canalizar as classes não assinantes da televisão paga. Isso acontece de maneira especial nas emissoras que precedem a Rede Globo no quesito audiência: uma vez que não possuem recursos para alcançar a líder, passam a concorrer entre elas próprias, fazendo do apelo sexual e da miséria humana as temáticas principais de seus programas, que em sua maioria são denominados popularescos e sensacionalistas, tangendo o grotesco. Mas também as Organizações Globo priorizam nos seus horários de maior audiência, e, portanto, de maior receita, a inserção de espaços para má qualidade na televisão, como o reality show Big Brother, o semanal Caldeirão do Huck e o dominical Domingão do Faustão (cuja concorrência direta é a versão do SBT intitulada Domingo Legal), ainda que se valha de uma produção estética superior à das demais emissoras. Mas a visão de mercado da Rede Globo não resume sua corrida pela audiência apenas nos parâmetros da televisão aberta. Com a ampliação das funções da mídia, a emissora amplia também seus interesses de negócios na área, expandindo-se internacionalmente através de seus produtos audiovisuais, principalmente de telenovelas.55 Também não é coincidência o fato de que as emissoras de TV, não raro, façam parcerias com operadores dessas novas mídias, através de propostas denominadas interativas, como chats e serviços diversos, como, por exemplo, acesso aos resumos das telenovelas e às grades de programação das emissoras. Uma das razões dessa constatação é a forte mudança tecnológica no âmbito da comunicação, nos anos 90 do século XX. É nessa mesma época que ocorre a solidificação da cultura midiática. A internet e o telefone celular chegam para transformar a telecomunicação e revolucionar as formas de fabricação de mensagens. Hoje é possível observar todo um comportamento voltado para os meios massivos, especialmente para os multimídiadigital-interativos. As estruturas sociais mudaram a fim de se adaptar a um modelo de atitude social totalmente massificado e midiatizado. Numa espécie de processo de (des)construção do pensamento, voltado para o consumo de símbolos, o caráter capitalista da massificação dos meios de comunicação, assim como a popularização da televisão, expressa-se de maneira clara no campo comunicacional, confundindo público telespectador com números de receitas. Nesse mote, há uma necessidade aparente de haver um contínuo fluxo de mudanças, observado nas alterações
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BRITTOS, Valério Cruz. Globo, transnacionalização e capitalismo. In: BRITTOS, Valério; BOLAÑO, César (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 131-154. 120
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das grades de programação, em toda TV aberta. Esse habitat de signos, inserido na televisão, adquire uma forma cultural dominante, valendo-se de todos os aparatos tecnológicos disponibilizados no atual cenário. Toda a estrutura televisiva em torno do capitalismo, no entanto, é resultado de outras circunstâncias, que não residem unicamente na aldeia midiática, ou, pelo menos, não são originadas de dentro dela. O público telespectador não pode ser vitimado a ponto de ser isento de qualquer cumplicidade com as emissoras comerciais de TV. Ainda que sua intervenção nesse sentido se dê, unicamente, através do zapping, ao se manter ligado em programas considerados de baixo nível, o público responde positivamente às expectativas das emissoras, cujo objetivo central é manter os percentuais de audiência para continuarem garantindo as devidas fatias do bolo publicitário. É de questionar, também, se essa mesma audiência subsidiaria produtos midiáticos mais eruditos, voltados unicamente à cultura e à educação. Não se trata, aqui, de sair em defesa da vulgarização da produção simbólica entranhada na cena televisiva, mas de reconhecer que seus tentáculos vão ao encontro da realidade dos seus telespectadores, cuja maioria carrega os traços da carência de educação do Brasil. São das deficiências na formação educacional da população brasileira que brotam a necessidade da implementação de políticas públicas que se ocupem dessas demandas: “é sobretudo através da televisão que a política é construída simbolicamente e adquire significado”.56 O maior destaque de 2004, no que tange ao debate da democratização da mídia, se deu através de um movimento da sociedade: a campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, lançada em 2002 e liderada pelo deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), surgiu como um apelo para a melhoria da qualidade na televisão. A idéia seria avaliar e denunciar programas cujos conteúdos, em geral, são sinônimos de desrespeito com o público, uma vez que deturpam valores éticos e morais, através da banalização da violência, do aproveitamento da miséria humana em espetáculos degradantes, freqüentemente abordados em programas de auditório, e da vulgarização do sexo. 57 O alvo da campanha é, principalmente, o anunciante de programas considerados de baixo nível, acusado de patrocinar a baixaria e de promover um esforço que se opõe à cidadania. Posteriormente, Fantazzini editou o Projeto de Lei Nº 1600, de 2003, inspirado na própria campanha, também em defesa da ética na TV, mas o projeto ainda permanece 56
LIMA, Venício A. de. Globo e política: tudo a ver. In: BRITTOS, Valério; BOLAÑO, César (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 103-129. p. 125. 57 FANTAZZINI, Orlando, op. cit. 121
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engavetado, como outras tantas mobilizações repudiadas pela mídia. Contudo, esse exemplo é bastante representativo no debate sobre regulamentação dos meios e já impulsionou, inclusive, um boicote aos programas dominicais da televisão, nos quais, de maneira geral, há uma maior concentração de fórmulas da má qualidade. No dia 17 de outubro de 2004, a população foi convocada a desligar seus aparelhos televisivos no horário das 15 às 16 horas, resultando, em relação ao domingo que antecedeu ao boicote, em 14% a menos de aparelhos ligados na grande São Paulo. 58 Como pequenos resultados da campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, destacam-se a alteração de alguns horários de programas, a revisão de inserções publicitárias por parte de anunciantes pressionados pela campanha e a abertura para o diálogo com a direção de algumas emissoras.59 Acontece que tais circunstância se deram num momento de efervescência desse movimento, de modo que estes resultados são pouquíssimos representativos em se tratando dos objetivos da campanha. Interatividade e midiatização Como uma rede de negócios cujos produtos devem ser vendidos, a televisão entra na era da interatividade seguindo a lógica de fidelização do cliente: promove formas de interação em quadros de programas ao vivo, convidando a audiência a participar e fazer parte do entretenimento televisivo. A interatividade60 está em alta na TV, seja em forma de enquetes,
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LEMOS, Janete. Balanço da ação contra a baixaria na TV. Ética na TV. Disponível em: <http://www.eticanatv.org.br/pagina_new.php?id_new=108&first=0&idioma=0>. Acesso em: 10 out. 2005. 59 FANTAZZINI, Orlando, op. cit. 60 A palavra-de-ordem dos meios de comunicação é, atualmente, a interatividade. Lançada aos brados para que todos a possam ouvir, essa expressão assumiu o papel de redentora da comunicação, uma espécie de conquista, cujos efeitos resultariam na bastante discutida, mas pouco implementada, inclusão comunicacional. Ora, não há como não desconfiar, diante de qualquer elemento que alcance a unanimidade nos meios de comunicação: o atual conceito de interatividade da televisão aberta demonstra, aparentemente, um expediente publicitário, mais um dentre muitos dos adereços costurados na fantasia dos meios de comunicação. Seria mais sensato, portanto, tomar esse princípio de interatividade como mais uma das muitas contribuições técnicas que os mídias adotaram, como uma substituição à defasada interação analógica que vigorava até a expansão das tecnologias “muti-digitais-interativas”. Para André Lemos, a interatividade pode ser divida em cinco níveis, a serem contados de zero a quatro. O nível zero corresponde ao período durante o qual a televisão ainda não era colorida, e possuía, no máximo, dois canais. Nesse nível, a interatividade do telespectador limitava-se ao ato de ligar e desligar a TV. A partir dos aparelhos de TV em cores e aumento de emissoras disponíveis, surge a possibilidade do zapping, definida como interatividade em nível um. O nível dois será constatado a partir da aparição de novos aparelhos audiovisuais que podem ser acoplados ao televisor, como, por exemplo, o videocassete. A interatividade no nível três pressupõe o encaminhamento para a era digital, quando o telespectador já pode participar da programação, a partir das propostas das emissoras, através de fax, email e telefone. Assim, a interatividade televisiva, em grau máximo, pode ser observada no nível quatro, com a consolidação das tecnologias digitais, possibilitando participação em tempo real, como ocorre nas enquetes disponibilizadas na internet, nos chats e nas votações digitalizadas, assim como em outras modalidades que vão 122
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jogos, conversas, premiações e perguntas etc. O que não ocorre, porém, é uma participação efetiva, visando a sinalização de falhas da emissora, preferências de formatos dos programas e outros pontos cuja temática influencie a própria TV, observados pela audiência. Ainda que seja indiscutível o propósito capitalista da televisão, é incoerente que ela seja tratada como qualquer negócio, dado o poder formador de opinião que já adquiriu em escala mundial. As atuais propostas de interatividade deixam lapsos de democracia que se rompem, muitas vezes, em baixaria audiovisual. A Rede Bandeirantes aposta na interação com seu público através do Alô Band!, considerado o maior canal de interatividade do Brasil, segundo a própria emissora. 61 Essa interatividade, todavia, consiste em convidar o telespectador a ligar para a emissora com a finalidade de deixar mensagens ou participar de alguns programas, presumindo uma participação legítima da audiência. O telespectador entra em contado com o Alô Band! e recebe dicas e destaques de programação, participa de concursos premiados, aprende receitas, se informa de fofocas, conversa com alguns artistas convidados de programas via chats, tira dúvidas de beleza ou, ainda, deixa mensagens para os apresentadores. O sistema de interatividade telefônica da Band foi o primeiro a entrar em vigor, dentre as emissoras de TV brasileiras, estando no ar desde junho de 2004.62 O fato do “maior canal de interatividade do Brasil” estar sob a responsabilidade do departamento comercial da Rede Bandeirantes deixa bem clara a finalidade mercadológica da proposta. O mesmo canal telefônico também serve para participar da programação de outras atrações da Band, como Bem Família, De Olho nas Estrelas, Jogo da Vida e Sabadaço. Em outros programas os telespectadores também podem entrar ao vivo com telefonemas, participando de sorteios ou ganhando alguns minutos de fama. É o que ocorria no programa Melhor da Tarde, apresentado por Leonor Correa. Esta atração se dizia altamente interativa e definir o que Lemos denominou de “televisão interativa”. LEMOS, André. Anjos interativos e retribalização do mundo: sobre interatividade e interfaces digitais. Disponível em: <http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/interac.html>. Acesso em: 21 out. 2005. Sendo assim, não se deve encarar a interatividade descrita ao longo desse tópico como um sinônimo de diálogo. Pois, para que o diálogo exista, há necessidade da existência de interlocutores, que, por definição, devem estar em situação de equilíbrio, de igualdade comunicacional: num processo de inter-ação. Ao que tudo indica, a interatividade, em seus moldes atuais, em geral, não passa de mais um elemento de sondagem, de aferição da satisfação do público com determinados produtos midiáticos. 61
REDE BANDEIRANTES DE TELEVISÃO. Alô Band. Disponível em: <http://www.aloband.com.br/>. Acesso em: 10 mar. 2005. 62 BAND cria canal de interatividade. Tela Viva News, São Paulo, 24 jun. 2004. Disponível em: <http://200.157.161.15/telaviva/Pesquisa.asp?Veiculo=N&Texto=BAND+CRIA+canal+de+interatividade&Onde=Tt &OK_Busca.x=9&OK_Busca.y=7>. Acesso em: 28 jun. 2004. 123
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recebia, ao longo das tardes, cartas, e-mails e telefonemas da sua audiência, cuja maioria era supostamente feminina. Quadros como O que é meu é seu – uma espécie de salão de beleza ao vivo voltado principalmente à pessoas com problemas de peso – e Casa da Telespectadora – transmitidos da casa de alguma telespectadora, com direito à culinárias e bate-papos – revelavam a intenção de interatividade da Band (ou simplesmente fidelizar audiência). O substituto desse programa, que deixou de ir ao ar em 2005, é o Pra Valer, apresentado por Claudete Troiano. Com duas horas e quinze minutos de duração, a atração é exibida nas tardes de segunda à sexta-feira. Reunindo um mix de informação e entretenimento, o Pra Valer dispõe desde notícias da atualidade até dicas de beleza, moda, culinária e outros. Voltado para a mulher e sua família, o programa possui um espaço de interatividade um tanto diferente em relação ao anterior Melhor da Tarde. Aqui ocorre a atuação de mãe e filhas ao vivo no estúdio, assim como brincadeiras e jogos com o telespectador. São exemplos de quadros do programa que contam com a participação da audiência: Brincadeira dos Monstros (promove brincadeiras e premiações), Alguém Muito Especial (participantes homenageiam ou reencontram pessoas queridas), Um Dia Pra Valer (sorteia o pedido de um participante), Visita Amiga (a apresentadora faz uma surpresa na casa de algum telespectador), Na Rede (são realizados debates através de um chat). Além desses fragmentos de interatividade, nos quadros Saúde, Esoterismo, Customização e Língua Portuguesa, profissionais de cada área esclarecem dúvidas dos telespectadores.63 A telenovela Floribella possui um portal de voz, cujo acesso possibilita ao telespectador a participação numa sala de bate papo, em concurso e em escutas dos resumos dos seus capítulos. Os dados desse portal são encontrados no link de interatividade do site da novela. O Show do Esporte Interativo é um programa dominical que dispõe de espaços ditos interativos, como o Quiz, Comentarista interativo, e a Enquete TIM, que consiste em convidar os espectadores a enviar mensagens para um número de celular da operadora TIM. Sendo assim, o telespectador ganha a falsa idéia de estar participando e interagindo com a programação da emissora, especialmente no caso das ligações que vão ao ar, mas está longe de ganhar voz enquanto cidadão. Ele é componente dos pontos percentuais de audiência, ajudando a alavancar ainda mais pontos, sem qualquer perspectiva de melhorar a programação, aliás, o que ocorre é justamente o contrário. No site do canal, é possível entrar em contato com a emissora via internet. O comentário do
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REDE BANDEIRANTES DE TELEVISÃO. Pra Valer. Disponível em: <http://www.band.com.br/pravaler/quadros>. Acesso em: 30 set. 2005. 124
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telespectador, entretanto, é direcionado ao CAT (Central de Atendimento ao Telespectador), equipe que trabalha pensando a boa imagem da empresa e nunca levantando queixas e insinuando a necessidade de maior qualidade junto aos seus superiores. É impensável, neste e nos outros casos de televisão aberta, um profissional destinado a flagar problemas da própria emissora para qual trabalha. Algo similar ocorre no Portal de Voz do SBT, onde a abertura ao telespectador via telefone também é capitalizada essencialmente para participação dos muitos diálogos e jogos que permeiam a programação dessa rede, tradicionalmente dedicada a esta modalidade de atração televisiva, a partir do Baú da Felicidade. Por exemplo, no programa Hebe, apresentado por Hebe Camargo e exibido nas segundas-feiras à noite, a apresentadora e seus convidados conversam com telespectadores por telefone, através desse mesmo Portal de Voz. Também no Programa do Ratinho o público participa por telefone diariamente, concorrendo a premiações. O sucesso do binômio ligação do receptor e prêmios levou o SBT a retornar com uma atração que marcou época nos primeiros anos da rede: a Sessão Premiada, que distribui prêmios aos participantes que telefonam para o estúdio, nos intervalos das sessões de séries e filmes transmitidos nos finais de semana. As demais redes igualmente trabalham com a liberação do canal telefônico como alavanca de audiência. Na Record isto também já ocorreu em programas como o feminino matinal Note e Anote, onde todos os dias os telespectadores concorriam a muitos prêmios na Brincadeira das Carinhas, quadro em que o desafio é acertar a boca, o nariz, os olhos e o cabelo de um rosto oculto, tendo como premiação até uma moto 0 km. Atualmente o programa Note e Anote não existe mais, contando apenas com um Link no sitio da Rede Record, que dispõe de arquivos com receitas culinárias. Hoje em dia é o novo programa matinal da emissora, cuja estréia ocorreu em agosto de 2005, apresentado pela modelo Ana Hickmann e pelo jornalista Britto Jr, e também dispõe de interatividade. Planeta Bebê, Culinária Interativa, Intimamente e Ranking são alguns exemplos de quadros que convidam o telespectador a ligar ou simplesmente ser sorteado para participar, dentro ou fora dos estúdios, através de inscrições. A Rede TV! também simula participação de audiência nos produtos do mesmo gênero, como Bom Dia Mulher e A Casa é Sua. A própria Rede Globo, cujos slogans invariavelmente indicam a valorização do público, limita-se a ouvir seus telespectadores, principalmente, em alguns quadros da revista eletrônica 125
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Fantástico – geralmente para eleger mulheres bonitas, responder questões polêmicas e contemporâneas, normalmente pautadas pelas reportagens apresentadas –, no programa Mais Você – quando a apresentadora Ana Maria Braga seleciona receitas das telespectadoras e interage com elas por telefone, ou promove sorteios pelo mesmo meio – e, evidentemente, nas edições anuais do Big Brother Brasil, quando cabe, grosso modo, à audiência escolher o vencedor. Conforme Bolaño, programas como Big Brother Brasil tem sua “interatividade” sustentada num modelo de “exploração das sinergias entre TV de massa segmentada e internet, com o que se chega a maximizar as possibilidades de rentabilização, mesclando o modelo publicitário com o das receitas diretas por acesso do público”.64 O sucesso deste reality show importado, que alavanca audiências estarrecedoras, demonstra a pré-disposição do público em aceitar o baixo nível na televisão. Marcado não apenas pela boa pontuação, que em 2005 foi embalada pelo também sucesso da novela Senhora do Destino que antecedia o programa, o valor arrecado com as ligações dos milhões de brasileiros que votaram para eliminar um participante, não deixa de ser uma interrogação. Independente de haver ou não uma parceria da emissora com as operadoras de telefonia, o fato é que os números superam em parâmetros preocupantes os valores obtidos nas campanhas do programa social Criança Esperança. Esta é a interatividade que o dito padrão Globo de Qualidade propõe. Não se pensou, em 40 anos, em contratar um representante da população, alguém pago para criticar ou promover debates sobre situações como esta. Lamentavelmente, a concentração de poder político, econômico e de conhecimento de que a Globo dispõe, no interior do conjunto das indústrias culturais e de conteúdo no Brasil, acaba se tornando um empecilho para a competitividade sistêmica do país na matéria, para não falar na democratização das comunicações e do Estado brasileiro. 65
Ainda que acesse o ícone fale conosco do sítio da emissora, as chances das reclamações dos telespectadores repercutirem na grade de programação global são raras, ou, pior, provavelmente inexistem. O próprio aniversário dos 40 anos da Globo ficaram muito aquém daquilo que a principal rede de televisão do país poderia ter legado aos seus milhões de telespectadores, em termos de interatividade e espaço para o debate social. Foi só auto-louvação, sem nenhum espaço para o diálogo franco, reflexão e crítica sobre o papel deste grupo de comunicação na vida dos brasileiros. Nem uma matéria no Jornal da Globo propondo um 64
