::: Revista Perspectiva Nr. 09 :::

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PERSPECTIVA

Sumário # 09 | Março 2008

Reportagem 6 A Latitude do Olhar - Os Romeiros de São Miguel Entrevista 18 Joaquim Jorge fala do Clube dos Pensadores Opinião 36 Não há Serviço Nacional de Saúde sem impostos 45 Sobressalto Cívico 66 Triste ensina

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GRANDE REPORTAGEM Jogo: Do prazer à adição O que leva as pessoas a jogar? A adição ao jogo tem cura? As respostas de Pedro Hubert e o depoimento de um jornalista numa reunião dos Jogadores Anónimos.

28 VITIVINICULTURA Entrevista a Luís Vieira, secretário de Estado da Agricultura, sobre a nova reforma do governo

Crónica 62 A Senhora de Ofiúsa Notícias 4 Portugal 16 Manuel Alegre no Clube dos Pensadores 38 Mundo 54 Parque Biológico de Gaia Regiões 34 Vila Nova de Gaia vista pelo vice-presidente da autarquia Ambiente 20 Políticas de Gestão de Resíduos 22 O Alargamento da Intervenção Regulatória do IRAR 24 Separar toca a todos 26 Milhões de pilhas recicladas em 2007 Vitivinicultura 32 Mudança e desafio para as Adegas Cooperativas Portuguesas Saúde 40 Os problemas de visão em Portugal 42 Tabaco, pulmão e doença 44 Obesidade: Epidemia do Século XXI Animais 46 A Medicina Veterinária em Portugal 49 À mesa com cães e gatos 52 Os problemas de saúde dos animais de estimação

DOSSIÊ Gestão Empresarial | Novas Oportunidades

Desporto Alternativo 56 Kitesurf Cultura - Cinema 61 Dança & Teatro 64 7ª Arte Fora de Casa

Propriedade: Escala de Ideias – Edições e Publicações, Lda - R. D. João I, 109, RC - 4450-164 Matosinhos NIF 507 996 429 Tel. 229 399 120 - Fax 229 399 128 | Internet: www.revistaperspectiva.info Directora-Geral: Alice Sousa - asousa@revistaperspectiva.info Director Editorial: Pedro Laranjeira - laranjeira@revistaperspectiva.info Redacção: Leandro Santos - lsantos@revistaperspectiva.info | Colaboraram neste número: Luísa Barros, Luís António Patraquim, Jorge Castro, Paulo Proença de Moura, Pedro Mota, Rosa Teixeira da Silva, Susana Ferreira | Opinião: Isabel do Carmo, José Maia Director de Marketing e Projectos Especiais: Luís Ribeiro - lribeiro@revistaperspectiva.info Design e Produção Gráfica: Teresa Bento - tbento@revistaperspectiva.info Webmaster: Pedro Abreu - webmaster@revistaperspectiva.info | Edição: Alice Sousa | Revisão: Pedro Cardoso - pcardoso@revistaperspectiva.info | Contactos: Redacção: 229 399 120 - redaccao@revistaperspectiva.info | Departamento Comercial: 229 399 120 - publicidade@revistaperspectiva.info Tiragem: 70.000 exemplares | Periodicidade: Mensal | Distribuição: Gratuita, com o jornal “Público” | Impressão: COBRHI – Arvato Madrid | Depósito Legal: 257120/07

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NOTÍCIAS História dos Descobrimentos em Debate Cristóvão Colon e a importância de Portugal no Mundo vão ser tema de Colóquio Internacional em Cuba do Alentejo Depois da ante-estreia do filme de Manoel de Oliveira "Cristóvão Colombo, o Enigma", a Cuba alentejana volta a ser palco da História, desta vez a 24 de Maio, um sábado, às quatro da tarde. Ali vai ter lugar um Colóquio sobre Cristóvão Colon e a descoberta da América, com a participação dos principais autores que escreveram sobre o tema, incluindo Mascarenhas Barreto ("Cristovão Colombo – Agente Secreto de EL Rei D.João II", “Colombo português: Provas Documentais”), Manuel Luciano da Silva e Sílvia Jorge da Silva ("Cristóvão Colon era Português" e personagens do filme de Manoel de Oliveira), Manuel da Silva Rosa ("O Mistério Colombo Revelado"), José Rodrigues dos Santos ("O Codex 632"), Roiz de Quental ("Cristovam Colom Cistobal Colon, esse (des)conhecido?") e Julieta Marques ("Cristovão Colom, filho de D. Fernando Duque de Beja"). Vão participar personalidades como José Carlos Calazans, Paulo Alexandre Loução, João Moniz Corte-Real, José Brandão Ferreira, Fernanda Frazão e um convidado especial, Marcelo Rebelo de Sousa. Esta é uma organização conjunta da Câmara Municipal de Cuba, através do seu presidente Francisco Orelha, e do Núcleo dos Amigos da Cuba, através de Carlos Calado, um dos mais dinâmicos promotores da divulgação do tema. O evento, que decorrerá no Centro Cultural de Cuba, vai ter a forma de "Debate", com o intuito de acomodar de maneira agradável e fluente o grande número de intervenientes e terá como moderador Pedro Laranjeira. Prevê-se extensa cobertura mediática e estão a ser ultimados preparativos para a sua difusão radiofónica e televisiva. Vai também ser gravado e posteriormente editado em DVD. Prevê-se ainda a transmissão online pela internet, em tempo real. A Perspectiva, que ofereceu em Cuba uma edição especial dedicada ao assunto quando da ante-estreia do filme de Manoel de Oliveira e fez deste o seu tema de capa e grande reportagem na última edição, vai estar presente e fará um resumo do essencial do evento, durante o qual serão oferecidos a quem os pretenda exemplares da nossa edição nº 8, dedicada a este tema. Uma hora antes, será feita a apresentação de um novo livro e de últimas edições de obras já publicadas. Vão poder adquirir-se ali os principais títulos editados sobre o assunto, bem como contactar directamente com os autores. Prometem-se novidades e serão revelados novos conhecimentos sobre a extraordinária importância dos portugueses na construção do mundo actual e no desenho da História. k

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Exposição de manuscritos científicos raros do século XVI a XVIII Os documentos raros expostos provam que o ensino em Portugal estava a par do pensamento científico que fervilhava na Europa de então. Esta mostra pode ser vista na Biblioteca Nacional até 24 de Abril. A entrada é gratuita.

5ª Edição do Salão Motorclássico na FIL Entre os dias 11 e 13 de Abril vai realizar-se o maior evento português relacionado com a temática dos Clássicos e da História automóvel. Mais de 13 mil metros quadrados e uma oferta que engloba entidades comerciais, institucionais, actividades, publicações e exposições temáticas vão estar à disposição do público em geral e dos aficionados pelos clássicos.

Mondim de Basto recebe nova unidade hoteleira Mondim Água Hotel é o novo complexo turístico situado em Mondim de Basto, no distrito de Vila Real, que abre as portas ao público no dia 15 de Março de 2008. Com um investimento que ronda os 5 milhões de euros, o Mondim Água Hotel, está direccionado para o Ecoturismo / Turismo Activo, Turismo de Saúde e Bem-Estar e ainda gastronomia e Enologia da Região de Basto. Possui o Santuário de Vinhos, um local onde se farão provas de vinhos e degustações de produtos gourmet da região. Desde o início da sua construção que começou o processo do sistema integrado de gestão da qualidade, ambiente e segurança alimentar que visa a certificação do segundo as normas das ISO 9001:2000, 14001:2004 e 22000:2005.



