ERIN VOGEL SAAVEDRA
CORPO GORDO E CORPO MAGRO: SENTIDOS E SIGNIFICADOS PARA MULHERES COM ANOREXIA E BULIMIA
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Orientador: Prof. MSc. Alexandre Cavalcanti Galvão
Brasília 2013
Trabalho de conclusão de curso de autoria de Erin Vogel Saavedra, intitulada “CORPO GORDO E CORPO MAGRO: SENTIDOS E SIGNIFICADOS PARA MULHERES COM ANOREXIA E BULIMIA”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em _______________, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
______________________________________________ Prof. MSc. Alexandre Cavalcanti Galvão Orientador Psicologia - UCB
________________________________________________ Profa. MSc. Luciana da Silva Santos Psicologia – UCB
Brasília 2013
AGRADECIMENTO
Agradeço a todos que estiveram ao meu lado durante esse trajeto de 5 anos, em especial minha família e Bruno, que me ajudou tanto nessa etapa. Agradeço também a Luciana que aceitou prontamente ser parte da banca e cedeu seu tempo para isso. Por último, agradeço ao Alexandre por ter me orientado nesse trabalho.
RESUMO
Referência: SAAVEDRA, Erin Vogel. Corpo gordo e corpo magro: sentidos e significados para mulheres com anorexia e bulimia. 2013. 41 p. Trabalho de conclusão de curso (Psicologia) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2013.
A bulimia e a anorexia são os principais transtornos alimentares estudados pela literatura dado sua maior ocorrência clínica. A bulimia é definida por seus episódios bulímicos, sendo descrita como um descontrole na quantidade de alimento ingerido em curtos intervalos de tempo, caracterizando uma atitude compulsiva ao comer (ESPINDOLA ; BLAY, 2006). Já a anorexia nervosa é descrita por Weinberg, Cordas e Albornoz Munoz (2005, p. 51) como “uma grave restrição da ingestão alimentar, busca incessante pela magreza, distorção da imagem corporal e amenorreia”. Dado que esses transtornos possuem sentidos e significados diversos para cada um, propôs-se identificar os sentidos e os significados que o corpo magro e o corpo gordo têm para mulheres com transtornos alimentares, mais especificamente bulimia e anorexia, por meio de uma revisão bibliográfica e um ensaio bibliográfico, utilizando-se da Gestalt-terapia como referencial psicoterapêutico. Por fim, é possível afirmar que os significados e sentidos atribuídos ao corpo gordo e magro, dicotomia presente nesses transtornos, estão ligados a várias forças culturais, porém há também aspectos únicos de cada um que interferem no processo.
Palavras-chave: Anorexia. Bulimia. Corpo. Gestalt-terapia. Transtornos alimentares.
ABSTRACT
Bulimia and anorexia are the main eating disorders studied in the literature duo their increased clinical occurrence. Bulimia is defined by its bulimic episodes, being described as lack of control in quantity of indigest food in short periods of time, featuring a compulsive attitude when eating (ESPINDOLA ; BLAY , 2006) . However, anorexia nervosa is described by Weinberg, Strings and Albornoz Munoz (2005 , p . 51 ) as " a severe restriction of dietary intake , incessant search for slimness , distortion of body image , and amenorrhea ." Since these disorders have different meanings and senses for each one, it was proposed to identify the senses and meanings that slim body and fat body has for women with eating disorders, more specifically anorexia and bulimia, by means of a literature review and bibliographical essay, using Gestalt therapy as a reference psychotherapy . A last, it can be asserted that the senses and meanings attributed to fat and slim body, dichotomy present in these disorders, are linked to various cultural forces , but there are also unique aspects of each one that interfere with the process .
Keywords : Anorexia . Bulimia. Body. Gestalt therapy. Eating disorders .
SUMÁRIO
Introdução-----------------------------------------------------------------------------------7
Anorexia e bulimia – o estado da arte-------------------------------------------------9
Corpo gordo e corpo magro-------------------------------------------------------------21
Considerações finais----------------------------------------------------------------------36
Referências---------------------------------------------------------------------------------39
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INTRODUÇÃO A anorexia e bulimia são uns dos transtornos alimentares (TA) mais discutidos pela literatura e de grande ocorrência clinica. Este é um tema vasto e de grande importância. Nesses transtornos, o corpo passa a ter destaque e por isso o objetivo desse estudo pautou-se na compreensão desse corpo. Mais especificamente, o presente estudo tem como objetivo identificar os sentidos e os significados que o corpo magro e o corpo gordo têm para mulheres com transtornos alimentares, com ênfase na bulimia e anorexia, respondendo a pergunta: Quais os sentidos e significados do corpo magro e corpo gordo para pessoas com anorexia e bulimia? O meio utilizado para pesquisa foi a base Scielo Brasil. Os artigos encontrados foram classificados em categorias e foi feito uma revisão da bibliografia. Revisão bibliográfica para Santos (2005, p. 35) “é uma compilação crítica e retrospectiva de várias obras sobre determinado assunto”. Junto a essa revisão foi elaborado um ensaio, que para Medeiros (2012, p.206) “é uma exposição metódica dos estudos realizados e das conclusões originais a que se chegou após apurado exame de um assunto”. Os artigos escolhidos para a revisão são de diversas áreas de conhecimento, como psicologia, enfermagem, educação física, sociologia e antropologia. Esse fato corrobora com a ideia de buscar um olhar multidisciplinar, onde se busca compreender a anorexia e bulimia e a relação com o corpo de uma forma mais ampla e completa. O referencial psicoterapêutico utilizado para discutir os fenômenos – corpo gordo e magro – foi a Gestalt-Terapia. A Gestalt-terapia é uma abordagem que compreende o ser humano por meio da filosofia existencial, fenomenológica. Por meio dessa abordagem, se tenta compreender o como as coisas são e que coisas são essas, ao invés de compreender os porquês, as causas. O foco é no aqui e agora e na forma como o individuo experiência a situação em si (SOUZA, 2008). Além dos artigos classificados, julgou-se necessário utilizar outros artigos e livros para aprofundar determinado aspecto da discussão que foram surgindo no decorrer da análise bibliográfica. Finalizando, essa revisão ajuda na compreensão da anorexia e bulimia ao ampliar o entendimento acerca das vivências de cada um, tendo como foco o corpo gordo e corpo magro, dicotomia presente nessas patologias. O próprio indivíduo que se encontra nesse contexto e as pessoas que servem como fonte de apoio, podem se beneficiar se entenderem o transtorno de forma mais ampla. Ao utilizar o corpo como foco, não restringindo o indivíduo
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somente aos sintomas, aproxima-se de uma visão mais expandida do ser humano. Logo, esse estudo pode contribuir com futuros estudos mais aprofundados e nas intervenções com pessoas com anorexia e bulimia, ao vê-las como um todo e não como o sintoma. Acrescento que esse estudo apontou características semelhantes que estão presentes no cotidiano de mulheres na cultura ocidental. Essa cultura prega ideais de beleza e influencia nas escolhas alimentares e de comportamento de diversas mulheres. Nesse contexto, pode-se incluir a autora desse texto como uma mulher que sente a influência desses ideais e padrões e que por tal motivo busca compreender esse fenômeno.
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ANOREXIA E BULIMIA – O ESTADO DA ARTE Os transtornos alimentares (TA) são definidos como “alterações de comportamento alimentar e com etiopatogenia multifatorial” (THURM et al., 2013, p. 332), ou seja, os transtornos alimentares estão ligados a vários fatores. O poder, o controle, o medo de engordar e de morrer, a culpa por comer, o descontrole, a preocupação excessiva e a vontade de sempre atender às expectativas dos outros são aspectos presentes nos transtornos alimentares e que podem estar associadas a uma história pessoal (vivências traumáticas) e ao contexto sociocultural (ESPINDOLA ; BLAY, 2006). Espindola e Blay (2006, p. 265), por sua vez, definem transtornos alimentares como um conjunto de doenças de ordem psiquiátrica que alteram o padrão de comportamento alimentar e que “afetam principalmente mulheres adultas, jovens e adolescentes, com elevada morbidade e mortalidade”. Nunes e Vasconcelos (2010), também corroboram com essa definição. Cabe ainda elucidar que a bulimia e a anorexia são os principais transtornos estudados pela literatura dado sua maior ocorrência clínica. A bulimia é definida por seus episódios bulímicos, sendo descrita como um descontrole na quantidade de alimento ingerido em curtos intervalos de tempo, caracterizando uma atitude compulsiva ao comer (ESPINDOLA ; BLAY, 2006). Esses episódios são seguidos de métodos compensatórios inadequados para a perda de peso, como os vômitos induzidos e uso de laxantes. Há também distorção da imagem corporal mas de menor intensidade que na anorexia (NUNES, 2010). Já a anorexia nervosa é descrita por Weinberg, Cordas e Albornoz Munoz (2005, p. 51) como “uma grave restrição da ingestão alimentar, busca incessante pela magreza, distorção da imagem corporal e amenorreia”. Tanto a anorexia e bulimia possuem uma relação de negação do alimento. Porém, é importante salientar que pessoas com bulimia não negam que sentem fome, mas sim o alimento, enquanto pessoas com anorexia negam tanto a fome quanto o alimento (NUNES, 2010). Para identificar o estado da arte acerca dos transtornos alimentares, pesquisou-se no banco de dados Scielo Brasil a partir do dia 14 de março de 2013 até o dia 11 de abril de 2013. Primeiramente, foram buscados os indexadores transtorno alimentar, anorexia e bulimia, separadamente, e depois juntos, mesclando também esses indexadores com fenomenologia.
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Foram encontrados 8 artigos pelo indexador transtorno alimentar, 101 artigos pelo indexador bulimia, 290 artigos pelo indexador anorexia, 2 artigos quando o indexador transtorno alimentar foi pesquisado junto com o indexador anorexia, 3 artigos quando o indexador transtorno alimentar foi pesquisado junto com o indexador bulimia e 1 artigo englobando os três indexadores: transtorno alimentar, anorexia e bulimia. Também, foram localizados 70 artigos quando o indexador anorexia foi pesquisado junto com bulimia, 1 artigo quando o indexador transtorno alimentar
foi pesquisado junto ao indexador
fenomenologia, 1 artigo quando o indexador anorexia foi pesquisado junto ao indexador fenomenologia. Não foi encontrado nenhum artigo quando o indexador bulimia foi pesquisado junto ao indexador fenomenologia, assim como nenhum artigo quando os indexadores transtorno alimentar, anorexia e fenomenologia foram pesquisados juntos. Na figura 1 temos a distribuição dos artigos selecionados pela data de publicação.
