Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación www.eptic.com.br, vol. X, n. 3, Sep. – Dic. / 2008
Eptic On Line, v. X, n. 3, sep.-dic. 2008
1. Expediente 2. Presentación Artículos 3. Confluencias epistemológicas: teoría de la mediación social de Martín Serrano y pensamiento crítico transformador latinoamericano Alberto Efendy Maldonado Gómez de la Torre
4. Do audiovisual europeu à Europa dos cidadãos Francisco Rui Cádima
5. Televisión de pago a la italiana David Fernández Quijada
Entrevista 6. Mercados de televisão latino-americano e europeu: serviço público e mudanças recentes. Entrevista con Luis A. Albornoz: “Una televisión pública concebida como espacio estratégico para la construcción de un espacio audiovisual iberoamericano debe dar acceso a los ciudadanos a las producciones tanto de los propios creadores brasileños como de los creadores andinos, ibéricos o sudamericanos” César Ricardo Siqueira Bolaño y Valério Cruz Brittos
Especial TV pública 7. TV pública, políticas de comunicação e democratização: movimentos conjunturais e mudança estrutural César Ricardo Siqueira Bolaño; Valério Cruz Brittos
8. Reflexões sobre a TV pública Patrícia Maurício
9. É possível inventar a TV pública brasileira? Ângela Carrato
10. Notas conceituais sobre a noção de TV pública
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Jonas Valente
11. Nova TV pública convergente: interatividade, multiprogramação e compartilhamento André Barbosa Filho; Cosette Castro
12. TVs públicas: aggiornamento ou manutenção de conteúdos? Lúcia Lemos
Investigación 13. Amigo ouvinte, o locutor perdeu o emprego: considerações sobre o processo de automação nas rádios FM do Rio de Janeiro Marcelo Kischinhevsky
14. Cidades, cidadania e tecnologias avançadas de informação e comunicações Othon Jambeiro; Susane Barros; Rosane Sobreira; Rosivane Lima; Priscila Rabelo
Reseña/Nota de Lectura 15. Ficção ibero-americana: cultura globalizada e rearranjos de mercado Andres Kalikoske
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EXPEDIENTE Periódico oficial ULEPICC Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Volume X, Numero 3, Sep. a Dic. de 2008 http://www.eptic.com.br ISSN 1518-2487
Revista avaliada como “Nacional A” pelo Qualis/Capes Director César Bolaño (UFS - Brasil) Editor Valério Cruz Brittos (UNISINOS – Brasil) Editores Adjuntos Luis A. Albornoz (Un. Carlos III de Madrid Espanha) Francisco Sierra (Un. Sevilla – España) Apoio Técnico Baruch Blumberg (UFS - Brasil) Danielle Azevedo Souza (UFS – Brasil) Elizabeth Azevêdo Souza (UFS - Brasil) Rafael Silva Bispo (UFS - Brasil) Consejo Editorial Abraham Sicsu (Fund. Joaquim Nabuco – Brasil) Alain Herscovicci (UFES – Brasil) Alain Rallet (Univ. Paris - Dalphine-França) Anita Simis (UNESP - Brasil) Cesare G. Galvan (UFPb - Brasil) Delia Crovi (UNAM - México) Dênis de Moraes (UFF - Brasil) Diego Portales (Univ. del Chile) Dominique Leroy (Un. Picardie – França) Edgar Rebouças (UFPE - Brasil) Enrique Bustamante (UCM – Espanha) Enrique Sánchez Ruiz (UG – México) Francisco Rui Cádima (UNL – Portugal) Gaëtan Tremblay (Un. de Québec - Canadá) Gilson Schwartz (USP - Brasil) Giovandro Marcus Ferreira (UFES - Brasil)
Graham Murdock (Loughbrough Univ. - UK) Guillermo Mastrini (UBA – Argentina) Hans - Jürgen Michalski (Univ. Bremen - Alemanha) Helenice Carvalho (UNISINOS – Brasil) Isabel Urioste (Un. Compiègne – França) Jean-Guy Lacroix (Un. de Québec - Canadá) Jorge Rubem Bitton Tapia (UNICAMP - Brasil) Joseph Straubhaar (Univ. Texas - EUA) Juan Carlos de Miguel (Un. Pais Vasco - Espanha) Luiz Guilherme Duarte (UOPHX - EUA) Manuel Jose Lopez da Silva (UNL - Portugal) Márcia Regina Tosta Dias (FESPSP - Brasil) Marcial Murciano Martinez (UAB – Espanha) Marcio Wohlers de Almeida (UNICAMP - Brasil) Murilo César Ramos (UnB – Brasil) Nicholas Garham (Westminster Unv. - UK) Othon Jambeiro (UFBa - Brasil) Pedro Jorge Braumann (UNL – Portugal) Peter Golding (Loughborough Univ. - UK) Philip R. Schlesinger (Stirling Univ. - UK) Pierre Fayard (Un. Poitiers – França) Ramón Zallo (Un. Pais Vasco – Espanha) Reynaldo R. Ferreira Jr. (UFAL – Brasil) Roque Faraone (Um. de la República - Uruguai) Sérgio Augusto Soares Mattos (UFBA - Brasil) Sergio Caparelli (UFRGS - Brasil) William Dias Braga (UFRJ - Brasil)
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Presentación A terceira edição de 2008 da Revista Eptic On Line traz uma importante contribuição ao acirrado debate em torno das políticas de comunicação e das mudanças estruturais no sistema televisivo brasileiro. O periódico preparou uma coletânea especial de seis artigos sobre televisão pública, de viés crítico e com diversos referenciais teóricos para montar todo um panorama da criação da TV Brasil e a articulação dos interesses públicos e privados no setor. A discussão é aberta com um texto da lavra desses diretor e editor, “TV pública, políticas de comunicação e democratização”, apresentando os principais movimentos conjunturais referentes à política nacional de comunicação em 2007, principalmente com a chegada da TV Brasil, além de fazer sugestões a respeito do modelo de televisão pública que se julga o mais democrático e adequado para o país. Patrícia Maurício e Jonas Valente trazem, respectivamente, reflexões e notas conceituais sobre a TV pública. A pesquisadora utiliza-se de aspectos históricos e da ideologia de criação dessa televisão para seguir numa análise do público e da produção, verificando como o mercado interfere no serviço público, enquanto Jonas parte de uma discussão crítica – apoiado em Gramsci, Poulantzas e na EPC –, do conceito habermassiano de esfera pública e da abordagem culturalista sobre a TV pública na América Latina. O artigo de Ângela Carrato, cujo título questiona a possibilidade de se inventar a televisão pública brasileira, discute a relação desta com as TVs estatal e comercial. Os pressupostos teóricos da economia política e da ciência política fornecem-lhe a base necessária para a análise da criação da TV Brasil como elemento importante para a democratização da comunicação no país. Um título questionador também abre a discussão do texto de Lúcia Lemos, no que diz respeito aos conteúdos das TVs públicas. A autora reflete sobre a responsabilidade social das emissoras públicas no Brasil, em contraposição às comerciais. A seção conta ainda com um trabalho de pesquisa de André Barbosa Filho e Cosette Castro, intitulado “Nova TV pública convergente: interatividade, multiprogramação e compartilhamento”. O texto cogita as mudanças pelas quais a televisão pública brasileira deverá passar nos próximos anos, a partir da implantação da TV digital, com foco nas seguintes temáticas: o operador de rede de plataformas comuns de transmissão como forma de
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baratear custos, a interatividade como ferramenta de inclusão digital e a produção de conteúdos audiovisuais interativos. Ainda como parte da edição especial sobre TV pública, publica-sde uma entrevista com Luis Albornoz, presidente da ULEPICC-Federação, com um enfoque mais internacional. Uma resenha de Andres Kalikoske e artigos que debatem desde a questão epistemológica até o impacto das TICs no cotidiano das cidades e no ambiente de trabalho dos profissionais de comunicação completam o volume. Os artigos são “Confluencias epistemológicas: teoría de la mediación social de Martín Serrano y pensamiento crítico transformador latinoamericano”, com autoria de Alberto de la Torre; “Do audiovisual europeu à Europa dos cidadãos”, de Francisco Cádima e “Televisión de pago a la italiana”, de David Fernández Quijada. Marcelo Kischinhevsky traz um resultado de investigação sobre o processo de automação nas rádios FM do Rio de Janeiro. O texto, cujo título é “Amigo ouvinte, o locutor perdeu o emprego”, faz um mapeamento dos impactos advindos dos cortes de custos e do enxugamento de equipes, ocorridos ao longo dos últimos 10 anos. Outro artigo, “Cidades, cidadania e tecnologias avançadas de informação e comunicações”, foi escrito em parceria por Othon Jambeiro, Susane Barros, Rosane Sobreira, Rosivane Lima e Priscila Rabelo, que avaliaram as políticas de infra-estrutura e serviços de informação e comunicações, observando como as TICs são relacionadas à eficiência e transparência de gestão e capacitação de cidadãos. A última contribuição para a revista foi a resenha denominada “Ficção iberoamericana: cultura globalizada e rearranjos de mercado”, escrita por Andres Kalikoske, com base no livro “Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica”, de Lorenzo Vilches (2007). A obra é resultado do trabalho de membros do Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva (OBITEL), que forneceram um panorama atualizado sobre a circulação dos produtos de tele-ficção no âmbito ibero-americano, especialmente do rentável formato da telenovela. Com isto é encerrado o décimo ano de publicação ininterrupta da revista, comemorado, durante o último congresso da INTERCOM, em Natal (ver mais detalhes no EPnoTICias, neste portal), onde foi realizado um debate com a participação de dois convidados estrangeiros, Francisco Sierra Caballero (Universidade de Sevilha, Espanha), editor-adjunto da revista, e Luis Alfonso Albornoz (Universidade Carlos III, Madrid, Espanha), membro do Conselho Editorial, que passa também a integrar o corpo de editores-
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adjuntos, na seqüência das reformas que estão sendo realizadas para aperfeiçoar sempre a revista. Essas reformas se traduziram, recentemente, em uma nova atualização do portal. O próximo passo serão mudanças no próprio periódico, visando adequá-lo às novas exigências do sistema Qualis/CAPES, recentemente anunciadas. O desafio será manter a alta avaliação que tem sido conseguido, reforçando o caráter internacional da revista e sua inclusão em um número maior de bancos de dados referenciais. César Bolaño Director Eptic On Line
Valério Brittos Editor Eptic On Line
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Confluências epistemológicas: teoria da mediação social de Martín Serrano e pensamento crítico transformador latino-americano. Prof. Dr. Alberto Efendy Maldonado Gómez de la Torre1 RESUMO A construção do campo científico da comunicação, na comtemporaneidade, mostra um cojunto de processos configuradores de singular força gnoseológica, histórica, cultural e social. Entre os principais referentes teórico-metodológicos dessa realidade, estão as contribuições de Manuel Martín Serrano no contexto íbero-americano. Este artigo realiza um exercício epistêmico, inter-relacionando o modelo destacado com produções teóricas relevantes na América Latina. Enfatiza as dimensões de investigação teórica e estruturações metodológicas realizadas na proposta transmetodológica, vinculando-as às transformações sócio-culturais, midiáticas, ocorridas na América Latina nos últimos trinta anos. Palavras-chave: Martín Serrano; mediação social; América Latina; confluências; transmetodologia. ABSTRACT The construction of the science field in communication, in the contemporary times, shows a group of configuring processes of singular gnoseologic, historical, cultural and social strength. Among the major theoretical and methodological bases of such reality, are the contributions of Manuel Martín Serrano, in the Íbero-American context. This article provides an epistemic exercise, inter-linking the highlighted model with relevant theoretical production in Latin America. The text emphasyzes the dimensions of theoretical research and methodological structures held in the transmethodological proposal, linking them to socio-cultural and mediatic changes occurred in Latin America over the past thirty years. Keywords: Martín Serrano, social mediation; Latin America; confluences; transmethodology. RESUMEN La construcción del campo científico de la comunicación, en la contemporaneidad, muestra un conjunto de procesos configuradores de singular 1
Pesquisador/Professor do PPGCC-Unisinos (Brasil); coordenador do grupo de pesquisa PROCESSOCOM (CNPq, CAPES); professor visitante nas instituições: Universidad Autónoma de Barcelona; Universidad Andina Simón Bolívar (La Paz); Universidad Central del Ecuador; Universidade Estadual do Tocantins; Universidade Federal do Piauí; Universidade Politécnica Salesiana (Quito). Editor Geral da revista Fronteiras/Estudos midiáticos (2006-2008), membro do conselho científico das revistas Comunicação & Educação (USP); Communicare (Cásper Líbero); ESP (São Paulo); Redes (UNISC). Autor de Teorias da comunicação na América Latina; Metodologias de pesquisa em comunicação; América Latina berço da transformação comunicacional no mundo; Perspectivas metodológicas em comunicação; Transnacionais da TV na América Latina; América Latina midiatizada; Estruturações televisuais sobre América Latina, entre os principais textos/livros/pesquisas. Membro das sociedades científicas SBPC; INTERCOM e ALAIC.
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fuerza gnoseológica, histórica, cultural y social. Entre los principales referentes teórico metodológicos, de esa realidad, están las contribuciones de Manuel Martín Serrano en el contexto Ibero-americano. Este artículo realiza un ejercicio epistémico, interrelacionando el modelo destacado con producciones teóricas relevantes en América Latina. Enfatiza las dimensiones de investigación teórica y estructuraciones metodológicas realizadas en la propuesta transmetodológica, vinculándolas a las transformaciones socio-culturales, mediáticas, acaecidas en América Latina en los últimos treinta años. Palabras-clave: Martín Serrano; confluencias; transmetodologia.
mediación
social;
América
Latina;
Pensamento latino-americano em comunicação (pontos de partida) O campo científico em comunicação na América Latina está chegando a meio século de história, se considerarmos como pontos de partida paradigmáticos a institucionalização da pesquisa na área em 1959, com a fundação do CIESPAL (Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo, na época) em Quito, Equador, e do Instituto Venezuelano de Pesquisas de Imprensa da Universidade Central. O CIESPAL concentrou e divulgou para a região o modelo estadunidense de pesquisa estrutural/funcionalista, aplicando investigações empíricas sistemáticas na maioria dos países com foco na inovação de tecnologias. Na época, a televisão e o radio transistor2 eram os principais instrumentos de modernização sociológica, cultural e social; estas lógicas, concebidas pelos estrategistas norte-americanos, exerceram um papel importante nos processos de estruturação das “modernidades” da segunda metade do século XX, profundamente condicionados pelo conflito entre o modelo capitalista norteamericano e o chamado bloco socialista. O CIESPAL formou várias gerações de pesquisadores em todos os países da América Latina nas teorias e metodologias funcionalistas, imbricadas com os interesses do governo dos Estados Unidos na busca de uma modernização acelerada das sociedades latino-americanas para evitar a propagação do exemplo revolucionário cubano. As premissas, os conceitos, os valores, as lógicas e até os procedimentos mais simples foram importados dos Estados Unidos. A biblioteca do CIESPAL recebeu o conjunto da produção metodológica estrutural/funcionalista, traduzida ao castelhano, transformando-se em uma escola internacional de expressiva penetração nas comunidades acadêmicas (ainda pequenas) do campo comunicacional. 2
O rádio a pilhas foi fundamental para os amplos setores sociais sem energia elétrica, em especial para os cerca de 80% da população latino-americana que vivia na área rural.
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Passados 14 anos dessa fundação, acontece uma ruptura histórica no Seminário de San José, Costa Rica, em 1973. O próprio CIESPAL começa um processo de distanciamento do modelo norte-americano, abrindo-se para o pensamento crítico comunicacional, tanto em suas vertentes filosóficas, como nas semiológicas e sociológicas, gerando, a partir desse momento, pesquisas que buscam conhecer a realidade latino-americana e as necessidades de seus cidadãos para definir os pressupostos teórico-metodológicos de sua ação. Lembremos que as décadas de 1960 e 1970 foram de ditaduras militares na América Latina (como na Península Ibérica). Assim, o pensamento e a ação de pesquisa se realizavam em contextos autoritários e repressivos, estruturados em formações sociais com forte presença da formas anacrónicas, pré-capitalistas, que provocavam situações de intensa instabilidade social, de conflitos e de carências institucionais. Considerando essa realidade, o CIESPAL foi um luxo, uma espécie de think tank (fortaleza de conhecimento) do mundo estadunidense desenvolvido, num contexto de extrema pobreza, analfabetismo, fundamentalismo religioso e corrupção política. Nesse ambiente, iniciou-se e se estruturou a pesquisa profissional, sistemática e estratégica em comunicação na América Latina. Talcon Parsons, Bernard Berelson, Harold Lasswell, Paul Lazarsfeld, Wilburg Schramm, Shannon e Weaver, entre os principais, vão “invadir” as referências teórico/metodológicas dos pesquisadores, profesores e estudantes
latino-americanos
formados
nessa
escola.
A
euforia
empirista,
instrumentalista e utilitária desse modelo rapidamente se chocará com os problemas concretos de sociedades com estruturas de poder neo-colonial; com escassa institucionalização; elites depredadoras e corruptas ao serviço de seus bolsos e dos interesses transnacionais; formas produtivas agro-exportadoras (bananas republic) ou mono-produtoras (extração de minerais e petróleo) de escassa e deficiente industrialização. As tecnologías da comunicação, na época, contribuiram (dialeticamente) para mudanças culturais e sociais significativas contra os interesses das oligarquias locais e do complexo militar industrial dos EUA. O rádio de ondas curtas abriu as freqüências para escutar alternativas de mundo, programação cultural de qualidade, possibilidades de formação educativa alternativa frente aos modelos conservadores vigentes. Camponeses, obreiros, indígenas, trabalhadores, estudantes, intelectuais, donas-de-casa, sacerdotes e cidadãos em geral tiveram acesso ao campo radiofônico mundial, em
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especial latino-americano, rompendo os limites endógenos, o provincialismo, o chauvinismo e o conservadorismo religioso. Enquanto os técnicos estadunidenses se preocupavam em vender, ou doar, a preços acessíveis, aparelhos radiofônicos e contar o número destes e as horas que as pessoas passavam escutando. As rádios políticas, culturais, comunitárias e educativas (alternativas) expandiram-se. A ação de introdução acelerada, numerosa e econômica da infra-estrutura radiofônica cumpriu, assim, o papel que o capital lhe pedia; mas, ao mesmo tempo, exerceu seu papel civilizador, ensinando novos procedimentos de produção simbólica, comunicando valores transformadores, tralhando contra a ignorancia e o analfabetismo. O rádio, a partir as décadas de 1940 e 1950, será o meio de comunicação principal na região, mas, na época da difusão de inovações, incluirá a maioria da população do interior, da província e da selva na cultura mundial contemporânea. Guerra
Fria;
democratizações;
revoluções;
industrialização;
reforma
agrária;
modernização; música internacional popular; direitos humanos; greve; música política; cooperativismo; socialismo; liberdade sexual; igualdade de direitos (gênero, sexo, origem, classe); imperialismos e ecologia entraram no bom senso comum via rádio. As identidades musicais latino-americanas (bolero, son, merengue, cumbia, pasillo, tango, samba, etc.); o sentido de pertencer a um cotidiano comum (país); a configuração de espaços simbólicos latino-americanos compartilhados (rádio-novela); a midiatização eletrônica da política são produzidas por este meio. A vertente funcionalista em pesquisa não soube acompanhar esssas mudanças de maneira produtiva e sistemática e teve que assistir à perda de controle de suas estratégias de “Aliança para o Progresso” e “Divulgação de Inovações”, presenciando a implantação de sociedades sub-desenvolvidas de consumo, combinadas com processos culturais de contestação às hegemonias tradicionais, ao poder estadunidense e às pretensões de conhecimento absoluto. A irreverência latino-americana, expressão de seu rico multi-culturalismo e de sua industrialização escassa, gerará processos políticos radicais de transformação e uma cultura viva de produção de literatura, artesanato, vestuário, moda, música, culinária e pensamento crítico. O Instituto Venezuelano de Pesquisas de Imprensa da Universidade Central, ao contrário do CIESPAL, e sem chegar a ter a cobertura nem a pretensão deste, teve um profundo significado para o campo, porque inaugurou de maneira forte e organizada a pesquisa crítica na América Latina, trazendo, já no começo dos anos 1960, o referencial
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de Frankfurt para o pensamento comunicacional. O Centro de Estudos da Realidade Nacional, no Chile (CEREN), e o Torcuato di Tella, na Argentina, produziram, a partir de vertentes distintas, pensamento comunicacional alternativo ao modelo positivista estadunidense, já nas primeiras décadas fundacionais do campo de investigação: semiologia estrutural, Escola de Palo Alto, estruturalismo filosófico, economia política dos meios, políticas alternativas de comunicação foram, entre as principais, problemáticas trabalhadas (prematura e limitadamente) nos centros críticos. De todos modos, constituiram um referencial institucional político/científico/ético crucial para impulsionar a história da pesquisa latino-americana em comunicação. Seguindo a linha de raciocínio deste texto, que busca uma interpretação histórica crítica das configurações midiáticas e sociais, situamos nos anos 1980 a irrupção transformadora da teoria da mediação social de Martín Serrano; ainda que, nesse momento, ainda conservasse rastros das concepções formais que interviram como parte de suas condições de produção (modelos, textos, autores e teorias que participaram da estruturação de seus argumentos e matrizes), a teoria de Manuel Martín constituiu-se em uma vertente crítica relevante para o proceso de confrontação e desmontagem da hegemonia penetrante do funcionalismo no campo de pesquisa e produção teórica em comunicação. A década é inaugurada com a publicação da primeira e segunda edições do livro Teoria da Comunicação I/ Epistemologia e Análise de Referência (Martín Serrano, 1981;1982). Em termos epistemológicos, o autor coloca uma premissa especialmente grata e significativa para a América Latina. ”O trabalho em Teoria da Comunicação requer que se aceite o desafio intelectual da criatividade e do compromisso” (Martín Serrano, 1982, 7). Esse ponto de partida confluiu para a reflexão, o debate e o trabalho, afirmando a necessidade da produção teórica como uma práxis de compromisso ético e histórico contra os autoritarismos, aprovados e sustentados por Washington, no campo intelectual. Na época, na religião, no campo da comunicação, produzir teoria era considerado um luxo próprio do “Primeiro Mundo”, dos norte-americanos, franceses, alemães, britânicos e italianos. Os latino-americanos deveriam se contentar em aplicar teorias, fossem positivistas/funcionalistas ou revolucionárias. Poucos pensadores e grupos intelectuais na área haviam lutado por uma prática teórica séria, profunda, comprometida, complexa e transformadora (Pasquali, 1973; Verón,1977; Mattelart, 1987; Martín, 1987; Maldonado, 2001).
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Martín Serrano chega para fortalecer a necessidade de exercício de uma prática teórica própria do campo, que faça um esforço de epistemologia genética para estabelecer os alicerces de um pensamento que supere o empirismo abstrato e o utilitarismo intelectual vulgar. “A metodologia de estudo recomenda que este projeto se inicie pelo exame da gênese dos fenômenos comunicativos” (Martín Serrano, 1982, 29). No setor crítico preocupado com as problemáticas da comunicação, na América Latina, existia um deslocamento cômodo para outros campos. Trabalha-se a partir da sociologia,
ciências
políticas,
semiologia
e
psicologia
do
comportamento,
preferencialmente. A preocupação em construir teoria e área em comunicação estava distante; por isso, a iniciativa de teorizar, definido como centro e eixo de construção a comunicação. Foi renovado para as teorias críticas na América Latina, propor “uma explicação comunicativa daqueles fenômenos, biológicos e culturais, que são parte dos processos de comunicação” (Idem, Ibidem, 29) significou uma mudança crucial de perspectiva. A proposta delimita um centro investigativo a partir da comunicação, tanto para processos culturais, como biológicos, aquilo que é geral, que abarca o conjunto das ciências, torna-se âmbito do predicado; ao mesmo tempo, delimita-se, nesse amplo panorama, o problema/objeto. Isto, que parece tão óbvio e trivial, era descuidado no fazer teórico e prático da pesquisa em comunicação da época. Paradoxalmente, Martín Serrano, fala a partir das ciências sociais em geral e é a partir delas que reivindica a pertinência de uma teoria necessária, forte e geral da comunicação. Outro aspecto da obra do autor que merece destaque, no enfoque deste texto, é a especificidade da interação comunicativa, definindo-a como informação. Comprende, assim, em paralelo à teoria dos sistemas, as relações entre meio-ambiente e seres vivos, relacionando comunicação a controle (cibernética) e aborda, desse modo, aspectos semelhantes aos trabalhados por Norbert Wiener e Harold Innis, posicionando-se em uma perspectiva próxima. De maneira esclarecida, Martín Serrano adota uma posição epistêmica forte ao manifestar-se a favor de “uma atitude interdisciplinar, já que a pesquisa que se realiza nas fronteiras epistemológicas que separam as ciências geralmente tem sido muito fértil. A própria Teoria da Comunicação é resultado de uma vontade de encontro entre as Ciências da Natureza e da Cultura” (Idem, Ibidem, 68). Este posicionamento é transcendental, tanto em uma perspectiva diacrônica avaliadora, quanto em sua vigência contemporânea. No primeiro sentido, porque mostra uma ruptura com a ortodoxia
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comunicacionista (“tudo é comunicação”) e, no segundo, porque se coloca em uma perspectiva frutífera, forte e de futuro para estabelecer os nexos gnoseológicos entre ciência da comunicação e outras ciências. Para os pensadores e investigadores críticos em comunicação, na América Latina, estes movimentos teóricos de Martín Serrano resultaram saudáveis e afins; dado que, no continente, buscava-se uma separação do caráter (teórico e investigativo) redutor que a vertente de denúncia e panfleto havia exercido no campo intelectual. As formulações do autor contribuiram para o fortalecimento das posições dos pensadores que exigiam uma prática teórica rigorosa, sistemática, profunda, inventiva e comprometida com a mudança social que, na época, era rodeada até pelas forças que se consideravam democráticas e de esquerda. A ação única, nobre e possível, para a maioria das culturas críticas, reduzia-se aos ativismos de diferente tipo: sindicais, partidários, administrativos (em especial nas universidades), burocráticos (trabalhando em brechas institucionais), cooperativistas (em especial no campo) e culturais (quantidade de apresentações, eventos, manifestações, exposições, etc.). O cuidado teórico, lógico, investigativo, ético, estético e filosófico era colocado em um plano inferior; sem querer perceber que esse esforço e competência, tipicamente humanos, constituem o núcleo da capacidade revolucionária da espécie. A euforia dos processos, declarados a priori como finais e totais, impedia ver e estabelecer a pesquisa científica e a produção teórica como substanciais para a transformação das sociedades. O núcleo pedagógico da ação científica “fazer saber”, curiosamente, tinha sido esquecido; é assim esse aspecto crucial da ação humana, como nos lembra o autor: “O cientista está interessado em fazer saber, para que mude pela via do conhecimento (…) tome consciência de sua própria condição existencial e social, enquanto ator da comunicação, essa tomada de consciência amplia sua autonomia” (Idem, Ibidem, 70). O processo de conhecimento se situa, assim, no eixo central da liberação, dando-se continuidade à filosofía crítica revolucionária, que, a partir de Marx (1987), imcute em sua essência a praxis teórica com a ação transformadora do mundo. Nessa linha, Martín Serrano vai estabelecer tanto razões axiológicas, quanto epistemológicas, como fonte de necessidade de uma teoria da comunicação (Idem, Ibidem, 71), fixando com claridade questões decisivas para a crítica e a desmontagem do paradigma hegemônico estadunidense na América Latina; no primeiro lugar, a separação entre dimensão ética e dimensão científica e, em segundo, a separação da produção cotidiana do conjuntos
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simbólicos (reportagens, crônicas, pesquisas, reconstruções, etc.) de seus necessários vínculos com o rigor acadêmico e científico. Martín Serrano situou, analisou e delimitou a linha divisória concreta, estabelecida na prática, entre Teoria da Comunicação e técnicas profissionais de controle social. Hoje, cabe destacar que a necessária autonomia relativa entre produção de conhecimento científico e práticas profissionais vêm redefinindo-se pelas exigências, cada vez mais indispensáveis, de conhecimento sistemático de parte dos estrategistas, profissionais e técnicos que operam no campo midiático. Constantemente, é exigido dos profissionais pensar seus problemas comunicacionais, de conhecimento forte, em planos sociológicos, semióticos, antropológicos, econômico-políticos, históricos, políticos e midiáticos (Maldonado, 2006a). Esta realidade pressionou e permitiu que o campo científico em comunicação crescesse de maneira explosiva nos últimos trinta anos, institucionalizando numerosos programas de doutorado científico (PhD) e mestrado (magíster). Somente no caso brasileiro, contabilizou-se, em 2007, 32 programas de pós-graduação strictu sensu e centenas de cursos latu sensu (www.capes.br). A delimitação de Martín Serrano entre Teoria da Comunicação e senso comum técnico comunicativo contribuiu às linhas de investigação, aos pensadores, aos pesquisadores, aos professores e aos profissionais que trabalharam pela estruturação de uma dimensão teórica sólida, ampla e penetrante no mundo da comunicação social.
A mediação dos sistemas midiáticos A década de 1980 na América Latina vai constatar o desgaste dos modelos ditatorias de dominação, uma profunda crise nas estruturas militares como forma de governo, a conseqüente abertura para ensaios de democracias representativas, de modelo liberal, e as guerras de contra-insurgência na América Central e na Colômbia. Nesse contexto político/histórico, os processos de comunicação tiveram uma participação importante em minar as estruturas ditatoriais. A comunicação popular e alternativa vai estar presente em todos os processos, contribuindo em maior ou menor medida ao enfraquecimento dos governos repressivos aliados a Washington. Esses processos mostraram que a relação entre sistemas midiáticos e públicos não é uma relação direta, linear, mecânica e de efeitos técnicos controlados. Os comunicadores perceberam, corretamente, que é necessário trabalhar frentes culturais que estabeleçam nexos simbólicos fortes entre as comunidades populares e as organizações. Desse modo,
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foram redescobrindo aquilo que os grandes cientistas e filósofos críticos da história aprenderam a força, que a cultura estabelece estruturas, esquemas, matrizes, hábitos e costumes que se impregnam profundamente no espírito da gente, essas formas históricas de longa duração, às vezes de milênios, outras de sécalos, que se constituem em mediações fundamentais nos processos de comunicação humana (Lameiras; Galindo, 1994).
Nessa mesma época, surge a Teoria da Mediação Social de Manuel Martín Serrano, que fortalece a produção teórica íbero-americana, oferecendo uma proposta teórica sugestiva, sistemática e crítica que permite pensar o caráter, a função e a configuração. A importância dessa proposta teórica se intensifica pelos nexos que o autor estabelece com a mudança social; não obstante este ser próprio do caráter dinâmico do movimento histórico, nos anos 1980 adquire um valor especial pelas fortes re-configurações teóricas e sociais que aconteciam nessa fase, a definição geral do autor é esta: “A teoria da mediação social oferece um novo objeto para as ciências sociais: o estudo da produção, transmissão e utilização da cultura, a partir da análise dos modelos culturais e de suas funções. Estes estudos são especialmente necessários quando a cultura se utiliza como um procedimento de dominação. Assim ocorre nos fenômenos de transculturação, como se observa quando uma sociedade destrói os sinais de identidade da outra; e também acontece nos processos de controle social, cada vez que se propõe uma visão pré-estabelecida do mundo e do que acontece no mundo, para influenciar a consciência das pessoas”. (Martín Serrano, 198, p. 142)
Primeiro, delimitou a problemática científica geral da comunicação no campo das ciências sociais; enfocou, dentro delas, a cultura como problema/objeto, situando-a nos processos de contradição e conflito (dominação, transculturação, controle), todos eles pertinentes à realidade latino-americana, se considerarmos a história de colonialismo, repressão e exploração. As idéias do autor confluiram com o pensamento crítico da região, fortalecendo-o ao produzir teoria da comunicação. Sua concepção sobre os meios, aos quais dota do poder de eleição dos objetos de referência da realidade para representá-los, apresenta claramente o papel destes como instituições mediadoras entre o mundo e os espectadores, ouvintes ou leitores (audiências) dos mídia (Idem, Ibidem, 143). Esta definição das operações de mediação exercida pelos MC oferece uma concepção clara da particularidade destas instituições (sistemas,
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empresas, complexos produtivos, agências, produtoras, cooperativas, etc.) no conjunto dos campos sociais. Simultaneamente, quebra a lógica positivista que apresenta a produção dos meios como se fossem a realidade mesma, às vezes utilizando a idéia de janela para ver o mundo e, outras, a metáfora do espelho, como se eles simplesmente refletissem o mundo.
‘Martín Serrano, ao definir as classes de mediações próprias dos MC, organiza uma compreensão sucitadora de explicações profundas sobre o papel desses sistemas. Para o autor, a mudança social compromete o modo de fazer dos meios, estes devem fazer um esforço para proporcionar identidade e referências ao grupo (sociedade) (Idem, Ibidem, p. 144-145), para isso operam com mediações cognitivas e mediações estruturais. As primeiras, operam sobre os relatos, oferecendo modelos de representação do mundo, lidam com o conflito entre acontecer e crer, produzem mitos (tarefa que oferece seguranças, repetindo as formas estáveis do relato), que no caso latino-americano é prolífico, tanto nas vertentes religiosas autótonas, quanto nas de origem do Oriente Médio. Isto se constata também na produção constante de narrativas populares, lendas, contos e imaginários que sirvam para administrar as pulsações e contradições vitais. O discurso dos mídia trabalha reiteradamente dados de referência familiares sobre o que ocorre, como muito bem os define Martín Serrano (ibídem, 14647), seguindo os importantes ensinamentos da retórica aristotélica durante mais de 2.300 anos. Essa reiteração cotidiana provoca um campo de efeitos de sentido, que permite aos mídia conformar audiências (uma das funções específicas), que se reconhecem nesses relatos e com os quais estipulam nexos de fruição e vivência. Esta concepção do autor conflui com as propostas de análise de discurso produzidas na região e constitui um conjunto conceitual importante para o trabalho de investigação dos MCM. A mediação cognitiva, assim, complementa-se com a relação novidade/banalidade, que trabalham as programações informativas, ficcionais e de auditório, produzindo sensações e significações de entretenimento e captura de dados que fortalecem os nexos entre os mídia e os públicos. A mediação estrutural é, na proposta de Martín Serrano, aquela que opera sobre os suportes, oferecendo aos públicos modelos de produção de comunicação. Ela explica a problemática interna da produção midiática, seus aspectos e seus conflitos, o sentido de sua especificidade e seu caráter tecnológico. Um primeiro elemento da teoria do
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autor remete ao conflito entre acontecer/prever típico da espécie humana, dada sua condição sapiens, e que o jornalismo, como fabricação produtiva/cultural da era midiática, tomará como centro de suas preocupações e organização de seu trabalho. Temos, aqui, uma especificação da categoria tempo, de uma lógica narrativa cronológica histórica que pretende acompanhar, simultaneamente, os feitos e, na perspectiva atual, inclusive, antecipando-se a eles, fazendo do acontecimento, de sua fabricação simbólica e de seu registro referencial uma tarefa relevante dos meios. Martín Serrano delimita esta inter-relação definindo seu complemento na capacidade e necessidade de prever. O estresse dos jornalistas em muito está vinculado à resolução desse conflito. Esta proposta se adequou de modo produtivo com as teorias críticas latino-americanas que vinham trabalhando na construção de uma alternativa dialética ao pensamento hegemônico funcionalista (Maldonado, 2001, 2004). O segundo elemento da mediação estrutural, na teoria do autor, é a produção de rituais elaborados pelos mídia. Na América Latina, constata-se esta fabricação como uma necessidade de continuidade religiosa, oferecendo segurança fácil e cômoda às pessoas que se inter-relacionam com os meios. O autor coloca, aqui, uma característica crucial de trabalho de produção cultural destes sistemas: fabricar relatos repetidos em série e estabelecer formas estáveis destes relatos, que permitam um reconhecimento fácil e rápido dos públicos, estabelecendo pactos de audiência por períodos consideráveis, conforme a pesquisa latino-americana tem confirmado de maneira sistemática nas últimas décadas (Maldonado et. al. 2006a) O terceiro componente da proposta define a mediação estrutural como aquela que institucionaliza aos mediadores. Em uma ótica brasileira e latino-americana, este aspecto da proposta conflui com as investigações de processos midiáticos, que pensam, observam, analisam e produzem conhecimento a partir do reconhecimento do papel mediador dos mídia e, em especial, dos sujeitos produtores ao interior dessas estruturas produtivas (Idem, Ibidem). Esta confluência fortalece as teorias críticas e supera aqueles que apoiam um empirismo funcional, como se a produção midiática fosse um reflexo automático da realidade; fortalecendo também as teorias críticas que enfrentam as vertentes sistêmicas e utilitaristas, que concebem os sistemas e os mercados como entidades abstratas, auto-construidas e independentes da dimensão axiológica. Este neoconservadorismo dá continuidade ao funcionalismo estrutural, expulsando das problemáticas teóricas ao sujeito histórico produtor, ao compromisso ético e às
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mediações, retomando antigas pretensões positivistas de cientificidade neutra e autosuficiente, situando à técnica com razão suficiente. A mediação estrutural, na perspectiva de Martín Serrano, define um quarto componente de caráter lógico, mediante a relação relevância/irrelevancia. Esta operação de seleção, delimitação e montagem explicitada pelo autor é importante para a crítica da ilusão espectral. Definitivamente, os meios não são espelhos, as telas não são janelas e a produção simbólica emitida é editada. O autor aprofunda esse aspecto teórico, formulando o conceito de objeto de referência que se estrutura como uma contribuição significativa para a crítica do empirismo. Isto porque tanto para o empirismo abstrato (Mills, 1995) como para o materialismo mecanicista, a realidade é dada automaticamente à mente, sem necessidade da mediação lingüística e epistêmica. A definição de objeto de referência conflui com as epistemologias dialéticas, construtivas, genéticas, analíticas e heurísticas que concebem a relação no Ser e a consciência como um processo transformador e produtivo. Por outro lado, este componente de proposta do autor fortalece a análise crítica dos eixos lógicos das fabricações
midiáticas.
Noticias,
reportagens,
tele-novelas,
artigos,
crônicas,
comerciais, ilustrações, etc. fazem seleções, mostram o que consideram relevante de acordo com suas concepções, valores, interesses e costumes e excluem aquilo que consideram “secundário” ou inconveniente para seu posicionamento histórico/social. (Maldonado, 2006b, 2006c) Um quinto elemento da mediação estrutural, proposto por Martín Serrano, que conflui com a crítica latino-americana do funcionalismo estrutural em comunicação, é o caráter expressivo dos mídia, delimitando uma dimensão técnica/cultural que as vertentes que reduzem a produção midiática à sua faceta representação ignoram. O feito é que a produção industrial de cultura pelos meios gera e institui um campo de sensibilidades particular, diferente dos ethos anteriores. Em confluência com as proposições do autor, verificou-se, nas pesquisas latino-americanas (Ford, 1999; Lameiras & Galindo, 1994; Maldonado, 2004; Cogo, 2006), a configuração de um mundo midiatizado, que estruturou sensibilidades sociais amplas no continente. Não é possível falar de cultura contemporânea na América Latina sem incluir em sua compreensão a cultura dos mídia; esta participou de maneira decisiva na construção social, política e econômica, produzindo psicosferas, semiosferas e tecnosferas penetrantes e envolventes nas formações sociais do continente. A maior parte das
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experiências estéticas dos grupos sociais latino-americanos vai estar relacionada com a produção dos sistemas midiáticos. Essas experiências não correspondem ao gozo estético concebido pela filosofia da arte erudita. São disfrutes de outra natureza, profundamente atravessados pelos recursos tecnológicos de fabricação de bens simbólicos. A informatização dos suportes, as lógicas hipertextuais e multimidiáticas mostram, na fase atual dos processos de midiatização, como a intervenção da mediação tecnológica é importante para a configuração de campos de sensibilidades e de sentido em um processo constante de geração de semiosis e de constituição de semiosferas sociais. As operações que realizam os meios de comunicação com os componentes das mediações cognitiva e estrutural estão imbricadas em um esforço constante para proporcionar identidade e referências comuns à sociedade. Esta proposição do autor (Martín Serrano, 1985, 148) vai ao encontro dos processos históricos latino-americanos e é pertinente ao que as pesquisas encontraram em seus esforços teóricos, metodológicos e empíricos, reafirmando o caráter e a função de coesão social que os mídia têm para evitar a desagregação social em realidades de fluxo, movimento e mudança. O jogo das mediações formuladas pelo autor expressa, a sua maneira, a interdependência e contradição entre informação e redundância; a primeira oferecendo novidade, distinções, dados de referência, organizando o sistema e ao mesmo tempo tensionando-o e, a segunda, expressando a necessidade sistêmica de criar segurança, afirmando e ritualizando o existente e, deste modo, colaborando na manutenção do sistema mas, ao mesmo tempo, saturando-o e debilitando-o em suas possibilidades de reformulação e futuro. Para finalizar esta parte da reflexão teórica sobre as confluências epistêmicas apontadas, cabe assinalar o aspecto dialético aberto e inventivo explicitado pelo autor em relação com as construções teóricas: “Existem numerosas possibilidades de transformar a definição anterior em um desenho de análise. A imaginação do pesquisador pode inventar diferentes modelos, se tiver cuidado de que se adequem aos planos teóricos e de que permitam dispor de técnicas de pesquisa corretas.” (Idem, ibidem, 157)
Esta declaração epistêmica conflui de maneira profunda com a vertente crítica transformadora em comunicação na América Latina. A seguir, analisar-se-ão as confluências entre a teoria da mediação social e a hipótese Transmetodológica.
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Diálogos e convergências A pesquisa teórica em comunicação não é muito comum na área de comunicação na América Latina, apesar das classificações escolares e administrativas, que pretendem situar como teórica toda aquela produção que não entra nas lógicas profissionais utilitaristas, ainda que haja um conjunto de pesquisas sucitadoras do conhecimento científico na área (Maldonado, 2001; Fuentes, 1994). Se realizarmos um esforço de síntese de alguns aspectos de confluência com Martín Serrano, temos, sem dúvida, em primeiro lugar, a combinação das problemáticas teóricas em comunicação como parte do vasto campo das ciências sociais e, dentro delas, uma opção construtiva interdisciplinar que desenvolve o diálogo e o intercâmbio entre os campos científicos e as disciplinas na perspectiva de uma construção transdisciplinar. Nesse contexto epistêmico, situa-se o projeto de construção de uma concepção transmetodológica, que leva para o campo metodológico a problemática da reestruturação convergente do pensamento científico para a resolução de problemas sócio-históricos concretos em comunicação, ciências sociais e humanas. Em paralelo a Martín Serrano, coloca-se às ciências sociais um problema/objeto de conhecimento que se refere à necessidade de aperfeiçoar estratégias, lógicas e procedimentos de pesquisa, de acordo com as demandas da complexidade das sociedades capitalistas informatizadas e mediatizadas nos umbrais do século XXI. A teoria transmetodológica considera as metodologias como recursos fundamentais de conhecimento e para a produção de conhecimento, que realizam um papel mediador substancial entre a realidade de referência (objetos de referência) e uma das dimensões humanas por excelência: o conhecimento científico. Sem planos, projetos, programas, estratégias, táticas, propostas de enfoque, lógicas de operação e ação os conceitos não passam de operadores semânticos no jogo retórico. Por conseguinte, é necessário trabalhar na dimensão metodológica, dotando-a de riqueza vital (axiológica) e epistêmica para investigar o conjunto de métodos estruturados na história da ciência, na perspectiva de propôr confluências produtivas, inventivas e comprometidas com a transformação do mundo. A investigação metodológica exige a configuração de grupos de pesquisa que estudem, experimentem e entrem nas lógicas e experiências dos principais modelos. Exige, também, a construção de problemas concretos nos quais se exercite o
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conhecimento
transdisciplinar
e
se
desenhem
estratégias
e
procedimentos
multimetodológicos que gerem condições de confluência e reformulação metodológica. Na resolução periódica dos problemas de investigação, constata-se a necessidade crescente de estruturar problemáticas que incluam, em seus desenhos, métodos de diversas procedências (sociológicos, antropológicos, lingüísticos, psicológicos, semióticos, políticos, econômicos, históricos, axiológicos, matemáticos, biológicos, entre os principais). Os arranjos metodológicos que se constróem respeitam e consideram os métodos de origem, mas não os repetem ou os diminuem. O desafio de pesquisá-los em relação com as demandas do problema/objeto como mediadores cruciais que farão possível (ou não) a realização de pesquisas produtivas e a obtenção de informações e conhecimentos relevantes, nessa perspectiva convidamos Martín Serrano para, transportando sua reflexão sobre os mediadores/comunicacionais, decidilo para os mediadores/métodos: “Os Mediadores têm uma ativa participação na pesquisa do que acontece e na própria definição do que deve ser tido por acontecer (…) Existem performações de caráter cognitivo e cultural que configuram a delimitação comunicativa do tempo no qual acontecem as coisas que passam e do espaço aonde acontecem as coisas.” (Martín Serrano, 2004, 223)
Nestes tempos de transformação, nos quais observamos transformações profundas das configurações imediatamente passadas (somente comparar as realidades esapnhola e latino-americana de 1977 com as correspondentes a 2007), constatamos as mudanças significativas acontecidas nos campos da comunicação, da política, da sociedade e da cultura. Ao mesmo tempo, alegramo-nos ao reconhecer um pensamento forte que soube e sabe construir e reformular-se com vitalidade dialética do compromisso essencial com a humanidade, a vida, a solidariedade, a liberdade e a justiça.
REFERÊNCIAS BERGER, Meter; LUCKMANN, Thomas (2000). A construção social da realidade. Petrópolis/RJ: Vozes, 247p. COGO, Denise (2006). Mídia, interculturalidade e migrações contemporâneas. Rio de Janeiro: E-papers; Brasília: CSEM, 223p. FORD, Aníbal (1999). Navegações/comunicação, cultura e crise. Rio de Janeiro: UFRJ, 338p.
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FUENTES, Raúl (1994). “La investigación de la comunicación: ¿Hacia la posdisciplinariedad en ciencias sociales”, p. 221-243, in J. Lameiras; J. Galindo Medios y mediaciones/Los cambiantes sentidos de la dominación en México. LAMEIRAS, José; GALINDO, Jesús (1994). Medios y mediaciones: los cambiantes sentidos de la dominación en México. Tlaquepaque, Jal.: ITESO; El Colegio de Michoacán, 272p. MALDONADO, A. Efendy (2001). Teorias da comunicação na América Latina (...). São Leopoldo/RS: UNISINOS, 272p. -------------------------------------- (2006a). “Práxis teórico metodológica na pesquisa em comunicação: fundamentos, trilhas e saberes”, p.271-294, in A. Efendy Maldonado et. al., Metodologias de pesquisa em comunicação/Olhares trilhas e processos. Porto Alegre: Sulina, 294. --------------------------------------- (2006b). “Práxis reflexiva comunicacional e configurações sociais transformadoras” p.27-40, in D. Cogo & J. Maia, Comunicação para a cidadania. Rio de Janeiro: EUERJ, 188p. --------------------------------------- (2006c). “A midiatização das migrações contemporâneas na Espanha: interculturalidade, produção e recepção”, p. 135-158, in revista Media & Jornalismo, ano 5, número 8, primavera/verão 2006, Edições Minerva, Coimbra, 169p. ------------------------------------------ (2004). “América Latina, berço de transformação comunicacional no mundo”, p. 39-52, in J. M. Melo; M. C. Gobbi (org.) Pensamento comunicacional latino-americano/Da pesquisa denúncia ao pragmatismo utópico, Universidade Metodista de São Paulo, 351p. MARTÍN SERRANO, Manuel (2004). La producción social de la comunicación. 3ª ed. Madrid: Alianza Editorial, 253p. -------------------------------------- (1985). “La mediación de los medios de comunicación”, in M. de Moragas, Sociología de la comunicación de masas, Barcelona, Gustavo Gili, p.141-161. ----------------------------------------- (1982). Teoría de la Comunicación/ I. Epistemología y análisis de referencia. 2ª Ed. Madrid: A. Corazón, editor, 228p. --------------------------------------- (1978). La mediación social. 2 ª ed. Madrid: Akal, MARX, Karl (1987). Manuscritos econômico-filosóficos y outros textos escolhidos. 4ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 215p. MATTELART, Armand & Michèle (1987). Pensar sobre los medios/comunicación, cultura y crítica social. Madrid: FUNDESCO, 226p. MILLS, C. Wright (1995). La imaginación sociológica. Santiago/Chile: Fondo de Cultura Económica, 237p. PASQUALI, Antonio (1973). Sociologia e comunicação. Petrópolis/RJ: Vozes, 163p. VERÓN, Eliseo (1977). Ideologia, estrutura , comunicação. São Paulo: Cultrix, 234p.
