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OS PRIMEIROS
QUE CHEGARAM
INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
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INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
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OS PRIMEIROS
QUE CHEGARAM
INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Rua Machado de Assis, 10-35 Vl. América | CEP 17014-038 | Bauru, SP Fone/fax (14) 3313-7968 | www.canal6.com.br Conselho Editorial Profª Drª Cássia Letícia Carrara Domiciano Profª Drª Janira Fainer Bastos Prof. Dr. José Carlos Plácido da Silva Prof. Dr. Luís Carlos Paschoarelli Prof. Dr. Marco Antônio dos Reis Pereira Profª Drª Maria Angélica Seabra Rodrigues Martins
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Os primeiros que chegaram - Introdução à arqueologia do estado de São Paulo. Org. Neide Barrocá Faccio (pesq., ilustr.); Presidente Prudente: [s.n.], 2014. 64 p. ; 21 cm. ISBN 978-85-7917-300-4 1. Arqueologia brasileira. 2. Etno-história do Estado de São Paulo. Arqueologia do Norte do Estado de São Paulo. I. Faccio, Neide Barrocá. II. Barone, Luiz Antônio. III. Cerdeira, Gabriel Loschiavo. CDD: 704.0398 Copyright© Canal 6, 2014
SUMÁRIO 7 Apresentação 8 O Índio: da origem do homem aos grupos indígenas brasileiros Neide Barrocá Faccio 22 Breve etno-história do Estado de São Paulo Luís Antonio Barone e Neide Barrocá Faccio 44 Arqueologia do Norte do Estado de São Paulo Gabriel Loschiavo Cerdeira e Neide Barrocá Faccio 59 Referências
apresentação Este livro, produto do esforço acadêmico do Laboratório de Arqueologia Guarani da UNESP (LAG-FCT/Unesp), atende a distintos objetivos. Em primeiro lugar, contempla a necessária atividade de divulgação científica, na medida em que expressa e exterioriza o resultado de estudos realizados pelos pesquisadores do Laboratório, em diferentes projetos, formatados, agora, como uma “introdução à arqueologia e etno-história do Estado de São Paulo” (subtítulo do livro). Por outro lado, se buscarmos outra chave classificatória, trata-se de um trabalho com vocação paradidática, pensado que foi como um subsídio para o ensino dos tópicos afins nas disciplinas de História, Geografia e Sociologia do Ensino Médio – embora o nível do texto permita tranquilamente que ele seja utilizado também em aulas dessas áreas (acrescidas da antropologia) em 6
diferentes cursos superiores. Pode-se dizer que esse nível de texto, bem como sua originalidade – sobretudo no capítulo sobre a arqueologia do Norte do Estado de São Paulo – mais o cuidado com as referências científicas e a qualidade das análises não o desabonam, em nada, como um trabalho eminentemente acadêmico, mesmo que os objetivos primeiros estejam consignados nas rubricas didáticas e de divulgação científica. Os três capítulos deste livro foram organizados de forma a manterem certa independência entre si, o que facilita os fins didáticos. Mesmo assim, “Os primeiros que chegaram” busca claramente apresentar o estado da arte da pesquisa arqueológica no Estado de São Paulo (com especial ênfase na sua região norte), a partir da produção e ref lexão do grupo de pesquisa sediado no LAG – FCT/Unesp. Neste sentido, além
Os primeiros que chegaram – Introdução à arqueologia do estado de São Paulo
de um capítulo mais introdutório, de autoria de Neide Barrocá Faccio (também organizadora do livro), voltado a uma breve apresentação da origem do homem enquanto espécie, bem como da discussão da origem do homem americano (e paulista, se levarmos o contexto geográfico em conta) – um texto com intenção claramente paradidática – os dois capítulos seguintes dão conta de diferentes dimensões dos estudos em arqueologia. O segundo capítulo (Breve etno-história do Estado de São Paulo) trata de uma abordagem etno-histórica que dialoga com a arqueologia pré -histórica, mas foca no contexto do encontro/ choque/entrecruzamento de culturas (notadamente amerínidas, africanas e europeias) que formam o povo brasileiro e paulista. Escrito em parceria da organizadora com Luís Antonio Barone, este capítulo tem também uma intenção originalmente paradidática.
Completa esta obra o capítulo escrito pela organizadora em coautoria com Gabriel Cerdeira, dando conta das pesquisas arqueológicas realizadas no norte do Estado de São Paulo, um esforço de divulgação científica que em nada tem a dever para trabalhos científicos stricto-sensu. Este último capítulo pode ser usado como recurso didático, mas também pretende ser referência para aqueles que pesquisam a arqueologia nessa região do Estado. Por fim, a equipe de autores agradece aos patrocinadores. Sem tais colaboradores esse empreendimento de estudo e reflexão não teria oportunidade de vir à luz. A extroversão do conhecimento é uma das dimensões da atividade acadêmica que devem ser fortemente valorizadas, sobretudo frente aos desafios de alcançarmos uma sempre melhor qualidade na Educação Básica.
Apresentação
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O ÍNDIO: DA ORIGEM DO HOMEM
AOS GRUPOS INDÍGENAS BRASILEIROS Neide Barrocá Faccio Este texto busca apresentar sinteticamente as teorias e os estudos científicos realizados nas áreas da paleontologia humana e arqueologia brasileira, a fim de proporcionar uma melhor compreensão a respeito da presença da espécie humana pretérita (antes de 1492/1500) no continente americano e no Brasil. Com uma origem que remonta a 120 mil anos atrás, o ser humano ocupa essa área do planeta desde pelo menos 50 mil anos. Os homens que aqui chegaram, provavelmente vindos da Ásia (via Estreito de Bering ou Oceano Pacífico), há 9 mil anos, já haviam ocupado todo o território americano. O problema da origem do ser humano, do ponto de vista científico, está intimamente relacionado à teoria da evolução das espécies, estabelecida, primeiramente, a partir dos trabalhos de Charles Darwin (séc. XIX). Nessa área, sempre se caminha por meio de hipóteses – às vezes, de difícil comprovação – que irão prover os cientistas de ideias a respeito das questões que buscam esclarecer. O que parece certo é que a superioridade biológica do chamado Homo sapiens sapiens (Homem sábio – o homem como nós conhecemos hoje) lhe ga-
rantiu a sobrevivência e um virtual domínio sobre as demais espécies de seres vivos, desde há muitos milhares de anos. Com relação à ocupação humana das Américas, mesmo antes da chegada dos europeus, a superioridade técnica de distintos grupos ameríndios lhes proveu o domínio sobre grande parte do território continental, como é o caso das civilizações Asteca e Inca (nas regiões do México e do Peru) ou das tribos agricultoras-ceramistas de linhagem tupi-guarani, nas terras onde hoje está o Brasil.
Figuras 1, 2, 3 e 4 (da esquerda para a direita e do alto para baixo): Australopiteco, Homo erectus, Homo sapiens de Neandertal e Homo sapiens sapiens respectivamente.
ORIGEM DO HOMEM Há 4,2 milhões de anos surgiram os primeiros ancestrais do homem, na África. Dessa época até os dias atuais, podemos conhecer quatro fases estruturais básicas, sendo elas Australopiteco, Homo erectus, Homo sapiens de Neandertal e Homo Sapiens sapiens (Figuras 1, 2, 3 e 4). O Australopiteco se espalhou por toda a África. Caminhava ereto, seu crânio possuía volume médio de 600 cm3 e, provavelmente, confeccionava ferramentas. Viveu no perído de 4,2 a 1,5 milhões de anos. O Homo erectus originou-se de uma das espécies do Australopiteco que foram encontradas na Ásia, África e Europa. Caminhava ereto, seu crânio possuía um volume médio de 1 mil cm3, confeccionava armas e artefatos de pedra e caçava animais de grande porte, como búfalos, elefantes e rinocerontes. Ainda não era capaz de desenvolver uma linguagem complexa. Viveu no período de 1,6 a 300 mil anos. Os Homo sapiens de Neandertal foram encontrados na Ásia, África e Europa. Essa espécie caminhava ereta, seu crânio possuía um volume médio de 1450 cm3, confeccionava armas e artefatos com osso, madeira, concha, dente e chifre. Eles caçavam grandes animais, deram início às artes, ao sepultamento cerimonial dos mortos e ao uso de
Fonte: MAE/USP, 1988.
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colares de dentes, mas a língua não tinha tanta mobilidade como teria a língua do Homo sapiens sapiens. Surgiram há pelo menos 600 mil anos. O Homo sapiens sapiens ou Homem de cro -magnon é o homem moderno: seus primeiros vestígios foram encontrados na Ásia, Europa e África a partir de 125 mil anos; e a partir de 50 mil anos na Austrália e América. Entre suas principais características estão o caminhar ereto e o volume do crânio médio de 1.300 cm3. Possui tecnologia material avançada, realiza a arte da pintura policrômica nas paredes de cavernas ou abrigos rochosos, estampas em ossos e madeira, escultura e modelagem. Apresenta linguagem sofisticada. A ciência trabalha com fatos. Dessa forma, na medida em que os paleontólogos foram encontrando as estruturas físicas fossilizadas desses ancestrais do homem, esses achados foram datados e dispostos um ao lado do outro, em uma linha cronológica. Quando analisamos esses dados, podemos, a partir de fatos concretos, chegar a algumas conclusões. A linha evolutiva não segue exatamente a ordem apresentada nas figuras 1, 2, 3 e 4 (Australipiteco, Homo erectus, Homo sapiens de Neandertal e Homo sapiens sapiens). É pouco provável que o cérebro tenha aumentado de tamanho e depois diminuído (Homo erectus com 1 mil cm3, homem de Neandertal com 1450 cm3 e Homo sapiens sapiens com 1300 cm3); tampouco o tamanho do 10
pescoço (do Australopiteco ao Homo erectus, o pescoço aumentou de tamanho; no Homo sapiens de Neandertal era muito curto e no Homo sapiens sapiens era longo novamente). Diante dos fatos, pode-se classificar o Neandertal como um ramo paralelo à evolução do homem moderno. Entretanto, as datações mostraram que a sobrevivência do Homo erectus, do homem de Neandertal e do Homo sapiens sapiens está na sua inteligência superior em grupo. O maior tamanho do cérebro do Neandertal não significa necessariamente maior inteligência e, por outro lado, caso o Neandertal fosse mais inteligente que o Homo sapiens sapiens, essa inteligência seria individual devido à dificuldade de transmitir ideias por meio de uma comunicação sofisticada. Com isso, provavelmente, o Homo sapiens sapiens, apesar de ser fisicamente mais fraco, pôde – por meio de uma linguagem sofisticada – melhor elaborar estratégias de guerra e aperfeiçoar suas armas, extinguindo os grupos rivais (Homo erectus e homem de Neandertal). Foi esse homem atual inteligente e com uma linguagem sofisticada que ocupou a América por volta de 48 mil anos, sendo chamado de índio pelos conquistadores europeus a partir de 1492.
A ORIGEM DO HOMEM AMERICANO Estudiosos, desde longa data, vêm formulando distintas teorias a respeito da origem dos amerín-
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dios. Essas teorias são confirmadas ou descartadas na medida em que os estudos arqueológicos, etnográficos, linguísticos e biológicos avançam. Atualmente sabemos que o homem não surgiu na América, mas que está no continente há pelo menos 48 mil anos. A arqueóloga Brasileira Niède Guidon pesquisa, desde 1978, um sítio arqueológico no sudeste do Estado do Piauí, em São Raimundo Nonato. Trata-se do Sítio Toca do Boqueirão da Pedra Furada, um grande abrigo rochoso situado no sopé da cuesta arenítica. Os índios que ocuparam esse abrigo rochoso há 48 mil anos eram caçadores-coletores, e deixaram, na área do sítio, fogões circulares confeccionados a partir de blocos caídos do paredão do abrigo e artefatos de pedra. Os artefatos de pedra foram confeccionados a partir de seixos de quartzo existentes no entorno do sítio e usados para cortar ou quebrar ossos. Esse sítio possui datações que vão de 14 a 50 mil anos, e sondagens na área desse sítio mostram que, a 1 m de profundidade, ainda há material arqueológico, o que leva a arqueóloga Niède Guidon a afirmar que “a área arqueológica de São Raimundo Nonato foi ocupada pelo Homem desde há cerca de 60 mil anos” (GUIDON, 2002, p. 40). Sabemos que o homem não teve origem na América, veio de fora há pelo menos 48 mil anos. Então, de onde veio? Quais suas características físicas? Quais rotas usaram? De quais meios de transporte dispuseram? Se analisarmos o tipo físico dos indígenas americanos atuais, percebemos certa semelhança de traços com os asiáticos (japoneses e chineses). Entretanto, a descoberta de crânios americanos que não se assemelham aos dos asiáticos ou dos índios atuais, mas sim aos grupos pertencentes ao ramo oceânico das raças negras, nos leva a questionar o porquê desses povos terem desaparecido. Para essa pergunta ainda não temos resposta, mas é certo que as Américas foram ocupadas por asiáticos do grupo racial mongoloide e australianos do grupo racial negroide (Figura 5).
Figura 5: Crânio de 11.500 anos, encontrado em Belo Horizonte/MG. Depois de sua reconstituição, os traços faciais mostraram semelhança com os dos africanos e aborígenes australianos.
Fonte: National Geografic, 2000, p. 108.