BOLAÑO, César. Mercado brasileiro de televisão, 40 anos depois. In: BRITTOS, Valério; BOLAÑO, César (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder. 2. ed. São Paulo: Summus, 2005. p. 19-33. p. 22. 65 Ibid., p. 22. 126
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mínimo de questionamento ou controvérsia, muito menos um Globo Repórter para discutir a sua influência política, econômica e social. Em todas as emissoras citadas, a interação é fragmentada através de telefonemas, fax, emails e cartas de telespectadores que, além de contribuírem com a audiência de programas popularescos/grotescos, também pagam os preços das ligações. Outra incógnita é o fato de a esmagadora maioria dos portais telefônicos serem números de telefonia móvel. Isso denota outra perspectiva de lucratividade e uma possível parceria com operadoras de telefones celular, uma vez que é evidente que um estúdio de televisão, necessariamente, possui telefone fixo. Porém, não há um esforço no sentido de reduzir o valor tarifário da ligação feita pelo telespectador que, em princípio, assiste aos programas da sua própria casa, e, por isso mesmo, supõe-se que ele utilize sua linha fixa para efetuar essas chamadas. As tarifas de telefonemas realizados de fixo para fixo são economicamente mais vantajosas que as realizadas de fixo para móvel, ou viceversa. Diga-se ainda que muitas dessas ligações são de longa distância, o que gera acréscimos consideráveis na conta telefônica do participante. Fazendo uma referência informal de preços tarifários, pensando em ligações locais e do tipo fixo-móvel, o custo deste tipo de interatividade é de, aproximadamente, R$1,50 por minuto, variando conforme cada operadora. Se o telespectador residir fora do estado de São Paulo (ou do Rio de Janeiro, no caso da Rede Globo), adiciona-se a este valor as taxas de interurbanos, que também variam conforme a operadora. Apenas as ligações via 0300 são de custos bastante reduzidos, como é o caso das votações do Big Brother Brasil. Nesse caso porém, é preciso levar em conta algo dito anteriormente: são milhões de ligações. Deve-se lembrar, ainda, que na primeira edição da “casa televisiva” da Globo, as votações eram realizadas via 0800, ou seja, gratuitamente. Cultura e pioneirismo Antes de fazer parte da Fundação Padre Anchieta (FPA), a TV Cultura pertenceu à empresa de Assis Chateaubriand até o final dos anos 1960, tendo sua origem como uma das afiliadas dos Diários Associados, junto a outras concessões, como as TVs Tupi, Record e Excelsior.66 Assim, a Cultura consolidou-se como emissora da Fundação Padre Anchieta somente
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MATTOS, Sérgio. Origens e desenvolvimento histórico da televisão brasileira. In:_____: História da televisão brasileira: uma visão econômica, social e política. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 49-162. p. 49-51. 127
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em 1970, quando passou a ser mantida, principalmente, pelo respaldo do governo.67 Emissora de relevância considerável no contexto histórico da televisão no Brasil, a TV Cultura sempre teve como principal característica uma proposta educativa, reconhecendo não apenas sua representação como meio de comunicação de massa, mas também como canal televisivo de um país que deixa rastros de carência nas políticas públicas educacionais. Desse modo, sua atuação assume uma extensão da escola, provendo uma ferramenta de educação à distância. Ainda que seu foco seja este, a Cultura não se limitou à tarefa de buscar educar a população: em pouco tempo, ela abriu as portas para cultura, informação e entretenimento, em formas de programas produzidos para fidelizar a audiência com um número maior de alternativas, porém, sem se afastar dos objetivos qualitativos. Assim, a Cultura tomou as rédeas de sua programação sem se perder no processo de globalização e massificação dos produtos midiáticos, respeitando seu compromisso ético com a população. Implementando uma grade cada vez mais diversificada, sem excluir o caráter cultural, educacional e informativo, a emissora é marcada pela independência em relação às emissoras abertas. Objetivando ampliar seus recursos, a Fundação Padre Anchieta inaugurou a emissora TV Ratimbum, representando outro pioneirismo no palco televisivo: trata-se do primeiro canal infantil de TV por assinatura do Brasil. Além da programação voltada exclusivamente para a audiência das crianças, a grade de horários da TV Ratimbum conta um duas horas por dia de produções voltadas para pais e educadores. Desde sua inauguração, o novo canal da FPA já arrematou aproximadamente 200 prêmios na linha infantil.68 O imenso alcance da televisão no Brasil, no entanto, não é garantia de audiência para um canal público, que compete com nada menos que outras seis emissoras, todas elas exclusivamente comerciais.69 Com aproximadamente 18 horas de programação diária, cujas produções são, em sua maioria, independentes, a emissora difunde atrações de qualidade para os diversos segmentos da sociedade, representando, através da Fundação Padre Anchieta, uma fortaleza educativa em rede nacional, composta por canais educativos estaduais. É provável que um dos maiores destaques da programação da Cultura esteja vinculado ao seu jornalismo, pontuado por um formato singular e analítico, caminhando em direção a uma produção mais desenvolvida, sem o pecado dos extremos omissão e espetáculo
67
TV CULTURA. Sobre a TV Cultura. Disponível em: <www.tvcultura.com.br>. Acesso em: 15 out. 2005. TV RATIMBUM. Saiba mais sobre a TV Ratimbum. Disponível em: <http://www.tvratimbum.com.br/>. Acesso em 15 out. 2005. 69 TV CULTURA. Compromisso. Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br>. Acesso em: 5 out. 2005. 68
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televisivo. O fato de ser uma emissora pública não isenta a TV Cultura de estar inserida no contexto da multiplicação dos canais, com o surgimento da televisão por assinatura. Também sua audiência passa a ser fragmentada, a partir da ampliação das ofertas no âmbito da TV, ainda que isso não seja sinônimo de aumento da qualidade. Ao contrário: o aumento de canais pode acarretar um esvaziamento do conteúdo, especialmente nas emissoras comerciais de sinal aberto. Nesse sentido, a Cultura continua priorizando sua independência e sua perspectiva educativa, almejando estar no centro das produções independentes do Brasil. A TV pública subsiste, a despeito de uma parcela da iniciativa privada e de estar sempre envolta por problemas financeiros, com a ajuda de verbas provenientes dos poderes públicos. Mas o aumento de sua receita pode ser estabelecido através de: mídia institucional, na forma de apoio cultural e patrocínio; venda de produtos e de subprodutos criados a partir de elementos da programação; licensing; prestação de serviços específicos (tais como produção de vídeos institucionais e locação de equipamentos); e prestação de assessoria específica para áreas correlatadas (tais como projeto, instalação e manutenção de emissoras de caráter público). A administração das emissoras da Fundação Padre Anchieta tem, hoje, três grandes desafios, encarados como metas a serem atingidos num futuro próximo: o aumento da produtividade; a reciclagem do pessoal interno; a atualização tecnológica nas áreas de telefonia, informática e 70 digitalização da produção e dos arquivos.
Em 2004, numa visão de ética e cidadania, a TV Cultura incorporou à sua estrutura um observatório da emissora, mais precisamente, um ombudsman. O jornalista Osvaldo Martins começou a atuar, ao final de 2004, num espaço específico do sítio da Cultura, recebendo críticas da audiência, e tecendo comentários, cuja freqüência é aleatória, sobre elas. Osvaldo Martins já foi editor e chefe de redação da Rede Globo, da revista Veja e dos jornais A tribuna, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil. Antes disso, trabalhou como repórter por 23 anos, sendo, que, em 1986, fundou o Instituto Brasileiro de Estudos de Comunicação (IBEC), tendo como uma de suas principais autorias o plano diretor de Comunicação do Banco do Brasil. Nos anos 1990 coordenou o setor de comunicação das campanhas eleitorais de Mário Covas, e, posteriormente, foi secretário de Comunicação do Governo do Estado de São Paulo.71 Membro, durante seis anos, do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, a figura de Osvaldo Martins, madura e experiente, parece ter sido a ideal para assumir o cargo de ombudsman da FPA, em 2004. Mas 70
TV CULTURA. Receitas. Disponível em: Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br>. Acesso em: 5 out. 2005. TV CULTURA. Quem é o ombudsman da FPA? Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br>. Acesso em: 17 nov. 2004. 71
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seu poder vai até a linha de limite da natureza da função: não é dada ao ombudsman autorização para interferir diretamente em questões que dizem respeito a outros núcleos da emissora. Representante do cidadão, ele atua como um “superego” da empresa, partindo dos interesses da audiência, muitas vezes encaminhando algumas queixas aos seus devidos setores, publicando, posteriormente, as respostas no site. Apesar das expectativas, inclusive do próprio Osvaldo Martins, em relação ao lançamento de um programa televisivo comandado pelo ombudsman da TV Cultura, prevista para o início do seu segundo mandato, ainda não foi fixado um espaço no horário da grade da emissora, nem tampouco anunciada a data que isso irá acontecer. 72 Essa é apenas uma de tantas posturas questionáveis da Cultura desde a implementação do ombudsman, no final de setembro de 2004. Evidentemente, é preciso relevar o caráter inovador do cargo na televisão, ponderando que, justamente por essa circunstância, ele está sujeito a falhas diversas, desde sua estrutura de acessibilidade, passando por interrogações no quesito periodicidade, até chegar ao modo em que se dá o feedback para o telespectador. Não há porque subtrair os devidos valores dessa iniciativa, que se sobressai como um dos carros-chefe no histórico da democratização da televisão no Brasil. A análise que se realiza nesse artigo diz respeito aos comentários de Osvaldo Martins, relativos à segunda metade do primeiro mandato, disponibilizados no sítio da TV Cultura e abrangendo o período do dia 6 de junho de 2005 até o dia 19 setembro de 2005, quando o ombudsman anunciou a renovação do seu contrato. Além dessas publicações, também serão observados os comentários referentes ao segundo mandato, que abrangem apenas o período do dia 30 de setembro até o dia 31 de outubro. É importante frisar que o sítio do ombudsman da TV Cultura não foi acessado diariamente, mas semanalmente, a partir do mês de agosto de 2005. A periodicidade observada nos comentários de Osvaldo Martins foi verificada conforme a seqüência disponibilizada no próprio site. É importante destacar que comentário do dia 30 de setembro de 2005 já não veio mais acompanhado dos demais: todos os textos anteriores ao segundo mandato foram deletados do sítio do ombudsman. Apenas os comentários que sucedem a esse dia podem ser acessados pelo internauta que visitar o sítio a partir da data que marcou o início da renovação contratual. Uma das constatações mais inusitadas relativa aos apontamentos de Osvaldo Martins no
72
MARTINS, Osvaldo. Comentários do ombudsman. TV Cultura, 19 set. 2005. Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br/ombudsman/>. Acesso em: 15 out. 2005. 130
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seu sítio se refere, portanto, à não-regularidade da publicação desses comentários. A freqüência que o ombudsman se comunica com os visitantes do sítio é bastante indefinida: de junho a setembro
de
2005,
não
se
observou
uma
tentativa
de
estabelecer
um encontro
diário/semanal/quinzenal com o espectador/internauta, ainda que a média aproximada dos comentários seja, em rápida análise, quinzenal. Essa não-linearidade se verifica na medida em que não há regra alguma na disponibilização dos textos de Martins no site: suas novas observações podem ser agregadas às anteriores tanto de um dia para o outro, quanto de um mês para o outro. A primeira etapa do ombudsman nessa emissora abrangeu todas as demandas relativas à programação televisiva em geral da Cultura. Até o dia 30 de setembro de 2005, portanto, o ombudsman Martins foi receptor de queixas, reclamações e sugestões voltadas a qualquer espaço de toda a grade de horário. Os apontamentos do ombudsman no sítio que foram acompanhados até o último dia do mês de setembro se dividiam conforme os seguintes itens: notas, comentários do ombudsman e respostas ao público. O estudo que aqui se realiza, no entanto, não pretende diferenciar e aprofundar esses itens, mas entendê-los como um retorno geral de Osvaldo Martins ao público, já que o propósito é analisar justamente o feedback da Cultura aos seus telespectadores. No que se refere a junho de 2005, pelo menos duas perguntas de telespectadores, ao invés de serem respondidas pelo ombudsman, foram encaminhadas para as direções dos setores envolvidos. A resposta publicada foi uma transcrição, aparentemente na íntegra, do parecer das próprias direções sobre o problema, ou seja, a única mediação realizada pelo defensor do público, nesse caso, foi o encaminhamento de questões às partes incluídas nos questionamentos da audiência. Martins limitou-se a apresentar o autor da resposta e absteve-se de qualquer opinião a respeito dos temas tratados.73 A função do representante do telespectador, logicamente, pressupõe o repasse de alguns problemas, apontados pela audiência, para os devidos núcleos. Todavia, cabe ao ombudsman assumir uma postura diante de cada situação, transparecendo sua opinião em relação ao comportamento da emissora, a partir do questionamento da audiência, ainda que esta pareça ou esteja equivocada. Assim, o que se espera de um ombudsman de televisão, entre outras expectativas, é que ele assuma as rédeas de sua função, tomando para si os problemas do público, mesmo que, eventualmente, seja necessário sair em defesa da emissora. Tal atitude não
73
TV CULTURA. Respostas ao público. Disponível em: <www.tvcultura.com.br/ombudsman>. Acesso em: 15 set. 2005. 131
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necessitaria ser condenada, desde que houvesse uma justificativa absolutamente razoável para uma ação nesse sentido, uma vez que se trata de um cargo implantado para falar a favor do telespectador, e não o contrário. Comentários e posicionamentos Um exemplo amenizado, nesse mote, foi uma nota de Osvaldo Martins, publicada no dia 28 de julho de 2005, em que ele se referiu aos compositores inscritos, porém, não selecionados, na competição decisiva do Festival Cultura – A Nova Música do Brasil.74 Alegando que sua função não se estende ao regulamento do Festival, o ombudsman propôs um ponto final nesse tema, sustentando que suas observações devem ser dirigidas exclusivamente ao que vai ao ar nas telas da Cultura, não cabendo a ele um juízo de valor sobre as escolhas da comissão do Festival Cultura, já que foi uma escolha subjetiva, e que, evidentemente, gerou opiniões e reações diversas. No dia 30 de agosto de 2005 se verificou um extenso comentário do ombudsman no site da Cultura. Ao que tudo indica, o depoimento publicado nessa data foi mais que um retorno às prováveis solicitações dos internautas da sua página: foi um texto no qual Martins deixou clara a sua própria insatisfação em relação às práticas de telejornalismo da casa. O trecho que segue foi extraído desse comentário: Num esforço louvável, os profissionais da Cultura consumiram mais de cinco anos de discussões internas para criar o “jornalismo público”, mas o fruto do debate resumiu-se a um guia de princípios. [...] A mudança em curso no comando do jornalismo da Cultura acontece no momento em que ele está sem rumo. A julgar pelo principal produto da casa, o Jornal da Cultura, o que se vê é o fundo do poço. Isso até pode ter um lado bom, por dois motivos: primeiro, não tem como piorar; segundo, tem tudo a ser feito, começando praticamente do zero. Um bom telejornal não pode ignorar os melhores assuntos do dia. Mas o modelo global, que privilegia a maior abordagem possível de temas, resulta no que chamo de fast news. Assim são todos os que seguem esse modelo e assim não deve ser o nosso JC. O acúmulo de reportagens e de notícias ligeiras é caríssimo e não aprofunda nada. O nicho que está aí para a Cultura preencher é exatamente o da explicação dos fatos, supondo-se que ela eleja alguns, ou pelo menos um, por dia, para dissecar o assunto.75
A maioria dos comentários de Martins caracteriza-se, em geral, por estabelecer uma crítica ferrenha ao jornalismo da Cultura, que, para ele, deve ser a matéria-prima da emissora. Outra marca de seus textos é uma cobrança no viés de uma comparação da TV pública com os
74
MARTINS, Osvaldo. Festival de queixas. TV Cultura, 28 jul. 2005. Disponível em: <www.tvcultura.com.br/ombudsman>. Acesso em: 15 set. 2005. 75 MARTINS, Osvaldo. Uma receita para o Jornal da Cultura. TV Cultura, 30 ago. 2005. Disponível em: <www.tvcultura.com.br/ombudsman>. Acesso em: 15 set. 2005. 132
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canais de sinal aberto. Criticando o modelo de jornalismo fast news das demais emissoras, ele incita a Cultura, como televisão pública, a promover um telejornalismo diferenciado e de qualidade, como no parágrafo removido ainda do comentário de 30 de agosto de 2005: A Globo pratica um modelo de telejornalismo, consagrado pelas grandes redes americanas e européias, que requer uma estrutura de dimensão planetária com repórteres, cinegrafistas e retaguarda de produção espalhados pelo mundo – além, é claro, dos serviços local e nacional. Custa mais que o dobro de todo o orçamento anual da Fundação Padre Anchieta. Outras redes brasileiras, como o SBT, a Record e a Bandeirantes, com orçamentos bem mais modestos, caíram na armadilha de seguir o padrão global e fazem o que podem. Como podem menos, fazem menos. Só há uma TV no Brasil potencialmente apta a oferecer, no jornalismo, uma alternativa de qualidade ao modelo vigente: a TV Cultura. É imperdoável que não o faça.76
No mês de setembro de 2005, antes do comentário do dia 19 de setembro de 2005, no qual o jornalista avisa os visitadores da sua página sobre as mudanças relativas a renovação do contrato, foram publicadas três notas, todas referentes ao primeiro ombudsmanato. Entre elas, apenas a nota do dia 1º de setembro de 2005 tratava da programação em geral, como retorno aos telespectadores que solicitaram a volta da série Anos Incríveis. Nesse dia, o público foi informado que, através da mediação de Martins, obteve-se um resultado positivo da direção do programa: depois de mais de 100 pedidos destinados ao ombudsman, a emissora, enfim, voltaria a exibir os episódios em outubro de 2005, com uma hora de duração.77 Esse é o tipo de conquista exemplar, no que tange à atuação de um ombudsman de televisão: o público foi o principal ator na decisão sobre o retorno de um programa. É nessa direção que se deve caminhar o ombudsman. A opinião do público, em relação às alterações das grades de horários das emissoras e dos conteúdos dos seus programas, deveria ser ouvida não apenas na TV pública, mas na televisão aberta. Faz-se necessário salientar bons exemplos da primeira emissora de televisão a contratar um ombudsman, a fim de incentivar a sociedade civil a buscar com maior convicção seus direitos. A nova fase da atuação de Osvaldo Martins é bem demarcada no seu comentário do dia 30 de setembro de 2005: Hoje começa uma nova etapa nesta experiência pioneira na televisão brasileira, que é a função de ombudsman criada há um ano na TV Cultura. Como já havia informado em comentário anterior, meu foco agora está fechado exclusivamente na programação de jornalismo. [...] O que se pode esperar da Cultura – e da minha parte, como defensor do público cobrar – é um telejornalismo que cumpra o seu elementar dever de informar com exatidão, diariamente, a respeito dos principais assuntos da atualidade. E que, ao fazê-lo, procure sempre aprofundar e explicar, até de forma didática (se não em todos, pelo menos em alguns casos), o por que dos fatos do cotidiano. Essa receita, tornada 76
MARTINS, Osvaldo, op. cit. MARTINS, Osvaldo. Anos Incríveis volta em outubro. TV Cultura, 1 set. 2005. Disponível em: <www.tvcultura.com.br/ombudsman>. Acesso em: 15 set. 2005.