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Do Audiovisual Europeu à Europa dos Cidadãos1 Francisco Rui Cádima2
Resumo Há uma “ideia de Europa” (G. Steiner), que deveria estar na base política da União Europeia, que não passa nas televisões europeias. Este texto procura fazer uma reflexão sobre as razões políticas e jurídicas dessa omissão – bem como de algumas das suas consequências –, desde a aprovação do Livro Verde e da Directiva do Audiovisual europeu nos anos 80. Palavras-chave Audiovisual – Directiva europeia – Televisão – Cultura - Cidadania Abstract There is an “Idea of Europe” (G. Steiner) that should be in the political basis of the European Union, but doesn’t appear in european television programmes. This article intends to think about those political and juridical reasons, and some consequences, essentially since the approval in the 80’s of the European Green Paper and the Audiovisual Directive. Key-words Audiovisual – European Directive – Television – Culture – Citizenship
“Para os EUA o comércio audiovisual é apenas um negócio, enquanto para os europeus é ao mesmo tempo um negócio e, quando é conveniente que o seja, uma questão cultural” Philip Schlesinger
Escrevemos estas notas precisamente no contexto da emergência da nova Directiva do audiovisual europeu, designada genericamente Directiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual»3. O texto da proposta da nova Directiva do audiovisual europeu, na sua justificação e objectivos, consagra agora, clara e explicitamente, a lógica económica do sistema – uma lógica “light touch” –, assim intitulada por Viviane Reding face a outra qualquer lógica, 1
Do livro “A Crise do Audiovisual Europeu – 20 Anos de Políticas Europeias em Análise”, de Francisco Rui Cádima, Formalpress, Colecção Media XXI, Lisboa, 2007. 2 Professor Associado com Agregação do Departamento de Ciências da Comunicação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa. Doutorado em Comunicação Social pela FCSH-UNL. 3 Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação audiovisuais (Directiva «Serviços de Comunicação Audiovisuais»).
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reconhecendo que “o mercado dos serviços televisivos europeus mudou radicalmente com a convergência das tecnologias e dos mercados” 4 e que com base nessa realidade importaria mudar o clausulado da Directiva TVSF, de 1989, revisto em 1997. Tal justificação seria reforçada com base no argumento da desadequação da oferta de conteúdos na era digital, por parte dos operadores tradicionais, face aos novos media existentes noutras plataformas, com serviços não lineares (a pedido) “que oferecem osmesmos conteúdos ou conteúdos semelhantes para meios audiovisuais, mas estão sujeitos a um quadro regulamentar diferente”5. Mas também com base no argumento do aumento da competitividade das empresas europeias. Neste sentido, destacam-se algumas ideias centrais no documento que, em geral, diz pretender (i) simplificar o quadro regulamentar da “radiodifusão”, flexibilizando o enquadramento da publicidade, (ii) introduzir regras mínimas para os “serviços de comunicação audiovisuais” não lineares, (iii) garantir o princípio da regulamentação pelo país de origem dos “serviços” difundidos para países terceiros, iv) garantindo também a neutralidade tecnológica, o que quer dizer que o que conta para efeitos legais é o conteúdo, independentemente do suporte de difusão. Particularmente em matéria de publicidade, os operadores, em vez de serem obrigados a respeitar o tradicional intervalo de 20 minutos entre pausas passam a escolher o momento que pretendem para a inserção da publicidade durante os programas. Filmes, programas infantis e noticiários apenas poderão ser interrompidos para publicidade uma vez por cada período de 35 minutos. Mas o limite de 20% de publicidade por hora continua a ser aplicável, excepto para telepromoções e televendas. Porém, o grande tema estratégico para a Europa, isto é, a questão da diversidade cultural, foi resolvido sem qualquer reflexão crítica e sem valoração qualitativa, neste registo: “O estudo sobre o impacto das medidas de promoção da distribuição e da produção de programas televisivos confirma que os artigos 4.º e 5.º da Directiva TVSF provaram ser um
4
Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 89/552/CEE do Conselho relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva, Bruxelas, 13.12.2005 COM(2005) 646 final, 2005/0260 (COD). http://www.europarl.europa.eu/meetdocs/2004_2009/documents/com/com_com(2005)0646_/com_com(2005)06 46_pt.pdf 5 Op cit, p.1. Este, um dos aspectos mais salientes da consulta pública que a Comissão lançou em 2003 com vista à revisão da Directiva 89/552/CEE, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 97/36/CE (Directiva «Televisão sem Fronteiras» (TVSF), que incluiu audições públicas e a referida consulta, depois reorganizada em “focus groups” sobre três grandes temáticas: i) o âmbito da futura regulamentação, ii) regras adequadas para a publicidade televisiva e iii) o direito à informação / resumos de transmissões.
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quadro satisfatório e estável para a promoção da produção europeia e independente e da diversidade cultural.”6 Segundo a nova directiva, as regras aplicáveis deixam de ser função da plataforma de entrega, para passar a ser função da natureza do serviço, sendo que só a futura regulamentação fará a distinção entre “serviços audiovisuais lineares ou de difusão televisiva, incluindo IPTV (televisão pela Internet), fluxo contínuo (streaming) ou difusão Web (web-casting), e, por outro, serviços não lineares, como os serviços de vídeo a pedido”7, embora não abrangendo actividades não económicas, como sítios Web privados. Estando, pois, este “light touch” vocacionado um tanto unilateralmente para as “mercadorias”, importa recordar algumas passagens da versão consolidada do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia. Aí se dizia8, no nº 1, que “A Comunidade contribui para o desenvolvimento das culturas dos Estados-Membros, respeitando a sua diversidade nacional e regional, e pondo simultaneamente em evidência o património cultural comum. No nº 2 do mesmo artigo referia-se: “A acção da Comunidade tem por objectivo incentivar a cooperação entre Estados-Membros e, se necessário, apoiar e completar a sua acção nos seguintes domínios: melhoria do conhecimento e da divulgação da cultura e da história dos povos europeus; (…) intercâmbios culturais não comerciais; criação artística e literária, incluindo o sector audiovisual.” Esta intencionalidade face à decisiva dimensão cultural da Comunidade é patente também no “Protocolo relativo ao serviço público de radiodifusão nos Estados‑Membros”9, onde se diz “que a radiodifusão de serviço público nos Estados-Membros se encontra directamente associada às necessidades de natureza democrática, social e cultural de cada sociedade, bem como à necessidade de preservar o pluralismo nos meios de comunicação social”. Texto que, curiosamente, surge sem esse preâmbulo específico no Protocolo (nº 32) relativo ao serviço público de radiodifusão nos Estados-Membros (1997)10, muito embora
6
Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 89/552/CEE do Conselho, op. cit., p. 10. Op. cit., p. 11. 8 TÍTULO XII – CULTURA Artigo 151.o (ex-título IX, ex-artigo 128ª) http://circa.europa.eu/irc/dsis/bmethods/info/data/new/ec_cons_treaty_pt.pdf 9 Jornal Oficial da União Europeia, C 310/372, de 16.12.2004 http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/oj/2004/c_310/c_31020041216pt03720372.pdf 7
10
Tratado que institui a Comunidade Europeia (Versão consolidada) - D. Protocolos anexos ao Tratado que institui a Comunidade Europeia - Protocolo (n.o 32) relativo ao serviço público de radiodifusão nos Estados-Membros (1997), Jornal Oficial nº C 321 E de 29/12/2006 p. 0313 – 0313 http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:12006E/PRO/32:PT:HTML
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surja citado até no Livro Verde da Convergência11: "O Tribunal de Justiça Europeu, num caso importante que envolveu o sector dos meios de comunicação social (“TV 10” TJCE 23/9 de 09.10.94), reconheceu que os objectivos da política cultural constituem objectivos de interesse público que um Estado-membro pode legitimamente almejar (…). O protocolo sobre esta matéria, que será anexado ao Tratado CE, com a alteração que lhe foi dada pelo Tratado de Amesterdão, realça o facto de o sistema de radiodifusão pública nos Estados-membros estar directamente relacionado com as necessidades democráticas, sociais e culturais de cada sociedade e com a necessidade de preservar o pluralismo nos meios de comunicação”. A questão, no fundo, é que a política audiovisual europeia tem dois pesos e duas medidas, sendo que a balança, em regra, em termos de “mercado” interno pende sempre para o “outro” lado. Repare-se no acordo do GATS ("General Agreement on Trade in Services" Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços) em que a União Europeia se defende, face ao exterior, considerando que o audiovisual “enquanto vector cultural e social, não pode ser considerado uma mercadoria como as outras e que o sector deve, pois, beneficiar de tratamento diferenciado no sistema comercial multilateral”. Repare-se na cláusula da “excepção cultural" em resultado das negociações do “Uruguai round” (1986-1994), em que a UE consegue conservar a isenção do sector audiovisual da cláusula da "nação mais favorecida", sendo que a sua argumentação no contexto do GATS lhe permitiu preservar e aplicar, aos níveis comunitário e nacional, políticas públicas de apoio ao audiovisual, que depois não cumpre no “mercado interno”, “esquecendo-se” em definitivo que o sector não é, justamente, “uma mercadoria como as outras”. Neste quadro, de pouco serve a adopção em Outubro de 2005, pela conferência geral da UNESCO, da "Convenção sobre a protecção e a promoção da diversidade das expressões culturais”, ratificada pela Comunidade Europeia em Dezembro de 2006. Dizia-se que a convenção, ao reconhecer a natureza específica das obras “audiovisuais” poderia servir de instrumento de referência para os Estados confrontados com pressões para liberalizem os seus sectores culturais, mas, no fundo, é isso mesmo que se verifica na prática, basta para tanto ver a prática dos serviços públicos de televisão dos Estados-membros, que de “diversidade cultural europeia”, designadamente no horário nobre das suas principais redes, pouco ou nada difundem. 11
Livro Verde da Convergência, COM(97)623, Bruxelas, 3 de Dezembro de 1997 http://www.anacom.pt/streaming/livroverde.pdf?categoryId=18043&contentId=26202&field=ATTACHED_FIL E
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Assim, o contexto decisivo de uma política europeia do audiovisual, designadamente em termos de audiovisual público, deve assentar, estratégica e prioritariamente, na diversidade cultural europeia como via essencial para a afirmação da ideia de Europa no plano interno, sobretudo através da difusão alargada e consistente do audiovisual Europeu nos Estados-membros, o que constituirá mais-valia decisiva para potenciar em seguida a disseminação desses conteúdos no plano externo. Ora o que sucede é justamente o contrário, como bem observava um relatório do Parlamento Europeu12 no seu nº 9, quando reconhece que “(…) as quotas de obras europeias são maioritariamente preenchidas por obras nacionais”, e que não há genericamente, nos aspectos vitais, um controlo adequado da adequação da programação dos operadores europeus à Directiva TVSF, e isto nas próprias avaliações da Comissão Europeia à aplicação dos artigos 4º e 5º da Directiva. Sobre estas e outras dualidades de critérios da burocracia de Bruxelas face à diversidade cultural europeia e sobre a “hipoteca” da ideia de Europa ao princípio da “mercadoria” (como as outras) que o audiovisual público europeu instituiu nas suas práticas, não esqueçamos, por fim, as doutas palavras de Roberto Barzanti, ex-vice presidente do Parlamento Europeu, que justamente sobre a avaliação por parte da CE do que decorre dos artigos 4 e 5 da Directiva TSF, reconhecia a falência da sua metodologia e da sua comparabilidade13: “i) O predomínio dos filmes e das ficções televisivas americanas continua a ser esmagadora, mesmo quando constatamos com satisfação que, nos grandes países, a ficção nacional recuperou a sua posição nas horas de maior audiência; ii) quando os canais preenchem as suas quotas, eles fazem-no geralmente com obras nacionais e não com obras de outros países europeus. Nesta perspectiva podemos questionar se dois dos objectivos principais de 1989 - a circulação europeia das obras e a recuperação da produção através da criação de um ‘segundo mercado’ – foram atingidos”. Não foram, naturalmente. No âmbito da indústria cinematográfica os problemas não são menores. Veja-se a análise de Miguel Ángel Casado14 que identificava ainda uma situação claramente negativa, vinte anos depois da primeira directiva do audiovisual europeu: "(...)É ingénuo pensar-se que com uma contribuição anual de 80 milhões de euros (o orçamento de algumas superproduções
12
Resolução do Parlamento Europeu sobre a aplicação dos artigos 4º e 5º da Directiva 89/552/CEE "Televisão sem Fronteiras", com a redacção que foi dada pela Directiva 97/36/CE, para o período de 2001-2002 (2004/2236(INI)) http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P6-TA-20050322+0+DOC+XML+V0//PT 13 Roberto Barzanti, «Les défis de la transparence dans le secteur audiovisuel», Strasbourg, 17 Janvier 2003 : http://www.obs.coe.int/about/oea/barzanti.pdf.fr 14 Miguel Ángel Casado, "El impacto del Programa Media", TELOS nº 70 (enero-marzo 2007).
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das majors) um programa possa ter um impacto efectivo sobre as indústrias de 25 países que produzam 700 filmes por ano”. Esta reflexão15 é assim uma visão crítica da evolução do audiovisual europeu ao longo dos últimos vinte anos (sensivelmente no período de 1987 a 2007), procurando identificar-se ao longo da obra algumas razões de um impasse e de uma demissão institucional face ao elevados valores da cultura europeia que teimam em não emergir, sobretudo no audiovisual público europeu, que é, como se sabe, tutelado pelos Estados-membros e, também, por muito que não pareça, pela própria União Europeia. Fica assim evidente que a nova Directiva reforça a tendência de alienação do princípio de que o audiovisual europeu não é, de facto, uma “mercadoria como as outras”, e só mostrando que o não é poderá fazer consistentemente o seu caminho. Ora não é essa, como se vê e tem visto ao longo destes últimos vinte anos, o desígnio dos fazedores de política de Bruxelas. Diluir a diversidade no mercado é o programa que se mantém e se reforça com a nova directiva. Mas, mais do que isso, este programa é um epitáfio da própria Europa enquanto cultura-mosaico da diversidade. Assim, a recente aprovação da revisão de 2007 da Directiva do Audiovisual europeu, designada, portanto, Directiva dos "Serviços de Comunicação Social Audiovisual", mantém em aberto um debate fundamental para os cidadãos europeus em torno da importância das políticas públicas do campo dos media – e em particular da televisão –, como base estruturante da consolidação do projecto democrático europeu. Esta questão, que, naturalmente, deveria ter sido o centro da reforma da política audiovisual europeia, fica assim uma vez mais adiada, pelo que mantém toda a actualidade e urgência uma reflexão alargada em torno da questão normativa e da sua adequação ao projecto de cidadania que se subentende ser o projecto da “grande casa europeia” – o único que, afinal, fará algum sentido. O discurso institucional de que "a nova directiva (…) permitirá ao sector audiovisual enfrentar as profundas mudanças com que se confronta, de modo a adaptar-se à evolução tecnológica e do mercado, assim como às alterações dos hábitos dos telespectadores resultantes da convergência”16 garantindo “uma protecção sistemática de valores europeus fundamentais”17, necessita assim de uma apertada vigilância pela cidadania, dada a sua 15
Referimo-nos ao livro de que faz parte este capítulo. “Comissão saúda o início de uma nova era nos meios audiovisuais europeus”, http://www.europa.eu/rapid/pressReleasesAction.do?reference=IP/07/1809&format=HTML&aged=0&language =PT&guiLanguage=en 17 Idem. 16
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evidente conflitualidade entre o projecto europeu, os direitos dos cidadãos e uma submissão estratégica à “flexipub” e ao “product placement”, que acabam por ser os temas centrais desta revisão. Convém começar por referir que, desde os anos 80, designadamente no plano das políticas europeias do audiovisual, a identidade cultural europeia sempre foi considerada e pensada na perspectiva “proteccionista” de produção e distribuição de conteúdos do audiovisual europeu face à presença claudicante dos fluxos de programas e filmes norteamericanos. Predominou assim, desde então, uma lógica de equilíbrios muito centralizada no plano económico e na balança comercial, face a objectivos mais complexos como o seriam certamente a questão das práticas e usos das políticas de comunicação e da cultura para a consecução de um projecto comum, ou seja, uma identidade cultural transnacional fundada na própria experiência da sua diversidade europeia, o que é seguramente o mais valioso património da Europa. A par disso, a retórica da “supranacionalidade” colidia, em regra, com crises de identidade específicas, não só no plano nacional, ou mesmo europeu, como sobretudo no plano local, “étnico”, comunitário, etc. Por exemplo, a unidade europeia em torno da “excepção cultural”, nas negociações do GATT, em 1993, foi uma prova disso mesmo, nomeadamente quando se percebia que por detrás da fachada da negociação internacional, decorria no quadro da CE a construção de um edifício paralelo e concorrente marcado por objectivos de concorrência industrial no sistema da “convergência” de media audiovisuais e telecomunicações (cf. relatório Bangemann, de 1994). Os americanos, neste campo, eram mais transparentes, até porque, como bem referia Philip Schlesinger, “a concepção oficial dominante de “americanidade” é uma imagem jurídico-política de colectividade, em vez de uma cultura nacional, não há propensão oficial para ver a cultura mediática como um objecto de política que confira identidade nacional”18, de facto, como se estivéssemos em presença de dois modelos, isto é, uma identidade assente nas culturas nacionais, outra baseada no fundamento jurídico-político e constitucional. O certo é que no pós-GATT, a Europa passa a recentrar o seu discurso já não na lógica do espaço audiovisual europeu e na questão da experiência cultural, histórica e política da Europa, mas antes numa estratégia industrial de convergência, direccionada para o mercado, 18
Philip Schlesinger, “Da protecção cultural à cultura política: media policy e a União Europeia”, Tendências XXI, nº 2, Setembro de 1997, APDC, Lisboa, p. 207.
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num contexto de aproximação à era digital, que então se anunciava. Sendo que, importa sublinhar, não é com o novo modelo do “utilizador/pagador” de qualquer novo sistema “pay per view”, que está garantido o princípio identitário, ou tão somente o princípio participativo. O quadro europeu era extremamente crítico nessa, em meados dos anos 90. Perdas da ordem dos 50% em salas de cinema e cerca de 2/3 do público num período de uma década. Era evidente que as políticas europeias do audiovisual não tinham produzido resultados. De facto, se nos anos 80/90 o cinema europeu não conseguia ultrapassar os mercados nacionais – e mesmo nestes penetrava com alguma dificuldade -, a partir de finais dos anos 90 fenómeno idêntico sucede com a produção de televisão, que cresce nalguns casos significativamente, mas não deixa de ficar refém também dos seus mercados nacionais. A questão é que a então emergente cultura da “convergência” não era mais do que um argumento industrial e de mercado, que progressivamente ia levantando enormes dúvidas sobre a sua difícil compatibilização com a ideia de Europa, a identidade e a cidadania europeia, o pluralismo e a diversidade cultural. A verdade é que produzir nacional para os mercados locais/nacionais não tem impactos no desenvolvimento da indústria no plano do “grande mercado” interno. E os apoios comunitários e nacionais ao sector acabam por não ter qualquer repercussão nos mercados dos Estados-membros. E o grave é que desde o Livro Verde de 1984 que, nesta matéria, os problemas se mantêm e agravaram mesmo em matéria de reposicionamento dos conteúdos europeus no mercado interno, em primeiro lugar, e depois no contexto da globalização. Aqui, temos que concordar com Schlesinger quando refere que “a cultura tende a funcionar como uma categoria residual na tendência dominante do europensamento”19. E voltamos à questão central: qualquer menorização da história e da cultura de diversidade da grande casa europeia, mesmo que feita em benefício do tal ciclo virtuoso da tecnologia e do mercado, terá más consequências. E começa por tê-las, obviamente, no sistema audiovisual europeu, que, curiosamente, nunca teve sequer uma dimensão de acesso como historicamente sucedeu nos EUA e no Canadá. Mas pense-se o caso europeu, ainda à luz da proposta de Schlesinger 20: “A ‘nação televisiva’ é selectiva, e como os media podem ser encarados como um veículo importante para construir um sentido de colectividade de um dado grupo, a questão do acesso adequado torna-se de importância decisiva”. Naturalmente que centrais são aqui, também, os conceitos de serviço público, de pluralismo e cidadania, de construção democrática, insusceptíveis de qualquer concepção 19 20
Idem, p. 210. Ibidem, p. 212.
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redutora, mais ou menos mercantilizadora, mais ou menos “tecno” ou mesmo “digital”, como é comum perceber-se quando se trata de questões de migração para o digital. Daí que pensar a Televisão (e as suas alternativas) agora no contexto da TDT, significa, desde logo, manter e aprofundar a reflexão sobre as características específicas dos canais de TV, por muito que a multiplicidade da oferta e a diversidade de plataformas queiram eventualmente conduzir a uma certa indiferença ou mesmo alheamento face aos conteúdos produzidos e difundidos pelos sistemas de radiodifusão hertziana, analógicos e digitais. O facto é que as plataformas se diversificam, os modos de recepção também, mas as características intrínsecas dos conteúdos (discursos, formatos, fluxos, etc.), não acompanham essa evolução, acabando por se reproduzir nos novos sistemas de distribuição. Em termos da UE, um dos grandes problemas do audiovisual prende-se com a patente negação da “ideia de Europa” e da diversidade cultural europeia, sobretudo atendendo ao facto de o sistema de quotas de programas europeus (Directiva TVSF) estar a ser preenchido essencialmente, anos a fio, com produções nacionais. Este facto é extremamente crítico para o reforço da unidade europeia na diversidade, uma vez que não estão a ser criados modelos de reconhecimento da identidade europeia no seu espaço próprio, no seu espaço de excelência, nomeadamente nas televisões públicas dos Estados-Membros. Bem pelo contrário, institucionalizam-se nesses canais públicos modelos de programação comercial que em muito pouco – ou nada – diferem da oferta dos operadores privados. Na perspectiva da CE existe agora uma “oportunidade única” de se reutilizar uma das partes mais valiosas do espectro de radiofrequências para a oferta de serviços convergentes, combinando telefonia móvel e radiodifusão terrestre, e para outros novos serviços de comunicações electrónicas transfronteiras e pan-europeus. Importa sublinhar, no entanto, as eventuais necessidades específicas locais, regionais ou nacionais, de forma a proteger desigualdades de acesso aos media audiovisuais. Pelo que, à partida, deveria ficar salvaguardada a possibilidade de a maioria das frequências libertadas ficar adstrita prioritariamente ao audiovisual, garantindo-se o princípio estratégico – e a especificidade cultural, social e económica de longo prazo. Face à expansão da capacidade da rede, importa haver não só uma regulação atenta, por forma a evitar o risco de resultados menos favoráveis para os cidadãos e os consumidores,
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mas também uma adequação rigorosa às políticas e programas dinamizadores da SI e do Conhecimento (i2010; e-Europe; eContentplus). Isto porque há um muito relevante interesse público nos usos dessas novas capacidades da plataforma TDT e das valências que podem vir a ser criadas através desse processo. E é óbvio que esse interesse público específico, nesta matéria, nem sempre estará perfeitamente alinhado com o interesse de todas as partes. E garantir que o processo de transição seja liderado pela oferta de serviços e não se cinja a uma simples mudança de infra-estrutura sem qualquer valor acrescentado aparente para os cidadãos, sendo que as políticas públicas devem apontar a oferta de conteúdos como forma de salvaguardar a diversidade e a difusão da informação de interesse público. Por fim, relembrar o velho Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, no qual a UE defendeu nos acordos externos aquilo que parece não querer cumprir nos mercados internos: justamente que “o audiovisual enquanto vector cultural e social, não pode ser considerado uma mercadoria como as outras”. Isto, naturalmente, se quisermos salvaguardar os princípios da legitimidade e da identidade, no fundo, aqueles que determinarão, ou não, a futura consecução do projecto europeu, agora no novo contexto da migração para o digital. É neste sentido que há um longo e decisivo trabalho a fazer de forma a reconduzir a actual Directiva ao seu campo próprio, que é essencialmente o da Europa dos cidadãos e da diversidade cultural europeia.
Referências bibliográficas BARZANTI, Roberto, «Les défis de la transparence dans le secteur audiovisuel», Strasbourg, 17 Janvier 2003 : http://www.obs.coe.int/about/oea/barzanti.pdf.fr BATZ, Jean-Claude, L’ audiovisual européen : un enjeu de civilisation, Atlantica-Séguier, Paris, 2005. CÁDIMA, Francisco Rui, A Televisão ‘Light’ Rumo ao Digital, Formalpress, Lisboa, 2006. CASADO, Miguel Ángel, "El impacto del Programa Media", Revista TELOS, nº 70, (eneromarzo 2007), Fundación Telefonica, Madrid. SCHLESINGER, Philip, “Da protecção cultural à cultura política: media policy e a União Europeia”, Tendências XXI, nº 2, Setembro de 1997, APDC, Lisboa.
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Televisión de pago a la italiana1 David Fernández Quijada2
Resumen La introducción de la TDT está modificando la estructura del mercado televisivo italiano. En este artículo se repasa la oferta actual de televisión de pago en la TDT italiana, configurada como una popularización de este servicio audiovisual de carácter tradicionalmente elitista. Se analiza la posición de los actores y su política sobre contenidos premium y los resultados se interpretan en función de su aplicabilidad en España, país en el que hay abierto un debate al respecto. Los resultados desmitifican parte de los argumentos esgrimidos por los grupos interesados y ponen de manifiesto algunas de las condiciones de mercado necesarias para la implantación de este servicio, así como la necesidad de controlar los contenidos clave para un desarrollo exitoso. Palabras clave TDT, televisión de pago, derechos audiovisuales, estructura del sistema audiovisual.
Resumo A introdução da TDT está a modificar a estrutura do mercado televisivo italiano. Neste artigo revisita-se a oferta actual de televisão paga na TDT italiana, configurada como uma popularização deste produto audiovisual de caráter tradicionalmente elitista. Analisa-se a postura dos atores e suas políticas sobre conteúdos premium. Os resultados analisam-se em função da sua aplicabilidade em Espanha, onde o debate já teve início. Os resultados dismistificam parte dos argumentos esgrimidos pelos grupos interessados e apresentam algumas condições do mercado necessárias para a implementação deste serviço, assim como a necessidade de controlar os conteúdos chave para um desenvolvimento com sucesso. Palavras-chave TDT, televisão paga, direitos audiovisuais, estrutura do sistema audiovisual,
Abstract The introduction of DTT is modifying the structure of the Italian TV market. In this paper we review the pay-TV offer on Italian DTT, which has become a popular version of this 1
La investigación cuyos resultados se presentan en este artículo forma parte del proyecto Televisión interactiva en el entorno cross media: tipología de la oferta, los contenidos, los formatos y los servicios emergentes (SEJ2006-11245), financiado por el Ministerio de Educación y Ciencia español dentro del Plan Nacional I+D+I. El autor desea agradecer las explicaciones y aclaraciones realizadas por parte de Giovanni Ballocca (DTTLab/CSP, Turín), Fausto Colombo (Osservatorio sulla Comunicazione/Università Cattolica del Sacro Cuore, Milán) y Andrea Michelozzi (Comunicare Digitale, Barcelona). 2 Doctor en Comunicación Audiovisual por la Universitat Autònoma de Barcelona (UAB). Profesor ayudante doctor del Departamento de Comunicación Audiovisual y Publicidad de la UAB e investigador del Grup de Recerca en Imatge, So i Síntesi (GRISS). E-mail: david.fernandez@uab.es.
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audiovisual service usually seen as an elitist one. We analyze the position of the different players involved and their policies on premium content. Results are compared with the situation in Spain, a similar market that has recently opened the debate on pay-DTT. As a conclusion, some of the arguments put forward by interested parts in the Spanish debate are refuted. Besides, results also show some of the conditions reclaimed by the market as well as the necessity to control key contents in order to become successful. Keywords DTT, pay-TV, TV rights, audiovisual system structure.
En los últimos meses, la actualidad de la televisión digital terrestre (TDT) en España ha venido marcada por la intención de algunos actores de introducir un sistema de pago por visión3 en un mercado que hasta ahora se había configurado, por ley, como de libre acceso. El objetivo de contribuir a este debate, que también es de interés en Latinoamérica debido a su proceso definitorio de los modelos de implantación de la TDT, es el que persigue el presente texto mediante la aportación de la experiencia italiana en la TDT de pago. El caso italiano ofrece seguramente el marco más parecido a lo que se plantea para el mercado español por las similitudes culturales entre ambos países, una estructura de mercado semejante en cuanto a número de operadores y la penetración todavía limitada de la televisión de pago.
1.- Un mercado en transición La transición de la transmisión hertziana analógica a la digital fue vista en Italia como una oportunidad para romper el duopolio que mantenían la pública RAI y la privada Mediaset, cada una con tres canales de ámbito nacional. En el reparto de concesiones de la TDT, RAI y Mediaset mantuvieron su equilibrio, con dos multiplex enteros para cada una. Además, se les unió el gigante Telecom Italia con su división Telecom Italia Media, también con dos multiplex, el Gruppo Editoriale L’Espresso y DFree, una sociedad controlada por el banquero tunecino Tarek Ben Ammar, antiguo miembro del consejo de administración de Mediaset. 3
En el momento de escribir estas líneas se habían presentado dos sistemas alternativos, uno que utiliza el sistema de acceso condicional KeyFly y otro que se basa en el modelo previo de Suecia, Finlandia o Italia, Dahlia TV. Para el primero véase “Mediapro ensaya un sistema para ofrecer contenidos de pago en TDT”, El Mundo, 22 de octubre de 2007 [http://www.elmundo.es/elmundo/2007/10/22/comunicacion/1193062339.html] (consultada el 28 de febrero de 2008). Para el segundo se puede consultar “Nace una plataforma para comercializar productos de pago por la TDT”, El Mundo, 5 de noviembre de 2007 [http://www.elmundo.es/elmundo/2007/11/05/comunicacion/1194295224.html] (consultada el 28 de febrero de 2008).
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Como se puede comprobar, el equilibrio que no se mantuvo fue entre el servicio público de gestión directa y los servicios comerciales. En la actualidad, no obstante, la ruptura nominal del duopolio corre el riesgo de convertirse en una dualidad entre las plataformas de pago que aglutinan los contenidos de mayor calidad y la oferta en abierto (Padovani, 2007). Y en ello juega un papel central el sistema de televisión de pago implantado en la TDT. En 2004, la ley 112 de 3 de mayo4, conocida como Ley Gasparri, abrió la puerta a los sistemas de pago en la TDT a unos operadores entre los que se encontraba Mediaset, el grupo controlado por el entonces primer ministro Silvio Berlusconi5. La oferta de Mediaset, mediante su filial RTI, se vehicula a través de una doble vía: • Un servicio pay per channel denominado Premium Gallery y basado en las producciones de ficción. Lanzado el 19 de enero de 2008, este mini-bouquet de canales incluye Joy (definido como un canal familiar), Mya (canal femenino) y Steel (canal para hombres de 20 a 40 años), con versiones “+1”, esto es, repetición de la misma programación con una hora de retraso. En su oferta de lanzamiento, el abono mensual costaba 8€. • Un servicio de pay per view, que contempla tres tipos de contenidos: o Premium Calcio: el fútbol de la primera división italiana, la Serie A, y de la Liga de Campeones. El consumo de estos partidos se realiza a través de alguno de los siete canales Premium Calcio con que cuenta Mediaset en uno de sus multiplex. o Premium Extra 1: un canal de 24 horas del Grande Fratello que emite Canale 5 y que fuera de la temporada de este reality-game puede incluir otros contenidos. o Premium Extra 2: concentrado en la ficción, básicamente películas.
4
Legge 3 maggio 2004, n. 112, Norme di principio in materia di assetto del sistema radiotelevisivo e della RAIRadiotelevisione italiana Spa, nonché delega al Governo per l’emanazione del testo unico della radiotelevisione, Gazzetta Ufficiale n. 104 del 5 maggio 2004 Supplemento Ordinario n. 82 [http://www.camera.it/parlam/leggi/04112l.htm]. 5 Desde mayo de 2008 Berlusconi vuelve a ocupar este cargo, de manera que nuevamente se ponen de manifiesto las dudas sobre la falta de pluralismo del panorama televisivo italiano al controlar las principales cadenas privadas y, a través de su cargo, ejercer influencia sobre la televisión pública.
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Esta oferta se puede adquirir flexiblemente a través de todas las combinaciones imaginables de los diferentes paquetes, con una escala de precios en cuyo nivel superior se halla el fútbol. El coste de los partidos era a inicios de 2008 de 6€, mientras que las películas oscilaban entre 2 y 4€. No es Mediaset, no obstante, el único operador que ha aprovechado la situación para ofrecer televisión de pago sobre TDT. En competencia con esta oferta, los consumidores italianos también pueden encontrar la de Telecom Italia Media, que a través de sus dos multiplex ofrece hasta siete canales de La7 Cartapiù dedicados a los dibujos animados, la ficción y, principalmente, el fútbol, tanto de la liga italiana como de competiciones internacionales. El precio de los partidos de la Serie A italiana es de 6€ en directo y de 2€ en redifusión posterior, aunque también existen paquetes de partidos por meses o por campeonatos completos para equipos concretos, con un precio que oscilaba, a inicios de 2008, entre los 19 y los 39€. El resto de contenidos tiene un precio variable: 1€ los capítulos de series, 2€ los de dibujos animados y entre 2 y 3€ las películas. Como se puede comprobar, la oferta de pago de la TDT italiana se basa en el contenido más atractivo en términos de audiencias, el fútbol. La regulación sobre derechos de retransmisión de este deporte en Italia permite la emisión de los partidos con el control sobre los derechos audiovisuales del equipo local, a diferencia del caso español, donde es necesario el control de los derechos de ambos equipos. En Italia ello ha dado lugar a una oferta doble: por un lado, los derechos de los equipos más fuertes del campeonato están en manos de Mediaset (Milán, Inter, Roma, Juventus, etc.), mientras que los derechos de equipos más modestos están en poder de Telecom Italia Media (Fiorentina, Sampdoria, Palermo, Catania, Cagliari o Reggina). De esta manera, en función del equipo del que uno sea seguidor, deberá inclinarse por una u otra oferta, ya que tan sólo unos pocos partidos están disponibles simultáneamente en ambos servicios. Estos derechos son independientes de la oferta por satélite, controlada por Sky (grupo News Corp.), que también ofrece un servicio de pago por visión que además se replica a través de algunos operadores de IPTV. El pago por visión en la TDT se articula como una televisión de pago low cost o de bajo coste (DGTV, 2007), una versión light del efecto club que busca este tipo de televisión, así como una rebaja de su exclusividad y elitismo. Esta aparente “popularización” de la televisión de pago se ve facilitada por un nuevo sistema introducido para la adquisición de contenidos: las tarjetas de prepago. Se pueden adquirir en estancos y grandes almacenes, entre otros puntos de venta, y funcionan igual que el sistema de prepago popularizado por la
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telefonía móvil en un país que cuenta con una de las mayores tasas de penetración de esta tecnología en el mundo, el 140% en 2007 (AGCOM, 2007). Un aspecto importante a señalar es que esta televisión de pago se articula también sobre la base de una utilización dinámica del espectro radioeléctrico. Por ejemplo, durante la jornada de Liga italiana o de Liga de Campeones de fútbol, al coincidir diversos partidos que se ofrecen en pago por visión simultáneamente en un mismo multiplex, el resto de canales del multiplex deja de funcionar para dejar el ancho de banda necesario a la transmisión televisiva, privilegiando de esta manera el poder adquisitivo de unos pocos sobre el visionado gratuito de la mayoría. 2.- Mucho ruido y pocos ingresos El italiano es un mercado algo mayor que el español por el tamaño del país y el volumen de negocio que generan las actividades televisivas, casi 8.000 millones de € en el año 2006. La mayor parte de estos ingresos los genera la RAI. Entre los operadores comerciales, las cadenas de Berlusconi son las de mayor volumen de negocio, aunque su posición se encuentra amenazada por el espectacular crecimiento de Sky, el monopolio de la televisión de pago por satélite, un actor clave en un país en el que no existen operadores de cable y cuyos actores de IPTV todavía juegan un papel muy minoritario. Ingresos de los operadores televisivos en Italia (2006, millones de €) Operadores
Publicidad
Pago
Canon
Venta de programas
TOTAL
RAI
1.133
-
1.491
26
2.650
RTI (Mediaset)
2.149
84
-
53
2.286
Sky Italia
128
2.030
-
31
2.190
Telecom Italia Media
129
10
-
22
162
Otros
372
97
-
22
491
3.911
2.221
1.491
154
7.778
TOTAL Fuente: AGCOM (2007).
A pesar de la novedad en términos cualitativos que representa el modelo italiano de TDT de pago, los resultados medidos en ingresos son todavía muy modestos. De hecho, más del 90% de los 2.222 millones de € que en 2006 generó la televisión de pago en Italia fueron a
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parar a la caja de Sky, el operador satelital. Los dos operadores de pago en TDT, Mediaset y Telecom Italia Media, se repartieron respectivamente 84 y 10 millones de €, poco más del 4% de este mercado. Unas cifras diminutas incluso para los ingresos de ambas compañías: el 3,67% para Mediaset y el 6,17% para Telecom Italia Media. Para el primero, una vigésimoquinta parte de sus ingresos publicitarios. En todo caso, habrá que seguir la evolución de las cifras, ya que a finales de 2006, año a que hacen referencia los datos, se habían vendido algo menos de 3 millones de set-top box, una cifra que un año después había aumentado aproximadamente en otro millón. Obviamente, conforme se avance hacia el apagón analógico y aumente el mercado de receptores, los ingresos de estos operadores tenderán a aumentar.
3.- Lecciones para el caso español La extrapolación del caso italiano a España ofrece algunas claves que pueden ayudar a entender los “qués” y los “porqués” del debate que se ha abierto. También puede ayudar a derribar algunos mitos. Por ejemplo, a corto plazo no parece que la oferta de pago en la plataforma terrestre afecte negativamente a los resultados de los operadores de otras plataformas que replican el mismo contenido, básicamente el satélite, cuya situación de mercado en España es similar a la italiana. Otra cuestión es saber qué pasaría bajo un régimen de exclusividad para la TDT de algunos derechos clave, como el fútbol. Este escenario no parece viable económicamente en España ni en Italia al menos a corto plazo. En este último país, Sky aumentó sus ingresos alrededor del 20% entre 2005 y 2006, ofreciendo los mismos contenidos y mejorando la oferta a través de servicios añadidos como la alta definición. Tras el posible cambio de modelo en la TDT española se halla la explotación de los derechos audiovisuales del fútbol que se disputan dos de los mayores grupos de comunicación del país, Sogecable y Mediapro, con una inversión valorada en varios miles de millones de euros. Por otro lado, el lanzamiento de una oferta de pago en la TDT italiana contaba con una componente infraestructural importante: el parque de receptores digitales huye de los zapper (receptores cuya única función es la de sintonización, sin ninguna capacidad avanzada) y está conformado en su mayor parte por equipos interactivos con lectores de tarjetas inteligentes. Los indicadores oficiales (Impulsa TDT, 2007) señalan que una cifra insignificante de los receptores vendidos en España son interactivos (menos del 1%), y de éstos poquísimos, si alguno, incorporan un lector de tarjetas que ahora mismo no tiene ningún uso.
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En el campo del coste para el usuario, se desmorona, al menos a partir del ejemplo italiano, el argumento usado en España sobre un coste mínimo de los partidos de fútbol en pago por visión a través de la TDT, cifrado entre 1 y 2€6 (actualmente, a través del satélite un partido cuesta 11,99€). En Italia, sin régimen de exclusividad, el coste se sitúa bastante por encima, unos 6€ a través de los dos servicios de pago de la TDT (Sky no ofrece la posibilidad de comprar un único partido sino que el usuario debe abonarse a alguno de los diversos paquetes disponibles), por lo que desde el punto de vista de beneficio para el consumidor esta justificación pierde peso. Detrás de todas estas cifras se esconde, además, la dificultad de delimitar el servicio público (tanto de gestión directa como indirecta) en el contexto digital, tanto en el caso italiano como en el español. En el caso italiano, además, se observa el privilegio que adquiere la televisión de pago sobre la gratuita, que llega a la situación de preferencia en la ocupación del espectro radioeléctrico cuando se da la posibilidad de explotación de un recurso limitado en el tiempo como los partidos de fútbol. Al final, tras tantas claves tecnológicas presentes en el debate (transmisión digital, receptores interactivos, tarjetas inteligentes, etc.), el control sobre los contenidos atractivos, básicamente el fútbol, acabará determinando la posición de los actores en el nuevo escenario digital, ya que éste es el auténtico recurso escaso de la industria televisiva.
Bibliografía AGCOM (2007): Relazione annuale sull’attività svolta e sui programmi di lavoro, Roma: Autorità per la garanzie nelle comunicazioni [http://www.agcom.it/rel_07/index.htm]. DGTV (2007): Il futuro è chiaro. Secondo rapporto sulla televisione digitale terrestre in Europa, [Roma]: Associazione italiana per lo sviluppo del Digitale Televisivo Terrestre. [http://www.dgtvi.it/stat/Allegati/Secondo%20Rapporto%20sulla%20Televisione%20Digitale %20Terrestre%20%20in%20Europa%20%20.pdf]. Impulsa TDT (2007): Evolución del mercado de sintonizadores TDT en España, [Madrid]: Impulsa TDT. [http://www.impulsatdt.es/pdf/IT-sintonizador.pdf]. Padovani, Cinzia (2007): ”Digital television in Italy: from duopoly to ‘duality’”, Javnost-The Public, 14(1), p. 57-74. 6
“Partidos de fútbol a 1 euro gracias a la TDT”, Sport, 1 de noviembre de 2007 [http://www.sport.es/default.asp?idpublicacio_PK=44&idnoticia_PK=459731&idseccio_PK=805] (consultada el 28 de febrero de 2008).
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Mercados de televisão latino-americano e europeu: serviço público e mudanças recentes
Entrevista con Luis A. Albornoz: “Una televisión pública concebida como espacio estratégico para la construcción de un espacio audiovisual iberoamericano debe dar acceso a los ciudadanos a las producciones tanto de los propios creadores brasileños como de los creadores andinos, ibéricos o sudamericanos” Por César Ricardo Siqueira Bolaño** y Valério Cruz Brittos***
Luis A. Albornoz é professor da Universidade Carlos III de Madri e presidente da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (Ulepicc). Tendo se dedicado ao longo de 13 anos a pesquisas na área das políticas de comunicação, economia das indústrias culturais e convergência tecnológica, Albornoz nos fala, aqui nesta entrevista, da importância da televisão na construção da identidade e na economia da sociedade, avançando no debate do negócio lucrativo e uso político da televisão. Ele coloca em pauta o caráter público da televisão na América Latina e defende a ruptura com a atual lógica dominante, no sentido de criar organismos de gestão democrática, além de regras e protocolos de atuação. Luis Albornoz discute ainda as mudanças mais recentes no âmbito da TV européia, desde as questões políticas e culturais e fontes de financiamento até a situação da TV pública espanhola frente às mudanças tecnológicas, com a implantação do sistema digital. Albornoz ressalta que o espaço audiovisual ibero-americano deve fomentar a diversidade de expressões e que os gestores da rede pública de televisão no Brasil têm a responsabilidade de pensar o audiovisual de forma integral e definir que tipo de relação terá a TV com a Internet e a telefonia móvel.
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Professor na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Jornalista pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). *** Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação (FACOM) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Presidente do Capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura (ULEPICC-Brasil). Bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
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1) O que pode e deve representar uma rede de televisão pública em mercados de televisão como os latino-americanos, tradicionalmente dominados, de um modo geral, por redes e lógicas privadas? L.A.: Vivimos tiempos de paradojas. La televisión es el medio hegemónico por excelencia en América Latina. Cerca de cien millones de hogares están conectados a este medio, siendo para muchos ciudadanos latinoamericanos su principal fuente de información y entretenimiento. Sin embargo, frente a la importancia indiscutible que ha alcanzado la televisión -tanto en la construcción identitaria como en la economía de nuestras sociedades- se alzan voces que denuncian la mediocridad, homogeneización e hipercomercialización de muchos operadores privados. Aquellas empresas que controlan los diferentes soportes de la televisión latinoamericana (ondas hertzianas, cable, satélite) entienden que ésta es, fundamentalmente, un negocio: un medio por el cual rentabilizar un capital invertido. Los índices desarrollados tempranamente por el sistema televisivo estadounidense, rating y share, son elementos claves que determinan las relaciones de los operadores televisivos tanto con las agencias de publicidad/centrales de medios y los anunciantes como con los telespectadores. Además, lamentablemente sobran ejemplos en la región, el medio televisivo muchas veces ha sido empleado como plataforma de intervención político-ideológica. Es decir, a partir de una visión eminentemente instrumentalista, se concibe a la televisión como un instrumento a través del cual “operar” en la realidad social. Por otra parte, el más de medio siglo del medio televisivo en el subcontinente nos deja numerosas experiencias nefastas de emisoras en manos gubernamentales. Dictaduras militares y gobiernos electos a través del voto ciudadano han sucumbido a la fascinación de convertir las emisoras en “correas de transmisión” del poder político. En este contexto poco halagüeño, una televisión de titularidad y carácter público en América Latina debe plantearse como ruptura histórica y alternativa a la actual lógica dominante. Ciudadanía y servicio público son dos conceptos estrechamente relacionados, éste último no tendría sentido sin la existencia del sujeto ciudadano. En este sentido, si el modelo de televisión en abierto comercial considera al telespectador en calidad de consumidor y la televisión codificada de pago lo interpela en calidad de cliente, una televisión pública tiene su razón de ser en los telespectadores-
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ciudadanos, un conjunto heterogéneo con diferentes intereses y necesidades a nivel informativo, educativo y de entretenimiento. Es nuestra responsabilidad interrogarnos acerca de la misión de una televisión pública en el seno de sociedades democrático-capitalistas. Esto involucra la definición de aspectos de diversa índole interrelacionados entre sí: políticoculturales (profundización de la democracia, fortalecimiento de la diversidad cultural), económicos (fuentes de financiación suficientes, estables y transparentes), técnicos (acceso al conjunto poblacional), de contenidos (fomento de la rigurosidad, la participación y la calidad) o de gestión (eficiente, eficaz y transparente), por citar sólo algunos. Entre los defensores de la existencia de medios de comunicación públicos existe consenso acerca de la necesidad de que éstos sean independientes, participativos y de alta calidad. El difícil desafío al que se enfrenta cualquier sociedad -con valores políticos, sociales y culturales en un proceso de transmutación siempre abierto- es el de transformar estos principios rectores de la actuación de un sistema público de televisión en órganos de gestión democráticos y parámetros, reglas y protocolos de actuación. La respuesta a este desafío puede provenir de una intensa negociación a tres bandas entre gestores de medios, creadores y profesionales del audiovisual y los telespectadores-ciudadanos. Finalmente, permítame señalar que respecto a la relación entre sistema público de televisión y poder político, un aspecto siempre delicado, hago propias las palabras del investigador venezolano Antonio Pasquali, quien en el encuentro de la Unión Latinoamericana y Caribeña de Radiodifusión (ULCRA) en Guadalajara en 1986, instó a distinguir entre “servicio público” y “servicio gubernamental”: “Se trata de términos antagónicos, ya que una radiodifusión de servicio público es tal sólo si disfruta de doble independencia: tanto respecto del poder económico como del poder político”.