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Quanto às rotas utilizadas, a teoria mais aceita aponta para uma imigração terrestre, do Velho para o Novo Mundo, a partir da Sibéria (Ásia) pela Beríngia (América do Norte). A distância entre os lados americano e asiático era de 90 quilômetros
há 40 ou 60 mil anos. A Terra, então, estava na última idade glacial (Chamada Wisconsin). Dessa forma, a Beríngia constituía-se em trecho onde o nível do mar era mais baixo, pois quando o gelo se formou o nível dos oceanos baixou (Figura 6).
Figura 6: Um exemplo da variação do nível do mar na última idade glacial.
Fonte: Desenho adaptado da National Geographic, de dezembro de 2000.
Existe também a possibilidade de uma migração marítima pelo Oceano Pacífico, já que restos de embarcações datados de 48 mil anos foram encontrados na Austrália, mostrando que nessa épo12
ca o homem já navegava. Nesse período da última idade glacial, o nível do mar estava mais baixo, o que permitiria longas viagens com pequenas embarcações, parando em ilhas emersas (Figura 7).
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Figura 7: Possibilidades das rotas de passagem do homem do velho para o novo mundo.
Fonte: Figuti, s/d.
A ARQUEOLOGIA E O TRABALHO DO ARQUEÓLOGO As primeiras pesquisas arqueológicas no Brasil foram iniciadas entre 1830 e 1840, por iniciativa do naturalista dinamarquês Peter Wilhem Lund, em grutas da região de Lagoa Santa (MG). No Século XIX, foram criados o Museu Nacional (Rio de Janeiro/1818), o Museu Paulista (São Paulo/1893) e o Museu Paranaense (Paraná/1876), que deram um cunho oficial e científico às pesquisas arqueológicas de forma
efetiva. Contudo, até 1950, muitos amadores coletaram indiscriminadamente materiais arqueológicos para suas coleções particulares. Somente em 26 de julho de 1961 foi criada a Lei Federal n° 3924, visando proteger o patrimônio arqueológico brasileiro. A partir dessa data, impulsionou-se a formação de arqueólogos, sob a orientação de pesquisadores estrangeiros. Esses pesquisadores, de volta ao Brasil, orientaram a formação de outros arqueólogos. Hoje, temos no Brasil profissionais preparados para o estu-
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Fotos 1 e 2: Área de decapagem do Sítio Arqueológico Piracanjuba, Piraju, SP. Projeto Paranapanema, 2002
Fonte: Faccio, 2002.
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do das ocupações pré-coloniais, além de órgão e leis que cuidam da preservação do nosso passado cultural. Os arqueólogos realizam escavações na área de sítios arqueológicos e, para isso, aplicam técnicas específicas da arqueologia, trabalhando em íntima cooperação com uma equipe interdisciplinar (geógrafos, etnólogos, botânicos, zoólogos, cartógrafos). O primeiro passo da pesquisa arqueológica é a análise ambiental, que inclui levantamento intensivo da fauna e da f lora remanescentes, da litoestratigrafia, da hidrografia, do relevo e do clima. Simultaneamente, a área passa por um exame minucioso que visa detectar a distribuição dos vestígios arqueológicos em superfície. O segundo passo é a realização de sondagens, que permitem analisar a sucessão de camadas sedimentares, a profundidade em que se encontram os vestígios e a área do sítio. O terceiro passo é a decapagem pós-níveis naturais em áreas selecionadas – com o objetivo de abordar o sítio tridimensionalmente – e analisar as estruturas de atividade (fornos, restos de cabana, áreas de confecção de cerâmica, áreas de lascamento de pedra). Durante o trabalho de decapagem, cada centímetro de espessura do solo é retirado com pazinha de pedreiro e pincel, recuperando todo vestígio da ocupação humana. Só depois de registrado e descrito o seu contexto, o material é retirado para posterior análise em laboratório (Fotos 1 e 2). Muitas das questões arqueológicas feitas em laboratório requerem respostas das áreas das ciências biológicas, geoquímicas e geofísicas.
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O ÍNDIO BRASILEIRO
Ocupações de grupos caçadores-coletores Para compreender a história do indígena brasileiro do período pré-colonial, é preciso retornar ao passado. Mas desse passado não existem índios vivos. Esses índios que não podem contar sua história com palavras nos deixaram os elementos de suas culturas materiais e, mais raramente, vestígios de suas estruturas físicas sob as camadas estratigráficas da terra.
A ocupação indígena mais antiga pesquisada até o momento está no Sudeste do Piauí e foi datada de 48 mil anos antes do presente (GUIDON, 2002). Além dessa ocupação indígena, podemos citar outras raras ocupações, também bastante antigas, como o Sítio Abrigo da Lapa Vermelha, localizado na região de Lagoa Santa em Minas Gerais, datado de 25 mil anos antes do presente (LAMING-EMPERAIRE, 1979) e o Sítio Alice Boer, localizado na região de Rio Claro (São Paulo), datado de mais de 14.000 anos antes do presente (Figura 8).
Figura 8: Localização de três sítios arqueológicos mais antigos do Brasil.
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Todos esses sítios referem-se a grupos indígenas caçadores-coletores, que lascavam/picoteavam a pedra, trabalhavam com ossos, madeira, dentes e chifres no intuito de confeccionar instrumentos para garantirem a sobrevivência. Tais homens usavam o fogo tanto para aquecer a pedra apta ao lascamento e assim adquirir maior plasticidade na confecção de seus artefatos (facas, raspadores, pontas de f lecha), quanto para se aquecerem, para o preparo de seus alimentos e para se defenderem de animais ferozes. Esses grupos formavam bandos de até 50 pessoas, viviam da caça, pesca e coleta de alimentos silvestres, constituindo-se em sociedades simples, frouxamente integradas por limitadas concepções de parentesco, ampliadas por alianças patrimoniais. No período de 12 a 50 mil anos, o nível do mar era mais baixo e havia uma extensa planície costeira emersa. As florestas tropicais ocupavam área muito pequena, predominando cerrados, as caatingas, os pampas e as matas de araucária. Nessa paisagem, os indígenas caçavam mamíferos de grande porte, como preguiças gigantes, cavalos, lipoternos (parecidos com um elefante, mas peludos). Os tigres-dentes-de-sabre também conviviam nessa paisagem. Hoje, esses animais estão extintos, provavelmente devido às mudanças climáticas ocorridas a partir de 10 mil anos atrás, quando o nível do mar subiu próximo do 16
nível atual, inundando a maior parte das áreas de pastagem. A partir de 10 mil anos, devido às mudanças ambientais ocorridas e à consequente extinção dos mamíferos de grande porte, o índio brasileiro se viu obrigado a se tornar um caçador especializado e a criar novas formas de sobrevivência. Saiu da área aberta (campo) para as áreas fechadas (de florestas), aprimorando a coleta e a pesca. Em São Paulo, as ocupações de grupos caçadores-coletores são frequentes em áreas próximas aos rios Grande, Paraná, Paranapanema e Tietê, e de pequenos córregos ou ribeirões em terraços colúvio-fluviais marginais. Soma-se a essas características a presença de mata galeria, corredeiras e proximidade de rochas aptas ao lascamento, seja na forma de cascalheira ou de afloramento rochosos. Os principais vestígios deixados por esses grupos são estruturas de combustão e a pedra lascada, utilizada para: •
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Os primeiros que chegaram – Introdução à arqueologia do estado de São Paulo
Trabalho em madeira (aplainamento; alisamento de galhos, confecção de abrigos, arco e f lecha, bordunas, canoas); Preparo de alimentos animais e vegetais (corte de carnes e frutas); Abate de animais e madeiras; Perfuração de objetos.
Os índios caçadores-coletores souberam aproveitar economicamente a mata galeria, os animais (terrestres e aquáticos), as fontes de rochas aptas ao lascamento, os rios e ribeirões presentes na área de seus assentamentos e entorno. Essas ocupações, atualmente, estão enterradas a mais de 1 m de profundidade. Contudo, as profundidades em que são encontrados seus vestígios variam de acordo com a característica específica referente ao processo de sedimentação, seguido por processos de retrabalhamento das camadas estratigráficas de cada área. Nessas ocupações, atualmente, o arqueólogo encontra pedra lascada em sílex, quartzo, basalto e arenito silicificado. Em sítios de grupos caçadores-coletores, as estruturas de combustão estão associadas ao las-
camento da pedra, pois os índios aqueciam as pedras em fogueiras, visando aumentar sua plasticidade, a fim de facilitar o ato do lascamento. Nessas ocupações de grupos caçadores-coletores, é comum a presença de estruturas de combustão associadas ao pré-tratamento térmico da rocha apta ao lascamento. A tecno-tipologia lítica desses grupos tem por característica peças bastante elaboradas, entre as quais se destacam artefatos como: raspador, furador, furador raspador, talhador, percutor e ponta de projétil (Foto 3). Também são comuns as lascas (Foto 4 e Figura 9) e os choppers (Foto 5 e Figura 10).
Foto 3: Pontas de flecha, Museu de Arqueologia de Iepê, SP.
Foto: Olavo Santilli Ekman Simões, 2014.
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Figura 9, foto 4: Lasca, Museu de Arqueologia de Iepê, SP.
Fonte: Daves et al., 2014.
Figura 10, foto 5: Chopper, Museu de Arqueologia de Iepê, SP.
Fonte: Daves et al., 2014.
O tamanho das peças varia de acordo com a fonte de matéria-prima. Se a fonte de matéria -prima for uma cascalheira, o comum são instrumentos limitados ao tamanho do seixo. Se a fonte de matéria-prima for um aforamento rochoso, há possibilidade de controlar o tamanho do instrumento e, nesse caso, são possíveis tanto instrumentos pequenos como grandes. A técnica de lascamento utilizada por esses índios era comumente a percussão direta com percutores duros, resultando em peças com sec18
ção plano-convexa, que tinham os seus bordos retocados de acordo com a função que pretendiam. A utilização de percutores macios ou da percussão indireta é registrada com pouca frequência.
Os grupos pescadores do litoral: os sambaquis Os sambaquis estão presentes em vários pontos do litoral brasileiro – especialmente no Sudeste e Sul – e localizados nas planícies litorâneas. Os sambaquis são testemunhos da ocu-
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pação indígena no período entre sete e dez mil anos, sendo que por volta de mil anos atrás se tornaram raros. Os vestígios dessas ocupações são colinas artificiais ou morros de conchas/moluscos bivalves de 50 a 500 m de comprimento, com diferentes alturas. Nessas colinas, os arqueólogos evidenciam enterramentos, artefatos em concha, dente, ossos e pedras. A indústria de pedra polida nesses assentamentos é composta por machados, moedores, polidores e esculturas. As esculturas em pedra, na maior parte dos casos, reproduziam a forma de animais como peixes, antas, rãs, pássaros ou crocodilos, sendo que quase todas têm um recipiente no centro (Foto 6). Atualmente, os arqueólogos investigam a origem das conchas bivalves. Seriam carregadas para o local como material de construção ou seriam lixos da cozinha desses índios? Todas as evidências indicam que os índios do sambaqui possuíam uma cultura pré-agrícola, baseada na pesca e na coleta de animais marinhos. Os sítios sambaquis apresentam testemunhos de enterramento (cerimonial) e de habitação (atividades diárias) e foram ocupados por um longo período. As datações realizadas para esses sítios mostram uma diferença de até mil anos entre o topo e a base do sítio.
Foto 6: Zoólito com recipiente no centro.
Fonte: De Blasis, s/d.
Os grupos ceramistas agricultores O cultivo de plantas juntamente com a presença da cerâmica e a coleta intensiva conduziu provavelmente ao sedentarismo. A maior parte dos grupos agricultores era ceramista, por isso é comum a associação da cerâmica à agricultura. Entre as ocupações mais antigas de grupos ceramistas no Brasil estão os sítios da região de Santarém (PA), datadas de sete mil anos, e os sambaquis do litoral paranaense, datados de cinco mil anos.
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Foto 7: Cerâmica Marajoara com olhos humanos.
Fonte: De Blasis, s/d.
Foto 8: Estatueta Santarém/PA.
Segundo Roosevelt (2002), a pré-história da região amazônica tem produzido significativas informações arqueológicas sobre a história dos povos e culturas indígenas. Os restos arqueológicos são abundantes e bem preservados, representando uma longa e inovadora trajetória de desenvolvimento indígena. A sofisticada cerâmica e as estruturas dos sítios arqueológicos revelam padrões de economia, demografia, ideologia e organização social. De fato, a região amazônica foi o foco inicial da domesticação de plantas (batata doce e mandioca) e da confecção da cerâmica nessa parte do continente. Na região Amazônica, entre os séculos II e XII, temos a cerâmica da cultura marajoara, que apresenta uma grande variedade de formas e funções (Foto 7) e, entre os séculos XIII e XVI, tem-se a cerâmica da cultura Santarém, que possui vasos de grande complexidade, apresentando elementos de forma humana ou animal (Foto 8). Foto 9: Cambuchí utilizado como urna funerária no Sítio Arqueológico Aguinha. A vasilha tem 64 cm de altura e diâmetro do ombro igual a 1,40 m, Iepê, SP.
Fonte: Figuti, s/d.
Fonte: Faccio, 2011.
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Os primeiros que chegaram – Introdução à arqueologia do estado de São Paulo
No estado de São Paulo, as pesquisas arqueológicas identificaram os grupos agricultores Tupi e Guarani (Fotos 9 e 10), Kaingang (Foto 11) e Kaiapó (Foto 12). Contudo, muito ainda precisa ser pesquisado para que se tenha um quadro completo. Foto 12: Cerâmica Aratu, Sítio Neves.