Figura 1. Quantidade de artigos publicados no Scielo Brasil distribuídos por ano. Esses artigos foram catalogados na tabela 1 e classificados em categorias. Cada artigo foi contado individualmente, frisando-se todos os indexadores em que ele apareceu. Além disso, foram acrescentados 2 artigos à tabela de dados referentes ao indexador bulimia, pois ao ser pesquisado junto com o indexador anorexia, obteve-se 2 artigos a mais, que se encaixariam na busca de bulimia mas que não foram achados na pesquisa, totalizando 103 artigos. O critério utilizado para essa inclusão foi o uso da palavra “bulimia” nas palavraschaves desses artigos. O mesmo procedimento foi feito com os 2 artigos acrescentados à tabela referentes ao indexador anorexia, totalizando 292 artigos. Essa diferença foi observada
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ao notar que na tabela de dados havia 66 artigos e na base do Scielo Brasil havia 70 artigos. Esses 4 artigos foram acrescentados à tabela de dados, corrigindo-se a ausência. Os artigos, totalizados em 333, foram classificados em 9 categorias: 1)Comorbidades ou comportamentos associados; 2)Tratamento/Entendimento/Conceituação; 3)Vivências em TA e/ou Imagem corporal; 4)Epidemiologia; 5)TA como efeito adverso ou sintoma; 6)Grupos com TA; 7)Diagnóstico e classificação; 8)Revisão e 9)Outros. No geral, cada artigo foi encaixado na categoria que mais se enquadrava, apesar de alguns artigos terem assuntos que poderiam ter sidos encaixados em outras categorias ou subcategorias. Apenas um artigo não teve um tema central que pudesse ser encaixado em uma subcategoria só, o artigo Transtornos alimentares e os espectros do humor e obsessivocompulsivo, sendo encaixado em uma só categoria, Comorbidades ou comportamentos associados, mas em duas subcategorias diferentes (em TDAH e em Transtorno obsessivo compulsivo). Esse artigo e suas subcategorias foi representado na tabela por meio de asteriscos. A primeira categoria apesar de se assemelhar a quinta categoria, possui suas diferenças. A categoria Comorbidades ou comportamentos associados engloba artigos que mostram doenças ou comportamentos que são associados a transtornos alimentares, enquanto a categoria TA como efeito adverso ou sintoma indica situações em que o transtorno alimentar aparece como um sintoma de outra doença ou remédio, por exemplo, ou como efeito adverso. As duas categorias foram divididas em subcategorias geralmente ligadas a doenças. A segunda categoria aborda artigos que falam sobre o tratamento através de abordagens, remédios, alimentação ou um método especifico de um local de trabalho ou sobre como determinada abordagem entende os transtornos alimentares. Importante elucidar que a subcategoria Psicoterapia foi criada, pois trata de um artigo que aborda os efeitos da psicoterapia no geral, sem foco em um tipo específico como psicoterapia de grupo ou focada em uma abordagem. A terceira categoria inclui artigos relacionados à imagem corporal e às vivências de profissionais que tratam pessoas com transtornos alimentares ou de indivíduos que estão com algum transtorno alimentar. As vivências geralmente têm como tema principal o corpo e a imagem corporal, por esse motivo foram colocadas juntas nessa categoria. As subcategorias abordam grupos de pessoas, métodos, revisões ou aspectos mais culturais, como a subcategoria ícones e padrões. Há uma subcategoria que aborda especialmente a vivência do corpo, denominada o corpo sentido.
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Tabela 1: classificação categórica dos artigos por ano Ano 1948 1986 1993 1995 1996 1997 1998
1999
Categorias 6 - Grupos com TA 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 6 - Grupos com TA 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 6 - Grupos com TA 2 - Tratamento/Entendimento/Conceituação
5 - TA como efeito adverso ou sintoma
6 - Grupos com TA 2 - Tratamento/Entendimento/Conceituação
2000
5 - TA como efeito adverso ou sintoma
6 - Grupos com TA 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 2001 6 - Grupos com TA 9 - Outros 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados
2 - Tratamento/Entendimento/Conceituação 2002 4 - Epidemiologia 6 - Grupos com TA 7 - Diagnóstico e classificação 8 - Revisão 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados 2 - Tratamento/Entendimento/Conceituação 3 - Vivencias em TA e/ou Imagem corporal 2003
5 - TA como efeito adverso ou sintoma 6 - Grupos com TA 9 - Outros
Subcategorias 6.10 - Operários 1.19 - Doenças Pulmonares 5.26 - Poliarterite nodosa 1.24 - Tumor hipotalâmico 5.04 - Arenavirus 5.10 - HIV 5.10 - HIV 1.16 - Distúrbios neuroendócrinos 5.16 - Mixoma do átrio esquerdo 6.08 - Animais 5.17 - Esquitossomose mansônica 6.08 - Animais 2.05 - Terapia cognitivo comportamental 5.05 - Angiostrongilíase abdominal 5.09 - Dengue 5.13 - Leishmaniose 5.17 - Esquitossomose mansônica 5.23 - Walker 256 tumor 5.27 - Topiramato 6.08 - Animais 2.11 - Medicina baseada em evidências 5.11 - Doenças hepáticas e/ou imunização 5.22 - Megadoses de vitamina A associada à vacinação 5.27 - Topiramato 5.30 - Tumores jejuno-ileais 5.35 - Câncer 6.08 - Animais 1.11 - Saúde bucal 1.16 - Distúrbios neuroendócrinos 5.06 - Torção da vesícula biliar 5.11 - Doenças hepáticas e/ou imunização 5.29 - Gastrectomia 6.01 - Universitárias 6.04 - Atletas 6.08 - Animais 9.3 - Carta ao editor 1.01 - Diabetes 1.09 - TDAH * 1.10 - Complicações clínicas 1.27 - Transtorno obsessivo-compulsivo * 2.01 - Farmacológico 2.07 - Nutricional 2.09 - Hospitalar 2.10 - Abordagem psicodinâmica 4 - Epidemiologia 6.05 - Homens 6.07 - Gestantes 6.08 - Animais 7.1 - Critérios 7.2 - Métodos de avaliação 8.3 - Histórica e/ou da literatura 1.16 - Distúrbios neuroendócrinos 1.19 - Doenças pulmonares 2.01 - Farmacológico 2.02 - Hospital Dia 3.01 - Atletas 5.11 - Doenças hepáticas e/ou imunização 5.34 - Doenças pulmonares 6.03 - Adolescentes 6.06 - Escolares e/ou crianças 6.08 - Animais 9.1 - Editorial sobre o autor
Frequência 1 1 1 1 1 1 1 1 1 7 1 2 1 1 1 1 1 1 1 3 1 1 1 1 1 1 5 2 1 1 1 1 1 2 5 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 2 1 2 1 2 1 1 1 1 1 1 1 3 2
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Ano
Categorias 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados
2 - Tratamento/Entendimento/Conceituação 2004
5 - TA como efeito adverso ou sintoma
6 - Grupos com TA 7 - Diagnóstico e classificação 8 - Revisão
1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados
2005
3 - Vivencias em TA e/ou Imagem corporal 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 6 - Grupos com TA 7 - Diagnóstico e classificação 9 - Outros 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados 2 - Tratamento/Entendimento/Conceituação 3 - Vivencias em TA e/ou Imagem corporal
2006 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 6 - Grupos com TA 9 - Outros 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados 2007
3 - Vivencias em TA e/ou Imagem corporal 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 6 - Grupos com TA 9 - Outros 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados
2 - Tratamento/Entendimento/Conceituação
3 - Vivencias em TA e/ou Imagem corporal 2008 5 - TA como efeito adverso ou sintoma
6 - Grupos com TA 7 - Diagnóstico e classificação 8 - Revisão 9 - Outros
Subcategorias Frequência 1.06 - Transtorno de Personalidade 1 1.09 - TDAH 2 1.16 - Distúrbios neuroendócrinos 1 1.21 - Massa óssea 1 2.01 - Farmacológico 1 2.05 - Terapia cognitivo comportamental 1 2.06 - Terapia familiar 1 2.07 - Nutricional 2 2.08 - PROTAD 1 2.14 - Psicanalítico 1 5.01 - Cirurgia bariátrica 1 5.24 - Tuberculose 1 5.25 - Doença de Carrion 1 6.04 - Atletas 1 6.06 - Escolares 1 6.08 - Animais 11 7.1 - Critérios 2 8.3 - Histórica e/ou da literatura 1 1.01 - Diabetes 1 1.15 - Depressão 1 1.16 - Distúrbios neuroendócrinos 1 1.17 - TCP 1 1.19 - Doenças pulmonares 1 3.03 - Ícones e Padrões culturais 1 5.03 - Daunorrubicina lipossomal e duxametasono 1 5.08 - Deficiência de zinco 1 5.20 - Hipercalcemia e/ou lesão renal 1 6.08 - Animais 6 7.2 - Métodos de avaliação 4 9.1 - Editorial sobre o autor 1 1.16 - Distúrbios neuroendócrinos 2 2.14 - Psicanalítico 1 2.15 - Genética 1 3.07 - Revisão 1 3.09 - Enfermeiros 1 3.10 - O corpo sentido 1 5.07 - Doença aguda das montanhas 1 5.10 - HIV 1 5.21 - Varicela-zóster 1 6.08 - Animais 7 9.3 - Carta ao editor 1 1.01 - Diabetes 1 1.25 - Sindrome de pseudo-Cushing ou de Cushing associado3 ou não a Glicocorticóides 3.03 - Ícones e Padrões culturais 1 5.24 - Tuberculose 1 6.08 - Animais 11 9.2 - Sigilo em situações clínicas 1 1.05 - Disturbios da voz e/ou da laringe. 1 1.09 - TDAH 1 1.16 - Distúrbios neuroendócrinos 1 2.03 - Psicoterapia em grupo 1 2.14 - Psicanalítico 1 2.17 - Questões éticas 1 3.03 - Ícones e Padrões culturais 1 3.05 - Adolescentes 1 3.08 - Universitários 1 5.13 - Leishmaniose 1 5.15 - Macroglobulinemia de Waldenström 1 5.32 - Perfuração intestinal 1 5.33 - Insuficiência renal crônica 1 6.01 - Universitárias 1 6.08 - Animais 6 7.1 - Critérios 1 8.3 - Histórica e/ou da literatura 1 9.3 - Carta ao editor 1