2) Qual a situação da TV européia, no que se refere ao serviço público e às mudanças mais recentes? L.A.: En los años ochenta, el ingreso de operadores privados a los sistemas nacionales de televisión hertziana, dando paso a inéditos sistemas competitivos (con la excepción de Gran Bretaña), junto a la implantación de televisiones de pago (con marcadas diferencias nacionales), propiciaron una etapa de crisis de las televisiones de titularidad pública y estatal. Los motivos de estas transformaciones del audiovisual europeo y sus consecuencias fueron variados y complejos, como lúcidamente han analizado académicos del viejo continente
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ligados a la perspectiva de la economía política de la comunicación. En paralelo a aquellos cambios, en Europa se ha dado una transformación de hondo calado en los discursos oficiales y académicos en relación al “servicio público” de radiodifusión. Si bien no existe una única definición sobre este complejo concepto, en mi opinión se ha dado una doble reducción de lo que se entiende por servicio público. En primer lugar, si en sus orígenes la consideración de servicio público se refería al funcionamiento integral del sistema televisivo, por ende todo aquel que poseía permiso para explotar una frecuencia radioeléctrica era prestatario del servicio público, hoy es clara la división entre operadores de titularidad pública y privada: unos operadores y otros, pese a explotar un mismo recurso natural y escaso, no comparten los mismos derechos y obligaciones. En segundo lugar, en los últimos años se escuchan voces que pretenden diferenciar al interior de las rejillas de programación de las televisiones públicas entre “programas de servicio público” y programas comerciales. Mientras los primeros podrían financiarse a través de dinero público, los segundos lo harían a través del mercado publicitario. Se trata de una separación entre contenidos televisivos inédita y, a todas luces, polémica. Actualmente la situación de las televisiones públicas en Europa occidental es variopinta. Las estructuras audiovisuales y las tradiciones históricas, políticas y culturales de cada país en las cuales han impactado los procesos de cambio han contribuido a la definición de estos paisajes singulares. Si nos detenemos a observar las principales fuentes de financiación de las televisiones públicas podemos darnos una idea: mientras en Gran Bretaña, Alemania o los Países Nórdicos un impuesto directo sobre aquellos que poseen un televisor -canon- continúa siendo la principal fuente de financiación; las emisoras públicas de Irlanda o Austria reciben dineros provenientes tanto del canon como del mercado publicitario; por su parte, en Portugal y España, países donde no existe el canon, las subvenciones estatales que reciben los operadores están ligadas a la firma de contratos-programa.
3) Considerando as mudanças mais recentes, inclusive a implantação da TV digital, como avalia a TV publica espanhola? L.A.: Respecto a la situación española me parece reseñable el “Informe para la reforma de los medios de comunicación de titularidad del Estado”, encargado durante el primer Gobierno de Rodríguez Zapatero (PSOE, 2004-2008) a un consejo de intelectuales y publicado en febrero de 2005. Este informe, referido a la televisión y radio pública nacional y a la agencia de
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noticias EFE, revisa las bases legales, doctrina y jurisprudencia que conforman la base del modelo de radiotelevisión pública europea y aboga por la necesaria y urgente reforma de los medios públicos españoles. Si bien las propuestas de intervención pública han sido pensadas para un contexto particular, el español, estimo que pueden servir de norte para el mosaico de sociedades que conforman el espacio iberoamericano. Lamentablemente hasta el momento la prometida reforma del sistema televisivo ha quedado a mitad de camino… En el haber del Gobierno debe apuntarse el impulso a la Ley de la Radio y la Televisión de Titularidad del Estado, aprobada en mayo de 2006. En el debe encontramos la falta de una autoridad audiovisual independiente, una anomalía en el contexto de la Unión Europea, y la sanción de una Ley General del Audiovisual que organice el conjunto del sector al servicio de los ciudadanos. En el terreno digital, pese a que aún falta mucho camino por recorrer, no faltan iniciativas. La actual oferta de Televisión Española (TVE) está conformada por cinco canales gratuitos que llegan a todo el país: a sus dos emisoras generalistas, La Primera y La 2, hacia finales de 2005 se sumaron los canales digitales Teledeporte, Canal 24 Horas (noticias) y Clan TVE (infantil). De cara al futuro TVE prevé aumentar su presencia en el escenario digital. El pasado mes de julio se dio a conocer el Contrato-Programa 2008-2010 aprobado por el Consejo de Administración de la Corporación Radio Televisión Española (RTVE) y acordado con el actual Gobierno. Según este documento, TVE se compromete a emitir en 2010, año en que supuestamente tendrá lugar el “apagón analógico” en España, programación a través de ocho canales, uno de éstos será de alta definición. Estas emisiones se podrán sintonizar gratuitamente a través de la televisión digital terrestre y, en algunos casos, mediante satélite y cable. La oferta televisiva se complementará con las seis emisiones de Radio Nacional de España (RNE) y las programaciones de la Orquesta y Corto de RTVE y del Instituto Oficial de RTVE. Asimismo, RTVE renovó recientemente (mayo de 2008) su sitio web apostando por una mayor presencia de contenidos informativos y páginas dedicadas a los programas más destacados. Se destaca el servicio “TVE a la carta” que brinda la posibilidad de visionar, durante el transcurso de una semana, contenidos producidos para las señales La Primera y La 2 después de tres horas de haber sido originalmente emitidos.
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4) Como pensa um modelo de programação de uma rede pública de televisão generalista no Brasil e na América Latina? L.A.: La calidad de los contenidos, base de todo modelo de cualquier tipo de programación – ya sea de corte generalista o temática – es fundamental para la supervivencia y el éxito de una televisión pública. En este aspecto los desafíos son múltiples. En primer lugar, no creo en una televisión pública marginal, que sólo logre concitar la atención de un sector de la población. Tampoco en una televisión dedicada a la emisión de determinados tipos de programas, formatos o géneros. Me interesa una televisión pública atractiva capaz de “informar, educar y entretener” – como reza el clásico lema de la British Broadcasting Corporation (BBC) – que tenga la capacidad de conectar con los diferentes gustos, sensibilidades y necesidades de los distintos segmentos poblacionales. Una televisión que logre el equilibrio entre programas de alta demanda y programas de nicho que apuesten por temáticas novedosas y por lo experimental a nivel estético. En segundo lugar, la televisión pública debe ser baluarte de la diversidad cultural a partir de la emisión de contenidos de nuevos creadores audiovisuales y de la producción realizada por las empresas pequeñas y medianas del sector. Asimismo, en su defensa y promoción de la diversidad cultural, la televisión pública debe estar al servicio de las diferentes sensibilidades regionales. En este sentido, la programación puede llegar a ser un espacio de expresión y de (re)conocimiento del “otro”. Por otra parte, no debemos olvidar que las industrias del audiovisual presentan un alto grado de internacionalización. A nivel iberoamericano (América Latina más la Península Ibérica) tenemos un grave problema: las producciones audiovisuales no circulan (o lo hacen con un alarmante grado de dificultad) al interior de nuestros países ni entre nuestros países. Esto se debe a que nuestros sistemas audiovisuales de exhibición/emisión están saturados por productos manufacturados y distribuidos principalmente por conglomerados cuyas casas centrales están radicadas en Estados Unidos. Al margen de la reconocida calidad de algunas de estas producciones, entiendo que la existencia de una televisión pública es una oportunidad para intentar cambiar, aunque sea parcialmente, esta situación; fomentando, de hecho, la diversidad de expresiones audiovisuales. Una televisión pública concebida como espacio estratégico para la construcción de un espacio audiovisual iberoamericano debe dar acceso a
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los ciudadanos a las producciones tanto de los propios creadores brasileños como de los creadores andinos, ibéricos o sudamericanos. Por último, los gestores de una televisión pública tienen la responsabilidad no sólo de elaborar un determinado modelo de programación, sino que en el actual contexto digital es preciso desarrollar estrategias que garanticen la presencia de ésta y de sus contenidos en las novedosas redes y soportes digitales. Si bien el punto de partida puede ser el establecimiento de una red pública de televisión generalista, es necesario pensar el audiovisual de forma integral y definir qué tipo de relación asumirá esa institución con la red internet, la telefonía móvil o el sector de los videojuegos.
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TV pública, políticas de comunicação e democratização: movimentos conjunturais e mudança estrutural César Ricardo Siqueira Bolaño1 Valério Cruz Brittos2 Resumo: O trabalho apresenta resumidamente, primeiro, os principais movimentos conjunturais referentes à política nacional de comunicação em 2007. Em segundo lugar, aponta-se que, se a criação da TV Brasil representa um avanço, sua consolidação depende de mudanças estruturais profundas, no sentido da democratização do sistema brasileiro de televisão no seu conjunto. Desta forma, finalmente, com base numa breve caracterização daquele sistema, são feitas, como contribuição ao debate, algumas sugestões a respeito do modelo de televisão mais adequado para o país.
Palavras-Chave: Economia Política da Comunicação; Políticas de Comunicação; Comunicação e Capitalismo.
Abstract: This article presents briefly, first, the most influent conjuctural movements about national politics of communication in 2007. In second place, it appoints that, if the creation of TV Brasil represents a step forward, its consolidation depends on deep structural changes, to the democratization of the Brazilian system of television in its conjunct. This way, finally, based on a brief characterization of that system, are made, as contribution to the dialog, some suggestions about the model of digital television most appropriated to the country.
Keywords: Political Economy of Communication; Communication Policies; Communication and Capitalism.
Introdução 1
Professor no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) e no Departamento de Economia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: <bolano@ufs.br>. 2 Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail: <val.bri@terra.com.br>.
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A partir de uma breve apresentação dos principais movimentos conjunturais referentes à política nacional de comunicação em 2007, o presente trabalho procura mostrar que a criação da TV Brasil, embora represente, em si, um avanço democrático na organização da mídia no país, não elimina a necessidade de mudanças estruturais profundas, no sentido da democratização do sistema brasileiro de televisão no seu conjunto, constituído num momento histórico ultrapassado, seja do ponto de vista político, seja do próprio desenvolvimento tecnológico e econômico geral e, especialmente, do campo das comunicações. O debate nacional em torno das políticas públicas de comunicação, embora muitas vezes intenso, não logrou até o momento mudar a equação do poder montada nos idos do regime militar, à diferença do que ocorreu com outros países, em que o processo de democratização se traduziu em uma mudança estrutural profunda na área da mídia. A criação de uma TV pública nacional pode ser um elemento importante nesse sentido, mas para tal deve ser pensada em termos mais amplos do que aqueles tradicionais na regulação do sistema no Brasil. Ainda que os movimentos atuais da parte do Governo brasileiro não inspirem otimismo, o debate está de alguma forma posto e, assim sendo, opta-se por apresentar aqui, a título de conclusão, uma pequena contribuição, apresentando algumas sugestões a respeito do modelo de televisão que se julga mais adequado para o país.
Movimentos conjunturais na área das políticas de comunicação em 2007 O debate em torno das políticas de comunicação no Brasil em 2007 culminou em 2 de dezembro, com o lançamento simultâneo da TV digital, em São Paulo inicialmente, e de uma televisão pública ligada ao governo federal, que representa a culminância de um debate iniciado com o 1º Fórum Nacional de TVs Públicas, convocado pelo Ministério da Cultura e realizado no mesmo ano. No entanto, como é habitual no país, isso ocorreu sem que houvesse um debate verdadeiro, pois as indústrias culturais, agentes diretamente atingidos pela medida, atuaram em favor de seus próprios interesses, não esclarecendo devidamente a população sobre a proposta governamental, o papel de uma TV pública e como tem se processado a experiência internacional. Assim surgiu a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), de economia mista, ligada ao governo federal, criada para gerir as emissoras de rádio e televisão públicas federais, inclusive a TV Brasil, que envolve a TV Nacional (Brasília), a TVE Rio de Janeiro, a TVE do Maranhão e a TV Brasil São Paulo, além de sítio informativo na internet. Podem participar
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desta rede pública emissoras que se comprometam com um projeto de gestão em que conste um conselho curador não governamental e outras obrigações, como pluralidade jornalística. A TV Aperipê, controlada pelo Governo do Estado de Sergipe, foi a primeira a afiliar-se a esta rede. A EBC tem uma diretoria executiva profissional, sendo suas operações supervisionadas pelo Conselho Curador, composto por 20 membros, dos quais 15 representantes da sociedade civil, quatro do Governo (através dos Ministérios da Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Comunicação Social) e um de seus funcionários. O problema é que os conselheiros representantes da sociedade civil são indicados pelo presidente da República, ficando comprometida sua independência. Este sistema descontentou a sociedade civil, que pretendia ela própria indicar seus representantes, a partir de suas entidades. Conforme a Medida Provisória 398, cabe ao Conselho Curador aprovar a linha editorial de produção e programação da emissora, podendo, por deliberação da maioria absoluta, inclusive emitir voto de desconfiança à diretoria ou a um diretor responsável pela faixa de programação considerada inadequada.3 O presidente da República também nomeia o diretor-presidente e o diretor-geral da EBC. A televisão digital terrestre, por sua vez, estreou, com muito mais publicidade, mas cercada de um mar de dúvidas, no mesmo dia do lançamento da TV Brasil, para os poucos telespectadores da Grande São Paulo, detentores dos caros equipamentos que permitem a captação do sinal digitalizado e sem interatividade (não havendo transmissão desse tipo de conteúdo, nem softwares com tal recurso, nos conversores). Acrescente-se a isso que poucos programas vêm sendo transmitidos em alta definição, com exceção da Rede TV!, que, na segunda quinzena de janeiro de 2008, anunciou a transmissão de toda a grade nesta modalidade. A TV Globo encontra-se em fase adiantada de digitalização na área de produção, desde antes do início da transmissão digital, mas, exceto alguns poucos ensaios de conteúdo em alta definição, em regra suas experiências anteriores envolveram realização digitalizada de programas na resolução padrão. Ainda que de modo próprio, atualmente todas as redes vêm desenvolvendo estratégias de digitalização de seus estúdios e arquivos.
3
BRASIL. Projeto de lei n° 29, de 5 de fevereiro de 2007. Dispõe sobre a organização e exploração das atividades de comunicação social eletrônica e dá outras providências. Portal da Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/internet/deputados/chamadaExterna.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/d eputado/dep_detalhe.asp?id=528081>. Acesso em: 8 jan. 2008.
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O Governo já anunciou a concessão, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de financiamento a radiodifusores, para digitalização das redes de emissoras e retransmissoras. O SBT já tomou R$ 9 milhões em financiamento subsidiado junto ao BNDES para trocar todos seus transmissores. O Banco também liberou linha de crédito para fomentar a compra de conversores, pela população. Os conversores foram lançados (no final de novembro 2007, praticamente às vésperas da estréia da televisão digital) por preços variando entre R$ 496,00 e R$ 1.096,00, o que ultrapassa significativamente a previsão inicial.4 Miro Teixeira, quando estava à frente do Ministério, previa que o conversor ficaria entre US$ 50 e US$ 100.5 Hoje já é possível encontrar no mercado versões custando até R$ 199,00. A combinação preços elevados, falta de conteúdos diferenciados e ausência de interatividade desafia o futuro da TVD no país. Um terceiro tema, no entanto, mais importante, passou completamente despercebido do grande público: o de uma Lei de Comunicação Social que, na verdade, segue uma discussão bem anterior. Remete ao debate em torno de uma proposta de Lei Geral de Comunicação Eletrônica de Massa (LGCEM), prometida desde a ruptura do velho Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), de 1962, com a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), em 1997. Durante o primeiro Governo Lula, o Ministério da Cultura acabou protagonizando a retomada, em 2005, no rescaldo do tumulto provocado pela proposta de criação da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (ANCINAV), em 2004 – ela também fruto da retomada de uma promessa de 2000 não cumprida pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, quando criou a Agência Nacional do Cinema (ANCINE) –, da discussão em torno da idéia de uma Lei Geral de Comunicação de Massa (LGCM), que acabou , em fevereiro de 2007, nas mãos do ministro das Comunicações, Hélio Costa, depois de passar incólume pela Casa Civil da Presidência da República.6 A interpretação deste último movimento, em fevereiro de 2007, era a seguinte: O próprio retorno, pelas mãos do ministro Hélio Costa, do debate em torno da LGCEM sinaliza não apenas, como disse, a retomada da iniciativa pelo MINICOM na disputa com o MinC, o qual tem se colocado, ao longo do Governo Lula, na defesa de antigas propostas dos progressistas, mas também da necessidade de dar uma resposta às pressões das empresas transnacionais 4
MARSOLA, C. Lojas financiam conversores de TV em até 25 vezes. O Globo Online, Rio de Janeiro, 7 dez. 2007. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2007/12/06/327487069.asp>. Acesso em: 12 dez. 2007. 5 TV DIGITAL brasileira terá R$ 80 milhões. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 nov. 2003. 6 BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério Cruz. A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes. São Paulo: Paulus, 2007. p. 86.
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do setor de telecomunicações, hoje solidamente constituídas no país e com interesses claros sobre o audiovisual [... o] Estado não pode fugir à sua função de organizar e institucionalizar os compromissos tácitos e estratégicos entre os atores privados hegemônicos.7
Do ponto de vista dos agentes privados hegemônicos, a questão está profundamente vinculada ao debate parlamentar acerca da participação estrangeira na propriedade de empresas de mídia.8 Muito diferente, portanto, da perspectiva dos setores progressistas vinculados aos movimentos pela democratização das comunicações, que vêem no debate sobre a Lei de Comunicação Social uma possibilidade concreta de avanço democrático. Para estes, é estratégica a proposta de uma Conferência Nacional de Comunicação, para debater o sistema brasileiro comunicacional e suas perspectivas, visando à definição de uma política pública democrática e inclusiva. Um projeto nesse sentido foi proposto pela XIII Plenária do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), realizada em outubro de 2006, tendo obtido, em 2007, o apoio do partido do presidente da República, o PT. Inicialmente prevista para agosto de 2007, agora a expectativa é que seja realizada em 2008, repercutindo sobre a agenda social do país, nesse sentido influenciando o próprio projeto de Lei de Comunicação Social Eletrônica e os rumos da televisão digital, ao abordar questões centrais do mercado midiático brasileiro, como a concentração da propriedade e a falta de controle público. O Ministério das Comunicações (Minicom) está envolvido no processo, que, contudo, não tem o aval dos radiodifusores, cuja hegemonia no interior dessa pasta é muito forte, historicamente e, sobretudo, hoje. O adiamento da Conferência, como o da Lei de Comunicação Social, segue uma tendência histórica da produção legislativa nacional na matéria, que não se alterou até o momento, durante o Governo Lula da Silva. Em abril de 2007, o Governo criou uma nova Comissão Interministerial – formada pelas pastas das Comunicações, Casa Civil, Cultura e Educação – para tratar do projeto de lei, prometido, em meados de 2006, pelo ministro Hélio Costa, para fevereiro de 2007. Mas, até o início de 2008, nada havia sido enviado ao Congresso Nacional, apesar da necessidade crescente de aprovação de alguma lei tratando de comunicação massiva, diante das alterações por que vem passando o país e a mídia em particular, inclusive pela entrada da TV digital. 7
BOLAÑO, César. Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil? São Paulo: Paulus, 2007. p. 107. O embate parlamentar atual em torno da participação estrangeira na propriedade de empresas de comunicação teve início em fevereiro de 2007, com a apresentação à Câmara de um projeto de lei do deputado Paulo.
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TV pública e mudança estrutural O problema é que o debate em torno da criação de uma televisão pública no Brasil adquiriu, desde o início, um viés indesejado para os que vêem na iniciativa uma possibilidade de avanço na democratização dos meios de comunicação, concluindo finalmente o movimento iniciado com o fim do regime militar. Para entender a questão, é preciso dizer, antes de tudo, que o Brasil conta, desde o início da década de 70 do século XX, com um sistema público estatal de televisão educativa, atingindo praticamente todo o território nacional, constituído por emissoras ligadas, na sua maioria, aos governos estaduais – com algumas poucas ligadas às universidades federais públicas presentes no respectivo estado da Federação, como é o caso no da TV educativa de Pernambuco. Trata-se de uma criação do regime militar instaurado no Brasil a partir de 1964, que optou por manter o sistema comercial privado, apoiando fortemente a sua concentração em torno da Rede Globo de Televisão, fenômeno amplamente discutido pela literatura acadêmica,9 mas não abriu mão do controle de uma rede pública estatal, criada, no entanto, de forma a manter-se sem capacidade de competir com as redes privadas – que cumpriam a contento a função de propaganda do regime –, mas, ao contrário, para funcionar em sintonia com o sistema comercial. Assim, o Decreto-Lei 263/67, que cria o sistema educativo, proíbe terminantemente, em seu artigo 13, a publicidade, de acordo com os interesses dos radiodifusores privados, ao mesmo tempo em que lhe dá a seguinte definição: “a televisão educativa se destinará à divulgação de programas educacionais mediante a transmissão de aulas, conferências, palestras e debates”.10 Assim, além das limitações de ordem econômica, fazendo-as depender basicamente dos recursos orçamentários destinados pelos governos estaduais – tolhendo sua autonomia financeira e colocando-as na esfera de ação da política local –, a própria definição das suas funções restringe “brutalmente as suas possibilidades de ação, tanto em aspectos 9
A presença da Rede Globo na sociedade brasileira, sua influência e o processo de concentração que ela expressa são exaustivamente tratados em BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César. (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005. O mercado brasileiro de televisão em sua evolução histórico-econômico está em BOLAÑO, César. Mercado brasileiro de televisão. São Paulo: Educ, 2004. Já os movimentos atuais da TV no país, na passagem do sistema analógico para o digital, estão em BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério Cruz. A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes. São Paulo: Paulus, 2007. 10 BRASIL. Projeto de lei n° 29, de 5 de fevereiro de 2007. op. cit.
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formais quanto de conteúdo. A partir dos anos 80, a publicidade começa a ser introduzida, sob o conceito de patrocínio, mas a norma referida, de 1967, não se altera”.11 A atuação principal desse sistema público estatal se daria, de início, através da produção e difusão de vídeo aulas (Telecurso), destinado ao ensino massivo de adultos, em aliança com a Rede Globo de Televisão (de 1978), financiadas pelas federações da indústria e do comércio e monitoradas pelo Ministério da Educação. Essa programação existe até hoje e é transmitida em aberto pela Globo e pelas emissoras estatais em determinados horários, fazendo parte do sistema nacional de ensino à distância, com um padrão tecno-estético12 próprio bem estabelecido e considerado de qualidade excelente. Esse padrão se desenvolverá, ao longo dos anos, muito além do restritivo projeto inicial, dando à TV Cultura de São Paulo, por exemplo, uma imagem de marca extremamente forte junto à população, sem que isso se traduzisse, não obstante, em índices de audiência mais significativos, salvo, em certos momentos, principalmente junto ao público infantil de mais tenra idade. É interessante notar, por outro lado, que instituições envolvidas na parceria com o sistema estatal brasileiro, acabaram por criar, nos anos 90, canais culturais e educativos próprios, como o do sistema SESC/SENAC, transmitido via cabo ou satélite. Foi estabelecida também, com os mesmos parceiros e outros, de porte internacional, um projeto liderado pelas Organizações Globo, a TV Futura, de caráter educativo, transmitida via cabo e satélite, podendo ser recebida também através de uma antena parabólica comum, como qualquer emissora aberta, em todo o território nacional. Assim, o sistema privado se beneficia hoje da existência desse padrão tecno-estético desenvolvido em parceria com o Estado nacional. Quanto às TV públicas, elas se viram beneficiadas, a partir de meados dos anos 80, pela possibilidade então aberta de acesso a recursos publicitários através do sistema de patrocínio. Essas emissoras sempre formaram uma rede nacional aberta, cuja cabeça era a TVE do Rio de Janeiro, a qual recebia conteúdo das emissoras de cada um dos estados brasileiros e oferecia uma programação nacional, retransmitida para toda a rede. No entanto, ao contrário do que acontece com o sistema comercial privado, cada emissora estatal sempre teve a liberdade de transmitir toda ou parte da programação nacional, preenchendo o resto da sua grade com produção própria ou de qualquer outra origem.
11
12
BOLAÑO, César, op. cit., p. 16.
Sobre o conceito, BOLAÑO, César. Indústria cultural, informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec, 2000. p. 233.
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Isso fez com que, no início do ano 2000, acabasse por se formar no país uma segunda opção de programação nacional, oferecida pela TV Cultura de São Paulo, a maior produtora do sistema, de modo que o país chegou a contar efetivamente com duas redes nacionais públicas, oferecendo programação educativa e cultural, internacionalmente reconhecida como de excelente qualidade, formando um padrão de produção próprio e distinto do modelo comercial. Na cidade de São Paulo, por exemplo, as duas programações podiam ser acessadas, pois, além da TV Cultura, era possível receber o sinal da TVE do Rio de Janeiro, transmitida, através da faixa de UHF (ultra high frequency, freqüência ultra alta), a partir de São Bernardo do Campo. Além desse sistema estatal mais antigo, é importante destacar a existência, em decorrência da Lei da TV a Cabo, de 1995, de um conjunto de emissoras comunitárias e universitárias e de vários canais públicos ligados aos poderes Legislativo e Judiciário, inclusive em nível estadual e local, que em pouco tempo conquistaram legitimidade enquanto instrumento imprescindível de accountability (a prestação de contas dos órgãos públicos). As televisões universitárias via cabo, por sua vez, em apenas cinco anos, desde a promulgação da lei, chegaram a formar uma rede nacional. Assim como os poucos canais comunitários, surgidos também em função da referida lei, sua competitividade no interior do sistema brasileiro de televisão é extremamente reduzida, seja pela limitação de recursos (financeiros e humanos), decorrente da falta de uma política industrial nacional para o audiovisual, seja porque a legislação as reduz ao gueto da Lei do Cabo (e não à TV por assinatura como um todo, já que os benefícios desta não foram estendidos aos sistemas de DTH – direct to home – e MMDS – Multichannel Multipoint Distribution Service).13 Mais que isso: todo esse conjunto de emissoras é uma anomalia no interior da indústria da televisão fechada, cuja lógica da exclusão pelo preço é radicalmente distinta daquela da TV aberta, de massa e universal, dominada no país pelo oligopólio privado, mesmo depois da ampliação do espectro para a faixa de UHF, com a exceção dos canais públicos estatais. A lógica dos canais legislativos e judiciários, de accountability, é obviamente a de televisão de massa aberta de serviço público. Mas, mesmo as emissoras universitárias e comunitárias, inclusive os canais privados locais (que acabaram se desenvolvendo também no interior dos sistemas de televisão paga, segundo uma lógica 13
Para aprofundamento da Lei do Cabo e sua especificidade no panorama televisual brasileiro, ver BRITTOS, Valério Cruz. Recepção e TV a cabo: a força da cultura local. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2001.
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essencialmente publicitária), dificilmente poderiam ser classificados como televisão fechada, ainda que segmentada. Sua inclusão no pacote básico obrigatório da TV a cabo deveria dar-se a mesmo título do das redes comerciais. O que há, portanto, é um panorama extremamente complexo, em que se articulam interesses públicos e privados, diferentes formas de financiamento e modelos de produção, o que não foi até o momento devidamente estudado, mas, seguramente, apresenta as mais variadas distorções em relação aos padrões mais elevados de organização dos sistemas nacionais de televisão em países democráticos. Trata-se, em essência, de uma forte herança do modelo implantado à época do regime militar, acrescido da referida anomalia de emissoras de vocação aberta e de serviço público, inclusive aquelas que deveriam ser classificadas como de publicidade obrigatória dos atos do poder público, os chamados canais institucionais, como as TVs Senado, Câmara e Justiça, postas decididamente fora do lugar. Tudo de acordo com uma única regra: a reserva do mercado de televisão aberta e do bolo publicitário para o oligopólio privado da TV comercial, cuja função, no regime militar, foi de propaganda. Com a mudança de regime, essa função propagandística da televisão comercial transformou-se num problema de difícil solução para a completa democratização do país. Isto porque, ao longo do tempo, o oligopólio televisivo foi sendo construído de forma extremamente concentrada, em paralelo à constituição do público, dando-lhe, e especialmente à empresa líder, um poder de lobby e de manipulação mais do que conhecido, inaceitável segundo padrões internacionais. Assim, inexistem no país um sistema de regulamentação liberal, do tipo norte-americano, ou europeu, de sistema misto, visando contornar o poder de agendamento de que a grande mídia privada dispõe. Ramos desenvolve bem esse tópico: Ou serviço público ou interesse público fortemente regulado – eis as características principais dos ambientes normativos da mídia nos países capitalistas centrais; características que têm sido modificadas ao longo dos anos, em especial depois do advento do regime de acumulação neoliberal no final dos anos 1970. Mas nem as liberalizações, privatizações e reregulamentações desse período, na Europa e nos Estados Unidos, deram às suas empresas de mídia, às de radiodifusão em particular, a liberdade comercial que sempre desfrutaram no Brasil.14
Esse é o substrato institucional do poder de manipulação da Rede Globo de Televisão no Brasil e, conseqüentemente, do seu poder de lobby. Nas palavras de Ramos: “o poder da Globo sobre a política e os políticos no Brasil, portanto, decorreu sempre muito mais da falta 14
RAMOS, M. C. A força de um aparelho privado de hegemonia. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 66.
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de um ambiente normativo claro e específico do que das ações de um empresário em particular”.15 Trata-se, portanto, de um problema de ordem estrutural e é assim que se deve pensar a proposta de constituição de um novo sistema público televisivo, mesmo que o próprio Governo que o propôs não o tenha deixado claro, procurando, ao contrário, evitar o debate efetivo em torno do projeto.
Esboço de uma proposta a título de conclusão Duas possibilidades estão postas: (a) a manutenção do modelo atual, com um setor público mais centralizado, ligado de alguma forma ao Poder Executivo (independentemente do grau de autonomia que ele venha a ter em relação ao governo, problema da maior relevância, mas de outra ordem); ou (b) a constituição de um novo modelo, misto, mais ou menos como o europeu. O primeiro caso é a reafirmação do projeto cultural do regime militar, relativamente mitigado, com um setor comercial hegemônico, estruturado sobre a base do sistema de concessões e afiliações, com alta capacidade de manipulação e poder de lobby e de agendamento político e cultural. O segundo caso, menos provável, é também menos previsível, visto que se trata de uma construção nova, dependente das idas e vindas da luta política e da correlação de forças em cada momento do processo. Um princípio que pode ser tomado como consensual é aquele constitucional da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal, mesmo que as definições de cada um desses conceitos ainda não existam, nos termos da lei, sendo elas parte justamente do processo anteriormente. Mas esta seria matéria para outro trabalho. Em todo caso, pode-se partir dos seguintes princípios: a) O sistema privado não se pode eximir das obrigações de serviço público, visto tratar-se de concessão pública, exigindo, no caso dos países plenamente democráticos, contratos de concessão, cadernos de encargos e controle público sobre os conteúdos, de modo a evitar as distorções conhecidas no mercado brasileiro: censura privada e manipulação.16 15
Sobre a Globo e sua atuação sobre a eleição presidencial de 2007, BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério Cruz. Blogosfera, espaço público e campo jornalístico: o caso das eleições presidenciais brasileiras de 2006. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO, 2007, Aracaju. Anais... Aracaju: SBPJor, 2007. 1 CD.
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Nesse sentido, Simões dá o tom da importância do controle social dos conteúdos midiáticos, vendido como
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b) O sistema público estatal deve submeter-se também a formas democráticas de controle público, evitando concentração de poder e uso político dos meios. c) O sistema público não estatal, entendido provisoriamente como comunitário, universitário e outros sem fim lucrativo, assim como o estatal, deve atuar excluído da lógica da publicidade comercial, salvo as exceções conhecidas de patrocínio cultural, conforme regulamentação específica.
Tendo em vista que as necessidades do sistema público não estatal, não lucrativo, devem ser preenchidas, de alguma forma, pelo Estado, não diferindo, em essência, daquelas do público estatal (financiamento e qualificação técnica),17 pode-se pensar num modelo constituído, à moda européia, no seu conjunto por dois setores (público e comercial). Do ponto de vista da complementaridade, à produção regional, independente e plural, deve-se garantir direito de acesso à antena, tanto no sistema privado, quanto no público. No primeiro caso, trata-se da regulamentação de um setor de mercado. É preciso criar uma normatização, a partir, por exemplo, do Projeto de Lei 256, da ex-deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), em tramitação no Congresso Nacional desde 1991, que regulamenta o parágrafo III do artigo 221 da Constituição Federal. No segundo caso, o acesso pode estar definido na própria estrutura do sistema, o que contribuirá para racionalizar a política de qualificação e dar competitividade ao conjunto do setor público. Assim, pode-se pensar, como na Europa, em um sistema público constituído por três redes nacionais, a saber: a) Um primeiro canal centralizado, à maneira do que parece virá a ser a recém criada TV Brasil, com capacidade de concorrer pela liderança de audiência em nível nacional. Um canal deste tipo deveria propor-se a conquistar uma participação de 30% da audiência nacional (share).
censura pelo discurso dos próprios radiodifusores, que, embora não o digam, o que defendem é o controle privado, ou seja, aquele que exercem no dia a dia de seus negócios: “Diante desse quadro, cabe insistir sempre que o controle social da telinha nada tem a ver com censura. Não se trata de reduzir ou coibir a liberdade, mas sim notar que tal liberdade não pode continuar sendo exercida por poucos privilegiados, basicamente em função do capital financeiro de que dispõem, e que, portanto, constitui um dispositivo de controle desses poucos sobre o grande público”. SIMÕES, Inimá. A nossa TV brasileira: por um controle social da televisão. São Paulo: Senac, 2004. p. 118. 17
Assim, o setor público estatal e o não estatal, bem como a produção regional e independente, devem contar com formas de financiamento não publicitário, o que exige uma política pública abrangente, parte de uma política industrial para o audiovisual, que garanta tanto a “exceção cultural” quanto a competitividade sistêmica do país na área.
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b) Um segundo canal mais segmentado – que poderia ser definido em nível estadual, como as atuais emissoras educativas, mas com o mesmo elevado grau de autonomia financeira e de gestão pensada para a primeira TV e dispondo de mecanismos semelhantes de controle público. Teria por objetivo algo em torno de 15% de share diário, podendo disputar espaço com a primeira rede em determinados momentos, através de uma programação mais vinculada à cultura local. c) O terceiro canal totalmente descentralizado, com uma grade estruturada à base de produção local independente, muito próximo do que deveria ser uma TV comunitária. A coordenação da grade se daria, de um modo geral, em nível local, mas o conjunto das emissoras desse sistema se articularia em rede nacional, em determinados horários, de modo a permitir que toda a produção local pudesse atingir, em algum momento, a audiência nacional, como ocorre tradicionalmente com a televisão pública alemã, por exemplo. Em média poder-se-ia supor um share de 5%. Isto para a TV aberta, evidentemente. A pública também deve participar de alguma forma da televisão fechada, mas isso não será tão importante, no caso da consecução de uma proposta deste matiz. Se somados os índices propostos como objetivo para cada uma das três redes, tem-se participação em precisamente metade da audiência nacional, o que garante complementaridade e equilíbrio ao conjunto do sistema. Claro que, além dessas, permaneceriam, e com sinal aberto, as emissoras do Legislativo e do Judiciário, com a incumbência explícita de transmitir as sessões do plenário e das comissões das respectivas casas, cumprindo sua obrigação de publicidade, sem preocupação com índices de audiência. Também o Canal Brasil, criado para atender à exigência legal de divulgação do cinema brasileiro, deveria ser distribuído em aberto, assim como outros canais de utilidade pública (como de t-government e educação à distância – EAD) e de serviço eventual. É certo que o advento da TV digital pode servir a este propósito, na medida da ampliação do espectro que permite. Mas a proposta independe disso. Além disso, nas negociações em torno da reestruturação do sistema atual, visivelmente inadequado, seja do ponto de vista democrático, da competitividade sistêmica do país na área ou da preservação da diversidade cultural e da cultura brasileira, será preciso discutir o interesse nacional em manter determinado tipo de empresa atualmente em funcionamento, que prima pelo oferecimento de todo tipo de conteúdo religioso, tele-compras e programação de qualidade duvidosa.
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Não cabe, por certo, julgar aqui a programação das emissoras, mas é inegável que a sociedade brasileira deve dispor de mecanismos democráticos para tal, já que a própria homogeneidade da programação, que impera mesmo nas redes comerciais mais conhecidas, dadas as limitações do espectro – que se reproduzirão, aliás, em grande medida, na televisão digital, dada a solução a que se chegou, no Brasil, de deixar a decisão a respeito de sua utilização basicamente nas mãos dos atuais radiodifusores – representa uma censura estrutural a qualquer conteúdo divergente daqueles definidos pelos setores hegemônicos da comunicação social, que ainda detém o monopólio da fala no país. Referências bibliográficas BOLAÑO, César. Indústria cultural, informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec, 2000. BOLAÑO, César. Mercado brasileiro de televisão. São Paulo: Educ, 2004. BOLAÑO, César. Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil? São Paulo: Paulus, 2007. BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério Cruz. A televisão brasileira na era digital: exclusão, esfera pública e movimentos estruturantes. São Paulo: Paulus, 2007. BOLAÑO, César; BRITTOS, Valério Cruz. Blogosfera, espaço público e campo jornalístico: o caso das eleições presidenciais brasileiras de 2006. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO, 2007, Aracaju. Anais ... Aracaju: SBPJor, 2007. 1 CD. BRASIL. Projeto de lei n° 29, de 5 de fevereiro de 2007. Dispõe sobre a organização e exploração das atividades de comunicação social eletrônica e dá outras providências. Portal da Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/internet/deputados/chamadaExterna.html?link=http://www.cama ra.gov.br/internet/deputado/dep_detalhe.asp?id=528081>. Acesso em: 8 jan. 2008. BRASIL. Medida provisória nº 398, de 10 de outubro 2007a. Institui os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou outorgados a entidades de sua administração indireta, autoriza o Poder Executivo a constituir a Empresa Brasil de Comunicação – EBC, e dá outras providências. Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2007-2010/2007/Mpv/398.htm>. Acesso em: 8 jan. 2008. BRASIL. Decreto-lei nº 263, de 28 de fevereiro de 1967. Autoriza o resgate de títulos da Dívida Pública Interna Fundada Federal e dá outras providências. Senado Federal. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=117239>. Acesso em: 22 jan. 2008. BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César. (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e
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hegemonia. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005. BRITTOS, Valério Cruz. Recepção e TV a cabo: a força da cultura local. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2001. MARSOLA, C. Lojas financiam conversores de TV em até 25 vezes. O Globo Online, Rio de Janeiro, 7 dez. 2007. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2007/12/06/327487069.asp>. Acesso em: 12 dez. 2007. RAMOS, Murilo César. A força de um aparelho privado de hegemonia. In: BRITTOS, V.; BOLAÑO, C. (Orgs.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2005. p. 57-76. SIMÕES, Inimá. A nossa TV brasileira: por um controle social da televisão. São Paulo: Senac, 2004. TV DIGITAL brasileira terá R$ 80 milhões. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 nov. 2003.
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Reflexões Sobre a TV Pública Patrícia Maurício1
RESUMO Este trabalho pretende fazer uma reflexão sobre a criação da TV Brasil a partir de pensadores críticos da pós-modernidade, como Zygmunt Bauman, André Gorz e Slavoj Zizek. A TV pública é pensada, de forma breve, a partir de alguns aspectos históricos que levaram à ideologia que serve de base à sua criação. Em seguida, tratamos do público da nova TV ao pensar sobre individualidade e coletividade; e da produção, ao trazer à luz os debates sobre o que é a comunidade – que pode ser a base para produções independentes e regionais – no mundo pós-moderno. A questão que permeia todo o trabalho é a do mercado interferindo no serviço público. PALAVRAS-CHAVE: televisão; serviço público; democratização das comunicações; capitalismo; pós-modernidade.
ABSTRACT This paper intends to think about the creation of TV Brasil using critics of post-modernity such as Zygmunt Bauman, André Gorz and Slavoj Zizek. The Public TV is thought briefly from some historical aspects which lead to the ideology that is the base of its creation. Afterwards the text deals with the concepts of community and individuality to refer to the to the new TV’s public and the prospects of the production – in which the idea of community may base the aim to have independent or regional programs. The issue that pervades the paper is the market interfering in the public service. KEY WORDS: television; public service; democratization of communications; capitalism; post-modernity.
INTRODUÇÃO A TV pública, projeto do governo batizado de TV Brasil ao se tornar concreto, começou a funcionar em dezembro de 2007, com a fusão das TVs Educativas do Rio de Janeiro e do Maranhão, TV Nacional (Brasília) e um novo canal, o 4 da Net, em São Paulo, este último funcionando a partir de 14 de maio deste ano. A TV Brasil está subordinada à EBC (Empresa Brasil de Comunicação), ligada ao Ministério do Planejamento.
1
Doutoranda em Comunicação pela ECO-UFRJ e professora do Departamento de Comunicação Social da PUCRio, email: patriciamauricio@uol.com.br.
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A intenção do governo é ampliar esta rede com a adesão de outras TVs da esfera pública, como as educativas estaduais, as universitárias ou comunitárias. De acordo com o site da EBC, “a adesão será voluntária, mas há grande interesse entre as emissoras estaduais. Todos vão ganhar com o formato de rede, sobretudo as TVs isoladas, que precisam de apoio e recursos para se modernizarem e migrarem para o sistema digital”. Ainda segundo o site, as emissoras serão repetidoras da grade nacional da TV Brasil, reservando pelo menos quatro horas para a programação local, mas não num formato vertical, com uma cabeça de rede definindo a programação da rede. A previsão é de que um comitê de programação, com representantes de todas as emissoras associadas, defina a programação, com produções de todas compondo a grade nacional. Há previsão ainda de editais para seleção de programas independentes a ser veiculados pela rede. De acordo com Bolaño e Brittos (2008), a TV Aperipê, controlada pelo governo do estado de Sergipe, foi a primeira a afiliar-se à rede. O modelo da TV Brasil também inclui o Conselho Curador, com 20 conselheiros, 15 dos quais representantes da sociedade, de variadas correntes de pensamento, regiões e formações profissionais. Este Conselho vai aprovar anualmente um plano de trabalho e fiscalizar a sua implementação, tendo poderes, inclusive, para aprovar voto de desconfiança ao diretor-presidente, a um diretor isoladamente ou a toda a diretoria. A idéia da TV pública neste atual modelo vem sendo debatida e proposta por movimentos sociais ligados às comunicações há muitos anos (embora esteja longe de todos ficarem satisfeitos com a versão implantada), e, no atual governo, os ideais que nortearam a sua criação foram responsáveis também por propostas como a Ancinav, órgão que regularia e fiscalizaria a produção audiovisual no país (abatido por pressão das emissoras comerciais) e o modelo brasileiro de TV digital proposto pelo Ministério das Comunicações na gestão Miro Teixeira, que teve o mesmo destino da Ancinav. A TV pública seria então, junto com o projeto de lei que propõe cotas para a produção nacional na TV por assinatura, provavelmente os últimos suspiros da tentativa de democratizar as comunicações ainda no atual governo.
QUESTÕES TEÓRICAS SOBRE A DEFINIÇÃO DO MODELO Alguns dos autores que fazem reflexões sobre a pós-modernidade, mesmo não tratando especificamente de televisão, ajudam a entender e a formular questões pertinentes sobre a criação da TV pública no Brasil. Mas podemos começar indo ao passado, buscar no pioneiro do rádio e da TV brasileiros, Edgard Roquette Pinto, os fundamentos da ideologia
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por uma TV democrática, explicitados neste trecho de artigo da edição comemorativa de um ano da revista Rádio, em 1923: “A Radio Sociedade do Rio de Janeiro, a Sociedade Radio Educadora Paulista, o Radio Club do Recife, a Radio Sociedade da Bahia, o Radio Club de S. Paulo, o Radio Club de Curityba, o Radio Club do Ceará, a Radio Sociedade Rio Grandense, o Radio Club do Brasil, que acaba de fundar ao nosso lado, e todos os outros centros de cultura que se formarem no paiz; dispostos a se entregarem à nossa obra, elevada e pura, sabendo resistir de todo ponto às tentações do mercantilismo grosseiro, todos os que se gruparem para propagar no Brasil a radiotelephonia como processo de informação popular, para diffundir a sciencia, a literatura, a musica, todos os que se gruparem para impedir que a radiotelephonia seja empregada no Brasil como uma nova arma para explorar o povo, hão de contar sempre com o nosso apoio decidido, energico e franco”. (grifos meus)
Naquele momento, o rádio ainda não era o veículo de massas que viria a se tornar – no Rio - apenas 965 residências tinham o aparelho receptor -, mas Roquette Pinto sabia que rapidamente o rádio atingiria um grande público e, por isso, estava preocupado com o conteúdo que seria transmitido. E a outra grande preocupação do momento – e também a grande disputa – era como financiar este veículo. De um lado, estava a taxa anual, paga pelos então chamados “amadores” (ouvintes), que sustentava as emissoras, como se fossem realmente sócios de um clube (como diziam os nomes de várias destas rádios), ou como uma conta de luz ou de outro serviço público. Já naquela época era possível antever – ou, pelo menos, os defensores da taxa poderiam – que isso trazia independência para as emissoras, uma vez que seu próprio público as sustentava. De outro lado, os defensores da publicidade diziam que ela seria a solução para difundir a cultura para todos, porque a maioria do povo era pobre e não poderia pagar a taxa, logo, não teria o rádio. Só que as emissoras comerciais sustentadas pela publicidade, como se viu tanto no rádio como na televisão, que seguiu o mesmo modelo, estavam bem menos interessadas em difundir a cultura e ajudar o povo a combater a pobreza (se é que havia algum interesse) do que em fazer programas de grande audiência que permitissem vender bem os comerciais. Em 1932 Getúlio Vargas autoriza a publicidade no rádio brasileiro sem nenhuma contrapartida, como uma legislação sobre o conteúdo que garantisse o uso do rádio em benefício do povo. Para quem defendia o meio de comunicação como instrumento de cultura e
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luta contra a pobreza, como Roquette Pinto, só restou doar a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por ele, ao Ministério da Educação em 1936 – é a atual Rádio MEC, que luta há décadas com os recursos insuficientes repassados pelo governo federal. A televisão, embora os primeiros experimentos aqui tenham sido feitos por Roquette Pinto, já foi implantada no Brasil, por Assis Chateaubriand, no modelo comercial vigente para o rádio. Do jeito que ficaram as regras para o rádio e a TV no Brasil, as empresas tratam seu conteúdo como produto e os telespectadores como consumidores potenciais destes produtos e daqueles anunciados por seus patrocinadores. Para autores como Leal Filho (1997), só é pública a emissora de TV financiada diretamente pelo público, como queria Roquette Pinto e como é a britânica BBC. Se o dinheiro vier dos cofres do governo, a emissora é estatal, o que pode trazer implicações como a interferência do governo do dia no conteúdo. No site da TV Brasil, seção “Tire suas dúvidas”, a definição é a seguinte: “TV Pública não é o mesmo que TV governamental ou estatal, embora a confusão seja natural pelo fato de não termos, no Brasil, uma TV pública que realmente corresponda a este conceito. TV Pública é aquela que não se pauta pela lógica econômico-comercial da TV privada e que não é, também, subordinada ao poder político, seja ele de partidos, governos e poderes, mesmo que seu financiamento dependa muito do setor público. Quando faz isso, o Estado está devolvendo aos cidadãos uma parcela dos impostos na forma de um serviço de comunicação independente, voltado para a cidadania. Neste sentido, a TV Pública deve ser vista como uma instituição da sociedade civil, que participa do gerenciamento de seu conteúdo e de sua programação através de um organismo de representação forte e com efetivos para exercer este papel. No caso da TV Brasil, o Conselho Curador. Com algumas variações, este é o instrumento de controle social usado em todas as experiências internacionais bem sucedidas de TV Pública, em que se destacam os países da Europa Ocidental”.