Foto 10: Fragmentos de vasilhas indígenas guarani evidenciados no Sítio Arqueológico Aguinha, Iepê, SP, em trabalho de campo realizado pela equipe da Prof.ª Neide Barrocá Faccio. Estas peças estão expostas no Museu de Arqueologia de Iepê, SP.
Foto: Olavo Santilli Ekman Simõe, 2007.
Fonte: Faccio, 2006.
Analisando as Fotos 9, 10, 11 e 12 verifica-se que a cerâmica de cada um dos grupos indígenas possui características diferentes. A cerâmica Guarani possui forma carenada, pintura policrômica, espessura da parede que pode variar de 0,5 a 8 cm e tamanho dos vasos que pode variar de miniaturas com 2 cm de altura a grandes com até 70 cm de altura. A cerâmica Kaingang é pequena se comparada com a Guarani, possui paredes finas (até 0,8 mm), formas ovais e brunidura (enegrecimento das paredes com fumaça de palha de milho verde). A cerâmica dos Kaiapó, também conhecida por cajuzinho por causa da forma de caju, chega a medir 1,10 cm de altura com a tampa, possui forma piriforme e quase sempre apresenta paredes alisadas.
Foto 11: Forma da cerâmica (krukrü) proveniente de sepultamentos em montículos de grupo kaingang, localizado em Guararapes, São Paulo.
Fonte: Godoy, 1947.
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BREVE ETNO-HISTÓRIA DO
ESTADO DE SÃO PAULO Luís Antonio Barone e Neide Barrocá Faccio
Antes da chegada dos europeus (espanhóis, portugueses, mas também franceses) nas chamadas terras baixas da América do Sul, cuja maior porção constitui o nosso país, uma população muito grande ocupava os diferentes quadrantes desse subcontinente. Um número de pessoas, difícil de estimar, que os historiadores calculam entre várias centenas de milhares e alguns milhões, viviam nas diferentes nações indígenas, com seus territórios sobrepostos e permeáveis entre si. No Brasil, seguramente, grandes populações habitavam o imenso litoral, assim como as espaçosas várzeas de sua vasta rede hidrográfica, como a maior de todas, a amazônica. Não é impossível, segundo Darcy Ribeiro (1995), que a população indígena das terras baixas da América do Sul (excluindo-se, portanto, os Andes) já tivesse próxima aos cinco milhões de pessoas no início do século XVI, quando os portugueses aqui chegaram. Na mesma obra, Ribeiro calcula os falantes do tronco tupi em 1 milhão – uma população igual à que vivia em Portugal naquela época (1995).
Essa população autóctone era bastante diversificada, expressando características que conformavam tradições ceramistas específicas e troncos linguísticos distintos – dos quais o mais conhecido é o tupi-guarani. No entanto, mesmo no interior desses conjuntos com similaridades culturais às vezes muito pronunciadas, rivalidades e conf litos demarcavam divisões com ingredientes bastante violentos. A chegada dos europeus – sobretudo os portugueses – marcou o início de uma grande transformação étnica e populacional, caracterizada pela miscigenação e pela subordinação e/ou extermínio, por guerras ou epidemias, dos habitantes indígenas. Assim, um misto de assimilação e adaptação por um lado e morticínio por outro é uma tendência da nossa formação colonial. Mais tarde, a chegada de africanos escravizados acrescentaria outras características ao nosso povo, na sua origem fortemente mestiço. A epopeia da colonização europeia nessa porção do continente iniciou-se com a verdadeira corrida entre portugueses e espanhóis pelo domínio dos mares e das novas terras, no século XV. A tradicional data de 22 de abril de 1500, celebrada como “descobrimento do Brasil”, encobre um histórico bem mais antigo de visita e reconhecimento das terras do subcontinente sul -americano – que pode ser recuado em décadas (em 1438, teria sido visitado o litoral do atual Ma-
ranhão) – o que pode ser atestado em mapa da “Ilha do Brasil”, de 1439. A etno-história do que hoje é o Estado de São Paulo confunde-se com, pelo menos, dois dos capítulos mais fundamentais da formação do povo brasileiro. Um esboço dessa história, portanto, desdobra-se desde o período colonial – e uma “diferença” social e cultural dos paulistas nesse contexto – até o período contemporâneo, no qual São Paulo se torna o Estado mais desenvolvido do país: a “locomotiva do progresso”. A dinâmica interétnica de São Paulo tornou-o, primeiro, o “núcleo central de mamelucos que realizaram a expansão brasileira” (RIBEIRO; MOREIRA NETO, 1992, p. 48); depois, a maior “colcha de retalhos” cultural do país – juntando, na urbe, povos dos quatro cantos do mundo. A apresentação desse esboço, portanto, subdivide-se em duas partes, privilegiando os dois processos que, embora sucessivos, são, cada qual por si, marcantes. A colonização do Estado de São Paulo começou antes mesmo de 1532, ano em que Martim Afonso de Souza fundou a povoação que viria a se transformar na Vila de São Vicente, a mais antiga do Brasil. Antes disso, marinheiros portugueses já haviam se instalado na costa, e formaram importante arrimo para a colonização lusitana. Dando continuidade à exploração da terra e em busca de novos gentios a evangelizar, no cumprimento da missão que os trouxera ao
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Novo Mundo, um grupo de jesuítas escalou a Serra do Mar, chegando ao planalto de Piratininga, onde encontraram, segundo cartas enviadas a Portugal, “uma terra mui sadia, fresca e de boas águas”. Nesse lugar, fundaram um colégio, em 25 de janeiro de 1554, ao redor do qual se iniciou a construção das primeiras casas que dariam origem ao povoado de São Paulo de Piratininga. Em 1560, o povoado ganhou foros de vila, sendo o principal polo irradiador da colonização das terras interiores dessa porção do continente. Vamos acompanhar a história do Estado de São Paulo a partir desse contato interétnico, travado ao longo dos séculos e que, a rigor e dada a dinâmica populacional do Estado mais rico do país, ainda não teve fim. Originalmente, diferentes etnias ameríndias tinham esse território como seu, mantendo relações muitas vezes de hostilidade, como os aparentados Tupiniquim e Tupinambá (ambos do
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tronco linguístico tupi-guarani) – cuja belicosidade mútua chegava a despertar curiosidade no colonizador dada a imensa semelhança entre os dois grupos. Monteiro (1984) cita, ainda, outras etnias, como os Guaná (grupo pouco conhecido, provavelmente ancestral dos atuais kaingang) e os Carijó (guarani), como vizinhos que conviviam onde hoje se localizam as Regiões Metropolitanas de São Paulo e da Baixada Santista. Mais para o norte, o mesmo autor (1984) identifica o território Kayapó (ele fala dos Kayapós meridionais), sendo o oeste do que hoje é o Estado de São Paulo ocupado pelas etnias Kaingang e, minoritariamente, pelos Oti-Xavante. O mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju nos dá uma visão de conjunto sobre as zonas ocupadas por cada um desses grupos, bem como seus limites e sobreposições (Figura 11).
Os primeiros que chegaram – Introdução à arqueologia do estado de São Paulo
Figura 11: Famílias Línguisticas do Estado de São Paulo, segundo Nimuendaju, 1987.
Fonte: Adaptado por Faccio, 2011.
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Quando o fundador e donatário-mor Martim Afonso de Souza oficializou a Vila de São Vicente, em 22 de janeiro de 1532, ele já encontrou uma povoação de colonos, dos quais se destacam os lendários João Ramalho e Antonio Rodrigues. A rigor, foi em 1502 que o explorador Gaspar Lemos denominou a conhecida ilha de Gohayó como “Ilha de São Vicente” – porque ele também chegara ali no dia 22 de janeiro, data que se comemora o dia de São Vicente Mártir. A chegada de Martin Afonso de Souza deu importância administrativa e política ao povoado, tendo sido o primeiro numa série de instituições que moldariam o Novo Mundo de língua portuguesa. Tal pioneirismo não livrou a região de um período bastante turbulento, que determinaria a fixação portuguesa nessa porção meridional do litoral brasileiro. A já existente beligerância entre tupinambás e tupiniquins foi fortemente estimulada na região do litoral pela chegada dos europeus. Como episódio mais marcante do estímulo à violência interétnica, cita-se a formação da Confederação dos Tamoios, quando os “Tamoios” (tupinambás que habitavam entre os litorais de São Vicente e do Rio de Janeiro), incitados pelos franceses instalados na baía da Guanabara, revoltaram-se contra os portugueses e seus aliados tupiniquins. Desse conf lito, em meados do século XVI, resultou a extinção dos ditos Ta26
moios/Tupinambás e a expulsão dos franceses da costa f luminense. A guerra dos “Tamoios” tem uma importância grande no histórico da ocupação luso-brasileira no território que entremeia a Vila de São Paulo de Piratininga (a capital) e a Vila de São Vicente (litoral). Quando os primeiros povoadores oficiais chegaram à região, por volta de 1530, encontraram, já, dois portugueses – João Ramalho e Antonio Rodrigues, náufragos de viagens de exploração – em posição de destaque junto às comunidades tupiniquins (Antonio Rodrigues para São Vicente e João Ramalho para Piratininga). Esses dois “fundadores” do Brasil se aliaram aos tupiniquins e originaram linhagens de brasileiros que foram os responsáveis pela colonização dessa parte do Brasil. Tem-se a povoação brasileira na região dos municípios de São Bernardo e Santo André iniciada justamente por João Ramalho, que teria fundado uma vila (Vila de Santo André da Borda do Campo), entre 1550 e 1553. A def lagração do conf lito entre franceses/tupinambás e portugueses/tupiniquins levou ao abandono dessa vila pioneira, em 1560. Essa guerra gerou sucessivos ataques a vários dos arraiais luso-brasileiros do lado paulista, estimulando, inclusive, o povoamento da Vila de Piratininga (São Paulo). A população da antiga povoação de Santo André teria, então, buscado refúgio na Vila de Pirati-
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ninga (São Paulo), fundada pelos jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Os índios Tupinambás eram os habitantes mais numerosos nessa parte do litoral brasileiro, ocupando quase todo o litoral do Sudeste até a Bahia. Costumavam construir suas tabas em pontos altos, nas margens de rios, para sua proteção. Excelentes canoeiros construíram suas embarcações de cedros, guapuruvus e imbiricus para o transporte de até 30 pessoas. Incitados pelos brancos europeus, Tupinambás e Tupiniquins (vizinhos de litoral, ocupando também o planalto na região do alto curso do rio Tietê) entraram em guerra, até reconhecerem sua dependência dos estrangeiros. Os tupinambás formaram, então, a “Confederação dos Tamoios” – o termo Tamoios significa os mais antigos da terra –, liderada por Cunhambebe, para combater os portugueses. Nessa época, o artilheiro alemão Hans Staden, de passagem por essas terras, tornou-se prisioneiro desses índios. Alguns meses depois, conseguiu fugir e, de volta à sua terra, em 1557, relatou sua experiência num livro que se tornou famoso, além de um documento importantíssimo para a história do país. Tentando controlar a rebeldia dos índios, em 1563 os jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta partiram de São Vicente com destino à região dominada por tupinambás, conhecida
por Aldeia de Iperoig, com a missão de pacificar os índios, por meio de um tratado de paz. Desconfiados das verdadeiras intenções dos portugueses, os tamoios tomam Anchieta como refém durante cinco meses, até verem assegurada “A Paz de Iperoig”. Alguns historiadores acreditam que foi nessa época que Anchieta escreveu, na praia de Iperoig, muitos de seus 4.172 versos do famoso “Poema à Virgem”. Com a paz instalada e a vitória dos portugueses/tupiniquins sobre os franceses/tupinambás, os portugueses asseguraram a posse da região e fundaram a Vila Nova da Exaltação à Santa Cruz do Salvador de Ubatuba – a atual Ubatuba. João Ramalho, o colonizador antes citado, é figura paradigmática do tipo de colonização empreendido nesse território. Uma colonização aventureira, móvel e mestiça. Assim, diferentemente da colonização de outras regiões, esses homens, criando laços de parentesco – e formando uma imensa prole de mestiços de europeus e índias – penetraram o interior do continente, enfrentando as agruras da “muralha” representada pelas serranias e pela f loresta densa. A partir desses pioneiros, os jesuítas do século XVI fundaram, em janeiro de 1554, o Real Colégio de São Paulo de Piratininga, patrimônio a partir do qual se contam os anos da cidade de São Paulo. A tarefa de catequização
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dos índios, realizada pelos religiosos, mesclouse com a bárbara preação dos índios realizada pelos colonos, eles próprios mestiços. A miscigenação entre portugueses e indígenas foi uma realidade formadora do povo dessa terra, embora os “brasileiros” atravessassem séculos, desde as primeiras décadas da colonização, apresando e escravizando (legal ou ilegalmente) indígenas. Essa atitude agressiva dos mestiços luso-brasileiros levou a que fossem criticados pelos religiosos que catequizavam na porção espanhola da bacia do rio Paraná, que os chamaram de “mamelucos” – referência aos belicosos guerreiros islamizados do norte da África (RIBEIRO, 1995). Fernão Cardim, em 1585, em viagem de São Vicente até Piratininga, citou que a capitania tinha, à época, apenas quatro vilas: São Vicente, Santos, Itanhaém e Piratininga (CARDIM, 1978). Em 1560, São Paulo ganhou foro de Vila e pelourinho, mas a distância do litoral e o isolamento comercial a mantiveram, durante muito tempo, numa condição sem muita importância. Em 1681, foi considerada cabeça da Capitania de São Paulo e, em 1711, a Vila foi elevada à categoria de Cidade. Dela partiram as “bandeiras”, expedições organizadas para procurar minerais preciosos e índios a serem escravizados nos sertões distantes. São Paulo nasceu, enfim, como uma sociedade rústica, que falava tupi-guarani (a chamada língua geral). 28
Se sua história inicial foi marcada pelo relativo isolamento e intermitência na população – em 1560, por exemplo, um grande ataque de índios destruiu o núcleo original da cidade de São Paulo e provocou seu esvaziamento temporário (TOLEDO, 2003) – entre os séculos XVII e XVIII essa realidade foi sendo transformada. No entanto, se a historiografia tradicional aponta uma continuidade nesse “esvaziamento demográfico”, pesquisas recentes afirmam o contrário: além de um incremento populacional, o período assiste à consolidação de uma elite comerciante (BLAJ, 1998). Essa condição especial, no entanto, teria trazido mais fartura à alimentação dos paulistas do que gozavam os “prósperos” habitantes das capitanias exportadoras de açúcar. Segundo Ribeiro e Moreira Neto (1992), isso se deveu à ampla escravização dos índios e à captura de africanos quilombolas, como quando da destruição de Palmares. A pecuária teria sido uma mola original da economia local (VIANNA, 1933; SPIX; MARTIUS, 1981). A conhecida versão da miséria paulista do período anterior ao ciclo do ouro é negada por documentos da época da União Ibérica, que dão conta de uma estratégia de sonegação de tributos ao rei da Espanha desenvolvida pelos paulistas, sempre mal vistos pelas autoridades coloniais da época, conforme Ribeiro e Moreira Neto (1992).