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Ano
2009
2010
2011
2012
Categorias
Subcategorias 1.02 - Tentativa de suicídio 1.03 - Exercício físico excessivo 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados 1.05 - Disturbios da voz e/ou da laringe. 1.16 - Distúrbios neuroendócrinos 1.23 - Fobia alimentar 2.06 - Terapia familiar 2 - Tratamento/Entendimento/Conceituação 2.12 - Terapia comportamental dialética 2.14 - Psicanalítico 3.01 - Atletas 3 - Vivencias em TA e/ou Imagem corporal 3.04 - Familiares 3.10 - O corpo sentido 5.12 - Orthopoxvirus 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 5.18 - Naltrexona 5.28 - Tumores carcinóides do cólon 6.01 - Universitárias 6.04 - Atletas 6 - Grupos com TA 6.07 - Gestantes 6.08 - Animais 7 - Diagnóstico e classificação 7.2 - Métodos de avaliação 1.02 - Tentativa de suicídio 1.05 - Disturbios da voz e/ou da laringe. 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados 1.07 - Deglutição 1.26 - Doenças intestinais 2.03 - Psicoterapia em grupo 2.04 - Multiprofissional 2 - Tratamento/Entendimento/Conceituação 2.06 - Terapia familiar 2.07 - Nutricional 2.14 - Psicanalítico 3.01 - Atletas 3.02 - Métodos de avaliação 3 - Vivencias em TA e/ou Imagem corporal 3.03 - Ícones e Padrões culturais 3.05 - Adolescentes 3.06 - Mulheres obesas 5.11 - Doenças hepáticas e/ou imunização 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 5.14 - Resposta imune a nematódeos 6.03 - Adolescentes 6 - Grupos com TA 6.08 - Animais 8.1 - Qualidade de vida 8 - Revisão 8.3 - Histórica e/ou da literatura 1.04 - Ortorexia nervosa 1.05 -Disturbios da voz e/ou da laringe. 1.06 - Transtorno de Personalidade 1.12 - Comportamentos de risco 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados 1.13 - Alexitimia 1.14 - Polimorfismo funcional 1.18 - Retardo mental 1.22 - Emetofobia 2.06 - Terapia familiar 2 - Tratamento/Entendimento/Conceituação 2.14 - Psicanalítico 2.16 - Enfermagem 3.02 - Métodos de avaliação 3 - Vivencias em TA e/ou Imagem corporal 3.03 - Ícones e Padrões culturais 5.02 - Portadores de prótese valvular mecânica 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 5.19 - Mercúrio 5.20 - Hipercalcemia e/ou lesão renal 6.01 - Universitárias 6.02 - Mulheres abusadas sexualmente 6 - Grupos com TA 6.08 - Animais 6.09 - Idosos 7.1-Critérios 7 - Diagnóstico e classificação 7.2 - Métodos de avaliação 8 - Revisão 8.2 - Tratamento 9 - Outros 9.3 - Carta ao editor 1.08 - Transtorno bipolar 1.16 - Distúrbios neuroendócrinos 1.19 - Doenças pulmonares 1 - Comorbidades e/ou comportamentos associados 1.20 - Doença de Whipple 1.30 - Transtorno dismórfico corporal 1.31 - Prejuizo nos papeis sociais 2.01 - Farmacológico 2.03 - Psicoterapia em grupo 2 - Tratamento/Entendimento/Conceituação 2.06 - Terapia familiar 2.13 - Psicoterapia 2.14 - Psicanalítico 3.02 - Métodos de avaliação da Imagem Corporal 3.03 - Ícones e Padrões culturais 3.05 - Adolescentes 3 - Vivencias em TA e/ou Imagem corporal 3.07 - Revisão 3.09 - Enfermeiros 3.10 - O corpo sentido 5 - TA como efeito adverso ou sintoma 5.09 - Dengue 6.06 - Escolares 6 - Grupos com TA 6.08 - Animais 7 - Diagnóstico e classificação 7.2 - Métodos de avaliação 8 - Revisão 8.3 - Histórica e/ou da literatura
Frequência 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 2 1 1 1 2 1 1 9 2 1 1 1 1 1 1 3 1 4 1 1 1 1 1 1 1 1 9 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 1 2 1 1 1 1 2 1 6 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 4 1 1 3 1 1 1 1 1 8 1 1
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A quarta categoria agrupa questões pertinentes à epidemiologia e a sexta categoria engloba artigos que possuem como tema principal os diferentes grupos que possuem transtornos alimentares. A sétima categoria aborda critérios, diagnósticos e a classificação de transtornos alimentares, além dos métodos de avaliação empregados para análise e classificação de transtornos alimentares. A oitava categoria reúne artigos que resumem questões relacionadas ao tratamento ou a literatura e/ou história dos transtornos alimentares. Também, estão incluídos nessa categoria revisões referentes à qualidade de vida. Por último, a nona categoria contém artigos que ficaram fora de qualquer categoria e que não tinham temas desejados para esse trabalho, como cartas ao editor, editorais sobre determinador autor e sigilo em situações clínicas. Em relação à quantidade de pesquisas na área de transtornos alimentares, pode-se notar um aumento significativo. Do ano de 1948 até 1999 a produção de artigos foi relativamente baixa (29 artigos), tornando-se, de modo geral, crescente a produção a partir de 2000 até o ano de 2012 (302 artigos). Esses dados podem ser visto na figura 1. Na tabela 1, há a classificação dos artigos nas categorias descritas divididos pelo ano de sua publicação. Nota-se um grande número de artigos classificados na categoria grupos com TA (121 artigos), que estão bem distribuídos entre os anos, porém 101 desses artigos estão classificados na subcategoria animais, relacionados a estudos da área veterinária, os quais não serão úteis para os fins desse estudo. Em segundo lugar, em relação à quantidade (52 artigos), a categoria Comorbidades ou comportamentos associados também teve uma boa distribuição entre os anos, tendo uma grande diversidade de subcategorias como mostrado na tabela. Em terceiro lugar, a categoria Tratamento/Entendimento/Conceituação aparece bastante a partir de 1999, também demonstrando uma grande variedade de subcategorias. A categoria TA como efeito adverso ou sintoma também possui uma alta frequência, igualmente possuindo diversidade de subcategorias. As demais categorias tiveram uma frequência menor, sendo a categoria Epidemiologia a de menor frequência (1 artigo). A categoria Vivências em TA e/ou Imagem corporal, que é o foco desse trabalho, aparece a partir do ano 2003 e mostra-se como um tema crescente no número de produção de artigos científicos.
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Deduz-se desses artigos pesquisados que a principal característica atribuída a anorexia e bulimia é a “grande importância que a pessoa dá à imagem corporal” (THURM et al., 2013, p. 332), o que ocasiona uma distorção dessa imagem e leva essa pessoa a perceber seu corpo como maior do que realmente é. Imagem corporal pode ser definida como “a figura que se tem do próprio corpo e sentimentos em relação ao seu tamanho, forma e partes constituintes” (MARTINS, 2010, p. 20). Para Thurm et al (2013), a percepção do corpo é divida em dois componentes: a imagem corporal e o esquema corporal. A imagem corporal está ligada ao componente atitudinal “e se refere aos aspectos cognitivos, atribuições, crenças e expectativas do sujeito em relação ao seu corpo e ao estado emocional proveniente dele” (p. 332). Por sua vez, o esquema corporal está relacionado ao componente perceptual, o qual está associado à percepção da dimensão do corpo (tamanho e forma corporal). A avaliação da imagem corporal é mais utilizada do que a avaliação do esquema corporal, esta última funcionando mais como um instrumento teórico. Inicialmente, a imagem corporal era estudada sem haver essa divisão, ocorrendo uma mudança nesse sentido por volta de 1990. Hoje, avaliações do esquema corporal são cada vez menos frequentes. Thurm et al (2003) observaram que parte desse processo se deve ao fato de que quem cuida de pessoas com transtornos mentais geralmente são psiquiatras e psicólogos, o que influencia na escolha de métodos que foquem em aspectos atitudinais da percepção corporal (THURM et al, 2013). Apesar da distorção da imagem corporal ser um fator comum aos transtornos alimentares, ela pode ocorrer sem estar associada a um transtorno de conduta alimentar, como demonstra o estudo de Vieira (2009). Esse fato pode ser entendido, como a presença de outros indicadores para o surgimento do transtorno de conduta alimentar. Para ele, tanto a distorção da imagem corporal, quanto os transtornos de conduta alimentar são possíveis de ocorrer em qualquer ambiente ou contexto social, pois o fator crucial nesse processo é a “percepção comportamental e cognitiva individual das adolescentes sobre as demandas e exigências do ambiente” nos quais estão inseridas (p. 414). Corroborando com o estudo acima, Martins (2010) também não encontra a associação entre a insatisfação com a imagem corporal e os sintomas de anorexia e bulimia, apesar de ter encontrado tal associação em artigos anteriores. O autor explica a não ocorrência dessa associação, argumentando que possivelmente “a insatisfação com a imagem corporal está presente nas adolescentes independentemente de apresentarem ou não comportamentos de risco para o desenvolvimento de distúrbios alimentares” (p. 22).
