ANO V - Nº 1 MAI 2015
ARMA DE FOGO
O risco de morrer por arma de fogo é 13 vezes maior que por arma branca. O Brasil está em 1º lugar em homicídios em números absolutos. Preocupada com o avanço da violência, a APMP realizou estudo para propor soluções efetivas de combate à criminalidade no Piauí e no país. Nesse primeiro momento, a APMP focou no problema do porte ilegal de arma de fogo. – Página 3
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Fuenteovejuna
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rancisco das Chagas Nunes morreu. Um disparo por trás, na nuca, e aquele homem de apenas 43 anos de idade, que trabalhava naquele momento, perdeu a vida. Quatro homens participaram da empreitada fúnebre, três deles adolescentes e o outro recém-ingresso no mundo dos “maiores”. Passagens anteriores por distritos policiais e medidas sócio-educativas pregressas não tiveram conteúdo pedagógico. Notícias dão conta de outros atos infracionais por parte dos adolescentes e outros crimes por parte do imputável, mas ninguém irá esquecer o trágico episódio do dia 6 de fevereiro de 2015, pois atingiu aquilo que temos de mais sagrado, que é a vida, um presente de Deus que somente o ser supremo deveria tirar. Mas há quem pense que a vida, quando alheia, não tem valor. Bairro Jóquei, área nobre de Teresina. Um pretenso crime contra o patrimônio, uma legítima reação da vítima e uma covarde execução do policial que, no “bico”, tentava completar a renda familiar. Protegia o filho do governador, Vinicius Dias, ou ao menos tentava proteger o jovem que se preparava para cantar louvores na banda de música gospel que integra. Não há mais quem se sinta seguro, quem esteja em segurança, mesmo com “seguranças” contratados. Permaneça preso em seu lar, pois fora dele reside o perigo, já que quem deveria estar preso está solto. Por que não pedirmos auxílioreclusão? Alguns, em defesa dos que cometem crimes, falam que o Estado é o Leviatã, pois oprime. Esquecem que aqueles (os criminosos) oprimem suas vítimas também, impondo-se pelo terror, julgando e condenando sem dar chance de defesa. E olha que condenam à pena de morte, à prisão perpétua! Um país em desespero, uma sociedade que chora. Pagamos, a cada dia, o custo emocional das vidas perdidas, das famílias dilaceradas pela dor. Aparecerão os que colocarão, no caso acima, os adolescentes como vítimas e o policial como culpado por estar fazendo bico, por ter reagido. Enfim, aparecerá de tudo. O mínimo que se espera, agora, é a aplicação da lei. Aplicação severa, pois grave foi a conduta. Para o latrocínio cometido, espera-se justiça, pois, se ela falhar, a resposta vem em tom de vingança.
não haja omissão das autoridades constituídas, todas e das mais variadas instituições, pois, se nada for feito, não será apenas o suspeito do disparo que será chamado de “pipoqueiro”, outros tantos, que conduzem nossas instituições, passarão a ostentar essa alcunha. Os dias que sucederam o fato narrado foram de vídeos postados nas redes sociais, onde a população, ao conseguir efetuar a prisão de criminosos, vingava-se dos mesmos. Isso já não é algo novo, embora cada vez mais frequente, pois maior é a ira da população. Lope de Vega, em extraordinária obra, narrou episódio ocorrido no pequeno povoado de Fueteovejuna (“Fonte das ovelhas”). Os cidadãos, cansados dos abusos do comendador espanhol Fernan de Guzman, homem que abusava das mulheres do povoado e cometia todo tipo de excessos com os campesinos daquele vilarejo, resolveram tirar-lhe a vida. A população toda se uniu e assassinou o comendador. O rei espanhol determinou a apuração dos fatos, enviando um juiz ao local para identificar e punir os mentores da morte citada. Apesar do uso intensivo da tortura, o juiz designado, ao perguntar a cada um dos moradores sobre quem teria sido o autor da morte de Fernan de Guzman, sempre obtinha a mesma resposta: “Fuenteovejuna!!!”. Apesar da insistência, ninguém foi identificado como responsável pelo crime, e o juiz, relatando o fato ao monarca, disse que ou se perdoava o povoado ou mandava matar todos. O rei optou pela clemência. Para todo crime cometido se espera justiça, pois se ela falhar, a resposta vem em tom de vingança, quer seja privada ou coletiva. No caso espanhol, falharam os mecanismos de controle real sobre seus representantes, nos povoados, o que obrigou a sociedade a reagir por conta própria. No Brasil, a sociedade reage contra a opressão dos criminosos, sem que o Estado, responsável primário por este enfrentamento, tenha tido a competência para combater, dentro dos parâmetros legais, o drama da insegurança pública. É hora de o Estado, através de todas as suas instituições irmanadas, dar uma resposta à sociedade. Ela exige, merece e tem direito!
O Estado promete reagir. Pois, que conclame as instituições em torno de uma pauta permanente de Segurança Pública. Isso urge! Já passou da hora, aliás. O fato de o filho do governador precisar de segurança particular atesta que a Segurança Pública vai mal. Não é hora de encontrar culpados, mas de apresentar soluções. Infelizmente, mais uma vida teve que tombar para que se propusesse uma mobilização maior. Que GESTÃO
DIRETORIA
PRESIDENTE:
Paulo Rubens Parente Rebouças VICE-PRESIDENTE
Albertino Rodrigues Ferreira SECRETÁRIA
Debora Geane Aguiar Aragão Gomes 1ª TESOUREIRA
Ana Cristina Matos Serejo 2º TESOUREIRO
Rene Santos Piauilino
CONSELHO FISCAL
Cynara Barbosa de Oliveira Santos TITULAR
Walter Henrique Siqueiera Sousa TITULAR
Ezequiel Miranda Dias 1º SUPLENTE
Antonio Marques Neto 2º SUPLENTE:
DIRETOR DE COMUNICAÇÃO
3º SUPLENTE
Alfredo Alberto Leal Nunes
EXPEDIENTE:
TITULAR
DIRETOR SOCIO-CULTURAL
Raimundo de Sousa Freitas
Paulo Rubens Parente Rebouças Presidente da APMP
Adelamr Marques Marinho José Hamilton Bezerra Lima
Produção: R2 Comunicação facebook.com ∕r2comunica contato@r2.jor.br
Jornalista responsável: Israell Rêgo - DRT 1919-PI Fotos: R2 Comunicação, Reuters, AnthroScape Charge, caricatura e ilustração: Izânio Façanha Projeto Gráfico: Deinny Martins Diagramação: Gustavo Athayde Tiragem: 700 exemplares Impressão: Gráfica do Povo
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Risco de morrer por arma de fogo é 13 vezes maior que por arma branca
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o ano de 2010, 38.892 pessoas morreram por armas de fogo. Esse tipo de morte cresceu 346% nos últimos 30 anos. Os dados da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, entidade responsável pelo Mapa da Violência de 2013, revelam que o homicídio por tiros lideram o ranking nacional nesse item. Em 2012, do total de mortes, 71% se deram pelo uso de arma de fogo, ou seja, somente naquele ano, 40.077 pessoas de um total de 56.337 tombaram vítimas de disparos fatais. De acordo com os dados levantados em 2010 pela organização “Viva Rio” (com apoio do PRONASCI), quase metade das armas que circulavam no Brasil eram ilegais – 7,6 milhões de um total de 16 milhões de armas. Dados apontam que o risco de morrer por arma de fogo é 13 vezes maior que por arma branca. Homicídios, estupros, extorsões, lesões corporais gravíssimas e graves, roubos, latrocínios, enfim, o rol de
crimes é imenso, mas as condutas descritas nos primeiros parágrafos possuem um elemento comum: o uso de arma de fogo como mecanismo para tirar a vida, para violar a dignidade sexual, para subtrair do patrimônio alheio, para tolher a liberdade, para ferir, enfim, para cometer os mais graves e perversos crimes elencados em nosso ordenamento jurídico. Não é incomum relatos de brigas em bares em que um dos contendores, portador de arma de fogo, dispara atingindo inocentes, até de maneira fatal. São os “valentes armados” que se digladiam com a polícia em tiroteios que, não raro, terminam com a trágica morte de pessoas por “bala perdida”. Aliás, antes de se falar em “valentes armados”, deveria se falar em “covardes armados”, pois colocam naquela arma todas as suas frustrações, seus desejos de vingança, seus fetiches sádicos de imposição de dor e sofrimento ao próximo.