Esta definição de TV pública não segue o que define Leal Filho no que diz respeito ao financiamento. Ao mesmo tempo, não se assume como estatal (que, de qualquer modo, não deixa de ser pública). Ao chamá-la de pública, parece uma tentativa de dizer às emissoras privadas e também aos defensores do modelo de TV pública que o governo não vai usar esta TV para fazer sua propaganda.
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Outra questão que se coloca para a TV Brasil do atendimento à reivindicação dos movimentos sociais de uma produção diversificada e regionalizada para a TV pública. No papel, ao menos, esta questão está resolvida, como visto na introdução, com a produção das emissoras regionais e contratação pontual de produções independentes. No site da EBC está definido que “a produção independente no Brasil é muito rica, mas não encontra oportunidades de veiculação satisfatórias nas redes privadas. Ela tem uma importância econômica e também simbólica, na medida em que representa olhares e pontos de vista diferenciados sobre a realidade”. A decisão de comprar produtos independentes tem o objetivo explícito de democratizar a comunicação. O fato de as equipes das emissoras associadas fazerem programas para a grade da TV Brasil certamente seria o suficiente para trazer as especificidades de cada região em rede nacional. Por outro lado, seria o suficiente para democratizar a comunicação? Aqui entra a crença de que uma produção vinda de uma comunidade, muito mais do que outra vinda de funcionários da TV pública da região, seria algo como a voz do povo e, quase que certamente, a abertura de espaço para novas estéticas. No grupo de trabalho “Fotografia, cinema e vídeo” da Compós 2008 houve um debate sobre a possibilidade de se ter uma produção audiovisual não no padrão Globo, mas alguma coisa que venha “de dentro” das comunidades carentes. O que é este dentro? Angeluccia Habert (que apresentava o trabalho “Sobre observadores e participantes: relatos e interpretações”), professora do programa de mestrado da PUC-Rio, perguntou então a que as pessoas que produzem estes vídeos têm acesso além do padrão Globo. “O pessoal da favela não tem o mesmo acesso a bens culturais, abstração, etc, que o (cineasta) João Moreira Salles. Na favela se imita mais a TV”, afirmou ela. Em Slavoj Zizek esta discussão vai além. No artigo “Multiculturalismo ou a lógica cultural do capitalismo multinacional” (Zizek et. al., 2005) Zizek alerta para um perigo que estaria escondido no multiculturalismo, e que podemos usar para pensar sobre a forma de ver a inclusão da produção independente/comunitária.
“O multiculturalismo é uma forma repudiada, invertida e auto-referencial de racismo, um ‘racismo com distanciamento’ – ‘respeita’ a identidade do Outro, concebendo o Outro como uma comunidade ‘autêntica’ e autocontida em relação à qual ele, o multiculturalista, mantém uma distância possibilitada por sua posição universal privilegiada. O multiculturalismo é
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um racismo que esvazia sua própria posição de todo conteúdo positivo (o multiculturalista não é um racista direto, não opõe ao Outro os valores particulares da sua própria cultura), mas mantém sua posição como o ponto vazio da universalidade, privilegiado, a partir do qual se pode apreciar (e depreciar) apropriadamente as outras culturas particulares – o respeito do multiculturalista pela especificidade do Outro é a forma mesma como afirma sua própria superioridade”.
Com base nestas formulações, um dos perigo para a TV pública poderia ser de uma elite intelectual bem intencionada (como nós mesmos, acadêmicos) avaliar como distribuir cotas de produção a partir desta “posição universal privilegiada” que julga de cima. Ou, voltando à questão de Habert, imaginar, equivocadamente, que se estaria veiculando novas estéticas apenas por veicular produções independentes. Não se trata, é claro, de deixar de veicular este tipo de produção por causa disso, mas sim de estar alerta para este tipo de armadilha. E para quem a TV pública vai falar? Para a sociedade brasileira já sabemos que não é, por ser uma abstração que significa muito pouco. Podemos pensar em produções destinadas a comunidades específicas ou ao indivíduo, e começar tentando entender o que seria o indivíduo. Terry Eagleton (2005) afirma que alguns dos pós-modernistas duvidam da própria realidade do indivíduo. Para Bauman (2007), individualidade é normalmente traduzida como autenticidade, com o verdadeiro eu estando no interior de cada um, não contaminado por coisas de fora. “Na nossa sociedade de indivíduos que buscam desesperadamente a sua individualidade, não há escassez de auxílios (...) que, pelo preço certo, é claro, se mostrarão totalmente dispostos a nos guiar pelos calabouços sombrios de nossas almas, onde os nossos autênticos ‘eus’ permanecem supostamente aprisionados, lutando para escapar em busca da luz”.
Bauman conclui que, muitas vezes, as receitas de individualidade são vendidas no atacado, ou seja, paradoxalmente, ser indivíduo é uma coisa coletiva. Mas ele lembra que o termo indivíduo apareceu no pensamento da sociedade ocidental no século XVII, no limiar da Era Moderna, representando indivisibilidade: se a humanidade fosse dividida em partes cada vez menores, a divisão não conseguiria ir além de uma única pessoa. O caráter de ser diferente dos outros, segundo ele, foi acrescentado depois e tomou todo o espaço.
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Já Zizek lembra Hegel, que dizia que a única forma de a pessoa se separar de sua comunidade primordial (família, comunidade local) e afirmar-se como indivíduo autônomo é entrar numa identificação secundária, ou seja, uma profissão no sentido moderno (em vez da relação aprendiz-mestre artesão), comunidade acadêmica, nação, etc. Mas na sociedade pósmoderna, diz Zizek, esta identificação secundária... “ (...) é cada vez mais experimentada como um quadro externo, puramente formal, não realmente vinculante, de forma que as pessoas buscam cada vez mais apoio em formas de identificação ‘primordiais’, geralmente menores (religiosas, étnicas). (...) Contudo, o ponto crucial aqui é que esta ‘regressão’ das formas secundárias para formas ‘primordiais’ de identificação a comunidades ‘orgânicas’ já é ‘mediada’: trata-se de uma reação à dimensão universal do mercado mundial – por ser como tal, ocorre no terreno e contra o pano de fundo do mercado mundial. Por essa razão, trata-se nesses fenômenos não de uma ‘regressão’, mas da forma de surgimento de seu exato oposto: em uma espécie de ‘negação da negação’, essa própria reafirmação da identificação ‘primordial’ sinaliza que a perda da unidade orgânico-substancial está totalmente consumada”. (grifos do autor)
Trazendo esta reflexão para o nosso caso específico, tanto na parte da produção quanto da recepção do conteúdo da TV pública, aparece novamente o que disse Habert em relação à estética das comunidades. Eagleton (op. cit.) segue na mesma linha, mas com algum otimismo: “Não pode haver nenhum retorno a idéias de coletividade que pertencem a um mundo se desfazendo diante de nossos olhos. A história humana agora é, em sua maior parte, tanto pós-coletivista quanto pós-individualista. Se isso dá uma sensação de vácuo, também pode representar uma oportunidade. Precisamos imaginar novas formas de pertencimento”.
Ele, então, dá como saída que não existe nenhum espaço “sapatinho de cristal”, que vai servir perfeitamente, e as novas formas de pertencimento vão ser várias, cada grupo encontrando a sua: pode ser algo das relações tribais ou comunais, ou abstrata e indireta. E diz que não há nada retrógrado a respeito de raízes. Ele lembra ainda que na pós-modernidade os ricos têm mobilidade enquanto os pobres têm localidade, “ou melhor: os pobres têm localidade até que os ricos metam as mãos nela”. E traz outra questão, de que os ricos estão começando a apreciar os benefícios da localidade: “Não é difícil imaginar comunidades
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afluentes do futuro protegidas por torres de vigilância, holofotes e metralhadoras e, ao mesmo tempo, nos terrenos baldios em volta, os pobres revirando os lixos em busca de qualquer coisa que possa ser comida”. Isso não é tão diferente do que já acontece nas grandes cidades brasileiras, em condomínios de bairros como a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Mas será que são apenas ricos descobrindo a localidade ou também locais que enriqueceram e querem manter o estilo comunitário do passado? Seja qual for a resposta, isso não deixa de demonstrar que tanto entre ricos quanto entre pobres existe um desejo da volta à comunidade. E que possivelmente programas com conteúdo local, comunitário, têm boa chance de construir seu público entre as pessoas que valorizam a vida em comunidade – mesmo que não consigam mais vivê-la. E dentro do que fala Eagleton em relação à formação de pequenos grupos de pertencimento, é possível pensar em programas com o objetivo de atender a grupos específicos, mas de forma alguma estes programas devem ter expectativa de alta audiência. Quanto à preocupação em relação a uma vida sem raízes ser comum a ricos e pobres, não custa lembrar que existe ainda uma divisão fundamental entre eles. Eagleton é bastante claro ao criticar os estudos culturais, dizendo que sua ênfase nas etnias e culturas parece esquecer que ainda existem classes. Isso, segundo ele, significou uma mudança de ênfase da política para a cultura. Outro problema é que mesmo estas novas comunidades de que Eagleton fala são líquidas, porque sabemos que, a qualquer momento, podemos sair fora delas. Existem, sim, as comunidades locais formadas por pessoas que não têm dinheiro suficiente para sair delas se quiserem, mas mesmo entre os muito pobres a possibilidade de migrar (e as conseqüentes tentativas de barrar imigrantes), atualmente, é bem maior que no passado. As comunidades em geral não são de fato “vinculantes”. O vínculo é até o momento em que temos vontade. Se não estivermos nos sentindo bem, ou se nos sentirmos presos, entediados, ou outra coisa mais interessante nos acenar, podemos partir para lá sem grandes traumas (ao menos aparentes). Aquela comunidade não nos segura se não quisermos. Isso mostra que não somos daquela comunidade, apenas estamos nela. Portanto continuamos não pertencendo. Estamos livres, mas não há segurança. Gorz (2005) diz que no movimento anti-globalização “se manifesta uma oposição enfática ao desmonte da coletividade, à modernização catastrófica dos países em desenvolvimento, à privatização do saber, da produção do conhecimento e do bem comum”. Para Bauman (op. cit.), “o emergir da individualidade assinalou um progressivo enfraquecimento, a desintegração ou destruição da densa rede de vínculos sociais que
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amarrava com força a totalidade das atividades da vida. Assinalou também que a comunidade estava perdendo o poder – e/ou interesse – de regular normativamente a vida de seus membros”. Ele destaca que a comunidade é uma totalidade que recebeu esse nome retrospectivamente, no exato momento em que um novo arranjo, denominado sociedade, lutava para preencher a brecha normativa deixada por sua retirada. As relações interpessoais, o face a face, estaria fora das preocupações deste ente regulador chamado sociedade. Dentro da sociedade e da individualidade haveria livre escolha, mas Bauman alerta que “na maior parte do tempo, ou em alguma ou em várias situações, muitos homens e mulheres consideram a prática da livre escolha fora do alcance”. Individualidade, para os pobres, seria sinônimo de abandono, solidão, falta de amigos com quem contar. Existe a individualidade de direito e a de fato. A saída que o mundo pós-moderno dá para marcar a individualidade é o consumismo. E, num mercado de consumo de massa, para ter algo diferente é preciso comprar primeiro, antes que o produto fique ultrapassado ou muita gente tenha, por isso Bauman diz que “ser um indivíduo numa sociedade de indivíduos custa dinheiro, muito dinheiro”. E como fugir do consumo na TV pública? Não se trata apenas de não colocar anúncios para não ficar dependente do mercado e da ditadura do índice de audiência (que ajuda a vender anúncios mais caros), mas também da mentalidade que o conteúdo da programação quer disseminar. Zizek fala do consumismo passivo e apolítico que caracteriza o capitalismo contemporâneo. O site da EBC diz que a empresa é “de capital aberto, não-dependente: isso lhe garantirá acesso ao orçamento federal, porém sem bloquear as possibilidades de outras formas de captação de recursos, como apoios culturais, patrocínios institucionais, prestação de serviços etc.”. Não dependente de que? O orçamento, ainda segundo o site, é equivalente ao da menor rede privada de televisão. Portanto se a emissora quiser concorrer de igual para igual com as redes de maior porte vai depender de buscar no mercado recursos privados, sob a forma de patrocínios e apoios culturais, além da venda de serviços para terceiros. É a lógica do capital, do mercado, que deve ser usada para salvar a TV pública de um orçamento ridículo. Aquilo que Gorz chama de mercadorização do mundo. Neal Gabler (em Vida, o filme: como o entretenimento conquistou a realidade, citado por Isleide Arruda Fontenelle) mostra como está lógica está invadindo a vida: “Pense por um momento em quantas de nossas interações diárias com outros seres humanos já são ligadas por relações estritamente comerciais. Compramos cada vez mais o tempo dos outros, sua consideração e afeto, sua simpatia e atenção. Compramos esclarecimentos e diversão, aparência pessoal e elegência, e tudo o mais – até a passagem do tempo em si é medida
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por um relógio. A vida está se transformando cada vez mais em commodity, e as comunicações, a comunhão e o comércio estão se tornando indistinguíveis”.
É preciso também cuidado para que não seja dentro desta lógica do capital que seja pensado o uso de produções independentes (no lugar de usá-las com o objetivo de democratizar a comunicação). A leitura de André Gorz (op. cit.) problematiza esta questão. Não estaríamos, aqui, seguindo um caminho para ter cada vez menos empregados fixos na TV pública e diversos produtores independentes, os quais Gorz descreve como estando, na maioria dos casos, “sob a dependência de um único grande grupo, ou de um pequeníssimo número de grandes grupos que os submetem à alternância de períodos de hiperatividade e de desemprego”? Submeteríamos nós (sociedade brasileira) a TV pública a fazer parte deste jogo do grande capital? Vejamos o que diz Gorz ao tratar da relação das empresas com os empregados na pós-modernidade: “Todas as grandes firmas sabem, no entanto, no quadro de uma relação salarial, que é impossível obter de seus colaboradores um envolvimento total, uma identificação sem reservas a todas as suas tarefas. Pelo fato de ser contratual, a relação salarial reconhece a diferença e até mesmo a separação das partes contratantes, e de seus interesses respectivos”.
Gorz segue explicando o processo do novo capitalismo de apagar a fronteira entre trabalho e vida, transformar o trabalhador em empreendedor (responsável por sua própria “empregabilidade”), tornar as relações flexíveis tendo menos empregados e mais colaboradores, a quem se demanda mais ou menos trabalho, dependendo da necessidade do dono do negócio, sem se comprometer em sustentar aquele empregado todo o tempo, com plano de saúde, previdência, etc. Exatamente o que já fazem canais de TV por assinatura com orçamento baixo: usam produtoras independentes que concorrem entre si para fornecer programas.
TV PÚBLICA E A INTERATIVIDADE E a interatividade prevista para a TV digital, quando vier, será em que bases na TV pública? O pathos do auditório de Aristóteles, o ouvinte empírico, ativo, que intervém e deve ser convencido, precisa da presença física, do calor humano, coisa que a interação virtual não
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tem. Além disso, é impossível fazer um programa sob medida para cada telespectador (indivíduo). A interatividade existiria a partir de determinados pontos do programa, mas não há aí uma relação interpessoal de fato. Sobre esta questão, vale a pena lembrar a visão de Elias Canetti sobre a massa, citada por José Luiz Aidar Prado (2006): “Canetti marca um momento da modernidade em que esse novo sujeitomassa (‘não importando que se o chame de povo ou plebe ou proletariado ou opinião pública’) ainda pode ‘se reunir e aparecer diante de si mesmo como multidão presente – com um tom singular, uma excitação singular”.
Prado diz que desde que Canetti a estudou em Massa e poder, a situação da massa mudou radicalmente. Agora citando Sloterdijk, ele afirma que os conjuntos atuais deixaram de ser massas de reunião e ajuntamentos: “hoje o caráter das massas ‘não se expressa mais na reunião física’, mas ‘na participação de programas de meios de comunicação de massa’”. Prado diz ainda que “os meios de comunicação de massa atuaram, ao lado do Estado, no sentido de construir o povo e de entreter e modelizar as massas, transformando-as em públicos, reunidos diante de um programa, para não mais se reunirem ao redor de sua potência”. Uma forma de utilizar a televisão para reunir o público, ou povo, ou massas, ao redor da sua potência seria transformá-lo, com a interatividade digital, num instrumento de democracia direta, ou seja, que os telespectadores pudessem votar através do seu controle remoto, por exemplo, se aprovam ou não determinado projeto de lei que estivesse tramitando no Congresso, e este resultado fosse imediatamente levado aos parlamentares pelo jornalismo da emissora, o que também seria transmitido aos telespectadores. Com o alcance da TV, desde que seja possível (politicamente, uma vez que tecnicamente não há qualquer problema) haver retorno (interatividade) em cada casa, o povo poderia se manifestar com um poder ainda não visto em outro lugar que não a praça pública. Atualmente, um problema com esta reunião diante dos programas de TV é que a interação é apenas com o programa, e não com os outros telespectadores que estão assistindo. Existe apenas a “comunidade imaginada” dos telespectadores daquele programa. Sim, sabemos que, com a TV digital interativa, será possível escolher o lugar virtual no estádio de futebol na transmissão de jogos, com áudio e vídeo daquele local, e trocar mensagens de texto com amigos que estão assistindo ao mesmo jogo. Nada contra este tipo de interatividade, mas o calor humano neste caso também é virtual. E seria possível ser um objetivo da TV ligar
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pessoas? Ouso dizer que há na TV alguns exemplos desta interação face a face a partir da televisão: o futebol, a novela das oito (agora das nove) e o Big Brother Brasil. Estas são programações veiculadas pela TV que levam, fatalmente, a comentários, conversas e por vezes discussões acaloradas nas casas, bares, ônibus, locais de trabalho. É uma interação corpo a corpo, presencial, sem nenhuma relação com a interatividade virtual de que tratamos antes. Cabe perguntar, então, se a TV pública pretende, com sua programação, provocar esta interação, obviamente com algo além, diria até que de preferência com algo muito além, do Big Brother. É desejável que, de alguma forma, a TV pública, em sua versão interativa ou antes, possa contribuir para, nas palavras de Bauman (op. cit.), “tornar o mundo humano um pouco mais hospitaleiro para a humanidade”. Mas isso, no mundo atual, dificilmente será feito tendo o orçamento mais reduzido entre todas as redes. Há ainda a questão da imagem das TVs educativas junto ao público a modificar caso seja a meta ter um público maior que o residual de hoje. Wolfgang Fritz Haug, em Crítica da estética da mercadoria, diz o seguinte, tratando da imagem de uma empresa: “(...) o fato de que ela absolutamente não está fundamentada nos objetos, serviços e instalações mas, pura e simplesmente, no cálculo da ‘recepção’ pelas massas consumidoras reflete-se nas afirmações de Bongard, segundo o qual a forma de manifestação, ‘denominada geralmente imagem, é um fato psicológico. Conceitos afins e em parte coincidentes’, continua Bongard, ‘são a reputação, o preconceito, o estereótipo, a concepção de público, a imagem ou a imagem condutora’”.
Hoje as TVs educativas pelo Brasil (possivelmente com a exceção da TV Cultura) têm uma imagem de coisa chata, educativa no sentido de aula desinteressante; ou então de ter uma programação altamente intelectualizada que ninguém vê. Como mudar isso? Para começar, com uma produção que realmente atraia (e não mudando apenas a imagem, como na crítica de Haug), desde que não caindo no conto da audiência pela audiência, sem se importar com o conteúdo, embora isso nem seja preciso dizer. Exemplos de programas atraentes são o infantil Castelo Rá Tim Bum, da TV Cultura, e o Sem Censura, da TVE do Rio. Alguns destes programas podem até sair barato (como o Sem Censura, um debate em estúdio com participantes de várias áreas que tenham alguma coisa interessante para contar), dependendo apenas de competência para ser bem realizados, mas um Castelo Rá Tim Bum, com cenários e figurinos elaborados, atores e roteiristas de primeira linha, demanda um dinheiro de que o orçamento atual da TV pública certamente não dispõe.
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Quanto às insinuações ou acusações abertas da direita, freqüentemente vistas nas páginas do jornal O Globo do Rio, de que o governo Lula usará a TV pública para fazer propaganda política e censurará o que não estiver de acordo com seus interesses, Zizek (op. cit.) faz uma análise (referente à exaltação que existe sobre a internet ser algo libertário que deve ser mantido longe da censura do Estado) que parece feita sob medida para esta situação: “essa própria demonização do Estado é completamente ambígua, pois quem se apropria dela é, predominantemente, o discurso populista de direita e/ou o liberalismo de mercado: seus alvos principais são as intervenções estatais que tentam manter uma espécie de equilíbrio e segurança sociais mínimos”. O papel da TV pública no Brasil - um país que parece ter perdido a consciência de que televisão é um serviço público prestado por concessionários, e não um loteamento de espaços publicitários visando o lucro sem restrições – é justamente tentar trazer um pouco de equilíbrio ao espectro de freqüências televisivo. Não o de fazer propaganda, mas, sim, de mostrar também aquilo que a mídia privatizada esconde, como alerta Prado (op. cit.): “A sociologia das ausências procura, nessa direção, demonstrar que o não visível, o não existente, é ativamente produzido como não existente ou não visível. É o caso dos movimentos sociais e suas formas de resistência em várias práticas comunicacionais (como os moradores de rua, os catadores de lixo, o movimento hip-hop), que são ou invisíveis ou disforizados nas mídias”.
Em suma, se o objetivo da TV Brasil for, de fato, democratizar as comunicações sem se deixar dominar pelo mercado, este trabalho deve começar por um orçamento com fundos públicos que a coloque em condição de competir em pé de igualdade com as maiores emissoras do país. Deve ainda buscar a produção independente de forma complementar à produção própria por parte das emissoras que compõem a rede, mas sem fazer dos independentes uma forma de preencher a grade de programação a preço baixo. A emissora deve estar preparada para propor novos formatos ao público, estar aberta a outras estéticas, inclusive pensando formas de fomentá-las, sem cair na ilusão de que o independente será automaticamente o novo.
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É POSSÍVEL INVENTAR A TV PÚBLICA BRASILEIRA? Ângela Carrato1
Resumo: O artigo discute o conceito de televisão pública, bem como sua relação com a TV estatal e a TV comercial. Ele igualmente analisa a criação da TV Brasil como elemento importante para a democratização da comunicação no país. O tema é abordado a partir de contribuições da economia política e da ciência política. Palavras-chave: Televisão; Televisão Pública; Democratização da comunicação
Abstract: In this paper, the concept of public television, as well as, its relationship with state owned and commercial TV are discussed. Additionally, the creation of TV Brasil, which is shown as an important means for the democratization of mass communication in Brazil, is analyzed. This topic is dealt with under the light of both political and economical sciences. Keywords: television; public television; mass communication democratization
Com o versal “Ideologia” e o título “Entre o zero e o traço” a revista “Veja”2 registrou a estréia da TV Brasil, emissora criada pelo governo federal e que se propõe a ser pública. Batizada de “TV do Lula” pela maior parte da mídia brasileira e por colunistas destacados como Clóvis Rossi, a nova emissora tem, por enquanto, seu sinal restrito ao Rio de Janeiro, Distrito Federal, Maranhão e a um canal de UHF em São Paulo. Sem disfarçar suas críticas à iniciativa, a revista “Veja”, na edição citada, registra que “a nova emissora conseguiu a façanha de ter zero de ibope em uma das manhãs de sua primeira semana.”3 Mais ainda: assinala que “no domingo, foi ao ar uma revista eletrônica que se arrastou por nove horas.”4 A criação de uma TV Pública no Brasil é o sonho de vários setores e entidades como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Sonho que teve início há várias décadas, quando Roquette Pinto, precursor da radiodifusão pública no país, conseguiu, em 1952, a concessão de um canal no Rio de Janeiro, “que deveria operar como uma pequena
1
Jornalista. Professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG. Ex-presidente da Fundação TV Edição 2038 - ano 40 - n.49, de 12 de dezembro de 2007, pp.146-148 3 Edição citada, p.146. 4 Idem, p. 146. 2
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BBC”5, numa alusão à TV inglesa, considera por muitos o padrão por excelência de TV Pública. O processo de implantação da emissora deveria ser rápido, pois quando a concessão foi obtida6, já contava com projeto técnico e com programação elaborados. Também já estavam encomendados e prontos para o embarque nos Estados Unidos, os equipamentos necessários ao seu funcionamento. Uma série de entraves burocráticos, no entanto, fez com que estes equipamentos jamais chegassem ao Brasil, com a concessão da primeira TV não comercial no país sendo perdida para a TV Excelsior, uma emissora comercial. Enquanto a TV, na Europa, nasce financiada por orçamento público e sem depender do mercado e, nos Estados Unidos, desde meados dos anos 1960, a Public Broadcasting System (PBS), a rede pública norte-americana, é uma realidade, no Brasil, só agora proposta nesta linha começa a tomar corpo. As várias décadas de defasagem com que esta modalidade de TV está sendo colocada em prática no país não foram suficientes para evitar comentários de que sua criação foi “afobada”, de olho apenas nos interesses do governo Lula e do PT. Esse tipo de crítica pode ser sintetizado pela revista “Veja”, para quem, “a TV pública parece ser apenas um prêmio de consolação para os aloprados que tentaram em vão censurar a imprensa com a criação de um soviet (conselho em russo) Federal de Jornalismo no primeiro mandato de Lula” 7 Mas se os setores conservadores no país, à frente os grandes veículos de comunicação, são críticos à iniciativa do governo Lula, os setores progressistas também a vêem com ressalvas. Em nota oficial, intitulada “Em defesa de uma TV do Brasil”, o FNDC conclamou o governo federal a revisar seus encaminhamentos em relação à emissora e fez apelo ao Congresso Nacional para que aperfeiçoe a Medida Provisória que cria a TV Brasil. O ponto central da crítica diz respeito à participação da sociedade civil, dos movimentos que lutam pela democratização da comunicação, dos pesquisadores e trabalhadores da comunicação na gestão da emissora, em especial no seu conselho curador. O apelo surtiu efeito. Mais de 130 emendas parlamentares foram apresentadas ao projeto da emissora, a maioria descaracterizando-o. Sua tramitação transformou-se em batalha no Congresso. Batalha que deixou nítidos conflitos não só entre governo e oposição, na própria base governista. 5
Milanez, Liana. Notas para uma história da TVE-Rede Brasil. Edição TVE, RJ, 2007, p. 26. Em 1952, o presidente Getúlio Vargas concedeu outorga de canais educativos para várias instituições sediadas no Distrito Federal. No Rio de Janeiro, um grupo de empreendedores liderados por Roquette- Pinto conseguiu a concessão do Canal 2. Para maior aprofundamento sobre o assunto, ver Milanez, Liana. op. cit., p. 13. 7 Revista Veja, edição 2038, p. 146. 6
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O principal ponto de discordância, entre governo e oposição, mas também entre as diversas correntes de pesquisadores que estudam o tema diz respeito ao conceito de TV Pública. Afinal, o que é uma TV Pública? Existe realmente esta modalidade de TV? Em que aspectos ela difere da TV Comercial? É viável uma TV Pública no sistema capitalista? A partir de contribuições da economia política e da ciência política, tentaremos levantar alguns aspectos que podem ser úteis para o aprofundamento deste debate, sem dúvida necessário e oportuno. Debate que, infelizmente, tem sido e continua sendo adiado quando não sumariamente esquecido no Brasil.
1. O QUE É UMA TV PÚBLICA? Aparentemente esta pergunta tem resposta simples. Existem três modalidades de televisão, a saber: a comercial, a estatal e a pública. O artigo 5 da Constituição Brasileira, por exemplo, prevê não só a existência como a complementaridade entre essas modalidades. Para a presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), jornalista Tereza Cruvinel, “a TV Estatal/ Governamental caracteriza-se por ser um canal explorado e controlado pelo Estado, através da função governamental. Já a TV Pública não deve se submeter ao poder político, seja ele de partidos, governos e poderes constituídos, mesmo que tenha grande parte de seu financiamento proveniente de receitas públicas.”8 Quanto à TV comercial, ela é bancada pela publicidade e tem sua lógica calcada na audiência. Uma análise mais cuidadosa destas caracterizações deixa a mostra os problemas que apresenta. Além do fato de, nas três modalidades de TV, a origem de sua concessão ser a mesma, o Estado (afinal o espectro eletromagnético é um bem finito e precisa ser regulamentado), onde realmente se dá a distinção entre TV Estatal e TV Pública? Tendo a mesma origem e dependendo de financiamento público (obtido via Estado), TV Estatal e TV Pública não estariam mais próximas do que se imagina? Mais ainda: no sistema capitalista, com a cultura transformada em indústria e a informação e a obra de arte em mercadorias, é possível se pensar, como afirma o estudioso da televisão Omar Rincón, que “a TV Pública é a que interpela o cidadão, não o consumidor?”9 Como estabelecer a distinção entre o cidadão e o consumidor em situações onde o mercado é soberano, a legislação propositalmente precária e o poder de sedução da TV quase total?
8
Entrevista publicada no site www.observatóriodaimprensa.com.br, edição n. 460, de 14/11/2006 Ver “Televisão é para expressão e reconhecimento”. Entrevista de Omar Rincón à revista Midiacom Democracia. N. 4, novembro de 2006, p. 16.
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Rincón amplia sua definição de TV Pública, tentando precisá-la. Para ele, a TV Pública “é um cenário de diálogo intercultural, que amplia e estende a representação e o reconhecimento dos sujeitos sociais”.10 Frisa que “deve ser significativa não para as massas (para isso existem as TVs pagas e comerciais), mas para as minorias”, devendo ser “experimental e inovadora em formatos, estilos, temáticas e estéticas”.11 Ainda segundo Rincón, “a TV Pública segue as lógicas do prazer e da diversão, porém em versões inteligentes e em horizontes transgressores, além de, em todos os programas, ter o dever de promover telespectadores melhores e cidadãos ativos para a democracia.”12 Em que pese seu esforço, buscando a diferenciação entre TV Pública e TV Comercial, acaba registrando muito mais uma série de intenções (boas, sem dúvida), mas que não conseguem disfarçar certa ingenuidade mesclada com voluntarismo e uma grande dose acentuada de preconceito: para as minorias a TV Pública. Para as massas, a TV comercial. Mas o objetivo da TV Pública, segundo ele, não é superar a dicotomia consumidor x cidadão? Mesmo que em cada sociedade haja uma configuração específica, não é possível se perder de vista, como alerta Bolaño que “se pode observar claramente a solidariedade que existe no desenvolvimento do capitalismo monopolista, do chamado Estado do bem-estar e da Indústria Cultural, capitaneada esta pelo novo meio de comunicação que se institui no início dos anos 50 – a televisão.”13 No Brasil, aliás, a TV surge através dos procedimentos pioneiros de Assis Chateaubriand, adotando desde o início o sistema comercial, respaldado por um sistema de concessões do Estado à empresa privada. E se a relação histórica entre Indústria cultural e capitalismo monopolista é evidente, o desafio a que se propôs Bolaño é encontrar o elo teórico entre ambos.14 É exatamente a não percepção deste elo que faz com que Rincón não consiga, efetivamente, avançar numa efetiva distinção entre o que seria uma TV Pública de uma TV Comercial. Até porque, se “no capitalismo clássico a identidade (das partes) ocultava a contradição (entre classes), no capitalismo contemporâneo não é mais a identidade mas a diferença que oculta a contradição”15, afirma Bolaño, valendo-se de uma citação de Habermas. De forma um tanto provocativa, não poderíamos pensar que a distinção entre possíveis modalidades de televisão não serviriam, no fundo, para reforçar a televisão, no que ela tem de 10
Idem, p.16 Idem, p.16. 12 Ibidem, p.16 13 Bolaño, César. Indústria cultural, Informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec/Polis, 2000, p. 75. 14 A esse desafio, Bolaño se lança tanto no livro Mercado de Televisão Brasileiro (2004) quanto em Indústria Cultural, Informação e Capitalismo (2000). 15 Idem, p.78. 11
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essencial? Um pouco nessa linha, o que Bolaño16 procura mostrar é que assim, o Estado aparece não mais apenas como um árbitro entre iguais, mas como tendo ainda a tarefa de corrigir as diferenças, o que constitui o cerne do reformismo e do tipo de Estado que viria a consolidar nos países capitalistas desenvolvidos a partir da derrota de alternativas fascistas ao final da segunda guerra mundial. Nos termos de Habermas, ele destaca que há aí uma “socialização do Estado” que se dá em paralelo a uma “estatização da sociedade” que, no seu conjunto, destrói a separação entre Estado e sociedade que é a base da esfera pública burguesa. Com a transformação do “público pensador de cultura” em “público consumidor de cultura”, para usar, como faz Bolaño17, a expressão de Habermas, observa-se que não apenas os bens culturais, mas até mesmo o debate adquire a forma de mercadoria. Com isso, os programas dos meios de comunicação de massa, mesmo em sua parte não comercial, acabam estimulando o comportamento consumista e fixando-se em determinados modelos. Mais ainda: a publicidade econômica adquire caráter político.
2. SOCIEDADE CIVIL, DEMOCRATIZAÇÃO E ABANDONO DO ESTADO Modelo inspirador para a TV Brasil, a BBC inglesa é apontada por alguns como sendo uma TV pública por excelência. A realidade, no entanto, tem mostrado que mesmo aquela emissora vem sendo obrigada a conviver com todo o acelerado processo de disputa entre capital e estado pelo controle dos meios de comunicação na Inglaterra e na Europa. Processo que se inicia com a privatização e a desregulamentação da TV
européia que se torna
dramática nos anos 1980. Privatização que nada mais é do que uma maneira de tentar esterilizar/conter o potencial crítico de uma esfera pública que se ampliou para além das exigências iniciais de participação (propriedade e cultura), adquirindo um caráter virtualmente explosivo. A partir de considerações políticas, mas sem perder de vista Marx, o pensador italiano Antônio Gramsci chega a algo semelhante. Para Gramsci, “o cinema e o rádio (...) superam todas as formas de comunicação escrita, desde o livro até a revista, o jornal (...), mas na superfície, não em profundidade.18 O que Gramsci chama de “opinião pública” está
16
Idem, p. 79 e seguintes. Ibidem, p. 85 18 Neste aspecto, seguimos de perto a interpretação que faz Marco Aurélio Nogueira, no texto “As três idéias de sociedade civil, o Estado e a politização,” in Ler Gramsci, entender a realidade, org. de Carlos Nelson Coutinho e Andréa de Paula Teixeira, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, pp. 215-233. 17
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estritamente ligado à hegemonia política, ou seja: é o ponto de contato entre a “sociedade civil” e a “sociedade política”, entre o consenso e a força. Vale a pena refletir, com mais atenção, sobre o conceito de sociedade civil, especialmente porque ele tem sido alvo de interpretações as mais díspares, como também pela importância que assumiu no Brasil a partir dos anos 1980. Geralmente fala-se em sociedade civil para pensar a oposição ao sistema capitalista e para delinear estratégias de convivência com o mercado, para propor programas democráticos radicais e para legitimar propostas de reforma democrática gerencial no campo de políticas públicas. Busca-se apoio na idéia de sociedade civil tanto para projetar um Estado efetivamente democrático quanto para se atacar todo e qualquer Estado. É em nome da sociedade civil que se combate a globalização neoliberal e se busca delinear uma estratégia em favor de uma outra globalização. Mas é também em nome da sociedade civil que se busca viabilizar programas de ajuste fiscal e de desestatização. Exatamente por isso, é fundamental não se perder de vista que as sociedades ficaram mais diversificadas, individualizadas e mercantilizadas, tornando-se ambientes tensos e competitivos. A constituição de um mundo mais interligado e integrado economicamente, submetido tanto a redes de comunicação e informação quanto a dinâmicas estruturais que tornam mais relativo o poder do estado nacional, levaram o social a ganhar transparência e autonomia diante do político. Só que na maioria dos casos, esta democratização acabou se combinando com uma atitude de abandono do Estado. Em outras palavras, passou-se a atribuir à sociedade civil toda a virtude e todo o dinamismo social, contrapondo-se ao estado que conteria somente os aspectos burocráticos, autoritário e repressivo. Esta visão acabou levando a democratização a se deixar capturar, em grande medida, pelo antiestatismo neoliberal. O resultado tem sido o fortalecimento não do sonhado processo democrático, mas do mercado. No caso brasileiro, um exemplo disso é a reivindicação do FNDC, em sua nota oficial “Em defesa de uma TV do Brasil”. O documento enfatiza que “a estrutura adotada para a TV Brasil desconsiderou a participação da sociedade civil e dos movimentos sociais, dos movimentos que lutam pela democratização da comunicação, dos pesquisadores e trabalhadores da comunicação”. Indo além, o documento assinala que “sem esses segmentos não há como garantir um estatuto público à televisão.”
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Boas intenções à parte, o que o FNDC parece não se dar conta é que as 13 personalidades indicadas pelo governo para compor o conselho curador da TV Brasil são representantes da sociedade civil, pelo menos em algumas de suas acepções. Mais ainda, o que o FNDC igualmente parece não ter se dado conta é de que a TV, na forma mais avançada da produção capitalista, característica do capitalismo monopolista, é “a única verdadeira indústria cultural”. Daí, a crítica que apresenta mostrar-se frágil e superficial, longe de tocar na essência do problema. A indústria cultural é cada vez mais o elemento que articula o grande capital. Como comunicar-se com a população é necessidade básica do Estado e do capital monopolista, entende-se, por um lado, a necessidade que o Estado brasileiro tem de um canal próprio para essa comunicação, da mesma forma que essa necessidade apenas estimula a luta competitiva entre as grandes empresas, nacionais e multinacionais, para funcionarem. Pulverizados como se encontravam a Radiobrás e a TVE do Rio de Janeiro não tinham condição de cumprir este papel. Ambos perderam esta possibilidade ao se deixarem vencer por disputas internas e questões essencialmente corporativas, sem falar na falta de apoio institucional que sempre lhes caracterizou.19 Como a dinâmica da programação televisiva é obrigada a levar em conta as especificidades culturais de cada país ou região, até o momento as emissoras brasileiras têm conseguido garantir a preponderância (tanto em publicidade quanto em audiência). Preponderância que não exclui a concorrência entre essas empresas (vide projeto da TV Record para, em 10 anos, assumir a liderança há décadas mantida pela TV Globo). É esse também o motivo pelo qual, mesmo as emissoras ditas culturais e educativas, em sua maioria mantidas ou ligadas aos governos estaduais ou aos poderes Legislativo e Judiciário e a universidades, sem nunca tendo alcançado uma audiência significativa, levaram as Organizações Globo a lançarem e manterem o Canal Futura, voltado para a educação e a cidadania20 Canal que, diga-se, conta com todo o respaldo e parceria de algumas das mais brilhantes cabeças pensantes da esquerda brasileira. A entrada em cena da TV Brasil é, sem dúvida, um elemento novo no cenário da indústria cultural brasileira. Talvez o elemento mais importante das últimas décadas, especialmente se os setores que a defendem perceberem sua real dimensão, combinada com a 19
Neste sentido é significativa a demissão da presidente da Associação Roquette- Pinto (Acerp), jornalista Beth Carmona, gestora da TVE. 20 Aprofundo esta discussão no texto “TV Futura, a TV Pública do sistema privado?” Trabalho de conclusão da disciplina Políticas de Comunicação, ministrado pelo professor Murilo Ramos, no primeiro semestre de 2007, na Pós-Graduação em Comunicação da UnB.
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tecnologia digital e tendo como pano de fundo os desafios da realidade política e econômica nacional, sem perder de vista o contexto internacional. A TV Brasil não é apenas mais uma emissora de televisão. É um espaço para se questionar, por dentro, o próprio veículo televisão, desconstruíndo visões estabelecidas e abrindo espaço para novas possibilidades. Nada disso será possível, no entanto, sem antes, ter-se clareza sobre a nova realidade política e econômica e sua ligação umbilical com a realidade do veículo televisão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Num país em que 93% dos domicílios têm televisão e em que se assiste, em média 3 horas e 43 minutos por dia de programação (Ibope Mídia – Dados de 2006), o mínimo que se pode esperar, desde que a TV Brasiil, é a possibilidade de um reequacionamento da comunicação de massa no país. Reequacionamento que no caso da TV segmentada (TV paga) esbarrou na tradição “gratuita” da TV aberta e no baixo poder aquisitivo da nossa população. O risco, agora, é da nova TV não ter fôlego para superar hábitos arraigados, não tendo fôlego para, por um lado enfrentar o auto-denominado “padrão de qualidade Global” e, de outro, os apelos fáceis da TV Record na busca desenfreada por audiência. Estatal ou pública, o essencial para a TV Brasil é conseguir compor uma grade de programação atraente, diversificada, plural e consistente, além de um jornalismo que não se limite às questões do triângulo São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Se a TV Brasil conseguir colocar os diversos “brasis” no ar, com razoável independência e criatividade em relação ao Estado e ao mercado, o crescimento da audiência será apenas questão de tempo. E não há porque temer a audiência, especialmente quando a indústria cultural constituir-se numa ágora eletrônica. Na contracorrente do que vem acontecendo com a televisão estatal/ pública na Europa, a TV Brasil é um dado importante para se pensar o futuro da indústria cultural no país. Fato que, sem dúvida, explica a má vontade com que sua proposta, desde o início, foi recebida pelos veículos de comunicação tradicionais. Não se trata de temê-la no que se refere à divisão do bolo publicitário, em que pese o orçamento que o Governo, empresas estatais e demais órgãos públicos pretende destiná-la (inicialmente R$ 350 milhões) deixar de ir para os veículos tradicionais. O essencial, no entanto, é o risco desta emissora, no futuro, possibilitar uma reconfiguração da própria audiência. Pela primeira vez em décadas, pensa-se em uma TV não comercial que pode, efetivamente, sair do gueto e que não se paute pela lógica equivocada de pensar-se educativa
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antes de ser televisão. TV é entretenimento e informação, inteligente, plural e criativo, e não aqueles entediados e entediantes programas que ainda povoam grande parte das grades das emissoras ditas educativas e culturais no Brasil. O momento, com todos os desafios que comporta, é estimulante. Talvez o mais estimulante das últimas três décadas em se tratando dos veículos de comunicação no país.
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Notas conceituais sobre a noção de TV pública Jonas Valente1 Resumo Este artigo busca apresentar algumas reflexões sobre a definição do conceito de TV pública. Adotamos aqui o uso da chave de leitura da forma “aparelho de Estado”, partindo da contribuição de Antônio Gramsci e de Nico Poulantzas, chegando a uma solução com base nas especificidades deste aparelho na Indústria Cultural. Por fim, fazemos uma discussão crítica com dois referenciais considerados relevantes mas insuficientes para o esforço de construção teórica pretendida: a elaboração Habermasiana acerca da esfera pública e a abordagem culturalista latino-americana. Palavras-chave: TV pública, aparelho de Estado, Indústria Cultural. Abstract This article intends to show some thoughts about de concept of public television. We use as a reference the notion of state apparatuses, taking the contribution of Antônio Gramsci and Nico Poulantzas, concluding in a solution based in the particularities of this apparatuses in the Cultural Industry. In the end, we do a critical debate with two known and relevant references, although unsatisfactory to the effort the theorical construction intended: the habermasian debate about the public sphere and the latin-american cultural studies outlook over the public broadcasting. Palavras-chave: Public Television, State Apparatuses, Cultural Industry. Apesar de ser uma forma de comunicação cuja gênese data do primeiro quarto do século XX, a radiodifusão pública ainda não se condolidou do ponto de vista teórico. Esta fragilidade se dá especialmente entre os acadêmicos brasileiros, onde a experiência deste tipo de comunicação é ainda incipiente. As recentes discussões sobre a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e acerca da formatação de suas emissoras de rádio e televisão recolocaram este tema na ordem do dia dos debates referentes ao campo das comunicações brasileiras. Nos limites deste artigo, não visamos fazer uma análise deste fenômeno, mas um diálogo sobre o arcabouço conceitual que deve servir de base às reflexões não somente sobre este como sobre outros objetos referentes a esta modalidade de comunicação. Este desafio passa pela adoção de uma perspectiva clara frente à polissemia envolvendo o termo “público”. 1
Mestrando da linha de Políticas de Comunicação do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação da mesma Universidade (Lapcom).