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Trabalhos clássicos acerca da formação do povo paulista (HOLANDA, 1956, HOLANDA; SCHADEN, 1976) apontam para a mudança nas atividades e no caráter do paulista na primeira metade do século XVIII. Os habitantes de Piratininga não seriam mais caçadores de índios, aventureiros altivos e independentes. A figura dominante, então, passou a ser a do fazendeiro patriarcal e a do esperto comerciante urbanizado. Talvez, restasse desse primeiro período o orgulho pelas conquistas territoriais – consolidando o mito do “bandeirante”– e uma maneira própria de se gozar as riquezas: segundo Spix e Martius (1981), os ricos paulistanos não tinham, no início do século XIX, o gosto refinado pelo luxo europeu que outras capitais brasileiras demonstravam. Mesmo com o aburguesamento de sua elite, a cidade, no início do século XIX, ainda exibia seu casario de taipa – ainda segundo os mesmos autores (SPIX e MARTIUS, 1981,
p. 137) –, testemunho da origem rústica de sua sociedade, híbrida de portugueses e indígenas americanos do tronco linguístico tupi-guarani. Esses mesmos autores, viajantes-pesquisadores, calcularam a população paulistana, em 1815, em pouco mais de 25 mil pessoas: aproximadamente 12 mil brancos, pouco mais de 5 mil “pretos” e quase 8 mil mulatos. Acrescida aos habitantes das 19 vilas da comarca de São Paulo, a população regional atingia pouco mais de 128 mil pessoas (1981, p. 148-149). Spix e Martius identificaram a ascendência indígena da população local (p. 139) e a relativa baixa população afrodescendente, sobretudo em comparação com outras capitais brasileiras. Sobre a composição étnica de São Paulo, no período imediatamente anterior à Independência, são eloquentes as ilustrações dos autores de “Viagem pelo Brasil” (Figura 12).
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Figura 12: Duas “mulheres paulistanas” do início do Séc. XIX.
Fonte: Spix e Martius, 1981.
Os autores chamam a atenção para a papada de mulher da esquerda, segundo eles, exibida com orgulho e muito comum na região. Fruto de distúrbios da glândula tireoide, o chamado “bócio” deve-se à carência de iodo na dieta dos moradores do planalto paulista.1 1
Essa moléstia não se manifestava na população litorânea brasileira porque o iodo está bastante presente em peixes e frutos do mar.
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A convivência dos colonos portugueses e brasileiros com a população indígena configura um misto de exploração, absorção e extermínio. Durante o período colonial, não raro vilas se avizinhavam de aldeias – como foi o caso da Aldeia de Perohibe, no século XVI, que não distava muitas léguas de São Vicente. Por volta de 1542, o mar destruiu parte da vila de São Vicente, inclusive sua igreja. Em 1545, mesmo ano em que se ergueu uma nova matriz em São Vicente, inaugurou-se o Porto de Santos, que se desenvolveu como povoado adjacente a São Vicente. Com o empreendimento e as atividades que desencadeou, Santos desenvolveu-se mais intensamente e a vida foi se deslocando em direção à nova cidade. O porto santista tornou-se, no século XIX, o mais movimentado do país e permanece, até hoje, como o mais importante da América do Sul. A vila do Porto de Santos, depois simplesmente Vila de Santos, sendo o principal porto do litoral paulista, teve desenvolvimento acima das outras vilas litorâneas. Em sua história estão registradas a economia açucareira, a dispersão bandeirante, a época do café e a industrialização do século XX. A evolução histórica da região do litoral paulista, na chamada “baixada santista”, está muito ligada à evolução econômica do planalto paulista e da relação entre a região portuária e a cidade de
São Paulo. O porto de Santos marca, então, essa dinâmica socioeconômica. Foi de Braz Cubas a ideia de transferir o porto da baía de Santos para o seu interior, em águas protegidas, inclusive do ataque de piratas, contumazes visitantes e saqueadores do povoado. Escolhido o sítio denominado Enguaguaçu, no acesso do canal de Bertioga, logo se formou um povoado, motivo para a construção de uma capela e de um hospital, cujas obras se concluíram em 1543. O hospital recebeu o nome de Casa da Misericórdia de Todos os Santos e foi a primeira Santa Casa do Brasil. Em 1546, o povoado foi elevado à condição de Vila do Porto de Santos. Em 1550, instalou-se a Alfândega. A penetração dessa nascente sociedade colonial a leste levou ao povoamento do Vale do Paraíba, ainda no primeiro século de colonização. Como corredor natural de circulação entre a região de Santos/São Vicente e as baías de Parati, Angra dos Reis e Guanabara (Rio de Janeiro), o Vale do Paraíba foi precocemente ocupado pelo colonizador europeu. Dentre as localidades mais importantes do Vale, destaca-se Guaratinguetá (em tupi-guarani: “guará” = garça; “tinga” = branca; e “eta” = muito, portanto, lugar de muitas garças brancas). O século XVIII reservou à cidade, além dos períodos do ouro e do açúcar, fatos de especial significância religiosa. Em 1717, a imagem ene-
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grecida de Nossa Senhora da Conceição foi encontrada por pescadores nas águas do rio Paraíba, dando origem à cidade de Aparecida. Nesses séculos coloniais, a região do Vale do Paraíba prosperou no comércio, na cultura de cana-de-açúcar e pecuária, sempre movidas pela mão de obra escrava – primeiro nativa, depois trazida da África. No início do século XIX, iniciou-se a expansão do café, que tomaria todo o Vale do Paraíba. Ampliou-se, então, a presença de africanos e afrodescendentes por toda a região, que f loresceu econômica e culturalmente. Na segunda metade do século XIX, a marcante presença de população afro-brasileira nessa região compreendida entre o Vale do Paraíba e o litoral, aliada ao espírito abolicionista que começara a ganhar forma nos idos de 1870, fez com que a cidade portuária de Santos tivesse um papel importante no processo de abolição da escravatura no país. Por volta de 1882, republicanos, liberais, abolicionistas e, enfim, boa parte da sociedade santista, se entregou ao trabalho de libertar o escravo em todos os pontos da Província. Os santistas criam quilombos para receber negros fugidos, sendo o de Jabaquara o mais importante, e algumas famílias santistas também abrigam refugiados. A cultura do café, que partiu do Vale do Paraíba, estendeu-se por todo o Planalto Paulista, atingindo até algumas áreas da Baixada Santis32
ta, o que pressionava as autoridades para a necessidade de ampliação e modernização das instalações portuárias – o que foi feito na década de 1880. Afinal, o café poderia ser exportado em maior escala e rapidez. Da mesma forma, a limitação da mão de obra escrava, que seria extinta em 1888, fez com que, primeiro no planalto paulista, depois no Vale do Paraíba, houvesse o emprego de trabalhadores assalariados imigrantes (notadamente italianos), o que daria uma nova característica cultural ao povo paulista. Observando outra direção, a ocupação pretérita da região mais ao norte da Vila de São Paulo perdeu-se no tempo, sendo registrada, quando do início da colonização europeia (século XVI), a presença de índios de fala Tupi e de outra etnia, os “Guarus” ou “Guarulhos”, de língua desconhecida, provavelmente do tronco linguístico Macro-Jê (Caldarelli et al., 2001). O destino desses grupos indígenas foi o extermínio ou absorção pela sociedade brasileira que, desde então, se implantou nesse meio, através de uma verdadeira “devastação” das matas e das gentes (ABREU, 1934). A fundação de vilas, estratégia adotada pelo império português para a fixação humana no território da colônia brasileira, disseminou-se pelo território paulista. Como exemplo, temos o caso de Jundiaí, localidade na qual os primeiros colonizadores brancos chegaram em 1615, se-
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guindo o processo de interiorização. Em 1655, já se tem notícia da localidade de Mato Grosso de Jundiaí – ou Vila de Nossa Senhora do Desterro, atual Jundiaí – de onde partiriam os desbravadores de uma zona mais ao norte, denominada Campinhos do Mato Grosso, atual Campinas (Mello Pupo, 1969). A pesquisa arqueológica aponta que, muito tempo antes de o Brasil ser descoberto pelos portugueses, indígenas da tradição tupi-guarani viviam onde hoje se localizam cidades como Campinas, Piracicaba e Sorocaba. “Vestígios desta cultura, como fragmentos de cerâmica e material foram encontrados em escavações sistemáticas realizadas nos sítios Tapajós e Rage Maluf a partir de 1971” (AYTAI, 1988, p. 9). Este último autor noticia que Hans Staden teria incluído essa região em um mapa que indicava os territórios Tupinambá de meados do século XVI (AYTAI, 1988, p. 11). A principal característica natural dessa área, justamente o que lhe dá o nome, é o confronto da mata fechada, característica do sertão paulista, com uma região de campina – importante para referência e pouso dos viajantes. A primeira atividade econômica dessa área foi, exatamente, ser ponto de passagem dos bandeirantes, que seguiam por uma rota até Goiás. Entre 1728 e 1744, foi registrada a doação de várias sesmarias nessa região: Campinhos do
Mato Grosso, Estrada de Goiás (duas sesmarias com esse nome), Ribeirão dos Pinheiros, rio Jaguari e rio Atibaia (Mello Pupo, 1969). Ali se estabeleceram agricultores, fornecedores de víveres para os viajantes, tendo se desenvolvido uma insipiente economia, baseada na lavoura do milho, da mandioca e do feijão, além da circulação de tropas. Segundo Mello Pupo, tornou-se conhecida, nessa época, não um assentamento humano estável, mas um local de tráfego e pouso chamado “Pouso dos Três Campinhos” (1969, p. 26-27). A primeira construção de uso coletivo erigida pela população rural de Campinas constituiu-se de um cemitério, que a pesquisa histórica documentou como já existindo em 1753 (Mello Pupo, 1969, p. 23). O primeiro recenseamento do bairro (1767) registrou 265 habitantes. Segundo o mesmo historiador, esse número englobava também habitantes do bairro da Rocinha (hoje Vinhedo), sem os quais o número de moradores de Campinas nessa época não ultrapassaria 185 pessoas (Mello Pupo, 1969, p. 28-30). Em 1772, os moradores entre Jundiaí e Mogi Mirim demandaram autorização eclesiástica para a edificação de uma capela na paragem chamada “Campinas” – um marco arquitetônico definitivo no estabelecimento do bairro, já registrada em documentos
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em 1774 (MELLO PUPO, 1969, p. 43) – ano tido como o da fundação de Campinas. A partir da periodização proposta por Pardi, Rangel e Coradel (1999) para o levantamento do patrimônio arqueológico da região, essa época corresponde ao período dos tropeiros (antes de 1777). Os primeiros habitantes não índios a se fixarem na região foram os chamados “cargueiros”, que, vindos de Piracicaba, conduziam suas mercadorias agrícolas para serem comercializadas em centros maiores como São Paulo e Santos, o chamado período dos tropeiros. O pouso nessas paragens era atrativo, porque encontravam ali condições adequadas para um pouco de descanso (AYTAI, 1988). Após esse período, ainda na segunda metade do século XVIII, ganhou forma também uma outra dinâmica econômica, política e social na região, associada à chegada de fazendeiros procedentes de Itu, Porto Feliz, Taubaté, entre outras localidades. Esses fazendeiros buscavam terras para instalar lavouras de cana e engenhos de açúcar, utilizando-se para tanto de mão de obra escrava. De fato, foi por força e interesse desses fazendeiros, ou ainda, por interesse do Governo da Capitania de São Paulo, que o bairro rural do Mato Grosso transformou-se em Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso (1774); depois, em Vila de São 34
Carlos (1797), e em Cidade de Campinas (1842) – já no período de implantação do complexo econômico cafeeiro. Ao final do século XVIII, essa região já estava definitivamente incorporada ao circuito econômico, produzindo, além de víveres, o valioso açúcar. Engenhos, escravos e toda a maquinaria da exploração colonial estavam presentes em Campinas. A referida implantação de engenhos na região também é um referencial histórico-econômico importante na ocupação dessa área. Formou-se, na virada dos séculos XVIII e XIX, o chamado “polígono do açúcar paulista”, tendo como vértices Jundiaí, Itu, Piracicaba e Mogi Mirim. Os cafezais – os grandes impulsionadores do desenvolvimento econômico e social da região – por sua vez, nasceram do interior das fazendas de cana. A partir da economia cafeeira, a grande região de Campinas passou a concentrar um grande contingente de trabalhadores (primeiro escravos, depois, livres) empregados em plantações e em atividades produtivas rurais e urbanas. No século XIX, portanto, com a implantação do complexo econômico cafeeiro, a região iria viver um intenso surto de crescimento populacional e econômico. Segundo Cano (1990), a ideia de complexo cafeeiro – um conjunto econômico integrado e fortemente dinâmico – pressupõe, além da atividade produtora de café, produção de alimentos e outras matérias-primas, ativida-
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de industrial, implantação de um sistema ferroviário, expansão do sistema bancário, atividade comercial, criação de infraestrutura econômica e urbana e atividade do Estado (1990, p. 20-21). A região de Campinas foi palco, a partir de meados do século XIX, das principais transformações que deram origem ao complexo cafeeiro capitalista de São Paulo. Do município, partiram as duas principais ferrovias do café, estabelecendo-se também ali as indústrias de máquinas e equipamentos de beneficiamento. “As primeiras experiências com o trabalho livre tiveram lugar em fazendas da região nas décadas de 1840 e 1850 e a imigração em grande escala com a adoção do regime do colonato contou com a participação decisiva dos grandes fazendeiros locais” (Semeghini, 1988, p. 263).