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Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, vol. IX, n. 3, Sep. – Dec. /2007 compromisso, tem a pretensão de oferecer ao público da Cultura conteúdos de qualidade que a diferenciem, para melhor, das demais emissoras. Esse diferencial, com linguagem e estética televisivas inovadoras e atraentes, pode perfeitamente ser alcançado. Ele requer inteligência, criatividade, agilidade, acuidade e muito suor – mas cabe nos limites do orçamento.78
Esse trecho especificou bem o momento de transição e de reorientação das demandas dos telespectadores da TV Cultura: Martins entrou no novo estágio de seu mandato ponderando a necessidade de um aprimoramento do telejornalismo da emissora, em plena transformação nesse segmento. Pelo comentário do dia 19 de setembro de 2005, no qual o jornalista informou os internautas sobre a renovação de seu mandato e sobre as novas delimitações estabelecidas para seu cargo, o público também foi esclarecido a respeito de futuras alterações na grade jornalística da emissora. Através de uma breve explanação, o ombudsman procurou justificar, positivamente, a restrição de suas ações ao âmbito do jornalismo, demonstrando consonância com a decisão da TV Cultura, que subtraiu os demais assuntos da sua alçada, visando criar uma ouvidoria paralela para demandas que incluam outros aspectos da programação em geral. O que segue é um trecho removido desse comentário: Essa nova etapa coincide com a introdução de várias modificações que a Cultura vai fazer, ainda este ano, visando à ampliação do espaço do jornalismo na grade de programação. Haverá mais programas de debates e de entrevistas, mais telejornais e novos formatos nos atuais. O Jornal da Cultura, por exemplo, terá 50 minutos de duração, o que permitirá o aprofundamento de alguns assuntos, ou de pelo menos um, todo dia, criando assim um diferencial de qualidade. A idéia em curso é oferecer ao telespectador da Cultura conteúdos mais bem explicados que as outras emissoras abertas, presas ao modelo fast news, desprezam. Considero esse um bom caminho, por duas razões. Primeiro, porque a Cultura não tem orçamento para competir com o jornalismo de dimensão planetária tipo rede Globo. Segundo, porque o aprofundamento dos temas, abordados até com certa dose de didatismo, casa com a missão da TV pública de difusão do conhecimento. Esse modelo, que ainda levará algumas semanas para ser implantado plenamente, será o meu parâmetro para análises e comentários.79
Não seria despropositado reiterar, em rápida análise, que a atitude tomada pela administração da TV Cultura, de suprimir o alcance do seu ombudsman (ainda que este, ao que tudo indica, esteja de acordo), remete a um inegável retrocesso. Ao completar um ano de atuação de um cargo inédito na televisão brasileira, eram outras as expectativas. Aguardava-se, mais precisamente, uma ampliação do acesso ao ombudsman e, no entanto, o que ocorreu, num primeiro momento, foi justamente o contrário. É compreensível que Osvaldo Martins, como 78
MARTINS, Osvaldo. O início de uma nova etapa. TV Cultura, 30 set. 2005. Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br/ombudsman/>. Acesso em: 24 out. 2005. 79 MARTINS, Osvaldo. Foco fechado no jornalismo. TV Cultura, 19 set. 2005. Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br/ombudsman/>. Acesso em: 24 out. 2005. 134
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jornalista e, diante da densidade da programação jornalística da emissora, já no primeiro mandato tenha se ocupado, predominantemente, desse segmento. Mas estabelecer que a partir de outubro de 2005 ele não mais se envolveria com os demais assuntos da programação da Cultura destoa, inegavelmente, dos propósitos pioneiros da TV pública. Este ponto, todavia, não deve ser apontado como justificativa para renegar o ombudsman de televisão nas demais emissoras: apesar de a própria televisão pública ter recuado em relação às expectativas pós-inauguração do cargo, ela continua mantendo a promessa de implantar um programa comandado por Martins. Visto isso, é preciso ater-se ao fato de que esta ainda é a primeira experiência brasileira de ombudsman de televisão, e, portanto, está submetida a uma série de revisões, balanços e aperfeiçoamentos. Assim, selado o acordo do novo ombudsmanato, a primeira crítica de Osvaldo Martins, nesse segundo estágio focado no jornalismo, foi publicada no dia 14 de outubro de 2005. Intitulado “Oportunidade perdida”, o comentário discorreu sobre a falta de atenção do Jornal da Cultura (JC), bem como dos demais telejornais das emissoras abertas, para com o embargo econômico no Brasil, provocado pela febre aftosa encontrada na carne bovina do Mato Grosso do Sul. O ombudsman da Cultura teceu crítica ferrenha ao modo superficial com o qual o principal telejornal da casa, o JC, trata determinados assuntos: Os principais jornais do país têm dado destaque ao tema (embargo da carne bovina) em suas capas e extensas matérias nas páginas do noticiário econômico, além de editoriais, comentários, artigos e entrevistas. Colocam o assunto, sem exagero, no status de tragédia nacional. [...] Enquanto isso, os telejornais tratam o problema com abordagens burocráticas. A Globo, por exemplo, não lhe concedeu seu espaço nobre semanal, o Globo Repórter. Idem as demais emissoras de sinal aberto. E a Cultura? Idem também. [...] Este seria o momento, tantas vezes prometido quanto adiado, de inaugurar no Jornal da Cultura um bloco inteiro para aprofundar determinada informação, estabelecendo assim o seu diferencial em relação às demais TVs. Estou ciente de que a direção de jornalismo da Cultura pretende implantar esse modelo, mas todos sabemos que ainda não o fez.80
Como exemplo elogiável de feedback e semi-intervenção do ombudsman nos temas pertinentes ao jornalismo, o comentário posterior a esse foi publicado em tom de vitória, devido a uma observação positiva do JC, feita por Osvaldo Martins, justo após o apontamento de erros cometidos pelo mesmo telejornal no comentário anterior. No texto do dia 21 de outubro de 2005, portanto, publicado no espaço do ombudsman, disponível no sítio da Cultura, o jornalista demonstrou satisfação em relação aos rumos do jornal âncora da emissora, através de um 80
MARTINS, Osvaldo. Oportunidade perdida. TV Cultura, 14 out. 2005. Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br/ombudsman/>. Acesso em: 24 out. 2005. 135
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comentário cujo conteúdo maior foi constituído de elogios. Tal situação demonstra que, em certa medida, o ombudsman pode sim contribuir para a qualidade da programação de sua emissora. Seja através de pedidos por parte da audiência, seja através da própria observação como profissional do ramo e, evidentemente, como defensor do público, a interferência nos conteúdos da televisão para qual o ombudsman trabalha, ainda que se dê de maneira indireta, ressalta como um ponto positivo de sua atuação: Tudo indica que o Jornal da Cultura, o principal noticiário da emissora, está finalmente no rumo certo. Fico à vontade, e feliz, com os progressos que observo, após mais de um ano de críticas à ausência de uma identidade própria e à letargia que parecia dominar o ânimo da equipe. Tomemos como exemplo o JC de quinta-feira, 20 de outubro. Foi o único telejornal de horário nobre a mostrar a saída dos Maluf (no ar às 21h31) da carceragem da Polícia Federal. O JC já havia abordado o assunto antes, mas teve agilidade e senso de oportunidade ao encaixar suas imagens exclusivas em ritmo de plantão. Um furo. Gol! Recuperou bem o assunto febre aftosa com extensa e elucidativa matéria, que ocupou mais de sete minutos, em várias frentes, editando bem as entrevistas, reportagens, explicações sobre a crise, queda do preço da carne no açougue e mapa de localização dos focos da doença. O visual infográfico precisa ainda ser melhorado, mas já se nota um esforço em produzi-lo como reforço da informação jornalística. Televisão, não nos esqueçamos, é imagem.81
No último comentário do mês de outubro de 2005, publicado no dia 26, Martins voltou a deixar de lado os elogios e criticou a cobertura do telejornalismo da Cultura no 30º aniversário de Vladimir Herzog. Seu comentário, no entanto, não se limitou ao jornalismo da casa, abrangendo as demais emissoras: O 30º aniversário, dia 25 de outubro, do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, não teve por parte da imprensa brasileira (leia-se jornais e revistas) o tratamento que merecia, à altura da importância do episódio na história recente do país. A morte de Herzog precipitou o início da distensão “lenta e gradual” do governo Geisel, abrindo caminho para a retomada da democracia. As emissoras de televisão ficaram, igualmente, a dever, o que não é novidade. E o jornalismo da TV Cultura não fez mais nem melhor, o que é imperdoável. O que se viu no ar, em todas as emissoras, foi tudo muito parecido. Todas beberam na mesma fonte e dela quase não foram além. [...] Os 30 anos da morte de Vlado foram lembrados em filmes, livros, prêmios, orações e até show. Faltou, porém, a melhor e mais adequada homenagem, aquela que certamente seria da sua preferência: o bom jornalismo.82
Simultaneamente, deve-se acrescentar que a origem do cargo de ombudsman está largamente vinculada à necessidade de representação requerida pelas camadas mais amplas de uma população. As atribuições daquele que representa estão diretamente ligados ao caráter falível
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MARTINS, Osvaldo. Jornal da Cultura no rumo certo. TV Cultura, 21 out. 2005. Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br/ombudsman/>. Acesso em: 24 out. 2005. 82 MARTINS, Osvaldo. Faltou uma homenagem a Vlado. TV Cultura, 26 out. 2005. Disponível em: <http://www.tvcultura.com.br/ombudsman/>. Acesso em: 29 out. 2005. 136
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das instituições públicas e privadas:83 se as estruturas de governo, administração pública e demais empresas privadas fossem isentas de erro, absolutamente refratárias à omissão, ao engano e ao desvio, os sujeitos incumbidos da tarefa de representar o cidadão seriam dispensáveis. No entanto, essa situação é uma idealização, e, como toda abstração dessa natureza, ela é inexeqüível. Por força da realidade e da responsabilidade proveniente desta mesma realidade, há a necessidade de instrumentos que operem como pontes entre os sujeitos da sociedade. Instrumento de repercussão da demanda pela inclusão comunicacional, o ombudsman é o resultado dos esforços no sentido de uma mídia não somente mais ampla, mas, o que é ainda mais importante, também mais democrática. Ao transcender a unilateralidade da tradicional fórmula emissor/receptor – e essa é a constatação verificada ao longo da presente monografia –, o cargo de representante, se levado a sério, poderia permitir um genuíno feedback, instaurando os elementos, as conexões que transformam a mass media em meios de comunicação, ou, ainda, em um elo entre sujeitos que não apenas ouvem/enxergam, mas também falam. Considerações conclusivas Assim, o papel do ombudsman nas indústrias televisivas – e culturais em geral – deve ser matizado. Se a instalação de ouvidorias abre uma perspectiva de crítica importante, destacável especialmente num país sempre fechado às observações não celebratórias, como o Brasil, também não pode ser confundido com a resolução de todos os problemas atinentes à ausência de democracia na mídia. A plena democratização é inviável enquanto perdurar a apropriação privada da cultura e conhecimento públicos, enraizados nas comunidades, que são incorporados aos produtos simbólico-comunicacionais, para assim conquistar os consumidores. Mas mesmo nos moldes da formatação social atual é possível avançar, o que passa necessariamente por uma radicalização das formas de controle social dos conteúdos midiáticos, envolvendo a ativação de ouvidores, indo muito além disso. Mas a lógica das ouvidorias é a da auto-regulamentação, cujos limites são conhecidos. Melhor dizendo, por maior independência que os titulares desses departamentos demonstrem, com relação aos seus empregadores, sempre há algum nível de atrelamento, se não for em relação ao momento presente, pelo menos alguma preocupação quanto à empregabilidade – na mesma ou em outra companhia comunicacional – no futuro, quando terminado o mandato de ombudsman. 83
MACIEL, Roberto, op. cit., p. 15. 137
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Sua própria função não envolve a denúncia dos processos de mercadorização da cultura e do tratamento do público como consumidor, mas de indicação pontual de erros. Ao lado disso, a implantação desse tipo de estrutura representa um enorme dividendo simbólico para as empresas que os bancam, já que, via de regra, são louvados pelos diversos públicos como importante experiência a ser copiada. Diga-se ainda que as informações captadas junto aos clientes representam um ganho na luta pela redução da aleatoriedade dos bens culturais. A TV continua assumindo sua inspiração predominantemente liberal, mas a inexistência de um elemento que incite ao menos uma autocrítica, ou ainda, um mecanismo regulador interno – o ombudsman de TV seria a melhor proposta nesse mote –, que filtre as demandas populacionais em um espaço destinado exclusivamente a essa atividade, faz desse meio uma quase nulidade em matéria de democracia e pluralidade. Existe um aspecto intrínseco às empresas de televisão brasileira, cuja exceção possivelmente aparece no caso da TV Cultura. A despeito do tempo que estes canais abertos comerciais estão no ar e, ainda que em 2005 tenham se completado quatro décadas de Rede Globo, o fato é que a aceitação e, mais do que isso, a contratação de um ombudsman para atuar nos bastidores dos estúdios de televisão, requer maturidade. Isso é possível encontrar numa televisão de cunho educativo, como a Cultura, pioneira na implementação de um profissional instalado dentro dela com o intuito de criticá-la e atender às queixas dos telespectadores. Segundo Bolaño: Dois tipos de política, portanto, são necessários ao sistema comercial de televisão, o que envolve uma necessária e urgente reforma estrutural: de limites à propriedade e de regulação de conteúdo. Pode-se notar, neste último caso, que não se trata de censurar conteúdos (ainda que sem classificá-los adequadamente), mas simplesmente – é preciso dizer com todas as letras – acabar com o monopólio da fala. É preciso, por exemplo, impor a todo sistema de radiodifusão, ou de comunicação em geral, aquilo que a lei exige explicitamente apenas das rádios comunitárias: a apresentação de todas as opiniões sobre cada fato social. É preciso que todos os atores sociais tenham a capacidade de acessar ao meio, é preciso estimular a produção local e independente, base da competitividade sistêmica que o país ainda não teve a capacidade conquistar, é preciso que essa produção tenha todos os mecanismos de distribuição à sua disposição, nos horários mais nobres e adequados etc. Não se pode limitar a criatividade popular nacional por necessidade de mercado. 84
Nesse mote, deve-se considerar que o ombudsman, umas vez implantado na televisão comercial, ampliaria os esforços democráticos, que são quase inexistentes nesse meio, mas estaria longe de solucionar os problemas apontados por Bolaño: sozinho, o ombudsman não possui poder o bastante para estabelecer a reforma estrutural proposta pelo autor. Parece existir, ao ser 84
BOLAÑO, César, op. cit., p. 30. 138
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trabalhada a questão do ombudsman, um contra-senso em obter uma aproximação das noções de espectador e cliente. Muitas vezes esses termos são considerados pólos de um problema que, a bem da verdade e do modo como a relação entre eles se dá, principalmente, no panorama televisivo, talvez nem possua extremos, periferias, oposições. Porém, os meios de comunicação não são apenas uma ponte entre emissores e receptores. O termo meio se dirige, com justo acerto, à própria condição da atividade: as mídias são, simultânea e indissociavelmente, negócio, conhecimento e entretenimento, ou, de uma forma mais direta, empresas que trabalham com o simbólico. O produto da mídia é importante demais, contudo, para ser tomado apenas como uma mercadoria, mais uma entre tantas à venda na grande loja de departamentos que o mundo, por vezes, se torna: a informação alimenta, bem ou mal, a consciência humana. Ao mesmo tempo, o simbolismo da informação não é intocável o suficiente para que não possa ser convertido em dinheiro, em salários, em poder aquisitivo. O efeito multiplicador da economia age também aqui. Possivelmente a aparição de um mecanismo autocontrolador no meio televisão beneficiaria de forma exemplar a sociedade, através da canalização de problemas e sugestões, apontados por ela mesma. É provável que, num primeiro momento, os cidadãos – estes que não estão acostumados a serem convidados a entrar num campo de discussão que, até agora, grosso modo, só cabe aos senhores da comunicação –, estranhem, repilam ou até mesmo desconfiem dessa nova ferramenta, que uma vez adquirida, poderá ser desfrutada por eles próprios. Esta previsão é natural, já que, não é simplesmente num piscar de olhos que uma audiência, predominantemente omissa, se tornará altamente participativa. Mas é um processo necessário, ao menos como experiência. É preciso fazer valer a tentativa de um cidadão comum surpreender-se no direito de opinar, levantar questões, propor hipóteses, interagir, enfim, legitimar a comumação, fazer-se voz ativa nos processos comunicacionais, abdicando da sua posição de receptor resignado. Sim, o estereótipo atual do cidadão-comum pode ser reinventado através de ao menos um mandato de ombudsman em cada emissora comercial aberta, numa tentativa de fazer efervescer uma polêmica que já perdura há algum tempo: a abertura da mídia ao controle social, ainda que tal fenômeno venha a acontecer apenas parcialmente. Reitera-se, no entanto, que o ombudsman é um instrumento de cidadania quando encarado com seriedade no viés da sua função. Ele se fará cada muito mais valioso se for assumida na íntegra sua proposta de autocrítica, trabalhando arduamente em cima das questões trazidas pelo público, seja ele leitor, expectador ou ouvinte. Tal público, por sua vez, deve ser conhecedor do cargo, compreendendo os fatores 139