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Sem a pretensão de historiar ou problematizar de maneira profunda séculos contribuições sobre este conceito, que praticamente constituem a trajetória da teoria política até os dias de hoje, colocamo-nos como questão basilar clarear a compreensão acerca de seu significado para que a opção aqui feita seja explicitamente posicionada dentro da discussão sobre o tema. A palavra “público” pode designar uma série de significados. No caso mais específico desta discussão, poderíamos reduzi-los a dois grandes entendimentos. O primeiro identifica-a como aquilo que é “comum” à população, dos espaços de vivência aos sentidos produzidos coletivamente, passando pela própria identididade de um determinado conjunto de seres humanos como iguais e pertencentes a uma mesma unidade (espacial, política, cultural, econômica, social). É este público o destinatário das mensagens dos meios de comunicação, também denominada(s) audiência(s). Nas mediações envolvendo estas instituições, o “comum” estaria no acesso a um ou mais veículos ou de seus produtos culturais. Um segundo grande entendimento está relacionado ao estatuto de determinados serviços e instituições. O público seria a qualificação daquilo que está inserido ou é executado no âmbito do Estado. Nesta lógica, as escolas públicas são os aparelhos do Estado para prover conteúdos visando a formação educacional da população. Já a saúde pública seria a denominação de toda uma área operada no âmbito estatal, incluindo suas regras, fluxos e aparelhos. Todo o conjunto das ações do Estado, políticas públicas, são enquadrados esta qualificação. Todavia, na área de comunicação, em especial na América Latina e no Brasil, verifica-se uma nova divergência sobre o significado do termo “público”. Novamente correndo o risco do esquematismo não ser fiel à complexidade do debate, localizamos duas grandes correntes que polarizam esta discordância. A primeira vê o público como algo separado do Estado. Neste sentido, a modalidade pública de comunicação deveria ser blindada da influência da sombra estatal e constituir-se como algo autônomo, efetivamente de propriedade da sociedade. A ação estatal colocaria os veículos públicos a serviço dos governos de plantão, transformando-os em correia de transmissão dos interesses dos mandatários ou grupos na direção do regime político em um determinado momento. Este receio amplifica-se na realidade latino-americana, povoada de experiências autoritárias e ditatoriais nos últimos 50 anos. Um exemplo de como tal concepção traduz-se em desenho institucional dos países do continente é a Constituição Federal brasileira de 1988, que instituiu em seu Artigo 223 a complementariedade de três sistemas: privado, público e estatal. Uma outra corrente não realiza esta separação e vê o público como sinônimo do estatal. Esta acepção caracteriza a maioria das experiências Européias e Asiáticas. Isso,
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porém, não deve sugerir a defesa do uso autoritário dos meios de comunicação, embora este ocorra em várias destas nações que adotam o público como não-diferenciado do estatal. Na experiência européia, por exemplo, o conceito de “public service broadcasting” foi utilizado historicamente como um serviço relativamente autônomo dos governos de plantão. Esta “independência” se materializa em diversos graus a depender do país, indo de órgãos diretivos inteiramente indicadas pelo governo mas com algum controle externo até estruturas de gestão compostas a partir de uma complexa rede de representações e indicações das mais diversas instituições estatais e associativas. Nos inscrevemos dentro desta corrente que vê o público como algo indissociável do Estado. Ao contrário, partimos do método utilizado pelos autores da economia política da comunicação para ver como traço distintivo da modalidade pública sua materialidade como uma instituição do Estado. Mais precisamente, como um “aparelho de Estado”. Com base neste posicionamento teórico-metodológico, buscaremos em seguida uma elaboração que sintetiza a forma “aparelho de Estado” de Gramsci e Poulantzas com as funções específicas baseadas na obra de Bolaño sobre a Indústria Cultural. O Estado em Gramsci e Poulantzas Antônio Gramsci teve como uma de suas principais contribuições a formulação de uma “teoria ampliada do Estado”. Segundo ela, o Estado não seria confundido com os aparelhos de coerção ou governo jurídico, mas seria todo o espaço e processo de construção da direção da classe dominante na superestrutura. Em uma representação esquemática produzida pelo próprio autor (Gramsci, 1978, p. 149), o Estado seria igual a “sociedade política + sociedade civil”. Neste modelo, a sociedade política é assumida como o conjunto dos instrumentos burocráticos e de política da administração pública e a sociedade civil é compreendida como locus de funcionamento dos aparelhos privados de hegemonia. De acordo com Portelli (1999), o Estado em Gramsci é caracterizado por três elementos principais: (a) reúne a superestrutura do bloco histórico, tanto intelectual e moral quanto política; (b) se constitui em a partir de um equilíbrio interno entre esses dois elementos da superestrutura; (c) enfim, e sobretudo, a unidade do Estado decorre de sua gestão por um grupo social que assegura a homogeneidade do bloco histórico: os intelectuais. (Op. cit. p. 40). No entanto, é muito importante destacar que esta direção intelectual não significa uma noção vulgar de manipulação ou imposição de uma visão de mundo. Na análise de Gramsci, ela se dá em meio a uma forte disputa de hegemonia na qual os interesses dominantes
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precisam construir um ‘consenso’ junto aos interesses dos dominados. Por consenso não entendemos aqui um ‘comum acordo’ entre as classes antagônicas, e nem uma opinião formada por meio da razão como em Habermas, mas a síntese de embates entre os grupos sociais em determinadas situações de correlação de forças. No entanto, a divisão esquemática no interior do Estado ampliado entre sociedade civil e sociedade política não nos permite enxergar o caráter ambivalente dos veículos públicos de comunicação, que estão no “governo jurídico” pertencente à sociedade política e, ao mesmo tempo, são formas de aparelhos de hegemonia como aqueles localizados na sociedade civil. Esta resposta pode ser dada de maneira adequada pela elaboração de Poulantzas (1978) acerca do Estado capitalista. Partindo da premissa de que não é possível ver os planos econômico e superestrutural como instâncias separadas, Poulantzas define o Estado não como um elemento externo de coerção e ajuste do sistema produtivo, mas como o próprio sistema organizado em um espaço que visa garantir e ordenar sua reprodução a partir da unificação da classe dominante ao longo das diversas fases do capitalismo. No entanto, este entendimento não deve sugerir uma visão instrumentalista do Estado, que o reduziria a uma simples ferramenta da classe dominante. É na crítica a esta concepção que Poulantzas chega ao ponto-síntese de sua formulação: inscrever a luta de classes no centro motor da constituição e desenvolvimento do Estado. Para o autor, a articulação orgânica entre economia e política na verdade é derivada da posição estruturante das relações de produção ao longo do curso histórico do sistema capitalista. Diferente das visões economicistas, que vêem no Estado apenas um instrumento de viabilização do desenvolvimento das forças produtivas, ele vê o Estado como espaçoprocesso onde a contradição capital-trabalho fundante destas relações no capitalismo se manifesta no embate entre as classes dominantes e dominadas. Colocar o Estado capitalista em primeiro lugar quanto às relações de produção não significa constituir a partir disto o objeto teórico deste Estado. Objeto-tipo que no prosseguimento seria particularizado ou concretizado de uma maneira ou de outra segundo a luta de classes em uma ou outra formação social. Uma teoria do Estado capitalista só pode ser elaborada ao se relacionar este Estado com a história das lutas políticas no capitalismo (Poulantzas, 1981. p. 30).
Com base nesta reflexão, Poulantzas define o Estado como “a condensação material de uma relação de forças entre classes e frações de classe” (Ibidem, p. 147). O autor alerta que neste conceito o Estado não é apenas uma relação de forças, mas possui materialidade própria na forma de uma ‘ossatura institucional’ expressa em suas diversas instituições e aparelhos. A
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partir destas, o Estado organiza a classe dominante como síntese das disputas entre suas frações e destas com as classes dominadas. Um aparelho de Estado na Indústria Cultural Feita uma discussão sobre o Estado capitalista, temos a necessidade agora de entender seu papel na Indústria Cultural. Para isso, como já explicitado, vamos utilizar os instrumentais da economia política da comunicação, mais especificamente a contribuição de Bolaño (2000). Segundo o autor, no capitalismo, a informação e a cultura seguem a contradição igualdadedesigualdade que caracteriza a produção e apropriação da riqueza na sociedade. Nesta esfera, do econômico, o sistema apresenta sob a aparência de igualdade a relação de troca de mercadorias quando esta esconde uma essência inerentemente desigual: a apropriação de mais-valia na compra da força de trabalho gera uma concentração de riqueza nas mãos dos detentores dos meios de produção em detrimento da obtenção por parte dos trabalhadores do fruto de seu trabalho. No caso da informação e da cultura, seu caráter de classe e sua função de suporte à acumulação do capital também precisam aparecer não como dominação, mas como expressão dos interesses gerais. Há, portanto, uma contradição fundamental entre a essência de uma informação de classe e sua aparência como informação de massa, a mesma contradição que há entre o igual e o desigual, entre o contraditório e o nãocontraditório que caracterizam a ideologia burguesa da LIBERDADE DA INFORMAÇÃO (Op. cit. p. 51).
Desta contradição, continua o autor, pode-se derivar o sistema de comunicação de massas. Desta demanda de garantir a coesão social em uma situação de desigualdade surge a primeira forma geral da informação capitalista: a propaganda. Todavia, o sistema de comunicação de massas não serve apenas para equalizar esta contradição, mas é utilizado pelos capitais para potencializar o processo de acumulação por meio da aceleração da circulação de informação necessária à produção, distribuição e consumo de mercadorias. Depreende-se daí a segunda forma geral da informação no capitalismo: a publicidade. É para dar conta da contradição entre estas duas formas que surge um novo aparato diferente da realidade fragmentada da imprensa no capitalismo concorrencial: a Indústria Cultural. De acordo com Bolaño, o exercício deste papel pela Indústria Cultural se dá em permanente tensão entre os interesses do capital e do Estado e os do público a quem os meios de comunicação se dirigem.
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Se a Indústria Cultural é um elemento de mediação entre o capital, o Estado e as outras instituições das ordens econômica e política, de um lado, e as massas de eleitores e consumidores do outro, essa mediação não se faz em termos de grandes estruturas, segundo as linhas da dinâmica pesada que se pode derivar dos modelos de base e superestrutura, mas antes segundo as relações conflituosas que se estabelecem entre os diferentes atores que, nos diferentes setores relacionados, participam daquela dinâmica ágil que responde, a cada instante, e de forma sempre problemática, às necessidades da acumulação do capital e da reprodução ideológica de um sistema caracterizado pela anarque a pela contradição (Op. Cit. p. 215-216).
Nos interessa para os limites deste trabalho entender a atuação do Estado nesta esfera. Mas é preciso aí fazer um segundo recorte: o foco de nossa análise não será seu papel enquanto regulador da produção e distribuição de cultura no interior desta indústria, mas sua ação como explorador direto dos serviços de radiodifusão, mais especificamente de televisão. Para isso, nos voltaremos agora para definir o papel geral do Estado na Indústria Cultural para depois chegar à sua função como mantenedor direto de emissoras de televisão. Na perspectiva de Bolaño, as relações entre Estado e capital não se confundem com as funções publicidade e propaganda, mas se justapõem formando uma relação preferencial embora não exclusiva. O Estado, portanto, atua como “capitalista coletivo ideal” garantindo os interesses gerais da propaganda contra os interesses individuais não só dos capitais que operam no nível da concorrência como também dos grupos que disputam politica e ideologicamente no âmbito do aparelho do Estado. Para isso, e pela dificuldade dos diversos agentes produzirem uma informação que supere seus interesses individuais imediatos, o Estado constitui um aparato próprio na Indústria Cultural: os meios de comunicação públicos. No entanto, para que existam nesta indústria, estes meios precisam funcionar como um de seus agentes em concorrência, devendo entrar na disputa por espaço nesta esfera e pela atenção da população. Assim, poderia-se apontar uma dupla personalidade dos meios de comunicação públicos:
são aparelhos
ideológicos mas que, para cumprir esta função, precisam estar bem posicionados na organização da produção, distribuição e consumo de informação e cultura. Voltando a dialogar com o modelo de Bolaño, pode-se afirmar que a comunicação pública realizada por pelo Estado é essencialmente propagandística. Isso por que esta é sua função geral, o que não a impede de cumprir também uma função publicidade, mesmo que esta seja um consentimento necessário aos capitais ávidos pela divulgação de seus produtos para assegurar condições favoráveis de participação da concorrência.
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Aqui é importante uma breve reflexão. Se parte-se do princípio no modelo geral aqui apresentado que a promoção dos interesses gerais da propaganda do sistema é realizada pelo Estado, isso não impede que em determinadas situações este papel não possa ser desempenhado por um capital individual. Como a Indústria Cultural traz em si uma dupla dimensão, ideológica e econômica, um capital individual não atua apenas para acúmulo próprio ou suporte ao acúmulo de outros capitais, no caso aqueles que aparecem na dinâmica como anunciantes. Ele também é um propagandista e disputa no nível desta função geral a hegemonia no conjunto da sociedade. Deste modo, é possível pensar que em determinado contexto um capital individual ascenda à condição de propagandista geral do sistema tanto em concordância quanto em conflito com os meios de propaganda públicos. No primeiro caso, poderíamos citar o papel protagonista exercido pela Rede Globo frente à condição marginal das emissoras educativas estaduais. No segundo, um exemplo interessante foi a disputa entre os veículos controlados por Silvio Berlusconi e o grupo público italiano RAI durante a gestão de Romano Prodi. Após esta pequena digressão, localizamos na reflexão apresentada sobre os meios de comunicação públicos o ponto de contato entre as formulações acerca da Indústria Cultural e as teorias sobre o Estado capitalista. Isso porque é com estas que podemos qualificar a compreensão dos meios de comunicação públicos como aparelhos de Estado. E é com elas que demarcamos nosso olhar sobre o que caracteriza este conceito. O público, aqui, não é entendido como uma esfera de visibilidade para o conjunto das pessoas, como preceitos normativos ou como o espaço da reunião da sociedade, mas como a qualidade de um aparelho inscrito na “ossatura institucional do Estado”, para usar um dos termos de Poulantzas. Neste sentido, a televisão pública é entendida para efeitos deste trabalho como um aparelho do Estado que possui uma materialidade institucional na sua concretização enquanto sistema de emissoras que ofertam um serviço de televisão à população. Ela designa a produção e gestão de programações distribuídas sob diversas plataformas tecnológicas diretamente pelo Estado, sendo a expressão deste em um complexo processo que vai muito além dos programas veiculados, mas envolve o arcabouço jurídico-institucional organizador deste aparelho, a operação de sua gestão e o produto veiculado, bem como sua repercussão junto à população. Feita a definição dos meios de comunicação públicos2, faz-se necessário avançar na elaboração acerca de suas funções. Na resolução da contradição publicidade-proganda já
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A partir de agora, deixaremos de falar de mídia em seu sentido amplo e passaremos a utilizar o termo televisão por ser este o conceito referente ao objeto desta pesquisa.
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abordada anteriormente, vimos que este aparelho tem como função primordial a garantia da reprodução ideológica do sistema, ou, disputar o “monopólio da opinião pública”, nos dizeres de Gramsci, com vistas à disseminação da ideologia dominante no intuito de construir “consensos” que legitimem a essência desigual do sistema. Esta ideologia, como vimos, possui papel determinante ao dar significado às manifestações das relações de produção e operar no nível da consciência tanto na unificação da classe do bloco no poder quanto na construção dos “consensos” entre esta e as classes dominadas. No entanto, tanto Gramsci quanto Poulantzas mostram como a produção desta ideologia não se dá na forma de uma correia de transmissão das visões da classe dominante, mas é atravessada e constituída pela luta de classes. Isto acontece não só no conjunto dos meios de comunicação mas, especialmente, neste aparelho ideológico. Segundo Poulantzas, a estruturação do Estado a partir da luta de classes gera contradições no interior de cada aparelho. “Este aparelho, o mais marcado pela rigidez imposta ao Estado pelo atual processo de produção e reprodução do capital, manifesta paralelamente os limites e as restrições do leque de opções políticas e das táticas possíveis na organização da hegemonia de classe” (Poulantzas, 1981, p. 196). Esta disputa se inscreve em torno do controle da ação do aparelho. Historicamente setores da sociedade estiveram em conflito com os titulares de governos e parlamentos sobre o arranjo da estrutura de gestão das televisões públicas, que ao final definem quem controla o sistema. No caso europeu, incluindo aí também Austrália, Canadá e Japão, foi consolidado um modelo de uma estrutura mais ou menos partilhada com base em conselhos e instâncias não só diretivas como de acompanhamento e fiscalização da programação. Em alguns países as estruturas possuem porosidade à presença de representações das classes dominadas. Em outros países a composição é direta ou indiretamente feita pelo governo e parlamento. O caráter dinâmico é confirmado por diversas experiências históricas. Em vários momentos as organizações vinculadas à classe dominada, mesmo apartadas das estruturas diretivas, conseguiram influir sobre a organização do aparelho. Em outros, por mais que o arranjo fosse a expressão de conquistas no distanciamento das pressões dos “governos de plantão” há casos recorrentes que mostram o cumprimento, em segunda ou última instância, da função de produção e difusão da ideologia dominante. A polêmica em torno da cobertura da BBC sobre a Guerra do Iraque, e de diversos programas alinhados à posição favorável do presidente da Inglaterra, Tony Blair, é um exemplo.
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A esta dinâmica conflituosa resultante da luta de classe no interior dos aparelhos de Estado soma-se a tensão na mediação entre os interesses deste e do capital e os da população na Indústria Cultural. Bolaño (2000) já os localizou ao ver nesta esfera um caráter de mediação entre estes dois pólos. Assim, tanto a função propaganda quanto a função publicidade não podem prescindir de um contato com as demandas dos espectadores. No caso da função propaganda, que nos interessa mais diretamente, isso é ainda mais visível uma vez que a legimitação ideológica do sistema ocorre por meio da construção de “consensos”, e não de simples imposição da visão das classes dominantes. Utilizando o modelo de Habermas de oposição entre sistema e mundo da vida utilizado na Teoria da Ação Comunicativa, o autor afirma: A Indústria Cultural, a instância de intermediação entre o capital (e seria preciso acrescentar o Estado) e as massas, só foi definida quanto às determinações que são impostas pelo “sistema”. Mas até mesmo para que essas determinações sejam efetivas, ela deve também dar uma resposta a certas necessidades internas da “lebenswelt”, a saber, as necessidades de sua reprodução simbólica. Dito de outra forma, a Indústria Cultural só será capaz de “colonizar” o mundo da vida para o capital e o Estado, substituindo-se a meceanismos internos de reprodução simbólica daquele (Op. Cit. p. 227).
Desta forma, tensão entre os interesses presentes nos dois pólos da luta de classes se manifestam tanto no aparelho do Estado, e no aparelho específico da televisão pública (incluindo sua formatação e execução), quanto na relação entre este e o conjunto de espectadores a que se dirige. Ou seja, a partir desta articulação teórica reafirmamos o caráter dinâmico deste meio de comunicação sem desconsiderar os limites estruturais que o constituem. Portanto, definimos a televisão pública como um aparelho estatal que existe para garantir seus interesses gerais na Indústria Cultral, cumprindo primordialmente a função propaganda na construção de “consensos” a partir da tensão dialética entre a os as posições hegemônicas no âmbito do aparelho e as demandas do público a quem se dirige. Partindo desta conceituação, a questão do controle se conforma como núcleo essencial da definição da qualidade da luta de classes inscrita no aparelho. É a maior ou menor incidência das classes dominadas que posicionam o veículo público nos modelos ditos “governamental” ou “público”, tomados estes últimos como aqueles detentores de grau relativo de autonomia. Nos diferenciamos, então, de um conjunto de autores com trabalhos referenciais sobre o tema, como Garnham (1990), Dahlgreen (1995) e Raboy (1996), que bebem do referencial habermasiano de esfera pública para caracterizar conceitualmente a TV pública. Avaliamos que as fragilidades do conceito de “esfera pública” prejudicam o uso deste termo para caracterizar o objeto em questão. Não tomamos como falso falar em uma esfera da
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visibilidade pública, nos termos de Gomes (1998), identificada no início do texto como o primeiro grande entendimento acerca do significado do termo “público”, mas centramos nossa problematização na dimensão conflitiva dos processos de discussão e embate ideológicos, denominada por Gomes de “esfera do debate público”. A luta de classes e a racionalidade crítica da esfera pública A importância da obra de Habermas é proporcional aos debates sobre ela. Não pudemos produzir um mapeamento completo sobre eles pela sua extensão, mas nos propomos a fazer uma interpretação da obra e dos conceitos fundamentais utilizando alguns referenciais de debate sobre o conceito em sua relação com a mídia. O conceito de esfera pública foi apresentado por Habermas em sua clássica obra Mudança Estrutural da Esfera Pública, publicada originalmente em 19613. Em síntese, esfera pública seria a reunião de privados em um público que, a partir do uso da razão, discutem temas de interesses comuns formando uma opinião sobre estes. As condições para a esfera pública seriam a publicidade, a divulgação pública das informações necessárias ao debate dos temas nesta instância, e o debate racional, como meio de garantir que a opinião pública resultante da discussão fosse a expressão não do conflito de interesses particulares, mas da síntese da constituição de uma posição que reflita o interesse geral. Segundo Habermas, em seu embate com o Estado, os sujeitos privados reunidos em um público buscam hegemonizar as definições do Estado absolutista em crise a partir do princípio de que a “soberania deveria convergir com a razão”. Para que se construa esta opinião, uma condição é a publicidade, entendida aí como a visibilidade necessária das informações relevantes ao debate racional público. Outras são a problematização de temas e assuntos que até então não tinham sido considerados questionáveis e o não-fechamento do público. No entanto, o autor problematiza esta liberdade de acesso ao identificar a existência de dois critérios fundamentais de admissão nesta instância: a propriedade e a formação cultural. Ao entendermos a esfera pública como conceito histórico, para sua adequada compreensão seria necessário fazer um percurso pela sua gênese e pelo fenômeno detectado por Habermas como sua “mudança estrutural”. No entanto, pelos limites deste trabalho, nos centraremos no diálogo crítico e no que consideramos sua superação.
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Trabalhamos com a edição de 2003 da editora Tempo Brasileiro.
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Nosso diálogo crítico parte da demarcação necessária sobre o caráter classista da esfera pública. Os interesses que atendia, suas pautas e sua funcionalidade estão diretamente vinculados à burguesia. Esta visão está presente na obra em questão, cujo melhor exemplo é o seu subtítulo: “investigações acerca de uma categoria burguesa”. Ao discutir a opinião pública, Habermas reforça esta compreensão afirmando de maneira taxativa: “O interesse de classe é a base da opinião pública” (Habermas, 2003, p. 108). Ao analisar a composição deste espaço, composto majoritariamente por funcionários e integrantes da burguesia, Habermas avalia que a esfera pública passou a ter o “status normativo de órgão de auto-mediação da sociedade burguesa com um poder estatal que corresponda às suas necessidades” (Op. cit. p. 93). Em trecho, o autor caracteriza de maneira clara a dimensão excludente que o caráter classista da esfera pública gerou: Evidentemente, faltam... os pressupostos sociais para a igualdade de oportunidades... Tampouco... convence a equiparação de proprietários a seres humanos, pois, através de sua antítese à classe dos assalariados, o seu interesse na manutenção da esfera do intercâmbio de mercadorias e do trabalho social como uma esfera privada degrada-se a um interesse particular que só pode se impor através do exercício do poder sobre os outros... A concepção segundo a qual as pessoas privadas concordem, não pode, portanto, ser confundida com o justo e o correto: quebra-se também a terceira identificação, a central identificação de opinião pública com razão...Assim, então, também a dissolução das relações feudais de dominação no seio do público pensante não é a pretensa dissolução da dominação política de modo geral, mas a sua perpetuação de outra forma (Habermas, 2003, p. 149).
Se é verdade que este reconhecimento sobre a natureza classista está na obra citada, também é fato, em nossa avaliação, que ao longo do trabalho aparecem referências à importância de se tomar os princípios desta experiência histórica como princípio organizacional de um espaço democrático. A compreensão da esfera pública como modelo normativo democrático influenciou fortemente seus comentadores, em especial aqueles acadêmicos envolvidos com a discussão sobre a comunicação pública citados anteriormente. É por esta razão que, embora o autor reconheça o caráter classista desta instância, consideramos fundamental partir desta condição para derivar outras análises sobre os limites do uso deste conceito. Um exemplo do que identificamos como “concepção hegemônica” acerca da validade da esfera pública é a defesa saudosista do autor dos dois princípios que teriam sido destruídos com a mudança estrutural deste espaço: a publicidade e o debate racional. Sobre este último, é importante apresentar algumas reflexões, pois é a partir dele que teóricos da comunicação
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pública delimitam esta modalidade em oposição aos meios de comunicação comercial. É sim crível que em um espaço de articulação intra-classe houvesse condições da construção de consensos uma vez que não havia a presença de grupos antagônicos. No entanto, afirmar que a racionalidade ali era utilizada como princípio da discussão coletivo superando os interesses particulares rumo ao universal é negar exatamente o caráter de classe, e, portanto particular, da esfera pública descrita por Habermas. Se não havia defesa dos interesses gerais da sociedade, tampouco pode-se dizer que havia a busca do “bem comum” naquele espaço (ou interesses particulares da classe burguesa), uma vez que a disputa entre os capitais individuais é intensa no capitalismo, a tal ponto que demandou a criação de um organismo com o poder de garantir o interesse geral da classe: o Estado. Isso se mostra tanto na concorrência no reino da economia quanto nas disputas de frações de classe dentro da burguesia por hegemonia política. Na época analisada, com o crescimento do sistema proliferam-se conflitos entre capitais de regiões diferentes e de setores diferentes, entre as quais o embate entre o capital financeiro e o industrial em poucas décadas se tornaria mais evidente. Se assumimos que o debate racional e visando o “bem comum” não ocorre entre os capitais individuais, tampouco podemos afirmar que este processo seria possível da classe burguesa para com seu grupo antagônico: a classe trabalhadora. Uma vez que os pressupostos para a plena inserção na esfera pública são a propriedade e a formação cultural, deduzimos que algo próximo de um debate racional no conjunto da sociedade visando superar os interesses particulares só seria possível no momento em que estas condições fossem garantidas a todos. Como diz o autor em uma passagem que, repetimos, é minoritária em relação ao conjunto da obra e de sua repercussão: “Uma dimensão pública é, então, assegurada quando as condições econômicas e sociais oferecem as mesmas chances a todos para preencherem os critérios de acesso” (Op. cit. p. 106) O princípio do “debate racional” merece aqui maior atenção pois é ele que associamos à função geral dos meios de comunicação públicos. Nos centraremos, portanto, no que Gomes (1998) chamou de “esfera do debate público” em detrimento da “esfera de visibilidade pública”. Segundo o autor, o conceito de Habermas traria de maneira não especificada estas duas dimensões que, para o entendimento dos meios de comunicação, precisam ser analisadas de maneira separada. Embora a primeira seja inerente aos meios de comunicação, nos interessa para análise da televisão pública a segunda, um locus onde, além de haver visibilidade sobre os acontecimentos, efetivamente possa se produzir o debate público.
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Gomes relativiza esta segunda esfera, afirmando ser ela “uma prática social que obedece a determinados procedimentos” podendo ser “burguesa ou plebéia” e “geral ou específica”. Para o debate em questão, não interessa os espaços de classes ou grupos, uma vez que a televisão pública se diferencia exatamente por não ser privada. Portanto, o desafio que se coloca é de entender a televisão pública como espaço geral, e não apenas de uma classe, no capitalismo e como esta pode cumprir sua função de produtora de debate público assumindo a presença de grupos e classes antagônicas no conjunto da sociedade.
A materialidade e o compromisso cidadão do culturalismo latino-americano Após as obras voltadas à denúncia da dominação que reproduzia no plano da cultura as estratégias imperialistas dos EUA e das grandes potências mundiais, nenhum outro grupo de autores conseguiu constituir reconhecimento tão expressivo na América Latina como os culturalistas, em especial Martin-Barbero e García Canclini. Suas elaborações são relevantes para o debate feito neste artigo pela relevância no quadro dos estudos de comunicação no continente e pela validade de discutir formulações voltadas a uma realidade que aproxima-se bastante da brasileira. A contribuição dos culturalistas latino-americanos estrutura-se em cima de duas análises centrais. A primeira diz respeito às transformações recentes da sociedade, sobretudo a ascensão da mídia a partir do desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação e as fortes mudanças no “caráter público” da sociedade e, por consequência, dos próprios meios de comunicação. No primeiro caso, a rápida evolução dos meios técnicos de produção e troca de mensagens estaria, no contexto da globalização neoliberal, conformando a mídia como principal espaço de produção de sentidos e identidades e de mediação social. No segundo caso, a expansão das forças de mercado e a reconfiguração da sociedade derivadas das alterações políticas e sociais decorrentes deste fenômeno estariam levando ao declínio do Estado-Nação e da sociedade de massas que caracterizou a segunda metade do século XX, erigindo novos espaços mais fluidos e segmentados de sociabilidade. Em vez da massa, ou dos trabalhadores, constituem-se identididades variadas de gênero, raça, idade, orientação sexual e localização geográfica. Para Beltrán, A noção de caráter público também está mudando. Sua assimilação ao caráter estatal está sendo questionada, para que seja aberta à geração de espaços onde circulem e sejam debatidas questões de interesse comum, e
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onde sejam expressas as diferenças e os interesses dos diversos setores (2002, p. 89).
A segunda análise central diz respeito à formatação dos meios de comunicação públicos neste cenário em erosão. Olhando para a realidade latino-americana e suas recorrentes experiências ditatoriais, os autores vinculam o perfil desta modalidade aos governo de plantão, trabalhando com um questionamento à lógica instrumental ao qual estiveram submetidas durante boa parte do século XX. Estes veículos desempenharam dois papeis aos regimes de exceção, que por vezes se alternavam e se combinavam. O primeiro foi o de solidificar uma cultura nacional associada aos programas dos regimes autoritários. O segundo foi o de servir de suporte a um projeto específico de massificação da educação como condição à resposta à demanda por mão-de-obra qualificada em nações que então vivenciavam altas taxas de crescimento econômico. “Os projetos de televisão educativa, associados às televisões públicas, participavam da idéia de que as mídias massificariam a educação, apoiariam outros processos educacionais e permitiram atingir, com relativa facilidade, as populações que estavam excluídas dos circuitos oficiais da educação” (Beltrán, 2002, p. 91-92). Na visão dos autores, a TV pública seria um compromisso com a superação do passado autoritário desta modalidade de mídia, acolhendo as mudanças recentes da sociedade e valorizando a diversidade emergente das novas formações identitárias. Aposta-se em uma reconstrução do projeto público de televisão que, - ciente das novas condições de produção e de oferta, das inovações tecnológicas e de reconfigurações do público – ofereça o reconhecimento e expressão da diversidade cultural que compõe o nacional, represente a pluralidade ideológico-política, propicie uma informação independente, plural e inclusiva das diferentes situações regionais (Martín-Barbero, 2002, p. 56).
Para atingir tal objetivo, a TV pública deveria caracterizar-se por dois aspectos centrais: sua natureza autônoma e seu compromisso cidadão com a diversidade cultural. O primeiro vai ao encontro da necessidade de superar a estreita vinculação governamental do passado, retirando “a televisão do domínio e da orientação hegemônica do Estado, levando-a para uma autonomia social e política” (Beltrán, Op. Cit. p. 100). A desestatização caminha lado à lado com a modernização e com uma postura mais pró-ativa e ágil frente ao dinamismo social crescente. Já seu compromisso programático a diferiria dos modelos privados e estatais por interpelar os cidadãos, convidando-os à participação e ao reconhecimento social de suas diversas facetas multiculturais. Barbero (Op. Cit.) coloca na ponta deste projeto o adjetivo
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“cultural”, equivalendo uma “televisão pública de cultura” a uma televisão pública de qualidade, que se caracterizaria por (1) manter uma produção cultural própria, perpassando todas as faixas da programação; (2) construir uma relação particular e especial com a acelerada e fragmentada vida urbana; (3) desempenhar um papel alfabetizador da sociedade em relação às novas linguagens e aos meios técnicos das sociedade convergente; e (4) ter uma concepção multidimensional da competitividade envolvendo “profissionalismo, inovação, e relevância social de sua produção”. Não há dúvida sobre a validade de diversos aspectos defendidos no projeto culturalista, em especial a representação efetiva da diversidade cultural e pluralidade política da sociedade nas emissoras públicas. No entanto, consideramos este aporte insuficiente para o esforço aqui esboçado de construção de uma delimitação conceitual que contribua para um debate teórico sólido sobre o objeto TV pública. Em primeiro lugar, como já afirmado, nos colocamos entre aqueles que não vêem a necessidade de “desestatizar” a televisão pública, por ver sua materialidade na forma de um aparelho deste espaço. Uma experiência nos moldes culturalistas, ou até mesmo respondendo ao modelo constitucional brasileiro que separa o público do estatal, não sobreviveria sem financiamento público, entendido aí como fluxo de recursos dos cidadãos para alguma fonte de receitas resguardada na estrutura institucional do Estado, mesmo que esta não fosse flexível à dinâmica orçamentária dos Executivos. O mesmo vale para sua gestão, uma vez que a participação pretendida necessita de uma base legal ou normativa, cujos regramentos se inscrevem no seio do Estado. Desta maneira, falar em televisão pública, em nossa visão, significa falar em um veículo estatal. O que não significa, como também já explicitado, o apoio à noção de uma emissora ou sistema vinculado diretamente a um dos três poderes e alguma das três esferas da Federação. Portanto, tanto estas mídias (como as TVs Câmara, Senado e Justiça ou o próprio NBR, o canal do governo federal) como aquelas que são defendidas como espaços participativos e democráticos são emissoras públicas. A diferença entre os primeiros e os segundos está no arranjo de poder definido estrutural e conjunturalmente, ou seja, como se se organiza e como se exerce o controle deste aparelho especializado de Estado. E aí a noção de participação diferencia-se claramente da advogada pelos culturalistas. Para além de um conceito de cidadania associado à ilusão do Estado de Direito Burguês, adotamos aqui o critério prescritivo da busca pela democratização do aparelho da televisão pública como o processo pelo qual as classes dominadas reivindicam
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maior espaço de incidência no processo de produção e distribuição dos conteúdos simbólicos do aparelho de Estado televisão pública. Surge aí outra diferença da perspectiva aqui adotada em relação à abordagem sob análise. A sociedade é vista como um todo complexo que constitui-se em diversos segmentos e processos identitários, mas não como algo que tenha sido desestruturado ao ponto de ter alterado a contradição essencial capital-trabalho, originária da dinâmica conflitiva da luta de classes. Assim, a diversidade cultural e o pluralismo necessários a um projeto de TV pública não são, para efeitos deste ponto de vista particular, neutros nem compõem um ideário onde a forma de contemplação das diferenças suplanta o conteúdo do programa de transformação da contradição estruturante da sociedade capitalista. Em outras palavras, a consideração das diferenças e das novas identidades é fundamental, mas de maneira alguma esgota o projeto de alteração da correlação de forças que marca a sociedade e, de maneira específica, o aparelho TV pública. Neste sentido, e voltando ao ponto de partida, diferenciamo-nos dos culturalistas por considerarmos necessário definir a TV pública por aquilo que ela é, na essencialidade aqui advogada, e não por aquilo que ela não deve ser (vinculada ao Estado) ou por seu programa (cultural, diverso e plural). Reiteramos que é preciso buscar a materialidade deste tipo de veículo, observando-o como instituição e, enquanto tal, como aparelho de Estado com características próprias por cumprir uma função propagandística e, ao mesmo tempo, operar como agente na Indústria Cultural. Referências Bibliográficas: BELTRÁN, G. R. - O cenário móvel da televisão pública: alguns elementos do contexto. In. Rincón, Omar. Televisão Pública: do consumidor ao cidadão. Friedrich Ebert Stiftung. São Paulo, 2002. BOLAÑO, César R. S. Indústria Cultural, Capitalismo e Informação. São Paulo, Hucitec, 2000. DAHLGREEN, Peter. Television and the public sphere: Citizenship, democracy, and the media. London: Sage, 1995 GARNHAM, N. Capitalism and Communication: Global Culture and the Economics of Information,. London: Sage Publications, 1990. GOMES, Wilson. Esfera pública política e media - II. Anais do VII Encontro anual da COMPÓS, São Paulo, maio de 1998.
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GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978. HABERMAS, Jurgen - Mudança Estrutural na Esfera Pública. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, 2003. MARTÍN-BARBERO, J – Televisão pública, Televisão Cultural: entre a renovação e a invenção. In. Rincón, Omar. Televisão Pública: do consumidor ao cidadão. Friedrich Ebert Stiftung. São Paulo, 2002. PORTELLI, Hugues. Gramsci e o bloco histórico. São Paulo, Paz e Terra, 1987. POULANTZAS, Nico, O Estado, o poder, o socialismo. Rio de Janeiro, Graal, 1978. RABOY, Marc. Public Broadcasting for the Twenty-first Century. Luton (UK): John Libbey Media / University of Luton Press, 1996. SADER, Emir. TV pública e TV mercantil. Publicado no Blog do Emir (disponível em www.agenciacartamaior.com.br) em 18 de fevereiro de 2008.
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Nova TV Pública Convergente: interatividade, multiprogramação e compartilhamento André Barbosa Filho1 Cosette Castro2 Resumo Este artigo busca refletir sobre as mudanças que a TV pública brasileira deverá passar nos próximos anos a partir da implantação da TV digital. Foram considerados como pontos de partida para a análise três temáticas: a formação da figura do operador de rede de plataformas comuns de transmissão de sinal digital como forma de baratear custos e agilizar a multiprogramação; o uso da interatividade em seus diferentes níveis como ferramenta para ampliar a inclusão digital no país e a produção de conteúdos audiovisuais interativos através do uso de redes de alta velocidade. O texto ultrapassa o campo específico da Comunicação para incluir aspectos tecnológicos como as redes de transmissão, no debate da viabilização e futuro da TV pública no país. Palavras-Chave: TV pública - conteúdos digitais – interatividade – compartilhamento de redes Resumen Ese artículo busca reflexionar sobre los cambios que la televisión pública brasileña deberá pasar en los próximos años a partir de la implementación de la TV digital. Fueron considerados como puntos de partida para el análisis tres temas: la formación de la figura del operador de red de plataformas comunes de transmisión digital como manera de reducir costos y agilizar la multiprogramación; el uso de la interactividad en sus distintos niveles como herramienta para ampliar la inclusión digital en el país y la producción de contenidos audiovisuales interactivos a través del uso de redes de alta velocidad. El artículo traspasa el campo específico de la Comunicación para incluir aspectos tecnológicos como las redes de transmisión en el debate de la viabilización y futuro de la televisión pública en el país. Palabras Llave: Televisión pública – contenidos digitales compartillamiento 1
interactividad – redes de
Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP; Pesquisador associado da UnB; Assessor Especial do Ministro Chefe da Casa Civil – Presidência da República. Autor do livro “Gêneros Radiofônicos, os programas e os formatos em Áudio”, Paulinas,2003; e co-autor dos livros “Rádio: Sintonia do Futuro”, Paulinas, 2004, “Mídias Digitais, Convergência Tecnológica e Inclusão Social”, Paulinas, 2005 e “Comunicação Digital: educação, tecnologia e novos comportamentos”, editoras Paulinas, 2008 (prelo). abarbosa@planalto.gov.br 2 Doutora em Comunicação pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB/ES). Prêmio Luis Beltrão/Intercom em Liderança Emergente em 2008 e Professora do Mestrado em TV Digital da UNESP. Co-autora do livro “Mídias Digitais, Convergência Tecnológica e Inclusão Social”, Paulinas, 2005; autora do livro “Por que os Reality Shows Conquistam as Audiências?, Ed. Paulus, 2006 e co-autora de “Comunicação Digital: educação, tecnologia e novos comportamentos”, Paulinas, 2008 (prelo). cosettecastro@hotmail.com
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Abstract This article pretends to reflect about the changes of the Brazilian public television will pass in the next years after the implantation of the digital television. Three subjects were considerate for this analysis: the formation of the figure of common transmission of web platforms’ operator to digital signal as form to reduce costs and to accelerate the multiprogramming; the use of the interactivity in its different levels as a tool to increase the digital inclusion in the country and the production of audiovisual interactivity contents through of the high velocity webs. This paper passes the Communication specific ambit to include technologic aspects like the transmissions webs in the discussion of future of the public television in the country. Keywords: Public television – digital contents – interactivity – common webs transmission Introdução A história da televisão pública no país tem sido palco de um intenso debate ao longo dos últimos anos. Essas discussões incluem as causas e conseqüências da baixa audiência; a falta de robustez do sistema analógico, a escolha de um tipo (ou outro) modelo de gestão e conteúdos para a televisão pública brasileira ou ainda o debate sobre a escolha de um modelo de negócios que a torne capaz de acompanhar o futuro, assim como as transformações inerentes à tecnologia digital. Este texto busca refletir sobre as mudanças radicais que a TV pública vem passando desde a implantação da TV digital no país, em dezembro de 2007 e que deverá continuar passando nos próximos 10 anos. Para dar corpo a essa discussão, utilizaremos três temáticas que estão colaborando (ou em breve vão colaborar) para as modificações estruturais na TV pública: a formação da figura do operador de rede de plataformas comuns de transmissão de sinal digital como forma de baratear custos e agilizar a multiprogramação; o uso da interatividade em seus diferentes níveis como ferramenta para ampliar a inclusão digital no país e a produção de conteúdos audiovisuais interativos através do uso de redes de alta velocidade. O texto, como poderá ser observado a seguir, ultrapassa o campo específico da Comunicação para incluir aspectos tecnológicos, como as redes de transmissão no debate da viabilização e futuro da TV pública digital no país. Uma dessas mudanças diz respeito à possibilidade de usar a multiprogramação. Ou seja, depois da decisão disseminada pelo decreto 5.820/06, referente à escolha do padrão de modulação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD-T), cada canal de TV tem o direito a ocupar um espaço de 6 MHz no espectro eletromagnético para as transmissões analógicas e outro para a transmissão digital. Na TV analógica, esse é o espaço necessário para
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se colocar uma única programação. Assim, quando uma emissora consegue uma outorga de TV, ela obtém um espaço da banda de freqüência para transmitir sua programação. É a isso que chamamos de canais de televisão, tanto para o VHF quanto para o UHF. O período de migração do sistema analógico para o digital, que segundo o decreto mencionado acima, vai até dezembro de 2016, faz com que sejam outorgados, neste período, canais paritários aos radiodifusores/concessionários (um analógico e um digital)3. Findo este prazo, os canais analógicos serão devolvidos à União. No modelo de TV digital que o Brasil adotou – um híbrido entre o sistema japonês com utilização de componentes brasileiros - neste mesmo espaço, é possível colocar muito mais informação. Ao optar pela modulação japonesa BST-OFDM com seus 13 segmentos e pelo codec de vídeo chamado H 264 (MPEG 4) os brasileiros terão ao seu dispor uma compressão de imagem muito melhor e maior do que o seu antecessor, o MPEG 2, utilizado pelo modelo europeu, norte-americano, incluindo o japonês original. Caso seja usada a definição de imagem chamada standard (imagem com a qualidade de um DVD, sem chuviscos ou fantasmas, com padrão surround para o áudio), o mesmo espaço de 6 MHz que antes comportava apenas uma única programação de TV, poderá suportar diversas programações simultâneas, transmissão one seg4 para equipamentos portáteis e ainda sobra espaço para a transmissão de dados (típica dos serviços interativos). O mesmo ocorre se a definição da imagem for de alta definição, a predileta dos radiodifusores por causa da qualidade da imagem. Neste contexto é que surge a proposta de se criar no Brasil o chamado "operador de rede de plataformas comuns de transmissão de sinal digital". As emissoras teriam, com este novo sistema - já em operação no Japão, em vários países europeus e na Austrália - a oportunidade de transmitir cada uma sua própria programação, a partir de sistemas de transmissão integrados. E, se assim o desejassem, oferecer, cada qual, separadamente, a multiprogramação às audiências. Ou seja, as emissoras enviariam seu sinal dos estúdios para o seu próprio transmissor colocados num espaço comum, junto a uma única torre de transmissão em cada município. Isso possibilitará o compartilhamento físico das instalações para 3
O decreto 5.820/2006 determina que até dezembro de 2013, haja disponibilidade técnica de cobertura de sinal de TV digital terrestre em todo território nacional, data a partir da qual não serão mais concedidos canais de TV analógicos. 4 One Seg. A modulação japonesa BST-OFDM divide a banda de 6 MHZ em 13 segmentos de freqüência, 12 destes para transmissões para terminais fixos e um deles, One Seg, voltado exclusivamente para transmissões para terminais móveis e portáteis, mantendo-a aberta e gratuita..
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os transmissores de cada emissora, ligando-os a suas antenas correspondentes, dispostas em torre única. Assim, as emissoras não precisariam investir individualmente na digitalização das torres de transmissão, bastando remunerar pelo serviço um único operador de rede. Este procedimento favorecerá principalmente as emissoras pequenas que dispõem de menor volume de recursos. Esta opção no campo das transmissões digitais parece estar se consolidando entre TV públicas institucionais brasileiras, ou seja, TV Câmara, TV Senado, TV Justiça, a EBC e TV da Educação (a ser criada, de acordo com o decreto 5.820/2006). Já as emissoras privadas até começo do mês de setembro de 2008 ainda não haviam chegado a um acordo nas principais cidades brasileiras sobre a possibilidade de caminharem juntas e economizarem investimentos. Há ainda a importantíssima discussão da integração das emissoras públicas estaduais, canais comunitários e universitários que pode ser realizada com a utilização efetiva da multiprogramação. Operador de rede A proposta do operador de rede de plataformas de transmissões comuns permitirá a redução dos custos de transmissão dos sinais eletromagnéticos com ganho de qualidade. Trata-se de uma escolha tecnológica de investimento coletivo para economizar recursos e, especialmente, melhorar a qualidade de emissão e recepção de sinais radioelétricos a partir de um mesmo ponto e diminuindo a incidência de raios gama sobre a população. No Japão, a empresa pública NHK construiu um modelo similar de compartilhamento e integração geográfico dos sistemas de transmissão da TV digital com a diferença de que naquele país o compartilhamento de redes incluía as empresas privadas de radiodifusão. Os diretores da NHK afirmam que tanto as emissoras públicas como as privadas economizaram mensalmente 40% de seus custos em operação de transmissão com a adoção5 deste modelo. O projeto japonês vai mais além. Integra os sistemas de transmissão de televisão e também os sistemas voltados para outras modalidades de serviço como os de banda larga e satélites. Por que um projeto como o do operador de rede de plataformas de transmissões comuns faria sentido no maior país da América Latina? Porque o Brasil tem hoje cerca de 600 emissoras geradoras de TV analógica, aproximadamente 3 mil retransmissoras, além de outras 12 mil
5
Disponível em http://www.nhk.or.jp/nhkworld/portuguese/top/index.html. Acesso em 15 de agosto de 2008.
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repetidoras (Anatel, 2008). Ao formatar uma proposta que se viabilize a partir da oferta de sistemas integrados de transmissão de sinais de TV digital, o projeto operador de redes comum vai colaborar com o mercado de pequenas e médias emissoras
no país. O termo de
implementação da TVD no Brasil assinado em 2006 pelos governos do Brasil e do Japão previu a criação de um grupo de trabalho conjunto (GTC) que, por sua vez, atua metodologicamente no sentido de desenvolver estudos baseados em cinco sub-grupos, sendo um deles, o sub-grupo E, voltado para financiamento do processo de migração digital. Um dos projetos aprovados pelo sub-grupo E passa pela construção de uma rede de radiodifusão digital compartilhada para as TV públicas que será viável a partir do uso de programas de financiamento de bancos de fomento como BNDES e o JBIC, japonês. Entretanto, vale notar que este compartilhamento de plataformas de transmissão comuns não se confunde em sua execução com a operação de rede que é feita na Europa, onde o termo pode ser traduzido por operador de programações (line-up). Naquele continente, um head, ou cabeça, geralmente órgão público com mandato específico, organiza a programação recebida das emissoras e distribui em espaços do espectro, dentro dos canais de radiodifusão que no caso europeu tem a largura da banda de freqüência maior do que a utilizada no Brasil, ou seja, de 8MHz.6 No Brasil, as emissoras detêm, cada qual, 6MHz de banda. Com a compressão MPG-4, teríamos a possibilidade de uso compartilhado destes 6MHz, por canais com diversas propostas. Esses canais podem transmitir em rede nacional, em rede regional ou local, assim como pode ser utilizada a integração de todas estas, de acordo com o modelo de programação a ser escolhido, respeitando-se a diversificação e pluralidade de autores e de obras. Assim os canais públicos institucionais poderiam carregar, num primeiro momento, conjuntamente com suas programações, as das emissoras estaduais, comunitárias e universitárias, sem qualquer interferência editorial. Em 2016, após o retorno ao governo federal do espaço de espectro destinado as emissoras analógicas, haverá um novo cenário onde novas propostas de participação nas programações públicas poderão ser acolhidas. Produtos audiovisuais digitais interativos
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No Brasil e na América do Sul, assim como nos EUA e no Japão, a largura de banda é de 6MHz.
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Outra mudança diz respeito à produção de conteúdos audiovisuais e as possibilidades interativas da tecnologia digital. Muito se tem discutido sobre os dois temas, pois o sinal da TV Digital com interatividade agrega um fator até há pouco inexistente na relação dos canais de TV com suas audiências: a possibilidade real de participação destas últimas influenciando cada vez mais no fazer televisivo. Isso pode ocorrer através do canal de retorno, ou canal de comunicação que utiliza outra tecnologia de conexão que permite esta interatividade . Isso torna os diferentes níveis de interatividade existentes em um importante instrumento de participação, de acesso à informação e a introdução das audiências televisivas ao mundo ligado em rede em tempo real através dos mais de 95% de televisores analógicos que a população tem em casa, ligados a conversores digitais com middleware
7
embarcado e a conexão com outras redes de telefonia,
satélites e Internet. Se a TV aberta hoje utiliza aparelhos como telefone, Internet e fax para fazer com que as audiências participem indiretamente de sua programação, com a TV Digital, a convergência destas mídias (telefone, internet) poderá possibilitar o diálogo entre os campos da produção e da recepção, através de dados recebidos e armazenados nas caixas conversoras. E, principalmente, por um canal de retorno que possibilite a interatividade em seus diferentes níveis. Para que possamos compreender melhor este novo mundo de bits e bytes por onde trafegam os sinais que permitem a interatividade utilizaremos um exemplo que nos transporte para o mundo da telefonia fixa, que é um dos tipos mais usuais de canal de retorno. Assim, quando um sinal chega a primeira central de comutação, no caso da telefonia fixa comutada, a parte de voz é separada dos dados e enviada para a rede de telefonia, enquanto que os dados são enviados para rede de dados da Internet. A tecnologia utilizada DSL
8
é apresentada de três
modos distintos: •
o simétrico, que transmite a mesma taxa de bits tanto no sentido usuário-rede (upstream) quanto no sentido rede-usuário (downstream);
•
o assimétrico, que transmite a taxa downstream maior que a de upstream;
•
o simétrico e assimétrico que pode transmitir nos modos simétrico e assimétrico. 7
O Middleware é a designação genérica utilizada para se referir aos sistemas de software que se executam entre as aplicações e os sistemas operativos. O objetivo do middleware é facilitar o desenvolvimento de aplicações, tipicamente aplicações distribuídas, assim como facilitar a integração de sistemas legados ou desenvolvidos de forma não integrada. O SBTVD utiliza o middleware Ginga, brasileiro, que permite interatividade e interoperabilidade. 8 Digital Subscriber Line (DSL).