REPORTAGEM

A Latitude do Olhar

Bordões de Luz - Os Rom Vultos difusos, aproximavam-se esboçados na bruma, imersos no nevoeiro, avançavam em linha compacta, mal se conseguindo lobrigar onde acabava um e começava outro. O tilintar dos cajados, dos bordões ferrados ao baterem no empedrado, dava consistência telúrica ao rancho de romeiros que chegava. Os vultos iam saindo da névoa, um a um, ao bater compassado do pau ferrado nas lajes do adro; os xailes pela cabeça mal deixavam divisar a barba rala de dias. Vinham num regougar cavo, salmodiando o terço em voz roufenha, que mal conseguia cortar a neblina da madrugada. Enquanto o terço era dito na cantilena, o de facto ia dependurado oscilando suavemente ao ritmo dos andarilhos. Por uma estrada de luz, caminhavam em direcção ao Sol poente, a passada era larga pois a noite já espreitava. Recortavam-se em silhueta contra o fogo do ocaso e foi já com o pôr-do-sol a faiscar na ponteira metálica dos bordões, que a fila dupla de romeiros se aproximou da vila. As galochas chapinhavam no adro empoçado, os bordões iam-se juntando em molho espraiado à porta da igreja, enquanto a ladainha esmorecia, uns tiravam os lenços que os cingiam pelas costas para limpar o suor da testa. Um petiz assomou a uma janela próxima, fitando-os desgrenhado e de olhos esbugalhados, a portada bateu ainda ouvindo-se de dentro: “- Chegaram os romeiros!...chegaram os romeiros!...” 6

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Todos os anos pela Quaresma é o mesmo, homens de todas as aldeias juntam-se em bandos que percorrem a ilha; rezando o terço e a indumentária une-os na devoção: cajado como um longo pau ferrado, xaile e lenço enramado pelas costas, bornal para o farnel dita de cevadeira; a água, essa, encontrava-os a cada volta do caminho, que isto é coisa que não falta nesta ilha açoriana de cútis enegrecida. Já faz quase quinhentos anos, desde que os Romeiros de São Miguel calcorreiam os caminhos da Ilha Verde. Já o tempo anoiteceu sobre a memória, desde que pela altura da Quaresma, grupos de homens circulam a Ilha em fila dupla, bordejando a linha de costa sempre com o mar à sua mão esquerda. Hoje é fácil arrolar os esplendores destas ilhas atlânticas. É quase impossível olhar para estes Picos de Fogo ou para as caldeiras onde repousam as plácidas lagoas, imaginando os confrontos de titãs que aqui ocorreram.


REPORTAGEM

meiros de São Miguel Texto: Pedro Mota

Aqui, no meio do Atlântico, jazem estas Ilhas da Bruma, ilhas de basalto negro, fruto da tectónica cópula entre a placa litosférica europeia e a americana. Há cerca de cinco séculos, que uma crise vulcânica de grandes proporções, alarmou os povoadores, trazendo as gentes com o credo na boca, fugindo por entre jactos de gás incandescente e rios de lava. Mal amainaram os abalos do terramoto, quando emudeceu o ronco surdo da terra que bramia, os povoadores começaram a dolorosa tarefa de enterrar os mortos que a terra, ela própria, não havia já sepultado nas suas entranhas. Pensa-se, que por essa altura, começaram a aparecer as primeiras romarias, apelando à misericórdia Divina, pois era já tão difícil arrancar o sus-


REPORTAGEM

tento nestas ilhas bravias, quanto mais viver no permanente susto de rebentar um vulcão ou advir um sismo A peregrinação açoriana dos “Romeiros de São Miguel” tem a característica única do lugar de chegada ser o mesmo da partida. A romaria dura uma semana, durante a qual mais de duzentos e cinquenta quilómetros flúem debaixo dos pés dos Romeiros. Também, é costumeiro, saírem-lhes à estrada a pedir Ave-Marias: “- Óh! Santinhos…é uma vintena p’la minha rica mãezinha!”, a encomenda é recebida pelo Procurador das Almas, que transfere os encómios ao momento de ser rezado o pedido. Num princípio de vasos comunicantes e de reciprocidade, a pessoa que pede orações, deve em troca rezar tantas orações quantos os Romeiros do rancho, acrescidos de três, pois a sagrada família acompanha sempre os Romeiros. Daí a expressão “Quantos são, Irmãos…quantos são!...” Os Romeiros põem a ilha toda a rezar rezar, pois eles rezando também são os que pedem orações a rezar. O anel sagrado dos ranchos de Romeiros em torno da ilha é como se fora sangue circulando na rede viária, feita sistema circulatório de orações. Hoje, muitos romeiros já vêm do outro lado do mundo pois o cordão umbilical, que liga o imigrante à terra amada, está tenso como corda de guitarra, onde tange a saudade que lhe vai na alma. Como mola, é força de retorno que 8

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o puxa a torna viagem, parecendo ser maior, se maior é a distância. Nesta romaria, o que mais importa não é chegar, mas sim continuar sempre a partir e aprender cada vez melhor a andar. Um dia todos prestarão contas, não pelo fim do seu caminho…mas pelo seu modo de caminhar. Nuvens baixas enfumavam o ar; a alvorada despontava a Oriente, soprada por um Sol gordo e encarnado pelo esforço de expulsar as trevas. A luz coada pela neblina empardecia a terra. De entre portas escapava-se o sussurro de vozes enrouquecidas pelo relento da madrugada; começava o rumor do despertar e do café sorvido em longos tragos. Ia começar mais um dia rijo para aqueles peregrinos esforçados. Bordão-a-bordão, vão as duas linhas de homens paralelas, como explica a geometria, as orações de cada fila hãode estar juntas no infinito. Um vento lúgubre levantou-se fustigando-lhes a cara e fazendo balancear os corpos que a custo se sustinham amparados ao bordão, como se fora uma âncora. As horas passaram lentas, medidas a pulso, a pulsação, a cada respiração ofegante. Veio um ar gélido que os transia, compelindo-os a apressarem-se e lá seguiam no seu coro gutural e devoto, perdendo-se na neblina, até mais não serem que vultos indistintos na bruma; assim como esboçada vinha a oração da lonjura. k



Impulsividade, obsessão e compulsão

Jogo: Do prazer à adição Desde pequenos que somos incentivados a jogar. Começamos pelas escondidas, passamos pelo loto, pelo gameboy, videojogos, uns pelo xadrez outros pelas damas, pelos jogos de cartas, até que, com 18 anos, muitos anseiam pela entrada num Casino. Tudo começa como uma diversão. Mas a realidade é que existem cada vez mais jogadores patológicos ou compulsivos seja de jogos em casinos in loco ou online.

Texto: Luísa Barros


GRANDE REPORTAGEM

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á quem se divirta com o jogo e há quem se sinta de tal forma atraído por ele que não consegue parar, perde o autodomínio e a capacidade de controlar quer os ganhos e perdas de dinheiro quer o uso dos tempos livres, estes podem ser os chamados jogadores patológicos ou compulsivos. Dados relativos a Espanha indicam que existe um problema de saúde pública. Em Portugal, não há uma cultura de jogo como no Oriente, na Ásia ou no Mundo Anglo-Saxónico e nos EUA. Também ainda não existem dados concretos sobre a dependência em relação ao jogo, no entanto com base num estudo do Reino Unido julga-se que a percentagem de jogadores compulsivos ronde os 0,2 por cento da população, o equivalente a 17 mil portugueses. Ao entrarmos num Casino, na sala das slot-machines em particular, somos atraídos pela imensidão de cores, palavras como jackpot, etc., etc.. Tudo nos conduz para uma forma de diversão, de entretenimento, que, em tempos era de glamour, de charme, mas que hoje se pode tornar num problema de saúde. Existia inclusive um código de vestuário, os homens, por exemplo, só podiam entrar de gravata. Hoje, a roupa casual é uma realidade. Talvez esta democratização e globalização, premissas incontornáveis da nossa sociedade, tenham trazido também outro tipo de situações. O uso, o abuso e a dependência. Pedro Hubert, psicólogo português especializado em jogo compulsivo e patológico, em entrevista à Perspectiva explica que “existe uma predisposição genética, que tem a ver com o preencher de um vazio, lidar com emoções, com o prazer imediato, com a satisfação do ego”. No entanto, os jogadores apontam “o desafio e a adrenalina”, como principais motivos para começarem a jogar compulsivamente. A evolução do jogador social para o compulsivo pode variar entre 6 meses a 20 anos, segundo Hermano Tavares, psiquiatra brasileiro. São comportamentos que se vão desenvolvendo com o tempo. Apesar de considerar que “o jogo afecta apenas uma minoria