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benéficos que ele traz para si próprio. Sem pressupor uma ação efetiva de democracia em relação aos meios, ele pode acabar tornando-se apenas um altar, no qual a sociedade exalta sua nãosubmissão aos processos midiáticos, todavia sem obter qualquer retorno eficaz. É inevitável, portanto, que os ecos da esfera política reverberem também na comunicação: somente a mídia não pode conciliar adequadamente a aspiração à participação do público, se é que esse aspira por participar. Uma vez que a mídia é problematizada por uma concepção mais profunda da atividade humana, dificilmente ela poderia contribuir espontaneamente para a efetivação do conceito ideal de democracia e, logo, de liberdade. Passados quase três milênios desde que Roma deu voz à plebe por meio dos tribunos, verifica-se, cada vez mais, a necessidade de também dar voz aos receptores da comunicação de massa, através da implantação do que poderia ser chamado de república midiática. Mas ainda há a reluta, das grandes empresas de comunicação, em dar vazão efetiva e integral aos constantes e, sobretudo, lícitos pedidos da sociedade civil, de organizações não-governamentais e de outras camadas da população, pela inclusão comunicacional. Ao instituir um cargo que, inelutavelmente, seguiria na esteira de outras conquistas, a mídia estaria dando ao menos um passo para sua abertura, já que o ombudsman é apenas um número de toda uma fórmula democrática. Assim, é possível compreendê-lo como um dos ingredientes que compõe uma combinação, cujo resultado viria a ser, ao fim, a democracia midiática. Visto isso, se operar sozinho, nessa mediação entre cidadão e televisão, ele pode acabar se tornando um oráculo inerte do público. A efetiva atuação deste epígono do antigo tribuno da plebe, o ombudsman, como instituição milenar, porém, não deixará de ser um lugar de guarida, de abrigo para demandas do público. Se adaptadas para as causas contemporâneas, que apontam para o ombudsman na comunicação, as seguintes palavras do historiador Fustel de Coulanges são bastante apropriadas para que se pense, metaforicamente, as circunstâncias da mídia dentro desta alternativa: “os patrícios não haviam concedido direitos à plebe; haviam tão-só admitido essa inviolabilidade de alguns plebeus. Todavia era o que bastava para conseguir-se relativa segurança para todos”.85 Ainda que o pioneirismo da TV Cultura deva ser devidamente valorizado, não há grandes razões para se contagiar com entusiasmo em excesso, diante deste empreendimento. A TV Cultura é um canal educativo, de caráter público e, portanto, não-comercial. A questão é que a esta emissora segue uma lógica pública. Diante disso, suas práticas são menos assimiladas pela 85
COULANGES, Fustel, op. cit., p. 200. 140
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TV comercial. Suas receitas, bastante modestas, especialmente se comparadas às grandes redes privadas, são passíveis de dotações orçamentárias, ou seja, está prevista na programação do governo. Tal fato só faz revigorar sua característica de aprimoramento constante, sempre em direção à cidadania e à satisfação de sua audiência. É preciso destacar, todavia, que a atuação de Osvaldo Martins como ombudsman da Cultura ainda está bastante engessada, provavelmente em função dos poucos recursos que foram disponibilizados para ele. Ao restringir a manifestação do defensor da audiência apenas ao site e, ao vincular suas críticas, a partir do segundo mandato, apenas ao telejornalismo da emissora, a Cultura acabou limitando não somente o acesso do público ao ombudsman, mas também as demandas a ele destinadas. Espera-se, no entanto, que essa emissora pública brevemente não simplesmente implante um programa de ombudsman na sua grade de horário: a instalação de um número de telefone específico para o programa também se faz necessária. A caminhada é, de fato, quilométrica, mas, paulatinamente, o ombudsman tende a ganhar mais espaço no cenário comunicacional, deixando de ser um cargo mal visto para entranhar de uma vez por todas nas salas de redação, nos estúdios de rádio e, por que não, na televisão aberta. O lugar para a crítica e, sobretudo, para a prática da cidadania, devem sair das gavetas e das mentes inquietas e vir a revolucionar as formas de comunicação. A iniciativa da TV Cultura, a despeito de alguns pontos a serem aprimorados, é legítima: trás à tona o debate de democratização da mídia, valoriza seu público telespectador e, sobretudo, retoma os direitos dos cidadãos. Que sirva de exemplo à mídia resistente.
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Quem procura, acha? O impacto dos buscadores sobre o modelo distributivo da World Wide Web Suely Fragoso∗ Cuando se proclamó que la Biblioteca abarcaba todos los libros, la primera impresión fue de extravagante felicidad. Todos los hombres se sintieron señores de un tesoro intacto y secreto. No había problema personal o mundial cuya elocuente solución no existiera: en algún hexágono. El universo estaba justificado, el universo bruscamente usurpó las dimensiones ilimitadas de la esperanza. ... A la desaforada esperanza, sucedió, como es natural, una depresión excesiva. La certidumbre de que algún anaquel en algún hexágono encerraba libros preciosos y de que esos libros preciosos eran inaccesibles, pareció casi intolerable. Jorge Luis Borges, A Biblioteca de Babel
O século XX foi o século da comunicação de massa, durante o qual a imprensa, o cinema, o rádio e a televisão floresceram conforme o modelo irradiativo (um-muitos) de distribuição. Tecnologias de comunicação originalmente vocacionadas para funcionamento epidêmico (muitos-muitos) chegaram a ser reencaminhadas para o modo irradiativo86. Ao final dos anos 1990, entretanto, uma nova prática emergiria das instalações militares e dos campi universitários: a comunicação mediada por computador (CMC). À primeira vista, parecia não se tratar de muito mais que a transposição para um novo ambiente tecnológico de alguns modos pré-existentes de comunicação interpessoal (um-um), como o correio ou o telefone. Entretanto, a configuração tecnológica (em rede) e o ambiente cultural (tanto o espaço universitário quanto a proximidade entre a comunidade hacker e os movimentos da contracultura) eram altamente propícios à comunicação epidêmica (muitos-muitos), que de fato viria a florescer. Com a popularização da internet, e em especial através da World Wide Web, as possibilidades de comunicação muitosmuitos estenderam-se a um número sem precedentes de pessoas. Em um contexto até então marcado pela hegemonia aparentemente intransponível do modelo massivo de comunicação, à época era praticamente impossível não saudar o potencial ‘subversivo’ da CMC.
∗
Unisinos, <suely@unisinos.br> O exemplo clássico é o rádio, originalmente uma tecnologia bi-direcional cuja transformação em meio de comunicação de massa demandou significativos esforços políticos e expressivos investimentos financeiros. 86
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Embora os números absolutos obscureçam o fato de que apenas uma reduzidíssima parcela da população mundial tem pleno acesso às redes digitais de comunicação, é inegável que a CMC elevou exponencialmente o número de indivíduos capazes de desempenhar o papel de emissor em processos comunicacionais de grande escala, provocando um rearranjo no cenário midiático. Sem deixar de louvar os méritos dessa nova modalidade de comunicação tecnológica, é importante atentar também para os desdobramentos negativos do modelo muitos-muitos. Antes de mais nada, um grande número de emissores implica um elevado número de mensagens. Em um texto que já se tornou um clássico do tema, Lawrence e Giles estimaram em 800 milhões o número de páginas indexáveis87 disponíveis na web em 1999 (Lawrence e Giles, 1999, p.2). Um ano mais tarde, Murray calculava que o número de páginas indexáveis já teria ultrapassado os dois bilhões (Murray, 2000, p.3). Em janeiro de 2005, Gulli e Signorini calcularam a existência de pelo menos 11,5 bilhões de páginas (Gulli e Signorini, 2005, p.1). Não bastasse a grandeza desses números, é preciso lembrar que a web é essencialmente dinâmica e auto-organizada. No mesmo ano de 2000 em que o incremento diário no número total de páginas era estimado em cerca de 7,3 milhões (Murray, 2000, p. 3), Arasu et al constataram que a meiavida das páginas com domínio ‘.com’ não ultrapassava dez dias88 (Arasu et al., 2001, p.3). Além disso, é preciso considerar a imensa variedade de linguagens empregadas nas páginas (textos, sons, imagens estáticas e dinâmicas) e o dinamismo de seu conteúdo. O cenário assim constituído é de uma tal exuberância que traz para o primeiro plano a diferença crucial entre a multiplicação das pessoas capazes de ‘publicar’ na World Wide Web e a visibilidade de cada uma delas. A questão não se resume à qualidade ou pertinência do material disponibilizado, mesmo porque é fundamental respeitar as diferentes concepções de pertinência. Na hipótese – altamente fantasiosa – de que todos os milhões de terabytes da web interessassem a todos e a cada um, o problema do excesso não se resolveria, pelo contrário. Na ausência de um controle por gatekeeping, ‘na entrada’, como é de praxe nos meios de comunicação analógicos, o ambiente muitos-muitos da web favorece a emergência de mecanismos de filtragem e de seleção ‘na saída’. Nesse cenário, os sistemas de busca configuram uma solução óbvia e aparentemente inócua. Entretanto, não é exagero dizer que seus desdobramentos, sobretudo quando se leva em
87
A expressão ‘páginas indexáveis’ designa o conteúdo da web normalmente acessível às ferramentas de busca. As páginas não-indexáveis compõem a web profunda (deep web), que agrega as páginas que não enviam (ou recebem) links; o conteúdo dinâmico, gerado em resposta a consultas a bancos de dados e o material de acesso restrito. 88 Ou seja, em dez dias, a metade das páginas ‘.com’ observadas não estavam mais nos endereços consultados. 145
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conta a configuração que assumiram nos últimos anos, põem em risco o próprio formato epidêmico da WWW. Para esclarecer devidamente esta última colocação, que corresponde à proposição fundamental deste texto, vale a pena revisitar algumas passagens da história dos sistemas de busca na internet. Uma breve (e incompleta) história (comentada) dos buscadores A necessidade de orientação em meio à profusão de material disponibilizado na internet é anterior à World Wide Web: o primeiro indexador, denominado Archie89, surgiu em 1990. Reunia informações de arquivos disponíveis em servidores ftp anônimos e mantinha-os atualizados checando os dados em intervalos de até 30 dias. Os usuários do Archie procuravam por sequências de caracteres nos nomes dos arquivos ou pastas disponíveis no índice. Inicialmente destinado a uso departamental, Archie foi anunciado publicamente quando abrangia pouco mais de 200 servidores (Deustch, 1990). A facilitação da localização dos arquivos disponíveis para ftp pelo Archie inspirou a criação de um indexador semelhante para Gopher, que foi chamado Veronica90. Veronica era um banco de dados que reunia os menus dos servidores Gopher, permitindo a realização de buscas por tópico (com palavras-chave) ao invés de por servidor (como era inerente ao sistema). Pouco depois apareceu Jughead91, que teve o mérito de introduzir a possibilidade de realizar buscas booleanas92 (Salient Marketing, s.d.) Um outro sistema, em vários aspectos mais avançado e reunindo características do próprio Gopher e dos buscadores que nele operavam, já estava em operação desde o ano anterior. Era o WAIS (Wide Area Information Server), desenvolvido por iniciativa conjunta de 4 empresas93. Com o WAIS, era possível realizar buscas em bases de dados remotas, cujos resultados eram organizados em ordem decrescente de frequência das palavras-chave. Clientes WAIS foram criados para vários sistemas operacionais, incluindo Windows, Macintosh e Unix, mas a propriedade privada ‘segurou’ a popularização do WAIS. De fato, podia ser arriscado, à época, contradizer o caráter público da internet. Diversas boas idéias e implementações competentes 89
Alan Emtage, Bill Heelan e Peter Deutsch na McGill University Montreal, Canadá, 1990. Steve Foster e Fred Barrie, University of Nevada System Computing Services Group, 1992. 91 Rhett Jones, University of Utah Computer Centre, 1993. 92 Buscas em que os operadores AND, OR e NOT são utilizados para formar combinações lógicas com palavras ou expressões-chave, formulando condições que os sistemas booleanos de busca procurarão satisfazer levando em conta quais termos estão presentes ou ausentes em um documento ou conjunto de documentos. 93 Thinking Machines Corporation, Apple Computer, KPGM Peat Marwick e Dow Jones Co., 1992. 90
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sucumbiram devido à insistência em comercializá-las. Mesmo assim, é de se duvidar que o CERN (http://www.cern.ch) tivesse idéia da escala que assumiriam as consequências de sua decisão de abrir mão, em 1993, do direito de propriedade dos códigos básicos do projeto de um sistema global de hipertexto que havia sido iniciado por Tim Berners-Lee em 1989 (CERN, 1993) e que viria a tornar-se a World Wide Web como a conhecemos hoje. Combinado com a decisão de tornar a WWW um sistema de domínio público, o lançamento do primeiro browser para Windows, o X Windows Mosaic94 e sua posterior adaptação para plataformas Macintosh, ajudou a popularizar a web numa escala sem precedentes para todos os demais sistemas de informação. Poucos meses após o lançamento do Mosaic, a primeira aranha começou a rastrear a web. Era o World Wide Web Wanderer 95 , o primeiro webrobot 96 . O Wanderer percorria a web mapeando cada página de um site e prosseguindo para uma das páginas conectadas a ela, para então mapeá-la e prosseguir para a próxima e assim sucessivamente97 e armazenava os endereços que encontrava num banco de dados. A idéia inicial era mapear toda a web (Gray, 1995) e partia da premissa de que todas as páginas estariam conectadas a pelo menos uma outra, de modo que seria uma questão de tempo até que o Wanderer percorresse a web inteira98. Apesar da controvérsia causada pelo impacto da operação do WWW-Wanderer sobre os servidores da rede, antes do final de 1993 pelo menos mais três outros bots rastejavam pela web: JumpStation, World Wide Web Worm e RBSE. O Worm99 indexava os títulos e endereços das páginas, enquanto o JumpStation 100 inovou ao arquivar também os cabeçalhos. Ambos apresentavam os resultados na ordem em que os encontravam. O RBSE 101 foi o primeiro a
94
Marc Andreesen e Eric Bina, University of Illinois at Urbana-Champaigne, 1993. Matthew Gray, MIT, 1993. 96 Webrobots, também chamados crawlers, spiders e, daqui para a frente referidos como rastreadores ou bots, são programas que percorrem a web passando de um documento para outro através dos hiperlinks. 95
97
Esse tipo de rastreamento é conhecido como ‘depth-first’ (em profundidade) e implica que o rastreador retorna à página inicial diversas vezes, o que coloca grande demanda sobre os servidores, comprometendo seu desempenho. Uma outra abordagem possível é a ‘breadth-first’ (em abrangência), em que o rastreador segue todos os links de uma página e só depois prossegue para os links das páginas seguintes. 98 A crença de que todos os endereços estão ao alcance de quem – ou o que – percorresse os links perdurou até recentemente, quando foi matematicamente demonstrado que a natureza direcional das hiperconexões da web implica necessariamente em sua fragmentação. No processo, certos endereços melhor conectados ganham em acessibilidade, enquanto outros podem chegar a formar pequenos núcleos inacessíveis (Barabási, 2002, p. 167). 99
Oliver McBryan, University of Colorado, 1993. Jonathon Fletcher, University of Stirling, 1993. 101 David Eichmann, Repository Based Software Engineering Program, University of Houston, 1993. 100