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A maneira que cada indivíduo percebe seu corpo e forma sua imagem corporal está ligada a vários fatores. Alguns possíveis fatores que influenciam na insatisfação da imagem corporal são: o maior acúmulo de gordura corporal no sexo feminino a partir da puberdade e o padrão de beleza magro estimulado pela mídia, familiares e sociedade no geral. Esses fatores estão associados ao aumento da prevalência de insatisfação da imagem corporal em adolescentes, indicado em diversos estudos pela literatura (MARTINS, 2010). Em outros estudos, observou-se que mesmo as adolescentes com quantidade de gordura corporal considerada normal para idade se sentem insatisfeitas com sua imagem corporal. Para Martins (2010), isso se deve em grande parte pela influencia da mídia e da sociedade que propagam um padrão de beleza magro. Vieira (2009) também corrobora com essa ideia afirmando que a magreza é vista como um perfil ideal de beleza, sendo bem aceita socialmente. Alguns desses fatores socioculturais citados são questionados em relação à influência que possuem na imagem corporal (como a moda, por exemplo). Apesar de hoje ocorrer a influência da moda e de um padrão de beleza magro, Weinberg, Cordas e Albornoz Munoz (2005) afirmam que há registros históricos de casos com sintomas de anorexia vinculados a um ideal de santidade que não se baseavam em um culto à beleza, mas em um ideal de purificação e ascese, como é o caso das santas anoréxicas. Essas santas foram consideradas anoréxicas devido a busca incessante pela magreza utilizando-se da restrição alimentar ou de vômitos induzidos para atingir esse objetivo. Logo, Weinberg, Cordas e Albornoz Munoz (2005) concluem que os transtornos alimentares já ocorreram em outras épocas que não só a era moderna, tendo sido representados por sintomas comuns, porém em diferentes contextos, interpretações e motivações. Esse dado relativiza a questão da modernidade como fator de causa para o transtorno. Segundo o entendimento psicanalítico (FERNANDES, 2012), na distorção da imagem corporal há dificuldade em descriminar o estímulo que vem de fora e o que vem de dentro e até mesmo de perceber esses estímulos, logo o corpo não exerce sua função de separar os limites entre o externo e interno, entre o ego e o outro, entre realidade e fantasia, entre a representação e o não representável. Essa dificuldade expressa como as fronteiras entre sujeito e objeto são precárias, evidenciando uma falta de autonomia e uma dificuldade de se diferenciar da mãe. Na primeira fase da infância, quando o individuo ainda é um bebê, ele não se diferencia do corpo da mãe, vendo o seio da mãe enquanto é amamentado, por exemplo, como
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parte de si mesmo. A mãe, nesta fase, deve exercer uma função de escudo de proteção. A criança adquire consciência do seu próprio corpo, sentimentos e necessidades graças a essa função de proteção que a mãe deve exercer. Essa função, para Fernandes (2012) tem três finalidades: a de proteger, mediar e uma função relacionada a libido. O propósito final é que a criança introjete essa função para ter uma representação interna de um objeto que lhe de segurança suficiente para ela lidar com as dificuldades e adversidades que irão surgir. Com o tempo, essa diferenciação da mãe deve ocorrer para que ele se estabeleça como sujeito. Caso essa função não seja exercida, a pessoa repetirá na forma de uma compulsão aspectos relacionados a essa época, até conseguir fundir as pulsões de vida e de morte, necessária para o processo de amadurecimento (FERNANDES, 2012). Fernandes (2012) afirma que pessoas que desenvolvem anorexia e bulimia não fazem essa diferenciação da mãe. O que ocorre é uma incorporação do objeto (mãe), ao invés de introjetá-lo, mostrando o porquê da dificuldade das pessoas com anorexia e bulimia de se diferenciarem do objeto. Na Anorexia, o corpo é visto como negado, recusado, sendo expresso no anestesiamento do corpo libidinal, em uma recusa dos aspectos eróticos, das necessidades, da matéria e da imagem do corpo. Esse é o negativo do corpo, que não pode ser constituído como um objeto mental (ibid.). Enquanto na Bulimia, há um autoerotismo negativo (ibid.), um corpo em dor que experimenta desprazer constantemente e que é odiado e monitorado intensamente para que não ocorram mais episódios bulímicos. Apesar da dor, o corpo não é negado como na anorexia, sendo visto como um corpo estranho, externo, “foreign body” (ibid., p. 673). Fernandes (2012) conclui que a anorexia e a bulimia surgem como uma tentativa de lidar com a re-fusão das pulsões por meio de um controle erotizado do corpo como um todo, recusando todas as necessidades, como fome e dor, por exemplo. A anorexia ainda inclui um controle da materialidade do corpo, negando assim a humanidade do próprio corpo. Ao se negar a humanidade, a anoréxica nega também a sua vulnerabilidade e aspectos como morte e tempo. Há uma tripla recusa que adolescentes anoréxicas fazem: da morte, do tempo e do outro. Um fato a ser considerado é que mães ausentes podem exercer tanta influência quanto mães superprotetoras na representação e percepção que seus filhos podem ter do próprio corpo pois os dois tipos de mães interferem na não diferenciação do objeto. Esse é um aspecto importante de ser levado em conta na clínica para tratamento de TA (FERNANDES, 2012).
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Nas famílias em que algum membro tem transtorno alimentar, Espindola e Blay (2009, p. 708) encontraram um padrão de funcionamento onde há um emaranhamento (tipo de característica de interação familiar), ou seja, “uma ausência de limites entre as pessoas que corresponde à noção de ausência de identidade individual separada da matriz familiar”. Nessas famílias, há uma superproteção e controle excessivo, tendo membros dependentes um dos outros. Como afirmam Espindola e Blay (2009, p. 715) “o corpo do familiar adoecido centraliza essas limitações, necessidades e dificuldades, em que o sintoma tem um valor de expressão e denuncia importante”. Para eles, há uma concordância com outros estudos, em que a terapia familiar gera uma resposta mais efetiva no tratamento de transtornos alimentares, já que geralmente a família possui um padrão de funcionamento inadequado antes da instalação da doença, que surge como um sintoma do funcionamento da mesma. Outro fator considerado importante nesse processo é a idade, visto que pessoas mais jovens são consideradas mais suscetíveis a desenvolverem transtornos alimentares, pois as demandas ambientais e o processo de adaptação atuam como maior intensidade em préadolescentes e adolescentes mais jovens (VIEIRA, 2009). Além da imagem corporal e da idade, outro ponto importante para entender os transtornos alimentares é a relação com o alimento. O comer está ligado a simbolismos, emoções, questões culturais e socioeconômicas e se constitui como uma atividade social. Logo, “alimentar-se implica em fazer escolhas” (NUNES ; VASCONCELOS, 2010, p. 545). A comida foi relatada pelos portadores de TA nos estudos de Nunes e Vasconcelos (2010) como algo obrigatório, que tira a liberdade. Esses indivíduos, em alguns casos, demonstram não conseguir diferenciar a comida em seus diferentes tipos (legumes, salada, fritura etc.), o que evidencia uma relação distorcida com o alimento. Uma ideia importante trazida por Nunes e Vasconcelos (2010) é que as pessoas com esse transtornos possuem muitos mitos e crenças que influenciam na restrição de alimentos, e padrões e hábitos alimentares inadequados, associados com medos e incapacidade de lidar com a comida. Isso pode ser visto na oposição entre querer comer alimentos considerados saudáveis e contar as calorias, mas também substituir refeições pelo consumo de refrigerante, ou pular refeições, hábitos que podem ser considerados pouco saudáveis. Verifica-se que a relação com a comida em pessoas com TA se expande para além do próprio alimento, como afirmam Nunes e Vasconcelos (2010, p. 540): “pessoas com anorexia ou bulimia
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normalmente não tem esses comportamentos apenas em relação à comida, relacionando-se dessa forma frente à vida e aos sentimentos. São um todo.” Comportamentos como negar a si mesmo por meio de uma autopunição, rigidez, negação do amor próprio, uso do alimento como fonte de algum simbolismo, além de alguns sintomas considerados como características psicopatológicas são comuns tanto às santas da idade média quanto às anoréxicas atuais. As características patológicas incluem a restrição alimentar, passando por uma insatisfação sempre presente (a consagração divina ou magreza absoluta), autocrítica e minimização das necessidades corporais (BEHAR apud WEINBERG et al., 2005). Além dessas características, Weinberg et al. (2005) acrescentam o comportamento imitativo como um fator comum, seja em relação às atuais top models ou às santas que serviam de modelo para suas seguidoras. Esses transtornos possuem suas semelhanças e diferenças, mas a forma que cada indivíduo o vivencia e o padrão alimentar de cada um é único.
Assim como expressam
Nunes e Vasconcelos (2010, p. 540): “o tipo de comida, frequência de consumo, quantidade ingerida apresentam um comportamento especifico e individual”, apesar das semelhanças. Por esse motivo, esse estudo tem como tema a imagem corporal e vivências relacionadas à imagem corporal ou aos transtornos alimentares, visando entender o corpo por meio da descrição feita em artigos vivenciais ou teóricos. Esse capítulo, por fim, relatou sobre os transtornos alimentares, mais especificamente a anorexia e bulimia, relatou também como foi identificado e classificado o estado da arte e abordou alguns assuntos importantes como imagem corporal, família, mídia, idade e a relação com alimento. Contudo, esses assuntos foram tratados de forma breve, sendo aprofundados no capitulo seguinte.
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CORPO GORDO E CORPO MAGRO
O conceito de saúde e doença varia de acordo com a base filosófica escolhida. No caso da Gestalt-terapia, que tem base fenomenológica, cada ser é visto como único, portanto deve ser interpretado em um contexto específico, partindo da singularidade de cada pessoa e suas relações. Entretanto, é possível fazer generalizações, com base em diversos estudos, sempre se lembrando do fato de que essas generalizações não se aplicam a todos e não são vistas como um manual ou algo imutável. Compreender o ser a partir da Fenomenologia é olhar para seu mundo e seus fenômenos, ou seja, olhar para o que se mostra a partir de si mesmo por meio dos sentidos (NUNES, 2010). Esse olhar deve ser pautado na ideia de que se compreende o ser em um mundo de relações, não de forma dicotomizada (sujeito e objeto, ou consciência e mundo), “pois não pode haver consciência desvinculada de um mundo, a ser percebido, nem mundo sem que haja consciência para percebê-lo” (NUNES, 2010, p. 142). Logo, o ser humano é um ser em e de relação, como diz Nunes em seu estudo (2006, p. 108): “é a partir da relação estabelecida com o mundo que ele constrói sua vida, sua existência e a si mesmo em todo momento, a partir das escolhas singulares, únicas, individuais que faz diante do mundo”, onde o outro possui um importante papel na sua existência, como na construção de uma imagem corporal, por exemplo. A imagem corporal, já definida anteriormente, de acordo com Giordani (2006, p. 81), “resulta da intercomunicação entre o indivíduo e o mundo social”, ou seja, a autoimagem é construída na relação com o outro, onde ocorrem trocas de imagens entre pares, havendo a utilização de diversas imagens para a formação da própria, e um conjunto de trocas relacionais que vão além dos limites do corpo físico. Apesar dessa construção conjunta, a forma que cada indivíduo se relaciona com a imagem formada do corpo é única, bem como da forma de se relacionar com o corpo real. A imagem corporal está ligada a uma representação mental do próprio corpo. Para Leonidas e Santos (2012, p. 550), essa representação funciona como “núcleo vital na constituição da personalidade, uma vez que corresponde a um conjunto funcional que permite que o indivíduo se diferencie do outro.” Ou seja, o indivíduo ao representar seu corpo, percorre simbolismos e significações derivadas do seu modo singular de ser e com isso se diferencia do outro ao fazer suas próprias escolhas.
