Nas Sombras

Page 1

NasNas Sombras Erika Herrmann





Era um reino pequeno, de pessoas simples. Seria pacato, se não fosse pela floresta que o cercava, escura e perigosa. Mas isso não era problema para esse reino, pois nele havia poderosas guerreiras. Mais importante que as guerreiras, era sua nova governante. Era dia de coroação e sua rainha era um ser de pura luz e poder. Embora jovem, o povo esperava muito de sua nova soberana. Além de possuir poderes nunca antes vistos, a rainha era gentil e atenciosa e havia prometido lutar para que o reino continuasse a se manter sempre alegre e próspero.



Todos os dias, a jovem rainha saía de seu modesto castelo para ajudar o povo do reino. Fazia de tudo: curava pessoas feridas, enfrentava os animais da floresta, resolvia brigas, consertava objetos e construções quebradas. Trabalhava com imenso prazer, não só por ocupar seu tempo ocioso, mas por adorar ver o sorriso no rosto das pessoas.



Porém, por mais iluminada que fosse, a governante ainda era uma humana, capaz de errar e fracassar em suas ações. Demorou um tempo, mas chegou o dia em que falhou. E tal falha foi mortal. Triste, a rainha só conseguiu desabar, não sabia o que fazer, apenas chorava. Uma de suas preciosas guerreiras estava morta.



Retornando ao reino, a rainha ainda se mantinha em choque. Se sentia estranha, confusa. Sentia que havia falhado com seu povo, que todos a olhavam, reprovando seu erro. A cada passo que dava, se sentia mais e mais fraca. No castelo, ela olhou para sua mĂŁo e percebeu que sua luz havia estava se apagando. A cada hora, a cada minuto em confusĂŁo e tristeza, seu poder parecia diminuir. E a cada momento que se percebia mais debilitada, a rainha ďŹ cava mais e mais perdida, mais desesperada.



A cada dia que passava, a soberana se sentia pior. Não saía mais do castelo. Não via mais prazer em encontrar seu povo. Achava que todos estariam melhor sem ela, mais seguros, mais felizes. Foi então que ela decidiu. Fugiria. Libertaria todos do fardo que era aturar uma rainha fraca e apática. Era o melhor para todos. Partiu rapidamente rumo à floresta na fronteira do reino. Correu por muito tempo, até se perder na imensidão que era o labirinto de árvores.



Parou enfim. Se permitiu sentar um pouco. Estava aflita, incertezas cada vez mais intensas, luz quase inexistente, fraca. Estava no chão, quando começou a sentir algo estranho. Uma névoa preta surgia. Então começou a sentir a névoa em seu corpo. Pensamentos confusos, ela se levantou. Sua cabeça doía, parecia querer explodir.



Então aconteceu. Sentiu algo estranho saindo de si. A cabeça parecia girar, o ar parecia ter sumido, os sons da floresta foram abafados. A sensação era horrível, aterrorizante, sufocante. Olhou para cima, uma sombra surgia e parecia roubar o resto de luz existente. O corpo ficava cada vez mais fraco. Os sentimentos deixavam de existir, até que toda a luz sumiu.



A sombra era cruel. Sabia dos tormentos da jovem governante e os usava em seu favor. Sua missão aparentava ser atormentar. Relembrou o incidente da morte de uma das guerreiras. A culpa era da Rainha. Se ela ao menos fosse mais forte... Por pouco tempo conversaram. A jovem, sem nenhuma força pra lutar, acabou calando-se, aceitou as provocações. Simplesmente não ligava mais. Ou ligava demais. Sentia um misto de dor, tristeza, desespero. Mas sobretudo, não sentia nada, parecia estar vazia por dentro. Nada fazia mais sentido, o chão parecia não existir.



Foi então que a sombra atacou, aprisionando a rainha. Raízes surgiam. E das raízes, galhos, que prendiam a jovem, que pareciam sufocar. Apenas aceitou seu destino, mas algo parecia querer lutar para se libertar da árvore que a abraçava. Contudo, já era tarde demais. A rainha havia se tornado mais uma árvore na imensidão da floresta.