Como exemplo desse pioneirismo na substituição da mão de obra escrava pela livre, pode-se citar a Colônia dos Martírios – atual bairro de Bom Jesus dos Martírios, em Amparo –, uma fazenda voltada para a produção de café utilizando trabalhadores livres já nos anos 1850, segundo Lima (2006). Além de brasileiros, europeus chegaram para laborar nessa e em outras fazendas. Se voltarmos nosso olhar histórico para o oeste, segundo Morais (2007), na época da chegada dos portugueses e espanhóis, índios guarani po-
voavam o vale do Paranapanema, mais a oeste da vila de São Paulo, parte das possessões espanholas na América, posto que estavam além dos limites do chamado Tratado de Tordesilhas. Jesuítas vindos da Espanha fundaram as Missões do Paranapanema; algumas, como Santo Inácio Menor e Nossa Senhora de Loreto (FUNARI, 2002), não estariam muito distantes do trecho em que o Tietê se tornava navegável: os atuais municípios de Anhembi, Porto Feliz e Boituva. Segundo o Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendaju (NIMUENDAJU, 1987), essa área era território dos índios Guainás (ou Guaianazes). Essa etnia, hoje extinta, pode ser ancestral dos atuais Kaingangs (de língua Jê), e teria sofrido o processo de aldeamento pelos jesuítas no século XVI (MONTEIRO, 1984). O território era, portanto, dividido entre Guaranis, Guainás (possíveis Kaingangs) e Xavantes. Os mamelucos paulistas, autores da façanha bandeirante, sempre que possível, se valeram dos caminhos indígenas, conhecidos pelos guaranis como peabirus. Essas vias margeavam o Paranapanema, seguindo para o Oeste. Nessas investidas de preação de índios para a escravização, que se intensificaram durante o século XVII, os paulistas destruíram as Missões espanholas do Paranapanema, provocando um despovoamento do vale por quase dois séculos. Durante esse longo período, apenas Kaingangs e Xavantes, etnias
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hostis aos colonizadores, circulavam pelos antigos caminhos guaranis. Monteiro (1984) indica que essa região entre o Paranapanema e o Tietê teria sido palco de expedições de apresamento, desde o final do século XVI. Estudos históricos dão conta de que, através dos caminhos de Peabiru, o português Aleixo Garcia, liderando uma expedição que partiu do litoral de Santa Catarina em 1524, chegou até as terras da atual Bolívia (MARTINS, 2002). Embora se valendo desse mesmo sistema de comunicação terrestre ameríndio, tal expedição teria atravessado o rio Paraná mais ao sul, “na altura do arquipélago fluvial da Ilha Grande, entre os atuais Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul” (2002, p. 38) – longe, portanto, do rio Paranapanema. O rio Tietê e seus af luentes garantiram a penetração dos paulistas pelo interior, na caça aos índios. Mais tarde, a descoberta das Minas, obra dos bandeirantes paulistas, fez com que a Coroa Portuguesa desmembrasse a província, com vistas ao maior controle da extração de metais e pedras preciosas. Apesar disso, ao longo de todo o século XVIII, São Paulo continuava sendo o quartel-general, de onde não cessavam de partir as “bandeiras”, responsáveis pela ampliação do território brasileiro a sul e a oeste – na proporção direta do extermínio das nações indígenas que colocavam resistência ao empreendimento. Até
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o final do século XVIII, no entanto, a ocupação das terras paulistas ainda era bastante esparsa. Organizavam-se expedições regulares no período sem chuvas, as Monções, destinadas ao transporte f luvial de cargas e passageiros em direção ao rio Paraná – e daí, às minas de Cuiabá e Goiás. O porto usado como partida das Monções deu origem ao atual município de Porto Feliz. Sobre a ocupação perpetrada pela população não índia registra-se que, no final do século XVII, fazendas foram instaladas nessa região e uma capela foi erigida, nos primeiros decênios do século XVIII, próxima ao porto, então chamado Porto de Araritaguaba. Em toda essa região estabeleceu-se lavoura e pecuária, com vistas ao suprimento das regiões mineradoras. Também uma significativa produção de açúcar e aguardente foi gerada na região, sobretudo a partir do século XVIII. A região também ganhou uma grande importância no chamado ciclo do tropeirismo, sendo Sorocaba um ponto de referência nesse circuito comercial e produtivo que garantiu uma forte integração econômica do Centro-Sul do Brasil, desde o século XVIII (FURTADO, 2000). A partir da exploração mineiradora de ferro, ocorrida no Morro de Araçoiaba, teve início um arraial no início do século XVII. Anos depois, a partir de autorização da Coroa Portuguesa em 1682, foi instalada a Fábrica de Ferro de Ipane-
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ma – onde hoje está sediada a cidade de Iperó, nos arredores de Sorocaba. Além da população originária (ameríndios do tronco linguístico tupi-guarani), para lá acorreram colonos e escravos, durante todo o período colonial. Registra-se, também, a colaboração maçiça de afrodescendentes livres na famosa Fábrica de Ferro Ipanema, bem como a corrida de trabalhadores imigrantes (italianos, espanhóis etc.) a partir da segunda metade do século XIX. Somente a partir de meados do século XIX, reiniciou-se o povoamento da área do vale do Paranapanema, do lado paulista. Borelli (1984, p. 48) informa sobre a penetração de mineiros na região entre o Tietê e o Grande, sobretudo no período de declínio da mineração (início do século XIX). Esse fato econômico também provocou a chegada de trabalhadores oriundos das minas – somados aos da região do Médio Tietê – ao Vale do Paranapanema. Esses “novos habitantes” se estabeleceram ali de forma rústica, praticando uma agricultura basicamente de subsistência e com raros contatos com os circuitos socioeconômicos mais dinâmicos. Esses primeiros colonizadores teriam cumprido a função da frente de expansão (MONBEIG, 1983). No mesmo período (meados do século XIX), vindos da direção contrária (sentido Oeste-Leste), uma nova leva de Guaranis, movidos pela procura da “Terra Sem-Males”, instalou-se na
região. O confronto entre índios e posseiros foi amenizado pela intervenção do governo da província, que entregou a “tutela” dos guarani a um grupo de padres capuchinhos (MORAIS, 1998). Praticamente ao lado do patrimônio de São Sebastião do Tijuco-Preto, cuja capela data da década de 1850, estabeleceu-se o aldeamento de “Pirã-yú” (em guarani, “peixe dourado”). Os indígenas, mal-vistos, foram transferidos, antes do final do século, para um local mais distante e, por causa da total decadência desses aldeamentos, foram levados, em 1912, para a reserva Araribá, na região de Bauru (MORAIS, 2007). Mais abaixo, seguindo o curso do Paranapanema, a “história oficial” registra apenas que os pioneiros tiveram que enfrentar os ataques de índios “botocudos” – nome genérico dado pelos colonizadores a grupos indígenas de diferentes etnias não tupi, geralmente mais hostis que estes no encontro com os europeus. Embora não se tenha evidência direta, certamente esses índios eram Kaingangs ou Xavantes, ocupantes tradicionais da região e bem mais hostis que os integrantes de etnias tupi-guarani. Melatti (1976) dá conta de três frentes de expansão da sociedade brasileira sobre o planalto ocidental paulista, a partir do século XVIII – pecuaristas mineiros, cafeicultores e policultores. Nesses períodos históricos já se sabia de populações indígenas vivendo na região, então
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conhecidas como índios Coroados. Essa foi, na verdade, a primeira denominação específica dada aos índios Kaingang, etnia ligada ao tronco linguístico Jê, que habitava os vales dos rios do Peixe e Feio/Aguapeí. O que teria sido uma convivência pacífica entre os indígenas e os primeiros posseiros no início do século XIX, durante a expansão da cafeicultura – a autêntica frente pioneira da economia capitalista na região – já no final desse mesmo século, passou a ser extremamente violenta. Com a construção da Estrada de Ferro Noroeste na região, povoações de agricultores eram implantadas ao longo do seu percurso. Foi a época dos “bugreiros”, profissionais em extermínio de populações indígenas. Nas palavras de Von Ihering, um estudioso do Museu Paulista do início do século XX: “os kaingang são um empecilho para a colonização das regiões do Sertão que habitam, parece que não há outro meio que se possa lançar mão, senão o seu extermínio” (PINHEIRO, 1999, p. 22). Essa polêmica opinião de um importante intelectual paulista do início do século XX expressa, mais que qualquer consenso das camadas mais cultas da época, a realidade do que foi o contato entre a frente pioneira que avançava pelo planalto ocidental paulista e a etnia mais populosa da região Oeste do Estado.
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O surgimento do Serviço de Proteção Indígena (SPI), uma resposta institucional ao massacre das populações indígenas encontradas pela frente pioneira no oeste paulista (RIBEIRO, 2004), garantiu um restrito espaço de subsistência aos Kaingang, no final da segunda década do século XX. Os Postos Indígenas Vanuíre (hoje localizado no município de Arco-Íris, vizinho e desmembrado do município de Tupã) e Icatú (em Braúna, na região de Penápolis) foram as únicas parcelas de terra que ficaram para os kaingang. Cita-se, também, que, de acordo com a política do SPI, outras etnias foram transferidas para essas áreas – caso dos krenak, trazidos de Minas Gerais para Vanuíre, em meados do século XX. A atividade cafeeira exerceu grande inf luência na ocupação do território, no crescimento demográfico e econômico das regiões por onde passou; porém, provocou significativas alterações ambientais, como a devastação da vegetação, degradação do solo, processos erosivos instalados após o abandono das áreas e, consequentemente, os impactos nos recursos hídricos, além de dizimar o remanescente da população indígena. Na segunda metade do século XIX, iniciou-se a construção das ferrovias para o escoamento da produção do café; e as matas passaram a ser derrubadas, também, para alimentar as caldeiras das locomotivas a vapor e para a fabricação de dormentes e postes. Os primeiros traçados limitavam-se
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às regiões mais produtivas (área de terra roxa), só após 1905 novas linhas foram construídas visando atender às necessidades dos fazendeiros e aos avanços do povoamento. Também a geopolítica nacional foi determinante nessa ocupação, exemplificada na construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que, iniciando em Bauru, atravessou a então Província de Mato Grosso e chegou até a fronteira com a Bolívia. Não deve ser esquecido um fator que veio inf luenciar decisivamente a área agrícola e modificar radicalmente o sistema de utilização de mão de obra: a libertação dos escravos. Com o término do regime servil, os plantadores de café se viram obrigados a buscar trabalhadores livres, recorrendo à imigração, principalmente europeia (depois, também a asiática), com o estímulo do setor governamental. Esses imigrantes concorreram essencialmente para que a agricultura brasileira iniciasse o processo de diversificação que a caracterizou no século XX. Assim, juntamente com os fazendeiros plantadores de café, um grande número de trabalhadores rurais (nativos + imigrantes) deslocou-se para o interior do Estado, promovendo a ocupação extensiva dos terrenos, aumentando as áreas agrícolas, implementando e/ou valorizando outras culturas, ampliando as vilas e transformando-as em cidades, criando as novas urbes, tudo isso em uma velocidade explosiva e sem precedentes.