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Em um estudo feito por Petroski, Pelegrini e Glanes (2012), são expostos alguns motivos que podem levar a insatisfação corporal: foram encontrados em maior escala a estética e a autoestima. Em relação à autoestima, Petroski, Pelegrine e Glanes (2012, p. 1076) pontuam que adolescentes com autoestima elevada “acreditam na sua competência, valor e em si mesmos; por outro lado, aqueles com baixa autoestima sentem-se inferiorizados, desvalorizam-se e sentem-se inseguros.” Devido a essa afirmação, pode-se inferir que se sentir inferior, desvalorizado e inseguro, influenciam na insatisfação corporal. Em relação à estética, Petroski, Pelegrini e Glanes (2012) afirmam que ela é banalizada e popularizada pelos meios de comunicação, e afirmam que a globalização propõe modelos que diferem das características morfológicas de diversos grupos e etnias, gerando insatisfação e frustração. A incompatibilidade entre o corpo ideal e o corpo real está no cerne dessa questão. A mídia aparece como um fator de influência sobre os processos de subjetivação. Ela propaga normas culturais de beleza e sucesso que influem no comportamento alimentar de muitas mulheres, que internalizam essas normas, por mais que essas mulheres estivessem com o peso adequado ao seu tamanho e idade. Ademais, pessoas que já foram ou são obesas ou têm um sobrepeso, costumam ter um nível mais alto de insatisfação corporal do que pessoas que estão com o peso considerado adequado a idade e altura (LEONIDAS; SANTOS, 2012). Ou seja, há uma relação entre obesidade e insatisfação corporal. Além da mídia, o círculo de amizades influencia na manutenção ou aquisição de TA ao fortificar aspectos por meio de similaridades entre os membros como: autoestima, “supressão de sentimentos, internalização do ideal de magreza e comprovações entre si no que diz respeito à aparência” (LEONIDAS; SANTOS, 2012, p.556). Os autores dizem que o meio ambiente e as pessoas do convívio de cada uma exercem “importante influência nos sentimentos nutridos em relação a si mesmas e aos seus corpos”(p.556). Nos diversos artigos analisados, podem-se encontrar tanto sentimentos negativos ligados à anorexia e à bulimia quanto positivos. Os sentimentos positivos funcionam como ganhos secundários que mantém de certo forma este funcionamento. Espindola e Blay (2006), por exemplo, relatam ter encontrado em suas entrevistas sentimentos de autocontrole, poder e de conseguir permanecer magra, que foi associado em outros estudos ao prazer (GIORDANI, 2006). Há também sentimentos de poder e admiração além do reconhecimento social (OLIVEIRA; HULTZ, 2010).
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A imagem corporal negativa, de acordo com Leonidas e Santos (2012), está associada a sentimentos negativos como inferioridade, inadequação, insegurança, baixa autoestima e ao perfeccionismo, obsessividade e compulsividade. O perfeccionismo, de acordo com Castro-Fornieles et al (2007 apud LEONIDAS; SANTOS, 2012, p. 554) e Nilsson et al. (2008, apud LEONIDAS; SANTOS, 2012)é uma característica que influencia na predisposição e manutenção da doença, pois quanto mais perfeccionista a pessoa é, mais a pessoa demora para se recuperar. Com isso, concluíram que “quanto maior o grau de perfeccionismo, pior é o prognóstico, o que é um indício de que esse componente pode ser mais um fator preditor dos TA.” (p.554). A baixa autoestima, de acordo com Shea e Pritchard (2007 apud LEONIDAS; SANTOS, 2012) depende de três outros fatores para desencadear uma TA: estresse, capacidade (ou incapacidade) de enfrentamento e perfeccionismo. Logo, mais uma vez o perfeccionismo aparece como um importante fator de influência à imagem corporal negativa. A grande importância dada a imagem corporal não é característica exclusiva de quem tem TA. A insatisfação com o corpo é uma característica presente no discurso de várias pessoas, principalmente de adolescentes como disseram Vieira (2009) e Martins (2010). Essa exigência pode estar ligada a forma de se ver o mundo, pode ser uma forma de se lidar com as expectativas, no geral. Além disso, a própria adolescência é uma fase de mudanças, inclusive mudanças corporais e de novas expectativas, por parte da família, dos amigos e da sociedade como um todo, repercutindo nas próprias expectativas internas. Uma das possíveis explicações para os TA se desenvolverem na adolescência mais do em que em outras fases da vida, como dito acima, relaciona-se às mudanças. Como disse Nunes (2010, p. 39): “nesta fase, independente da sua vontade, a criança se vê obrigada a entrar no mundo adulto”. Essa mudança aparece mais facilmente por meio de aspectos fisiológicos e bioquímicos, sendo visíveis no corpo. Há também mudanças no nível cognitivo e psicossocial, podendo ser traduzidos em uma busca pela independência e pela própria identidade. Devido a essa busca, “há uma urgência em marcar novas posições ou desligar-se da família, e estas questões podem ser transferidas para a alimentação, de modo que o comer exagerado ou o não comer podem ser formas inconscientes de satisfazer faltas, recusar os controles externos ou até estar na moda” (Nunes, 2010, p. 41).
Cabe ressaltar que a adolescência é uma época em que os amigos possuem grande influência e importância na socialização. Logo, as amizades têm um papel importante, tanto
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quanto a mídia, na insatisfação corporal e comportamentos alimentares (OLIVEIRA; HULTZ, 2010), como já dito anteriormente. Apesar da maioria das pessoas que possuem um transtorno alimentar serem adolescentes ou adultos, as crianças já demonstram desde cedo estar aprendendo a valorizar o corpo magro e a mudar seus comportamentos com o objetivo de atingir esse padrão (OLIVEIRA; HULTZ, 2010). A imagem corporal, assim como a identidade da criança, vai se desenvolvendo, ao mesmo tempo em que ela aprende e introjeta os conceitos do que é aceito e valorizado como atraente. Em relação ao gênero, os transtornos alimentares acometem mulheres, no geral, como já dito anteriormente por diversos estudiosos. Oliveira e Hultz (2010, p. 580) explicam que “essa diferença entre os sexos pode estar relacionada especialmente aos fatores socioculturais [...] mas também a aspectos biológicos, bem como ao pouco interesse dado, no passado, ao estudo dessas doenças na população masculina”. Uma das hipóteses mais amplamente aceita é que o sexo feminino sofre maior pressão para atingir a magreza e costumam se incomodar mais com a sua aparência. Os homens procuram a satisfação por meio de diversas fontes e não se preocupam exaustivamente com a beleza. Já para as mulheres, “a autoestima, o bem estar subjetivo e a felicidade parecem estar diretamente relacionados ao ideal de corpo” (OLIVEIRA; HULTZ, 2010, p. 580). Contudo, há um aumento dessas patologias em homens, relacionado às transformações culturais e há uma busca por um corpo forte e com maior massa muscular por parte de alguns homens, sendo este, ainda um tipo de padrão estético (PETROSKI; PELEGRINE; GLADES, 2012). Logo, “constata-se, atualmente que a insatisfação corporal é um problema que afeta ambos os sexos, embora de formas diferentes” (OLIVEIRA; HULTZ, 2010, p. 580). Cabe, entretanto, ressaltar que diversos saberes são construídos de forma estigmatizantes e determinantes. Atribuir características exclusivas a um gênero, principalmente patológicas, como se elas fossem naturais, aprisiona esse gênero a esse saber. Há um poder não dito nesses saberes que domina corpos e influencia no social. As mulheres, neste caso, ficam subordinadas a saberes dominados por um poder masculino que normatiza seus corpos e formas de ser, tornando implícito as desigualdades. Ou seja, problemas da ordem política e social são transformados em problemas biológicos. Portanto, ao ler sobre as hipóteses de diversos autores sobre o TA ser exclusivo do gênero feminino, deve-se levar em conta essa padronização e normatização.
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Esses saberes e outras características expressas acima, como, por exemplo, a formação de uma identidade, as mudanças ocorridas durantes os ciclos vitais, principalmente na adolescência e as expectativas que se têm em relação a cada individuo, são marcadas no corpo. Como Nunes (2010, p. 116) afirma: “tudo o que se vive, é vivido no corpo”. O Corpo, em si, é produto construído socialmente por meio de uma cultura e da linguagem. Ele pode ser visto de diversas formas: como instrumento, como algo moldável, como algo dicotômico (mente e corpo), transformável e que pode ser aperfeiçoado. A forma de se ver esse corpo e consequentemente, utilizá-lo, passa pelo social, como já foi dito e por diversos meios propagadores de uma cultura e valores. A mídia, os amigos e a família, por exemplo, são meios de se propagar modelos e relações de saber-poder e “produzem as formas de ser e estar no mundo dos sujeitos” (SANTIAGO, 2012, p. 627). Para Niemeyer e Kruse (2008), o sujeito, devido a essa visão de corpo moldável, corpo esse que se modifica, modela e se refaz constantemente a favor de um ideal de perfeição, passa a ser definido pelas práticas sociais, culturais, econômicas e políticas e não o contrário, onde as práticas surgiriam a partir do sujeito. O corpo passa a ser modelado pelo o outro e não por ele mesmo. A família, como um meio que por um lado pode proporcionar autonomia, intimidade e crescimento, pode por outro lado, perpetuar e reproduzir práticas ligadas à visão de um corpo moldável, associadas a um ideal de perfeição. Logo, é um meio importante a ser analisado. Uma das hipóteses de alguns autores como Espindola e Blay (2009) para o desenvolvimento dos TA, já dita anteriormente, é que a anorexia ou bulimia aparecem mais em famílias emaranhadas, onde há uma recusa da autonomia por parte de cada membro. Essa recusa leva a uma dificuldade de diferenciação entre os membros da família. Vendo por essa perspectiva, uma pessoa que não consegue diferenciar de quem é o sentimento e o que se espera dela pode ter dificuldades em lidar com as expectativas. Além disso, autores como Nunes e Ramos (1998 apud OLIVEIRA, 2004) veem uma alta cobrança por parte da família em relação às adolescentes que tem anorexia ou bulimia, visto que elas eram anteriormente vistas como perfeitas e obedientes, e as mudanças decorrentes da adolescência geraram um choque de expectativas. Miller (2011) também vê nos indivíduos com anorexia e bulimia, uma alta exigência em atender as expectativas dos outros, principalmente dos pais. Subsequentemente, Miller (2011) afirma que esses indivíduos se sentem responsáveis pelos sentimentos dos outros, fazendo de tudo para corresponder o que se espera dele.