de forma grave”, Pedro Hubert alerta: “as pessoas conseguem esconder bem durante bastante tempo”, o que faz com que seja “uma adição invisível”, que começa por uma fase de ganhos, evolui para a perda e termina na fase de desespero. Aliás, jogar para recuperar os prejuízos pode indiciar um comportamento patológico. Habitualmente, “o jogador patológico tem boas competências profissionais e sociais”, são “advogados, médicos, empresários, licenciados no geral”. A gravidade da adição varia de intensidade de acordo com a personalidade e o seu contexto social. “Apesar de serem pessoas inteligentes, têm muitas crenças e é muito complicado desmistificá-las”, confessa Pedro Hubert. São exemplo as expressões: “Eu sei que hoje vou ganhar! Perdi hoje, mas sei que amanhã recupero”,

entre muitas outras. “Isto para eles é uma verdade absoluta e por isso o tratamento consiste, muitas vezes, no quebrar destas crenças olhando para as probabilidades como devem ser vistas e não de uma forma subjectiva e errada”, esclarece. Doença não pode ser curada, mas pode ser controlada. A complexidade do tratamento de um jogador patológico passa pelo facto de o mesmo não ser adicto a uma substância exterior, mas sim a um comportamento que aumenta o nível de serotonina, de adrenalina, das endomorfinas que funcionam ao nível da dor e do bem-estar, do humor e do prazer. Também existe a dificuldade em lidar com o facto deste jogador possuir uma memória selectiva muito forte, o

Sintomas: - Perda de controlo sobre o tempo a jogar; - Continuar o jogo, independentemente de estar a perder ou a ganhar, até perder todo o dinheiro ou acabar o jogo; - Jogar até acumular grandes dívidas; - Falta de consideração pelas expectativas sociais ou pela lei; - Comportamentos ilegais ou criminosos para pagamento de dívidas. Nota: Informação extraída do site da MedlinePlus Medical Encyclopedia, um serviço da U.S. National Library of Medicine

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que o leva a lembrar-se apenas dos grandes ganhos, omitindo as perdas. Outra questão não menos importante é a relação que o jogador estabelece com a máquina e os comentários que profere: “Descobri um novo sistema de jogo! É dinheiro fácil!” Assim, “quando o jogador entra na dependência o caminho mais seguro é a abstinência total”, argumenta Pedro Hubert. Nestes casos, “os jogadores que não podem jogar entram literalmente em ressaca, idêntica à dos alcoólicos ou toxicodependentes”. Ficam irritadiços, o coração começa a bater com muita intensidade, no fundo, é uma “ressaca física”. Existe uma quebra de serotonina, uma quebra de prazer, inclusive este fenómeno “está explicado ao nível das neurociências”. A não abstinência ao jogo leva-os a fazer apostas cada vez maiores para obterem igual ou maior prazer. Há outras características como a baixa tolerância à frustração, o prazer imediato, a negação. Pedro Hubert confessa que “estas são das poucas pessoas que têm, muitas vezes, um problema que é visível por todos, mas que eles negam”. Auto-exclusão: benéfica e eficaz? “A auto-exclusão passa na maior parte das vezes à margem”. As palavras são de Pedro Hubert que justifica ser “muito complicado porque se não vão a um vão a outro”. Inclusive “tive alguns pacientes em que esta situação deu resultado durante algum tempo, mas depois voltaram a entrar”, concluindo que “não é isso que vai fazer com que se deixe de jogar”. Nas pessoas que 12

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têm problemas de abuso isto pode servir para durante um tempo pensarem no que se tem passado, mas depois acabam por voltar. “Tenho também alguns pacientes adictos de jogo online e cada vez estão a aparecer mais, mas é muito difícil controlar, porque existem dezenas de sites” e apesar das “restrições”, a pessoa não joga num, mas jogará no outro”, esclarece referindo que “não é por aí”. Abstinência pode ser solução Pedro Hubert sugere que as pessoas que já têm dependência recorram ao tratamento, seja através de psicoterapia ou terapia de grupo. “Sou um grande adepto dos grupos de auto-ajuda e dos grupos anónimos. A medicação pode ajudar numa fase inicial, quando de facto o problema é muito grave”, porque estes jogadores podem sofrer graves problemas de depressão, mas é essencial a troca de experiências com outras pessoas que sofrem do mesmo problema. A família não pode ser esquecida e deve “participar no tratamento, informando-se sobre o que é a adição e como podem ajudar”. Pedro Hubert, com base na sua experiência, afirma: “quem frequente as terapias, evite o jogo, vá aos grupos de auto-ajuda e tenha o apoio da família, etc., tem uma percentagem de sucesso

muito superior em relação a quem faça só terapias ou reuniões”. O papel dos Casinos Os responsáveis pelos casinos portugueses já há algum tempo que têm vindo a manifestar algum interesse no sentido de dar mais atenção a estes casos. Um exemplo é o Estoril Sol que disponibiliza uns folhetos de cor verde, cuja mensagem é “Descodifique o seu comportamento: joga porque está aborrecido, ‘stressado’, ou sob grande pressão? Peça a alguém da sua confiança para guardar o seu dinheiro”. Em Portugal o número de pessoas que não podem entrar em salas de jogo ronda as 250, segundo dados da Associação Portuguesa de Casinos. Na Alemanha, onde também existe esta proibição, a administração de um Casino foi obrigada a ressarcir os familiares de um jogador compulsivo que estava proibido de frequentar espaços de jogo. Pedro Hubert considera que “o problema não são os Casinos, tal como não é o álcool no caso dos alcoólicos, o problema é que existe uma franja de população que seja por questões genéticas ou por uma exposição muito precoce, depois de experimentar o jogo num determinado prazo, seja seis meses ou mais tempo, vai desenvolver a adição”. k

Jogo existe desde a Antiguidade

O jogo existe desde a Antiguidade, mas a sua aliança com a tecnologia e com o turismo é um fenómeno do capitalismo do último século. A primeira abordagem foi feita em 1957 nos EUA, mas só em 1980 foi reconhecida oficialmente pela Organização Mundial de Saúde.


GRANDE REPORTAGEM

Preto ou vermelho?

A vida em aposta!

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“Olá, chamo-me Leandro e sou jogador!”. Este é o ponto de partida para a recuperação e o momento mais delicado, o de assumir que se tem uma doença. Esta é a frase chave dos “Jogadores Anónimos”. Seis palavras que aparentam não ter qualquer significado, mas que podem mudar uma vida. Texto Leandro Santos

ento-me numa mesa rectangular, ladeada por quatro pessoas. Após alguns minutos chega um quinto elemento, que havia telefonado aos seus companheiros a avisar do seu atraso. “Temos, para acompanhar a sessão de hoje, uma pessoa da comunicação social. Alguém objecta a que assista à nossa reunião?” Esta é a primeira frase que entoa na sala. Um unânime acordo com a minha presença denuncia a necessidade que os membros sentem em dar a conhecer um grupo de ajuda para jogadores anónimos. Estranho a diminuta quantidade de jogadores compulsivos existentes na zona Norte do país, sempre pensei existirem bem mais do que os ali presentes. “O Pedro ligou há pouco, não poderá comparecer, está doente. Mandou um abraço para o grupo, e espera vir assim que recuperar.” Paula (nome fictício, como todos os que serão aqui enunciados), é a coordenadora das reuniões dos Jogadores Anónimos (JA), uma veterana jogadora que durante 10 anos perdeu fortunas, e está há dois anos e meio sem jogar. “O que eu procurava nos casinos? O jogo era pura e simplesmente a minha vida. Arranjava constantemente uma desculpa para ir jogar jogar, se estava triste, ia para o casino para me sentir melhor, se procurava alguma paz, o local para atingir essa paz era o casino, uma paz podre, sem dúvida. Se estava feliz, ou para festejar uma ocasião especial (passagens de ano, aniversários…), obviamente, ia extravasar essa alegria para o casino. Durante anos esta situação foi recorrente, sem nunca me aperceber que era adicta, compulsiva relativamente ao jogo. Cheguei a estar numa sala de jogo sete dias consecutivos, desde a abertura das portas do casino até ao fecho. Para além das quantias que perdi, porque o jogo não dá nada a ninguém, perdi