O total domínio da região pela sociedade brasileira iria apagar quase toda presença da cultura kaingang na região. Ao longo das primeiras décadas do século XX, os kaingang foram reduzidos e, praticamente, desapareceram. As exceções são vistas nos descendentes desse povo que habitam o Posto Vanuíre, no Museu Municipal de Tupã e na prática de usar topônimos de origem indígena – como o nome da cidade de Tupã, assim como o vizinho município de Iacri (curiosamente, o nome de um guerreiro que teria resistido bravamente à expansão dos brasileiros). Mais especificamente com relação ao histórico de ocupação do oeste paulista, no início do século XX, uma deficiência de conhecimento varria os órgãos oficiais com relação à região denominada “sertão paulista”. Nesse período, entendia-se por “sertão” todas as terras localizadas a oeste das últimas habitações feitas por pioneiros em direção ao Estado do Mato Grosso. O povoamento do que já era denominado “Interior” se restringia a recém-formados patrimônios e cidades que serviam de entrepostos para a promoção do desbravamento das terras nativas em direção às barrancas do rio Paraná. No início do século, o Governo organizou várias expedições que tinham por propósito reconhecer com maiores detalhes os rios Paraná, Tietê, Feio e Peixe. Denominada de “Comissão Geographica e Geológica do Estado de São Pau-
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lo”, essa organização estadual passou a constituir diferentes “Turmas” objetivando estudos mais completos dos respectivos rios. O conhecimento desses rios apontava que, ao sul do Tietê, existiam dois rios de expressividade. O mais próximo era chamado de rio Feio – devido seu trajeto sinuoso e altas matas que davam uma sensação selvagem das mais intensas. O outro, localizado mais ao sul do primeiro, era denominado rio do Peixe, justamente pela riqueza da pesca em suas nascentes. O que norteava o imaginário desses estudiosos da época era que o rio do Peixe, por possuir uma largura menor e localizar-se num relevo propenso para o norte, era um af luente do rio Feio. Os trabalhos da comissão puderam conferir que, depois de receber as águas do então denominado “Rio Presidente Tibiriçá”, o leito do rio Feio tornava-se cheio de corredeiras e tinha um salto de 16 metros – denominado então Salto “Dr. Carlos Botelho”. Dividiu-se então, grosso modo, o rio Feio em duas partes. A alta, localizada acima do principal Salto desse trecho acidentado, e a baixa, após a referida cachoeira. Tal divisão persistiu após alguns estudos que comprovaram a unicidade do Feio e Aguapeí, o que levou a dupla denominação do curso d’água. Assim, passou a ser chamado de rio Feio a parte alta, enquanto o rio Aguapeí constituiu a designação das águas abaixo do Salto Botelho. 40
A expedição do rio do Peixe, por outro lado, tinha como propósito confirmar a tese de que os rios Peixe e Tigre eram apenas um. Tais prognósticos intensificaram-se, principalmente após a confirmação de que o Feio e o Aguapeí se tratavam de um único rio e o deságue do Peixe nesse curso d’água não foi confirmado, tendo em vista apenas o encontro de afluentes pequenos. A propagação das notícias de que a “turma” anterior que realizara a Expedição do rio Feio encontrara efetivos vestígios da presença de índios causou um clima difícil de ser amenizado pelos líderes da “Comissão”. Muitos sertanejos, sabendo das dificuldades cotidianas do desbravamento, diante do hostil trabalho em meio às matas, recusaram-se a participar desse tipo de empreitada e, para complicar mais ainda a organização, estavam mais apavorados diante das repercussões dos ataques de silvícolas à Expedição anterior. Abaixo do ribeirão da Confusão – afluente do rio do Peixe, cujo nome evoca o encontro violento entre expedição e indígenas – os índios, surpreendentemente, permitiram que a Turma executasse os trabalhos sem interrupção até vencer a região das cachoeiras. A partir desse ponto, no entanto, os vestígios começaram a aparecer mais frequentemente: as trilhas eram vistas em grande quantidade, ora indicando a travessia do rio, ora margeando-o. Conforme a expedição descia o rio, muitos objetos eram vistos, como prova de
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que os indígenas deixavam seus lugares rapidamente, sem se importar com seus instrumentos. Os Coroados, denominação antiga atribuída aos Kaingang, passaram a ser considerados “bravios”. Na medida em que o reconhecimento dessa área foi efetivando-se, os confrontos, geralmente rápidos, se davam pela investida dos sertanejos em meio a retiradas dos índios que, em grande parte, sofriam com o processo de aculturação daqueles que invadiam suas terras. Esse contato hostil com índios, que marcou a Expedição do rio do Peixe, contribuiu para denominações de afluentes localizados próximos aos atritos. Exemplos foram as designações “Ribeirão do Fogo” e “Ribeirão das Caingangs”, ambos relacionados ao contato nada amigável com os “Coroados”. Tal processo de colonização trouxe consequências irretratáveis para a cultura indígena que habitava as terras. É justamente essa invasão do espaço silvícola que marcará o período de ocupação nas terras do Espigão PeixeAguapeí. Os nativos, na maioria dos casos, acabaram fugindo para lugares mais distantes ao perceberem as investidas dos sertanejos, enquanto outra parte desse mesmo grupo étnico sofreu transformações no modus vivendi, adequando-se às relações sociais dos colonizadores. Sertanejos independentes e dispostos a conquistar um pedaço de chão passaram a embrenhar-se em grandes glebas, que, continuamente,
sofriam impasses com relação aos verdadeiros donos. Num segundo plano, totalmente excluídos desse processo, os indígenas já não conduziam suas atividades nesses espaços conquistados. A dominação dos colonizadores e o desaparecimento paulatino de qualquer vestígio indígena constituíram a tônica das décadas de 1920 e 1930. A expansão decisiva da sociedade brasileira sobre esse território – entre o vale do médio Paranapanema e a região hoje conhecida como Pontal do Paranapanema – deu-se a partir do terceiro quarto do século XIX, tendo o povoado de Conceição de Monte Alegre como ponto de referência. De Conceição de Monte Alegre, patrimônio fundado na “Boca do Sertão” em 1873, passaram, durante mais de 30 anos desde o final da década de 1870, centenas de colonizadores que ocuparam a extensa área do Pontal do Paranapanema. Hoje, Conceição de Monte Alegre é distrito do município paulista denominado Paraguaçu Paulista, próximo aos municípios de Assis, Marília e Presidente Prudente. Essa ocupação, no entanto, teve como seu principal indutor a chegada da Estrada de Ferro Sorocabana, a partir dos anos 1910. O período marca, também, o extermínio total dos grupos indígenas que viviam na região. A ferrovia, estimuladora da cultura cafeeira, o processo de grilagem dessas terras, as conturbadas tentativas de regularização fundiária das primeiras glebas
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(que, a rigor, até hoje não foram concluídas), são características comuns no histórico de ocupação dos municípios da região, segundo Leite (1998). Se a ocupação do território brasileiro pelos colonos luso-brasileiros se iniciou no século XVI, a partir do litoral, até dois séculos após 1500, o planalto ocidental paulista (indo-se da antiga área produtora de açúcar, na região entre Campinas e Sorocaba para o norte e noroeste) teve pouca atenção por parte da sociedade brasileira – excetuando-se pela passagem de aventureiros em busca de ouro e riquezas de outras regiões. Do ponto de vista etno-histórico, esse território sempre comportou uma grande heterogeneidade étnica. Segundo um estudioso do tema, o planalto ocidental paulista poderia ter facilmente servido como região de intenso tráfego de elementos culturais, via de escoamento e corredor de inf luências porque sitiado, a um lado, pelas serras de Piratininga e o litoral atlântico; por outro pela região do Chaco que se forma a oeste da bacia do Paraná; ao norte pelos campos e matas do Brasil central; e ao sul pelos campos férteis do Paraná e os pampas (...) cada uma dessas áreas geográficas ocupadas por populações indígenas culturalmente diferentes – Guarani (Mbia e Nhandeva), Tupi, Guaicuru-Mbaia, Aruak, Jê, entre outras... (MANO, 1998, p. 25).
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Antes das frentes de colonização, no século XIX, várias “bandeiras” passaram pela região, desde o primeiro século de Brasil. Segundo Melatti (1976), não se subjugaram indígenas nesse território do oeste paulista talvez pela sua pouca densidade populacional, aliada à agressividade frente à possibilidade de apresamento e ao fato de não falarem línguas do tronco Tupi. Aos Tapuias, nome genérico dado a várias etnias não incluídas no tronco Tupi, só cabia uma atitude violenta. A partir das informações do Mapa Etno-histórico de Curt Nimuendaju (NIMUENDAJU, 1987), a área norte do Estado (entre a margem Norte do Tietê e o rio Grande, divisa com Minas Gerais) teria sido parte da grande região Kaiapó – que se estenderia justamente da margem Norte do médio rio Tietê e encamparia todo o norte paulista, o triângulo mineiro, o nordeste do Mato Grosso do Sul e o sul de Goiás. Os Kaiapó seriam indígenas do troco linguístico Macro-Jê, da família Jê, assim como os seus “vizinhos” Kaingang, cujo território se confrontaria com a “kaiapônia” ao longo do médio e baixo Tietê, pelo sul. Os Kaingang (que podem ser os antigos “Guainá”) ocuparam a margem Sul do Tietê, estendendo seus domínios, em São Paulo, até o vale do Paranapanema. A literatura etno-histórica e etnológica é bem mais rica para este segundo grupo do que para os Kaiapó paulistas. A razão disso seria o contato mais recente da
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sociedade brasileira com a etnia Kaingang – a partir do início do século XX, quando da ocupação do oeste paulista. Sobre os Kaiapó, antigos habitantes do quadrante Norte do Estado, quase nenhum registro se tem. Monteiro (1984) localiza mais ao sul a presença kaiapó na região de São Paulo (tendo seu suposto território estendido até à região de Campinas e a todo o Sul de Minas). Esses Kaiapó meridionais (ou bilreiros) teriam resistido à invasão colonizadora do século XVI, sendo denominados genericamente de Tapuias (esse era o nome dado, pelos colonos, aos nativos de língua não Tupi). Numa primeira etapa, sua estratégia foi a fuga – o recuo sistemático diante do brasileiro – para o interior do seu grande território. No século XVIII, pressionados pelo movimento minerador, os Kaiapó reagiram violentamente, o que levou ao seu virtual extermínio (MONTEIRO, 1984, p. 25). Foi a partir da segunda metade do século XIX que essa região foi devidamente incorporada ao circuito econômico do café – através da expansão
da frente pioneira até a região de São José do Rio Preto, cujo primeiro arraial data de 1852. Já com vocação de polo irradiador da ocupação, no final do século XIX, pioneiros dessa região começam a instalar fazendas de café, retalhando o “sertão do rio Preto”. A única via de acesso era a estrada boiadeira, que ligava S. José do Rio Preto ao Porto do Taboado (no rio Paraná). As sucessivas crises da cafeicultura levaram a que as terras de grandes fazendas fossem loteadas, ampliando, no início do século XX, a ocupação da região, através da policultura. O forte contato interétnico marcou, ao longo de séculos, a formação do povo paulista e a ocupação do seu território. O avanço da sociedade brasileira (ela mesma, mestiça), destruiu a organização dos povos indígenas e trouxe, na sua esteira, primeiro o elemento africano, depois, um diversificado conjunto de grupos imigrantes (europeus e asiáticos) que vão enriquecer a história e a cultura do Estado de São Paulo.
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ARQUEOLOGIA DO NORTE DO
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Sítios Arqueológicos do Norte do Estado de São Paulo A área Norte do Estado de São Paulo é conhecida como território dos Kaiapó. Os vestígios das ocupações desses grupos indígenas têm sido associados à Tradição Arqueológica Aratu-Sapucaí. Muitas vezes é encontrada, junto à cerâmica dessa tradição, cerâmica da Tradição Tupi-guarani, mas em pequena quantidade, o que sugere contato entre Kaiapó e Tupi. Os sítios arqueológicos da Tradição Aratu-Sapucaí apresentam forma circular, constituída por anéis concêntricos de habitações e, no centro, uma praça. De acordo com Schmitz et. al. (1982), essa antiga forma de disposição de moradias pode ser observada ainda hoje entre grupos contemporâneos pertencentes ao tronco linguistico Jê, como é o caso dos Kaiapó.
Sistemas regionais de ocupação e tradições arqueológicas O conceito de tradição é corriqueiro na bibliografia arqueológica e está presente em grande parte dos trabalhos produzidos no âmbito dessa ciência. Segundo Moraes, tradição é uma palavra que deriva do latim tradere, possuindo o caráter de transmitir alguma informação para alguém guardar (MORAES, 2007, p. 16). “Essa transmissão ocorre em contextos sociais diversos, relacionados a um tempo, lugar e a códigos simbólicos, garantindo que o conceito de tradição seja dinâmico” (MORAES, 2007, p. 16). No Brasil, o uso desse conceito está fortemente associado ao Programa Nacional de Pesquisas Arquelógicas – PRONAPA, que “foi o responsável pela criação das tradições e fases da pré-história brasileira” (FERNANDES, 2001, p. 175), tendo sido coordenado por Meggers e Evans no período entre 1960 e 1970, o que marcou a “influência teórico-metodológica da escola histórico-cultural norte americana na arqueologia brasileira” (DIAS, 2003, p. 8). A presença da escola americana na arqueologia brasileira, por meio do PRONAPA se caracterizou por trabalhos prospectivos padronizados, concentrados ao longo de cursos de rios e voltados ao estabelecimento de cronologias relativas ou absolutas. As intervenções nos
sítios, geralmente, restringiram-se a coletas de superfície assistemática de amostras mínimas para elaboração de seriações, de acordo com as orientações do método Ford, acompanhadas de sondagens de pequena extensão, realizadas em níveis artificiais de 10 cm, sendo os resultados obtidos sistematizados através dos conceitos de fase e tradição, adaptados das propostas de Willey e Phillips (DIAS, 2003, p. 9).