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Counihan (2012, p. 42) assevera que a família “é o terreno mais imediato para a recusa de comer das meninas, e é o domínio mais radicalmente perturbado por seu jejum”. O distúrbio causa disfunções na família e chama atenção para si. Isso pode ocorrer por ser a família o primeiro meio social acessado e um meio que por estar inserido na cultura, transmite valores e discursos de outros meios sociais. As jovens podem sentir-se oprimidas pelas expectativas e aspirações familiares que caem sobre elas e utilizarem a recusa do alimento como uma saída. Além disso, para Counihan (2012), esses transtornos costumam surgir em famílias que usam a comida como símbolo de algum sentimento, como o amor e a afetividade. Apesar disso, Oliveira (2004) afirma que não há prevalência de um tipo de fronteira encontrado em seu estudo com famílias com pessoas com anorexia. Essa constatação reafirma a ideia de que cada ser único, logo, que cada família é única e que por mais que haja prevalência de certas características em algumas famílias com pessoas com anorexia e bulimia, elas não são imutáveis ou determinantes. Brunch, em seu estudo, (1973 apud COUNIHAN, 2012, p. 44) também afirma que “o fracasso dos pais em ensinar às crianças o reconhecimento apropriado da fome e saciedade, e a resposta a elas, era a base de muitos distúrbios alimentares de suas pacientes”. Pode-se ampliar esse conceito de fome física a uma fome emocional e às necessidades que o indivíduo tem e que não são saciadas e reconhecidas. Por último, brigas e discussões com os pais são descritas por Counihan (2012) também como um fator de influência. Porém, cabe ressaltar que discussões com a mãe e com o pai ocorrem bastante na adolescência, período onde se começa a definir a identidade adulta. A recusa à comida surge, então, como uma das respostas a uma busca de identidade e autonomia, sendo essa busca comum a essa fase. Nunes (2010, p. 129) afirma que é importante considerar que a recuperação da pessoa, apesar de depender em grande parte dela mesma, sofre uma grande influência e contribuição dos seus ambientes sociais. Expõe ainda que “se o ambiente social não acolher a mudança, se o paciente não puder ajustá-lo a si próprio, então poderá novamente voltar ao seu problema”. Pode-se dizer, então, que a família é um importante meio para a solução da anorexia e bulimia, mas não é o único. A mudança pode ser influenciada por qualquer meio social que sirva como fonte de apoio e de ajuda. A mídia já citada anteriormente como fator de influência da insatisfação corporal, por meio de seus diversos veículos, regula e educa os corpos a seguirem os sentidos e significados que circulam na cultura, produzindo, por meio de discursos, saberes que exercem poder sobre
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o corpo. Esses discursos produzem valores, modos de ser, formas de se ver o mundo consideradas corretas, produzindo assim, uma identidade e um corpo aprisionado ao poder exercido sobre ele. No caso do padrão de beleza, a mídia informa sobre qual é o corpo socialmente aceito, que atualmente é o magro, e informa o que vestir e o que não vestir, entre outros aspectos, que ensinam como ter sucesso e admiração, consequentemente, ser aceito na sociedade (NYEMEYER; KRUSE, 2008). O conceito de beleza muda de acordo com a época e a cultura, sofrendo influência de fatores políticos, sociais e econômicos; sendo este último um fator de grande peso. Como disse Oliveira e Hultz (2010, p. 576), “houve sempre uma contradição entre a oferta de alimentos e as formas corporais femininas que são valorizadas”, quando há pouca oferta, o padrão de beleza são mulheres robustas, sinalizando poder e opulência, e quando há muita oferta, a magreza é valorizada e representa o sucesso e autodisciplina. Logo, “as práticas alimentares e os padrões estéticos corporais caminham juntos” (OLIVEIRA; HULTZ, 2010, p. 576). Esses autores afirmam que há uma relação entre a exposição à mídia e as desordens alimentares, causando um impacto negativo na vida de muitos jovens. A mídia é vista como uma das maiores fontes de pressão para ser magra, atuando de maneira eficaz com outros mecanismos coercitivos, como a família e os pares. O discurso midiático tanto quanto aquele reproduzido pela família são contraditórios, ao mesmo tempo informando sobre os perigos da anorexia, por exemplo, mas exaltando dietas para emagrecer. Os pais, também se contradizem ao reclamar quando a menina come muito e também quando ela come pouco. Os dois lados estão relacionados a expectativas diferentes, porém produzem discursos incoerentes. Pode-se ver essa contradição no artigo de Niemeyer e Kruse (2008), que analisaram os discursos da revista de público adolescente, Capricho. Ao mesmo tempo em que a revista informa sobre a anorexia e se diz contra, ela mostra imagens de corpos magros como o modelo a ser seguido e dá dicas de como obter esse corpo por meio de dietas e comportamentos que a própria revista anteriormente recriminou, para assim conseguir sucesso nos relacionamentos e uma autoestima elevada (NYEMEYER; KRUSE, 2008). A revista vê engordar como um problema e ensina técnicas de emagrecimento. Além disso, segundo Niemeyer e Kruse (2008, p. 461), “a leitora é vista pela revista como alguém que é responsável pela forma de seu corpo e que, para isso, basta seguir as normas”. Ou seja,
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o saber dito pela revista produz uma falsa ideia de autonomia e controle sendo que na verdade é a própria pessoa que esta sendo controlada. Niemeyer e Kruse (2008) concluem que a revista Capricho, como uma forma de veículo da mídia, disciplina os corpos os tornando submissos e dóceis. São corpos marcados por saberes que definem e classificam e que se utilizam de vigilância constante. O corpo ideal, dito e imposto pela comunicação social, é um corpo que é moldável (OLIVEIRA; HULTZ, 2010; SANTIAGO, 2012) e objeto de consumo, sendo descrito falsamente como acessível a quem quiser. Desse modo, a responsabilidade de se ter ou não o corpo dito como ideal é atribuído unicamente ao sujeito. Porém, como disse Santiago (2012, p. 628), esse modelo de corpo ideal não é acessível a todos e é um modelo “praticamente impossível de alcançar”. Logo, as pessoas com anorexia e bulimia tentam alcançar uma imagem inalcançável, idealizada, utilizando-se de práticas corporais que exigem o máximo de si mesmo, em um meio de insatisfação cheio de clivagens “entre aparência e realidade, entre o distanciamento da imagem real do corpo e autoimagem percebida” (GIORDANI, 2006). Esse cenário de práticas corporais em busca de um corpo ideal mesclado a uma constante insatisfação e valorização da imagem demostram um novo estilo de vida, que pode conduzir a uma série de patologias, como, por exemplo, a anorexia ou bulimia. Pereira (2007) e Ramos, Pereira Neto e Bagrichevsky (2011) afirmam que as meninas que estão inseridas em comunidades virtuais, bastante comum nos dias de hoje, classificam a anorexia como estilo de vida, geralmente adotado como forma de ser, seguindo um padrão que é controlado permanentemente pelos membros do grupo. Ou seja, como as próprias adolescentes dizem nessas comunidades, a Ana (anorexia) ou Mia (bulimia) são pra vida toda e não só para perder alguns quilos, ela serve como um estilo de se viver. Elas veem a busca por um corpo magro pautado na estética como algo saudável e desejado, não considerando essa busca e suas práticas como uma doença. Nessas comunidades, percebem-se também novos fatores em relação a épocas passadas, como o fato de hoje a anorexia e bulimia serem socializadas e não mais serem práticas solitárias. A anorexia e bulimia, mais do que uma busca por um ideal, demostram uma forma de expressão no mundo, onde há um desejo e tentativa de mudança da realidade por meio do corpo (GIORDANI, 2009). O controle do corpo e da alimentação, presentes nessas patologias, são formas de expressar resistências a formas de viver e ser na sociedade, pode-se dizer que é uma forma de transgressão social (GIORDANI, 2006).
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Mary Douglas (1973 apud COUNIHAN, 2012, p. 28) afirma que “o corpo humano é sempre tratado como uma imagem da sociedade e que a passagem da comida para dentro e para fora do corpo pode significar fronteiras sociais e sua transgressão”. O controle corporal surge então como uma expressão do controle social, bastante presente na cultura ocidental. Há a exigência de um forte autocontrole sobre vários aspectos da vida de cada cidadão, e assim, há, consequentemente, o controle do corpo. Cabe acrescentar que a anorexia e a bulimia são formas de expressão de sentidos e significados aprendidos subjetivamente, onde há elementos marcados no corpo que nem sempre são identificados pelo indivíduo, mas que são vividos por ele (GIORDANI, 2006). Há também o uso da anorexia ou bulimia como forma de inclusão ou exclusão de determinados meios sociais, utilizando-a como meio de participação e aceitação social ou como meio de evitação de sentimentos e experiências, como acontecia na época medieval com algumas meninas com anorexia, que se utilizavam da doença para evitar um casamento indesejado (WEINBER; CORDAS; ALBORNOZ MUNOZ, 2005) O corpo vivido, marcado pelos sintomas e sensações da doença, atinge o sentido máximo de subjetividade ao ser meio e lugar de transgressão de limites e expressão das angústias e da dor vivenciada por cada sujeito (GIORDANI, 2009). O corpo situa-se como meio e condição do indivíduo para participação no mundo social e “alicerce para a experiência socialmente constituída da anorexia nervosa” (p. 809). Ele é atravessado por uma subjetividade (corpo vivido) ao mesmo tempo em que constrói essa mesma subjetividade. Logo, o corpo e o mundo tem uma relação mútua, onde o percebido e o que percebe se refletem. Para Giordani (2009, p. 813), essa relação implica “recuperar a dimensão vivida da cultura, no âmbito da prática e seus fundamentos corporais”. Ou seja, o corpo tem uma dimensão prática, um saber prático que dá acesso a outros objetos, no “qual primeiro o mundo é esfera da prática, para depois se tornar objeto de conhecimento”. Esse corpo, de acordo com Miller (2011), expressa por meio da anorexia e bulimia que o indivíduo não foi ouvido, que seus sentimentos e ele próprio não foram levados a sério. Esconder sentimentos no corpo, neste caso, demonstra relações onde não há uma comunicação verdadeira com um outro. Miller (2011, p. 153) elucida que: “a verdadeira comunicação baseia-se em fatos, possibilita a transmissão de sentimentos e pensamentos próprios. Contrariamente, a comunicação desorientadora baseia-se na distorção de fatos e na inculpação do outro pelas próprias emoções indesejadas”.