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implementar um sistema de ranqueamento baseado na relevância relativa à expressão utilizada para a busca (Mauldin, 1997; Wall, 2006). Ainda em 1993 surgiu o primeiro indexador projetado especificamente para a web, o Archie-Like Indexing of the Web, ou Aliweb102. Fortemente inspirado pelo Archie, o Aliweb não possuía um rastreador, mas compunha seu banco de dados a partir das informações fornecidas diretamente pelos webmasters. Isso permitia que o sistema arquivasse descrições das páginas, que eram alimentadas pelos próprios criadores, mas por outro lado tornava a qualidade e atualidade do banco de dados dependentes da boa vontade de terceiros. Também contando com um banco de dados construído sem o apoio de rastreadores, surgiu no ano seguinte o primeiro diretório web pesquisável, o Galaxy103. Como listava apenas URLs que tinham sido fornecidas diretamente, o Galaxy pôde organizar os endereços em categorias e sub-categorias, permitindo que os usuários restringissem a busca a sub-áreas de sua base de dados, o que acelerava e tornava mais preciso o processo. Não demorou a surgiu um bot capaz de associar o registro do conteúdo completo das páginas à funcionalidade do rastreamento automático. Para fazê-lo, o WebCrawler104 adotou a indexação vetorial105. A estratégia foi um grande sucesso: após seis meses de uso, o WebCrawler já havia indexado milhares de documentos e efetuado quase um quarto de milhão de buscas, atribuídas a mais de 23 mil usuários diferentes (Pinkerton, 1994). Em novembro do mesmo ano, o número de buscas realizadas chegou à marca de um milhão (Pinkerton, s.d.). Logo o sistema da universidade de Washington deixou de ser capaz de dar suporte ao buscador, um problema que só seria resolvido com a venda do WebCrawler. Outros sistemas de busca aperfeiçoaram ainda mais a combinação de funcionalidade e abrangência inaugurada pelo WebCrawler. Um dos mais significativos foi o Lycos106, que além de organizar os resultados das buscas conforme sua relevância, permitia consultas por prefixo e dava bônus por proximidade entre palavras (Mauldin, 1997). Um dos atrativos iniciais do Lycos foi o tamanho de seu banco de dados: “em agosto de 1994 o Lycos havia identificado 394 mil 102
Martijn Koster, NEXOR, 1993. MCC Research Consortium, University of Texas, Austin, 1994. 104 Brian Pinkerton, University of Washington, 1994. 105 No modelo vetorial de indexação, documentos em linguagem natural são representados através de vetores (no caso, palavras-chave que funcionam como termos de indexação aos quais são atribuídas características vetoriais). O sistema avalia a relevância dos documentos conforme sua relação espacial com as palavras-chave utilizadas para a busca. 106 Michael Mauldin, Carnegie Mellon University, 1994. 103
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documentos, em janeiro de 1995, o catálogo já tinha 1 milhão e meio de documentos e em novembro de 1996, o Lycos já havia indexado mais de 60 milhões de documentos – mais que qualquer outra ferramenta de busca na web” (Mauldin, 1997) à época. O peso desse banco de dados era aliviado pela estratégia de não arquivar o conteúdo completo das páginas mas apenas um resumo, que era construído automaticamente considerando as 100 palavras-chave mais freqüentes em cada página, combinadas com as palavras do título, do cabeçalho e as 20 primeiras linhas ou os primeiros 10% do documento. Os resumos podiam ser vistos junto com a lista dos resultados e ajudavam o usuário a decidir qual das páginas encontradas visitar primeiro. Outro diferencial importante do Lycos foi o funcionamento de seu rastreador, que não operava depth-first nem breadth-first, mas conforme uma estratégia que Mauldin denominou ‘best-first’. Para definir qual era a ‘melhor’ página, e portanto a próxima a ser rastreada, a aranha do Lycos levava em conta o número de links que cada página recebia de outros servidores (inlinks). Em meados dos anos 1990, a capacidade da web para atrair volumes significativos de tráfego começava a chamar a atenção de novos investidores. Os buscadores foram considerados particularmente interessantes pelo capital publicitário, inicialmente interessado em incluir banners e pequenos anúncios nas páginas de início. Logo os sistemas de busca descobriram que a intensificação do fluxo de público era o caminho para atrair mais anunciantes. Com vistas a gerar seu próprio tráfego e incrementar o tempo de permanência dos usuários em seu domínio, muitos assumiram o formato de portal, passando a oferecer uma variedade de serviços. Um dos primeiros e mais bem sucedidos portais da web foi, sem dúvida, o Yahoo! O Yahoo! começou muito modestamente, como uma lista de sites favoritos de dois primeiranistas de doutorado da University of Stanford (Jerry Yang e David Filo, 1994) A prática de publicar listas de favoritos na web era bastante comum na época, e o grande diferencial do indíce de Yang e Filo era a disponibilização de breves descrições das páginas listadas. Com o aumento do número de indicações, a lista tornou-se pouco amigável e os autores criaram uma estrutura de árvore (categorias e sub-categorias), conferindo ao Yahoo! o perfil de um diretório. Para responder ao crescimento da popularidade da lista, adicionaram também uma ferramenta de busca e passaram a aceitar inscrições de websites que desejassem figurar em seu banco de dados. Com menos de um ano de funcionamento, a página do Yahoo! celebrou seu milionésimo acesso, com visitantes vindos de quase 100 mil endereços distintos. (Yahoo! Media Relations, 2005). 149
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Tendo estreado tarde, o AltaVista107 enfrentou uma competição feroz. Era, no entanto, extremamente mais rápido que as outras ferramentas disponíveis à época e prometia aos webmasters atualizar as informações recebidas em no máximo 24 horas. Foi também a primeira ferramenta que permitiu buscas a partir de perguntas formuladas em linguagem natural, buscas em newsgroups e buscas específicas por palavras associadas a imagens, títulos e outros campos do código html. Foi também a primeira ferramenta a disponibilizar buscas por inlinks (Sonnenreich, 1998), uma possibilidade que tendia a passar desapercebida dos usuários comuns mas com importantes implicações para o marketing. Além disso, o AltaVista acrescentou um campo de ‘dicas’ embaixo da área de busca, o que ajudou a aumentar a fidelidade à ferramenta. A essa altura, novas formas de integrar o conteúdo publicitário aos resultados das buscas, adaptando-se ao caráter push108 da web começavam a se popularizar. A ‘inclusão paga’ (paid inclusion), em que o webmaster paga a ferramenta de busca ou diretório para garantir que seu site seja incluído no banco de dados, já era comum quando surgiu uma versão mais elaborada, a ‘classificação paga’ (paid placement), que consiste em pagar o buscador para garantir que o site figure entre os melhor classificados em buscas por uma determinada palavra (ou várias). Em 1997, o GoTo (1997, Idealab!) inaugurou um novo modelo de vendas, introduzindo o modelo de ‘seleção paga’ (pay-per-click), em que os anunciantes só pagam ao buscador quando o link para o seu site (do anunciante) é selecionado. Rapidamente, os sistemas de busca se tornaram os principais veículos para a publicidade online (FutureNow, Inc, 2003, p. 15). O próprio sucesso do negócio de buscas fomentou a concorrência, e logo havia dezenas de buscadores diferentes na rede. Cada um deles operava com interface e algoritmos próprios e seus bancos de dados cobriam diferentes porções da Web. Por conseguinte, consultas a sistemas diferentes produziam resultados diferentes, e os usuários passaram a repetir as mesmas consultas em várias ferramentas, buscando maior amplitude de resposta. Para atender a essa nova demanda surgiram as ferramentas de meta-busca, que permitem buscar em vários sistemas de busca ao mesmo tempo. Os dois primeiros sistemas de meta-busca apareceram quase simultaneamente, em 1995. Savvy Search109 realizava buscas em até 20 outros buscadores por vez e inclusive permitia acesso a alguns diretórios temáticos. No entanto, simplesmente ignorava as opções avançadas dos
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Digital Research Laboratories, Palo Alto, California, 1995. Em que o conteúdo não é empurrado (pulled) para o usuário, mas solicitado (pushed) por ele. 109 Daniel Dreilinger, Colorado State University, 1995. 108
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vários sistemas de busca. Já o MetaCrawler 110 , que se tornaria mais popular, enfrentava as diferenças de sintaxe entre as opções avançadas dos sistemas de busca criando sua própria sintaxe e convertendo o input do usuário no comando correspondente em cada sistema de busca acessado. No sentido inverso, os resultados encontrados eram convertidos para um formato único na página de resposta (Selberg e Etzioni, 1995). Do ponto de vista dos sistemas de busca originais os meta-buscadores eram uma péssima idéia, pois desviavam o público de suas páginas e por conseguinte afastavam os anunciantes. Junto aos usuários, entretanto, fizeram grande sucesso – em especial o MetaCrawler, que logo ultrapassou a capacidade dos servidores do campus da University of Washington, tendo sido então licenciado para a go2net, que mais tarde se tornaria InfoSpace. Sob a gestão da InfoSpace, o MetaCrawler encontrou um modelo compatível com a meta-busca, passando a disponibilizar os resultados das várias ferramentas acompanhados dos anúncios originais de cada site. O grande impulso comercial para os meta-buscadores adveio, entretanto, da publicidade pay per click, que permitia diferenciar entre o tráfego originado pela ferramenta original e o oriundo do metabuscador. Em paralelo à manipulação dos resultados das buscas pela inserção de resultados pagos, surgiu também o search spam111. Do ponto de vista dos buscadores, era fundamental evitar o spam, pois a ocorrência de resultados improcedentes ou mal classificados afastava o público e, com ele, os anunciantes. Para isso, os sistemas de busca desenvolviam estratégias de indexação e classificação cada vez mais sofisticadas. Por outro lado, o número de inclusões pagas nas listas de resultados era cada vez maior. Logo a disseminação dessas práticas começaria a comprometer a confiança dos usuários nos sistemas de busca de um modo geral. Àquela altura, a disputa pelo mercado parecia girar em torno do tamanho dos bancos de dados dos diferentes sistemas de busca. Números portentosos eram exibidos como argumento para a existência de grandes quantidades de usuários. Devido aos altos custos envolvidos na compilação de bancos de dados com tamanho competitivo, a sobrevivência das pequenas ferramentas tornou-se praticamente impossível. Muitas foram compradas pelos buscadores maiores, interessados tanto em aumentar ainda mais seus bancos de dados quanto, muitas vezes, em particularidades dos rastreadores e sistemas de classificação que, como de praxe na indústria 110
Eric Selberg e Oren Etzioni, University of Washington, 1995. Search spam consiste em configurar o site de modo a ‘enganar’ os sistemas de busca para obter melhor classificação. 111
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da busca, as pequenas empresas mantidas em sigilo. A competição por maiores fatias do mercado publicitário era pesadíssima, mas as possibilidades de lucro também o eram. Os usuários, entretanto, haviam ficado em segundo plano, reduzidos, sob a forma de fluxo de público, a matéria-prima para negociação com os anunciantes. No mundo acadêmico, estava em gestão um sistema de classificação que recolocava no centro da cena uma das características mais interessantes do Lycos: a “heurística de popularidade” (Mauldin, 1997). A estratégia foi aperfeiçoada no BackRub, que classificava os resultados de acordo com o número de ‘back links’ que cada site recebia. O projeto cresceu rapidamente e foi renomeado Google112. A princípio, Page e Brin não pareciam estar interessados em criar uma empresa em torno de seu novo buscador, tanto é que tentaram vendê-lo ainda em 1998, sem sucesso. Um ano mais tarde, o Google continuava em versão beta, mas a reputação de ser um novo sistema de busca que fornecia resultados bastante mais confiáveis que as outras ferramentas e que não apenas não incluía resultados pagos entre os resultados orgânicos mas também utilizava um algoritmo de classificação inovador e cuja forma de atuação era de conhecimento público113 já começava a torná-lo um sucesso. Outros pontos fortes do Google eram a velocidade das buscas e a simplicidade da interface (começando pela ausência de banners e outro material publicitário, o que levava a página inicial a carregar muito mais rápido que a dos outros sites de busca). Logo o Google pôde enfrentar a concorrência também na batalha pelo maior banco de dados e passou a anunciar a quantidade de páginas indexadas imediatamente embaixo do campo de buscas. Ao final de 2000, o Google começou a exibir alguns resultados pagos, mas, ao contrário da maiora das outras ferramentas, não os mesclou com os resultados orgânicos. Àquela altura o Google já havia se estabelecido como o melhor sistema de buscas na mente do público, que aceitou bem a diferenciação de gráfica entre os resultados orgânicos e os pagos. Os demais buscadores foram obrigados a encarar a superioridade da relevância dos resultados fornecidos pelo Google e a lealdade que aquela qualidade gerara entre os usuários: muitos outros sistemas de busca, inclusive alguns grandes como o Yahoo!, fariam acordos para incluir resultados vindos do Google em suas próprias páginas. Ao final de 2003, chegou-se a estimar que dois terços de todas as buscas realizadas na web retornavam resultados oriundos do Google (Thies, 2005). 112
Larry Page e Sergey Brin, Stanford University,1998. O algoritmo PageRank foi divulgado no artigo The Anatomy of a Large-Scale Hypertextual Web Search Engine, apresentado na Seventh International Conference on World Wide Web, Brisbane, Australia, 1998.
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Em setembro de 1999, o Microsoft MSN Search começara a aplicar seu próprio método de classificação aos dados obtidos junto a diferentes bancos de dados (Sullivan, 1999), dando início ao processo de desvinculação dos terceiros que até então impulsionavam suas buscas (LookSmart, Inktomi/Yahoo). Em 2003, a Microsoft anunciou a intenção de construir seu próprio rastreador (Sullivan, 2003) que só seria oficialmente anunciado dois anos mais tarde (Sullivan, 2005). Pouco mais de um ano depois, em outubro de 2006, a Microsoft lançou o Windows Live Search, uma nova plataforma de busca com interface mais customizável e que permite inclusive algum controle sobre o rankeamento dos resultados (restrito à classificação por mais recente, mais popular e mais exato) (Murray, 2006) Em paralelo à vinda da análise de hiperlinks para o centro do palco e à entrada da Microsoft no negócio de buscas, os primeiros anos da década de 2000 vêm sendo marcados também pela redescoberta do potencial da criação colaborativa de listas de favoritos114. A prátíca, que está na origem de buscadores importantes como o Yahoo!, ressurgiu aperfeiçoada pela marcação colaborativa, que consiste na associação de palavras-chave ao site apontado como favorito. Ferramentas baseadas em marcação social procedem buscas em bancos de dados alimentados pelos próprios usuários, tomando como base as marcações que os membros da comunidade escolheram associar aos elementos indexados. Um dos sites de social tagging mais populares é o Del.icio.us (http://del.icio.us), mas existem inúmeros outros. Os sistemas colaborativos são típicos da chamada Web 2.0 e apostam no poder subversivo da ‘cauda longa’, uma característica há muito conhecida dos estatísticos e recentemente popularizada115. A idéia da cauda longa se aplica perfeitamente à web, cuja estrutura de linkagem obedece a um padrão em que poucos sites são muito conectados enquanto a maioria dos sites recebe poucos links116. Na contramão dos algoritmos que apostam na maior popularidade dos sites que concentram maior número de inlinks, a hipótese da cauda longa põe em foco justamente o enorme poder dos pequenos sites, cuja audiência pode, cumulativamente, superar a de um grande portal.
114
Neste texto, as palavras ‘social’ e ‘colaborativa’ são utilizadas indistintamente para denominar as práticas coletivas de criação de listas de favoritos (social ou collaborative bookmarking) e marcações (social ou collaborative tagging). 115 A popularização é atribuída a um artigo de Chris Anderson publicado na revista Wired (The Long Tail) e mais recentemente em um livro do mesmo autor, The Long Tail: Why the Future of Business is Selling Less of More. (Hyperion, 2006). 116 Representados em um gráfico, os muitos sites pouco conectados formam a referida ‘longa cauda’. 153
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A força da grana (...) 1998 - Lycos comprou o HotBot 2000 – Terra comprou o Lycos 2001 – AskJeeves comprou a Teoma 2002 - Yahoo! comprou a Overture 2003 – Yahoo! comprou o AltaVista 2003 – Yahoo! comprou o Alltheweb 2003 – Google comprou o Blogger 2004 – Google comprou o Picasa 2005 – Yahoo! comprou o del.icio.us 2005 – AskJeeves comprou o Bloglines 2006 – Google comprou o YouTube (...)
Infelizmente, no extremo oposto da cauda longa, bocas vorazes avançam sobre as esperanças de pluralização do poder na indústria das buscas. É por esta razão que, ao abordar a internet pelo ponto de vista da economia política, van Couvering enxerga na rede a mesma estrutura que caracteriza o modelo irradiativo dos meios de comunicação de massa: Pode-se argumentar que a internet não é um meio de massa no sentido clássico, que os milhares ou mesmo milhões de sites visíveis na web não são resultado de um processo industrial de produção e nem representam um substrato comum da vida cotidiana. (...) Eu sugiro que ao aceitar o argumento de que algum conteúdo é produzido em pequena escala [e escolher concentrar sua atenção nesse conteúdo] os acadêmicos estão negligenciando o estudo de um importante novo meio de comunicação de massa. (van Couvering, 2004)
De fato, o alcance global das ferramentas de busca e sua concentração nas mãos de um reduzidíssimo número de empreendedores, majoritariamente estadunidenses, ajudam a configurar um cenário extremamente semelhante ao dos grandes impérios midiáticos tradicionais 117 . O movimento de concentração das ferramentas de busca nas mãos de alguns poucos grupos acelerou após o estouro da bolha da internet em 2000 e pode ser observado nas representações gráficas disponibilizadas por Bruce Clay, Inc. (Figura 1).