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a minha vida, perdi amigos, perdi a minha auto-estima, perdi-me a mim. Olá, eu sou a Paula e sou jogadora!”. A Ludopatia imiscui-se e altera radicalmente a vida do adicto. A maior barreira que existe no processo de recuperação de um jogador compulsivo é assumir que se tem um problema com o jogo. Muitas pessoas passaram por este grupo, como em outros passam, mas após duas ou três reuniões desistem, uns porque acreditam que é uma realidade antagónica à sua, negam a sua condição de jogador compulsivo, outros porque não se sentem à vontade em expor a sua vida a desconhecidos. São vivências demasiado íntimas para se partilharem com estranhos. “ O facto de comparecer às reuniões revela-se no tomar de consciência de que temos um problema. No entanto, quando isso acontece, existe a ideia de que após duas ou três sessões ficam curados. Isto não é um posto médico, nem uma clínica de saúde. E o vício é uma doença que nos acompanha, independentemente das recaídas, porque elas existem, e temos que admitir essa realidade. A força de vontade, concomitantemente com os testemunhos e a partilha de experiências com pessoas que passam pelas mesmas dificuldades, ajudam a aligeirar o peso que sentimos quando não jogamos. Mas é um processo moroso, ultrapassado com inúmeras dificuldades, e a força transmitida mutuamente nas reuniões ajuda a ultrapassar o vício. Olá, eu sou o Mário e sou jogador!”. Tal como a dependência pela droga ou pelo álcool, o jogador compulsivo sofre de “ressaca”. Uma ressaca psicológica, mas tão assoladora como a sentida fisicamente. Após um dia de jogo, com todas as possibilidades financeiras esgotadas, e quando mais uma mentira é insuficiente para arranjar capital para voltar a satisfazer o vicio, o jogador compulsivo sofre a mesma tormenta que um viciado em substancias físicas. “Quando jogava e perdia tudo e não tinha possibilidade de voltar no dia seguinte, ficava dias seguidos deitado, faltavam-me as forças para me levantar. Sofria e inventava todas as doenças possíveis para permanecer na cama. Actualmente a força reside em não jogar hoje, e tentar não jogar amanhã. Temos que viver o dia-a-dia, não pensar no que poderá suceder quando acordarmos no dia seguinte, essa será outra batalha a travar. E estes grupos permitem lutar contra essa vontade, a partilha de experiências negativas oriundas do mundo do jogo ajudam-nos a ter consciência e a sanidade necessária para apreendermos que o jogo é uma doença e curamo-nos com a partilha de experiências.” revela Mário. A criação de laços entre os JA ajuda na recuperação e incentiva os elementos a permanecerem longe das salas de jogo. A cumplicidade que se vive nas reuniões manifestase no regozijo com que é vivida uma experiência positiva, de um membro que se manteve afastado dos casinos e que não teve recaídas. “Tenho andado um pouco ausente das reuniões, mas por boas razões. Voltei a estudar e estou a trabalhar, e as coisas estão a correr bem. De facto isto só foi possível, após anos a fio a adiar o meu regresso aos estudos, porque não estou a jogar, uma das principais razões que me levou a abandonar a faculdade. Na altura não conseguia tirar tanto prazer de nada como do jogo, era a coisa mais importante da minha vida. E este


GRANDE REPORTAGEM

pensamento afastava-me de reuniões como esta. Era uma contradição assistir a reuniões onde o principal objectivo seria afastar-me das salas de jogo, onde me sentia realizado, onde fazia o que mais gostava. Depois de muitos tropeços, muitas mentiras e muitas perdas, não só materiais, mas emocionais, estou a refazer a minha vida. Comecei a assistir às reuniões há cerca de seis anos, e desde então nunca mais entrei num casino. Deixei de mentir à minha família, deixei de mentir aos meus amigos, às namoradas, algumas das quais perdi devido ao jogo. Não foi fácil, como continua a não ser, mas consegui manter-me “sóbrio” com a ajuda das pessoas que encontrei aqui, é uma pressão saudável. Acabar o mês, embora com dificuldades, mas não dever a ninguém, ou não ter que repor dinheiro que se roubou, é uma situação muito tranquilizante. Olá, eu sou o Fernando e sou jogador.” Após o primeiro passo, o de assumir a sua condição de jogador compulsivo, é essencial um elemento identificar-se com outros membros que partilham as suas experiências, uma forma de interiorizar que não é o único que sofre da doença e não será julgado por terceiros. Um dos principais motivos que afasta o potencial viciado das sessões é o receio de incompreensão, de crítica à sua adição, uma posição que não coaduna com a forma de estar dos membros, onde a abertura e a naturalidade com que são discutidas questões sensíveis fortalece os laços criados. A primeira sessão é outra dificuldade que se apresenta aos jogadores compulsivos. “Nunca ponderei, por iniciativa própria, assistir a uma destas reuniões. Perdemos muitas pessoas importantes porque passam por situações muito delicadas. A minha primeira experiência nestas reuniões deveu-se à minha esposa, que nunca me abandonou, independentemente das inúmeras contrariedades que atravessamos devido ao jogo. Atravessei momentos em que senti que ia perder mais essa pessoa, junto com os meus filhos mas, com as reuniões, as coisas melhoraram

substancialmente. As promessas que fazia à minha família, de por termo ao jogo, eram invariavelmente levadas pelo vento. Desde que faço parte dos JA, há cerca de cinco meses, nunca mais entrei num casino. Olá, sou o João e sou jogador. “ O processo de recuperação implica a consciência que o caminho a percorrer é longo e bastante árduo. Nem só de experiências positivas vivem os JA. Tal como os toxicodependentes, alguns elementos denotam dificuldades em deixar o vício, e as recaídas são constantes. Embora conscientes do seu problema, continuam a cometer incessantemente os mesmos erros. A excepção que confirma a regra, poderemos dizer. “Já não vinha às reuniões há algum tempo, o trabalho também não me permite vir com a regularidade que desejaria. Continuo a jogar, mesmo sabendo que estou a errar. No entanto, a regularidade é bem menor do que anteriormente, mas grande parte do dinheiro que ganho tem invariavelmente o mesmo destino. Existe uma revolta interior, como grande parte dos jogadores compulsivos sente num determinado momento da sua vida, mas de momento ainda estou a lutar para alterar esta situação. Olá, sou o Fernando e sou jogador.” Poderemos considerar que a recorrente vontade de satisfazer o vício seja reflexo da ausência das reuniões, como podemos equacionar que, como em todos os doentes que sofrem de dependência, os trilhos que levam à cura são tortuosos e diferem de indivíduo para indivíduo. No entanto, não podemos deixar de ressalvar e salientar que, das pessoas presentes, a maioria encontrou na partilha de experiências o alento para continuar uma vida livre do vício. “As coisas podem não melhorar, mas uma coisa é certa, de certeza que não pioram.” – Mário k MARÇO 2008

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NOTÍCIA

Clube dos Pensadores

Mais democracia e menos medo

“Eu não me conformo”. Foi esta a principal ideia que Manuel Alegre passou na abertura do quinto ciclo de debates do Clube dos Pensadores, de Joaquim Jorge. Texto: Susana Ferreira

Para versar sobre o tema “Sistema Politico: alternativas e alternâncias” Manuel Alegre foi o convidado especial e, como representante da sociedade civil, o jornalista Pedro Laranjeira. De uma forma entusiasta, Manuel Alegre começou por enaltecer os espaços de debate e discussão política, já que os considera escassos. “A nossa democracia precisa de menos regulamentos e de mais respiração, mais debate e espaço para confrontar ideias e projectos”, afirmou o deputado. Criticando um pouco toda a acção politica actual, como a educação, a saúde, o ambiente e a desigualdade, Manuel Alegre revelou-se bastante insatisfeito com a política socialista afirmando que “o mercado cria riqueza mas por si só não é capaz de realizar a justiça social”. Ficou no ar a ideia de que se Manuel Alegre tivesse sido eleito Presidente da República as coisas seriam diferentes. “Teria vetado a nova lei eleitoral autárquica ou, no mínimo, tê-la-ia enviado para o Tribunal Constitucional e teria tido uma intervenção diferente nas alterações ao Serviço Nacional de Saúde”. Defensor convicto da escola pública e do sistema nacional de saúde 16