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São os serviços assimétricos os que incluem TV Digital, vídeo sob demanda, acesso a Internet de alta velocidade, ensino à distância, tele-medicina, entre outros. Esse serviço tem taxa de downstream maior e de upstream menor, caracterizando a assimetria. Todo este cenário implica, portanto, na integração de redes. E não apenas em integração, mas principalmente em compartilhamento destas redes ou no uso comum de seus espaços de bandas de freqüência pelos sinais transmitidos por uma ou mais fontes emissoras distintas. Em termos de integração e compartilhamento de redes, é necessário entender a taxa de bits necessária para a transmissão de determinados serviços, via fibra ótica, portanto, complementar a transmissão em rede radiodifundida. Embora este seja um tema diretamente relacionado a engenharia de redes e a futura demanda de tráfego9, é muito importante para os estudiosos da comunicação digital conhecê-lo, pois assim será possível identificar que tipo de conteúdo poderá ser enviado ou recebido, neste mundo digital, onde a televisão recém dá seus primeiros passos. A tabela abaixo mostra as taxas requeridas para algumas aplicações:
Aplicação
Taxa requerida
Navegação WEB
5 Mbit/s
Telefones
0.1 Mbit/s
Jogos
1 bit
Controle de eletrodomésticos
2 Mbit/s
2 canais de vídeo digital MPEG
10 Mbit/s
TV de alta definição
19,2 Mbit/s
2 canais de videoconferência
2 Mbit/2
Total
39,3 Mbit/s
Uma banda de freqüência em UHF utilizada para TV digital, por exemplo, tem 6 MHz. É possível dividir esta banda, teoricamente, em diversos segmentos compartilhados, utilizando o sistema BST-OFDM para transmitir simultaneamente (se legislação assim o permitir, lógico!) os produtos descritos na tabela acima para diversos terminais diferentes, sejam fixos, móveis ou portáteis. 9
TRONCO, Tânia Regina e MENDES, José Manuel Duarte. VDSL2: Uma nova tendência para redes de acesso em banda larga. Caderno CPqD de Tecnologia, Campinas: CPqD, v 3, n° 1, p. 17-26, jan-jun 2007
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Diante deste quadro de possibilidades tecnológicas é possível classificar a interatividade em cinco diferentes classes, imaginando este cenário convergente e compartilhado entre redes para uso na TV Digital. Elas representam as várias dimensões em que a interatividade pode ser usada e onde as audiências poderão conviver com a programação que mais prende sua atenção e que mais possibilita a interação. São eles: 1.
Transmissão bidirecional simétrica (Usado em Sistemas de Radiodifusão e Redes de comunicação de dados). Esta interação dá-se usualmente em virtude das altas taxas de transmissão tanto de upstream (subida de sinal) como de downstream (descida de sinal), usuais das redes de TV a cabo que usarem arquitetura HFC (híbridos de fibra óptica e cabo coaxial).
2.
Transmissão bidirecional assimétrica de retorno solicitado pelo usuário (Usado em Sistemas De Radiodifusão, com tecnologia Acesso Múltiplo por Divisão de Tempo (TDMA) e Acesso Múltiplo por Divisão de Código (CDMA). Estas tem a característica de ter manter taxas diferenciadas de subida e descida de sinal em virtude do tráfego. Essa interação faz o compartilhamento do canal de retorno entre os usuários.
3.
Transmissão bidirecional assimétrica com retorno solicitado pelo provedor de informação. Nesta interação, o usuário apenas pode escolher entre algumas opções propostas pela emissora.
4.
Transmissão bidirecional assimétrica com retorno off-line. Nesta interação, como o retorno é off-line, ou seja por um outro canal, seja telefonia fixa, celular, etc., Não há aí a possibilidade de mudança na programação. É o que existe hoje nos programas de TV e rádio, quando se entra em contato com o público para algum sorteio ou participação qualquer e se utiliza o sinal da ligação telefonica para a comunicação com este público, independentemente da transmissão radiodifundida.
5.
Transmissão unidirecional, sendo a caixa conversora, como é conhecida o set top box, apenas um servidor de aplicações. Nesta classe não há interação plena
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pois o sinal transmitido pela emissora traz opções incorporadas nele que são armazenadas na memória da caixa digital e o telespectador somente escolhe as opções que o aparelho lhe oferece10, como programas ‘on demand’, serviços e campanhas públicas, etc. que estarão a disposição do telespectador e baixadas da memória de seu terminal de acesso a seu critério. Fluxo de programação compartilhado O grande desafio, portanto, é o de estimular a produção conteúdos audiovisuais que sejam pensados não apenas do ponto de vista da programação linear e analógica como conhecíamos até então, mas desde a proposta de módulos interativos. Módulos estes que sejam, novamente, projetados sob o ponto de vista da taxa de bits necessária para a operação de seu tráfego e de seu compartilhamento pelas redes; módulos abertos, intercambiáveis, com informações justapostas, permitindo o uso de várias telas ao mesmo tempo para conhecer as diferentes programações, por exemplo - que possam se tornar aplicativos para TV digital aberta. Além disso, que possam ser usados como produtos cross media, possibilitando o aproveitamento de diferentes plataformas digitais. No caso das TVs públicas há muito trabalho a ser feito, pois a exceção da TV Câmara e da TV Justiça que já começaram suas transmissões digitais, as demais necessitam ainda começar o processo de digitalização. Isso significa o desenvolvimento de atividades paralelas e complementares à implantação tecnológica. Entre essas atividades é possível citar: a. Estímulo ao desenvolvimento de um centro de fomento e de distribuição de conteúdos digitais interativos; b. Desenvolvimento de programas de formação e capacitação de mão-de-obra especializada na produção de conteúdos audiovisuais interativos tanto em nível técnico como universitário; c. Estímulo à produção de conteúdos digitais independentes regionais;
10
KIOUSIS, S. Interactivity: a concept explication. New Media & Society. vol. 4. SAGE Publications. 2002. pp. 355-383. Disponível em: <http://nms.sagepub.com/cgi/content/abstract/4/3/355>. Acesso em 19 de agosto de 2008.
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d. Fornecimento de ferramentas de software para a produção destes conteúdos audiovisuais digitais que poderão ser oferecidos apenas para TV digital, mas também através da convergência entre diferentes plataformas tecnológicas; e. Estabelecimento de cooperativas de produção de conteúdos digitais interativos. Uma das questões de maior complexidade, tanto sob o ponto de vista econômico do custeio quanto da logística é o do fluxo da programação e da rede, já que produzir conteúdos audiovisuais digitais sem pensar nessas questões traria como conseqüência uma gestão pública ineficaz e possivelmente sem futuro. Atualmente, a emissora de radiodifusão que opera transmissões em rede, seja em tempo real, seja para disponibilizá-las em arquivo para uso posterior, utiliza os transponders nos satélites de comunicação. A decisão de baixar os sinais radiodifundidos (download) em geral domina o fluxo. A taxa de envio dos sinais subindo das pontas locais para a cabeça de rede (upload) por sua vez é utilizada com menos freqüência por seu alto custo. A tentativa de estimular
a troca de conteúdos audiovisuais digitais através de um
operador compartilhado de rede de transmissão entre produtores locais, regionais e cabeça de rede depende do uso de outras tecnologias de conexão. Um exemplo são as fibras óticas para que dados, som e vídeo possam ser enviados e recebidos através da rede mundial com altas taxas de processamento e utilizando banda de larga capacidade de tráfego. Para que isso ocorra, alguns projetos devem fazer parte do cotidiano da televisão pública, como o uso de infra-estrutura compartilhada e local com conexões e codificadores; operação e manutenção em nível de serviço; suporte de programas (software) e a investigação e desenvolvimento de produtos em vídeo digital com a evolução da plataforma. Estas são algumas das propostas básicas do projeto apresentado pela Rede Nacional de Pesquisa (RNP) à Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) no final do primeiro semestre, que pode ser estendido para as demais TVs públicas. A idéia central baseia-se na criação de um serviço de intercâmbio de TV Pública (ITVp) entendidas aí, a EBC, as TVs institucionais, as TVs educativas e universitárias, através de sistema de compartilhamento de conteúdo digital baseado na infra-estrutura de rede nacional de alto desempenho de educação e pesquisa (rede Ipê). O objetivo é aumentar a oferta e a qualidade dos conteúdos dos canais da TV Pública pela criação de uma comunidade em rede que permita a
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troca de vídeos digitais com qualidade de difusão, através do intercâmbio automatizado e o compartilhamento de conteúdos selecionados das grades de programação de cada uma das TVs envolvidas11. Este cenário interativo com uso da multiprogramação e de módulos de conteúdos audiovisuais digitais pode dar vazão – em pouco tempo - às reivindicações dos diferentes atores sociais no sentido de permitir a participação tanto na construção de conteúdos como no acesso a divulgação desses conteúdos. Tal cenário está diretamente relacionado ao processo de mudança no comportamento dos cidadãos, cada vez mais participativos e interessados em interagir com a programação existente, ainda que essa programação ainda seja, em sua maioria desenvolvida no sistema analógico, já que o processo de implantação definitiva da TV digital ainda demorará 08 anos, quando as empresas de comunicação, públicas e privadas deverão devolver os canais analógicos ao governo federal. Nesse sentido, a proposta de conectar as plataformas comuns às redes públicas nas principais cidades brasileiras parece ser uma das respostas para aquelas necessidades. Isso porque pode chegar a uma cobertura semelhante à das redes comerciais somada um fluxo dinâmico de conteúdos digitais, robustos, de alta performance e de baixo custo. Centros de Excelência em Produção de Conteúdos Digitais A produção de conteúdos audiovisuais digitais fazem parte do tripé – operadores compartilhados de redes de transmissão e uso de conteúdos interativos -
para pensar as
modificações pelas quais a TV pública brasileira deverá passar nos próximos anos tanto em termos de viabilidade técnica e econômica como de inclusão digital. Pensando nisso, o governo brasileiro está criando o Centro Nacional de Excelência em Produção de Conteúdos Digitais Interativos e Interoperáveis, coordenado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). A proposta é inovadora e segue a decisão do encontro do E-LAC em 2008. No encontro de 26 países latino-americanos e caribenhos para definir os rumos da Sociedade da Informação até 2010, realizado em El Salvador em fevereiro deste ano, a delegação brasileira apresentou a proposta de criação de um centro regional de produção de conteúdos
11
SIMÕES, Nelson e CAETANO, Daniel. ITVp, Intercâmbio em TV Pública. Brasília: RNP , agosto, 2007 ( mimeo).
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digitais, assim como o estímulo a criação de centros nacionais em cada país. A proposta aceita por unanimidade levou em conta o papel da indústria de conteúdos e de entretenimento no cenário mundial. Os 26 países decidiram tornarem-se produtores de conteúdos e não somente consumidores como vêm ocorrendo até então, já que os estudos internacionais mostram que a América Latina produz apenas 7% dos conteúdos consumidos mundialmente. A proposta do Centro Nacional é estimular a produção e desenvolvimento de projetos conteúdos audiovisuais digitais por diferentes atores sociais, como a academia, os institutos de P&D e terceiro setor, assim como a implantação de centros de conteúdos inter-regionais. A idéia é que, o Centro colabore com a produção de conteúdos voltados para o Sistema Brasileiro de TV Digital e/ou para convergência tecnológica, mas especialmente que ajude na produção de conteúdos audiovisuais para a TV pública a partir de critérios como acessibilidade, usabilidade, portabilidade, multiprogramação, interatividade e mobilidade. Inicialmente os projetos de conteúdos estarão voltados para educação à distância, t-cultura, t-entretenimento, t-saúde, tjustiça e t-trabalho.
Considerações Finais A TV Digital no Brasil tem todas as condições de
tornar-se um paradigma na
Comunicação desenvolvida no país a partir de diferentes perspectivas: a tecnológica, com a migração do sistema analógico para o digital; a econômica, com a criação de novas possibilidades de serviços e negócios; a social, com a oferta de diversidade de conteúdos e inclusão digital ao utilizar internet através do aparelho de TV; a política, com a possibilidade de estimular a discussão de um novo marco regulatório, e a comportamental, com a possibilidade de participação ativa das audiências através do uso de diferentes níveis de interatividade na TVD. Suas premissas de redimensionamento do conhecimento tecnológico, a mudança fundamental na relação homem-máquina e, essencialmente, no processo da relação sujeitosujeito, suas múltiplas possibilidades de exibição ou veiculação, compartilhando com outras plataformas digitais conteúdos interativos e dispositivos de interatividade conhecidos como convergência de mídias convertem-se numa proposta cujas conseqüências podem ser observadas sob diversos pontos de vista tais como:
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•
o cumprimento da regra constitucional, através da socialização dos bens culturais,
democratização da informação, difusão do conhecimento, cidadania; •
as oportunidades que poderão surgir no mercado audiovisual pelas novas maneiras de acesso
à informação, à cultura e ao entretenimento; •
o atendimento à qualidade das relações sociais na medida em que rediscute a noção de espaço
público, assim como a visibilidade das relações público-privadas, de seu agendamento, troca simbólica e modificação do eixo de poder resultante; •
a diversidade de idéias, os espaços de relacionamento, as possibilidades de estabelecerem
novos pactos sociais através da inclusão de novos atores e a conseqüente divisão do poder sobre a informação. Em termos de mercado, a TV Digital está redesenhando a cadeia produtiva pelo reordenamento do mercado através dos atores principais, entre eles as emissoras, a indústria eletroeletrônica, os produtores de conteúdo, as instituições de pesquisa, as audiências que hoje também são protagonistas e os financiadores. Surgem novos protagonistas como os operadores de rede de plataformas comuns de transmissão, as empresas de serviços de telefonia fixa e celular e de banda larga. A este mundo convergente e compartilhado, soma-se o cenário de estímulo a uma economia da cultura onde o privado, o público e o estatal se complementam e interagem como novos participes deste consórcio midiático. Novos modelos de negócios e serviços vão surgir através dos
formatos modulares interativos, e, portanto, novos percentuais das verbas
publicitárias institucionais e privadas vão estar disponíveis para dar suporte a estas ações comunicacionais digitais que passam a ser de multiplataformas. A TV pública poderá tornar-se a grande alavanca para que a sociedade atinja esses objetivos, já que os radiodifusores privados ainda resistem em colaborar com a inclusão digital do país utilizando recursos interativos. Para que isso ocorra, a TV pública deverá associar-se a programas de fomento às produções associadas, incentivando a descentralização das produções e fazendo uso do financiamento de pesquisa de conteúdos digitais oferecidos pelos programas em curso nas esferas de governo. A TV pública, através da digitalização, pode (e deve) assegurar o papel social da comunicação eletrônica. Assim, a sonhada democratização do acesso às janelas de veiculação, dar-se-ia, de pronto, pelo uso da multiprogramação, que garantiria a diversidade cultural e a inclusão através da interatividade e do multiserviço.
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Acreditamos que o momento histórico para que a TV pública assuma o seu papel de vanguarda na digitalização dos processos e da produção dos conteúdos é este e não haverá outro semelhante tão cedo.
Referências Bibliográficas e Sites ANATEL. Disponível em www.anatel.gov.br. Acesso em 20 de agosto de 2008. BARBOSA, André, CASTRO, Cosette e TOMI, Takashi. Mídias digitais, Conergência Tecnológica e Inclusão Social. São Paulo: Paulinas, 2005. BARBOSA, André e CASTRO, Cosette. Comunicação Digital: educação, tecnologia e mudança de comportamentos. São Paulo: Paulinas, 2008 (prelo). NKL. Disponível em http://www.nhk.or.jp/nhkworld/portuguese/top/index.html. Acesso em 15 de agosto de 2008. KIOUSIS, S. Interactivity: a concept explication. New Media & Society. vol. 4. SAGE Publications. 2002. pp. 355-383. Disponível em: <http://nms.sagepub.com/cgi/content/abstract/4/3/355>. Acesso em 19 de agosto de 2008. TRONCO, Tânia Regina e MENDES, José Manuel Duarte. VDSL2: Uma nova tendência para redes de acesso em banda larga. Caderno CPqD de Tecnologia, Campinas: CPqD, v 3, n° 1, p. 17-26, jan-jun 2007. SIMÕES, Nelson e CAETANO, Daniel. ITVp, Intercâmbio em TV Pública. Brasília: RNP, agosto, 2007 ( mimeo).
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TVs públicas: aggiornamento ou manutenção de conteúdos? Lúcia Lemos1 RESUMO Objetiva-se refletir sobre a responsabilidade social das emissoras públicas de comunicação, no Brasil, em contraposição às emissoras comerciais. Como foco, análise da programação da “TV Princesa”/Varginha, uma afiliada da “Rede Minas de Televisão”. A análise conduz para abordagens que consideram as Políticas Públicas de Comunicação e os ideais propostos na “Carta de Brasília” sobre TV Pública. PALAVRAS-CHAVE: TVs públicas, análise crítica, comunicação. ABSTRACT This paper aims to reflect about the social responsibility of the publics broadcasting companies of communication, in Brazil, contraposition to the commercials TVs. As focus, analysis of the programming of the “TV Princess”/Varginha, one affiliated of the “Rede Minas of Television”. The analysis leads for boardings that consider the Public Politics of Communication and the deals considered in the “Letter of Brasilia” on Public TV. KEY WORDS: TVs public, critical analysis, communication.
1. INTRODUÇÃO A comunicação e a informação invadem o modo de produção e todos os setores da vida. As mudanças tecnológicas alteraram as concepções do que é um meio de massa. Em termos gerais, a mídia representa um dos instrumentos de hegemonia cultural presente na sociedade civil, como instituição formadora e difusora de valores. E, embora pareça contrasenso, os novos meios de massa atuam no fortalecimento das culturas locais. Vive-se ao mesmo tempo um processo de desterritorialização e reterritorialização da cultura. Nesse processo, as grandes corporações de mídia tentam servir grupos especializados e, até mesmo, definir novos grupos. Diante de tal relevância, torna-se decisiva a reflexão sobre os diferentes mecanismos que contribuem para a regulação das atividades da própria mídia.
1
Lemos é jornalista e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, sob orientação da Profª Drª Elizabeth Moraes Gonçalves. É, também, especialista em Jornalismo, Educação e Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). E-mail de contato: luciamclemos@gmail.com.
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Parece evidente que a televisão atualmente detém uma hegemonia sobre os outros media. O produto televisivo é uma mercadoria complexa em três variantes: por seu conteúdo diversidade de conteúdos genéricos, conteúdos temáticos ou pelos sistemas de emissão; pelas indústrias que o compõem - cinema, edição, informação, música; e pelas relações entre programação e publicidade (VIZEU, s/r). A TV aberta, no Brasil, é o principal veículo condutor de conteúdos culturais, em um país ainda marcado pelos reduzidos níveis de escolaridade. É encontrado em pelo menos 95,2% dos municípios brasileiros, que têm a recepção de pelo menos um canal de TV aberta. Os dados foram obtidos pelo IBGE, a partir de pesquisa realizada no final de 2006, que mapeou o Brasil por regiões e municípios, no quesito Cultura e Meios de Comunicação. No país, há órgãos reguladores da sociedade civil que se opõem à produção das TVs comerciais, que despertam a crítica e inquietam os cidadãos, mas há ainda muito espaço para uma efetiva participação dos indivíduos e uma sensibilização maior do Estado. Sempre é bom frisar na sociedade de consumo de massa, a TV não é o único dispositivo responsável pela produção e circulação do “produto cultural”. A sociedade debate os prós e os contras das mensagens televisivas, por ser a mídia de maior impacto, por estar ao alcance da maioria dos brasileiros. O foco temático deste artigo é a compreensão do papel das Emissoras Públicas de Comunicação, no Brasil e em Minas Gerais, na formação cultural e na construção de uma cidadania crítica. Bem como refletir sobre a responsabilidade social dessas emissoras em contraposição às emissoras comerciais. No estado de Minas Gerais, a Fundação TV Minas Cultural e Educativa (Rede Minas) foi criada em 1984, como uma emissora estatal de interesse público e com objetivo de promover o intercâmbio de valores, educação e cultura entre a população do estado mineiro. Dentre as emissoras educativas e culturais brasileiras, é a que possui maior número de afiliadas. Emissora geradora com vinte um anos de existência, conta com uma programação séria e de qualidade e que chega a 600, dos 853 municípios mineiros. As emissoras afiliadas, num total de 65, recebem, de graça, para exibição, a programação dessa emissora (CARRATO, 2005. p. 12). Acredita-se ser necessário um estudo da programação da emissora, para que se possa refletir sobre a representação do circuito da produção, circulação e consumo dos produtos culturais. Assim, elegeu-se como recorte da realidade, a análise da programação da “TV Princesa”/Varginha, canal 7, uma afiliada da Rede Minas de Televisão, a partir de alguns
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gêneros televisivos. O período analisado centrou-se na programação veiculada nos dias 07 aos 14 de outubro de 2007. A escolha local está relacionada com uma dimensão mais ampla, que é a (re)valorização da produção regional em um mundo globalizado. À maneira de Ache (2005), considera-se importante realçar que não se trata de investigar os efeitos dessa programação ofertada sobre os receptores, mas sim de compreender os aspectos mais gerais da relação existente entre esses dois pólos do processo de comunicação, sob o ângulo do emissor, sem ampliar o debate sobre as finalidades desse processo. É essa relação de dinamicidade entre produção/criação/distribuição e mercado que viabiliza a sustentação da “televisão como transmissora do significado das formas simbólicas” (BOURDIEU, 1998). São as diferentes interpretações e interpelações da sociedade com relação à televisão - tem ou não tem qualidade, deixa ou não deixa de ser importante na nossa vida, educa ou não educa - que vão construindo o seu conceito e pondo em prática o seu uso na vida cotidiana dos brasileiros.
2. AS GRANDES CORPORAÇÕES DE TVS Até 1980, existiam apenas duas redes de caráter nacional que, indiscutivelmente marcaram cena na televisão comercial: a TV Tupi (pertencente à cadeia dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand) e a Rede Globo de Televisão (da família Marinho) e que necessitava da expansão, via rede, para se viabilizar economicamente (BOLAÑO, p. 139). Em 1961, a Globo firmou acordos com o grupo “Time-Life”, responsável pela injeção de capital norte-americano nas comunicações eletrônicas e pela transferência de tecnologia de transmissão e de produção para os profissionais da televisão brasileira. Com a ilegalidade da transação, comprovada por comissão de investigação instalada no Congresso Nacional, o acordo foi desfeito e a emissora brasileira devolveu os recursos vindos do exterior, mas já tinha absorvido o “capital fundamental” (RAMOS, 2001). A partir da década de 70, teve início a grande concentração da audiência e das verbas publicitárias e que até hoje caracterizam o setor televisivo no Brasil. Na década de 1980, no contexto do processo de redemocratização do Brasil, movimentos sociais contrários ao clientelismo na outorga das concessões de televisão conseguiram, na Assembléia Nacional Constituinte, acrescentar um capítulo para a comunicação na nova Constituição. O texto contempla regionalização, vedação ao monopólio, complementaridade dos sistemas público e privado, garantias ao conteúdo nacional, assegura manifestação de pensamento, criação, expressão e a informação sem restrição. Porém, isso não impediu que o modelo se fizesse hegemônico e a mídia se configurasse em oligopólio (FNDC, 2008. p. 26).
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Pode-se falar em algum tipo de concorrência, a partir de 81, com o aparecimento do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) e com a presença da Record e da Bandeirantes. Já nos anos 90, o que se pode perceber é a existência de um reordenamento na composição do campo televisivo no Brasil: da confortável situação de quase monopólio, a Globo precisou encarar um campo redefinido de lutas, em que outras emissoras brigam pela constituição de hegemonias de pontos de audiência. “A necessidade de defender essa posição, faz com que a Globo busque, hoje, redefinir seus programas de acordo com a nova realidade. Dentre as medidas, a necessidade de unificar o discurso, mantendo a linha editorial sob domínio da rede” (SIMÕES, 2003. p. 69). Esclarece-se que na perspectiva de Gramsci (1978), hegemonia é efetuada a partir da ação de um determinando grupo em impor a direção cultural aos demais componentes do tecido social para garantir a manutenção da ordem simbólica já estabelecida (RUMMERT, p. 26). Williams retoma e amplia o conceito de Gramsci e afirma ser “um sistema vivido – constituído e constituidor - de significados e valores que, ao serem experimentados como práticas, [...] é sempre um processo. [...] Tem que ser continuamente renovada, recriada, defendida e modificada” (WILLIAMS, 1980 apud LIMA, 2001, p. 180-181). No caso das emissoras de TVs, pode-se dizer que, para que se efetue uma construção simbólica da realidade, que sejam aceitas por todo o conjunto social, são utilizados mecanismos que dão visibilidade e sustentam significados e valores. “Atualmente, no país, a televisão passa por uma fase de maior competitividade entre as grandes redes, num contínuo avanço em direção ao mercado internacional” (PEREIRA JÚNIOR E MÜLLER, 1997). 2 Sabe-se que, desde sua criação, as TVs têm como uma das características a ausência de regras mínimas para a programação, o que permite aos concessionários buscar fórmulas cada vez mais sensacionalistas para atrair os telespectadores. Tendem a ter entretenimento e notícias como principais vetores e também a priorizar a alta definição. Isto é, monoprogramação e interatividade limitada (CARRATO, 2005. p. 3). Em outro sentido, uma TV Educativa foi instituída, através da Lei 5.198, e aprovada pelo Congresso Nacional aos três de janeiro de 1967, embora a idéia do Estado como operador de radiodifusão tenha germinado no país desde os anos 30 (JAMBEIRO, 2001). Apesar desta lei, as finalidades educacionais da televisão continuam a não ser claramente reguladas, ficando obscura a forma de realizar e avaliar o seu cumprimento. 2
Sobre o acordo, cf. em: CAPARELLI, Sérgio. In: HERZ, Daniel. A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre, Tchê, 1987, p. 24-30.
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Mas uma nova TV Pública foi oficialmente inaugurada no início de dezembro. Pela Medida Provisória assinada pelo presidente Lula, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), responsável pela gestão da “TV Brasil”, é uma empresa pública vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, com a finalidade de prestar serviços de radiodifusão pública para “complementar os sistemas privado, público e estatal”. O documento também estabelece que a EBC tenha “autonomia em relação ao governo federal” e que seus recursos sairão de dotações orçamentárias, da exploração dos serviços de radiodifusão, de doações de pessoas físicas ou jurídicas, de publicidade institucional e de outras fontes. Consta, também, que a EBC firmou uma parceria com 20 emissoras públicas, educativas e universitárias do país todo, com o propósito de se ajudarem na transmissão de um conteúdo de qualidade pela TV pública lançada no governo Lula. Para influenciarem no conteúdo, as TVs foram divididas em cinco grupos principais: institucional, programação, jornalismo, serviços e infra-estrutura (id. ibid.). 3. DESLOCAMENTOS E INTERCONEXÕES CONCEITUAIS: COMPREENSÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA É fato que as relações entre mídia e democracia são aspectos centrais para a compreensão das Políticas Públicas de Comunicação (PPC).
As PPC englobam setores
amplos, tais como os da televisão e do rádio – os quais podem ser comunitários, estatais ou privados -, jornais, revistas, internet, etc. Essa contingência leva a “pensar que, hoje, PPC inclui tratar de cultura e educação, não só como instrumentos de uso da mídia, mas para criar vínculos com referentes nacionais, locais e alternativos” (BOLAÑO e BRITTOS (2007, p. 93). E pensar a democracia em termos de comunicação requer suplantar a visão funcional da comunicação como um processo de transmissão de informações de um emissor para um receptor, em favor de uma noção de comunicação normativa que privilegie a compreensão, e assim a dimensão cognitiva dos processos de interação social (WOLTON, 2004). Decretos precursores de toda a regulamentação da radiodifusão no Brasil (1931e 1932) já continham menções à TV e a definiam como de interesse público, protegida e regulamentada pelo Estado, com propósitos educacionais. Apesar destas preocupações, os decretos traçaram um modelo de exploração comercial privada de concessões outorgadas pelo Estado (JAMBEIRO, 2001, p. 70).
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Tal modelo foi reforçado a partir da década de 60, através do Código Brasileiro de Telecomunicação (CBT). Mais uma vez, afirmava-se a primazia da união sobre a regulação e sobre a exploração. Mas, na ausência de interesse na exploração direta, cabia o Estado ceder para os agentes privados as concessões de canais de rádio e TV, como prerrogativa do Presidente da República. O Movimento pela Democratização da Comunicação no Brasil se organizou a partir do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), nos anos 1990. Tornando a comunicação mais democrática, como condição prévia à democratização da sociedade, há de se ressaltar o potencial da comunicação nas lutas específicas dos movimentos, bem como suas particularidades como temática própria, dentro de um sistema restritivo e excludente, que inibe a efetiva participação no processo de produção. Torna-se premente a instituição de marcos regulatórios para um desenvolvimento adequado do setor, às vezes tão díspares como o da radiodifusão, telecomunicações e informática. Bem como rever a regulamentação sobre questões relacionadas à propriedade, ao controle e à concessão de outorgas para transmissão de emissoras de rádio e TV. Sobre a regulação dos sistemas e mercados de comunicação, o coordenador de projetos no Instituto de Estudo e Pesquisas em Comunicação (Epcom), Görgen (2008) aponta que: diante do processo de convergência entre diferentes tecnologias de informação e comunicação e do surgimento de novas formas de produção e distribuição de mensagens, o Brasil precisa implantar Políticas Públicas de Comunicação, a partir de um marco regulatório mínimo que distinga as diferentes tecnologias, linguagens, agentes produtores, agentes mediadores e tipos de infra-estrutura da área das comunicações e submeta a exploração de serviços semelhantes a regras semelhantes (XIII Plenária Nacional do FNDC, 2006).
A despeito de toda a relevância dos conteúdos desse prisma, objetiva-se verificar de que maneira essas decisões podem interferir em ações no mundo da comunicação midiática televisiva pública no Brasil. No governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), houve importantes alterações no setor de telecomunicações. Privatizou-se e liberalizou-se o sistema. Houve um controle público das concessões de radiodifusão, a classificação indicativa dos conteúdos de cinema e televisão e o direito de resposta. Mas não houve grandes tentativas de modernização dos instrumentos de regulação das comunicações. E “abriu-se o diálogo, para que no governo atual, se apontasse para a necessidade de construção de uma Política Nacional de Comunicação [...]” (BOLAÑO e BRITTOS, 2005. p. 37 - grifos da autora), em caráter amplo.
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De acordo com Ramos (2008. p. 5), os governos se sucedem, mas não se impõem sobre o mercado, sobre as empresas de comunicações, em especial sobre as de radiodifusão. Surgem iniciativas da sociedade, de setores do próprio governo, como foi o caso do projeto da Ancinav no primeiro mandato do presidente Lula, mas quando se chega perto de uma decisão, voltam a se impor os interesses do patronato da comunicação.
Para ele, ainda, se o governo abre mão de formular as políticas para a comunicação, e ele de fato costuma abrir, elas se realizam por meio dos interesses empresariais, das corporações, que têm no lucro seu objetivo quase que exclusivo. São as políticas dos fatos consumados, sem qualquer participação social mais ampla. É a hegemonia privado-comercial sobre o Estado, que compromete a democracia mesmo no liberalismo (id. ibid.)
Sabe-se que os meios de comunicação mediam a troca de significados no âmbito da esfera pública. E, dentre os diversos e possíveis papéis exercidos por esses meios podem ser destacados o seu dever de levar informações contextualizadas para a população, a capacidade de influenciar a definição dos temas centrais da agenda pública e a atuação no monitoramento e no controle social dos atores políticos. Tem-se a percepção de que “as Políticas de Comunicação somente passarão a fazer parte, de maneira mais ampla e efetiva do jogo político nacional, se vierem a integrar, com um mínimo de transparência e imparcialidade, a própria agenda jornalística” (op. cit. p. 6) e o universo do cenário das comunicações.
Para Ramos (FNDC, 2008. p. 7), “o vilão da
democratização da comunicação é a hegemonia, que parece eterna, do empresariado da radiodifusão sobre a política e os políticos”. O histórico do modelo de televisão de mercado oferecido à sociedade brasileira estabeleceu uma forma de pensamento uniformizado, reprodutor das idéias dominantes e disseminadas a partir dos centros do capitalismo global.
Individualismo, consumismo,
enfraquecimento do papel do Estado, tornaram-se matrizes ideológicas da produção televisiva. A elas, no modelo hegemônico, não cabem alternativas. A saída, respeitado o jogo democrático, é a TV Pública, um fator alternativo a esse modelo (LEAL FILHO, 2007). Alerta-se que a compreensão dessa abordagem não esgota as possíveis compreensões do assunto. Um exame mais detalhado, na perspectiva da PPC, demandaria outro artigo.
4. COMUNICAÇÃO PÚBLICA NA TV
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Nas últimas décadas a televisão cresceu quantitativamente em audiência, alcançando literalmente bilhões de espectadores. O conteúdo de TV nunca parou de evoluir em qualidade - tanto tecnicamente quanto editorialmente. No entanto, de acordo com especialistas, o conceito de televisão como mídia permanece consistente há dezenas de anos. Tanto pela visão corporativa do modelo de negócio, como pelo ângulo do consumidor na outra ponta, a televisão pouco mudou conceitualmente (POVOA, 2007). Caparelli, Bolaño e outros (apud LOPES, 2006. p. 3), propõem um periodização para as TVs brasileiras em três fases: a instalação, ainda precária e experimental, na década de 1950; a maturação, na década seguinte, onde as tendências atuais são esboçadas, ocorrendo o aumento da tele-audiência, a profissionalização do fazer televisivo e de inúmeras melhorias técnicas; e a situação de hoje, esboçada no fim da década de 1960 e desenvolvida nas décadas seguintes, que foram marcadas pela imensa importância econômica, política e cultural deste meio de comunicação na realidade do país. “Essas periodizações discutem a televisão ora como tecnologia, ora como programas ou linguagens, ora lugar de reprodução do capital” (CAPARELLI, s/d). Lopes (2006) anuncia que “talvez estejamos entrando em uma quarta fase, onde a TV aberta se integra aos demais meios de comunicação antigos e novos e evolui na direção da tão proclamada convergência digital, sem perder suas características mais essenciais”. De acordo com Takahashi (2007), há três tipos de televisão: a estatal (institucional), a pública (pelo bem-comum) e a privada (comercial). A distinção entre elas pode se referir: à natureza jurídica da organização, à origem dos recursos que mantém as atividades, ou à natureza ou objetivo dos conteúdos veiculados. Em sua perspectiva, é raro o caso de uma televisão puramente estatal, pública ou privada, quanto à natureza ou objetivo de seus conteúdos e programação. Na verdade, o que existem são interseções e complementaridade entre elas. O Presidente do Conselho Consultivo da ANATEL, Luíz Fernando Liñares, sublinha que: atualmente o que se chama de TV Pública, no Brasil, é um conjunto amplo de instituições, criadas sob a forma de autarquias, fundações (direito público ou privado), empresas de economia mista, fundações privadas de direito ou interesse público, detentoras de uma outorga de serviço de radiodifusão de imagens na modalidade educativa, geridas com recursos fundamentalmente oriundos de orçamentos públicos (s/d. ref.).
“Abrir-se para a experimentação e a criatividade deve ser a missão central da televisão pública, dando conta da diversidade cultural do país, fugindo do monopólio estabelecido pelo
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eixo Rio-São Paulo, como fazem as emissoras comerciais (LEAL FILHO, 2007). De maneira especial, “a missão dessa TV não é apenas divulgar ações de governo, mas abrir espaço para que diferentes setores da sociedade possam se manifestar” (KOTSCHO, 2007. p. 76). Isto é, servir ao interesse público de forma independente dos projetos econômicos e políticos do mercado e dos governos. E se o produto da TV comercial é a audiência, na TV pública “vende-se” uma programação para a cidadania. Mas qual o padrão que mais poderia contribuir para a expressão democrática e participação coletiva? Como garantir que a televisão possa desempenhar este papel? A opção defendida por Wolton (1996, p. 43) diz respeito a um tipo de televisão que seja pública e generalista. Tal opção, porém, parece se tornar mais difícil a partir das mudanças decorrentes do “balé ideológico” 3 das décadas de 1970-80 (id., ibid.). Para ele, a TV generalista promove a diversificação cultural e é fundamental para a valorização da democracia. Alguns autores lembram que as emissoras públicas de outros países também sofrem com a ameaça neoliberal, configurada em movimentos de privatização e desestatização - é o caso dos EUA da Inglaterra. “Já na Europa a realidade é outra, pois as emissoras públicas têm papel muito mais presente junto à sociabilidade e, em muitos países, atuam sem a concorrência privada” (BOLAÑO e MASTRINI, 2001 apud BRITTOS e LOBATO, 2003). Questionamentos mais comuns acerca da implantação da nova “TV Brasil” tocam em pontos delicados, tais como: o grau de interferência (ou atrelamento) do Governo na sua gestão política e no seu conteúdo, a capacidade de responder ao desafio de produzir material de qualidade que atenda as expectativas de um público acostumado ao padrão dos canais privados, à capacidade de levar o sinal a todas as regiões do país sem exceção, dentre outros. Mas, para o público, as expectativas são outras. A nova TV pública começa, de fato, sem que o usuário esteja informado sobre o que elas são. Mais uma vez, a sociedade civil não foi incorporada na discussão acerca da implantação e gestão dessa mídia (BOLAÑO e BRITTOS, 2007).
5. TVS, FORMATOS (PRODUTOS) E GÊNERO: ENTRE O DISCURSO E A REALIDADE Baccega (2002) considera que é o sujeito que assume e configura o discurso da comunicação. Nesse sentido, ele também reelabora a pluralidade de discursos. Na mídia tevê, ao transpor, colar e fundir diferentes sistemas comunicacionais, esse tipo de processo 3
“Balé ideológico” é uma ilustração da flutuação teórica que caracteriza a televisão, em que o economicismo e o tecnicismo dominantes substituíram a lógica política anterior.
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constitui-se elementos fundantes de uma nova gramática de formas de expressão: a televisiva (MACHADO, 1999. p. 145). A TV veicula o que Breton chamar de parole televisiva, que consiste em um conjunto de informações, argumentos, emoções e gostos que dialogam cotidianamente com a população brasileira. Esta parole influencia, sistematicamente, há pelo menos quarenta anos, as culturas e comportamentos médios das pessoas que compõem esta nação (2003, apud LOPES, 2006).
Esta parole é também uma forma de escritura - porque tudo que é feito na TV resulta de um texto ou, pelo menos, de um esboço resumido ou da intenção oral de escrevê-lo. A parole não se resume à palavra - trata-se de toda e qualquer manifestação oriunda do corpo, do gesto ao texto, da imagem à escrita, da voz, música e ruídos [...] (LOPES, 2005). No Brasil, a partir da década de 1970, com ênfase quase absoluta, a parole televisiva é também a do poder, do consumo, da moral e dos costumes. Portanto, pode-se dizer que o estado e a sociedade brasileiros dialogam com e por meio da televisão, transformada por aqui em nossa mais importante forma de fazer circular o que se diz e se pensa (id., ibid.). Para a proposta de análise da programação da emissora “TV Princesa”, leva-se em consideração a classificação de gêneros e formatos na TV brasileira de Duarte (INTERCOM, 2003), Machado (FAMECOS, 1999) e Reimão (1997). Foram escolhidas cinco categorias de gêneros: informativo/notícias em geral, entretenimento/esporte, cultura/entrevista, educativodocumentário, entretenimento/ desenhos e atividade para público infantil.
6. TV PRINCESA, EMISSORA EDUCATIVA DA FUNDAÇÃO CULTURAL DE VARGINHA: UMA BREVE HISTÓRIA No final de julho de 1991, o Ministério das Telecomunicações, através de publicação no Diário Oficial da União, outorgou permissão à Fundação Cultural de Varginha para ter o direito de entrar no Serviço Especial de Retransmissão Mista de Televisão para a “TV Princesa”, emissora comunitária que opera no canal 7 Educativo, na freqüência de VHF. Em 1998, foi feita uma parceria com a Fundação de Ensino e Pesquisa de Minas Gerais (FEPESMIG), que passou então a administrar e assinar uma nova programação. Em 1999, ela passou a ter apoio da Fundação Cultural de Varginha e subvenção da Prefeitura Municipal, em caráter burocrático. A partir de janeiro de 2006, passou a integrar a Rede Minas de Televisão.
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A programação da “TV Princesa” é especialmente voltada para a cidade sul-mineira de Varginha, seja através da retransmissão da TV Cultura (SP e RJ), pela Rede Minas, ou pelos telejornais diários e programas. Todas as inserções entre os programas são de caráter educativo, tais como: campanhas solidárias, entendimento e prevenção de doenças, preservação do planeta, educação e manifestações culturais mineiras.
6. 1. GÊNERO INFORMATIVO/NOTICIOSOS EM GERAL – “JORNAL CIDADE” Programação do dia 12 out., às 19h10 - Inclui indicadores econômicos (dólar, euro, poupança, café e gado), de clima e informação sobre eventos da cidade e região. Sabe-se que o telejornal, como gênero informativo, deve ser entendido como narrativa construída, em uma certa perspectiva, para a observação do espectador. Além disso, possui a mágica da transmissão ao vivo, deslocando-se no espaço - nas entrevistas com transeuntes, na praça central ou com os atletas, nos alojamentos ou campo de esportes. Um jornalismo que exibe personagens e paisagens reconhecidas pelo telespectador torna a imagem pública do grupo que o produz, e conseqüentemente seu discurso, mais crível e confiável. A presença dos repórteres nas ruas reforça esta sensação de proximidade e de interesse pelo bem-estar de uma comunidade específica. Nota-se uma diferença na forma como as matérias são elaboradas nas diversas editorias do telejornal. As matérias de cunho geral, política e esportes apresentam um texto mais aproximado do jornalístico, pois é visível a utilização de técnicas de redação. Nas notícias locais, a linguagem é mais coloquial, mesmo porque há inserções ao vivo, com depoimentos de indivíduos, de escolha aleatória, falando sobre destaques da edição. O jornalismo praticado pela TV Princesa privilegia a compreensão do acontecimento [...]. Se ocupa mais da contextualização, do que das conseqüências primárias dos acontecimentos. O ritmo e o formato adotado pelo telejornal implicam, portanto, a produção de matérias de interesse da sociedade - provinciana [...] (CADERNO DE DEBATES I – grifo meu).
Considera-se válido o viés adotado, uma vez que regionaliza a produção jornalística e cultural (produção local).
6. 2. GÊNERO ENTRETENIMENTO/ESPORTE – “ESPORTE VARGINHA: O JORNAL DO ESPORTE”
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Programação do dia 11 out., às 20h. O jornal estreou em fevereiro de 2006, e tem como proposta informar sobre tudo o que acontece no cenário esportivo da cidade e do Estado, incluindo reportagens e comentários. O “Esporte Varginha” apresenta reportagens, comentários e análise de tudo o que aconteceu na rodada do fim de semana do campeonato mineiro da 1ª divisão e os principais lances dos jogos do time de futebol municipal, o Varginha Esporte Clube (VEC). Bem como reportagens de rodadas clássicas no eixo Minas, Rio e São Paulo. Esta edição inclui, também, uma cobertura com a delegação de jovens que vão para o JIMI (Jogos do Interior de Minas). De acordo com a Portaria Interministerial nº 651 (1999) a programação contempla o Art. 2º: “Os programas de caráter recreativo, informativo ou de divulgação desportiva poderão ser considerados educativo-culturais, se neles estiverem presentes elementos instrutivos ou enfoques educativo-culturais identificados em sua apresentação” (RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO: Missão e Finalidade, 2006. p. 31).
6. 3. CULTURA/ ENTREVISTA “REDE MÍDIA” Programação do dia 08 out., às 21h30. O tema desta edição fala da importância de refletir e lembrar a história do jornalismo de resistência do país. O programa tem também uma sessão “Coluna”, em que são divulgados eventos apresentados no estado. Como entrevistados, José Maria Rabelo, do extinto jornal “Binômio” (1952 a 1964) e Carlos Alenquer, do jornal “O Cometa itabirano” (lançado em 1979 e considerado o último jornal alternativo do país). O programa inicia com uma narrativa, falando sobre os anos 60 e 70 e os jornais independentes. No relato dos editores, os alternativos combateram a censura com humor e criatividade. Rabelo pontua: o que desagradava muito a nós, editores do Binômio, era o clima de unanimidade da imprensa mineira, totalmente controlada pelo Palácio da Liberdade. Então, resolvemos lançar um jornal que dissesse algo diferente. Contra o binômio da mentira e propaganda, (Energia e Transporte), o binômio da verdade - sombra e água fresca (2008).
Entende-se que o propósito do programa e da entrevista foi realizado: informar e relembrar momentos especiais da história e cultura nacionais, mesmo sob os vieses dos editores e do entrevistador. Ainda, de acordo com os ideais propostos na “Carta de Brasília” sobre TV Pública, o debate contempla algumas das disposições legais e constitucionais relativas à televisão educativa, por meio Decreto-Lei nº. 236, de 28 de fevereiro de 1967 - Art. 13: “A televisão educativa se destinará à divulgação de programas educacionais, mediante a
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transmissão de aulas, conferências, palestras e debates” (RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO: Missão e Finalidade, 2006. p. 30).
6. 4. EDUCATIVO/DOCUMENTÁRIO - “CURTA” Programação do dia 07 out., às 18h. A partir desse domingo, o “Curta Minas” sai do estúdio e passa a ser gravado em locais que se relacionam com o universo do audiovisual de curta duração. Festivais, produtoras, espaços de exibição e locações onde são rodados os filmes passam a ser cenário e tema do programa. Entram na pauta, reportagens, matérias especiais e making offs de produções que estão sendo rodadas no estado. De acordo com Barbero (apud FORT, 2005. p. 87), a televisão que se propõe ser cultural, assim o será quando for um cenário social de imaginários, memórias e identidades sociais, na qual o educativo seja dimensão fundamental. O que está em jogo é a ampliação das possibilidades culturais e comunicativas. Essa é a exigência para qualquer política de democratização.
Considera-se pertinente como programação de qualidade, “capaz de abrigar novas formas de experimentar linguagens e desenvolver os próprios modelos narrativos”. Acreditase que a escolha da TV Princesa - mesmo sem ter condições maiores de uma programação própria - em retransmitir “Curta” cumpre um dos propósitos de uma TV educativa: o de formação cultural e educação dos cidadãos.
6. 5. ENTRETENIMENTO - SÉRIE DE DESENHOS INFANTIS E ATIVIDADES DIRIGIDAS AO PÚBLICO INFANTIL Programação do dia 08 out., às 8h30. Estabelecida em blocos: 1) “Timothy Vai à Escola” - a série é uma co-produção de empresas do Canadá, de Hong Kong e dos EUA e retrata os desejos, sentimentos e as primeiras experiências das crianças no jardim da infância; 2)“Pingú”; 3) “Os sete monstrinhos”; 4) “Baú de histórias - as histórias são contadas e cantadas em atividades variadas, que mostram as diferentes culturas e o cancioneiro popular infantil; 5) “Jakers: as aventuras de Piggleys Winks”; 6) Série “Cocoricó”; 7) “Tudo arte” – à semelhança de um mágico, o “instrutor” vai ensinando as crianças a arte da pintura em camisetas; 8) “Um menino muito maluquinho” – série inspirada na obra de Ziraldo.