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Ou seja, nos relacionamentos de pessoas com anorexia e bulimia ocorre uma falta de comunicação verdadeira, onde o indivíduo acredita que não pode expressar sua identidade, ou que não pode ser quem ele é de fato e, por tal motivo, busca ser um outro alguém desejado por outrem, correspondendo às expectativas alheias. Desse modo, é levado a sentimentos de culpa, se sentindo responsável pelas emoções dos outros, por deixar a mãe triste ou zangada, por exemplo. Sua própria essência fica mascarada para não sentir essa culpa. Na anorexia, o corpo é utilizado para rejeitar o alimento emocional, já que possivelmente esse alimento o faz sentir culpado e não lhe apetece. Já na bulimia, o indivíduo pode ter noção de uma ausência de alimento, sabendo que o alimento emocional existe, porém não sabe o que seria esse alimento. Portanto, a pessoa com bulimia engole tudo o que vê pela frente, sem seleção, ansiando obter o alimento que precisa (MILLER, 2011). Nos dois casos, não há saciamento da fome emocional e as necessidades do indivíduo continuam não sendo alcançadas. Contudo, o alimento continua sendo fonte de angústia e sua falta se expressa no corpo. O corpo nos TA é visto tanto como o corpo a ser evitado quanto o corpo a ser alcançado. Esta divisão entre o recusado e o desejado corresponde ao corpo gordo e ao corpo magro, dicotomia presente nos transtornos alimentares, que é vista de formas distintas, mas sempre em relação. De um lado há a obesidade, como algo a ser evitado, como algo que marca e serve como um indicativo de distinção social negativo, e do outro lado há a magreza, ligada ao “sucesso, perfeição, competência, autocontrole e atratividade sexual” (OLIVEIRA; HULTZ, 2010, p. 577). O corpo gordo associa-se à autoimagem, à representação que a pessoa com TA tem do seu corpo, atravessando os limites corporais. Nos transtornos alimentares essa imagem é vista como um corpo com excessos, que constituem uma marca social depreciativa referente à pessoa em si. Giordani (2006, p. 84) fala sobre o fato do próprio indivíduo “assumir como sua imagem real, essa imagem disforme e desvalorizada de indivíduo, e simbolicamente parece ser exatamente dessa gordura que ela tenta se livrar”. Logo, a gordura é a expressão do excesso de “marcas afetivas, emocionais e socioculturais permanentemente inscritas no corpo”, de significados e sentidos formados nas interações do dia-a-dia (GIORDANI, 2006, p. 87). A gordura como expressão do excesso e não somente de uma imagem pode ser vista também em estudos como o de Martins (2010), que observou que mesmo as adolescentes com quantidade de gordura corporal considerada normal para idade se sentem insatisfeitas com sua
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imagem corporal. Ou seja, não é a imagem que está como foco e sim os excessos percebidos na forma de gordura. Além disso, o corpo gordo de acordo com Ramos, Pereira Neto e Bagrichevsky (2011) está associado ao fracasso, à indisciplina, desleixo, preguiça, falta de autocontrole e outras características que constituem um sujeito moralmente fraco. O corpo magro, por outro lado, representa a imagem ideal, a perfeição, atrelado à busca de uma magreza inatingível. O indivíduo associa a perda de peso e o controle da alimentação a um prazer, a uma conquista, a uma forma de ser potente e de ter controle e sucesso sobre algo, além de achar que alcançando a magreza se alcança a felicidade e aceitação (NUNES, 2010). Como disse Andrade e Santos (2009, p. 464) “ao controlarem o peso, mantêm o sentimento de que podem controlar pelo menos a si próprios”, tirando o foco das dúvidas, dos problemas não resolvidos, ou seja, de questões subjetivas. O corpo magro, além de ser o ideal de perfeição está relacionado a um status social e econômico bem sucedido. Como afirma Ramos, Pereira Neto e Bagrichevsky (2011, p. 454), quem busca esse ideal quer ser “bem-sucedida, desejada, invejada, ter dinheiro, fama, bom emprego e amada”. O mecanismo que pessoas com anorexia e bulimia utilizam-se para atingir o corpo magro e evitar o corpo gordo, primeiramente, é um processo de adaptação, um ajustamento criativo. O ajustamento criativo para Matos (2000 apud NUNES, 2010, p. 112) é “o processo através do qual o indivíduo se relaciona de forma ativa e criativa com o meio na busca da satisfação plena de suas necessidades, ou seja, na busca de equilíbrio, sendo, então, um processo de adaptação em que não há primazia de um sobre o outro, e sim uma negociação entre ambas as partes, como um acordo que se cria entre o indivíduo e o meio”.
A repetição desse primeiro processo de adaptação torna-se disfuncional por haver obstruções e interrupções, uma inibição de contato, formando gestalten incompletas e consequentemente, dificultando a formação de novas gestalten, ou seja, a liberação do fluxo figura-fundo. Logo, perde-se a função inicial do ajustamento, que é de regulação organísmica, e passa-se a ter uma adaptação limitada a um dado contexto (NUNES, 2010). A anorexia e bulimia são formas de ajustamentos neuróticos, pois quando há conflito entre as necessidades do meio e as do indivíduo e este cristaliza sua decisão, não sabendo qual decisão tomar, forma-se uma neurose. Souza (2008, p. 28) explica que “a pessoa fica incapaz de distinguir entre si e o meio, ocorrendo distúrbios no limite ou na fronteira de contato, utilizando-se dos mecanismos de defesas ou resistências de forma neurótica”.
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De acordo com Souza (2008, p. 15-16) “O fluxo figura e fundo está sempre vinculado a uma necessidade. A figura é algo que se destaca de um fundo, e o fundo é o elemento que dá sustentação a uma figura, assim, a vida é um fluxo constante de figura e fundo”. No caso da anorexia e bulimia, a figura são os comportamentos ligados à alimentação e ao controle, como o comer, o vomitar, contar calorias; enquanto como fundo ficam as questões subjetivas (angústias, ansiedades...), sendo descrito por Nunes (2010) como o cerne do conflito na maioria das vezes. Contudo, esse fluxo figura-fundo está fixado nessas configurações, não dando possibilidades de novas formas de contato. No caso da Gestalt-terapia, saúde ou funcionamento saudável é o “fluxo contínuo e energizado de awareness e formação perceptual de figura-fundo, onde através de fronteiras permeáveis e flexíveis, o indivíduo interage criativamente com seu meio ambiente, desenvolvendo recursos novos para responder às dominâncias que se afigurem e usando funções de contato para poder avaliar e apropriadamente estabelecer contatos enriquecedores e interrompe-los quando tóxicos e intoleráveis” (CIORNAI,1995 apud NUNES, 2010, p. 111).
Enquanto a doença ou funcionamento não saudável são vistos como “interrupções, inibições e obstruções destes processos, com a consequente formação de figuras-fracas, desvitalizadas, mal definidas, nebulosas, confusas à percepção, que ao não se completarem vão dificultando progressivamente as possibilidades de contatos criativos, vitalizados e vitalizantes com o presente” (CIORNAI, 1995 apud NUNES, 2010, p. 111).
Esta abordagem privilegia a saúde, o aspecto saudável, e é partir dele que se trabalha o que não está saudável. O adoecer é compreendido como algo relacionado à existência do indivíduo e por isso, é importante vê-lo como um todo e não somente com o foco na doença. Compreender o ser humano é uma tarefa árdua e complexa que envolve diversos meios de análise. Devido a isso, a compreensão do todo deve ser feita levando em conta seus meios e contextos. Counihan (2012, p. 19-20) parte do princípio que “qualquer artefato cultural [...] deve ser sempre visto como produto de um ser humano biológico, psicológico e social, e explicado como parte de um sistema cultural total”. Logo, o corpo gordo e o corpo magro e os comportamentos utilizados por pessoas com TA só podem ser compreendidos em relação à cultura como um todo, incluindo aspectos socais, econômicos e políticos e não de forma isolada. A cultura ocidental mudou muito ao longo do tempo, porém Counihan (2012, p. 17) afirma que apesar das diferenças, há forças (psicológicas e culturais) que persistem ao longo dos séculos, tais como a “identificação das mulheres com a comida, uma ideologia judeucristã dualista e absolutista, uma estrutura econômica e política patriarcal e uma organização familiar que limita a autonomia e potencial femininos”. Essas forças fazem do jejum, prática
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recorrente na anorexia e na bulimia, uma afirmação significativa e poderosa, além da magreza ou da sua busca. A ideologia judaico-cristã é dualista e absolutista por se basear em ideias e conceitos dicotomizados e vistos de forma absoluta, sendo um ou outro, nunca uma mistura dos dois. Exemplos disso são os contrastes entre bondade e maldade, força e fraqueza, verdade e mentira, pecado e virtude, graça e não graça, queda e redenção, entre muitos outros. Vendo por essa perspectiva dualista e absolutista, a perfeição é vista em contraste com a perdição. Em todas as épocas, o jejum serviu como forma de se alcançar uma perfeição ou imagem de algo perfeito, estados ideais de ser de cada época. Counihan (2012) diz que para as mulheres medievais a perfeição era associada à santidade, para as vitorianas, a perfeição era associada a uma superioridade social e espiritual e para as mulheres da época moderna, a perfeição está ligada à magreza. Essa perfeição é buscada como um estado absoluto, ligada a obsessividade presente no cenário de pessoas com anorexia e bulimia. Não pode haver transgressões nessa busca para se atingir o ideal. Porém, atingir um ideal sem flexibilidade, de forma rígida, torna esse processo doloroso. Counihan (2012) acredita que por isso muitas mulheres que jejuam rigorosamente oscilam entre práticas bulímicas e comportamentos purgatórios, reforçando a culpa que sentem pelos seus fracassos. Outra característica persistente ao longo do tempo é dicotomia entre mente e corpo. Acredita-se que se pode controlar o corpo por meio da mente. A cultura funciona como a mente, que em conjunto com a sociedade controla o corpo. Counihan (2012) remete a ideia de Adão e Eva, asseverando que as mulheres aos serem associadas a um corpo pecaminoso e sensual, controlam seus corpos como forma de ser dignas e ter algum valor, afirmando sua moralidade e disciplina. O controle é visto como algo necessário devido ao medo da tentação, como diz Counihan (2012, p. 35): “as mulheres que jejuam compartilham tanto uma crença no corpo como fonte potencial do mal, quanto o temor de sua própria suscetibilidade à tentação”. Os apetites do corpo são recusados. A reprodução e a sexualidade, por exemplo, são vistas ao mesmo tempo como fontes de vida e como tentação, por isso, elas são negadas tanto pelas santas medievais quanto pelas pessoas com anorexia de hoje e estão ligadas à recusa do alimento. Por vezes, encontra-se também presente uma hostilidade ao contato sexual com homens e um desejo de voltar a se ter o corpo infantil, pois o mesmo encontra-se dissociado da imagem de desejo e pecado. Toda essa negação do corpo e de seus apetites (desejos,