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Porte ilegal de arma deve ser mais rigorosamente fiscalizado pelo Estado Preocupada com o avanço da violência no Piauí e no país, e com o objetivo de colaborar, de forma efetiva sugerindo medidas eficazes e direcionadas no sentido de melhorar a segurança pública, a Associação Piauiense do Ministério Público (APMP) realizou estudo no qual levanta pontos acerca do problema que devem ser melhor considerados pelas instituições e sociedade, já que se buscam soluções para a questão. Nesse primeiro momento, a APMP focou em um problema que afeta diretamente a segurança pública no Brasil colaborando significativamente para o avanço da violência, sobretudo no tocante àqueles crimes que resultam em morte: o porte ilegal de armas. De forma sintética, a Associação vislumbra que a pena para o crime de porte ilegal de arma – previsto no art. 14 da Lei 10.826/03 – seja aumenta do intervalo de 2 a 4 anos para limites mínimos e máximos dobrados, ou seja, pena que varie de 4 a 8 anos, assim como já ocorre com a pena prevista no art. 17 da Lei 10.826/03, dada a gravidade do delito e a necessidade de intervenção
no problema. Além do enrijecimento da pena sobre o porte ilegal, a entidade de classe ministerial do Piauí vê como importante a adoção de medidas como o incremento das iniciativas fiscalizadoras pelas polícias por todo o país, com abordagem de suspeitos de portar arma de fogo e busca em veículos com a apreensão de armas de fogo ilícitas e prisões em flagrante; e integração operacional de todos os ramos da polícia e do Ministério Público para identificação e deflagração de inúmeras operações de destruição de focos de porte e comércio de arma de fogo, com célere conclusão e
julgamento dos processos. Ainda nesse diapasão, a APMP sugere em seu estudo a definição, pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), como meta dos diversos ramos do Ministério Público, que seja feito controle e monitoramento das armas das corporações policiais; a realização de capacitações com as polícias, tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista prático, esclarecendo sobre o uso de ferramentas letais apenas em caso de extrema e comprovada necessidade; adoção de iniciativas em defesa da cultura de paz e da tolerância; e a realização de uma nova campanha de desarmamento.
Pena branda facilita soltura de presos e aquisição de armas Quem é preso portando arma de fogo se submete a uma pena máxima de 4 anos. Assim, não sendo reincidente, se submete ao regime aberto. Ou seja, a pessoa que foi presa pela primeira vez (o que não significa que foi presa no primeiro crime que cometeu), fatalmente em minutos ou horas estará em liberdade, debochando das autoridades e adquirindo novas armas de fogo no mercado negro e
cometendo novos delitos. A pena branda facilita a soltura de presos e a aquisição de armas, uma vez que, o pequeno vendedor, responsável pela maioria das vendas de armas no comércio clandestino, necessariamente porta a arma até fechar o negócio e materializar a tradição, ou seja, a transferência da arma ao adquirente. Assim, via de regra, para ocorrer o crime de venda de arma necessariamente ocor-
reu o porte antes. Quanto mais rígido o tratamento penal dado ao porte, mais difícil a atividade de venda, posto que, quanto maiores os riscos, mais onerosos tendem a ser os preços das armas, tendo em vista que os riscos envolvidos implicam em maior custo, menor quantitativo de arma em circulação e menores oportunidades de aquisição de arma, sobretudo as mais letais.
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Brasil: 1º Lugar em homicídios em números absolutos
Nos Estados Unidos da América, apesar de ser o país com maior percentual de proprietários de arma de fogo do mundo (88,8 armas para cada grupo de 100 habitantes), os índices de homicídio são insignificantes quando comparados com os brasileiros. Dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) indicam que, nos EUA (1º lugar mundial no ranking de armas por habitante, com incríveis 270 milhões de armas, o que corresponde a algo entre 35 e 50% de todas as armas do mundo), apesar de 60% dos crimes de homicídio serem praticados com o uso da arma de fogo, o índice de homicídios pelo seu uso para cada grupo de 100.000 habitantes é de apenas 2,97. No Brasil, apesar de apenas 8% da população possuir armamento (75º no ranking de armas por habitante com um total aproximado de 14.840.000 armas), 71% dos homicídios são praticados com arma de fogo, correspondendo a epidêmicos 18,1 mortos por grupo de 100.000 habitantes. Países como a Índia, cujas condições socioeconômicas são similares ao Brasil, ostentam 0,26 mortes para cada grupo de 100.000 habitantes, apesar das 46.000.000 de armas em circulação (no ranking, arma/ habitante, figura em 110º lugar, atrás do Brasil, portanto). Apenas 7,6% dos homicídios são praticados com arma de fogo entre os hindus.
É possível extrair que apenas o número de armas em circulação não implica em aumento de violência. Parece claro, no entanto, que em outros países o número de armas ilegais em circulação é bem menor que o do Brasil. Aqui, estatísticas demonstram que mais de 50% das armas em circulação no país são ilícitas. A ONG Viva Rio trabalha com o número de 17 milhões de armas no país, acreditando que apenas 49% desse total seriam de armas legais. A revista Veja publicou que apenas 3,5% dos domicílios brasileiros têm algum tipo de arma de fogo. Mesmo assim, ostentamos o 11º lugar mundial em homicídios por habitante (dados da Organização Mundial de Saúde que mostram que a média brasileira corresponde a 5 vezes a média mundial, embora figuremos em primeiro lugar em números absolutos). Segundo a OMS, ocorreram 64.357 assassinatos no Brasil em 2012, o que o coloca como o país com mais mortes em números absolutos. A Índia, com um bilhão de habitantes a mais do que o Brasil, teve cerca de 53 mil mortes e figura na segunda posição, embora fique entre os melhores colocados na relação proporcional homicídios por grupo de 100 mil habitantes. Os números da OMS, diga-se de passagem, divergem dos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que aponta o total de 53.054 mortes em 2012. Honduras
lidera o ranking mundial de mortes por habitante. Assim, é na contenção dos portadores ilegais de arma de fogo que reside o nó górdio da matança desenfreada no país, posto que, no Brasil, 10 anos após aprovação do Estatuto do Desarmamento, o comércio legal de armas de fogo caiu 90%, mas as mortes por arma de fogo aumentaram em 346% ao longo dos últimos 30 anos, tornando o Brasil, em números absolutos, o país que mais se mata. O problema reside, sobretudo, no porte ilegal de arma. O grande problema das armas legalizadas reside no fato de que elas acabam por alimentar o mercado secundário, uma vez que são subtraídas por criminosos (e aí passam a ser ilícitas, obviamente), sejam as armas das corporações policiais ou mesmo as de civis. As armas legais impactam nos índices em quatro situações: quando subtraídas, alimentam o mercado secundário (mas aqui já se trata de porte ilegal); crimes de ocasião em discussões banais de trânsito ou em bares ou mesmo nos crimes passionais; mortes acidentais por erro no manuseio; suicídio. No entanto, apesar de haver criminalidade associada ao uso de arma de fogo legal, ela não é responsável pelos altos índices de violência experimentados no país e muito menos pela sensação de insegurança vivenciada.
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Redução da maioridade penal nã problema da marginalidade, diz
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admissão, na Comissão de Constituição de Justiça da Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda à Constituição 171/1993 – que trata da diminuição da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade – no final de março deste ano, tem dividido opiniões em todo o Brasil. Em recente artigo publicado no site da APMP (www.apmp-pi.com), o promotor de justiça José William Pereira Luz deu sua opinião contrária ao dizer que a redução da maioridade penal não vai solucionar o problema da marginalidade juvenil. Para ele, os jovens precisam de
esporte e educação, além de integração ao mercado de trabalho. “As razões utilizadas para o convencimento da população dessa aberração jurídica, não se sustentam com o uso de critérios objetivos. Afirma-se que o menor já tem plena capacidade de entender um delito como se fosse um adulto. Isso é falso. Até os 19 anos, o jovem ainda não teve definitivamente formada a sua capacidade de compreender o mundo à sua volta. Pode agir como adulto, mas ainda não o é”, diz. Para William Luz, em regra, a admissão da PEC no Parlamento Brasileiro é em decorrência das
“discussões de momento”. Segundo o promotor, “o maior problema são as leis feitas às pressas”, o que seria o caso da proposta para a redução da maioridade penal. “Muitas vezes, o legislador fez isso para aplacar o clamor social, ressentido com algum acontecimento atual. Diversas leis foram elaboradas dessa forma, criando mais problemas que soluções”, pontua. Recente pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, o Ibope, aponta que 83% dos brasileiros são a favor da redução da maioridade penal no Brasil.
ão soluciona z promotor
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Menores de 18 anos são penalmente inimputáveis De acordo com William Luz, a Constituição Federal, o Código Penal e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente preveem que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ou seja, isentos de pena. O promotor de justiça pondera, entretanto, que a própria Constituição deixou claro que o menor
de 18 anos pode ser punido, ou melhor, reeducado, nos termos de legislação especial. “A lei especial em questão é o Estatuto da Criança e Adolescente, no qual há a previsão da prática de atos infracionais, praticados por menores quando as condutas forem tipificadas como crime ou contravenção penal”, ressalta.
