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ANTOLOGIA Excertos de obras de autores em língua portuguesa

@pnl2027

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Maria Isabel Barreno, 1939-2016; Maria Teresa Horta, 1937-; Maria Velho da Costa, 1938-

Carta de uma universitária de Lisboa de nome Mariana a seu noivo (?) António em parte incerta

A mãe, como o eram no século passado nos colégios de

padres e freiras da malta de famílias conhecidas (umas

das outras, os podres e as massas, alianças), o artigo

definido a defini-los como parte do magma original onde

a gente se cristalizava (cristaliza) a este ou a esta, filho/a

de e isso bastava (basta). Mas eu não entendo nada,

nem a que dizer não, porque hoje até o não lhes cai em

caixa. E olho-os e aos manos (porque irmãos é coisa que

se esconde) e me parece que o que tenho a ver com

eles, com seus ritos e preceitos até de inteligência, tudo

está esboroado, face a quê, a quê? À tua ausência, tu

que eras um tipo porreiro, mas que mais?, ou ao buraco

desta coisa da tua decisão de desertar, provavelmente só

porque apanhaste porrada na Cantina naquela sexta

feira e disseste à malta que ias, provavelmente por causa

de quem és, e no meio desta casa, cousas, de comédia,

só se pode saber quem se é safando-se –tu para fora da

terra e eu para dentro da tua falta.

Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa (2010). Novas Cartas Portuguesas. Lisboa: D. Quixote

Clarice Lispector, 1920-1977

A mulher e a mãe acomodaram-se finalmente no táxi que as levaria à Estação. A mãe contava e recontava as duas malas tentando convencer-se de que ambas estavam no carro. A filha, com seus olhos escuros, a que um ligeiro estrabismo dava um contínuo brilho de zombaria e frieza assistia.

— Não esqueci de nada? perguntava pela terceira vez a mãe.

— Não, não, não esqueceu de nada, respondia a filha divertida, com paciência.

Ainda estava sob a impressão da cena meio cômica entre sua mãe e seu marido, na hora da despedida. Durante as duas semanas da visita da velha, os dois mal se haviam suportado; os bons-dias e as boas-tardes soavam a cada momento com uma delicadeza cautelosa que a fazia querer rir. Mas eis que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi, a mãe se transformara em sogra exemplar e o marido se tornara o bom genro. "Perdoe alguma palavra mal dita", dissera a velha senhora, e Catarina, com alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer das malas nas mãos, a gaguejar - perturbado em ser o bom genro. "Se eu rio, eles pensam que estou louca", pensara Catarina franzindo as sobrancelhas. "Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma filha ganha mais um", acrescentara a mãe, e Antônio aproveitara sua gripe para tossir. Catarina, de pé, observava com malícia o marido, cuja segurança se desvanecera para dar lugar a um homem moreno e miúdo, forçado a ser filho daquela mulherzinha grisalha... Foi então que a vontade de rir tornou-se mais forte. Felizmente nunca precisava rir de fato quando tinha vontade de rir: seus olhos tomavam uma expressão esperta e contida, tornavam-se mais estrábicos - e o riso saía pelos olhos. Sempre doía um pouco ser capaz de rir. Mas nada podia fazer contra: desde pequena rira pelos olhos, desde sempre fora estrábica.

D. Dinis: 1261-1325

Ai flores do verde pino

Ai flores, ai flores do verde pino, se sabedes novas do meu amigo! Ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo, se sabedes novas do meu amado! Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo, aquel que mentiu do que pôs comigo! Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado, aquel que mentiu do que mi 'á jurado! Ai Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss'amigo, e eu bem vos digo que é san'e vivo: Ai Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss'amado, e eu bem vos digo que é viv'e sano: Ai Deus, e u é?

E eu bem vos digo que é san'e vivo E seera vosc'ant'o prazo saído: Ai Deus, e u é?

E eu bem vos digo que é viv'e sano e seerá vosc'ant'o prazo passado: Ai Deus, e u é?

D. Dinis (CV 171, CBN 533)

Maria Judite de Carvalho, 1921-1998

Uma noite dos meus quinze anos dei comigo a chorar. Não sei já qual foi o caminho que me conduziu às lágrimas, tudo vai tão longe, perdido na fita branca do passado. Só me recordo de que o pai me ouviu e se levantou. Sentou-se ao de leve na borda da minha cama, pôs-se a acariciar-me os cabelos, quis saber o que eu tinha.

–Estou só, pai. Não é mais nada. Dei porque estava só e isso pareceu-me... Que parvoíce, não é? Estou agora só! E tu então?

Tentei rir a tapar-me, já arrependida da franqueza, mas ele não colaborou e isso salvou-o da raiva que eu havia de lhe ter na manhã seguinte. Não se riu e a sua voz, quando veio, era muito doce, quase triste.

–Também deste por isso –disse brandamente. –Também deste por isso. Há gente que vive setenta e oitenta anos, até mais, sem nunca se dar conta. Tu aos quinze... Todos estamos sozinhos, Mariana. Sozinhos e muita gente à nossa volta. Tanta gente, Mariana! E ninguém vai fazer nada por nós. Ninguém pode. Ninguém queria, se pudesse. Nem uma esperança.

–Mas tu, pai...

–Eu... As pessoas que enchem o teu mundo são diferentes das do meu... No fundo é muito provável que algumas delas sejam as mesmas, mas aí está, se fosse possível encontrarem-se não se reconheciam nem mesmo fisicamente... Como havemos de nos ajudar? Ninguém pode, filha, ninguém pode...

Ninguém pôde.

Maria Judite de Carvalho (2010). Tanta gente, Mariana! Lisboa: Ulisseia

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