Dessa forma, foi com o PRONAPA que surgiu o conceito de tradição arqueológica, presente em grande parte dos trabalhos de arqueologia até hoje. Entre as tradições que foram estudadas pelo PRONAPA, temos, como exemplo, Tupiguarani, Aratu, Uru, Itararé-Taquara, Umbu, Humaitá, entre outras. Essas tradições são “unidades arqueológicas artificiais, que não podem ser confundidas com culturas” (MORAIS, 1999/2000, p. 201). As tradições são elaboradas tendo como base, sobretudo, as características presentes na cultura material cerâmica ou lítica, segundo Fernandes (2001). Sendo assim, o PRONAPA, baseado na “escola norte america” buscou reconhecer o maior número de sítios arqueológicos em um curto período de tempo. Isso levou à utilização e prevalência do fóssil-guia, baseando-se nas características da cerâmica e do lítico para o reconhecimento das tradições e fases (MORAES, 2007).
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Os trabalhos do PRONAPA apresentam uma descrição do contexto físico em que o sítio está inserido; contudo, as estruturas dos sítios não foram analisadas, segundo Moraes (2007). Dessa forma, o PRONAPA ironicamente rejeitou os aspectos não materiais presentes nos assentamentos pré -históricos pesquisados e o empírico, extremamente revelador, ficou em segundo plano. Desta forma, praticamente todos os sítios pesquisados que apresentavam cerâmicas similares, eram classificados como sendo de uma mesma tradição arqueológica (FERNANDES, 2001, p. 199/200).
Considerando esse problema, presente no conceito de tradição utilizado pelo PRONAPA, e posto o fato de que as tradições são compostas “de um articificialismo classificatório de todo incompatível com uma disciplina que busca, dentre outros propósitos, levantar e analisar o cotidiano das comunidades do passado” (MORAIS, 1999/2000, p. 201), pode-se reconhecer que esse conceito é débil, embora continue sendo amplamente utilizado. O arqueólogo José Luiz de Morais propõe a utilização do conceito de sistema regional de po-
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voamento, que é definido por uma “coordenação entre sítios ou conjunto de sítios de certa região, demonstrando relações concomitantes por contemporaneidade, similaridade ou complementaridade” (MORAIS, 1999/2000, p. 202). Entretanto, cabe deixar claro que Morais (1999/2000) não defende o fim do uso das tradições, haja vista que os sistemas regionais de povoamento propostos têm como base operacional as tradições construídas ao longo da história da arqueologia brasileira. A utilização da definição de sistemas regionais busca um aperfeiçoamento da perspectiva da arqueologia regional, usando conceitos como padrão de assentamento e análise espacial (MORAIS, 1999/2000), garantindo uma associação entre dados etnográficos, históricos, cultura material e particularidades regionais. Sendo assim, busca-se aqui, ao descrever a arqueologia e etno-história da região norte do Estado de São Paulo, trabalhar com a definição e compreensão de sistemas regionais de povoamento. Quando se fizer necessário, no entanto, o conceito de tradição será utilizado.
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Sistemas regionais de povoamento indígenas do norte do Estado de São Paulo Segundo Morais (1999/2000), o Estado de São Paulo é composto por diferentes sistemas
regionais de povoamento. Os sistemas presentes no Estado de São Paulo são Aratu-Sapucaí, Guarani e Kaingang. Na área ao norte do Estado de São Paulo encontra-se localizado o Sistema Regional de Povoamento Aratu-Sapucaí (Figura 13).
Figura 13: Macrossistema de agricultores indígenas
Fonte: Morais, 1999/2000.
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Sistema regional de ocupação AratuSapucaí O sistema regional de ocupação Aratu-Sapucaí evidenciado no norte do Estado de São Paulo está associado à tradição arqueológica Aratu-Sapucaí, que é cosiderada característica do Brasil Central (MORAIS, 1999/2000). A tradição Aratu-Sapucaí é resultado da fusão das tradições Aratu e Sapucaí criadas pelo PRONAPA. A primeira foi identificada por Calderón, na Bahia, e recebeu esse nome em alusão à cidade industrial, na qual foram encontrados os sítios que serviram de base para a criação da tradição (CALDERÓN, 1967/1968; SCHMITZ et. al., 1982). A segunda foi estabelecida por Schmitz (1978) no Estado de Goiás (MORAIS, 1999/2000). A fusão entre as tradições Aratu e Sapucaí ocorreu por elas estarem ligadas ao mesmo horizonte agrícola e possuirem elementos gerais muito semelhantes (SCHMITZ et. al., 1982, p. 49). Sendo assim, “elas foram [oficialmente] reunidas em uma só em uma reunião ocorrida em Goiana, em 1980”, segundo Medeiros (2007, p. 37).
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Em levantamento bibliográfico, não verificou-se nenhum trabalho que possua como tema central o sistema regional de ocupação AratuSapucaí. O único trabalho consultado que usa o conceito de sistema regional de ocupação AratuSapucaí é a obra de Morais (1999-2000), mesmo que fazendo somente uma breve descrição. Levando em conta esse aspecto, usa-se como base para a compreensão do sistema regional de ocupação Aratu-Sapucaí os trabalhos que abordam a tradição em questão. Assim, tendo como referência os sítios associados a essa tradição, podemos dizer que o sistema regional Aratu-Sapucaí ocupa uma vasta área, uma vez que foram encontrados sítos arqueológicos associados a ele em diversos Estados do Brasil (CARVALHO, 2003). Os Estados que apresentam sítios associados à tradição Aratu-Sapucaí são Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Tocantins, Goiás, São Paulo e Paraná, segundo Schmitz e Rogge (2008), que elaboraram uma figura com a localização das ocorrências da Tradição Aratu-Sapucaí no Brasil (Figura 14).
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Figura 14: Localização das áreas de ocorrência da Tradição Aratu-Sapucaí.
Fonte: Schmitz e Rogge, 2008, p. 49.
O padrão de assentamento associado à Tradição Aratu-Sapucaí é caracterizado por aldeias em área a céu aberto, com um grande número de pessoas,1 em ocupações de longa duração (MEDEIROS, 2007, p. 37). 1
As aldeias associadas à Tradição Aratu-Sapucaí podem ter tido mais de mil moradores (SCHMITZ; ROGGE, 2008). ARQUEOLOGIA DO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO | Gabriel Loschiavo Cerdeira e Neide Barrocá Faccio
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Na Tradição Aratu-Sapucaí, as aldeias são extensas, chegando até mesmo a alcançar 500 metros, sendo organizadas em formato linear ou em anéis concêntricos, podendo variar de um até três, ao redor de uma praça central vazia (MORAIS, 1999-2000; CARVALHO, 2003; OLIVEIRA, 2005). Segundo as palavras de Carvalho, nas aldeias da Tradição Aratu-Sapucaí, “as cabanas eram alinhadas ou dispostas em círculo ao redor de uma praça central, lembrando os aldeamentos Macrogê do Brasil Central como os Kayapós e Xavantes” (CARVALHO, 2003, p. 108). Fernandes, a respeito das aldeias associadas à Tradição Aratu-Sapucaí, escreve que “as habitações apresentam proporções de 10 a 15 metros e estão sempre dispostas em linhas, com pequenas distâncias uma das outras ou com tendências circulares” (FERNANDES, 2001, p. 192). Verificando o padrão de assentamento, é possível notar um comportamento topográfico recorrente nos sítios arqueológicos que foram analisados nos trabalhos que compõem essas referências. Sendo assim, os sítios da Tradição Aratu-Sapucaí “estão instalados em regiões colinares, perto de rios [...] Ocupam as meias encostas das elevações suaves ou os baixos terraços, e estendem-se por amplas superfícies, com até 500 m de diâmetro” (MEDEIROS, 2007, p. 39).
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Morais, ao abordar sobre o sistema regional de ocupação Aratu-Sapucaí, também aponta para o uso preferêncial de colinas amplas para edificação de assentamentos por parte da população desses sistemas (MORAIS, 1999-2000; CARVALHO, 2003). O posicionamento do sítio em relação à fonte de recursos hidrícos também pode ser usado como um elemento para caracterizar a estratégia de ocupação do espaço de um grupo cultural. Dessa forma, verificar a localização dos sítios da Tradição Aratu-Sapucaí em relação aos rios e/ou córregos é importante quando estudamos o padrão de assentamento. A bibliografia consultada defende que os povos da Tradição Aratu-Sapucaí ocupavam preferencialmente locais próximos a pequenos córregos. O fato de esses “grupos não procurarem os grandes cursos d’água para seus locais de habitação sugere que eles se moviam preferencialmente por via terrestre” (HENRIQUES, 2006, p. 12). Dessa forma, os sítios da Tradição Aratu-Sapucaí encontram-se próximos a pequenos córregos, ficando, entretanto, distantes dos rios mais caudalosos e importantes das bacias hidrográficas da área que habitam (CARVALHO, 2003, p. 108). A vegetação, como os recursos hídricos, também é utilizada para caracterizar um estilo de padrão de assentamento característico de um determinado grupo cultural. Sendo assim, o
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sistema regional de povoamento Aratu-Sapucaí é associado aos “domínios de matas e cerrados” (MORAIS, 1999/2000, p. 209). Sobre a organização de assentamentos em relação à vegetação, nota-se que: as áreas em que predomina o Cerrado parecem ter sido aproveitadas para assentamento os maiores enclaves f lorestados, na verdade ricas áreas de tensão ecológica, que lhes proporcionariam o domínio simultâneo de um variado gradiente ambiental. Nas áreas de Floresta tropical semi-decídua do Sudeste e Sul, a proximidade de enclaves de Cerrado parece ter sido igualmente importante para estabelecer assentamentos
Ainda em relação ao uso de recursos naturais, Fernandes (2001) chama atenção para a coleta de “gastrópodes e bivalves, dentre eles o caramujo-do-mato ou caramujo-berrador (Megalobulimus complexo oblongus)” (FERNANDES, 2001, p. 183). A presença de vestígios desses animais foi localizada em grande quantidade no Sítio Água Limpa, associado à Tradição AratuSapucaí (idem). A grande incidência de vestígios associados a esses animais indica “que a sua carne, rica em cálcio, era muito apreciada” (idem). Fernandes também fez um levantamento sobre os animais que eram caçados pela população do Sítio Água Limpa, chegando à seguinte conclusão:
(SCHMITZ; ROGGE, 2008, p. 48-49). a caça está representada sobretudo pelos mamí-
Em relação a outros elementos que podem servir para caracterização de um padrão de assentamento da Tradição Aratu-Sapucaí, pode-se dizer que os
feros: anta (Tapirus terrestris), porco-do-mato ou queixada (Tayassu sp.), veado mateiro (Mazama sp.), tatus da família Dasypodidae, entre outros, que contém uma carne rica em proteínas, e os répteis: teiú (Tupinambis teguxim), jibóia (Boa
sítios atribuídos a essa tradição vêm sendo en-
constrictor) e sucuri (Eunectes murinus), animais
contrados [...] em áreas de clima quente a sub-
que podem ter sido utilizados não só como fonte
quente, com solos suficientes para agricultura,
alimentar, mas também para outros fins (FER-
cobertas por f lorestas, regadas por abundantes
NANDES, 2001, p. 183).
chuvas anuais, mesmo se estas são interrompidas por diversos meses secos (SCHMITZ; ROGGE, 2008, p. 48).
Os dados apresentados por Fernandes (2001) são importantes para se compreender a dieta da população associada à Tradição Aratu-Sapucaí,
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o que por consequência se ref lete na seleção de um local para a construção de assentamentos por parte dessa população. Contudo, esse ainda é um dado isolado, e deve-se levar em conta o fato de o Sítio Arqueológico Água Limpa apresentar vestígios que são associados a outras tradições arqueológicas. Além de estudar o padrão de assentamento e o uso de recursos naturais, para caracterizar melhor o sistema regional de ocupação Aratu-Sapucaí é necessário explorar aspectos da cultura material apresentada por esse povo. A Tradição Aratu-Sapucaí é associada a povos agricultores, sendo assim, no rol de objetos da cultura material2 dessa tradição temos objetos confeccionados em argila e em rocha (HENRIQUES, 2006, p. 12). A cerâmica Aratu-Sapucaí tem características próprias, e, por isso, não se confunde com a de populações agrícolas vizinhas, que são a Uru e a Tupiguarani, nem com a cerâmica da tradição Una e da tradição Itararé, de populações nas quais o cultivo é menos desenvolvido e a caça e a coleta são mais aparentes (SCHMITZ; ROGGE, 2008, p. 51). 2
“As urnas piriformes, com mais de 50 litros, são como que fósseis guia, ao lado dos machados semilunares, na
Segundo Henriques (2006), a coleção cerâmica da Tradição Aratu se caracterizaria por vasilhames piriformes e globulares de variados tamanhos, destacando-se grandes potes para armazenagem de líquidos e grãos, urnas funerárias, pequenas vasilhas geminadas, rodelas de fuso que atestam a fiação do algodão, cachimbos [...], além de pratos e tigelas (HENRIQUES, 2006, p. 12).