Retrocesso em termo de direitos humanos O Direito Internacional tem como uma de suas balizas a proteção aos direitos humanos. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi instituída com o princípio básico de proteger os direitos da pessoa humana e todos os órgãos internacionais têm nesse princípio a sua razão de ser. A ONU reconhece os direitos da criança e do adolescente como direitos humanos, elaborando a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1959, que considera criança “todo ser humano com menos de 18 anos de idade”. A Convenção foi adotada pelo Brasil através do Decreto 99.710/90. Segundo a Constituição Federal, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. “A Convenção sobre os Direitos da Criança proíbe todas as formas de violência física ou mental. O Brasil, como signatário desse dispositivo internacional, não pode simplesmente desconsiderá-lo, já que não há possibilidade de um país voltar atrás em matéria de direitos humanos”,
pondera William Luz. O promotor de justiça observa que, caso o Brasil adote a redução da maioridade penal, estará descumprindo formalmente a Convenção Internacional do Direito da Criança, o que, segundo William Luz, é um retrocesso. “Se isso ocorrer, o país deixará de ser visto como o país do futuro e começará a ser visto como um país que não consegue se livrar do passado aristocrático, conservador e arcaico”, finaliza.
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Brasil é o 7º país em mortes de mulheres por questões de gêneros C
erta ocasião, no bando de Lampião, ocorreu um episódio relacionado à defesa da honra masculina. Corisco, o Diabo Louro, integrante do bando e considerado o último chefe do cangaço morto, adotou uma postura que, muitos anos depois, tornouse conhecida em muitos lugares do país. No caso, tratou-se do desfecho do relacionamento amoroso entre Cristina e Português. Ela o havia traído com um integrante do bando de Corisco – o cangaceiro Gitirana – e Português contratara Catingueira para “limpar sua honra maculada”. Quando Catingueira chegou ao acampamento de Corisco, chamou logo Gitirana para uma conversa particular. Naquele momento, Maria Bonita e Lampião estavam no mesmo acampamento e, por acaso, se aproximaram deles. Maria Bonita
adiantou-se, sugerindo a Catingueira que a pessoa a ser eliminada deveria ser Cristina (a verdadeira culpada, segundo ela) e, não, Gitirana. Naquela hora, Corisco retrucou: Ela deu o que era dela! Ninguém tem nada com isso! Insatisfeita com a resposta, Maria Bonita continuou defendendo a contrapartida masculina: É, mas Português vai ficar desmoralizado! Já impaciente com aquele confronto, o Diabo Louro deu um basta à discussão: Ele que cuide da mulher dele! Do meu rapaz, cuido eu! Em relação àquele desenlace amoroso, Lampião deu total apoio a Corisco. Cristina permaneceu com o bando, escondida durante algum tempo. Todavia, ela foi morta quando ia para a casa de familiares no dia 21 de Julho de 1938, já que Português contratara outros cangaceiros para matá-la. Neste sentido, não restava dúvidas: o adultério feminino não era tolerado nos
bandos do Nordeste. Esse caso, ocorrido no auge do ciclo do cangaço, pouco antes da morte de Lampião em Angicos, Sergipe (28 de julho 1938) e bem perto da aprovação do Código Penal ainda em vigor (7 dezembro 1940) seria facilmente capitulado como homicídio praticado por motivo torpe em razão da vingança, e mediante recurso que impossibilitou a defesa da vítima, nos termos do art. 121, parágrafo 2º, I e IV do Código Penal. No entanto, no dia 9 de março deste ano, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.104/15, que altera o Código Penal e torna mais severo o tratamento dado aos crimes praticados em situação de violência de gênero, classificando como crime hediondo o feminicídio – ou seja, o assassinato de mulheres em razão do gênero.
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Tipificar o feminicídio para erradicá-lo No Brasil, no campo do Direito Penal, com o intuito de proteger as mulheres, foi editada a Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, sendo esta um marco no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, ocasião em que foram criados juizados e delegacias especializadas, todos com o objetivo de aprimorar a apuração e o julgamento dos crimes que envolvam violência de gênero. A Lei 13.104/15 estabelece o feminicídio como uma das formas de homicídio qualificado. O crime é definido como o homicídio praticado
contra a mulher por razões de gênero, quando houver violência doméstica ou familiar, violência sexual, mutilação da vítima ou emprego de tortura ou outro meio cruel ou degradante.
Para a promotora de justiça do Piauí Maria do Amparo Sousa – que atua na
10ª Promotoria de Justiça (Núcleo de Promotorias de Justiça de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar, NUPEVID) –, “tipificar o feminicídio contribui, em termos concretos, com a erradicação da violência no país e fortalece o trabalho tanto da polícia judiciária, como do Ministério Público, para garantir a devida investigação, persecução e punição de um delito que representa uma cultura de ódio e extermínio contra as mulheres. Tipificar o feminicídio para erradicálo”.
Feminicídio: crime de desprezo e ódio contra mulheres A promotora de justiça Maria do Amparo Sousa entende que o feminicídio resulta do desprezo e do ódio em relação às mulheres, a expressão da violência extrema contra mulheres e meninas. “São um atentado contra a segurança da mulher, sua integridade, o seu direito à vida e à dignidade que clarifica a hipótese de que tais crimes sejam cometidos com um simples interesse: porque as vítimas são mulheres, porque sempre se pode assassiná-las e porque até o presente, infelizmente, existe impunidade na maioria dos casos”, diz. De acordo com a promotora de justiça, o Brasil atualmente ocupa o 7º lugar em morte de mulheres por razões de gênero, segundo pesquisa realizada em 84 países. Diante do aumento dos homicídios praticados contra mulheres, houve um anseio
da sociedade pelo agravamento da punição penal nessas situações. No Brasil, entre os anos 2000 e 2014, cerca de 4300 mulheres foram assassinadas, sendo essa uma tendência constatada em toda a América Latina. “A tipificação do feminicídio visa, ainda, impedir o surgimento de interpretações jurídicas anacrônicas e nos dias atuais inaceitáveis, tais como as que reconhecem a violência contra a mulher como ‘crime passional’, muito defendida nas sessões dos Tribunais dos Júris pela defesa dos agressores, bem como evitar a desconstrução da memória da vítima, como ocorre nos dias atuais, onde a vítima, além da morte física ainda tem a sua memória enlameada com insinuações sexistas de toda espécie”, enfatiza a promotora de justiça Maria do Amparo Sousa.
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ENTREVISTA
Compreensão in penal ge
Promotor de justiça Cláudio Soeiro
O domínio nos nossos Tribunais do garantismo monocular pautado na proibição do excesso estatal ao longo dos últimos 27 anos, juntamente com outros fatores, trouxe inúmeras consequências negativas para a sociedade na seara criminal
No texto da Constituição Federal do Brasil, encontramos estampada uma forte preocupação com o ser humano, a imposição de limites à atuação do Estado Punitivo e o estabelecimento de deveres sociais para o Estado Provedor. A atmosfera que envolvia os parlamentares na época da elaboração da Carta Magna estava retratada na visão de um “Estado Inimigo” que usava da sua força para submeter o cidadão insatisfeito com o Regime Militar aos maiores horrores já registrados na história do país. Para o promotor de justiça Cláudio Soeiro, que fala em entrevista ao Informativo da APMP, vivia-se, naquela época, um Estado extremado, de abusos e violações aos direitos mais básicos do cidadão tais como o direito de expressão, o direito à privacidade/intimidade, o direito à liberdade e o direito à vida. “Neste panorama, uma das principais medidas tomadas pelos constituintes, ao
redigirem o texto constitucional, foi impor limites e regras rígidas à atuação do Estado Punitivo, como forma de garantir aos cidadãos o exercício livre de todos os direitos que lhes foram negados durante o regime ditatorial”, diz Soeiro. Tais medidas causaram uma sensação de segurança social na época da promulgação da Constituição Federal. No entanto, os constituintes não tinham como prever as consequências sociais desta burocratização da atuação do Estado Punitivo. “Saiu-se de um extremo para outro”, observa o promotor. A nova realidade constitucional, diz Soeiro, aliada aos vários sentimentos (medo, revanchismo, desconfiança, preconceito) nutridos em relação à atuação do Estado Punitivo, levou o Poder Judiciário e o Poder Legislativo a tratarem de concretizar a visão popular de um Estado Punitivo inimigo do cidadão.
Como está o Brasil após 27 investigativos à noção garantista, da anos de Constituição Federal? proibição do excesso que irradia dos
Tribunais a partir das interpretações das leis do texto constitucional. Assim, o que o legislador constituinte pretendeu, ou seja, proteger os cidadãos dos abusos do Estado Polícia, se concretizou, uma vez que os excessos na apuração dos crimes deixaram de ser a regra e se tornaram exceção.
Atualmente, percebe-se que o Estado não é mais aquele algoz do indivíduo, ao revés. É fato que o Estado nunca se mostrou tão provedor dos direitos sociais dos indivíduos, vez que ele trata de prover aos seus cidadãos desde o fornecimento de medicamentos até o financiamento de cursos universitários. No camQue consequências esse po criminal, os agentes públicos responsáveis pela repressão ao crime “garantismo” de que o senhor tiveram que adequar os seus métodos fala traz para a sociedade?