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Há que se destacar, entretanto, que não se tratam dos mesmos grandes grupos empresariais da mídia analógica. 154
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Figura 1 - Nas representações gráficas disponibilizadas por Bruce Clay, Inc. é possível visualizar a redução do número de grupos empreendedores envolvidos com o negócio das buscas na web entre os anos 2000 e 2006. ADAPTADO DE BRUCE CLAY, INC., 2006.
A concentração aparece de forma ainda mais intensa quando se passa do número geral de players para as relações existentes entre os onze principais buscadores identificados em janeiro de 2007: os resultados de todos provêm de apenas quatro fontes: Google, Ask.com, MSN e Yahoo! (Figura 2)
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Figura 2 – Relações entre os buscadores: o Google fornece resultados primários para Netscape e AOL Search e fornece resultados pagos para Netscape, AOL Search, iWon, Lycos, Ask.com e HotBot. Ask.com fornece resultados primários para Lycos, HotBot e iWon e recebe dados secundários do Google Yahoo! alimenta AltaVista e Alltheweb com resultados primários e com resultados pagos. MSN Search fornece resultados secundários para HotBot. ADAPTADO DE BRUCE CLAY, INC., 2007.
Evidentemente há uma variedade de pequenos empreendimentos de busca que não estão representados nos gráficos acima e não são levados em conta nas análises mercadológicas de van Couvering. São ferramentas experimentais ou temáticas, em sua maioria operando com bancos de dados pequenos e muitas vezes incubadas em universidades. Não seria inédito se algum deles viesse a tomar a frente da indústria das buscas no futuro – isso já aconteceu em ocasiões anteriores, por exemplo com o AltaVista e com o Google. No entanto, a crescente consolidação do negócio das buscas torna esse tipo de ocorrência cada vez mais difícil de acontecer. Como o capital da indústria das buscas provém majoritariamente da publicidade, a sobrevivência no mercado atual depende da capacidade de conquistar grandes afluxos de público. Os usuários, por sua vez, tendem a se concentrar nas ferramentas mais conhecidas.
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Outros; 8,5 Ask; 2,6 AOL; 6,3 MSN; 9,6 Google; 49,2
Yahoo; 23,8
Figura 3: Porcentagens do total de buscas realizadas por usuários estadunidenses em diferentes buscadores em novembro de 2006. As buscas restritas ao conteúdo do site em que o usuário se encontra (buscas internas) não foram computadas. Google inclui todos os sites da marca Google (Google.com, Google.com.br, Google Images, etc) Yahoo! inclui todos os sites da marca Yahoo!, (Yahoo.com, Yahoo.com.br ou Yahoo.local) Não inclui dados de sites que pertencem ao Yahoo! como Altavista ou Allteweb. MSN mostra dados de todos os sites da marca MSN, como MSN Search, mas não do Windows LiveSearch (que corresponderia a cerca de 0,02% do total) AOL inclui todos os sites da marca AOL. Ask inclui buscas no Ask.com mas não nos demais sites do Ask/IAC (MyWay.com, iWon e My Search). A categoria Outros inclui todas as buscas realizadas em sites não mencionados acima e não nomeados no gráfico. Nenhum site não nomeado no gráfico possui mais que 2,5% do público. REPRODUZIDO DE SULLIVAN, 2006.
Incapazes de competir com as grandes no que diz respeito ao tamanho de seus bancos de dados, as ferramentas pequenas tendem a se especializar, concentrando-se em temas específicos ou na web dinâmica. Conforme uma dessas pequenas ferramentas se destaca, atrai a atenção das maiores, tornando-se uma aquisição em potencial 118 Avanços nesse sentido já estão bastante consolidados nas ferramentas locais 119 . Sites colaborativos também já começaram a ser adquiridos pelas grandes empresas de busca120. Os tentáculos dos maiores players não se restringem às outras ferramentas de busca. Inclusive o Google, originalmente uma alternativa ao modelo de portal, avança na direção da diversificação de atividades. A pletora hoje oferecida pelo Google é tão variada que sua grandeza chega a passar desapercebida pela maioria dos usuários. Para além das buscas especializadas 118
Como aconteceu, por exemplo, com o portal Civil Engineer (http://www.icivilengineer.com) e Insectclopedia (http://www.insectclopedia.com), ambos atualmente vinculados ao Google. 119 Por exemplo, os portais franceses trouvez.com (http://www.trouvez.com) e Mozbot (http://www.mozbot.fr) e o Swissguide (http://www.swissguide.ch) trabalham em parceria com o Google; o Cadê (http://www.cade.com.br) pertence ao Yahoo! e o Terra opera em parceria com Google e Ask.com. O UOL trabalha com o Google desde 2001. 120 Por exemplo o Blogger pelo Google, em 2003; o Del.icio.us e o Flickr pelo Yahoo!, ambos em 2005. 157
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(GoogleFinance, Froogle) inclui serviços como Google Checkout, Google Calendar, Google Talk, Gmail e aplicativos como Google Web Accelerator, Google Earth, Picasa and Google Desktop. A esta altura, o acúmulo das buscas em torno do Google, seus parceiros e subsidiários aponta para um perfil monopolista que tem conferido à empresa a reputação de “Microsoft da internet” (Mohney, 2003; Maney, 2005). Num cenário altamente desregulamentado, o Google e seus concorrentes mais poderosos começam inclusive a ensaiar movimentos de convergência. Ao final de 2006, Google, Yahoo! e Microsoft anunciaram uma primeira ação conjunta, com a adoção do Google SiteMaps Protocol como padrão comum às três empresas. Com essa unificação, os webmasters deixam de ter que informar separadamente os bancos de dados do Google, Yahoo! e MSN sobre suas páginas, passando a fazê-lo de forma unificada (Mills, 2006). Na prática, isso integra uma parcela dos bancos de dados das três empresas.
À mercê dos buscadores Ano após ano, Google, Yahoo! e MSN figuram entre os dez sites mais visitados em todas as nações pesquisadas pela Nielsen/Netratings (htpp:/www.nielsen-netratings.com). Mais de 80% das buscas se concentram sobre essas mesmas empresas. Os usuários, por sua vez, utilizam essas ferramentas inclusive para navegar até os sites mais conhecidos: Existem dois tipos de usuários que digitam a URL no sistema de busca ao invés de no campo de endereços do browser: aqueles suficientemente inexperientes para não compreender a diferença entre os dois e aqueles que são tão experientes que estão habituados a usar os buscadores como um portal para a internet. (...) Não importa se este comportamento é motivado por ignorância ou destreza, o resultado final é o mesmo: o buscador é o ponto focal da experiência online para todos os tipos de usuários da internet. (Ken Cassar in Nielsen/Netratings, 2006)
Outros dois modos de encontrar os sites, digitando a URL diretamente na barra de endereços e atravessando os links de um site para outro, são praticados em escala bem mais modesta. Para a maioria dos usuários, tudo se passa como se a web se restringisse ao conteúdo dos bancos de dados dos grandes buscadores. Embora estes tenham dimensões expressivas, cobrem apenas uma parcela da WWW. Mesmo desconsiderando o conteúdo privado, estimado entre quinhentas (Cohen, 2006) a duas mil (Bergman, 2001) vezes maior que a Web indexável, Gulli e Signorini calcularam que em 2005 os bancos de dados dos principais buscadores não cobriam mais que 76,2% da web (Google. O alcance do Yahoo! seria 69,3%, do MSN 61,9% e do 158
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Ask 57,6%) (Gulli e Signorini, 2005, p. 2). As taxas de sobreposição entre os bancos de dados dos quatro sistemas mais populares é também significativa (Figura 4):
Figura 4: Representação gráfica das porcentagens da web indexável nos bancos de dados das maiores empresas de busca, com as respectivas intersecções. REPRODUZIDO DE GULLI E SIGNORINI, 2005, p. 2.
Mesmo indexados, muitos sites não chegam jamais a constar entre os resultados das buscas. Uma das razões para isso é a restrição do intervalo que as ferramentas efetivamente dedicam às consultas: para evitar que o usuário desista da busca e vá realizá-la em outro sistema, após um certo tempo de acesso a busca é interrompida, independente da cobertura da consulta (o Google inclusive indica tempo dedicado à pesquisa junto ao número de resultados encontrados) Essa restrição de tempo perde importância quando se verifica que, apesar de anunciar quantidades enormes de resultados para os usuários, os grandes buscadores de fato não disponibilizam mais que – no máximo – os mil primeiros. Além disso, apesar dos algoritmos de des-clusterização, mais de uma página de um mesmo site por vezes figura entre os resultados apresentados (Fragoso, 2006). A maioria dos usuários não chega a perceber o limite de páginas efetivamente exibidas pelos buscadores, pois concentra sua atenção nos primeiros classificados. Verificações empíricas indicam que não mais de 10% dos usuários prosseguem para além da 3ª página de resultados, sendo que 62% tendem a selecionar um resultado que figura na primeira página (iProspect, 2006). O resultado é uma acentuadíssima canalização de tráfego em alguns poucos endereços, convergindo para os que se classificam melhor junto às principais ferramentas de busca. 159
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Finalmente, é preciso dizer que os resultados das buscas podem ser bastante inconsistentes: buscas com os mesmos parâmetros realizadas em ocasiões diferentes, muitas vezes apresentam resultados diferentes, sobretudo no Google (Fragoso, 2006). Os usuários, no entanto, [s]entem-se no controle das buscas; quase todos expressam confiança em suas habilidades para utilizar os buscadores. Estão felizes com os resultados que encontram; mais uma vez, quase todos dizem ser bem sucedidos e encontrar o que estavam procurando. Além disso, os usuários confiam muito nos sistemas de busca: a grande maioria declarou que os buscadores são fontes de informação justas e neutras (Fallows, 2006, p. 2)
Evidentemente os sistemas de busca não podem deixar de proceder seleções e estabelecer hierarquias, afinal, esta é sua primeira finalidade. É verdade que sua operação não representa um re-aprisionamento do pólo da emissão e portanto não compromete a liberdade de expressão na WWW. É preciso estar alerta, entretanto, para o fato de que os buscadores funcionam como verdadeiros gatekeepers digitais - com o agravante de que operam conforme critérios cuidadosamente mantidos em sigilo e com objetivos estritamente comerciais. É amplamente sabido que as ferramentas de busca tendem a indexar mais sites dos EUA que dos demais países (Thellwall e Vaughan, 2004), misturam resultados pagos e orgânicos, seus algoritmos podem ser manipulados interna ou externamente, etc. Apesar disso, os usuários confiam candidamente nos buscadores, garantindo a condição final para que a Web reverta para um modelo de distribuição verticalizado, cujo funcionamento tende a ser ainda mais centralizado e tendencioso que o dos meios massivos de comunicação. Referências ANDERSON, C. The Long Tail, Wired Magazine, Issue 12.10, Outubro de 2004. Disponível online em http://www.wired.com/wired/archive/12.10/tail.html [14/01/2007] ARASU, A. et al, Searching the Web. ACM Transactions on Internet Technology, Vol. 1, No. 1, Agosto de 2001, p. 2-43. Disponível a partir de http://.portal.acm.org [acesso restrito] [25/12/2006] BERGMAN, M. K. The Deep Web: Surfacing Hidden Value. The Journal of Electronic Publishing
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GRUPO CARSO Y TELEFONÍA EN MÉXICO Urdimbre de poder económico, político y social Delia Crovi Druetta121
El 8 de marzo de 2007 la revista Forbes dio a conocer la lista de los hombres más ricos del mundo (www.forbes.com). En el tercer lugar se ubica el mexicano Carlos Slim Helú, presidido sólo por Billy Gates (Microsoft) y Warren Buffet (finanzas). Según esta lista Carlos Slim, principal accionista del Grupo Carso, cuenta en su fortuna personal con nada menos que 49,000 millones de dólares. La revista Proceso (No.1583, 4 de marzo de 2007) indica que esta cifra es similar a los ingresos petroleros nacionales durante dos años, en tanto que Forbes la equipara con el 6.3% de la producción económica anual de México. La primera vez que Slim aparece en Forbes fue en 1991, registrando entonces mil millones de dólares, una cifra pequeña si se compara con los más de tres millones de dólares que para entonces había acumulado Emilio Azcárraga, dueño de Televisa. Sin embargo, gracias a su participación en el negocio de la telefonía fija y móvil, sus ganancias crecen hasta colocarlo en 1994 entre los mexicanos más ricos, lugar del cual no ha sido desbancado hasta ahora. En 1997 llega a 6 mil 600 millones de dólares y según los listados de Forbes, para el año 2000, Carlos Slim Helú acumulaba 7 mil 900 millones de dólares. Pero fue en 2001, con 10 mil 800 millones de dólares, cuando inicia su verdadero despegue. Esta fortuna para 2005 ya había crecido a 30 mil millones de dólares. La sorpresa es que en tan solo un año, Carlos Slim sumó a su capital 19,000 millones de dólares, un hecho sin precedentes en los registros de Forbes, ya que representó un incremento de 63% en un solo año. La expansión del Grupo Carso ha sido la clave del éxito. Carso está integrado por un conglomerado de empresas con distintas actividades entre las que sobresalen Teléfonos de México (Telmex) y América Móvil, que presta servicio de telefonía celular a través de Telcel. No es casual que Slim comenzara a aparecer en las listas de los más ricos de México a principios de la década de los 90, ya que fue en 1990 cuando como consecuencia de los procesos privatizadores 121
Profesora e investigadora de la Facultad de Ciencias Políticas y Sociales de la Universidad Nacional Autónoma de México, UNAM. Investigadora Nacional, Sistema Nacional de Investigadores, Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología, CONACYT. 164
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encarados por el gobierno neoliberal de Carlos Salinas de Gortari, se pone a la venta Telmex. Grupo Carso compra Telmex y a partir de allí comienza a explotar la telefonía fija en condiciones de monopolio, base a partir de la cual multiplicaría no sólo su fortuna sino las actividades del Grupo. Actualmente, Slim Helú maneja los siguientes grupos empresariales: Carso Global Telecom, América Telecom, Grupo Carso (que lleva el control de Carso Industrial y Carso Comercial) y Grupo Financiero Inbursa. El control de esta gran variedad de actividades que abarcan el ramo comercial, industrial y de consumo, coloca a Grupo Carso entre los conglomerados más grandes e importantes de América Latina. En el ramo comercial sus principales empresas se agrupan en Grupo Sanborns, que a su vez está integrado por la cadena de tiendas Sanborns, Sanborns Café, El Globo, así como por la cadena de tiendas de música con diferentes formatos (como Mixup, Discolandia y Feria del Disco) y las tiendas departamentales Sears Roebuck de México. El sector industrial de Carso está formado por empresas como Condumex, dedicada a la manufactura y comercialización de productos dirigidos a la industria de la construcción, energía, automotriz y telecomunicaciones; Nacobre, fabricante de productos de cobre, aluminio y PVC y Minera Frisco, con operaciones en ferrocarriles, en el sector químico y en el minero. En cuanto al sector consumo, las empresas más destacadas de Carso son: Porcelanite, productor de recubrimientos cerámicos para pisos, muros y similares, y Cigatam, que en sociedad con Philip Morris, produce y comercializa cigarros de marcas como Marlboro, Benson and Hedges, y Delicados. Grupo Financiero Inbursa posee Banco Inbursa, Seguros Inbursa, Casa de Bolsa Inversora Bursátil, Arrendadora Inbursa, Fianzas la Guardiana y Afore Inbursa, entre otras compañías. Posee también US Commercial Corp., tenedora de las acciones de CompUSA, Salud Inbursa. Otras empresas destacadas en manos de Slim son: Reynolds Aluminio, Euzkadi,y Hulera, El Centenario Firestone, Artes Gráficas Unidas, Papel Loreto y Peña Pobre. En materia de telecomunicación, además de las ya mencionadas Telmex y Telcel, cuenta con una participación minoritaria de Apple. En 1998 aparece Prodigy en las carteras de Carso y se asocia para asumir el mando de Teléfonos de Guatemala. Asimismo en esos años nace Telmex USA y posteriormente adquiere Celular Communications de Puerto Rico y CompUSA. En el 2000, asociado con Microsoft, Telmex crea el concepto T1msn. Tiene además intereses en las dos cadenas de televisión abierta más importantes de México: Televisa y TV Azteca. 165
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Por otro lado Slim como socio mayoritario de Grupo Carso, posee el 71% del capital de una nueva compañía, Impulsora del Desarrollo Económico de América Latina, IDEAL, creada en mayo de 2005 con un capital social de 788 millones de dólares (631,76 millones de euros), con el propósito de invertir en la construcción de carreteras y aeropuertos de toda Latinoamérica. En la parte financiera, IDEAL es apoyada por otra de sus empresas: Grupo Financiero Inbursa, que recientemente ha invertido también en la línea aérea Vuela. Publicaciones periodística estiman que en conjunto, las empresas manejadas por Carlos Slim dan empleo a 218,000 mexicanos (www.yucatan.com.mx/noticias). El crecimiento de la fortuna personal de Carlos Slim Helú tiene especial relevancia porque ha sido fruto del proceso de cambio tecnológico en la telefonía y la introducción de los servicios de Internet en México. Además, las recientes modificaciones a la legislación sobre convergencia tecnológica pueden favorecer su ingreso al mercado de la televisión. La riqueza acumulada por Slim y su injerencia en una multiplicidad de actividades comerciales, industriales y de servicio, permiten afirmar que se ha convertido un poder fáctico que más allá de lo económico, influye en decisiones fundamentales para la vida política, social y democrática del país. A partir de este supuesto y de los antecedentes que hemos presentado, el propósito de estas reflexiones es referir el origen y la evolución de la telefonía fija y celular en México, así como analizar su situación actual. TELMEX o la telefonía fija en México La historia de la telefonía en México inicia en 1904 cuando Ericsson introdujo el servicio público en la capital, transformándose más tarde en Empresa de Teléfonos Ericsson. En 1925 ITT inicia operaciones en el país, estableciendo otra red telefónica. En 1942 ambas empresas, ITT y Ericsson, se interconectan. Cinco años más tarde un grupo de mexicanos la compra, conservándose una parte de capital sueco. A partir de entonces pasa a llamarse Compañía Telefónica Mexicana. Fue en 1958 cuando al fin las redes se unen para dar lugar a Teléfonos de México (Gomez Mont en Crovi, 1995). Aunque existían algunas empresas menores que operaban a nivel regional, desde sus inicios Teléfonos de México tuvo una vocación monopólica al concentrar la mayor parte de las líneas. En 1972, en pleno periodo neopopulista, el gobierno adquiere la mayoría de las acciones de la que desde entonces se conocería como Telmex. La fuerza de esta empresa puede advertirse 166