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público, o deputado deixou patente que “o meu partido está muito longe de ser aquilo que eu queria”. Ainda assim, Manuel Alegre apelou à sociedade para não se deixar levar pelo medo em que se vive hoje em dia, já que o considera “uma doença que se pega”. “A democracia tem de romper o cerco. A começar pelo cerco que está dentro das pessoas”. O fundador do clube, Joaquim Jorge, desta vez mais interventivo, foi claro e directo ao assunto, acusando o governo de falta de democracia. “Não podemos andar a discutir democracia quando o nosso próprio governo não a pratica”, afirmou Joaquim Jorge. Também o funcionamento dos partidos políticos e a sua falta de transparência foram alvo de crítica por parte de Joaquim Jorge, que afirmou: “a culpa é nossa, nós é que votamos e que escolhemos quem queremos pôr no poder e, pior ainda, sabemos que estão a agir mal e não fazemos nada”. Já o jornalista Pedro Laranjeira

adoptou uma postura de alerta face aos media. “Somos levados a pensar que a ditadura é um fenómeno do passado e pensamos que hoje, com a facilidade de acesso à informação, essas coisas já não possam acontecer, mas não é bem assim - corremos o risco de ser controlados por uma autêntica ‘ditadura da informação’, sem sequer nos apercebermos da gradual perda de liberdade”, afirmou o jornalista. Pedro Laranjeira assume que os media têm um papel essencial no controlo da opinião pública e que é muito importante ter a noção dos factores que movem a comunicação social. “A globalização não faz com que deixem de existir na sociedade grupos de interesses que exercem o poder. E se quem detém o poder controlar os media, controla, através deles, a opinião das pessoas”. Presentes nesta abertura do quinto ciclo de debates, estiveram figuras como Narciso Miranda e Paulo Morais no meio de uma sala repleta de ouvintes e muita comunicação social. k



ENTREVISTA

Clube dos Pensadores Com um formato único na sociedade portuguesa e uma filosofia muito própria, o Clube dos Pensadores desdobra-se perante o público através de debates com a intervenção livre de quantos desejam comparecer e participar, um blog de grande movimento, um programa de rádio e outro num canal de televisão por cabo. Por Pedro Laranjeira

Fundado por Joaquim Jorge, existe desde Janeiro de 2006 e realizou já quatro ciclos de debates, com o quinto em curso até Julho deste ano. Ali estiveram, entre outros, Vicente Jorge Silva, Luís Filipe Menezes, Narciso Miranda, Manuel Carvalho, Manuel Alegre, Manuel Monteiro, Diogo Feio, João Teixeira Lopes, Paulo Morais, José Leite Pereira, José Marquitos, Manuel Maria Carrilho, Pedro Santana Lopes, Álvaro Castello-Branco, Marco António, Rui Sá, Manuel Serrão, Garcia Pereira, Hermínio Loureiro, Ana Gomes, Maria Teresa Goulão, Francisco Ferreira, Paulo Portas, José Manuel Fernandes, José Leite Pereira e Marco António Costa. Estão ainda na agenda do Clube nomes como Carvalho da Silva, Francisco Louçã e, à semelhança de Manuel Alegre e Narciso Miranda, que foram "repetentes", também Pedro Santana Lopes voltará, bem como Luís Filipe Menezes, que encerra o Ciclo a 7 de Julho. Uma conversa com o fundador, Joaquim Jorge, revelou alguns pormenores dos bastidores à volta da iniciativa. Pedro Laranjeira (PL) - Como surgiu a ideia do Clube dos Pensadores? Joaquim Jorge (JJ) - Surgiu porque eu acho que as pessoas têm que se "incomodar", não podem estar inertes! Mas é sua ideia "o exercício do pensamento", ou "agitar o pensamento"? No fundo, se quer que lhe diga, até podem chamar-me provocador. Sou contra o "establishement", não sou um óvni, mas gosto de ser como um cometa, que é um astro que de vez em quando aparece mas deixa rasto! Eu comecei com isto porque quis intervir e esta foi a maneira que encontrei para o fazer. No Partido não tinha hipótese, é tropa… e se conseguisse juntar pessoas com peso, o que fosse dito teria eco. Há uma coisa que eu faço que acho que é fantástica: aproximo os cidadãos dos políticos. Humanizo a política, porque as pessoas acham que a política é suja, eu não acho! Os seus debates são virados essencial18

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mente para a política?… Não, não é verdade! Tivemos, por exemplo, debates sobre jornalismo: primeiro, "A Comunicação Social e os Políticos", porque eu nunca percebi muito bem essa relação: os jornalistas querem ser políticos, os políticos querem ser jornalistas… a seguir tive um debate fantástico, "Responsabilidade, Censura e Jornalismo". Depois, "A Televisão versus Jornais", porque eu também me preocupo com o jornalismo isento, e percebi que a publicidade está a passar toda para a televisão…. então como é que vivem os jornais? Finalmente tive este último debate, sobre o futuro do jornalismo. Além disso tive futebol, ambiente… a verdade é que assiste aos debates uma média de cento e cinquenta pessoas! Eu não convido políticos, convido pessoas, pessoas de quem gosto. Até já convidei uma pessoa que nem estava na política e depois de vir ao Clube reapareceu na política: Pedro Santana Lopes. Convido pessoas de quem gosto, como o Manuel Alegre, por exemplo. Já cá tive o Luís Filipe Menezes, o Paulo Portas… O Joaquim Jorge é militante do Partido Socialista?... Ainda sou! Olhe, devo-o ao Manuel Alegre. Se não saí ainda do PS deve-se a ele! Mas tem convidado pessoas de outros partidos e até outras correntes ideológicas, como é o caso de Filipe Menezes ou Garcia Pereira… São pessoas de quem eu gosto! Portanto, tanto convida um democrata cristão como um marxista-leninista... Quando se consegue abrir a mente a campos diferentes, isso é extremamente positivo! Eu acho que estar amarrado a um partido é redutor! Debates há muitos, esta é uma ideia nova. Não traço objectivos, vou fazendo. Sabe, ideias brilhantes toda a gente tem, o problema é pô-las em prática e mantê-las…


ENTREVISTA

“Acho que tenho

feito com que as pessoas pensem!

Já pensou em alargar o espaço do Clube ao resto do país, ir a Coimbra, Lisboa, Algarve? Sim, claro, vou a Coimbra em breve e quero ir a Lisboa, mas com cabeça tronco e membros... Que é que isso quer dizer? Que as coisas têm que ser bem feitas, eu estou a trezentos quilómetros de distância. Mas quero ir a Lisboa, no próximo Ciclo. Até gostava de ir à Madeira… Mas veja que a logística não é fácil, eu moro em Gaia e tenho a minha vida aqui. Eu faço isto por gosto! Quanto tempo da sua vida gasta com o Clube? Quando as coisas dão prazer nunca se gasta tempo! Qual é o papel do blog, como é que o conjuga com os debates? È mais uma forma de abrir o Clube à Sociedade Civil. Teve um êxito estrondoso com o referendo sobre o aborto, com opiniões de todas as correntes, tanto do "sim" como do "não". O blog

tem visibilidade, o enriquecedor de um blog é poder ser participado tanto passivamente como activamente. Tem sido um bom apoio para os debates, porque não os há sempre, só uma vez por mês. Vai manter o formato do Clube, ou tem alguma ideia nova na manga? Tenho um programa na Rádio, outro na televisão, por exemplo. Tudo o que contribua para difundir o Clube ao maior número de pessoas é positivo. O que eu faço, no fundo, é um lobby de pensamento! Nunca pensou em expandir a iniciativa para um órgão de imprensa escrita? Eu não posso fazer tudo! O céu é o meu limite, mas faço as coisas passo a passo, nunca dou passos maiores que as minhas pernas… Também gostava de trazer cá o Nelson Mandela, gostaria de trazer pessoas estrangeiras, também, internacionalizar isto. Mas faço o que posso, e se eu não fizer ninguém mais faz! Todos falam muito mas ninguém faz nada, percebe?