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ncompleta do garantismo era impunidade É preciso esclarecer que garantismo é uma visão do Direito Constitucional aplicada no Direito Penal e Direito Processual Penal. Para muitos juristas, o garantismo serviria apenas para beneficiar o réu, ou seja, uma forma de proteção de seus direitos fundamentais e individuais. O domínio nos nossos Tribunais do garantismo monocular pautado na proibição do excesso estatal ao longo dos últimos 27 anos, juntamente com outros fatores, trouxe inúmeras consequências negativas para a sociedade na seara criminal, dentre as quais destacamos o absurdo crescimento da criminalidade e o aumento da sensação da impunidade. Enquanto o aparelho repressor da criminalidade viveu e ainda vive um longo período de grave burocratização – limitações constitucionais mais instrumentos de investigação obsoletos –, a criminalidade cresceu e ainda cresce fortemente nestes últimos 27 anos, tornando-se mais organizada com maior profissionalismo na atuação criminosa, fazendo surgir “grifes” como o Comando Vermelho e PCC, que todo criminoso quer “vestir”.
chegam ao seu conhecimento por descrença da população, ou porque os instrumentos investigatórios não se mostram mais eficientes para elucidar os crimes, ou, ainda, porque a burocracia investigatória acaba por retirar a agilidade necessária para a solução do crime. Vê-se, também, que, quando o aparelho de repressão criminal consegue elucidar o crime por completo, ele não consegue aplicar a punição merecida, seja por conta da ocorrência da prescrição (lentidão do julgamento), seja em razão das nulidades declaradas pelos Tribunais a partir de uma compreensão incompleta do garantismo penal, seja por força da política da pena mínima tão fortemente disseminada e reproduzida pelos Tribunais do país. Vivemos um momento histórico no campo criminal em que se exige a adoção de posicionamentos temperados, medianos, buscando sempre uma posição mais central. Nem tanto à terra, nem tanto ao mar. Assim, após 27 anos de Constituição Federal, já está na hora de se fazer o ajuste necessário ao extremado – e equivocado – garantismo penal monocular vivenciado no Brasil, onde o Estado se esqueceu – e continua a se O aumento da criminali- esquecer – do seu dever de proteção dade torna a sensação ou de todos os cidadãos.
Não, pois trouxeram consigo consequências negativas igualmente extremas. Norberto Bobbio, revelando a importância da busca pelo equilíbrio, já havia advertido: “não é verdade que o aumento da liberdade seja sempre um bem ou o aumento do poder seja sempre um mal”. Hoje, segundo Bobbio, numa tentativa de mudança do garantismo hiperbólico monocular – é hiperbólico porque é aplicado de uma forma ampliada, desproporcional, e é monocular porque só enxerga os direitos fundamentais do réu – e de se amenizar a sensação de impunidade, vem ganhando espaço no Brasil a doutrina do garantismo penal integral, que busca uma completa compreensão e aplicação da teoria do mestre italiano Luigi Ferrajoli, para se possibilitar uma análise da situação concreta apresentada a partir de dois pilares: a proibição do excesso – imposição negativa ao Estado voltada para a proteção dos direitos fundamentais do investigado/réu – e a vedação da proteção deficiente – imposição positiva ao Estado voltada para a proteção dos direitos fundamentais, sociais e difusos da vítima indivíduo ou sociedade. Tudo isso sob o crivo do princípio da proporcionalidade que será o balizador na busca da decerteza de impunidade mais cisão mais justa e equilibrada. Em evidente? Então, as soluções propos- outras palavras, o garantismo penal tas para combater a crimi- integral se contrapõe ao garantismo Sem dúvida, pois o aparelho de nalidade ao longo desses anos hiperbólico monocular, já que visa repressão criminal não consegue dar não se revelaram as melhores resguardar os direitos fundamentais resposta a todas as condutas crimi- para o Brasil? não só dos réus, mas também das nosas praticadas, ou porque não vítimas.
12 Estupro de vulnerável
Doente mental e vontade sexual
O
art. 217-A do Código Penal prescreve que ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos caracteriza a figura do estupro de vulnerável, cuja pena é de reclusão 8 a 15 anos. O parágrafo 1º do mesmo dispositivo prescreve que incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Nesse ponto, surge a questão: a pessoa que pratica relações sexuais com enfermo mental sempre incide na pratica do crime mencionado? Este questionamento, ao admitir como positiva a resposta, acabará por implicar em uma verdadeira negação da sexualidade do doente mental. Seria como admitir que, no doente mental, a manifestação de impulsos sexuais seria uma forma de desvio ou perversão e não natural manifestação de seus desejos como ser humano. Seja através da prática do ato sexual, da verbalização do desejo sexual, da masturbação, erotização exacerbada, o doente mental manifesta por diversas formas a sexualidade que lhe é inerente.
Mas, para muitos, o doente mental é um ser assexuado. Qualquer forma de relação sexual com doente mental é logo vista como abuso sexual, na qual o indivíduo sem a patologia se vale da resistência psíquica diminuta do enfermo mental para satisfação da própria vontade sexual. Se assim fosse, seria completamente negada a sexualidade de pessoas nessa condição, posto que a relação sexual com a pessoa com deficiência mental seria, sempre, considerada abusiva e ilícita.
Em um caso concreto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu ser necessária a realização de perícia que atestasse o grau de debilidade da “vítima” doente mental – apesar de ter sido comprovada a ocorrência do ato sexual, uma vez que resultou gravidez – para caracterização do estupro de vulnerável. Segundo o Tribunal, “embora atestado que a vítima padece de retardo mental moderado, esta não foi submetida à perícia psiquiátrica específica, com o intuito avaliar a intensidade de tal debilidade e de apurar a presença ou não de capacidade para compreender o ato sexual e suas consequências, bem como de consentir com sua prática”. Em outro trecho do acórdão é dito o seguinte: “Valendo-se dos ensinamentos de Rogério Greco, cabe salientar que ninguém está proibido de se relacionar sexualmente com pessoa que apresente patologia mental. O que o legislador buscou evitar foi o abuso por parte do agente criminoso, conhecedor da situação de redução ou ausência de capacidade para consentir. Da mesma forma, invocando o princípio da dignidade da pessoa humana, não se pode vedar aos alienados e deficientes mentais o direito a manter uma vida sexual ativa, apenas em virtude de sua peculiar condição. É necessário harmonizar a regra protetiva com o mencionado princípio fundante”. Aqui, parece que a Corte Gaúcha optou por analisar não apenas a presunção, mas o grau de vulnerabilidade do enfermo mental. Assim, diante do caso concreto, como analisar a ocorrência do estupro de vulnerável em tais circunstâncias? Imaginando que uma doente mental tome a iniciativa e mantenha relações sexuais com determinado rapaz sem qualquer problema mental, esse consentimento, essa sua manifestação de vontade é válida ou o ato é abusivo por parte do homem, uma vez que há presunção de manifestação viciada da vontade do enfermo mental?
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Discernimento na prática do ato sexual De acordo o promotor de justiça Criminal Gerson Gomes Pereira, que tem debatido a temática no Piauí, a lei brasileira se refere a desenvolvimento mental como um conceito indeterminado a ser preenchido no caso concreto, pelo juiz, com auxílio do perito especializado. Segundo Gomes, para o Direito Penal, não há dúvida de que o doente mental tem vontade, pois o dolo pressupõe o “querer a conduta”, o “querer o resultado” ou ao menos assumir o risco de produzi-los, sem se preocupar com a consciência da ilicitude do fato, que pertence ao campo da culpabilidade (art. 18, I c/c o artigo 21, ambos do CP). “Aqui reside a questão: saber se, para considerá-lo vulnerável, o caminho é o mesmo da consideração da inimputabilidade, isto é, se inteiramente incapaz de entender o
caráter ilícito do fato, previsto no art. 26, do Código Penal, corresponde a não ter o necessário discernimento para a prática do ato, estatuído no parágrafo 1º, do art. 217-A, do CP”, pontua o promotor. Para o membro do Ministério Público, as respostas iniciam muito mais indagações que resolvem a questão. Primeiro, segundo ele, porque o artigo 26 se refere ao doente mental autor de crime, admitindo a existência de sua vontade (ou seja, do dolo). Por isso, sua incidência difere para a culpabilidade. Já o art. 217-A, parágrafo1º, exige a análise da elementar normativa doente mental, combinado com seu discernimento, logo no fato típico, já que se trata de crime autônomo, excluindo questionamentos sobre a consciência da ilicitude, pois ele não é agente do crime, mas objeto material.
“Se ele dirige sua vontade para o sexo, como sujeito ativo, com desejo de ter conjunção carnal ou outro ato libidinoso, teve dolo, podendo sofrer uma pena de medida de segurança, se provada sua inimputabilidade, como previsto no art. 26, do CP. Em sentido oposto, se outro indivíduo, tido como ‘normal’, mantém com ele relação sexual, a mesma vontade também existe, não havendo crime pelo simples fato de ele ser um doente mental, pois o direito se preocupa com o fato e não, exclusivamente, com o autor”. Em outras palavras, o doente mental como objeto material do crime de estupro pode ser inimputável, mas ter discernimento para prática do ato sexual, que se concentra apenas na vontade para a prática do ato, o que exclui o crime de estupro de vulnerável.