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en los siguientes datos: en 1977 manejaba el 98% de los servicios telefónicos y controlaba el 90% de sus acciones. Ante los cambios tecnológicos que se avecinaban y las demandas de inversión que representaban, pero sobre todo, por tratarse de un gobierno de corte neoliberal que impulsó las privatizaciones, el presidente Carlos Salinas de Gortari decide privatizar la compañía. En 1990, mediante un concurso abierto que fuera ampliamente criticado, Telmex pasa a manos del Grupo Carso de Carlos Slim, con participación de capitales de Southwestern Bell y France Telecom (Gomez Mont en Crovi, 1995). Cuando se inician estos cambios, el país contaba con 6.6 líneas telefónicas por cada 100 habitantes, las que se incrementaron a 9.5 en 1994. A partir de allí se produjo un estancamiento que potenciaría directamente a la telefonía móvil. En abril de 1996, Carso transfiere sus acciones de Telmex a Carso Global Telecom S.A. de C.V. Actualmente, Telmex es el dueño principal y mayor operador del sistema de telecomunicaciones de México, líder en los servicios de telefonía local, de larga distancia y por celular. Ofrece además, otro tipo de servicios tales como directorios telefónicos, transmisión de datos, acceso a Internet por medio de Prodigy y MNS1, radiolocalización e interconexión a operadores de larga distancia. Fue en 1997 cuando se abre la competencia para explotar la prestación de servicios de larga distancia en el mercado mexicano. Sin embargo, dadas las ventajosas condiciones de su operación, Telmex ha seguido actuando como el grupo dominante en el mercado y en la práctica se percibe a esta empresa como un monopolio. Según datos de 2006 aportados por el Instituto Nacional de Estadísticas, Geografía e Informática, INEGI, en México existían casi 20 millones (19,927,480) de líneas telefónicas fijas, de las cuales el 75.7% eran residenciales y el resto se destinaban a otros usos (http://www.inegi.gob.mx). Estos datos globales no precisan su distribución según ingresos y no discriminan cuántas familias o negocios poseen más de una línea. De acuerdo a las cifras citadas, en México existen actualmente 18 líneas por cada 100 habitantes, pero a pesar de estos aparentes avances, las históricas inequidades en la distribución nacional de bienes y servicios siguen intactas. Los estados mejor atendidos son los de mayor desarrollo urbano y económico: Distrito Federal y zona conurbana, Nuevo León y Jalisco, en
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tanto que los de menores recursos económicos y telefónicos son Chiapas, Oaxaca y Tabasco, zonas que además, poseen un alto porcentaje de población indígena. Cabe agregar que Carso Global Telecom además de ser la compañía que maneja la mayoría de las acciones de control de Telmex, opera en todas las regiones de México y en cinco países de América del Sur: Argentina, Brasil, Colombia, Chile y Perú. También realiza operaciones de telefonía en Estados Unidos. Según informa la propia compañía, Telmex ha realizado inversiones por 29 mil millones de dólares durante el periodo 1990-2004, a fin de asegurar una plataforma tecnológica digital que opera una red de fibra óptica mayor a los 80 mil kilómetros. Esta red incluye conexiones vía cable submarino con 39 países. Todo México es territorio Telcel El Grupo Carso inicia su actividad en telefonía celular en 1978 cuando instala y comienza la operación de un sistema de radiotelefonía móvil (teléfono en el automóvil) en la ciudad de México. Pocos años después, en 1984 obtiene la concesión para explotar, bajo la denominación de Radiomóvil DIPSA S.A. de C.V., la red de servicio radiotelefónico móvil en el Área Metropolitana de la ciudad de México. Fue en 1989 cuando surge la marca Telcel. A partir de entonces Carso comienza a ofrecer los servicios de telefonía celular en la ciudad de Tijuana Baja California, mediante una autorización otorgada por la Secretaría de Comunicaciones y Transportes. Estos servicios en un estado fronterizo con Estados Unidos, serían pioneros en materia de telefonía móvil en México. Un año después, en 1990, se expanden al Distrito Federal y su zona metropolitana. Gracias al otorgamiento sucesivo de concesiones, entre 1984 y 1991, Telcel logró a cubrir las nueve zonas geográficas en que fue dividido el servicio de telefonía celular mexicano. Así, paulatinamente el servicio alcanza cobertura nacional haciendo realidad el slogan actual de la compañía: “Todo México es territorio Telcel”. Actualmente México cuenta con once proveedores de telefonia celular: Cedetel, Norcel, Nextel., Movitel, Unefon, Portatel, Baja Celular, Telcel, Isuacell, Pegaso, Telefónica Movistar. Según Ernesto Piedras mientras en el último año la compañía Unefon perdió casi 50 mil líneas al trimestre y Iusacell experimentó un virtual estancamiento, Telcel adicionó 1,570.000 en el mismo periodo (www.razonypalabra.org, No. 54). Su participación en el mercado fue de 77.29 a mediados del año a 76.9 al final de septiembre, con una primera perdida relativa en siete 168
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trimestres consecutivos de crecimiento, en tanto que la de Movistar de Telefónica fue de 14.1%, Usacell abarcó 2.7% y Unefón 2.4% (Piedras en www.razonypalabra.org.mx, No. 54). Cabe agregar que los ingresos totales del mercado de telefonía celular en México durante 2006, expresados en millones de dólares, fueron 3,347. Ese total se distribuyó como sigue: Telcel 2,441 (72.95%); Nextel 346 (10.34%); Movistar 305 (9.10%); Isusacell 174 (5.20%); y Unefon 80 (2,4%) (Piedras en www.razonypalabra.org.mx, No. 54). Tanto Telcel como Telmex, han suscitado un buen número de controversias entre sus competidores, al tiempo que en la Procuraduría Federal de Consumidor destacan entre las empresas que más quejas reciben por parte de sus usuarios. El peso de estos oligopolios que en la práctica operan como monopolios, se ha dejado sentir en lo económico, en lo político y en la evolución de la infraestructura de telecomunicaciones del país. América Telecom del Grupo Carso tiene la mayoría de las acciones de control de América Móvil, proveedor líder de servicios inalámbricos en América Latina, que en México opera bajo la marca Telcel. Según la revista Forbes, (www.forbes.com) fortalecer América Móvil fue una medida inteligente, dado que el valor de mercado de esa empresa prácticamente se duplicó el último año, con la consiguiente repercusión en el crecimiento de la fortuna de Carlos Slim. América Móvil tiene subsidiarias y coinversiones en el sector de comunicaciones en Guatemala, Nicaragua, El Salvador, Ecuador, Perú, Paraguay, Chile, Argentina, Brasil, Colombia, Venezuela, Estados Unidos, México y España. En el último año fue también la emisora con mayor peso en el Índice de Precios y Cotizaciones de la Bolsa Mexicana de Valores. Una rápida mirada al contexto latinoamericano revela que dos empresas son líderes en el mercado de la telefonía móvil: América Móvil y la española Telefónica Móviles. Entre ambas reúnen 144 millones de usuarios y mientras Telefónica es líder en Argentina, Brasil, Chile, Perú y Uruguay, América Móvil domina en México, Colombia, Ecuador, El Salvador, Guatemala y Nicaragua. (http://www.telcommunity.com). Un estudio realizado en septiembre de de 2006 por la empresa de mercadeo Latinpanel (entrevistaron 115 mil individuos de 14 países de la región), reveló que el 82.5 % de las líneas de telefonía celular en uso en Latinoamérica funcionan con tarjeta prepago, el 16,8 por ciento lo hace con sistema pospago y el restante 0,7 % combina las dos modalidades. (http://www.diariooccidente.com). Venezuela es el país con mayor penetración del sistema de tarjeta prepago: 93,5% de las líneas, seguido por México con 91,1% y Brasil con 87,7%. 169
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Argentina es el país con el menor un índice de líneas que funcionan por prepago: 64,2%. En promedio, en Latinoamérica un usuario que paga su servicio de telefonía celular con tarjeta prepaga gasta 38% menos que aquel que utiliza el abono mensual fijo. Este tipo de contratación es causa de importantes brechas digitales entre los usuarios, tanto por el costo de las llamadas como por la generación tecnológica de los aparatos que emplean, pero sobre todo, porque los servicios de tarjetas prepagadas están al margen de los beneficios de la convergencia. Privatizar para conectar Es un hecho que en América Latina las innovaciones tecnológicas llegan a un sector todavía reducido de la población. Según el Banco Mundial en 2005 América Latina contaba con un promedio de 499 líneas telefónicas, fijas y móviles, por cada 1000 habitantes, de las cuales 319 correspondían a telefonía celular. Asimismo, 115 usuarios de cada mil tenía acceso a Internet en tanto que el 88% de los hogares contaban con servicio de televisión (www.wordlbank.org). Estas cifras hablan de un acceso aún limitado, pero también indican la importancia de la telefonía celular frente a Internet, así como lo lejos que aún están los móviles de lograr la cobertura de la televisión. Las estrategias para acortar la brecha digital entre países pobres y ricos pueden partir de dos perspectivas: la conectividad y la demanda, no obstante, la mayoría de los países latinoamericanos han optado sólo por la primera. En México la meta fue lograr el acceso universal por vía de la privatización de los servicios, dejando en un plano muy secundario la brecha cognitiva, las necesidades de los usuarios y la libre competencia del mercado. Lejos de delinearse políticas públicas que den respuesta a las necesidades sociales, las demandas han sido canalizadas hacia el sector privado, previa flexibilización del marco legal. Se desarrollaron sólo dos programas coyunturales orientados a atender aspectos educativos y a la promoción del uso de Internet (e-México y Enciclomedia), pero no existen acciones públicas que busquen dar respuestas a las demandas en materia de telefonía móvil o celular. El desarrollo de la infraestructura de Telmex y Telcel se concentró primero en las áreas de alta demanda como son las urbanas, descuidando las rurales donde se asientan los sectores más pobres y excluidos, entre los que están los grupos indígenas. Tal distribución de servicios no ha hecho más que ahondar la histórica brecha económica y social que existe con el interior del país.
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Según datos de 2006 revelados por la Encuesta Nacional sobre Disponibilidad y Uso de Tecnologías de la Información en los Hogares que realizó el INEGI, el 66.3% de los hogares mexicanos cuentan con servicio de telefonía, indicador que representa un crecimiento de 2.2% respecto del año anterior (www.inegi.org.mx). Este porcentaje se distribuye como sigue: 19.3% corresponde a los que sólo tienen líneas fijas, 17.9% a los que disponen de telefonía celular y 29% a los que tienen ambos servicios. En suma, menos de una tercera parte de los hogares mexicanos se ha sumado a la convergencia tecnológica añadiendo a las ya tradicionales líneas fijas, las móviles. El mismo estudio de INEGI indica que de un total de 110 millones de mexicanos casi 50 tiene teléfonos celulares (www.inegi.org.mx). Cruzando ambos resultados se hace evidente la concentración del servicio en pocos hogares. Esta misma Encuesta Nacional sobre Disponibilidad y Uso de Tecnologías de la Información en los Hogares, informa sobre el número de habitantes con líneas de telefonía fija en un grupo de países seleccionados para el estudio. Los resultados indican que el promedio mundial es de 198.4 por cada mil ciudadanos, estando México debajo de ese rango, ya que totaliza 182 líneas de telefonía fija por igual número de habitantes (www.inegi.org.mx). En lo que respecta a celulares, el estudio concluye que el promedio mundial es de 319 por cada mil habitantes, en tanto que México cuenta con 441, por encima de la media pero un indicador bajo si lo comparamos con el de sus mayores socios comerciales: Canadá con 514.4 y Estados Unidos con 672.2, países con los que firmó en 1994 el Tratado de Libre Comercio de América del Norte (TLC, ALENA o NAFTA). Han transcurrido 25 años desde que México adoptara la globalización neoliberal como modelo dominante. En este cuarto de siglo las desigualdades y exclusiones se han acentuado por la dialéctica establecida entre la ausencia de políticas públicas y el fortalecimiento de un mercado mediático y de telecomunicaciones concentrado que atiende sólo sus metas económicas. En este diálogo desigual se ha ido imponiendo el modelo que responde al acceso, dejando las demandas de los usuarios libradas a su suerte. En el caso de la telefonía, como lo hemos referido, la concentración en manos del Grupo Carso ha ido construyendo un poder fáctico, desde el cual no sólo se decide hacia adónde va la red de infraestructura telefónica, sino también, qué leyes la regularán. Adicionalmente, el peso de la fortuna de Carlos Slim Helú lo coloca en una posición privilegiada para negociar con los distintos grupos de presión y de poder, como se demostró en
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las reciente elecciones de 2006. Su favor se inclina hacia el vencedor, no importa cuál sea su ideología ni su proyecto de nación. Para tener una idea clara de este poder fáctico, basta pensar como lo sugiere la ya mencionada revista Proceso citando a Forbes, que si la fortuna de Bill Gates tuviera la misma proporción del Producto Interno Bruto (PIB) de Estados Unidos que la de Carlos Slim (6.3% del PIB), su riqueza ascendería a 784,000 millones de dólares. Los 56,000 millones que acumula Gates, el hombre más rico del mundo, es de apenas 0.45% del PIB estadounidense. Hacia una necesaria reivindicación de la telefonía móvil Internet ha sido considerado el eje de la sociedad de la información y hacia su acceso se han orientado gran parte de los esfuerzos gubernamentales. Pero es la telefonía celular la que ha tenido un notorio crecimiento y sobre este servicio han hecho muy poco los gobiernos latinoamericanos, abandonándola al libre mercado. El acento puesto por los países latinoamericanos y de otras regiones del mundo, por universalizar el acceso a Internet, está ahora siendo cuestionado por la favorable evolución de la telefonía celular. Como sabemos, las habilidades requeridas para el manejo de una computadora constituyen un obstáculo frente a la simplicidad de uso de la telefonía celular. Su portabilidad, instantaneidad de conexión y la renovación constante de los servicios ofrecidos por esta vía, hace que el móvil frente a otros medios compita con ventajas. Entre los sectores de menores recursos resulta un medio apto para la recuperación de información puntual o para relacionarse desde lugares remotos o aislados, interacción que no requiere de habilidades informáticas especiales como ocurre con Internet. Es por ello que la telefonía celular debe ser rescatada de la exclusividad que ejerce sobre ella el ámbito empresarial, para ser redimensionada como un medio de comunicación indispensable en las condiciones actuales de vida. Su origen telefónico la ha ubicado en el ámbito de las telecomunicaciones, lo cual es correcto, pero su apropiación social y evolución tecnológica abren ahora la posibilidad de revisar este medio desde una perspectiva que va más allá del acceso o el hardware para centrarse además en el software. En este contexto, cualquier política pública que encaren los gobiernos de la región debe considerar la importancia que ha ido adquiriendo la telefonía móvil como recurso de interconexión, preguntándose primero cuáles son las demandas de información específica de los usuarios y a partir de allí tomar decisiones sobre la infraestructura de acceso. El sector privado 172
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lleva ya la delantera al advertir que Internet y telefonía celular tienen intereses comunes y están dispuestos a hacer de esa coincidencia un suculento negocio. El concepto de telefonía celular o móvil está mutando al de dispositivos móviles con la intención de hacer coincidir en ellos telefonía, audio, video, conexiones vía red, entre otros servicios. Con este cambio, podemos estar seguros de que no basta considerar a la telefonía celular dentro del sector telecomunicaciones y desde una perspectiva de acceso o infraestructura, sino que debe ser estudiada en el marco de las industrias culturales o de contenido. Prueba de esta mutación es el servicio Go for Mobile 2.0 que recientemente presentó Yahoo!, una aplicación que al ser preinstalada en un celular facilita a los usuarios la búsqueda de noticias financieras, bursátiles y deportivas, así como la consulta de mapas y el estado del tiempo. Esta aplicación se apoya en un buscador llamado on-Search, que se supone interpreta los deseos de los usuarios y organiza la respuesta en función de ellos. La publicidad en GoMobile 2.0 será gráfica e interactiva y aparecerá en la pantalla del celular al abrirse el portal. Las tarifas se fijarán en función del número de veces que se abra la página en la que se ha insertado el anuncio. Con este procedimiento, el usuario de telefonía celular puede convertirse potencialmente en un consumidor. Por su parte Google introdujo el año pasado una versión de su buscador para celulares, que ofrece resultados sólo en textos. En este contexto cabe preguntarnos que pasará en países como México donde la concentración en un solo grupo de los servicios telefonía celular y móvil adquiere características alarmantes. Con las reformas a la leyes federales de Telecomunicaciones y de Radio y Televisión (llamada Ley Televisa ya que se atribuye a esta empresa su factura y aprobación), que se concretaran en diciembre de 2005, el Grupo Carso una vez más sale favorecido, ahora con la posibilidad de incursionar directamente en el negocio de la televisión. La convergencia tecnológica, soñada como el camino igualitario que llevaría a todos a vivir en una sociedad de la información y el conocimiento, está quedando en manos de oligopolios ungidos en poderes fácticos. Es imposible reinventar la historia y deshacer la urdimbre de poder económico, político y social que ha tejido en tan pocos años el Grupo Carso. El futuro está así en dos actores principales: un Estado que a través de sus poderes diseñe y ponga en marcha políticas públicas de comunicación, apoyadas en una legislación transparente, democrática y plural; y una sociedad civil organizada que defienda sus propio derecho a gozar de los beneficios de la convergencia en condiciones de apertura e igualdad de oportunidades. 173
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Fuentes consultadas • • • • • • • • • • • • •
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TELEVISÃO PÚBLICA: uma necessidade democrática RESENHA: TORVES, José Carlos. Televisão Pública. Porto Alegre : Evangraf, 2007, 184p.