Os seus convidados, gostam do Clube? Gostam muito mais que a própria pla teia! A plateia vai ali por razões definidas e se o convidado for de direita, quem é de esquerda não vai… eu acho isso surreal! Mas há também quem vá a todos e goste, isso é que é importante! Uma mensagem final para os leitores… Gostava de ter em Portugal políticos que eduquem pelos olhos e não pelos ouvidos, aquilo a que eu chamo políticos a trezentos e sessenta graus, ou seja: que construam pontes em vez de paredes, que sejam criativos e integradores e ofereçam aos cidadãos o que eles desejam. No futuro, a um líder não basta carisma, tem que ter substância! Este Clube não é um "movimento", não se centra num tema único, é muito mais do que isso, discute tudo, eu posso ali trazer tudo, todos os temas. Acho que tenho feito com que as pessoas pensem! Esta sociedade é apática, com uma resignação que tudo aceita… Sou contra isso! Acho que a Informação é Poder e procuro utilizar o pensamento como arma! k

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AMBIENTE

Políticas de Gestão de Resíduos

Evolução e tendências Ao longo da última década, o modo como as empresas passaram a olhar para as questões ambientais mudou, evoluindo de uma estratégia em que resolviam os problemas ambientais quando estes surgiam e quando pressionadas por questões legais, para uma estratégia mais proactiva, em que o Ambiente passou a constituir parte integrante da estratégia de negócio. Por Agência Portuguesa do Ambiente

As empresas beneficiam de vantagens competitivas à medida que desenvolvem novas ideias que ajudem a retomar um rumo de sustentabilidade, ou seja, de equilíbrio com a Natureza, constituindo um terreno fértil e estimulador do desenvolvimento tecnológico, crítico para o progresso económico em Portugal. A esta mudança não foi alheio o facto das políticas públicas terem também deixado de estar focadas tão fortemente nos processos de fabrico e começarem a centrar-se mais no ciclo de vida dos produtos, através de conceitos como a política integrada do produto. Com estas novas políticas, os fabricantes passaram a ser responsabilizados pelo impacte ambiental dos seus produtos, ao longo de todas as fases do ciclo de vida, nomeadamente desde a extracção das matérias-primas, fabrico, utilização até ao fim de vida do produto. Direccionada para a última fase do ciclo de vida dos produtos, a acção política tem-se centrado na promoção de soluções de gestão de fileiras de resíduos de produtos em fim de vida, relevantes para o Ambiente, quer pela sua quantidade quer pela sua perigosidade. Esta ênfase no processamento e valorização de resíduos é preconizada pelo VI Programa Comunitário de Acção em Matéria de Ambiente, definindo a área dos resíduos como um dos quatro domínios prioritários, cujo objectivo geral é o de garantir “uma maior eficiência na utilização dos recursos e uma melhor gestão de 20

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recursos e resíduos, a fim de assegurar padrões de produção e de consumo mais sustentáveis, dissociando, desse modo, a utilização dos recursos e a produção de resíduos, da taxa de crescimento económico, visando assegurar que o consumo de recursos renováveis e não renováveis não ultrapasse a capacidade de carga do ambiente”.

alternativas, compatíveis com o ambiente, que adiem o mais possível a transformação dos materiais em resíduos. 3) Promover a valorização do resíduo quando ele é gerado, procurando integrá-lo num outro ecossistema industrial; neste contexto, não pode deixar de se considerar, em último recurso, a valorização energética. 4) A eliminação segura dos resíduos, de forma a salvaguardar a protecção do Ambiente e da Saúde Pública. Estas prioridades constituem simultaneamente os princípios enformadores que regem as estratégias nacionais da Política de Gestão de Resíduos, com particular destaque para a constituição de sistemas integrados de fluxos específicos de resíduos como uma forma de garantir eficazmente a aplicação destes princípios.

Sistemas Integrados de Fluxos Específicos de Resíduos

A gestão de resíduos ganhou assim uma nova dimensão, tendo como prioridades: 1) Prevenir e minimizar a produção de resíduos. 2) Maximizar a reutilização, a reciclagem e o recurso a substâncias

Uma política de resíduos só será eficaz se tiver em conta a totalidade da vida do produto, desde a extracção das matérias-primas que o constituem, passando pela sua concepção e fabrico, distribuição/comercialização e utilização enquanto produto, até ao estádio em que este chega ao fim de vida e se transforma em resíduo. É neste contexto que o ciclo de vida do produto assume especial relevância numa abordagem integrada de gestão de resíduos, e que o produtor desse


AMBIENTE

de resíduos; - Cumprimento de metas de reutilização/recolha/reciclagem/valorização; - Alcance de objectivos de informação/sensibilização e de I&D.

produto e responsável pela sua colocação no mercado detém um papel e uma responsabilidade estratégicos ao intervir na sua concepção e portanto na decisão quanto a uma eventual aplicação de conceitos de ecodesign que limitem a utilização de substâncias perigosas e evitem, a jusante, tanto a formação de resíduos, como o recurso a operações de eliminação. O actual processo comunitário de revisão da Directiva-quadro sobre Resíduos1 constitui uma boa oportunidade para se proceder à actualização dos princípios gerais que regem a gestão de resíduos, compatibilizando-a com directivas que, desde 1994 com a publicação da Directiva “Embalagens”2 até 2006 com a publicação da nova Directiva sobre pilhas e acumuladores usados3, dão progressivamente importância ao facto da responsabilidade pela gestão de um produto em fim de vida assentar no produtor. A redistribuição na responsabilidade de gestão de resíduos desencadeou em toda a União Europeia, e em Portugal em particular, o aparecimento de sistemas integrados de gestão de certos fluxos específicos como sejam, o das embalagens, das pilhas e acumuladores, dos pneus, dos óleos lubrificantes, dos veículos e dos equipamentos eléctricos e electrónicos. Esta abordagem, inicialmente comunitária, adquiriu uma dinâmica 1 2 3

Directiva 2006/12/CE, de 5 de Abril Directiva 94/62/CE de 20 de Dezembro Directiva 2006/66/CE de 6 de Setembro

que actualmente ultrapassa as fronteiras europeias, estando no fórum de discussão de Organizações Internacionais, como a OCDE e o PNUA, e tende a abarcar outros fluxos, tais como, entre outros, os óleos alimentares, os biodegradáveis, os resíduos de construção e demolição e os acumuladores de veículos, industriais e similares. De facto, o Governo Português, após uma fase prioritária, iniciada há cerca de 10 anos, de estruturação do sector dos Resíduos Urbanos, que conduziu à criação e consolidação dos actualmente 29 Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos existentes, investiu de forma determinada para criar as condições necessárias ao desenvolvimento e reforço da aplicação do princípio da responsabilidade do produtor, nomeadamente através de instrumentos de planeamento, legislativos e financeiros, procurando o envolvimento dos agentes económicos no processo de tomada de decisão e o reforço do acompanhamento, por parte da Administração, do processo de monitorização e desempenho dos sistemas de gestão de fluxos específicos de resíduos.