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Sabe-se que a televisão e outros meios de comunicação disponibilizam informações para a construção de sentidos de modo mais acelerado, diversificado, a partir de fontes variadas e vinculados a objetivos diferenciados do campo educacional. Diversos são os fatores intervenientes nos processos de distribuição de produtos televisivos para o público infantil. E não há unanimidade de opinião neste quesito. Há quem a considere prejudicial para o desenvolvimento sadio e equilibrado da infância, pois transmitiria conteúdo impróprio, em momentos inadequados, sem respeito às diversas faixas etárias que a consomem. Mas há também aqueles que a julgam como um meio de comunicação que, em si mesmo, não se constitui como um bem ou um mal. Atribuem à sociedade a responsabilidade pelo que as crianças são e em que se transformarão, quando adultas. Variando, evidentemente, segundo o grau de instrução que tiverem para o seu consumo, as crianças estabelecem com a programação o que chamam de “negociação dos sentidos”, isto é, com ela interagem e dialogam. Considera-se, também, que desde o advento das primeiras transmissões televisivas, até os dias de hoje, é possível observar uma diminuição ou mesmo eliminação das fronteiras culturais (ACHE, 2005. p. 11). Este fato gera discussões sobre a possibilidade da existência ou não de espaços para o desenvolvimento de produtos destinados ao público infantil (entretenimento /educação) com características locais ou regionais. Na edição analisada, a linguagem da mágica e da fantasia é a que prepondera. A escolha por determinados desenhos ou atividades leva em conta o conceito de “glocal” no sentido de “pensar globalmente e agir localmente” – daí a inserção de atividades que privilegiam as brincadeiras regionais, as canções infantis de “brincadeiras de roda”, marionetes que falam e brincam como qualquer criança brasileira. A inserção de desenhos animados provenientes de outras partes do mundo pode, portanto, ser vista como fator de conhecimento de outras culturas. Na série nacional “Cocoricó” os bichos têm a pronúncia da “gente de roça”, uma experiência bem próxima da conversação humana do interior, pois são os bichos que utilizam a “parole” caipira. A “parole televisiva” é também visível no bloco “Tudo arte”, que, com recursos que privilegiam a imagética e com o uso da gramática televisiva, o artista vai, pouco a pouco, introduzindo a arte da pintura em tecidos para os mini espectadores. Toda essa retransmissão da TV Cultura pela TV Princesa/Rede Minas mostra elementos do mágico, do engraçado e do real/simbólico e, de uma maneira geral, está de acordo com as opiniões estabelecidas por pais sobre os 10 princípios que norteariam um
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programa de qualidade na TV, em pesquisa qualitativa elaborada pela MultiFocus, em 2004. Por outro lado, uma das principais vertentes da missão de televisão pública fala que a TV deve “[...] privilegiar os valores e produtos representativos da criatividade brasileira e não só os valores artísticos consagrado no mercado comercial” (ANEXO II – A Missão da TV Pública, 2007. p. 27). Portanto, no nível educativo, “dá expressão às diversidades brasileiras, bem como desenvolve um programa educativo e coopera com os processos educacionais” (RELATÓRIO DO GRUPO DE TRABALHO: Missão e Finalidade, p. 17- grifos meus). 7. TV PRINCESA: MÍDIA EDUCATIVA Pelo que se pôde constatar, na TV Princesa existe preferência à finalidade educativocultural na programação e aproxima diversos públicos de idades diversas, apesar de retransmitir programas de outras emissoras (Rede Minas/TV Cultura). “A TV que expressa opiniões, debate e reflete vozes”, foi valorizada pelo grupo. “Promove o exercício da cidadania, contribui para a universalização da cultura, da informação e integração do estado de Minas Gerais, valorizando a ética, a crença no indivíduo e a cidadania” (CADERNO DE DEBATES I). Considera-se como mídia educativa – “pela contemplação de espaços abertos de veiculação das mais diferentes visões e capazes de refletir a diversidade de nossa gente, a partir de uma diversidade de seus pontos de vista”. Como emissora estatal de interesse público, considera as potencialidades regionais e o espaço do conteúdo local na programação.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS “A inserção soberana do Brasil, na chamada economia do conhecimento” leva a considerar o fato de uma regulamentação para os problemas da comunicação. Como falado anteriormente, uma efetiva Política Pública de Comunicação é o caminho para a construção de identidades capazes de enfrentar os desafios de globalização e buscar por formas mais tangíveis de construção de pontes para uma sociedade mais justa e solidária, reconhecendo-se ser esta a via de abertura à efetivação de projetos --verdadeiramente não-hegemônicos (BOLAÑO e BRITTOS, 2007. p. -93).
A realidade é que o Brasil não dispõe de um marco regulamentar coerente, previamente debatido, planejado e construído e que visa à universalização do acesso ao meio, em coerência com os interesses da maioria da população e em conjunto com as diversas organizações representativas da heterogeneidade
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do país e a partir de metas econômicas, políticas e culturais, de curto, médio e longo prazo (id., ibid. p. 96).
No Brasil das últimas décadas, a mídia televisiva cresceu quantitativamente em audiência, alcançando literalmente bilhões de espectadores. O conteúdo das TVs nunca parou de evoluir em qualidade técnica e editorial. Tem-se consciência de que “os empresários da comunicação, comprometidos com a lógica econômica, utilizam suas emissoras de forma a não comprometerem o resultado comercial da rede e da programação [...]” (SIMÕES, 2003. p. 70). Como Görgen (2008) avalia, é hora das principais empresas de mídia do país olharem seu passado e compreenderem que a legitimidade que conquistaram ao longo das últimas três décadas, lhes foi consignada pela sociedade brasileira [...].
Uma nova experiência de TV se aproxima devagar. A intenção é de que a produção do conteúdo da TV Brasil deva ser descentralizada, fato que pode garantir a diversidade cultural. Leal Filho (2007) propôs, para o Conselho desta TV, que a titularidade deveria ser do Estado e a responsabilidade final também. Mas se pudessem estabelecer mecanismos em que a sociedade apresente nomes para este conselho. Que esses conselheiros sejam pessoas que possam combinar competência com representatividade e que não tenham nenhum tipo de relação com o mercado da comunicação, na área da radiodifusão ou na área da imprensa.
Quem faz a TV pública precisa interagir, de modo ativo e contemporâneo, na dinâmica atual. Pensar criticamente. Refletir. Reformular. São medidas que se tornaram absolutamente necessárias para fazer o conhecimento se renovar, no segmento da comunicação pública. Este é um viés da questão. Mas a diversidade das emissoras que utilizam, indevidamente, o título de educativas e culturais, é um dos problemas que qualquer proposta séria de TV não-comercial terá que enfrentar. (CARRATO, 2005. p. 12).
“A comunicação pública é um direito de todos e deve ter formas sofisticadas de pesquisa na sociedade para saber o que essa sociedade espera da televisão” (LEAL FILHO, 2008). Compreender a televisão, portanto, “significa compreender a sociedade onde ela é construída, observá-la, constatando que a TV é um espelho translúcido, bastante turvo e recoberto por vários véus”. Em cinco décadas e meia de existência, a TV no Brasil se transformou numa potência, mas está longe de possuir uma programação de qualidade, que aponte para um efetivo
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compromisso com a cidadania, a educação e a cultura, a exemplo do que acontece em países como Inglaterra, Estados Unidos e França. Aggiornamento (renovação) ou manutenção de conteúdos? A ausência, no país, de uma televisão pública forte impediu a formação de um público mais crítico em relação à TV comercial. Também impossibilitou a criação de uma massa crítica capaz de exigir da televisão, no mínimo, o respeito aos preceitos constitucionais que determinam a prestação de serviços de informação, cultura e entretenimento (LEAL FILHO, 2007). Por outro lado, “a sociedade deve saber que é necessário se mobilizar em torno de uma Lei de Comunicação de Massa” [...] (BRITTOS, 2007):4 Dois testes serão capazes de revelar a quem estará servindo a nova rede. O primeiro é sua capacidade de vislumbrar os novos tempos e se adaptar a eles. “Por ‘novos tempos’ devese entender uma época em que a televisão aberta deixa de ser massificada, torna-se prioritariamente móvel, já não é mais hegemônica em relação às outras mídias e tem que adequar seu conteúdo às plataformas existentes” (HOINEFF, 2008). O segundo teste é naturalmente o da possibilidade de se construir uma gestão ética. Apesar dos trabalhos para que se estabeleça um “aggiornamento” na TV pública, o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Antonio Brasil (2007), questiona: “Será que o ‘público’ realmente quer ou precisa disso?” O Fórum de TVs Públicas não foi a fase final de um processo, mas um começo. Afirmou-se, também, que as Políticas Públicas de Comunicação devem, mais do que constituir a rede pública e reaparelhar as emissoras existentes, apontar para a criação de um Sistema Público de Comunicação. É premente a formação de uma opção contra-hegemônica nos meios de comunicação, que estimula a troca livre de informações, se expressa na construção de uma mídia popular democrática, feita e gerida pela população, com financiamento e gestão públicos e isonomia em relação às privadas. E “quando se está democratizando a comunicação, em última análise, o que estamos querendo democratizar é a cultura” (HERZ, s/r). Nos dias atuais, ainda se estabelecem outras dúvidas. Existem garantias de independência no projeto de implantação da TV pública? Se existem, quais são? Como devem ser aplicadas e quem vai fiscalizá-las?
4
O ato de midiatizar deve ser marcado por lógicas públicas, de compromisso com a sociedade, de proteção da infância, enfim, por uma série de elementos para que se tenha a democratização do espaço eletromagnético. E que se possa, além disso, usar a televisão digital para levar conteúdos digitais a pessoas que não têm acesso a dados, a uma certa educação, diga-se, eletrônica (BRITTOS, 2007).
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Ainda que criticando, a mídia colocou o fato da TV pública na pauta nacional e isso fez com que o debate se ampliasse. Claro que muitas vezes com posições contrárias, mas há um debate. [...] Um dos princípios básicos da televisão pública é que ela seja de acesso universal, que atenda a todos os cidadãos. Como essa sociedade é multifacetada, os grupos minoritários culturalmente também devem ser atendidos. Por isso não se pode criticar uma televisão pública que gaste recursos para produzir programas para audiências limitadas. (LEAL FILHO, 2008).
Muitas variáveis nesta nova experiência de TV são consideradas, mas um ponto é historicamente certeiro: vai ganhar competitividade quem conquistar coração e mente do consumidor.
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Amigo ouvinte, o locutor perdeu o emprego: Considerações sobre o processo de automação nas rádios FM do Rio de Janeiro1 Marcelo Kischinhevsky2
Resumo: Este artigo se propõe a mapear os impactos da automação das operações nas emissoras em Freqüência Modulada (FM), particularmente no Rio de Janeiro, face aos cortes de custos e ao enxugamento de equipes, ocorridos ao longo dos últimos dez anos. Será posta em discussão a hipótese de que o rádio aberto vem se descaracterizando e perdendo relevância simbólica, ao substituir profissionais como programadores, operadores de mesas de som, repórteres e até locutores por microcomputadores. Palavras-chave: Rádio; digitalização; convergência Abstract: In this paper, the impacts of automation in Frequency Modulation (FM) radio stations are mapped, in face of budget lowering and personnel cost cuts along the last ten years. Special attention is devoted to those broadcasters located in the Rio de Janeiro area. The replacement of programmers, sound technicians, reporters and even radio announcers by computers is discussed as an indication that open radio might be depersonalizing and loosing symbolic relevance. Keywords: Radio; digitalization; convergence Introdução Dias antes do Natal de 2007, os funcionários da Paradiso FM, importante emissora carioca no segmento adulto contemporâneo, foram chamados para uma reunião-surpresa na hora do almoço. A chefia não fez rodeios. Dos 42 profissionais que integravam a equipe, 39 seriam demitidos até o carnaval. O motivo: a premente necessidade de corte de custos, que superavam R$ 1 milhão mensais, muito mais do que 99% das emissoras em FM faturam hoje com publicidade nas principais praças do país. A estação, pertencente a conhecidos
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O presente artigo foi apresentado e discutido no GT Indústrias Midiáticas, durante o 2º Encontro do Capítulo Brasil da União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e da Cultura (ULEPICC Brasil), realizado na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), em Bauru (SP), em agosto de 2008. 2 Professor do Departamento de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), doutor em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ) e autor do livro O rádio sem onda – Convergência digital e novos desafios na radiodifusão (Ed. EPapers, 2007), além de diversos artigos sobre as indústrias da radiodifusão e fonográfica. Parte das reflexões que originaram este paper são fruto do trabalho como editor de rádio do Portal PUC-Rio Digital. Agradeço à Direção do Departamento pelo apoio a estes estudos.
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empresários – como Alexandre Accioly, dono de academias de ginástica e casas noturnas cariocas, e o apresentador de TV Luciano Huck – e com colaboradores ilustres como o ator José Wilker e o jornalista especializado em F 1 Reginaldo Leme, estava no vermelho desde sua criação, há cinco anos. A solução drástica para o rombo foi enxugar a equipe ao extremo, mantendo basicamente os programas e as seções com patrocínio próprio. Músicas pinçadas ao acaso de playlists informatizados começaram a povoar a programação normal da Paradiso, enquanto locutores saíam de cena nos horários que não são considerados nobres. Raro exemplo de emissora carioca que tinha investido em conteúdo qualificado, a Paradiso se rendeu à fórmula do rádio automatizado, em que predominam as faixas de horário com programação concebida e montada em computador. Nos últimos anos, não foram poucas as que trilharam o mesmo caminho. O downsizing – expressão importada da área de gestão de negócios por executivos das indústrias culturais – tem ditado os rumos da radiofonia, que se encontra cada vez mais pulverizada e competitiva. Processos penosos e radicais de reestruturação foram realizados em todas as estações que operam em Freqüência Modulada (FM), no Rio e nas principais capitais do país, desde o fim da década de 90. Este artigo busca mapear os impactos da automação das operações cotidianas das FMs do Rio, com foco particular no emprego. O trabalho filia-se à linha de estudos que aborda as indústrias culturais de modo amplo, dedicando-se à análise de suas lógicas de produção – com destaque para uma ou mais etapas do processo industrial (criação, produção/edição, distribuição/difusão, consumo e armazenamento de formas simbólicas) – e às estratégias dos diversos atores sociais envolvidos, tais como governos, conglomerados de comunicação, pequenas e médias empresas, sindicatos etc. (ALBORNOZ, 2006, MIÈGE, 2000). O rádio está sofrendo uma profunda reordenação produtiva, em escala internacional, em função da digitalização. Programadores, operadores da área técnica, arquivistas, repórteres e até locutores vêm perdendo espaço nas emissoras que informatizaram suas operações. Com a crescente pressão por cortes de custos, empresários do segmento vêm substituindo trabalhadores especializados por hardware e software, às vezes de forma indiscriminada. Uma das hipóteses a serem trabalhadas neste artigo é a de que esse processo de enxugamento já começa a se refletir em desinteresse da audiência, cada vez mais propensa a consumir outros meios de comunicação ou novas modalidades de radiofonia, como podcasts ou web radios. O rádio em FM estaria, assim, se esvaziando de modo irremediável, abrindo mão do papel de mediador social exercido ao longo das últimas décadas do século XX. Esse fenômeno traz riscos à diversidade na oferta de conteúdos para uma parcela significativa da
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população, ainda à margem das mudanças nos hábitos de consumo engendradas pelas novas tecnologias de informação e comunicação. O papel social e cultural do rádio O rádio tornou-se, ao longo do século XX, um dos meios de comunicação de maior popularidade no Brasil, estando presente em 89,3% dos lares, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3. Apesar do esvaziamento econômico registrado nas últimas duas décadas devido à perda de participação no bolo publicitário, a radiodifusão desperta crescente interesse acadêmico. As principais motivações das pesquisas atuais são as novas modalidades radiofônicas surgidas com o desenvolvimento de plataformas digitais e o importante papel desempenhado pelas emissoras de grande audiência na negociação de identidades e na construção de sentimentos de pertença – seja a uma nação, uma região ou um local, seja a comunidades transnacionais de gosto, religiões, estilos musicais etc. O rádio permanece um espaço privilegiado para mediações sociais e culturais, fornecendo subsídios para projetos de construção do self. Ao lado da TV, do cinema e da imprensa escrita, consolidou-se no século passado como um dos principais meios de difusão de formas simbólicas. A veiculação de manifestações artísticas nas ondas do dial, em particular nas décadas de 40 e 50, pelas estações de Amplitude Média (AM), amparou projeto de Estado com vistas à construção de uma identidade nacional, de uma brasilidade positiva – fenômeno similar ao experimentado em outros países latino-americanos. “O cinema, em alguns países, e o rádio, em quase todos, proporcionaram aos moradores das regiões e províncias mais diversas uma primeira vivência cotidiana da Nação” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 230). O mosaico de culturas regionais, algumas francamente rivais, encontrava assim alguns denominadores comuns: os programas de auditório, onde se forjou o conceito de Música Popular Brasileira (MPB); as radionovelas, palco para a massificação de narrativas calcadas na literatura romântica; os programas humorísticos, nos quais os ouvintes tinham acesso a olhares críticos e irônicos sobre diversos aspectos da vida contemporânea; e o radiojornalismo, arena para embates simbólicos que geralmente têm como pano de fundo as relações de poder inter e intra-regionais. É a partir da disseminação do rádio que se estabelecem falares (sotaques) hegemônicos, oriundos de pólos regionais que vão constituir a trama do que hoje é chamado
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Ver Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006, disponível em www.ibge.gov.br.
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“cultura nacional”, elemento-chave de construções discursiva (como a “identidade brasileira”) e importante moeda de troca simbólica nas relações internacionais – especialmente com a expansão das indústrias da comunicação e do entretenimento, na segunda metade do século XX. Nas últimas décadas, o rádio sofreu profundas transformações. A popularização da TV nos anos 60 e 70 acarretou forte perda de participação no bolo publicitário e, conseqüentemente, nos investimentos feitos por empresários do ramo. Nos anos 80, porém, a disseminação das emissoras em FM proporcionou um ressurgimento, capilarizando a indústria de modo sem precedentes. Embora na maioria dos casos espelhassem de forma pouco imaginativa fórmulas criadas nos Estados Unidos, essas estações passaram a oferecer programação segmentada, atendendo em parte à multiplicidade de audiências surgidas com as mudanças socioeconômicas ocorridas no país na segunda metade do século passado. Em função de seu alcance modesto (até 80km de raio), as FMs também respondiam às demandas por espaços locais de comunicação, ativando um processo de reterritorialização, um contraponto à interação mediada proporcionada pelos telejornais, que encurtavam as distâncias e intensificavam a circulação de formas simbólicas em nível planetário (THOMPSON, 1998). Nos anos 90, após um novo ciclo de esvaziamento econômico, grandes grupos de radiodifusão aproveitaram o avanço da tecnologia de transmissão via satélite para formar redes retransmissoras. Se, por um lado, esse ganho de escala trouxe sobrevida a muitas empresas, por outro, a diversidade cultural foi colocada em xeque de forma inaudita, devido à veiculação em larga escala de padrões de locução dos grandes centros urbanos. Em boa parte dessas emissoras, o conteúdo local representa hoje apenas 5% do total da programação e serve basicamente para a inserção de publicidade (KISCHINHEVSKY, 2007a). Na segunda metade dos anos 90, contudo, a radiodifusão experimentaria a maior revolução tecnológica desde a invenção do transistor, que nos anos 60 havia permitido a miniaturização de aparelhos receptores, fazendo o rádio ganhar as ruas. O surgimento de formatos de compressão de áudio digital e de software para reprodução destes arquivos em computadores pessoais possibilitou uma onda de investimentos bilionários. Logo, toda emissora AM/FM planejava sua versão online. Com o tempo, uma parte das estações passou a oferecer conteúdos exclusivos via internet, como promoções, imagens do estúdio, links de utilidade pública e blogs (diários virtuais).
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Não há números consistentes sobre o total de emissoras brasileiras com presença na internet, mas uma medida é o portal Radios.com.br, que funciona como um diretório para busca de estações no Brasil e no exterior. Criado em 1997, em Varginha (MG), o site oferecia, dez anos depois, links para mais de 15.300 emissoras de todo o mundo. No Brasil, havia 1.912 estações listadas, das quais 71 do Estado do Rio (26 delas sediadas na capital). A novidade é que, sem a exigência de concessão pública, outras 373 emissoras brasileiras que existiam exclusivamente na web estavam em operação e figuravam na lista4. Portais como o Radios.com.br têm desempenhado papel fundamental na reconfiguração da radiodifusão online, não apenas facilitando a busca de emissoras em ambiente virtual, mas também organizando e hierarquizando o acesso à produção radiofônica das estações conectadas à rede (KISCHINHEVSKY, 2007b). Emissoras dos cinco continentes estão hoje a apenas alguns cliques no mouse para quem tem acesso de alta velocidade à internet. A rede mundial de computadores viabilizou a escuta de conteúdos das mais diversas origens, inclusive de estações que, muitas vezes, são mantidas por um único internauta, por hobby ou interesses comerciais, sociais, políticos, religiosos etc. A partir de 2004/2005, a veiculação de conteúdos radiofônicos ganhou novo impulso, graças à possibilidade de difusão sob demanda, conhecida como podcasting. Esta modalidade de rádio abala o modelo tradicional de veiculação radiofônica, calcado em transmissões sincrônicas, para uma audiência com limitada capacidade de interação. No podcasting, a transmissão é assincrônica: o conteúdo fica disponível num endereço eletrônico e é atualizado regular ou ocasionalmente. A partir daí, qualquer pessoa no mundo que tenha computador e conexão à internet pode receber esse conteúdo. Basta “assinar” o podcast desejado. Toda vez que um novo programa (ou “episódio”, como também são chamados) vai ao “ar”, ferramentas de distribuição são acionadas e, quando o ouvinte se conecta à internet, o conteúdo é baixado automaticamente e pode ser consumido a qualquer momento – no próprio computador pessoal ou em tocadores multimídia. Em princípio, qualquer internauta pode não apenas captar estas emissoras virtuais, mas também, com acesso em banda larga e equipamentos caseiros de gravação de áudio, criar sua própria estação. Nos Estados Unidos, o novo meio virou febre e rivaliza com os blogs em popularidade. Só em junho de 2006, segundo pesquisa da consultoria Nielsen NetRatings, houve download de 9,2 milhões de podcasts nos EUA, cobrindo 6,6% da população
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Consulta ao site www.radios.com.br, realizada no dia 15 de fevereiro de 2008. O total de rádios em operação no Brasil em 2007 era de 4.546 emissoras, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
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conectada à internet – blogs foram acessados no mesmo período por 4,8% desse universo5. Também não há dados estatísticos sobre recepção no Brasil, mas o podcasting tem sido ferramenta eficaz na divulgação de novos trabalhos de músicos brasileiros, especialmente no circuito independente, assumindo um papel que até o início dos anos 90 era desempenhado pelas FMs6. A possibilidade de criar estações de rádio personalizadas, a baixo custo, descortina novos horizontes para esse meio de comunicação. Palestras, debates filosóficos e até serviços religiosos passaram a ser transmitidos via internet, fortalecendo e alargando redes de afinidade de caráter local, regional, nacional e mesmo transnacional7. As características destas novas formas de mediação radiofônica ainda estão por ser devidamente estudadas, fornecendo rico material para pesquisas no campo da comunicação. Poucos foram os que refletiram sobre o tema até o momento (ver, por exemplo, CASTRO, 2005, PRIMO, 2005, LEMOS, 2005). Convergência, digitalização e downsizing Transformados em dados, redutíveis a 0s e 1s, texto, áudio e vídeo convergem para uma mesma plataforma digital, impulsionando a integração entre as indústrias da comunicação, da informática e das telecomunicações. “Televisão, rádio, telefone e computador tendem a confluir para uma via de circuitos integrados on line, cujos fluxos hipervelozes reconfiguram irreversivelmente as trocas comunicacionais e os acessos à informação e ao entretenimento” (MORAES, 1998, p. 29). O senso comum aponta para uma revolução em andamento no campo da mídia sonora, com novas formas de produzir, veicular e consumir conteúdo radiofônico. A imprensa tem
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Ver “Podcast ultrapassa blog em popularidade nos EUA”, de Alexandre Barbosa, caderno Vida Digital, O Estado de S. Paulo, 14 de julho de 2006. Ao fim de 2006, conforme as diversas fontes, o número de ouvintes de podcasts nos Estados Unidos oscilava entre 3 milhões e 6 milhões. Ver também “Podcasts terão 15 milhões de ouvintes nos EUA em 2010”, Folha Online, 1º de março de 2006. Os números não são excludentes, pois muitos podcasts utilizam blogs como canal de comunicação com seus ouvintes, possibilitando maior interação. Há dificuldades, ainda, para distinguir tecnicamente entre downloads de podcasts e de simples arquivos de áudio contendo músicas em formato digital. 6 Ver “Internet dá visibilidade à nova geração de bandas”, de Letícia de Castro, caderno Informática, Folha de S.Paulo, 6 de março de 2006. Considero “independentes” os artistas que não estão sob contrato das grandes multinacionais da indústria do disco. Com a internet, muitos têm alcançado sucesso comercial antes mesmo de lançar CDs. É o caso de grupos como o britânico Arctic Monkeys e o brasileiro CSS. Sobre a reestruturação da indústria fonográfica, ver HERSCHMANN e KISCHINHEVSKY, 2006. 7 As notícias da proliferação de estações institucionais ajudam a compreender o caráter estratégico atribuído pelos mais diversos atores sociais à nova modalidade de rádio. Ver, entre outros, “Igrejas dos EUA apostam em podcasts para atrair fiéis”, Folha Online, 29 de agosto de 2005, “Pentágono adere ao podcast”, de João Magalhães, Estado de S. Paulo, caderno Vida Digital, 11 de novembro de 2005, “Podcasts estreitam relação entre empresas e clientes”, de Juliana Carpanez, Folha de S.Paulo, caderno Informática, 20 de fevereiro de 2006, “Astronauta do Discovery transmite o primeiro podcast espacial”, Folha Online, 8 de agosto de 2005, “Prefeitura de SP ganha programa de rádio na web”, Folha Online, 14 de dezembro de 2005.
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sido pródiga em predizer um renascimento do rádio, no bojo de suas novas modalidades, a transmissão via web e o podcasting8. Reportagens destacam a importância do mercado de recepção de FMs em telefones celulares, o avanço da oferta de programas sob demanda e o fim das restrições de alcance geográfico, na esteira da veiculação simultânea no dial e na internet. Estas avaliações positivas têm sido estimuladas por relatórios de consultorias especializadas. Estudo da Forrester Research veiculado em 2005 já apontava o “futuro do áudio digital”, relacionando-o ao crescimento dos serviços de rádio via satélite e do podcasting. “Consumidores querem ouvir o que quiserem, quando quiserem, e no aparelho que escolherem. Novos formatos como rádio online e podcasting, no qual o conteúdo pode ser baixado diretamente para um tocador de MP3, oferecem aos consumidores mais programação e flexibilidade definitiva”, assinalava no relatório o executivo Ted Schadler, vice-presidente da Forrester9. As projeções de aumento se baseavam na expectativa de popularização do acesso à internet em banda larga nos EUA, nas vendas de tocadores multimídia e do avanço dos serviços de rádio pago (que já contavam com 4,5 milhões de assinantes no fim de 2004). Números mais recentes corroboram esse crescimento da demanda, tanto no mercado americano quanto no brasileiro – a diferença é que, aqui, ainda não existem operadores de rádio por assinatura, como XM Satellite Radio e Sirius. Ou seja, a visão corrente no mercado é de que o futuro do rádio está nas novas modalidades de veiculação de áudio em formato digital – redes privadas de transmissão via satélite, internet e sistemas digitalizados de rádio aberto, como o americano HD Radio e o europeu Digital Audio Broadcasting (DAB). Os atuais modelos de radiodifusão analógica em FM e AM estão fadados a desaparecer em poucos anos e, portanto, não atraem mais investimentos. Os parcos recursos existentes são direcionados às operações online das emissoras e às compras de equipamentos digitais que viabilizem a difusão nas novas plataformas. De fato, novas modalidades de rádio como o podcasting e as web radios trazem importantes mudanças no campo da comunicação, propiciando uma multiplicação na oferta de conteúdos e dando voz a indivíduos, organizações não-governamentais e outros atores sociais antes sem acesso aos meios (ver, entre outros, HERSCHMANN e KISCHINHEVSKY, 2007). Mas 8
Sobre o assunto, ver FERRARETTO, 2007, e também as reportagens “Tecnologia digital aponta saídas para crise das emissoras de rádio”, de Diego Assis, Ilustrada, Folha de S.Paulo, 25 de abril de 2005, e “The resurrection of indie radio”, de Charles C. Mann, Wired, edição de março de 2005, entre outras. 9 Tradução do autor. Relatório divulgado em 12 de abril de 2005 e disponível na página da consultoria: www.forrester.com.
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restam pouco estudados os reflexos dessa fase de transição nos trabalhadores das emissoras analógicas. A contínua busca por custos mais baixos, pautada por metas ambiciosas de downsizing e de ganhos de produtividade mediante captura de sinergias10, ocasionou mudanças em toda a estrutura de produção nas FMs estabelecidas no dial: microfones foram levados para a técnica, os estúdios encolheram e ganharam endereços menos nobres (geralmente, bairros degradados), os arquivos sonoros foram digitalizados e perderam espaço físico, equipamentos mais compactos e baratos ganharam o mercado. A compressão de etapas do processo produtivo do rádio acarretou uma profunda transformação nas relações trabalhistas, exigindo o recrutamento de profissionais de perfil polivalente e elevada produtividade, além de boas noções de informática. Diversas funções acabaram extintas ou redesenhadas. Arquivistas e técnicos foram dispensados; jornalistas e radialistas passaram a operar mesas de som; repórteres aprenderam a gravar e editar sozinhos suas reportagens, com a ajuda de softwares como SoundForge e Vegas; programadores saíram de cena, substituídos por empacotadores de programação, enviada via satélite ou internet para todo o país – mais recentemente, com o surgimento de uma nova geração de programas de computador, muitas emissoras automatizaram de vez o processo, estabelecendo uma ordem aleatória para a execução das músicas, a partir de playlists digitalizados. Um caso emblemático foi o da Oi FM, “patrocinada” (leia-se controlada) pela homônima operadora de telefonia11. Contemporânea da Paradiso, a emissora, que sucedeu a extinta Cidade – marco no desenvolvimento de uma linguagem própria do rádio em FM, no fim dos anos 70 –, já iniciou suas transmissões abolindo os locutores durante a maior parte da programação normal. Vinhetas, repetidas a cada bloco, orientam os ouvintes a enviarem mensagens de texto de seus telefones celulares sempre que desejarem saber os nomes das músicas e dos artistas que estão no ar ou quiserem manifestar aprovação (escrevendo “adoro”) e reprovação (“odeio”) a determinada faixa – o que, não por acaso, impulsiona as receitas da
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Um “repórter aéreo” pode ser incumbido de entrar ao vivo, direto de um helicóptero, sucessivamente na programação de três emissoras diferentes, que integram um mesmo grupo econômico, mas cobrem segmentos diferenciados da audiência. Um caso extremo de sinergia, porém cada vez mais comum. 11 A concessão foi outorgada à Rádio Cidade Rio de Janeiro Ltda., embora na prática a emissora seja administrada pela Tele Norte Leste PCS SA (nome-fantasia: Oi).
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companhia telefônica com serviços de dados. A transmissão em FM parece apenas um apoio às operações via internet, plataforma na qual a empresa alega ter mais de 500 mil ouvintes12. O rádio foi, portanto, abrindo mão de sua identidade, tornando-se insípido e inodoro. O ouvinte das FMs ficou sem “âncoras”. Os locutores com quem a audiência se identificava não estavam mais lá, e a programação não era mais encadeada pela mão humana, mas sim de modo mecanizado. Não é mera casualidade que uma das vozes escolhidas para as vinhetas – que marcam a “assinatura” da emissora no dial – é a da atriz Débora Bloch, conhecida por seus trabalhos em telenovelas, minisséries e programas humorísticos da Rede Globo. O reconhecimento dos conteúdos veiculados é buscado de uma forma tortuosa, já que não há sequer a simulação de um diálogo entre comunicadores e ouvintes. Curiosamente, a Paradiso FM recorre ao mesmo expediente, construindo uma familiaridade restrita às vinhetas, por meio da voz de outro ator global: Miguel Falabella. A tendência aos cortes de gastos é internacional, e não um fenômeno exclusivo das emissoras cariocas. Já em 1997, Wilson P. Dizard apontava os reflexos de um mercado extremamente pulverizado e competitivo nos EUA, em que, com o declínio das redes nacionais, “a maioria das estações de rádio se transformou em vitrolas automáticas locais”. De acordo com o pesquisador, metade das músicas executadas nestas emissoras já era proveniente de “gravações enlatadas, preparadas por empacotadores anônimos de programas e fornecidas às estações por satélite ou linhas telefônicas de Nova York e Los Angeles”. O resultado é que havia “poucos trabalhos disponíveis na rádio local: à medida que as estações adotam uma programação mais canalizada, elas caminham para possuir uma meia dúzia de funcionários ou pouco mais” (DIZARD, 1998, p. 42). Mariano Cebrián Herreros vai na mesma direção, ao falar da reconfiguração das emissoras espanholas no início do século XXI: “La innovación técnica empuja fuertemente el surgimiento de nuevas categorías laborales radiofônicas mientras se relegan otras. (...) Hay categorías laborales en plena regresión hasta llegar a su desaparición. En unos casos, como la de los locutores, por la organización y modificación de las funciones en beneficio de los dominadores de los contenidos. Con ello se ha perdido calidad de voz, domínio de idioma y riquezas fonéticas. En otros casos por la implantación técnica. Se produce una caída de categorías técnicas tradicionales como las de operadores y emergen otras que requieren amplios domínios informáticos. Otras categorías sufren tales transformaciones que 12
Dados sobre audiência via internet no Brasil ainda são de baixa confiabilidade. Além disso, a Oi contabiliza também os ouvintes de outras emissoras da rede, que mantém operações em FM nas praças de Belo Horizonte (MG), Fortaleza (CE), Recife (PE), Vitória (ES) e Uberlândia (MG).
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reclaman una reconversión y un reciclaje contínuos de quienes las desarrollan. Recuperan impulso el perfil polivalente del profesional técnico y la especialización del personal de producción y creación” (CEBRIÁN HERREROS, 2001, p. 245).
A extensão exata deste processo de reestruturação organizacional e os impactos no mercado de trabalho do rádio deverão ser mais bem avaliados em trabalhos futuros. Por ora, cabe ressaltar o risco de sérios danos à diversidade na oferta de conteúdos, na esteira dessa política de automação indiscriminada. Mudanças de paradigma na indústria não podem ser detidas por atos voluntariosos, mas há sinais claros de exagero na busca por custos mais baixos e rentabilidade mais elevada. O interminável downsizing nas emissoras faz lembrar uma velha anedota de salão sobre o empresário que lamentava a inexplicável morte de um de seus cavalos, após ter penado para ensinar o animal a deixar de comer, poupando despesas com ração.
Conclusões São fartas as evidências de crescente automação nas FMs, especialmente as emissoras musicais, com conseqüente redução no nível de emprego. A expectativa inicial de que a informatização eliminaria postos de trabalho em áreas técnicas e burocráticas, permitindo um fortalecimento das equipes de produção de conteúdo informativo, até o momento não se cumpriu. O desenvolvimento de operações via internet absorveu apenas parte do pessoal dispensado, mas não houve criação de vagas (exceto para programadores de computadores e web designers). Além disso, manteve-se a tendência observada ao longo da última década de gradual substituição de profissionais mais experientes por jovens recém-saídos das faculdades, que geralmente apresentam maior domínio das novas ferramentas digitais e aceitam trabalhar mais por salários mais baixos. O meio parece desacreditado, fustigado pelo avanço de novas tecnologias de informação e comunicação. Não é por acaso que, entre suas vinhetas, a Oi FM veicula uma com o seguinte texto: “Esqueça tudo que você ouviu falar sobre rádio”. Ou seja, uma emissora focada no segmento jovem precisa hoje afirmar para seus ouvintes que é “diferente”, que opera numa lógica distinta das “tradicionais” FMs, para se posicionar no mercado. O motivo é claro. O rádio AM/FM vem perdendo terreno entre audiências jovens com mais acesso às novas tecnologias, em diversos países. Nos EUA, em dez anos, a parcela de ouvintes entre 12 e 17 anos de idade permanece estagnada em 3%, enquanto o percentual na
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faixa dos 18 aos 24 recuou de 9%, em 1998, para 7%, em 2007. No mesmo período, o público entre 25 e 34 anos de idade encolheu de 22% para 14%. Já a participação dos ouvintes com mais de 35 anos subiu de 66% para nada menos que 76%13. Ou seja, não está havendo renovação de audiências no rádio aberto, fenômeno que traz impacto direto sobre as receitas publicitárias das emissoras e, conseqüentemente, sobre as estruturas de produção de conteúdos radiofônicos. Mas o que fazer diante de tão profunda reestruturação? Emissoras que resistem a cortar custos com pessoal e automatizar suas operações acabam perdendo competitividade, à medida que se acirra a concorrência nos mais diversos segmentos. Suzy dos Santos e Érico da Silveira destacam a importância da regulação do mercado, traçando paralelos entre o atual momento de perplexidade na indústria e os primórdios da radiodifusão. “As mudanças sofridas pelas comunicações no seu processo de digitalização trazem de volta as mesmas discussões da época da Marconi Company e as primeiras regulamentações do rádio, na década de 20” (SANTOS e SILVEIRA, 2007, p. 50). Não se propõe aqui a criação pura e simples de restrições à demissão de profissionais de comunicação, medida anacrônica e ineficiente. Há uma inexorável mudança de paradigma nos ciclos de criação, produção/edição e difusão de conteúdos radiofônicos. As autoridades podem, contudo, definir limites de modo a garantir o atendimento às metas estabelecidas para a concessão de serviços de radiodifusão. As emissoras deveriam ter finalidades educativas e culturais e cumprir cota mínima de 5% da programação destinada à veiculação de conteúdo informativo. Abusos têm sido cometidos no processo de automação, o que impede o cumprimento da legislação. A Lei 4.117/1962 é clara em relação à responsabilidade dos empresários do ramo: “As emprêsas, não só através da seleção de seu pessoal, mas também das normas de trabalho observadas nas estações emissôras devem criar as condições mais eficazes para que se evite a prática de qualquer das infrações previstas na presente lei”14. Governos, empresários e sindicatos poderiam romper esta situação de inércia promovendo cursos de requalificação, preparando profissionais para atuarem nesta nova lógica produtiva. “Es preciso el reciclaje permanente (...). Los períodos de lo obsoleto se acortan a pasos acelerados”, adverte Cebrián Herreros (idem, ibidem). Caso contrário, corre-se o risco de 13
Ver “American Radio Listening Trends”, pesquisa realizada pela consultoria especializada Arbitron, disponível no endereço eletrônico <http://wargod.arbitron.com/scripts/ndb/audience2.asp>. Outro levantamento da empresa aponta queda de 30 a 45 minutos por semana no tempo despendido com o consumo do meio, apenas entre 2006 e 2007, na faixa de ouvintes entre 12 e 17 anos de idade. Cf. “Radio Today 2008 – How America Listens to Radio”. 14 A íntegra da legislação, data de 1962, pode ser acessada no endereço eletrônico: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4117.htm.
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perder a memória de toda uma geração dedicada a um dos meios de comunicação mais populares da história do país. Teríamos, assim, um rádio mais pobre em termos criativos, um esvaziado palco para negociação de identidades. Um rádio mais próximo da “caixa de música” dos primórdios e, cada vez mais, com seu destino atrelado ao de outros meios, como a TV digital e os portais vinculados a conglomerados das indústrias da comunicação e do entretenimento.
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Cidades, Cidadania e Tecnologias Avançadas de Informação e Comunicações Othon Jambeiro1 Susane Barros2 Rosane Sobreira3 Rosivane Lima4 Priscila Rabelo5 Resumo: Utilizando para análise os planos diretores de desenvolvimento de cidades nordestinas, os autores investigam as políticas de infra-estrutura e serviços de informação e comunicações neles expressas, e como as chamadas TICs são relacionadas com: eficiência e transparência de gestão e capacitação de cidadãos. O problema de pesquisa está explicitado na questão: o que expressam os planos de desenvolvimento das cidades sobre questões relativas à infra-estrutura e aos serviços de informação e comunicações? A metodologia incluiu a seleção dos municípios a serem pesquisados e a elaboração e aplicação de um roteiro de análise de seus planos diretores. A conclusão mostra um quadro desfavorável ao uso de tecnologias de informação e comunicações, em quase todos os municípios: de maneira geral os planos diretores mostram interesse em participação política e em eficiência administrativa, mas fazem pouca vinculação desses interesses com aquelas tecnologias. Palavras-chave: tecnologias de informação e comunicações; cidadania e participação social; planos diretores municipais. Abstract: The paper investigates policies on information and communications infrastructures and services in the development director plans of Northeastern Brazilian cities. It also observes how and if technologies in this field are related to efficiency and transparency in public affairs and in the skilling of citizens. The research main problem is: what do the development plans of those cities express about questions related to information and communications infrastructure and services? The methodology included a previous selection of the municipalities to be investigated and the construction of a guide to analyze their director plans. Conclusions show low level of the use of information and communications technologies in almost all the cities studied. In general their director plans do not demonstrate interest to political participation and to efficiency in the management of public affairs. They also establish little relationship between those interests and information and communications technologies. Key words; information and communications technologies; citizenship and social participation; municipal director plans. 1
PhD, University of Westminster, Professor Titular do ICI/UFBA, pesquisador 1-C do CNPq. Mestranda em Ciência da Informação, ICI/UFBA, bolsista Capes. 3 Graduanda em Arquivologia, ICI/UFBA, bolsista Pibic/CNPq. 4 Graduanda em Bibliotecnomia, ICI/UFBA. 5 Graduanda em Biblioteconomia, ICI/UFBA, bolsista Pibic/CNPq. 2
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Resumen; Los autores investigan las políticas de infraestrucutura y servicios de información y comunicaciones existentes en los planes directores para el desarrollo de las ciudades del noreste de Brasil. Asimismo tratan de presentar cómo las TICs se relacionan con la eficiencia y la transparencia de la gestión y la capacitación del ciudadano. El problema de la investigación está plasmado en la cuestión: ¿qué expresan los planes de desarrollo de los municipios respecto las cuestiones concernientes a la infraestrucutura y a los servicios de información y comunicaciones? La metodología incluye la selección de los municipios objeto de investigación y la elaboración y aplicación de un guión para análisis de su plan director. La conclusión enseña un escenario desfavorable al uso de las tecnologías de información y comunicaciones en casi todos los municipios: en general, dichos planes suponen un interés en cuanto a la participación política y a la eficiencia administrativa, aunque no vinculen estos intereses con las citadas tecnologías. Palabras clave: Tecnologías e información y comunicaciones; ciudadanía y participación social; plan director municipal. 1 Introdução Realizado histórica e eventualmente por iniciativa própria de prefeitos, o planejamento urbano foi incluído na Constituição de 1988 (Capítulo II, Da Política Urbana) como obrigação para cidades com mais de 20 mil habitantes. O artigo n. 182 remete a obrigatoriedade para uma lei posterior, que fixa diretrizes gerais e “tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. A Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 – auto-denominada Estatuto das Cidades (Art. 1º, parágrafo único) - além de estabelecer as diretrizes gerais das políticas urbanas dos municípios, cria a figura do Plano Diretor. Com determinação de que seja aprovado por lei municipal, ele é estabelecido como “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. Dele devem necessariamente derivar os planos plurianuais, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual do município. Indo adiante da Constituição, o Estatuto estende a obrigatoriedade do plano para além das cidades com mais de 20 mil habitantes. Estão agora também obrigados a tê-lo municípios que: (1) sejam integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas6; (2) pretendam
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Aglomerados urbanos são constituídos pelas cidades e os territórios a elas contíguos, habitados com densidade residencial, desconsiderados os limites administrativos. São Paulo, por exemplo, além de ser uma cidade com 11 milhões de habitantes é parte de um aglomerado urbano de 18 milhões de habitantes.
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utilizar os instrumentos previstos no § 4º. do art. 182 da Constituição7; (3) sejam integrantes de áreas de especial interesse turístico; (4) sejam inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. Com a extensão da obrigatoriedade, de um total de 5.564 (IBGE, 2006a), são 1.718 (32,3%) os municípios brasileiros que devem ter planos diretores (BRASIL, 2005). Por determinação do Estatuto das Cidades esses planos devem ser elaborados de maneira participativa, por meio de: audiências públicas e debates, com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; e publicidade de todos os documentos e informações produzidas, aos quais qualquer interessado poderá ter acesso. Em termos conceituais, este trabalho opera na perspectiva teórica da relação entre cidades, cidadania, democracia, informação e comunicações, no contexto da chamada Sociedade da Informação. As instituições políticas, econômicas e sociais do município são focadas como loci primários de prática democrática e, como tais, formadoras de cidadãos. Informação e comunicações são consideradas fatores-chave para o exercício da cidadania e conseqüente ampliação e aprofundamento da participação política dos indivíduos e grupos sociais. O estudo insere-se no campo de estudo das Políticas de Informação e Comunicações, que é, por natureza, convergente. Isto é, compreende estudos políticos, econômicos, tecnológicos, normativos e regulatórios, notadamente as interseções e influências mútuas desses fatores, em função dos interesses e objetivos estratégicos, públicos e privados, concentrados na concepção, implantação e desenvolvimento de infra-estrutura e na prestação de serviços. Este campo se volta também para o processo pelo qual o Estado, por meio dos poderes legislativo, executivo e judiciário delimitam, articulam e arbitram os interesses conflitantes dos vários grupos econômicos, culturais e sociais, que se propõem a atuar ou 7 Art. 182, § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
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influir na regulação e na prestação de serviços de informação e comunicações, tendo como referência – pelo menos em tese – o equilíbrio entre os interesses privados e o interesse público. O trabalho se justifica pela compreensão de que a análise do desenvolvimento da chamada Sociedade da Informação torna necessário examinar os recortes locais do fenômeno. Isto é, necessita-se compreender se e como as cidades proagem ou reagem a ele, em termos politico-ideológicos, munindo-se ou não de políticas que preservem sua capacidade de beneficiar-se do desenvolvimento da sociedade mundial. É necessário, igualmente, saber se têm proposições objetivas, consistentes com o cenário real de suas relações econômicas, políticas e culturais com o mundo, no novo contexto global8. O problema de pesquisa evoluiu da constatação de que os estudos realizados no campo das políticas, da regulação, da economia e da economia política da informação e das comunicações têm se dedicado pouco ao chamado “poder local”. Em geral eles têm se mostrado de grande utilidade na compreensão das articulações de interesses que se estabelecem, nos níveis nacional e internacional, na montagem e exploração de infraestruturas e serviços deste setor. Têm, igualmente, investigado em profundidade o papel do Estado e dos grupos de interesse nos processos regulatórios, particularmente a crescente redução de seu poder frente aos conglomerados multinacionais financeiros, que aumentaram substancialmente sua participação nas atividades econômicas relacionadas à informação e às comunicações. Mas é muito restrito o conhecimento gerado sobre esses processos no nível das cidades. O trabalho toma como universo empírico a região Nordeste do País, na qual se situam os estados do Maranhão, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia. Somam 572 (33,2%) − de um total de 1.718, no País − os municípios desta região enquadrados na obrigatoriedade estabelecida pelo Estatuto das Cidades. Como o 8
Este tema está crescentemente presente em todo o mundo. A British Academy, por exemplo, realizou, em 27 de novembro de 2007, o segundo painel de discussão a respeito, intitulado Local Devolution of Public Services: a Break with the Past or Return to the Past?. O primeiro foi realizado em nove de julho do mesmo ano, com o título What’s wrong with English local democracy? Can looking back help to move it forward?. A Academia entende que há hoje um consenso quanto à necessidade de descentralização de serviços públicos, do governo central para os governos locais. O governo britânico também pensa assim, tendo anunciado ações visando assegurar a prestação de serviços públicos diferenciados, de acordo com os governos locais. Isto significa um retorno à década de 1940, quando os serviços públicos daquele País eram prestados quase que completamente sob controle das cidades. Em outros países europeus e nos Estados Unidos – e também no Brasil, como se aborda neste texto - há debates e movimentos visando ampliar e aprofundar os poderes das cidades sobre seus destinos.