Oliveira (2005) argumenta que as formas da cerâmica associadas à Tradição Aratu-Sapucaí podem estar vinculadas à fonte de subsistência do povo dessa tradição, que acredita ter sido o cultivo do milho. Em relação aos tipos da cerâmica Aratu-Sapucaí foram evidenciados o corrugado, o corrugado-ungulado, o roletado e o inciso (FERNANDES, 2001). Na cerâmica dessa tradição, nota-se a presença de engobo de grafite (MEDEIROS, 2007). Nas palavras de Calderón (1967/1968), a cerâmica da Tradição Aratu apresenta “superfícies bem alisadas e carentes de decorações típicas. Entretanto, o engobo com grafite é bastante frequente” (CALDERÓN, 1967-1968, p. 166). Ainda sobre a decoração da cerâmica AratuSapucaí, Schmitz e Rogge (2008) escrevem que:
vinculação de sítios à tradição Aratu” (HENRIQUES, 2006, p. 48). 52
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As superfícies externas desse vasilhame são ali-
talhadores lascados e lascas com algum retoque
sadas, algumas vezes engobadas ou com pintu-
ou usadas diretamente (SCHMITZ; ROGGE,
ra vermelha, com uma incisão, um entalhe, um
2008, p. 51).
rolete não obliterado, uma fila ou faixa de corrugados junto à borda. Raramente aparecem pequenos apêndices mamilonares, em botão ou asa (SCHMITZ; ROGGE, 2008, p. 51).
Em relação à confecção da cerâmica da tradição Aratu-Sapucaí, temos o emprego da técnica do roletado e “na preparação da pasta, além da argila, de acordo com a região, eram usados elementos minerais (areia quartzosa, hematita, grafite, mica) e vegetais (algum tipo de cariapé)” (SCHMITZ; ROGGE, 2008, p. 51). Além da descrição da cerâmica para melhor compreensão da Tradição Aratu-Sapucaí e por consequência o Sistema Regional de Ocupação Aratu-Sapucaí, é necessário conhecer a sua indústria lítica, que apresenta “inúmeros artefatos como machados, quebra-cocos, batedores, bigornas. Nas lascas, destacam-se os raspadores” (CARVALHO, 2003, p. 50). Sobre o material lítico da Tradição Aratu-Sapucaí, Schmitz e Rogge escrevem: O material lítico se compõe de seixos percutores, quebra-cocos, polidores, raspadores laterais, lâminas polidas de machado com garganta ou semi-lunares, mãos-de-pilão picoteadas e martelos,
Segundo Nery (2010), as lâminas de machado, que são produzidas por meio do polimento de rochas basálticas, podem ser consideradas ferramentas muito importantes para os povos agricultores da Tradição Aratu-Sapucaí (NERY, 2010). A presença predominante de mãos-de-pilão e machados nos sítios da Tradição Aratu-Sapucaí serve para reforçar a teoria de que essa população possuía uma economia de subsistência, baseada no cultivo do milho e também da batata-doce. Sendo assim, o preparo da área de roçado exigia o emprego desses instrumentos (HENRIQUES, 2006, p. 12). A Tradição Aratu-Sapucaí foi constituida sem ser diretamente associada a uma família linguística (CALDERÓN, 1967-1968). Dessa forma, ela difere da Tradição Tupi-guarani que é associada à família dos tupi-guarani. Contudo, alguns autores têm se esforçado na busca por associar essa tradição com algum grupo etnográfico (CARVALHO, 2003; OLIVEIRA, 2005; AFONSO; MORAES, 2007; SCHMITZ; ROGGE, 2008; NERY, 2010). Essa associação é importante, pois permite buscar mais elementos para a compreensão do Sistema Regional de Assentamento Aratu-Sapucaí.
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Dessa forma, a Tradição Aratu-Sapucaí tem sido associada aos povos falantes do dialeto Kayapó, que pertence à família Jê do tronco linguístico Macro-jê (CARVALHO, 2003; OLIVEIRA, 2005; AFONSO; MORAES, 2006; SCHMITZ; ROGGE, 2008; NERY, 2010). Essa associação é aportada na morfologia do assentamento da Tradição Aratu-Sapucaí. Além disso, ao verificar as áreas em que foram identificados os sítios, vemos que elas em sua maioria correspondem a zonas que foram ocupadas no período histórico pelos Kayapó (CARVALHO, 2003; OLIVEIRA, 2005; AFONSO; MORAES, 2006; SCHMITZ; ROGGE, 2008; NERY, 2010). A existência dessa associação permite que se desenvolvam trabalhos com base em etnografias feitas sobre os Kayapó (POSEY, 1987), resultando em pesquisas que buscam a inserção do material arqueológico em seu contexto cultural (NERY, 2010). Contudo, essa questão deve ser analisada com muito cuidado, tendo em vista a existência da diferença entre os termos Kayapó e Cayapó. O termo Kayapó, com K, faz referência a índios que estão localizados na região norte de Goiás e sul do Pará. Já o termo Cayapó, com C, está associado a índios que ocupavam o sul de Goiás, o sudeste do Mato Grosso, o nordeste do atual Mato Grosso do Sul, o noroeste de São Paulo
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e uma parte do Estado de Minas Gerais (VASCONCELOS, 2009). A relação entre o sistema regional de ocupação Aratu-Sapucaí com os grupos Kayapó e Cayapó vem sendo estudada por vários pesquisadores, e cabe ressaltar que esse assunto não é de fácil resolução, tendo em vista que a discussão é difícil até mesmo para estudiosos das áreas de etnologia e de linguística. Dessa forma, podemos abrir questões sobre essas discussões, porém não nos cabe propor respostas.
Arqueologia da região norte do Estado de São Paulo Considerando a descrição geral sobre os sistemas regionais de ocupação que estão associados à região norte do Estado de São Paulo, podemos fazer aqui uma breve descrição sobre os trabalhos de arquelogia realizados nessa área. A história da região norte do Estado de São Paulo ainda tem muito a revelar, tendo em vista o reduzido número de trabalhos realizados. Além disso, existe o fato de essa região estar localizada em uma faixa de transição entre diferentes sistemas de ocupação, o que amplia sua importância para a arqueologia (FERNANDES, 2001).
Os primeiros que chegaram – Introdução à arqueologia do estado de São Paulo
Segundo Fernandes: No norte do Estado de São Paulo [...] existem apenas três sítios, que são normalmente identificados como sendo da Tradição Aratu-Sapucaí ou simplesmente localizados em área de sua influência. São eles: Água Limpa, Maranata – localizado no município de Olímpia, onde foi identificado um sítio de grandes proporções, com muitos vestígios cerâmicos e ossos humanos – e o Água Vermelha – localizado junto ao reservatório do mesmo nome, onde também foi reconhecido um grande sítio a céu aberto, com a presença de cerâmicas em formas duplas e cônica e fusos perfurados (FERNANDES, 2001, p. 201-202).
Contudo, num levantamento bibliográfico sobre os estudos arquelógicos na região norte do Estado de São Paulo, observa-se que, depois dos estudos produzidos por Fernandes (2001), outros sítios associados ao sistema regional de povoamento Aratu-Sapucaí foram evidenciados na região. Como resultado desse levantamento bibliográfico, consegue-se identificar 26 sítios arqueológicos que são associados ao sistema regional de povoamento Aratu-Sapucaí, os quais foram evidenciados nas regiões norte, nordeste e noroeste do Estado de São Paulo.
Entre esses sítios, destacam-se os Sítios Arqueológicos Anhumas I, Anhumas II e Água Limpa, estudados dentro do Projeto Turvo, coordenado pela Prof.a Dra. Márcia Angelina Alves, com apoio do MAE/USP (BELÓ, 2007). Segundo Beló, o projeto Turvo existe desde 1993 e tem como objetivos detectar, registrar, mapear e pequisar sítios arqueológicos situados no Município de Monte Alto, para auxiliar na compreensão da história indígena do Vale do Rio Turvo (BELÓ, 2007). Graças à existência desse projeto, tem-se atualmente um estudo aprofundado sobre o sítio arqueológico Água Limpa. Dentre as obras que visam estudar esse sítio citam-se: Fernandes, 2001; Fernandes, 2003; 2005; Beló, 2007. Outro sítio arqueológico que foi objeto de estudo aprofundado é o Água Branca, analisado por Afonso e Moraes, 2005-2006/2007. Ali, foram evidenciados vestígios associados a diferentes tradições arqueológicas, mas ele tem sido considerado parte do sistema regional de povoamento Aratu-Sapucaí (AFONSO; MORAES, 2005-2006; AFONSO; MORAES, 2007). No Sítio Arquelógico Água Branca, houve a identificação de um assentamento anelar, elemento que é considerado característico do sistema regional de povoamento Aratu-Sapucaí (AFONSO; MORAES, 2005-2006; AFONSO; MORAES, 2007).
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Além desse estudo, deve-se considerar o fato de que já se passaram uma década desde os estudos feitos por Fernandes (2001). Sendo assim, pode-se dizer que houve mudanças no que se conhece da arqueologia dessa região. A ampliação do número de trabalhos de arqueologia de contrato tem aumentado o número de sítios identificados associados à Tradição Aratu-Sapucaí. Em relação à atuação do Laboratório de Arqueologia Guarani (LAG) na região norte do Estado de São Paulo, pode-se dizer que sua atuação tem sido marcante, haja vista que o LAG passou a atuar na região a partir de 2009, desenvolvendo trabalhos acadêmicos. O trabalho do LAG já garantiu a identificação de 25 sítios arqueológicos associados ao Sistema Regional de Povoamento Aratu-Sapucaí, além de um sítio arqueológico histórico (FACCIO, 2010). Somente no ano de 2010, foram identificados seis sítios na área da bacia dos rios Turvo/Grande, pela equipe do LAG, coordenada por Neide Barrocá Faccio (2010). Os Sítios Turvo I, Turvo II, Turvo III, Turvo IV, Turvo V-A e Turvo V-B foi objeto de estudo, em nível de iniciação científica (NERY, 2010). Entre os trabalhos desenvolvidos pelo LAG sobre esses sítios, também temos Nery (2010);
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Cerdeira e Faccio (2011); Favarelli, Nery e Faccio (2010); Rodrigues e Faccio (2010); Silva e Faccio (2010) e Faccio (2010). Portanto, a descoberta desses sítios tem garatindo o desenvolvimento de uma série de trabalhos acadêmicos, tornando maior o número de dados sobre a região. Além dos sítios escavados na região da bacia hidrográfica do Turvo/Grande, o LAG fez mais descobertas que contribuem para o conhecimento da arqueologia no norte do Estado de São Paulo, tendo em vista que, no ano de 2011, foram prospectados e escavados mais quatro sítios, que também foram associados, até o momento, à Tradição Aratu-Sapucaí. Contudo, os estudos na área desses quatro sítios ainda estão em andamento. Esses novos sítios arqueológicos estão localizados em duas bacias hidrográficas diferentes. Na bacia hidrográfica do Baixo Pardo/Grande, foram evidenciados os Sítios Arquológicos Balsamira, Rosário G2 e Bela Vista do Jacaré; na bacia hidrográfica do Sapucaí-Mirim/Grande, foi evidenciado o Sítio Arqueológico Cervo. Além desses, outros 16 sítios foram descobertos pela equipe do LAG, totalizando 26. Sua localização pode ser visualizada na Figura 15.
Os primeiros que chegaram – Introdução à arqueologia do estado de São Paulo
Figura 15: Sítios arqueológicos levantados pelo LAG no norte do Estado de São Paulo.
Fonte: Faccio, 2010.
Dessa forma, pode-se considerar que a região norte do Estado de São Paulo ainda carece de estudos; contudo, ao se observar os últimos anos, pode-se verificar o aumento de pesquisas e a identificação de novos sítios arqueológicos nessa região. Ressalta-se que o aprofundamento do estudo da região é importante, tendo em vista
que tem sido considerada uma região de fronteira entre diferentes sistemas regionais de povoamento, como defende Morais (1999-2000). Ainda sobre a variedade de vestígios presentes nos sítios arqueológicos localizados na região norte do Estado de São Paulo, Afonso e Moraes relataram que: “os sítios ceramistas re-
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f letem contexto extra-regionais com inf luências do norte (tupinambá), do sul e do oeste (Guarani) e do noroeste (Aratu-Sapucaí-Uru) de uma forma bastante complexa e que necessita ser melhor estudada” (AFONSO; MORAES, 20052006, p. 69). Com base no apresentado, pode-se dizer que a região norte do Estado de São Paulo deve ser mais estudada, pois há uma forte presença do
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sistema regional de povoamento Aratu-Sapucaí. Contudo, deve-se lembrar que, na mesma região, foram encontrados vestígios associados a outras tradições, permitindo-se considerar o norte do Estado uma área de fronteira, rica em diversidade cultural durante o período pré-colonial (MORAIS, 1999-2000; AFONSO; MORAES, 20052006; AFONSO; MORAES, 2007).
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Os primeiros que chegaram – Introdução à arqueologia do estado de São Paulo
Sobre o livro
Formato 21 x 21 cm
Tipologia Scala (texto) Scala Sans (títulos) Papel Couché 115g/m2 (miolo) Supremo 250g/m2 (capa) Projeto Gráfico Canal 6 Editora www.canal6.com.br
Revisão Júlia de Lucca
Capa e Diagramação Karina Tenório
Neide Barrocá Faccio Organização
OS PRIMEIROS
QUE CHEGARAM
INTRODUÇÃO À ARQUEOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apoio
UNIEVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - FCT
FCT- Unesp
Presidente Prudente - SP