Soraia da Rosa Mendes122
No tempo em que as lutas sociais e políticas pela concretização da proposta de uma TV pública no Brasil têm encontrado enormes obstáculos decorrentes da intervenção estatal, o Livro “Televisão Pública”, de José Carlos Torves, representa uma inestimável contribuição acadêmica à discussão sobre o caráter das emissoras públicas. Sua análise parte de um minucioso estudo de caso da Televisão Educativa do Rio Grande do Sul – uma empresa pública com gestão do governo do Estado que, a partir do fato de possuir um Conselho Deliberativo regulamentado e formado pela sociedade civil, passou a autodenominar-se TV pública. O que para Torves, entretanto, nos termos da Hermenêutica da Profundidade de John B. Thompson, não ocorreu. Conforme o autor, o estudo das possibilidades de concretização de uma TV pública no Brasil deve principiar pelo desenvolvimento social da televisão brasileira, a partir de seu surgimento concentrado no eixo Rio-São Paulo, na década de 50. Em verdade, a primeira e a segunda emissora de televisão no Brasil, ambas de propriedade de Assis Chateaubriand, foram inauguradas, respectivamente, em 18 de setembro de 1950 em São Paulo, e em dezembro de 1951 no Rio de Janeiro. Como aponta o autor o desenvolvimento da televisão coincide com a conjuntura social, econômica e política do país a partir da década de cinqüenta, desde o governo Vargas. Pois, verifica-se que a fase desenvolvimentista na intervenção estatal na economia foi decisiva na implantação do veículo e na sua afirmação. Merece destaque no trabalho do autor o fato de que desde sua entrada no Brasil a televisão influenciou comportamentos tanto individual, quanto coletivamente. E, partindo desta constatação, o autor identifica três fases distintas nas quais esta influência pode ser percebida: a fase sociourbana; a fase sociofamiliar; e a terceira fase, denominada de socioindividual. 122
Advogada, Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do RS – UFRGS. Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – Unb. 175
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Da inauguração na segunda metade do ano de 1950 à 1960, ocorreu a fase sociourbana. Tal fase, marcantemente concentrada entre São Paulo e Rio de Janeiro do que nas demais regiões destacou-se tanto pela improvisação do corpo técnico e artístico do rádio no novo veículo, como pelo “contrabando” de aparelhos de receptores, inexistentes no Brasil até as vésperas da primeira transmissão. Note-se que, somente em 1951 a indústria nacional passa a fabricar televisores. Entretanto, não somente na estréia, mas por um longo tempo, as pessoas reuniam-se em torno dos poucos aparelhos existentes e nos momentos em que a programação era posta no ar. E estas reuniões tornaram-se um centro de convivência dos grupos e de troca de informações dos acontecimentos locais e comunitários. É um momento em que o fenômeno da Ágora grega é revivido, segundo o autor. (Torves, 2007 pp. 27-28) A partir de 1964 começa a fase sociofamiliar, na qual já havia várias emissoras nas principais regiões do país, e a maioria das famílias possuía um aparelho de televisão em suas residências. Agora restrita aos lares brasileiros a televisão assume o lugar mais nobre da casa e a vida familiar, inclusive as disputas internas, passam a ter como origem a televisão. “Quando alguém quer ver um programa diferente da preferência de outro, acaba gerando uma discussão. Da mesma forma, quando alguém tem que abandonar o seu local na assistência para executar alguma tarefa doméstica. Os problemas individuais de cada um desses mesmos membros ganharam um novo espaço de discussão como a escola e o local de trabalho [...]” (Torves, 2007 p. 31)
A terceira fase, a socioindividual, é a atual, caracterizada por sua identidade com a com a política hegemônica globalizada, em que as questões coletivas estão fora de uso, e há um culto extremado à individualidade e ao sucesso pessoal. Para Torves, também é possível acompanhar, a partir deste resgate histórico, que a televisão é um espelho no qual os governos tem se refletido com seus interesses e políticas, mostrando um vínculo dependente e próximo do poder. E que este mesmo comportamento, observado em nível nacional, se reproduz regionalmente. Historicamente, portanto, a televisão provocou nos brasileiros, desde a sua chegada, uma grande mudança nos hábitos e nos comportamentos da sociedade e atualmente é o principal meio de informação e de entretenimento da população. Razão pela qual tem sido acusada de ser um veículo com grande poder de influência nos rumos econômicos, sociais e políticos da nação. Para Torves o fato de no Brasil o canal de televisão ser uma concessão pública, portanto com normas e fiscalização da União, não impediu os oligopólios e, por conseqüência, a 176
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concentração da mídia no país, resultado de vinte anos de ditadura, da tradição política brasileira de privatizar o público. Esta realidade brasileira, com hegemonia da televisão comercial e diante de tantas críticas e de apelos pela democratização das comunicações no país, tem motivado um crescente movimento na defesa e no debate da importância de emissoras públicas. No Brasil, como as pesquisas do autor apontam, diversas emissoras têm se auto denominado públicas. No entanto, nenhuma delas possui os fundamentos mínimos que caracterizam uma televisão pública: auto-sustentação, autonomia e liberdade e produção diversificada e de qualidade. Todas até agora são dependentes de verbas que são liberadas pelo Executivo, portanto não contigenciadas, a programação sofre permanentemente ingerência dos governos e a gestão é realizada com critérios partidários. Na Europa, segundo Torves, a televisão começou pública, ao contrário do Brasil que iniciou como um negócio privado, e somente agora começa a se debater e discutir a necessidade de uma emissora pública. Como afirma o pesquisador, existem bons exemplos de emissoras públicas no mundo, tais como a BBC na Inglaterra e a PBS nos Estados Unidos que, como outras tantas pelo mundo têm autonomia, conselho de gestão e de programação formados pela sociedade, orçamento decidido por legislação própria, espaço para produção independente e de qualidade. São TVs públicas nas quais toda a sua grade de programação está permeada pela cultura, educação, cidadania, compromisso com a informação e a verdade e com o interesse público. No Brasil, ao contrário, nunca existiu nenhum tipo de política de comunicação, embora a concessão de canais, a fiscalização e o controle dos meios seja pública. Na realidade, para o autor, este serviço público foi privatizado, e a regulação ficou por conta do próprio mercado. E, é neste contexto que, segundo Torves, as TVEs, criadas inicialmente para atender a um programa de ensino nacional, começaram a se autodenominar “televisão pública”, com o objetivo de contrabalançar o atual quadro no país. Entretanto, algumas questões de fundo não foram resolvidas, tais como a sustentação financeira dessas emissoras, a programação que ainda não chega a atender as demandas dos vários segmentos da sociedade e dos atores sociais, excluídos da mídia, e a continuidade da gestão do Governo, que acaba usando o veículo como instrumento político e ideológico para atender interesses partidários. Para Torves, especificamente quanto à TVE-RS, é evidente a interferência do Governo 177
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diretamente no Conselho e na Emissora, o uso da TVE-RS com interesses políticos e partidários na sua programação e a falta de instrumentos legais para que o Conselho tenha autonomia nas decisões que envolvam a gestão da TV, além da falta de recursos públicos para a realização de uma programação de qualidade e inovação tecnológica. Para que uma televisão se autodenomine “televisão pública”, não pode operar institucionalmente como estatal, com desvios constantes, políticos e ideológicos, como uma emissora Governamental. É necessário que tenha como características determinantes gestão independente, horizontalidade, programação de qualidade e sustentação através de verbas contigenciadas. Como é possível perceber a pesquisa realizada, e o livro ora sintetizado, representam uma contribuição acadêmica inédita sobre o tema das emissoras de televisão públicas. Que sejam os mesmos, por outro lado, os motivadores de novos estudos, nas mais diferentes áreas do conhecimento, que agreguem elementos ao candente e necessário debate sobre a importância fundamental de uma TV verdadeiramente pública. Pois disso também depende o aprofundamento da democracia em nosso país.
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Seus problemas acabaram: o Espaço como ponto de partida Suzy dos Santos Harvey, David. Spaces of global capitalism: towards a theory of uneven geographical development. New York: Verso, 2006. O mote do quadro das Organizações Tabajara no programa televisivo Casseta & Planeta é a adaptação de produtos que fazem parte do hype consumista ao contexto popular brasileiro. O quadro humorístico apresenta produtos como o Global Palpiteitor System Tabajara, que em lugar de um sistema GPS de localização traz uma pessoa dando palpites sobre que direção o motorista deve tomar, ou o Celularphone Hiperdigitalógico Tabajara, que ironiza as hiperbólicas características dos smartphones sendo o primeiro telefone celular que tem a função de substituir o usuário em situações aborrecidas como reuniões de condomínio e encontros familiares. No ambiente acadêmico brasileiro não é raro o estudioso de questões relativas às dinâmicas de regulação, produção, consumo, distribuição ou circulação da cultura e da comunicação sentir-se fazendo uma adaptação “Tabajara” de aparatos conceituais elaborados em outros contextos e que não dão conta da especificidade nacional. Por exemplo: como trabalhar com a noção de “interconexão generalizada” num país em que, do total de 5.564 municípios, 95,7% não têm operadora de TV por assinatura, 53% não têm provedor de Internet e 63,3% da população não tem telefone móvel celular para uso pessoal123? Que redes se interconectam nesse caso? Como discutir capitalismo “pós-fordista” num sistema político marcado por relações de apadrinhamento familiar e de mandonismo? Embora objetos como império, global, local, regional, virtual, cidade, comunidade ou ciberespaço façam parte já há algum tempo das agendas das pesquisas brasileiras em comunicação, são raras análises mais sofisticadas sobre a categoria espaço no campo da comunicação. Neste ambiente, é alvissareiro deparar-se com o “novo” livro de David Harvey: Spaces of global capitalism: towardas a theory of uneven geographical development. Mais conhecido no Brasil por Condição pós-moderna, editado pela Loyola em 1992, o trabalho transdisciplinar de Harvey nas questões relacionadas a política, capitalismo e geografia tem se tornado fundamental para o campo da comunicação e da cultura. Diferente de obras mais completas, como o próprio Condição pós-moderna ou o Espaços de esperança (Loyola, 2005), 123
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios e suplementos, 2006. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2006/default.shtm . 179
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Spaces of global capitalism é composto por uma série de três ensaios que consideram o papel do espaço tanto na dimensão econômico-política quanto na filosófica . Os dois primeiros ensaios são revisões de conferências dadas no Departamento de Geografia da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, na oitava edição do ciclo de conferências Hettner-Lecture. Estes ensaios são uma continuação de trabalhos anteriores como O novo imperialismo (Loyola, 2004), Paris, Capital of Modernity (Routledge, 2005), A brief history of Neoliberalism (Oxford Un. Press, 2006) e o recente Limits to capital (Verso, 2007). O último ensaio é uma discussão do espaço buscando situar a sua multidimensionalidade como parte intrínseca da vida social. Assim, este pequeno volume – em torno de 150 páginas - não é exatamente um livro novo. O que não quer dizer que seja um livro com textos requentados. Pelo contrário, Harvey retoma algumas idéias de seus trabalhos mais recentes para propor novas idéias nos dois primeiros ensaios e ao final sintetiza e repensa toda a sua produção acadêmica para trabalhar o espaço como palavra-chave. Harvey expõe como a drástica guinada às políticas neoliberais nos anos 1970 e 1980, especialmente nos EUA – e seus desdobramentos nas economias periféricas – e na Inglaterra, afetaram a geografia histórica do capitalismo global e produziram uma onda de efeitos que vão da adoção do neoliberalismo como um esforço para restaurar o poder de classe às elites na China ditatorial às bem sucedidas manipulações das ofertas monetárias no Japão e na Alemanha Ocidental. No entanto, para o autor, o principal paradoxo do neoliberalismo global é que ele não promove um crescimento global de distribuição eqüitativa. Segundo Harvey, o discurso de que as regiões “atrasadas” tinham que se adaptar aos novos tempos é mitológico já que não é da natureza do neoliberalismo apoiar o desenvolvimento da maioria dos países. Em vez disso, é mais próprio da natureza do sistema subjugá-los. Mais do que simplesmente fixar-se em Margaret Tatcher e Ronald Reagan, no primeiro capítulo, Harvey explora o complexo papel desempenhado por outras forças, no Chile, em Nova Iorque, na China, na Rússia, na Índia ou na Cidade do México. Não se trata simplesmente de um grande centro ditando e exportando um sistema de gestão capitalista. As crises econômicas com efeitos devastadores - na Indonésia, na Rússia ou na Argentina - são reflexos da extrema volatilidade desse sistema. A essas crescentes disparidades de renda o autor conecta a recente virada neoconservadora – baseada no militarismo e no fundamentalismo - não apenas nos EUA e países árabes, mas também em parte do continente europeu e em outras partes do mundo. O 180
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ensaio constrói uma base para analisar os problemas – sociais, políticos e econômicos – do neoliberalismo global e, simultaneamente, busca nos movimentos de oposição ao imperialismo neoconservador uma saída para estes problemas. However, China is not alone as a potential competitor on the global stage, for the class transformations occurring in Rússia and Índia, just to cite two other examples, may also exert influences well beyond their borders. And a new systems alliance, such as that which formed between Brazil, India, China, South Africa and others at the Cancun conference could well signal the emergence of a completely different power force in global politics just as important, if not potentially more so, than the alliance that came together at Bandung in 1955 to create a bloc of non-aligned countries in the midst of Cold War polarization (p. 41).
O segundo capítulo, intitulado Notes towards a theory of uneven geographical development, é uma continuidade dos já conhecidos trabalhos de Harvey para uma interpretação teórica desta situação de extrema volatilidade geopolítica que vivemos. Inicialmente, o autor esboça os principais paradigmas para explicar o desenvolvimento global desigual. Para distanciar-se das noções capitalistas do norte que tendem a explorar a periferia como um estado crônico de subdesenvolvimento na metade sul do continente, Harvey propõe a sua matriz, composta por quatro condicionalidades “radicalmente distintas” e com “diferentes status epistemológicos” (p.75), para uma teoria unificada: 1) incrustação material dos processos de acumulação do capital na rede da vida sócio-ecológica; 2) acumulação através da desapropriação; 3) o caráter legiforme da acumulação capitalista no espaço e no tempo; 4) as lutas políticas, sociais e de classe numa variedade de escalas geográficas. Embora trabalhe com grande parte da análise presente em Paris, capital of modernity e avançada Limits to capital, este ensaio tem a utilidade de constituir um resumo do denso trabalho presente nos outros dois livros. No último e mais interessante capítulo do livro, o autor avança o trabalho de Raymond Williams em Palavras-Chave: um vocabulário de cultura e sociedade. Space as a keyword é uma análise filosófica da palavra espaço e seus vários aspectos dialéticos. De forma absolutamente original, o artigo avança o trabalho de Condição pós-moderna, concatenando as idéias de autores distintos como Henri Lefebvre, Einstein e Marx para construir um escopo analítico do espaço níveis diferentes de abstração. O texto apresenta duas matrizes distintas de interseção desses níveis. A primeira, chamada de matriz genérica das espacialidades (p. 135), articula as categorias propostas por Lefebvre – espaço material, representações do espaço e espaços de representação, às categorias elaboradas por Harvey – espaço absoluto, espaço relativo e espaço relacional. Esta matriz é a mesma 181
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presente em Condição pós-moderna, contudo, a forma de apresentação e concatenação das categorias está agora muito mais clara, fluida, melhor articulada que no clássico texto sobre a pós-modernidade. A segunda matriz vai além da análise original e concatena a primeira matriz com as categorias marxistas de valor, valor de uso, valor de troca e valor monetário. Com esta proposta teórica, Harvey mostra como as práticas sociais definem o espaço urbano, moldam a memória coletiva e definem significações culturais. Neste capítulo é demonstrada a versatilidade da matriz no entendimento das instâncias em que sentidos relacionais (como valor) são internalizados em objetos, eventos ou práticas materiais construídas num tempo e num espaço absolutos. Spaces of Global Capitalism se mostra fundamental para o aprofundamento das dimensões teóricas em reflexões sobre objetos comunicacionais, como, por exemplo, “digitalização”, “ciberespaço”, “políticas de comunicação”, “regionalização”, “globalização”, “virtualização”, “imperialismo”, “espaços públicos”, “urbanidade” ou “concentração”. Ao finalizar o texto, o estudioso das questões espaciais na comunicação tem a sensação de que o mote do quadro do programa Casseta e Planeta refere-se à sua dificuldade em lidar com conceitos baseados em mitologias. Parece que há um locutor falando: “seus problemas acabaram!” Se, por um lado, especifica e retoma trabalhos anteriores, por outro lado, o volume funciona como uma introdução ao campo da geografia histórica como ferramenta de compreensão do capitalismo global. De fato, este livro é uma perfeita apresentação ao extenso esforço de Harvey em refletir como o espaço faz parte dos meios de produção tanto quanto se configura numa das forças de produção e, também, constitui um produto do processo produtivo. Enquanto o livro não é editado em português, é relevante lembrar uma boa conseqüência dos fluxos de desenvolvimento desiguais: com a baixa do dólar ficou muito mais fácil importar livros. Este título está disponível em grandes portais de livrarias por U$17,79.
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