Lei penal só pode ser aplicada para proteção contra abuso sexual Na opinião do promotor Gerson Gomes, a lei penal só deve ser aplicada quando o resultado for a proteção contra o abuso sexual do doente mental, posto ser ele o objeto jurídico tutelado. “Se a doença mental for usada para retirar-lhe a possibilidade de ter vida sexual, tratando-o como objeto sempre e não como sujeito de direitos, ignorando que tem sentimentos, aspirações, desejos e vontades, tal interpretação ofende a Constituição Federal, por desigualá-lo dos ditos ‘normais’, numa clara violação à dimensão positiva do princípio da proporcionalidade denominado princípio da proibição da proteção deficiente dos direitos fundamentais, no caso, do direito à dignidade sexual”, explica. O promotor afirma, ainda, que o sexo decorre do instinto, tal qual a necessidade de alimentação e pode ser algo programado pelo cé-
rebro ou não, mas sempre decorrente da vontade. Daí, segundo Gomes, não se poder eliminar completamente o direito ao sexo dos doentes mentais, sob o argumento de invalidez de consciência jurídica da ilicitude do fato, desnecessária quando ele é objeto material de crime. Além disso, o art. 23 da Convenção Internacional sobre os Direitos das pessoas com Deficiência alterou a ordem jurídica brasileira para eliminar qualquer discriminação contras as pessoas com deficiência. “A norma invalidou o art. 1.548, I, do Código Civil, que torna nulo o casamento contraído pelo enfermo mental, ao eliminar qualquer discriminação contra pessoas com deficiência e fomentar o casamento delas. Do contrário, também aquele dito ‘normal’, que contraiu matrimônio com pessoa, que, posteriormente, adquiriu deficiência
mental, também não teria direito ao sexo, o que contraria o disposto no parágrafo 2º, do art. 1.572, do CC, que pressupõe, para a separação judicial, o casamento com pessoa com deficiência mental grave. Em outras palavras, é possível a manutenção do matrimônio com pessoas com deficiência mental grave, via de consequência, também o sexo”, diz. Para o representante do Ministério Público, se é permitido casar e o sexo é um dos deveres da relação matrimonial, o doente mental, também nesta hipótese e na de união estável, tem garantido o exercício pleno desse direito, posto ser um fato natural imprescindível ao desenvolvimento da personalidade. “Dentre as finalidades do casamento, evidentemente está o relacionamento sexual, embora ninguém case só para isso, mas case também para isso”, finaliza Gerson Gomes.
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Liberdade de crença nã liberdade de fazer o que bem
O caso Jeffs
A
lguns anos atrás, a sociedade americana foi sacudida com uma polêmica que colocou o tema liberdade religiosa no foco. Warren Jeffs era líder de uma seita radical da religião Mórmon. Jeffs era o profeta da Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que acredita que a poligamia leva à exaltação no paraíso. Os
seguidores dessa igreja acreditam que Warren Jeffs fala por deus na terra. A religião acredita em um novo testamento do cristianismo, “O Livro dos Mórmons” (1830), pois, segundo a origem, o fundador da Igreja, Joseph Smith, recebeu uma mensagem de deus e de Cristo nos Estados Unidos e, depois, a visita de um anjo, Morôni, que indicou a localização de placas de ouro com as mensagens que serviriam de base para o Livro, tendo seu fundador a missão de restaurar a Igreja de Cristo. Jeffs foi acusado de ter violentado duas crianças em 2008, durante eventos de sua igreja em um rancho perto de Eldorado, no Texas. Uma menina de 12 anos de idade e outra de 14 anos eram consideradas por ele “suas viúvas espirituais”, segundo a rede de TV CNN. O líder espiritual foi condenado à prisão perpétua. Erich Nichols, promotor que atuou no caso, afirmou que Jeffs perverteu sua posição de líder da igreja Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias para “satisfazer seus próprios desejos e apetites pessoais”. O advogado de
Jeffs, Wally Bugden, insistiu na tese de que Jeff estaria sendo condenado por suas crenças, tendo afirmado que “o seu comportamento é o resultado de mais de 100 anos de religião. Esta é a cultura onde todos os envolvidos nesse caso cresceram”. Budgen também afirmou: “Esse é um caso único de Warren Jeffs onde ele está seguindo a tradição baseada em profunda crença religiosa de que a lei do casamento celestial, do casamento de colocação, é o que Deus quer”. Os membros do MP sempre rejeitaram os argumentos de liberdade de crença religiosa usados pelo líder espiritual e seus advogados. O procurador geral de Utah, Mark Shurtleff, pontuou que “Jeff poderia acreditar no que ele quisesse, mas ele está indo para a prisão por suas ações, as quais conduziram ao estupro de crianças”. Em síntese, seria algo como dizer que a liberdade de crença não significa liberdade de fazer o que bem entender com base naquilo que acredita em um Estado Laico e com normas pré-estabelecidas.
comparando-os a pedófilos. O Ministério Público Federal instaurou procedimento para apurar a conduta de Levy Fidélix, mas admitiu, na Portaria de Instauração do procedimento, que não concordar com o homossexualidade ou com a união homoafetiva faz parte da liberdade de crença de cada um, embora tenha, no caso, instaurado a investigação por entender que
o discurso foi mobilizador de ódio. “Ser contra homossexuais e suas práticas ou contra a união entre eles é opinião que se insere na proteção da liberdade de expressão. Todavia, da fala de Levy Fidélix decorre convite à intolerância e à discriminação, permitindo, em princípio, sua caracterização como discurso mobilizador de ódio”, disse o procurador geral da República, Rodrigo Janot.
O caso Fidélix Nas eleições presidenciais de 2014, Levy Fidélix, do PRTB, em debate televisivo, proferiu afirmações polêmicas. O candidato afirmou o seguinte: “Pelo que eu vi na vida, dois iguais não fazem filho”, “Aparelho excretor não reproduz”, e, ao final de sua réplica, ainda defendeu o tratamento psiquiátrico dos homossexuais, conclamou a “maioria a combater a minoria”,
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ão significa m entender Caso Ras Geraldinho
Em Americana, São Paulo, Ras Geraldinho foi preso por cultivar, segundo afirmou, para fins religiosos, 37 pés de maconha na sede da Igreja que fundou. Ras Geraldinho, autointitulado “líder máximo” da Primeira Igreja Niubingui Etíope Coptic de Sião do Brasil, foi o criador da primeira Igreja Rastafari no país. Ele foi condenado em primeira instância a uma pena de 14 anos de prisão por tráfico de entorpecentes. O Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a decisão. Geraldinho dizia que o consumo da erva somente ocorria em ocasiões de culto e tenta levar o caso ao Supremo Tribunal Federal para discussão sob a ótica da liberdade religiosa. Surgida nos anos 1930 na Jamaica, a seita messiânica Rastafari sustenta que a maconha é sagrada, Deus é Jah, os etíopes são o povo escolhido e o ex-imperador da Etiópia Hailé Selassié (ou Rastafari, nome que usava antes de sua coroação),
morto em 1975, era Jesus Cristo reencarnado. Para o advogado do líder Rastafari, Mauro Chaliben, a condenação de Ras vai contra as liberdades de consciência e religiosa. Para ele “houve preconceito, intolerância religiosa e um conservadorismo que não enxergou os ventos que sopram no mundo na questão da descriminalização da cannabis”. Daniela Sokomov, defensora pública do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, afirmou que a decisão “vai na contramão de toda a discussão mais contemporânea sobre o assunto”.
Para o promotor de justiça Clóvis Siqueira, que atuou no caso, no entanto, Geraldinho “inaugurou, em companhia de terceiros, uma seita de pretexto religioso para se respaldar no sagrado princípio de liberdade de crença e de religião, que já vem sendo desvirtuado no Brasil para a prática de inúmeros crimes, dentre eles de índole fiscal e patrimonial”. Segundo Clóvis, “na realidade, lá funcionava um local de exclusivo consumo de maconha, frequentado por viciados, que chegavam a pagar a importância de R$ 10 na entrada, num evidente e inquestionável ‘self service de cannabis sativa’”.
Estado deve ser laico, neutro e imparcial Até onde, em nome da liberdade de crença prevista constitucionalmente, se admite a prática de ato que, na legislação nacional, é considerado ilícito? O promotor de justiça do Ministério Público do Piauí, Edilson Farias, ao defender a retirada de símbolos religiosos de repartições públicas, asseverou que para assegurar a liberdade de religião, a não interferência da Igreja no Estado, a consequência necessária é que o
Estado deve ser laico, neutro, imparcial. “Em caso de conflito entre a liberdade de crença religiosa e direito positivo, que protege bens igualmente amparados na Constituição (quer bem individual ou bem coletivo), prevalece o direito positivo. Isso é assim porque a liberdade de crença religiosa, como todas as demais liberdades constitucionais, não é direito absoluto, devendo ser ponderada com os direitos individuais e
bens coletivos igualmente assegurados na Constituição”, observa Edilson Farias. “A liberdade de crença tem limites. Por conseguinte, não se pode praticar crimes em nome da religião, visto que os tipos penais geralmente protegem bens e valores igualmente amparados na constituição, tais como a vida, a integridade física, a liberdade, a honra e a privacidade”, conclui.