Conforme os dias passavam, a população do pequeno reino ficava mais preocupada com o sumiço de sua governante. Ninguém entendia o motivo da fuga, mas todos sentiam falta da jovem que tanto os alegrava. Porém, ninguém lamentava mais do que as guardiãs. Elas estavam sempre do lado da soberana, ajudando a proteger o reino e a cuidar da política e agora estranhavam sua falta. A guardiã mais próxima da rainha decidiu, então, entrar na densa floresta. Partiu em uma busca solitária, procurando por respostas.



Andou por muito tempo. A oresta era imensa, escura, confusa. Parecia sempre passar pelos mesmos lugares, como se estivesse em um labirinto que se repetia, sem ďŹ m, eterno.



Mas então, algo diferente surgiu. Era uma pequena esfera branca que brilhava muito. A guardiã se aproximou com cuidado. Apesar do receio, a curiosidade tomava conta de seu ser. E então ela tomou coragem e encostou na orbe.



Arrependimento foi o que sentiu. Um enorme grito de agonia tomou conta do local. Uma forma começou a surgir no lugar da orbe: era a rainha. A imagem refletia a agonia vivida pela jovem, presa na árvore. Era como se sua alma tentasse se comunicar com a guardiã, mas a cada grito a guerreira ficava mais atordoada. A figura espectra parecia puxar sua alma. De repente, tudo voltou ao normal.



A guardiã seguiu em frente, tentando entender o que havia acontecido. Porém, algo lhe dizia que a rainha não estava bem. Ela mesma se sentia mal. Estava tonta, mais fraca, mas achou que fosse pela cansativa jornada pela floresta.



Continuou andando até chegar em um lago. Não havia como prosseguir sem nadar até o outro lado, então foi em direção a água. Pôs os pés, começou a andar até onde conseguia e mergulhou.



O desespero apareceu. Sentiu como se algo lhe puxasse para o fundo do lago. Não havia nada. Tentou nadar, mas afundava cada vez mais. Olhou para baixo novamente e viu vários tentáculos. Eles envolveram seu corpo e a puxaram cada vez mais para o fundo. Ela via a origem do problema: uma sombra enorme e sorridente tentava a afogar, gargalhadas ao fundo. Estava quase sem ar, mas então lembrou de sua missão. Precisava achar sua rainha. Fechou os olhos por um momento. Quando os abriu, estava de volta na superfície, seca. Confusa e cansada, resolveu dar a volta pelo lago, evitando encostar na água novamente.



Não sabia quanto tempo havia passado desde que entrou na floresta. A cada minuto, se sentia mais fraca e se importava cada vez menos com sua missão, com sua segurança, com sua vida. Deu muitas voltas pelo lugar. Novamente se sentiu presa em um labirinto. As mesmas árvores se repetiam incansavelmente. A guardiã só queria sentar e ficar ali descansando para sempre. Outra orbe apareceu. Dessa vez, o brilho era menos intenso, de tom azulado. Lembrou-se da última esfera que havia encontrado e hesitou por um momento, até decidir encostar no objeto.



Esperou pelo pior, mas a imagem que apareceu lhe encheu de esperança. A figura da rainha era espectral como a anterior, mas parecia imponente e cheia de vida. Enfrentava uma grande sombra, aquela que havia aparecido no lago, com o mesmo sorriso horripilante. Naquele momento, ficou claro para a guardiã. A rainha estava em algum lugar daquela floresta, sofrendo. Mas apesar de tanta agonia, apesar de estar fraca e em desespero, parte dela ainda tentava lutar contra o ser caótico e sombrio que a aprisionou e que a atormentava. Se a rainha era capaz de enfrentar a sombra, então a guardiã também era. Ela passaria por qualquer tormento para encontrar sua soberana e a ajudar a derrotar aquela escuridão.





Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.