Existe neste contexto uma janela de oportunidades para a constituição de um Mercado Organizado de Resíduos, criando uma “Bolsa de Resíduos” transaccionáveis como “produtos” que contribui eficaz e simultaneamente para os objectivos da política de gestão de resíduos e para a preservação dos recursos naturais. E é na consolidação desta abordagem estratégica, com alargamento a outros fluxos, e na criação de instrumentos administrativos e jurídicos que enquadrem a actuação, quer de operadores económicos, quer da Administração, que se prevê a evolução das políticas neste domínio, num futuro próximo, e que os factores que condicionam e garantam a Sustentabilidade do Desenvolvimento justificam em última análise. k

As 9 entidades gestoras licenciadas em Portugal contribuíram, em 2007, através da aplicação do princípio da responsabilidade alargada do produtor, para: - O envolvimento de todos os operadores económicos no ciclo de vida do produto; - Prevenção da quantidade e perigosidade dos resíduos gerados; - Aplicação da hierarquia de gestão MARÇO 2008

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AMBIENTE

Instituto Regulador de Águas e Resíduos

O Alargamento da Intervenção Regulatória Os serviços de águas e resíduos são serviços públicos essenciais, que devido a características tecnológicas específicas, são prestados em regime de monopólio de âmbito local ou regional. Neste contexto de ausência de concorrência podem criar-se condições que não acautelem a defesa dos interesses dos utilizadores, no que respeita à qualidade dos serviços prestados e às tarifas que lhes estão associadas. Por Jaime Melo Baptista, presidente do Conselho Directivo, Dulce Álvaro Pássaro, vogal do Conselho Directivo, e João Simão Pires, vogal do Conselho Directivo do IRAR

A aprovação do Estatuto do Instituto Regulador de Águas e Resíduos (IRAR) em 1998 representou uma decisão significativa para a adequada estruturação do sector dos serviços de águas e resíduos, uma vez que, através do exercício das suas competências, o IRAR tem vindo a contribuir para contrariar os aspectos negativos decorrentes da ausência de alternativas de escolha do prestador do serviço por parte dos seus utilizadores. De acordo com o Estatuto do IRAR, apenas as entidades gestoras que prestam os serviços de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos no âmbito de concessões municipais ou multimunicipais são abrangidas pela sua intervenção regulatória. Tal representa um universo de cerca de 60 entidades de entre as mais de quatro centenas das existentes, mas cujos serviços abrangem directa ou indirectamente mais de 70% da população portuguesa. A intervenção regulatória tem-se desenvolvido essencialmente em duas vertentes: - Regulação estrutural do sector, através da qual se procura contribuir para a definição de normativos que possibilitem a sua melhor organização ao longo do 22

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tempo, clarificar questões técnicas e jurídicas e prevenir situações eventualmente conflituantes; - Regulação do comportamento dos operadores, desenvolvida tendo em consideração a promoção da qualidade dos serviços prestados e o equilíbrio dos tarifários praticados. A intervenção regulatória tem também presente a importância de salvaguardar a sustentabilidade técnica e financeira das entidades gestoras, para que o serviço possa ser prestado ao cidadão com continuidade e qualidade. Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 243/2001, de 5 de Setembro, foi o IRAR posteriormente incumbido da missão de Autoridade Competente para o controlo da qualidade da água para consumo humano. No âmbito desta missão relaciona-se actualmente com mais de 300 entidades gestoras de titularidade estatal ou municipal do Continente e da Região Autónoma dos Açores, uma vez que, entretanto, a Região Autónoma da Madeira designou uma Autoridade Competente Regional. Passados 10 anos após a criação do IRAR, há evidências

do seu contributo positivo para o desenvolvimento do sector das águas e resíduos, materializado, designadamente, na implementação de um sistema de avaliação da qualidade do serviço prestado aos utilizadores, na avaliação aprofundada dos orçamentos e projectos tarifários elaborados com base em critérios harmonizados e na divulgação de um vasto conjunto de recomendações e publicações dirigidas aos operadores. Na Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, - Lei do Sector Empresarial Local e na Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, - Lei das Finanças Locais está previsto o alargamento da intervenção regulatória do IRAR às empresas municipais e intermunicipais e às entidades prestadoras de serviços de gestão directa municipal e de serviço municipalizado. Este alargamento da intervenção do IRAR implica algumas alterações no seu Estatuto, o que até ao momento não se verificou. Implica ainda o aprofundamento dessa intervenção regulatória sobre estas entidades gestoras, tendo presente a imprescindível articulação com a autonomia municipal, consagrada na Constituição da República Portuguesa e na Lei das Autarquias Locais, o que se espera que venha a ocorrer durante o ano de 2008. k



AMBIENTE

Gestão do Sistema Integrado de Resíduos de Embalagens

Separar toca a todos Há uma década que a Sociedade Ponto Verde (SPV) sensibiliza que separar toca a todos. O balanço tem sido positivo. De acordo com Luís Martins, director-geral da SPV, os resultados fazem parte dos objectivos da empresa e, de acordo com a Comunidade Europeia, a grande meta é em 2011. Texto e fotografias: Rosa Teixeira da Silva

Perspectiva: A reciclagem de resíduos de embalagem aumentou 26% no ano 2007. Quer isso dizer que os objectivos da SPV foram cumpridos? Luís Martins: O grande objectivo é para 2011 com o cumprimento das metas definidas para a SPV: atingir os 55% de taxa de reciclagem global (55% do volume total das embalagens declaradas à SPV pelos seus aderentes). Especificando as taxas de reciclagem de material a material: vidro 60%; papel/cartão 60 %, metais 50%, plásticos 22,5% e na madeira 15%. O ano transacto acabou por ser mais uma etapa para essa grande meta definida ao nível comunitário, tendo a SPV atingido os 46,7%. A SPV é o principal catalizador para que as metas em Portugal dêem certo? O crescimento registado representa mais 100 mil toneladas que no ano anterior… Houve um crescimento tanto ao nível das retomas de resíduos de embalagens urbanas, que corresponde aos resíduos das nossas casas e pequeno comércio, bem como das não urbanas, que se referem ao grande comércio e indústria. Ou seja, crescemos nos dois fluxos. Desde a criação da SPV, em 1997, a separação dos resíduos é uma realidade no quotidiano das pessoas e empresas. Ainda continua 24

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a existir a preocupação de as sensibilizar? Há muito a fazer para garantir que não só as metas sejam cumpridas, como também que esta tarefa de separar e reciclar passe a fazer parte da rotina de todos nós. O que temos vindo a fazer, depois de identificar as barreiras para a separação que as pessoas pudessem ter nas suas casas, foi desmistificar algumas questões. Estou a lembrar-me da série de cinco filmes com as crianças onde se tentava mostrar onde estava um ecoponto, a importância para que as pessoas tivessem esses recipientes em casa, explicar como separar devidamente. Depois de explicar as regras,

mais recente, para ultrapassar uma barreira que ainda existe, que passa por mostrar e esclarecer o que acontece aos materiais: que uma garrafa se pode transformar noutra garrafa, uma lata de atum numa bicicleta. Ou seja, há um resíduo que pode ser reciclado e ter uma nova vida. Quais são as conclusões do estudo? Notámos uma evolução. Em 2004 tínhamos apenas 41% das pessoas a separar. Em 2007 esse número tinha crescido para os 63%. Temos mais pessoas a separar, não só separadores totais, que separam os cinco materiais

“Há zonas em que se justifica, cada vez mais, haver uma recolha porta a porta.”


AMBIENTE

(vidro, papel, plástico, cartão e madeira), bem como, o número de lares separadores. Nem que separem apenas um material já aderiram à causa. Percebem que quando se dirigem a um ecoponto podem levar outros resíduos? Exacto. Por isso todas as nossas campanhas visam transmitir essa mensagem para que separem todos os materiais. Neste momento, a mensagem será para que as pessoas separem todos. É mais fácil converter separadores parciais em totais do que os não separadores. Ainda há que desmistificar o ciclo da reciclagem, a sociedade ainda tem dúvidas? É a fase invisível do processo. Fizemos uma campanha nos grandes hipermercados onde eram colocadas etiquetas nas embalagens que eram adquiridas, sendo pedidos determinados dados às pessoas. Caso essas embalagens fossem encontradas numa central de triagem, as pessoas recebiam um prémio. Queríamos demonstrar que aquilo tinha encaminhamento e desmistificar, para que as pessoas soubessem que a embalagem ia ter um tratamento. Vamos continuar. Um outro exemplo, tem a ver com a imagem com que as pessoas ficam ao verem, num camião de recolha, serem despejados os dois contentores lá em cima, onde não vimos que estão dois compartimentos. Quem vê de baixo não percebe e pensa que estão a misturar resíduos. As pessoas têm que ficar tranquilas. Que desafios prevêem no sector dos resíduos? Existem muitas empresas que não cumprem com as suas obrigações legais. Muitas vezes por desconhecimento. Aqui a SPV pode ter um papel importante. Temos de reforçar a sensibilização e informação para a necessidade de transferirem as suas obrigações legais para um sistema integrado, ou seja, a SPV. Outro grande desafio prende-se com a identificação de locais onde o actual sistema de recolha possa já estar saturado e esse potencial não pode ser explorado através da co-

“A SPV tem um papel importante na área do apoio a projectos de investigação e desenvolvimento” locação de mais ecopontos. Há zonas em que se justifica, cada vez mais, ha ver uma recolha porta a porta. Nalgumas zonas de Lisboa já existem, mas será que noutras zonas não se justifica? Trabalharemos com sistemas municipais e intermunicipais no sentido de os sensibilizar e apoiar para que se olhe cada vez mais para este alternativas de recolha. Esse é o grande papel da SPV? Sim. Outro exemplo onde a SPV tem um papel importante é na área do apoio a projectos de investigação e desenvolvimento. Muitas vezes falase que não existem apoios às áreas de I&D, mas da nossa parte existe total disponibilidade. São precisos mais projectos e válidos. As campanhas de sensibilização junto da comunidade escolar são também uma das áreas onde a SPV tem um papel activo. Por exemplo, em conjunto com o Ministério da Educação foi distribuído um kit pelos professores do primeiro ciclo para que pudessem dar uma aula sobre reciclagem. Correu muito bem. No próximo ano vamos alargar ao segundo e terceiro ciclo.