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Não há
silêncio
que não termine
I
ngrid Betancourt, ex-senadora colombiana, foi sequestrada pelo grupo revolucionário denominado Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Por anos, ela foi submetida aos mais variados tipos de abusos no meio da floresta colombiana. Foram-se 6 anos e 4 meses, até que um dia Ingrid e mais 15 reféns fossem levados para uma “inspeção humanitária”. Um helicóptero pintado de branco e vermelho, com símbolos que o identificaram como sendo da Cruz Vermelha, levaria os reféns para realização de exames. Da aeronave, ao pousar, saiam homens vestidos com jalecos e camisetas com a imagem do líder revolucionário Argentino Che Guevara. Quando o equipamento saiu do solo, convencidos os membros da escolta das Farc a entregar suas armas sob o argumento de se tratar de missão humanitária, em poucos minutos os reféns ouviram a frase que sonharam em cada um dos dramáticos dias aprisionados: “Somos do exército, vocês estão livres!”. Em verdade, a ação do exército colombiano foi de camuflagem. Os homens se passaram por membros da Cruz Vermelha e ludibriaram os integrantes das Farc. Disfarçaramse de médicos e de revolucionários (tanto com a vestimenta, como com a forma de falar, o que foi preparado cuidadosamente). Terminava ali uma angustiante espera e o sofrimento de 15 reféns.
Ingrid Betancourt Cessou o cárcere de alguns reféns, mas o Governo Colombiano não foi poupado pelos críticos da operação. O Código Penal Colombiano prevê em seu artigo 143 o crime de perfídia, conduta igualmente prevista na Convenção de Genebra. O crime se caracteriza pelo uso do símbolo da Cruz Vermelha “para atacar ou causar dano” a adversário e é punido com pena de até oito anos de prisão. A Convenção de Genebra (sobre conflitos e guerra), seus protocolos – adotados por Bogotá –, as legislações internacionais e as leis de vários países são unânimes em tipificar como crime o uso do nome e símbolo da Cruz Vermelha, da Organização das Nações Unidas (ONU) ou qualquer outra organização humanitária, bem como o uso simulado de bandeira de rendição e o uso de fardamento do adversário para “matar, ferir ou capturar” adversários. Para muitos, a Operação XequeMate (Jaque, em espanhol) foi um sucesso, pois libertou os reféns e
conta seus dias de cativeiro no livro “Não há silêncio que não termine”. Sob a ótica do Direito, como avaliar a conduta do Governo Colombiano? Diante das vidas envolvidas, do sofrimento dos reféns, por se tratar de uma situação de sequestro, ainda que alicerçada em motivos políticos, a ação do Governo Colombiano se legitima, independente das ferramentas utilizadas? Ocorreu o crime de Perfídia? Mesmo que não seja considerado penalmente ilícito, a conduta é moralmente reprovável ou não? terminou sem nenhum disparo e nenhum morto ou ferido. Para os críticos, no entanto, o crime de perfídia ocorreu, tendo sido grave a atuação do ex-presidente da Colômbia. Para os críticos, no entanto, o crime de perfídia ocorreu, tendo sido grave a atuação do expresidente da Colômbia.
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Limite da legalidade No blog de Aluisio Milani, Tarciso Del Maso Jardim, um brasileiro que em 2008 era consultor do Senado para assuntos de direito humanitário internacional e direitos humanos, disse que o Governo colombiano atuou no limite da legalidade para descaracterizar o resgate da Ingrid Betancourt e dos demais reféns do crime de perfídia. “Originalmente previsto para conflitos armados internacionais, o crime de perfídia se diferencia das permitidas artimanhas de guerra, pois são atos dissimulados destinados a enganar o adversário com a finalidade de matá-lo, feri-lo ou capturá-lo”, diz Tarcisio Del Maso. Por exemplo, disfarçar-se de pessoa protegida pelo Direito Internacional humanitário para tal fim seria perfídia, como seria o caso se militares colombianos se disfarçassem de membros de organização da sociedade civil e ocultassem helicóptero militar sob cores civis, similar ao feito, porém para atacar os guerrilheiros. Esse tipo penal é incorporado pelo direito colombiano (artigo 143 do Código Penal colombiano) e estendido a todos os conflitos armados, inclusive os internos, e seria o ato de combate com objetivo de causar dano ou de atacar o adversário mediante uso de sinais protetores como a Cruz Vermelha ou simulando ser pessoas protegidas pelo direito internacional. Porém, o objetivo do exército colombiano não foi matar ou causar dano ao inimigo, mas salvar reféns, o que constitui a interrupção de outro crime internacional. “Os soldados rendidos pelo exército na operação não eram o alvo desta, não houve esse dolo e o Direito Penal não admite esse tipo de analogia. Mas é importante corrigir o que foi veiculado pelas fontes oficiais, de que os demais guerrilheiros, que estavam no local do resgate e não adentraram o helicóptero de salvamento, não foram mortos somente porque isso prejudicaria a liberação de outros reféns, pois, na verdade, se o exército colombiano os atacasse, estaria cometendo o crime de perfídia. Parece que o exército estava muito bem orientado para atuar no limite da legalidade”, enfatiza Del Maso.
Promotor de justiça Sérgio Reis Coêlho
Ação ilegítima e retrocesso humanitário? Para o promotor de justiça Sérgio Reis Coêlho, a Operação Xeque-Mate representou um retrocesso humanitário, afetando profundamente a confiança dos beligerantes em instituições neutras como a Cruz Vermelha Internacional. A conduta do Governo colombiano, na visão de Sérgio, refletiu um típico caso de perfídia, sob a ótica do Direito Internacional. “Os militares planejaram e executaram a sua operação fazendo uso do engodo, pois levaram os guerrilheiros das Farc a acreditar que estariam realizando uma transferência de presos sob a tutela da Cruz Vermelha Internacional e com cobertura de uma rede de televisão do país, quando, na verdade, praticavam uma ação militar de resgate”, explica. Para Sérgio, ainda que tenha tido um resultado positivo, com a libertação dos 15 reféns e a inexistência de mortos ou feridos durante a operação, a ação do Governo colombiano foi uma afronta ao direito humanitário, aos direitos humanos e ao Direito Internacional. “A ação não possui justificativa quer jurídica, quer política para o abalo que promoveu na confiança e respeito que deve existir, em nível internacional, entre os países e organizações combatentes para com entidades humanitárias como a Cruz Vermelha. Os estados têm compromissos internacionais, devendo observar alguns princípios que não podem ser violados, sob pena de incidirem em sanções morais e mesmo jurídicas. Esta ação fragilizou enormemente o âmbito
de proteção do direito humanitário, expondo a perigo muitos profissionais que atuam nesta seara”, pondera. Entretanto, alguns penalistas e defensores da Operação Xeque-Mate afirmam que não ocorreu o delito de perfídia – previsto no artigo 8º, 2, b, VII do Estatuto de Roma e no artigo 143 do Código Penal Colombiano –, pois para sua caracterização, há de se fazer presente o dolo específico de matar, ferir ou capturar. “Ocorre que, se pela lógica do Direito Penal tradicional é possível se apresentar escusas, o mesmo não ocorre no Direito Penal Internacional. O Direito Penal tradicional regula o direito de punir do Estado, o Direito Penal Internacional regula a boa convivência e a integridade dos Estados nacionais”, observa Sérgio Reis Coêlho. No plano prático, há de se reconhecer a existência de uma lacuna de responsabilização penal que impede e torna difícil o processamento de eventuais responsáveis pela Operação Xeque-Mate. Apesar disso, não significa, como alguns defendem, que atuaram no limite da legalidade, o que justificaria a conduta. “Condutas iguais são tratadas de forma diferente nos países. Logo, como avaliar a lei nacional? Em Cuba, por exemplo, a mera utilização de símbolos ou uniformes da Cruz Vermelha, da forma como ocorreu na Operação XequeMate, é um fato típico, sendo punido penalmente conforme determina o artigo 45 da Lei dos Delitos Militares”, conclui o promotor Sérgio Reis.
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APMP faz análise sobre Semana Nacional do Júri no Piauí
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ealizada do dia 13 a 17 de abril, a Semana Nacional do Júri é uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) visando colocar em pauta o julgamento de processos que envolvessem crimes dolosos contra a vida. A Associação Piauiense do Ministério Público (APMP) realizou levantamento de informações junto aos promotores de justiça que atuaram em 55 julgamentos na capi-
tal e no interior do Piauí. No caso, o levantamento não contempla todos os processos levados a plenário na Semana, mas engloba a maioria. De acordo com o presidente da APMP, Paulo Rubens Parente Rebouças, alguns dados envolvem um universo menor de julgamentos devido à falta de uma informação precisa em razão do elevado número de julgamentos realizados em um curto período de tempo.