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processo de elaboração dos planos está em curso, os números apresentados nesta pesquisa retratam a situação em dezembro de 2007. Levantamento realizado nas webpages das prefeituras e câmaras de vereadores, além de fontes complementares, até aquela data, tornou possível localizar cerca de 80 planos já concluídos. São eles que compõem o corpo empírico deste trabalho. Tanto a Constituição, quanto o Estatuto das Cidades e resoluções posteriores do Conselho das Cidades − órgão vinculado ao Ministério das Cidades – assim como o Ministério Público, advogam insistentemente a participação popular, a boa gestão pública dos recursos municipais e a livre circulação de informações. A pesquisa, em conseqüência, buscou verificar se e quão presentes estão as Tecnologias de Informação e Comunicações (TICs) nos planos diretores, particularmente no que se refere a dois aspectos: eficiência e transparência de gestão; e capacitação de cidadãos. O argumento é o de que o primeiro aspecto só se realiza plenamente, na contemporaneidade, com a utilização de TICs; e - relativamente ao segundo aspecto - que a plenitude da cidadania só é alcançada hoje com o domínio destas mesmas tecnologias. Os planos, portanto, deveriam fazer proposições objetivas que equacionassem esta questão. Os resultados a que se chegou são apresentados a seguir, divididos em quatro partes: a primeira, de natureza teórica, na qual se argumenta sobre a estreita relação entre eficiência e transparência de gestão, capacitação de cidadãos e tecnologias de informação e comunicações; a segunda trata do método; na terceira se analisa o conteúdo dos planos diretores no que se refere ao problema da pesquisa; e uma conclusão, onde se demonstra a ainda pobre abordagem das TICs realizada nos planos diretores das mais ricas cidades nãocapitais de cada um dos estados nordestinos.
2 Fundamentos Teóricos 2.1 Eficiência e transparência de gestão e TICs Os governos, em nível federal, estadual e municipal, estão, hoje, diante de possibilidades objetivas e desafios constantes para a promoção de eficiência e transparência da administração pública. Isto significa considerar, em seus processos decisórios, a sociedade civil como um todo, os distintos grupos sociais, e os cidadãos em particular, assegurando-se
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os meios para que “todos os segmentos da sociedade estejam representados e possam participar da gestão” (TEIXEIRA, 2004, p. 14). Muitas ações podem ser tomadas para alcançar a eficiência, um bem em si mesmo, com a conseqüência mais visível na economia de custos e aumento de eficácia administrativa e operacional. Mas, além disso, ela facilita e estimula a transparência de gestão. Ambas têm relação direta com participação social e política. Na gestão participativa, as decisões são tomadas em acordo com as opiniões dos cidadãos, ou seja, a democracia não se expressa somente nas eleições periódicas, mas também durante os mandatos, nos processos decisórios sobre o que e como fazer. As propostas são submetidas à discussão pública e todos podem criticar, sugerir e julgar. As experiências têm demonstrado que, se a população participa do processo decisório, a gestão tende a ser mais eficiente. No entanto, para que as pessoas sejam capazes de opinar e interferir é preciso que disponham de informações fidedignas, com base nas quais poderão desenvolver seu senso crítico. É nesse momento que a transparência por parte dos governos se faz imprescindível, dando à população as informações necessárias para que possa participar, opinar e decidir. Quando um governo expõe suas ações e presta contas, submete-se à avaliação da população e se distancia de uma forma autoritária de governo. O diálogo constante e direto com a população permite-lhe detectar falhas na gestão e corrigi-las, assim como obter resposta rápida sobre aceitação ou recusa de novos programas e projetos. Num governo autoritário, ao contrário, as decisões e informações são mantidas sob sigilo, ficando os cidadãos à margem do processo decisório. A transparência nas decisões confere ao governo maior credibilidade e inibe a corrupção, pois “quanto maior for a quantidade de informação disponível abertamente pelo governo e sobre o governo, menor será a possibilidade deste governo conseguir ocultar atos ilegais, corrupção e má administração” (UHLIR, 2006). A transparência, portanto, estimula a democratização, dando a todos a possibilidade de conhecer, criticar e opinar sobre as ações do governo, otimizando-o e evitando um governo autoritário. A condição primordial para uma gestão democrática é que informações relevantes que envolvem o governo possam ser acessadas facilmente e de forma compreensível pelos cidadãos. A Constituição Brasileira de 1988, no artigo 216, § 2º, assegura ao cidadão o direito
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de acesso a essas informações e designa a administração pública como responsável por garantir esse acesso: “cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem”. O governo, por consegüinte, deve ser transparente, isto é, publicar informações e promover o fácil acesso a elas, permitindo aos cidadãos ter conhecimento das suas ações. A teoria democrática propõe também que: essas ações devem estar de acordo com as necessidades e aspirações da população; o governo deve ouvir e levar em consideração as insatisfações e críticas dos cidadãos e grupos sociais; os governantes devem submeter-se à avaliação constante, a fim de verificar o nível de satisfação dos cidadãos e conhecer os aspectos da gestão que estejam sendo motivo de insatisfação. Dowbor (2004, p. 3) chama a atenção para o fato de que “na ausência de informações articuladas para permitir a ação cidadã informada, geramos pessoas passivas e angustiadas.” Neste sentido, uma política de informação deve ser concebida para orientar as ações que estejam focadas na “produção e disseminação da informação pública, que satisfaça as necessidades dos cidadãos [...]” (UHLIR, 2006, p. 17), com especial atenção para os menos favorecidos. É importante a existência dessa política, porque: “A informação é um recurso efetivo e inexorável para as prefeituras e cidades, principalmente quando planejada e disponibilizada de forma personalizada, com qualidade inquestionável e preferencialmente antecipada, para facilitar as decisões dos gestores locais e também dos seus munícipes” (REZENDE, 2005, p. 1). Para Uhlir (2006, p. 14), “alguns dos maiores valores associados à disseminação da informação governamental de domínio público são a ‘transparência’ da governança e a promoção dos ideais democráticos [...].” Além disso, acredita-se que a possibilidade de participação na gestão pública proporciona satisfação à população, que se sente mais respeitada e menos oprimida. A transparência da gestão vem se beneficiando, nos últimos anos, da crescente aplicação de Tecnologias de Informação e Comunicações (TICs), especialmente da Internet, por vários segmentos de governo. É significativa a presença na Web de informações sobre ações de governo, prestação de contas de gastos e investimentos, oferta de serviços online, dentre outras aplicações. Conforme Teixeira, essas tecnologias se constituem num poderoso instrumento de apoio à administração pública, pois permitem: a oferta de novos serviços; a ampliação da eficiência e da eficácia dos serviços públicos; a melhoria da qualidade dos
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serviços prestados; a construção de novos padrões de relacionamento com cidadãos e de novos espaços para a promoção da cidadania. Ele adverte, contudo, que é preciso garantir o acesso às informações a todos os cidadãos, evitando uma segregação entre os que podem e sabem usar as tecnologias de informação e os que não têm esta possibilidade (TEIXEIRA, 2002, p. 9). As TICs podem permitir interação mais rápida, prática e dinâmica entre governo e sociedade e devem ser utilizadas pelo poder público para promover a transparência, a cidadania e a eficiência. Atenção especial deve ser dedicada à informação que será disponibilizada, que deve ser confiável e estar tematicamente organizada para ser rapidamente localizada e utilizada. Portanto, um dos desafios dos gestores municipais é a “organização da informação segundo as necessidades práticas dos atores sociais que intervêm no processo de desenvolvimento social” (DOWBOR, 2004, p. 4). Sorj afirma que o uso da Internet contribui para a reforma e democratização do Estado, destacando-se entre seus benefícios a “redução da corrupção, da apropriação privada dos bens públicos e o enorme desperdício e ineficiência, aos quais o estado e o funcionalismo publico estiveram associados” (SORJ, 2003, p. 88). O certo é que, com o desenvolvimento das TICs e, principalmente, da Internet, a disponibilidade de informações e serviços de caráter público em meio eletrônico aumentou significativamente nos últimos anos. Os governos parecem buscar cada vez mais a informatização dos seus serviços. Jardim (1999) constatou que a década de 1990 foi marcada pela banalização dos microcomputadores na administração federal. Fugini, Maggiolini e Pagamici, por seu turno, dizem que a utilização de TICs tem sido progressiva, tendo-se privilegiado inicialmente a aquisição de tecnologias e a informatização das rotinas de trabalho. “Depois do longo período em que a TIC estava confinada a uma função de apoio à burocracia interna, a sua utilização começou a se mover para o exterior, para a interação com cidadãos e empresas” (FUGINI; MAGGIOLINI; PAGAMICI, 2005, p. 305). Em suma, só é possível participar daquilo que se conhece. O cidadão que desconhece as ações e as informações governamentais não tem instrumentos para interferir na gestão pública, ainda que lhe seja dada a oportunidade. O governo que não promove o acesso nem põe em debate público suas ações e informações está dificultando o exercício da democracia. Uhlir (2006, p. 37) afirma que: “A maximização do fluxo aberto e irrestrito de informação
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entre o governo e o público é um aspecto fundamental para uma sociedade democrática e para a promoção de uma boa governança.” Pode-se mesmo afirmar que o nível de democratização de um Estado é proporcionalmente direto ao nível de transparência do seu governo. Ou, como diz Jardim (1999, p. 49), “[...] maior o acesso à informação governamental, mais democráticas as relações entre o Estado e sociedade civil.” No entanto, a simples criação de Websites e a divulgação de informações do governo na Internet, que foram as primeiras medidas tomadas quando se pretendeu essa interação com os cidadãos, não garantem uma gestão transparente. Divulgar relatórios na Internet não é exatamente promover cidadania. Devem ser fornecidas informações claras, de relevância e de fácil compreensão por todos, tendo em vista as necessidades informacionais da população. A adoção das TICs não é um objetivo em si mesmo e sim um método. Ou seja, elas são ferramentas fundamentais para alcançar dois objetivos primordiais, que são a transparência e a eficiência da gestão.
2.2 Participação, TICs e Capacitação de Cidadãos A democracia não se caracteriza somente pelo fato de todos os cidadãos serem considerados iguais perante a lei, mas principalmente por que esses cidadãos têm o dever de participar do processo político do seu país. A participação não deve ocorrer somente através do voto, quando os representantes são eleitos, mas ao longo da gestão destes, para assegurar que os interesses da população sejam defendidos. Entretanto, decisões de grande impacto sócio-econômico e cultural, que afetam fortemente a sociedade – e por isso deveriam ser aprovadas após consulta direta aos seus membros – costumam ser tomadas pelos governantes sem a participação pública. Segundo Silva (2002), o exercício da democracia no Brasil, assim como nos demais países em desenvolvimento, é, freqüentemente, limitado à participação em eleições esporádicas e à aceitação passiva do domínio do Estado. Somente quando a sociedade civil consegue participar ativamente da tomada de decisões e influenciar o planejamento e a execução de ações do poder público, podemos dizer que há uma gestão participativa ou gestão democrática. As TICs estão criando novas possibilidades para o exercício da cidadania, sendo que o acesso à informação constitui a condição sine qua non para que possa cumprir com seus deveres e usufruir de seus direitos, bem como para solucionar seus problemas. Essas tecnologias permitem que as informações
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produzidas por diversas instituições governamentais sejam amplamente e rapidamente divulgadas. Em outras palavras isso quer dizer que a utilização das TICs, e especialmente da Internet, pode aumentar a eficácia dos serviços, desenvolver ou reforçar a sociedade civil e fortalecer as relações entre governo e sociedade. Isto vale também para as relações de trabalho dos cidadãos. As mudanças que as TICs têm trazido implicam em profissionais capacitados e com a qualificação necessária para atender às demandas do mercado. Este novo paradigma está associado à aceleração da evolução e mudança dos métodos de trabalho, pressionados pela necessidade de novos produtos e de se imprimir qualidade até mesmo como requisito de sobrevivência (ATAÍDE, 1997, p. 169). Torna também essencial que o poder público desenvolva políticas de inclusão digital, que permitam inserir trabalhadores na chamada Sociedade da Informação. Este tipo de inclusão é crescentemente exigido pelo mundo do trabalho. Estar incluído na sociedade sempre foi e continua sendo condição vital para o desenvolvimento de qualquer cidadão. Cabe às várias esferas de governo, também ao poder local, dar a oportunidade de incluir a população nos benefícios do mundo em rede, promover a cidadania digital e consolidar os direitos à cidadania (MARTINI, 2005). No caso da inclusão digital, em particular, Santos (2005) adverte que ela resulta de vários fatores, entre os quais: políticas públicas voltadas para os direitos dos cidadãos; capacitação destes, tornando-os capazes de transformar a realidade, “interferindo nos espaços democráticos existentes ou criando novos espaços para o desenvolvimento da justiça, da paz e da igualdade, através do uso das tecnologias de informação e comunicação” (SANTOS, 2005); e disponibilização a todos, sem exceção, de acesso a essas tecnologias. No entanto, grande parte da população não dispõe de recursos para utilizar essas facilidades, não tem capacitação adequada e, muitas vezes, não tem sequer conhecimento delas. Na verdade, o grau de acessibilidade à informação e aos serviços varia de cidadão para cidadão. Escolaridade, poder aquisitivo, posição social ou inserção em determinados grupos de referência, são fatores que levam distintos cidadãos a terem diferentes condições de acesso. Parte significativa da população está à margem disso: são os excluídos sociais, quase sempre também excluídos digitais.
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A Internet garante mais disponibilidade de informações públicas, mas pode aumentar as desigualdades de acesso à informação e aos serviços públicos, por absoluta ou relativa ausência de condições de muitos indivíduos para o exercício da cidadania. Abolir a realização presencial de alguns serviços, dispobilizando-os somente pela Internet, por exemplo, restringe o serviço a um único meio de acesso e aqueles que não dispõem de Internet podem ser prejudicados. Para reduzir tal distância entre “privilegiados” e “não privilegiados” requer-se a intervenção dos governos, além de organizações da sociedade civil. O intuito é construir uma sociedade democrática e propiciar o exercício da cidadania e da gestão participativa. Para isto o fator fundamental é que a informação circule de maneira homogênea, ou seja, que todos tenham acesso igualitário, para que alguns não sejam beneficiados, em detrimento de outros. No que diz respeito aos municípios, esta nova situação, caracterizada por uma acelerada expansão das TICs, tem feito com que o poder público local esteja mais participativo, envolvido e preocupado em traçar políticas voltadas para permitir o acesso democrático à informação, bem como montar estruturas e serviços de informação. Há crescente reconhecimento de que o livre acesso à informação pública é um direito do cidadão, cabendo às municipalidades desenvolver ações para assegurá-lo. Isto engloba também capacitação e qualificação desses cidadãos. De fato, para incluir as camadas desfavorecidas na chamada Sociedade da Informação, "[...] não basta disponibilizar o acesso à Internet ou preços acessíveis para aquisição de computadores, se problemas como analfabetismo e o baixo nível da educação de base e renda ainda afligem significava parcela da sociedade" (SILVA et al, 2004, p. 42). Na verdade, inclusão digital é, sobretudo, capacitação dos indivíduos na utilização das tecnologias de informação e comunicações, de modo a que participem mais ativamente nos processos decisórios da sociedade. Para tanto, além de preparo tecnológico, eles precisam saber acessar as informações que desejarem, compreendê-las e usá-las em benefício seu e de sua comunidade. Isto significa que, juntamente com o treinamento dos indivíduos para o uso das TICs, haja também capacitação das pessoas para o exercício da cidadania. Inclusão digital e inclusão social são, pois, duas faces de um mesmo problema. Borges e Machado (2004, p. 181) ressaltam que há “um círculo vicioso entre exclusão digital e social: sem acesso aos
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recursos econômicos e educacionais para utilizar-se dos benefícios do mundo digital, o indivíduo enfrenta dificuldades para inserir-se socialmente.” Políticas públicas voltadas para a inclusão digital devem, portanto, mesclar-se com outras políticas da área social, porque só assim serão eficazes no combate à exclusão social e na construção da democracia e da cidadania.
3 O Método A pesquisa foi desenvolvida tendo como base planos diretores de municípios do Nordeste brasileiro. Construída a partir do estudo realizado pelo IBGE acerca do Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios brasileiros (IBGE, 2006b), a amostra se deu em dois estágios: a) foram retirados da Tabela 6 daquele estudo, que apresenta os cinco maiores PIBs municipais por estado, os estados que compõem a região Nordeste. Daí resultou a relação seguinte: Maranhão – São Luís, Açailândia, Imperatriz, Balsas, Caxias; Piauí - Teresina, Parnaíba, Picos, Floriano, União; Ceará – Fortaleza, Maracanaú, Sobral, Caucaia, Juazeiro do Norte; Rio Grande do Norte – Natal, Mossoró, Parnamirim, Macau, São Gonçalo do Amarante; Paraíba - João Pessoa, Campina Grande, Santa Rita, Cabedelo, Patos; Pernambuco – Recife, Cabo de Santo Agostinho, Jaboatão dos Guararapes, Ipojuca, Petrolina; Alagoas – Maceió, Arapiraca, Marechal Deodoro, São Miguel dos Campos, Pilar; Sergipe – Aracaju, Canindé de São Francisco, Estância, Nossa Senhora do Socorro, Laranjeiras; Bahia – Camaçari, Salvador, São Francisco do Conde, Feira de Santana, Simões Filho. b) excluídas as capitais, escolheu-se o município de maior PIB em cada Estado: Açailandia (MA), Parnaíba (PI), Maracanaú (CE), Mossoró (RN), Campina Grande (PB), Cabo de Santo Agostinho (PE), Arapiraca (AL), Canindé de São Francisco (SE) e Camaçari (BA).
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Os dados para análise, concentrados nos planos diretores dos municípios selecionados9, foram conseguidos por dois processos: nos websites das prefeituras e câmaras de vereadores; ou diretamente com as secretarias municipais de planejamento (casos de Camaçari e Arapiraca). Foi elaborado a seguir um roteiro de análise dos planos diretores, visando verificar em cada um os seguintes aspectos: - Garante acesso às informações públicas e/ou propõe ações, e/ou serviços de informação à população? - Propõe participação social? - Propõe ações para a capacitação de cidadãos, especialmente inclusão digital? - Propõe eficiência de gestão? - Propõe transparência de gestão? - Relaciona estas proposições com as TICs? - Propõe ações em infra-estrutura de informacão e comunicações? Os resultados são expostos a seguir.
4 Análise dos Planos Diretores A análise foi feita tomando como base os seguintes conceitos: 1) capacitação de cidadãos abrange ações de inclusão digital, educação e de estímulo à participação política; 2) eficiência de gestão compreende não apenas eficiência administrativa, isto é interna, na chamada máquina pública, mas também eficiência nas ações voltadas para a sociedade, isto é, prestação de serviços, construção e ampliação de infra-estrutura e promoção do desenvolvimento; 3) transparência tem como indicadores ações de divulgação das atividades de governo e/ou disponibilização de informações relativas à administração da municipalidade. Analisou-se, igualmente, a abordagem das tecnologias de informação e comunicações, feita pelos planos diretores.
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Açailândia (Lei Complementar 04, de 09 de outubro de 2006), Parnaíba (Lei n. 2.296, de 05 de janeiro de 2007); Maracanaú (Lei 731, de 13 de julho de 2000); Mossoró (Lei Complementar n.º 012, de 11 de dezembro de 2006); Campina Grande (Lei 3.236, de 08 de janeiro de 1996); Cabo de Santo Agostinho (Lei n. 018, de 21 de setembro de 2006); Arapiraca (Lei n. 2.424, de 23 de janeiro de 2006); Canindé de São Francisco (Lei Complementar n. 6, de 10 de outubro de 2006); Camaçari (Lei 866, de 11 de janeiro de 2008).
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4.1 Capacitação de Cidadãos Uma visão geral dos planos mostra evidência significativa quanto à este aspecto: em todos eles são comuns promessas de gestão democrática e participação dos cidadãos, na formulação, execução e acompanhamento de ações de governo. Diretrizes como as do Plano de Parnaíba, são exemplares: “gestão democrática por meio de participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano” (Art. 6º, Inciso II); “estimular a participação da sociedade civil no planejamento, na execução dos programas e nos projetos do governo municipal” (Art. 13, Inciso IV); “garantir a participação dos agentes sociais no processo de democratização do planejamento urbano, criando instâncias de representação e formas de comunicação adequados” (art. 15, Inciso XV). O Plano de Maracanaú, embora menos reincidente, propõe-se a “estimular a participação da sociedade civil no planejamento, na execução dos programas e nos projetos do governo municipal” (Art. 13, Inciso IV). E o de Arapiraca, na parte que trata do patrimônio natural do município, estabelece como diretriz: “incluir a componente ambiental e os valores herdados durante a educação básica e a formação profissional, incentivando a sua divulgação e massificação através dos meios de comunicação social” (Art. 20, Inciso I). Os demais municípios seguem a mesma linha, isto é, em todos eles os planos diretores propõem participação social, tanto na condução da gestão quanto nas várias etapas do planejamento urbano. No que se refere à inclusão digital – a outra dimensão de capacitação de cidadãos considerada na pesquisa – apenas Mossoró, Camaçari10 e Cabo de Santo Agostinho propõem ações de governo. A primeira tem somente uma proposta e muito tímida: o art. 23 de seu Plano afirma que o aprendizado deve ser estimulado por meio de “projetos e aplicação de tecnologias educacionais”. O Plano de Cabo de Santo Agostinho, por seu turno, vincula a inclusão digital à geração de emprego e renda: isto é explícito em seu art. 82, quando se menciona “capacitação de inclusão digital” como uma das ações visando preparar mão-deobra local. 10
O projeto de lei estava ainda em discussão na Câmara de Vereadores quando da elaboração desta pesquisa.
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Bem mais objetivo, o Plano de Camaçari aborda o tema inclusão digital sob duas visões: (1) como parte do processo educacional – no que se assemelha ao de Mossoró – e (2) como política social. Na primeira estabelece, em seu art. 14, a diretriz de número XI, que promete a criação de cursos e disponibilização de equipamentos nas escolas e espaços públicos para inclusão digital. Além disso, no Anexo III do Plano, que lista os programas, projetos, ações e prioridades, consta um programa específico para a educação, o Programa Tô Ligado na Rede, que vai ofertar cursos de informática nas escolas municipais e instalar terminais com computadores nos bairros, para acesso gratuito à Internet, acoplados a cursos básicos para crianças e jovens. No mesmo Anexo prevê-se o Projeto Espaço Comunidade, que vai implantar equipamentos em espaços públicos intra-bairros, “como elementos de integração e referência das comunidades, envolvendo, entre outros elementos, centros de inclusão digital.”
4.2 Transparência e Eficiência de Gestão Transparência e eficiência de gestão são também valores usados por todos os municípios e aparecem ora vinculados (em cinco deles) ora desvinculados (nos outros quatro) entre si. No primeiro caso estão os municípios de Açailândia, Parnaíba, Mossoró, Campina Grande e, em certa medida, Camaçari. O plano de Açailândia, em seu art. 7º, que fixa os princípios orientadores de sua elaboração, cita entre eles o de “busca da produtividade, eficiência, eficácia e economia de recursos na organização da máquina administrativa e nas ações do setor público” (Inciso VIII). É também determinada a avaliação dos sistemas que a municipalidade tem para que seja traçada uma “estratégia de consolidação desses sistemas num único Sistema de Informações Municipais (SIM), comportando Subsistemas Setoriais” (art. 167). A transparência aparece em seu art. 162, que determina o estabelecimento de “sistemas descentralizados de atendimento aos cidadãos no provimento de informações de interesse destes [...].” E prevê a “disponibilização de informações via Internet.” Parnaíba menciona, no art. 15, que “o desenvolvimento do processo de planejamento e gestão eficaz e compartilhada entre o poder público, a iniciativa privada e a sociedade será efetivado mediante [...] implantação do Sistema Municipal de Informações” (Inciso III). Mais adiante, no art. 104, são fixados como seus objetivos: “coletar, armazenar, processar e
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atualizar dados e informações para atender ao processo de planejamento e gestão municipal, em todas as suas instâncias, principalmente no acompanhamento e monitoramento das ações inerentes à política de desenvolvimento do Município.” O parágrafo terceiro assegura a todo cidadão o acesso às informações constantes do Sistema. O art. 13 tem uma diretriz institucional voltada especificamente para transparência de gestão: “aprimorar os canais de comunicação entre o poder público municipal e os munícipes” (Inciso III). Mossoró, por sua vez, prevê a criação de um Sistema de Informações Municipais, tendo como objetivo “fornecer informações para o planejamento, o monitoramento, a implementação e a avaliação da política urbana, subsidiando a tomada de decisões ao longo do processo” (art. 161). O artigo 162 do seu Plano fixa como princípios do Sistema: “simplificação, economicidade, eficácia, clareza, precisão e segurança, evitando-se a duplicação de meios e instrumentos para fins idênticos” e “democratização, publicidade e disponibilidade das informações, em especial às relativas ao processo de implementação, controle e avaliação do Plano Diretor” (art.162, Inciso I). Campina Grande cria um Cadastro Técnico Municipal (art. 155), subordinado à Secretaria de Planejamento e “responsável pela coordenação e controle de informações (coleta, armazenamento, atualização e disseminação) necessárias ao planejamento, tomada de decisões e atuação nos diversos níveis de gestão administrativa do município.” O parágrafo 2º. do art. 156 afirma que “A Secretaria de Planejamento deverá colocar à disposição dos órgãos informadores e usuários, e dos cidadãos, as informações devidamente analisadas”. Por fim, Camaçari implanta um Banco de Informações Georeferenciadas e determina sua disponibilização no portal eletrônico da Prefeitura e em locais de fácil acesso (art. 32, Inciso III). Além disso, o art. 14, Inciso X, de seu plano determina a “ampliação do acesso da população à informação sobre todos os processos da administração, através da melhoria do sistema de comunicação social, da modernização de procedimentos, e do atendimento e orientação do cidadão.” Em quatro dos municípios os planos analisados propõem eficiência de gestão completamente isolada do valor transparência: Maracanaú, Arapiraca, Cabo de Santo Agostinho e Canindé de São Francisco. Cabo de Santo Agostinho prevê a criação de um sistema de informação, na estrutura da Secretaria de Planejamento, tendo como uma de suas diretrizes “subsidiar com
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informações técnicas os trabalhos do Fórum da Cidade, do Conselho de Controle Urbanístico e da Câmara Técnica” (Inciso III, art. 102). O Plano de Canindé do São Francisco cria um Banco Municipal de Dados (art. 10º), definido como “instrumento técnico de assessoramento ao planejamento, controle e gestão municipal e ambiental (art. 21). Sua finalidade, estabelecida no art. 22, é “acompanhar o desenvolvimento e as transformações ocorridas no âmbito do território municipal. Arapiraca, por sua vez, dispõe, no artigo 137 de seu Plano, que o sistema de informação “tem como objetivo fornecer informações para planejamento, monitoramento, implementação e avaliação das políticas urbanas, subsidiando a tomada de decisões na gestão do Plano Diretor.” Maracanaú estabelece como diretrizes institucionais (art. 13): “aprimorar a gestão municipal buscando a eficiência, eficácia, efetividade e eqüidade na prestação dos serviços, assim como no atendimento das reivindicações consideradas justas e legítimas” (Inciso I); e “aparelhar a administração pública para a prestação de serviços de qualidade” (Inciso II). Como se vê em nenhum desses quatro planos menciona-se disponibilização de informações para o público, que seria o mínimo fator de transparência. Observe-se também que, apesar disso, apenas o Plano de Maracanaú não prevê a criação de um sistema de informação. Todos os demais não só o prevêem como detalham seu funcionamento, em maior ou menor grau. Diferentemente dos demais, que são acessíveis aos cidadãos, esses quatro municípios visam apenas melhorar o desempenho do poder público municipal, tanto em termos administrativos quanto na prestação dos serviços públicos. Sem transparência, contudo.
4.3 Abordagem das Tecnologias de Informação e Comunicações (TICs) Apenas quatro dos nove municípios propõem ações voltadas para a infra-estrutura de informação e comunicações: Açailândia, Maracanaú, Campinha Grande e Camaçari. O Plano de Açailândia, muito atualizado neste tema, chega a detalhar atividades e metas. É, inclusive, o único que tem um anexo específico para Telecomunicações (Anexo DP – 45). Em seu Capítulo V (Dos Serviços e Equipamentos de Infra-Estrutura), a Seção III (Das Telecomunicações, art. 55) considera como integrantes do setor de Telecomunicações, os serviços: de voz; textos, imagem e vídeo; de emissão sonora; de acesso à rede mundial de
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computadores (Internet). O artigo 82, que fixa os conteúdos gerais da política de desenvolvimento do município, estabelece como uma das linhas a “intensificação de investimentos em [...] comunicações, de importância estratégica no suporte às atividades econômicas localizadas na área”. Outra linha determina a “valorização do papel da Administração, no apoio à atividade econômica, reforçando as estruturas de informação [...].” O artigo 178, que trata das políticas de pessoal, treinamento e capacitação, determina como preceito para os programas a serem implementados, “o desenvolvimento [...] da cultura da informação, familiarizando os servidores com o uso de novas tecnologias informacionais e generalizando o uso destas no âmbito da estrutura” (Inciso V). No Anexo DP-33, que aborda Proposições Econômicas e Sociais Gerais, cita-se, entre as ações a serem implementadas: dotar de redes de infra-estrutura (transportes, comunicações e telecomunicações) os centros de serviços empresariais (P.03); e garantir aos empreendedores e às empresas locais, o fácil acesso aos mercados globais (P.04), “aprofundando a revolução nas telecomunicações, capaz de assegurar mais interação social, acesso à cultura global e sólidas vantagens competitivas.” Quando trata do setor de Comunicação e Entretenimento, Açailândia prevê o apoio à “criação de uma infra-estrutura local de capacitação e treinamento, voltada para a aplicação de tecnologias da informação nos processos de criação, produção e distribuição, formando diretores e artistas capacitados nas áreas digitais” (P. 34). O Anexo DR-45 estabelece duas diretrizes para o setor de Telecomunicações: a primeira promete elevar os padrões quantitativos de oferta e prosseguir nas implementações dos programas de expansão e modernização dos sistemas (D.1); e a segunda visa estabelecer parâmetros e condicionantes técnicos, com o objetivo de disciplinar a implantação de: redes, estações e antenas, dentre outros equipamentos, referentes aos diversos sistemas de telecomunicações, mediante instrumentos legais e normas internacionais/nacionais, com a participação da ABNT, Anatel, empresas do sistema, universidades, Governo do Estado e outros agentes (D.02). Para a primeira diretriz, o Plano prevê, entre outras ações: a instalação de boxes de multi-serviços, ofertando terminas telefônicos (TP), fac-simile (fax), terminais de computadores conectados à Internet em banda larga, terminal de acesso a TV via satélite, conexão com canais de divulgação de utilidade pública, em ponto de maior fluxo de pessoas,
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particularmente junto ao centro de comércio e serviços; estímulo ao atendimento das metas de universalização, de preferência em áreas de demanda reprimida (Anatel); expansão e adequação da rede de telefones públicos, dotados das facilidades de serviço disponíveis para os terminais residenciais e comerciais, em localidades com população de baixa renda. Prevê ainda: implantação da rede de TV a cabo, aproveitando a capilaridade da rede ótica existente, permitindo a implementação de serviços de acesso à Internet com qualidade e velocidade compatíveis com a evolução tecnológica; expansão dos serviços de "modens" ADSL, aproveitando a capacidade da rede atual de acessos de cabos físicos de pares telefônicos, permitindo que os usuários que possuem telefones fixos acessem a Rede Mundial de Computadores com alta qualidade do serviço. Para a segunda diretriz Açailândia prevê: definição de instrumentos legais disciplinadores da implantação dos diferentes sistemas de telecomunicações (redes de dutos, torres de transmissão, redes de cabos físicos e óticos, estações de centrais de diferentes tipos, dentre outros); e o estabelecimento de normas e parâmetros de fiscalização dos processos de implantação e operacionalização dos sistemas de Telecomunicações, considerando, entre outros fatores, o monitoramento da qualidade do serviço de Telecomunicações, utilizando os parâmetros: abrangência do sistema pelo número de unidades atendidas do total de unidades imobiliárias; interrupções no sistema; número de telefones públicos por habitante; satisfação do usuário, por meio de pesquisa de opinião. Maracanaú é bem menos explícita no tocante a este tema. Seu Plano estabelece, no art. 6º, como um dos objetivos estratégicos, melhorar a infra-estrutura básica, através de, entre outros fatores, a “ampliação e integração do sistema de telecomunicação” (§ 2º, Inciso V). E no art. 9º, que trata das diretrizes sociais, prevê investimento em infra-estrutura básica, através de, entre outras ações, “ampliação das redes de água tratada, esgotamento sanitário, energia elétrica, iluminação pública e telefonia” (§ 5º, Inciso I). Campina Grande, por sua vez, é apenas um pouco mais explícita. No art. 137, que trata dos programas da Política de Desenvolvimento Econômico, Científico e Tecnológico, são citadas duas ações relativas ao programa de apoio ao desenvolvimento do parque industrial (Subseção I): “Implantação de um Parque Tecnológico, contando com incubadora empresarial e terrenos para empresas de base tecnológica em eletro-eletrônica, informática e design”
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(Inciso III); e “Pólos de modernização tecnológica em setores prioritários da economia do Município” (Inciso IV). Camaçari, por fim, embora haja pouca explicitude em seu Plano, aborda as TICs quando trata do desenvolvimento social. Em seu Anexo III há um sub-programa, chamado Lugar Fácil de Chegar que prevê implantação de rede de telefonia e telefones públicos em todos os bairros da sede e nas localidades dos demais distritos.
Conclusão A julgar por seus planos diretores, os municípios mais ricos do Nordeste brasileiro, excluídas as capitais, dispõem-se a estimular a participação dos cidadãos na gestão pública, mas não parecem muito atentos à sua capacitação para o exercício dessa participação. Há algumas indicações nesta direção, mas são em pequeno número e ainda tímidas as iniciativas concretas: educação é pouco mencionada e inclusão digital mostra-se como objetivo de apenas três dos planos diretores das nove cidades analisadas. Eficiência de gestão é um propósito generalizado, vez que está presente em todos os planos. Mas transparência é um valor ainda não claramente associado à eficiência, a ela se associando em apenas quatro dos nove planos. Observe-se que não se trata de uma associação conceitual, no sentido de que uma e outra são interdependentes, mas sim de constarem ambas nos planos, denotando propósito objetivo com uma e também com outra. Por outro lado, a vinculação de eficiência e transparência de gestão com as tecnologias de informação e comunicações é ainda muito tênue. Dos quatro planos que estabelecem algum tipo de liame entre esses valores e instrumentos, a rigor somente um demonstra conhecimento, determinação e objetivos claros e bem definidos: Açailândia. Os outros três apenas se aproximam do tema, referem-se a ele e estabelecem um ou dois objetivos genéricos. Os demais simplesmente ignoram o assunto. Por fim, embora não fosse objetivo do estudo, chamou atenção o fato de Açailândia ser o único município cujo Plano Diretor se mostra atento aos limites de poder entre a União, os Estados e os Municípios. Em quatro momentos o município exprime aparente inconformidade com os poucos poderes de que dispõe e, além disso, fixa diretrizes para ampliá-los.
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A - No art. 159 afirma-se que na articulação com a União e o Estado, visando à implantação de diretrizes e proposições do Plano Diretor, Açailândia: “procurará contribuir para a descentralização do exercício das competências pelos três níveis de governo, na perspectiva de um equilíbrio orgânico na provisão de encargos e recursos, poder decisório e de execução, e com ênfase na colaboração e na contribuição subsidiária e governamental (Inciso I)”. B - Posteriormente, no art. 161, fixa-se como um dos princípios para o ajuste da estrutura organizacional da municipalidade, o “prosseguimento e ampliação do processo de municipalização na prestação dos serviços públicos e de utilidade pública” (Inciso IV) (Ver nota de rodapé 8). C – A Diretriz B do Anexo DR-45 (analisada na seção 4.3), tanto no seu enunciado, quanto nas ações propostas para sua realização, indica iniciativa de ampliação do poder municipal: embora se preveja a participação de outras entidades, inclusive a Anatel, o Plano pretende estabelecer “parâmetros e condicionantes técnicos” para redes, estações e antenas. Em princípio isto é atribuição exclusiva da União. D - Entre as ações para essa diretriz constam: a fixação de normas e parâmetros de fiscalização dos processos de implantação e operacionalização dos sistemas de telecomunicações (que é atribuição exclusiva da União, por meio da Anatel); e a realização de pesquisa de opinião para medir a satisfação do usuário, que, embora obviamente não se caracterize como tentativa de ampliação de poder, indica desejo de exercer influência na prestação deste tipo de serviço. Açailândia, portanto, parece estar entre as cidades brasileiras que têm tomado várias iniciativas de participação em processos decisórios tradicionalmente da exclusiva competência da União.11 Do ponto de vista da ampliação e aprofundamento da democracia, é 11
Tradicionalmente considera-se que a Constituição reserva as telecomunicações ao poder decisório da União. Novas interpretações, contudo, igualmente baseadas na Constituição Federal, têm questionado o exclusivo poder da União, alegando que o artigo 30 da Carta Magna atribui ao município a competência para “legislar sobre assuntos de interesse local”, além de “suplementar a legislação federal e a estadual, no que couber” e “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local [...]”. O juiz Paulo Fernando Silveira, de Uberaba, Minas Gerais, autor do livro Rádios Comunitárias, publicado em 2001, defende dois pontos cruciais para uma definição de poder na república brasileira: primeiro, que a instalação de uma rádio comunitária é uma forma de realizar o direito à comunicação, previsto na Constituição, cabendo ao estado apenas regular o uso do espectro eletromagnético; e segundo, que na organização do estado brasileiro cabe ao município, e não à União, autorizar o funcionamento das emissoras, dentro dos limites numéricos determinados pela possibilidade de uso das faixas do espectro eletromagnético e fixados pela agência federal competente.
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muito positivo que diretrizes e proposições desta natureza passem a figurar em planos diretores de desenvolvimento dos municípios. Referências AÇAILÂNDIA. Lei complementar n. 04, de 09 de outubro de 2006. Dispõe sobre o Plano Diretor Participativo do município de Açailândia e dá outras providências. Disponível em: <http://www.acailandia.ma.gov.br/pdpa/>. Acesso em: 03 out. 2007. ATAÍDE, Maria Elza Miranda. O lado perverso da globalização na sociedade da informação. Ciência da Infroamção, Brasília, v. 26, n. 3. set./dez. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010019651997000300006&lng=pt &nrm=iso>. Acesso em: 18 out. 2007. BORGES, Jussara; MACHADO, Lurdes Regina B. L. Política de informação para alfabetização digital. In: ENCONTRO NACIONAL DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 5., 2004, Salvador. Anais... Salvador: EDUFBA, 2004. p. 180-186. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasil, DF: Senado, 1988. BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/2001/10257.htm>. Acesso em: 03 out. 2007. BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Plano Diretor Participativo. Brasília, 2005. 92 p. CABO DE SANTO AGOSTINHO. Lei n. 018, de 21 de setembro de 2006. Institui a política urbana e ambiental e o plano diretor de desenvolvimento urbano e ambiental do Cabo de Santo Agostinho, tendo como horizonte temporal o ano de 2015, quando deverá ser revisado. Disponível em: <http://www.cabo.pe.gov.br/Plano%20Diretor/planodiretor.asp>. Acesso em: 03 out. 2007. CANINDÉ DE SÃO FRANCISCO. Site. Disponível em: <http://www.caninde.se.gov.br/>. Acesso em: 03 out. 2007. DOWBOR, Ladislau. Informação para a cidadania e o desenvolvimento sustentável. 2004. Disponível em: <http://www.dowbor.org/artigos.asp>. 2004. Acesso em: 03 out. 2007. FUGINI, M. G.; MAGGIOLINI, P.; PAGAMICI, B. Por que é difícil fazer o verdadeiro “Governo-eletrônico”? Revista Produção, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 300-309, set./dez. 2005. IBGE. Perfil dos municípios brasileiros: gestão pública 2005. Rio de Janeiro, 2006a. _____. Produto Interno Bruto dos Municípios 2004. Rio de Janeiro, 2006b.
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Ficção ibero-americana: cultura globalizada e rearranjos de mercado Andres Kalikoske1 VILCHES, Lorenzo (comp.). Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica: anuário OBITEL 2007. Barcelona, 2007. 277 p. Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica, compilado por Lorenzo Vilches, representa o trabalho de oito equipes de pesquisadores, membros do Observatório Ibero-americano da Ficção Televisiva (OBITEL). Com núcleos na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, México e Portugal, os pesquisadores fornecem um panorama atualizado sobre a circulação dos produtos de teleficção no âmbito iberoamericano; prestando atenção especial em seu principal e mais rentável formato: a telenovela. Oriundos de diferentes matrizes teóricas, os autores não se declinam completamente aos estudos culturais, identificando a importância das questões de ordem econômica como braço movedor do mercado ficcional contemporâneo. A metodologia empregada contempla a análise dos produtos de ficção exibidos nas semanas de 17/04 a 23/04 e 06/11 a 12/11 de 2006. Trata-se de um estudo comparativo, que busca identificar semelhanças e especificidades, apropriações e adaptações das narrativas televisivas. A categorização dos produtos certamente é um dos pontos altos da obra, que, ao término de cada capítulo, ainda resgata os dez programas mais assistidos pelas audiências dos respectivos países. Ao longo de nove capítulos, subdivididos pelos países envolvidos, os autores identificam a forte presença dos produtos transnacionais na tela das emissoras locais. No que diz respeito à América Latina, demonstram que o espaço geográfico privilegiado e as barreiras culturais e lingüísticas – dissolúveis, de modo geral – são os principais responsáveis pela diversidade dos títulos adquiridos pelos networks. No entanto, este expoente foge da regra quanto à diversidade do conteúdo das narrativas. Para o mercado latino-americano que produz telenovelas, as apropriações e adaptações vêm em hora excelente, aquecendo os jointventures com grupos internacionais, especialmente as redes européias e norte-americanas. Em contrapartida, os conteúdos produzidos carecem de originalidade, sendo corriqueira, na
1
Mestrando em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), apoiado pela Fundação Ford.
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mesma nação – e freqüentemente no mesmo exibidor local –, a difusão de um produto original e suas diferentes versões transnacionais. Segundo Nora Mazziotti, coordenadora do núcleo de pesquisa argentino, a ficção de seu país, exímio exportador de telenovelas, ainda é predominante nas emissoras locais. “Há um leve predomínio de ficção estrangeira. São 33 horas e 10 minutos de origem latino-americana, para somente 14 horas e 30 minutos de origem estadunidense. A ficção argentina alcança quase a metade da oferta, com 45%; a presença de ficção americana é irrelevante em termos de ranting” (p. 57). No que diz respeito à exibição de ficção internacional integral (quando o produto é exibido integralmente, em seu idioma original ou dublado), os pesquisadores observam a forte presença dos produtos brasileiros, mercado antes dominado pelos produtos mexicanos. “Há alguns anos, a Televisa liderava a presença de [produtos] latino-americanos, mas com uma melhor qualidade da dublagem, ela foi desprezada pelas telenovelas brasileiras (tanto da Globo quanto da Record)...” (p. 61). O estudo coordenado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes, ressalta a nova configuração do mercado televisivo brasileiro. “Um dado significativo é representado pela TV Record, que supera a TV Globo na oferta de horas de ficção televisiva. Apesar de ser pequena a diferença entre ambas, é notável que a TV Globo está sendo alcançada por uma emissora que, ao contrário do SBT, investe fortemente em ficção nacional” (p. 84). Os pesquisadores também destacam a presença das produções transnacionais nas emissoras brasileiras, citando os casos de Floribella, original argentino da Cris Morena Group e RGB Entertainment, e Paixões proibidas, co-produzida com a rede portuguesa RTP (p. 89). Com coordenação do pesquisador Tomás López-Pumarejo, o núcleo americano – que se detém a estudar os títulos presentes na Iberoamérica –, mostra a forte manifestação dos produtos de origem mexicana. Nos canais direcionados ao público latino, os teledramas superam até mesmo as tradicionais sitcoms (situation comedy), algo não corriqueiro no passado. “A Univisión centraliza sua estratégia na oferta de telenovelas procedentes da América Latina, principalmente aquelas emitidas no México, sobretudo da Televisa. Em contrapartida, a Telefutura oferece ficção cinematográfica, a fim de atrair as audiências que não seguem as telenovelas regularmente” (p. 205). As duas emissoras, no entanto, apenas fortificam sua estratégia de contraponto, uma vez que pertencem ao mesmo grupo. A Telemundo, outra emissora que se dedica aos hispânicos, inova o mercado ao lançar, além do tradicional closed caption em espanhol, a emissão de legendas em inglês. Inicia também, mesmo que timidamente, uma sinergia com sua rede titular, a NBC, dando início a um núcleo
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produtor de telenovelas em língua inglesa (p. 219). No México, a teleficção é duramente criticada por seu núcleo, coordenado pelo pesquisador Guillermo Orozco Gómez. O texto transcorre acerca da estagnação dos produtos, oferecidos pelo duopólio estabelecido pelas redes Televisa e TV Azteca. “Um caso insólito, durante 2006, foi a produção da série Amor Mio, da Televisa, que teve roteiro argentino, atores e atrizes mexicanos e foi gravada nos estúdios da Telefé Argentina” (p. 234). Com roteiro colombiano, a também transnacional La fea más bella alcança grande audiência, atingindo 42% de share. Seu horário de exibição é alterado três vezes, iniciando no período vespertino e sendo transferida para o prime-time. Ainda, segundo os pesquisadores, como se não bastasse o declínio da rede Televisa aos roteiros originais latino-americanos, agora, a concorrente TV Azteca também caminha na mesma direção. Após uma fracassada coprodução mexicano-colombiana (Amores cruzados), a rede tenta se recuperar migrando para os textos argentinos. Em terras lusitanas, os pesquisadores coordenados por Isabel Ferín destacam a perda de notoriedade dos produtos da Globo na tela da SIC. Floribella chega para competir com a bem-sucedida novela Morangos com açúcar (TVI). Neste momento, incontáveis produtos derivados são lançados para o público infantil, tendo seu valor agregado a partir da identificação com os personagens da novela. Aproveita-se o mínimo feito artístico: o compacto com a trilha sonora da novela, nove vezes disco de platina, causa furor entre os pequenos (p. 275). Dos produtos brasileiros, apenas dois são exibidos: Os ricos também choram, produção do SBT a partir de texto mexicano; e Paixões proibidas, original português co-produzido com a TV Bandeirantes. O produto mais assistido pelos portugueses, a novela Dei-te quase tudo (TVI), registrou 16,6 pontos. A obra ainda reúne artigos dos núcleos coordenados por Valério Fuenzalida (Chile), Omar Rincón (Colômbia) e Lorenzo Vilches (Espanha). Igualmente, mostra-se que a opção dos programadores nacionais por um formato multicultural – que não transcenda seus valores étnicos –, é tendência evidente. Novas estratégias buscam produtos inovadores, enquanto os produtores tradicionais, na tentativa de seguir atraindo a atenção dos networks, se reajustam com atores transnacionais. Sumariamente, Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica trata-se de um livro oportuno, que compreende este momento de mutação da teleficção ibero-americana. Seus dados atualizados são capazes de nutrir novos estudos, sendo de grande valia aos pesquisadores que já se debruçam sobre a questão.