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necessidades, sentimentos) ocorre como uma forma de buscar autonomia, sendo esse um dos únicos caminhos encontrados naquele momento. Uma das outras forças persistentes até hoje é o patriarcado e a subordinação feminina a um poder masculino. A sociedade patriarcal restringe as oportunidades econômicas e políticas disponíveis às mulheres, atribuindo à mulher papéis exclusivos ao ambiente doméstico. Counihan (2012, p. 40) supõe que o jejum pode ter surgido, em algumas mulheres, como forma de se reafirmar como sujeito, já que a comida, sua preparação e consumo, são uma das poucas coisas que são atribuídas e administradas por mulheres, sendo esta uma forma de controle legítimo que não desafia “abertamente o controle masculino”. Negar o alimento em diversas culturas é visto como um insulto, uma recusa que gera rupturas. Counihan (2012) afirma que apesar de cada cultura ter seus próprios significados em relação à comida, negar o alimento, no geral, significa uma negação de relação, de conexões. Cabe ainda ressaltar que negar o alimento pode ser uma forma de se negar uma relação de poder, pois como elucida Counihan (2012, p. 21) “dar aos outros é a base do poder, pois quem recebe deve a quem dá”. Na cultura ocidental, Counihan (2012, p. 30) descreve o jejum como “anti-social, interminável, total e mortal”. Contudo, diferentemente da cultura ocidental, outras culturas praticam o jejum atrelado a rituais, de forma coletiva ou sob a influência de demônios. Além disso, o período de jejum nessas culturas é reduzido e intermeado por períodos de indulgência, onde se é permitido comer. Atualmente, Counihan (2012) fala de uma relação complexa com a comida em pessoas com anorexia. A ausência de comida não causa a doença e também a abundância do alimento não cura a anorexia. Por isso, alimentar a força pessoas com anorexia não muda seu quadro e pessoas sem acesso a alimentação não desenvolvem anorexia por esse motivo. Pode-se levar essa afirmação para os casos de bulimia, onde as pessoas têm episódios bulímicos no qual comem bastante e ainda sim não param esse processo ou passam para a prática da anorexia (NUNES, 2010). A comida é um símbolo ligado a mulheres em várias culturas. Elas que preparam, às vezes produzem e distribuem e se tornam o alimento ao amamentarem seus filhos. Em muitas culturas, essa relação é mostrada na representação de uma mulher como fértil e associada a uma alimentação abundante. As mulheres ocidentais, para Counihan (2012, p. 22), “usam a comida como símbolo do eu, mas as jejuadoras baseiam sua identificação com a comida na negação e obsessão”.
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Enquanto de um lado, há a obsessão em não comer e negar o alimento, do outro lado, há uma preocupação excessiva com o alimento. A comida, ao longo dos séculos, teve como papel comum o de ser usado como forma de expressão e negação do corpo, da natureza humana e às vezes da vida, ainda que os significados de cada época variem. Na época medieval, as mulheres que jejuavam se viam como a comida santa, identificada a Cristo, para livrar os sofrimentos. Na época vitoriana, toda a preparação e consumo da comida era ligada a posição social e ao amor oferecido por meio da mesma. Já na época moderna, a comida é negada para se atingir a magreza. Counihan (2012, p. 25) exemplifica a relação com a comida dizendo que “mulheres modernas procuram o domínio sobre seus corpos para alcançar a perfeição pela magreza; mulheres medievais procuravam a transcendência de seus corpos para atingir a santidade pelo ascetismo; mulheres vitorianas buscavam uma feminilidade sublime e delicada pela negação das necessidades corporais”.
A fome passa a ser uma provação considerada valiosa e agradável, algo que as ajuda a exercerem controle e terem autonomia sobre algo. Além disso, como na época das santas medievais, a fome é vista como comprovação também de que elas não estão sujas com algum sofrimento ou algo não apetitoso. Como afirma Counihan sobre o jejuar (2012, p. 27): “a experiência faz com que se sintam limpas, puras e boas”. Este capítulo, por fim, iniciou-se com a visão da fenomenologia e da Gestalt terapia sobre o ser humano, para depois abordar de forma mais aprofundada temas como imagem corporal, mídia, adolescência, gênero, corpo (incluindo o corpo gordo e magro), família, saúde e doença para a Gestalt terapia e aspectos culturais como a relação da mulher com o alimento, com a política patriarcal e com uma ideologia judaica cristã.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
À guisa de conclusão, percebemos que há forças culturais (mídia, família, patriarcado, ideologia judaico-cristã, identificação da mulher com a comida) que estipularam que negar o apetite é uma forma significativa e valorizada para se chegar à perfeição, negando assim o corpo gordo e seus excessos. A negação do apetite está calcada em relações destrutivas com o corpo e a comida, e está inserida, também, em um contexto de mercantilização do corpo pela moda e arte. Essas forças fazem parte de uma cultura ocidental que nega às pessoas “oportunidades de auto-realização, poder e relação significativa” (COUNIHAN, 2012, p. 47), além de definir padrões de perfeição que servem como meio de identidade e de autodefinição, não dando margem à livre escolha. Porém, essas forças culturais não determinam por si só a profunda subjetividade de pessoas que desenvolvem anorexia e bulimia. Apesar de todos os aspectos culturais favoráveis, nem todas as mulheres desenvolvem esses males. Counihan (2012) explica isso dizendo que quem desenvolve a anorexia são mulheres que estão mais propensas psicologicamente, devido a dificuldades relacionadas à autonomia, intimidade e ao ato de comer e ao próprio clima social. Ou seja, os TA se relacionam intimamente à aspectos subjetivos ligados à história de vida de cada um e a forma com que cada indivíduo percebe sua imagem, seus pares e seu mundo. Além disso, conclui-se também que há inúmeras contradições apresentadas aos jovens, de um lado a sociedade “enfatiza a atividade física e a importância de manter hábitos alimentares saudáveis, através dos mais variados veículos de comunicação; e de outro, o capitalismo e a urbanização ditam a magreza extrema como ideal de beleza e, ao mesmo tempo, incentivam a ingestão de alimentos rápidos e calóricos (fast food)” (HERCOVICI; BAY, 1997 apud OLIVEIRA; HULTZ, 2010, p.581).
Essas contradições dificultam a escolha de qual caminho seguir, sendo geralmente mais fácil seguir o caminho mais valorizado tanto pela mídia quanto pelos círculos sociais. O comer, como já dito anteriormente está ligado a escolhas (NUNES; VASCONCELOS, 2010). Fazer escolhas nem sempre é fácil. Ao fazer uma escolha, nos confrontamos com ideais, expectativas, polaridades, com nós mesmos, com a subjetividade que está em constante mudança e que pode confundir o que se quer agora, para que e para quem. Aceitar essas características é aceitar que somos inconstantes e aceitar a si mesmo. Adoecer é uma tentativa de lidar com as instabilidades da vida e de compreender a si mesmo. Se focarmos no lado saudável, positivo, nos potenciais de cada indivíduo, pode-se ver o
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adoecer como algo que pode ajudar o indivíduo a crescer, sendo o que era possível, para ele, naquele momento fazer. Não quer dizer que se deva bajular a doença, mas compreendê-la como parte de um todo, e não como o todo de uma parte. Vale ainda ressaltar que a rede de informações que singulariza o indivíduo, como a sua história, memória e autoimagem, forma a sua identidade corporal, o que o insere em um contexto existencial como sujeito em suas relações concretas (TAVARES, 2003 apud. GIORDANI, 2009, p. 85). O ideal identitário buscado pelas pessoas com anorexia e bulimia atualmente corresponde a uma identidade corporal que é formada pela interação entre sociedade e indivíduo, na relação entre o corpo percebido e a cultura. Esse ideal faz parte de um projeto de ser magra, que vai se transformando a tal ponto que extrapola as ideias iniciais. Após um tempo de práticas feitas em segredos, “os significados iniciais parecem se perder durante o caminho” (GIORDANI, 2009, p. 818). O corpo vivido se confunde com o próprio ser e “nesse sentido há uma fusão na qual curiosamente o ator (anoréxico) e o personagem (menina normal) tornam-se assumidamente uma só subjetividade” (idem., p. 817). Ou seja, após esse processo ocorrer, o indivíduo não mais se importa se os outros acreditam ou não se é uma pessoa normal, pois o mesmo já não enxerga suas práticas corporais como anormais. No fim, o que importa para elas é alcançar a magreza que está lançada em um futuro e que se contrapõe com o vivido atual. Como diz Giordani (2009, p. 820), “a realidade corporal adquire o status de norte orientador para a existência do sujeito anoréxico e passa a marcar permanentemente a identidade do sujeito no mundo social”. Ou seja, o corpo passa ser ao mesmo tempo instrumento de práticas corporais e o sentido que move o sujeito. Esse sentido está permeado por aspirações e desejos de ser alguém que não se é, de negar aspectos ou expectativas que caem sobre o indivíduo, da busca de si mesmo. Portanto, a representação do corpo gordo e magro, para cada indivíduo, diz de suas necessidades não alimentadas e da busca desse alimento, diz dos alimentos que esperam que ele coma e dos alimentos desconhecidos, mas que são sentidos. Quanto a futuras pesquisas, acredita-se que uma forma mais aprofundada de se estudar o fenômeno descrito seria por meio de entrevistas, utilizando-se o método fenomenológico, pois assim haveria contato com o ser e o seu mundo em determinado momento, utilizando-se da redução fenomenológica para olhar para o mundo na perspectiva do próprio sujeito e não somente do pesquisador. Portanto, sugiro novas pesquisas utilizando uma aproximação mais
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direta com a prรณpria pessoa com anorexia e bulimia, possibilitando dados mais ricos e complexos.
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REFERÊNCIAS
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