Total de Condenações Do total de processos julgados, em 38,1% dos casos o Ministério Público conseguiu a condenação do réu nos termos da pronúncia. Em 36,6% houve absolvição. Em 7,27% dos processos o próprio Ministério Público pediu absolvição. Em 18,1%
houve desclassificação – mas com condenação. Ou seja, em 56,2% dos casos houve condenação – seja na forma da pronúncia, seja com desclassificação. Em nenhum dos casos em que o Ministério Público pediu a absolvição, o Conselho de Sentença condenou.
“Os dados são sugestivos e podem ser indicativos de uma tendência, sendo que, em razão do pequeno número de casos avaliados e da peculiaridade dos julgamentos em regime de mutirão, não é possível se extrair apontamentos conclusivos, embora sejam indícios importantes para análise em busca de aperfeiçoamento dos membros do Ministério Público e uso dos dados obtidos”, explica Rubens.
Julgamentos com defensores públicos e advogados Nesse quesito, foram analisados 34 processos. Do total, 20 julgamentos ocorreram com advogados e 14 com Defensores Públicos.
Foi realizada réplica? Nesse tópico, foram analisados 52 processos. Do total de Julgamentos realizados, em 59,7% dos casos o Ministério Público foi à réplica e em 40,3% dos casos o MP não usou o procedimento. Do total de processos analisados, naqueles que o Ministério Público foi à réplica, em 19 (61,2% dos casos) houve con-
denação e em 12 (38,8% dos casos), absolvição. Nos processos em que o MP não foi à réplica, em 52,3% houve absolvição e em 47,7% houve condenação. O índice sugere que há um aumento no número de condenações em caso de uso de réplica – embora seja um indicativo baseado em pequeno contingente de processos e em um cenário de
julgamento em mutirão –, de maneira que esse resultado não pode ser tomado como conclusivo. “Tal análise também pode ser influenciada pela própria natureza dos casos em que o membro do Ministério Público decide não ir à replica devido à peculiaridade do caso. Assim, não é possível se extrair uma conclusão definitiva”, pondera Paulo Rubens Parente Rebouças.
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Arma de fogo é instrumento mais usado nos crimes contra a vida
No tópico instrumentos usados nos crimes contra a vida, foram analisados 50 processos, sendo que, do total, em 28 casos a morte ocorreu com o uso de arma de fogo; em 18 casos, a faca foi o instrumento utilizado; em dois, foi usada paulada; em um caso, a morte se deu por afogamento; e no quesito outros meios, houve uma morte pelo uso de uma espada.
Do total de homicídios julgados, em 56% dos casos, a morte foi decorrente do uso de arma de fogo. Em seguida, com índice significativo, vem a faca, que corresponde a 36% do total de mortes. Em 4%, a morte foi decorrente de pauladas. E em 2%, houve uso de afogamento e de outros meios. Para o presidente da APMP, este índice sugere que é necessário se
pensar em mobilizações contra o porte de arma de fogo e o porte de arma branca, instrumentos com altíssimo índice de letalidade e usados na maioria dos crimes dolosos contra a vida. “Esta realidade dos casos se aproxima da média nacional, na qual em 71% dos homicídios a morte decorre do uso de arma de fogo”, diz Paulo Rubens.
A maioria dos promotores de justiça consultados sugeriu, em síntese, o seguinte:
envolvida com crimes apresentam uma natural tendência à absolvição, de forma que o Plenário do Júri se transforma muito mais em um julgamento moral da vítima do que do próprio réu. O argumento de que não se admite mais a vingança privada, a justiça com as próprias mãos, não encontra ressonância com a maior parte dos jurados. Essa constatação é reveladora do descrédito do sistema de justiça, uma vez que a população acaba admitindo a justiça privada por desacreditar nas instituições responsáveis pela aplicação da lei;
g) Houve reclamação de falta de informações sobre a intimação das testemunhas. A reclamação se baseia no fato de que, por não ostentar tal informação, o membro do Ministério Público tem sua atuação comprometida, desconhecendo se a testemunha irá ou não comparecer ao julgamento;
Críticas e Sugestões
a) Júris sucessivos prejudicam a preparação para os julgamentos. Sugere-se a realização de sessões de julgamento em dias intercalados ou, se em dias sucessivos, que a divisão entre os membros do Ministério Público permita que o membro do MP participe dos julgamentos em dias intercalados; b) A antiguidade dos processos é fator decisivo para o julgamento desfavorável, seja por ter o fato, na visão dos jurados, perdido a contemporaneidade; seja pelo fato de que testemunhas mudam de residência ou morrem e não podem ser ouvidas; seja pela completa ausência de familiares das vítimas dos crimes, que, cansados de tanto esperar por um pronunciamento judicial, acabam por não mais crer na justiça dos homens; c) O fato de terem acesso aos autos em datas muito próximas aos julgamentos prejudica a adequada preparação para os debates, de maneira que quanto maior a antecipação do envio das cópias dos autos, melhor; d) A sociedade está cada vez mais tolerante com a morte de pessoas envolvidas com a criminalidade. Sessões em que a vítima era
e) Alguns promotores de justiça, ao pedirem a absolvição em juízo, criticaram o fato de que o processo sequer deveria ter chegado ao plenário, razão pela qual sugeriram maior cautela nas alegações finais e adoção de medidas posteriores a eventual pronúncia (recurso de uma pronúncia injustificada) para evitar que toda a máquina judiciária seja mobilizada para um julgamento desnecessário; f) Sugestões de capacitações para verificação pelos membros do Ministério Público de diligências investigatórias foram apresentadas pelos promotores de justiça que se queixaram que, em alguns casos, a ausência de oitivas e de exames necessários para formulação de uma acusação mais robusta comprometeu o resultado final;
h) Houve uma reivindicação de que os depoimentos policiais sejam gravados. Nos processos mais antigos, sobretudo, os depoimentos não eram gravados e, diante de tal ausência, há o comprometimento do uso deste depoimento colhido ainda no calor dos acontecimentos; i) Foi sugerida a criação de um sistema de monitoramento dos processos relacionados a crimes dolosos contra a vida, de forma que o Ministério Público possa atuar no sentido de cobrar mais celeridade no andamento dos mesmos, uma vez que se refere ao crime que causa maior impacto social e é gerador de insegurança generalizada; j) O fato de não haver condenação nos processos em que o MP pede a absolvição reforça que, em um sistema acusatório, o pedido de absolvição pelo membro do Ministério Público equivale à retirada da acusação e deveria implicar na não realização do Júri ou na dissolução do Conselho de Sentença, pois não haveria possibilidade de condenação sem acusação.
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OPINIÃO
Ferramentas valiosas no combate à corrupção As operações desencadeadas pelo Ministério Público no final de março deste ano em Barras e Corrente demonstram e comprovam a importância da investigação criminal sob a condução da instituição. Em Barras, investigação deflagrada pelo promotor de justiça Silas Sereno aponta para supostos atos de corrupção. Segundo Silas, um escrivão de polícia com auxílio de um servidor municipal cedido à delegacia de polícia da cidade, abordava investigados e lhes solicitava dinheiro para não dar andamento a investigações policiais, cobravam de propina de praticantes de jogos de azar, e outros atos ilícitos. O juiz
Juscelino Norberto da Silva Neto decretou a prisão preventiva do escrivão e do servidor. Em Corrente, o promotor de justiça Rômulo Paulo Cordão concluiu a Operação Serendipta, que desbaratou organização que, de acordo com as investigações, atuava prometendo cancelar empréstimos de aposentados, ingressando com ações no Juizado Especial Cível da Comarca de Corrente, utilizando-se de chantagem para lesar as vítimas, bem como as instituições financeiras, atuando há mais de cinco anos em todo o extremo Sul piauiense. O Poder Judiciário determinou o bloqueio de bens e contas e quebra
de sigilo bancário e fiscal de todos os envolvidos. Estima-se que, juntos, os criminosos tenham auferido, ilicitamente, mais de R$ 1 milhão, somente no ano de 2014 e as vítimas preferenciais eram pessoas analfabetas, que eram orientadas pelos criminosos a fazer empréstimos consignados. O resultado de tais operações demonstra o compromisso do Ministério Público em combater a corrupção e, sobretudo, a efetividade dessa função. A investigação pelo MP é, portanto, uma valiosa ferramenta de combate aos ilícitos perpetrados por agentes públicos e que devem ser cada vez mais alvo de constante atuação da instituição.
FRASE
Promotor de justiça Cláudio Soeiro falando sobre o fato de o aumento da criminalidade colaborar para gerar a sensação de impunidade na sociedade
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OPINIÃO
Rosebud: a infância perdida Eduardo de Jesus, filho de piauienses, foi alvo de um disparo de fuzil quando estava na porta de sua casa em um morro no Rio de Janeiro. Disparo com alta energia cinética, mas revelador de baixíssimo preparo policial e que fez com que mais uma criança tombasse, dessa vez, pelas mãos do próprio Estado. O país disse, em 1988, com sua Constituição, e, em 1990, com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que iria tratar com prioridade absoluta e proteção integral crianças e adolescentes, mas é incapaz disso, de tratar com prioridade ou de proteger, muito menos de forma absoluta ou integral, como se propôs. Algumas crianças e adolescentes, vítimas da negligência familiar e das falhas do Estado, acabam por ser fáceis alvos de cooptação por criminosos e aprendem, vivendo a dura realidade das periferias, que a violência é um caminho válido de empoderamento, de conquista de prestígio, de alcance de visibilidade e de retorno financeiro imediato, acabando por reproduzir o modelo de mais violência. Pela ausência dos pais, por escolas que não ensinam, as lições vêm das ruas e, infelizmente, o que se absorve desses ensinamentos é a reprodução de mais dor e sofrimento, sendo certo que o próprio adolescente se torna o algoz em muitos casos.
Resultado: quando o Estado abusa e negligencia, praticando violência, quando os adolescentes, resultados da negligência (da família e do Estado), abusam e são reprodutores de mais violência, a sociedade, ou parte dela, reage e reage com violência. Violência gera violência. O Projeto de Lei 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, é subproduto disso: violência e negligência do Estado. Negligência que resulta em violência de adolescentes redunda em “violência pela sociedade” e o ciclo não se encerra. A profecia se cumpre: a violência vai persistir e recrudescer. Cidadão Kane, obra prima do cinema americano, considerado o
Algumas crianças e adolescentes, vítimas da negligência familiar e das falhas do Estado, acabam por ser fáceis alvos de cooptação por criminosos e aprendem que a violência é um caminho válido de empoderamento
maior filme de todos os tempos, é um filme revelador. Por mais rico, por maior sucesso que tenha ostentado, Charles Foster Kane (personagem de Orson Welles) sempre pautou suas ações por aquilo que sua infância lhe deixou, por uma lacuna que marcou sua vida e que acabou sendo a razão de tudo que fez em sua existência, de todo o comportamento que reproduziu no auge do sucesso e, ao balbuciar sua última palavra, quando agonizava em seu leito de morte, referiu-se a “Rosebud” (“botão de rosa”), representativo de sua infância fraturada pela ausência dos pais. Essas experiências dos primeiros anos, mesmo para quem vive uma vida de sucesso, nos acompanha até o fim de nossos dias. Imagine para aquele jovem que convive com a violência (doméstica, abuso sexual, pais dependentes químicos, álcool, presença de cadáveres na vizinhança). Essa fase da vida deve ser alvo de nossa ação preventiva, para que não sejamos forçados a pensar sistematicamente em repressão, pois enquanto a prevenção evita a violência, a repressão a sucede.
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ENTREVISTA
Albertino Rodrigues conta um pouco de sua história Nascido no município de Regeneração, interior do Piauí, filho de Agostinho Abel Ferreira e Eva Rodrigues Ferreira, casado e pai de dois filhos, o vice-presidente da Associação Piauiense do Ministério Público (APMP), promotor de justiça Albertino Rodrigues Ferreira atua há 28 anos no Ministério Público no Piauí. Fez parte de quatro gestões da Associação, três como vice-presidente e uma como 1º tesoureiro da entidade de classe dos promotores e procuradores de justiça do Estado. Além de promotor, Albertino Rodrigues já foi comerciário, professor de Literatura da rede estadual de ensino por 32 anos (hoje, aposentado), soldado do Exército Brasileiro por 1 ano (tendo recebido certificado de Honra ao Mérito, maior congratulação que um soldado da corporação pode receber) e servidor público da prefeitura de Teresina por 10 anos, como auxiliar administrativo, à disposição do Exército (26ª Circunscrição do Serviço Militar). Para esta edição do informativo da APMP, o promotor Albertino Rodrigues Ferreira contou um pouco de sua história, em uma entrevista descontraída, resumindo em poucas palavras alguns dos gostos que ajudam a defini-lo como pessoa e profissional.
Uma frase: Não me fixo em frases feitas.
Música: Gosto muito de música clássica.
e se dedica a ele com espírito público e responsabilidade social, além de ser muito brincalhão na vida pessoal.
Um grande brasileiro: Celso de Melo, ministro do Supremo Tribunal Time: Flamengo, mas me afastei um Federal. pouco da torcida.
Um lugar especial: Serra Gaúcha, Um programa de TV: Jornal na TV pelo clima e bons restaurantes. Cultura, pois a notícia é seguida de crítica especializada. Um profissional com quem atuou que admira: Juiz Luiz de Moura Medo: Do descontrole social com a Correia, por ser simples e dinâmico. criminalidade avassaladora. Prato favorito: Maria Isabel ou um Defeito: Mania de perfeição. peixe na grelha. Um desejo: Ver um Brasil com justiça social e consolidado na Democracia e uma educação que traga mais cidadania para a juventude. Uma virtude: Não ter ganância pessoal quando isso traga prejuízo a qualquer pessoa. Um vício: Cafezinho, leitura e comprar livros. Saudade: Da minha juventude, pois não aproveitei muito pela timidez e pela carência de recursos. Uma pessoa: Meu pai, Agostinho Abel, pois ele vendeu todo seu patrimônio para colocar os filhos na escola.
Um dia inesquecível: Aprovação no vestibular da Universidade Federal Livro: Tocaia Grande, de Jorge do Piauí para Direito, pois era algo Amado, e Cais da Sagração, de Josué inatingível para minhas condições, visto que estudei sempre no turno noMontello. turno e trabalhava desde os 12 anos Filme: Me afastei há quase 30 anos como comerciário durante o dia. dos filmes. Mas assisti um filme que me chamou atenção sobre a coloni- Um membro do Ministério Públização no Rio Grande do Sul, embora ca que admira: Arimatéia Dourado, que sempre se identificou com o MP não recorde o nome.
Albertino Rodrigues Ferreira, vice-presidente da APMP
23 Bárbara de Alencar É considerada a primeira prisioneira política do Brasil e foi uma das lideres da Revolução Pernambucana e da Confederação do Equador. Seu neto, José de Alencar, é um dos maiores nomes da literatura brasileira. Durante o cárcere, Bárbara sobreviveu por 4 anos comendo tripas escaldadas e afins. Morreu depois de várias peregrinações em fuga da perseguição política em 1832 na cidade piauiense de Fronteiras, na Fazenda Alecrim. Um dos seus últimos desejos foi ter um enterro simples, dentro de uma rede, da mesma forma como eram sepultados seus escravos.
Mahatma Gandhi
Formou-se em Direito pela Universidade de Londres, mas ao começar a exercer a advocacia fracassou. Sua timidez o impediu, em determinada oportunidade, de abrir a boca em um Tribunal. Tanto que substabeleceu a procuração para um colega. Depois de anos na África do Sul, amadureceu como profissional e depois se tornou o líder de milhões.
Lampião
Em Outubro de 1997, cerca de 69 anos depois, o juiz Clóvis Silva Mendes, da 1ª Vara Cível de Serra Talhada, no sertão de Pernambuco, determinou a prescrição de um processo iniciado em 23 julho de 1928 contra o cangaceiro Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião. A ação ainda tramitava na comarca de Flores, cidade vizinha a Serra Talhada. A decisão foi tomada em 17 de outubro de 1997 e divulgada no mês de Novembro do mesmo ano. O crime prescreveu em julho de 1948. Até então, porém, a ação não havia sido julgada, extinta ou arquivada. No processo, Lampião e cinco cangaceiros de seu bando – Moreno, Luiz, Félix, Sabiá e Medeiros – eram acusados de ter matado três homens, em maio de 1925, durante ataque surpresa a uma feira no povoado de São Caetano. Nem a morte de Lampião, em 1938, fez com que a ação fosse arquivada. Na sentença, o juiz diz que isso não ocorreu porque não havia nos autos os atestados de óbito dos réus, como exige a lei.
Getúlio Vargas
Foi, antes de ser o “pai dos pobres”, promotor de justiça da Comarca de Porto Alegre. Foi nomeado em 17 de janeiro de 1908, por uma distinção concedida pelo presidente do Estado, Borges de Medeiros, em reconhecimento ao seu trabalho na campanha política de 1907 pelo Partido Republicano Rio-Grandense. Nessa época, os promotores eram assim nomeados e o cargo era considerado o primeiro degrau numa futura carreira política.
Demonstrativo baseado na movimentação bancária das contas 3.744-6 (incluindo investimentos), 695-8 e 46.246-2 O detalhamento das despesas da APMP, encontra-se á disposição de todos os associados em nossa Sede Administativa OBS: O valor referente a conta convênios é variável e depende do dia de pagamento dos conveniados.
DEMONSTRATIVO DEZEMBRO DE 2014 A FEVEREIRO DE 2015.
APMP ( ASSOCIAÇÃO PIAUIENSE DO MINISTÉRIO PÚBLICO)
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