São uma empresa privada a fazer serviço público… A SPV surge face à obrigação legal dos embaladores. As embalagens surgem no mercado, são fantásticas, mas de repente são uma grandessíssima dor de cabeça. Existe a possibilidade de transferir essa obrigação para

SPV, que tem como principal missão gerir o sistema integrado de resíduos de embalagens. Seria complicado para as empresas fazê-lo de uma forma isolada e ao transferiram a obrigação para a SPV, têm o garante da obrigação legal. Quais as perspectivas para a gestão de resíduos de embalagens em 2008? A licença para gestão do SIGRE é-nos atribuída por períodos cinco anos e são estabelecidas metas que coincidem com as definidas pela Comissão Europeia. 2008 será mais uma etapa para o garante do cumprimento das metas 2011 devendo ser garantido que o ritmo de retomas se mantém com a participação de todos os intervenientes neste processo, cidadãos, empresas, indústria, sistemas municipais e intermunicipais. Face à diversidade e constante mutação de materiais a SPV tem de estar sempre atenta à evolução? Há uma tentativa de acompanhar o desenvolvimento das embalagens. Apoiar as empresas em planos de prevenção. Por exemplo, se reparar em algumas garrafas de água, antes tinham uma tampa maior e a embalagem era mais pesada. A redução do tamanho da tampa levou a uma diminuição do consumo de materiais de embalagem. Este tipo de iniciativa insere-se na área de actuação da SPV, ou seja, no apoio às empresas na implementação de planos de prevenção. Neste exemplo específico a SPV não teve uma participação mas podia perfeitamente ter tido. Por outro lado, a SPV deverá recomendar a utilização de materiais de embalagem mais amigos do ambiente, que permitem uma melhor reciclagem. Em conclusão, para desempenhar este papel a Sociedade Ponto Verde deverá estar permanentemente atenta à evolução do mercado de materiais de embalagem. k MARÇO 2008

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AMBIENTE

Ecopilhas

enviou 51,7 milhões de pilhas e acumuladores para reciclagem Desde 2004 até final do primeiro semestre de 2007, foram recolhidas e enviadas para reciclagem 51,7 milhões de unidades de pilhas e acumuladores pela Ecopilhas, entidade responsável pela gestão deste fluxo de resíduos. Ainda sem os resultados finais de 2007, a Ecopilhas espera porém que estes venham a confirmar a tendência positiva do 1º semestre do ano, em que foram recolhidas 10,7 milhões de pilhas e baterias, ou seja, em que se registou um crescimento de 9% face ao período homólogo de 2006. As associações de municípios e os sistemas multimunicipais, a par dos hiper e supermercados, são as entidades que mais contribuem para o esforço de recolha e para o bom desempenho de Portugal nesta área – 40% cada. Os restantes 20% são efectuados por diversas empresas e organizações, onde se nota uma crescente sensibilização para com os temas ambientais. “O esforço desenvolvido pela Ecopilhas e pelos seus ecoparceiros, na distribuição de pilhões em todo o país, tem sido bem sucedido”, afirma Eurico Cordeiro, directorgeral da Ecopilhas. Mas, reforça, “é ao cidadão que cabe o papel principal de colocar as suas pilhas, baterias de telemóvel, de computador, de câmaras de vídeo, e outras, nos pilhões”.

A Ecopilhas ultrapassou em 2007 os 1.500 ecoparceiros, ou seja, as entidades que colaboram na recolha selectiva de pilhas e acumuladores usados.

A entidade gestora cobre, desde 2005, todo o território nacional, incluindo as regiões autónomas da Madeira e Açores, utilizando uma rede superior a 15 mil pilhões, 2.700 dos quais colocados e recolhidos directamente pela Ecopilhas (18% do total). Esta fatia foi responsável em 2006 por cerca de 60 por cento das pilhas e acumuladores recolhidos. Os municípios controlam os mais de 12 mil pilhões restantes, tendo a Ecopilhas por obrigação recolher, de forma mais centralizada, as pilhas e baterias que neles são depositadas. Outra das apostas da Ecopilhas é o lançamento de campanhas de sensibilização que têm como fim chamar a atenção não só para as pilhas usadas, que costumam ser esquecidas em casa, mas também para a diversidade de acu26

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muladores existentes em todos os equipamentos que fazem parte do dia-a-dia: baterias de telemóvel, de computador, de câmaras de vídeo, entre outras que são igualmente para colocar no pilhão. Apesar de Portugal não dispor de unidades de reciclagem de pilhas e acumuladores, a Ecopilhas assegura que, depois de depositadas no pilhão, as pilhas e acumuladores são recolhidos e separados por sistema químico num centro de triagem em Portugal. Após este processo, os resíduos são enviados para a Áustria, onde são devidamente reciclados. Durante o processo de reciclagem os metais pesados, tais como cádmio, mercúrio e chumbo, considerados nocivos para o ambiente, são devidamente tratados. Os outros tipos de materiais resultantes do processo são introduzidos de novo nas indústrias. No ranking europeu, em 2006, Portugal com apenas três anos de experiência, encontrava-se na sexta posição a seguir a países como a Alemanha, Holanda, ÁusÁus tria, Bélgica ou França (quase todos com um histórico de pelo menos 10 anos de recoreco lha), o que demonstra o crescimento do interesse pela causa da reciclarecicla gem em Portugal. Refira-se ainda que a legislação europeia definiu para 2012, uma meta de 25 por cento de recolha de pilhas e acumuladores usados, e que a Ecopilhas em 2006 atingiu cerca de 17%, três anos após o inicio da sua acac tividade. k



VITIVINICULTURA

Nova reforma traz 72 milhões para o sector da vinha

Luís Vieira, secretário de Estado da Agricultura

Com a nova reforma o governo tem como actuação a melhoria da qualidade dos vinhos, reorganização das adegas e combate aos excedentes de produção, e aposta forte nas estratégias de promoção para a afimação dos vinhos portugueses. Em entrevista o secretário de Estado da Agricultura refere que a investigação e o desenvolvimento também estão no topo das prioridades.

Texto e fotos - Rosa Teixeira da Silva

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A vinha tem vindo a sofrer profundas transformações, não só por imposições políticas da Comunidade Europeia, mas também pela vontade dos agricultores. Depois do programa VITTIS e do programa de reestruturação, que novidade trouxe a Presidência Portuguesa para o sector vinícola? Levou a cabo a reforma do sector vitivinícola na União Europeia. Era um dos últimos que ainda não tinha sido objecto de reforma, uma vez que o sector estava num beco sem saída. A EU é o maior produtor, consumidor, importador e exportador ao nível mundial, no entanto estava com problemas, estava a gerar excedentes crónicos na ordem anual dos 15 milhões de hectolitros. Estava a perder competitividade no mercado mundial. A reforma veio clarificar, orientar a produção, avançar com a melhoria da qualidade e reforçar o apoio à produção. A presidência foi cumprida com êxito, só com dois votos contra (de Malta e Dinamarca), e conseguiu-se fazer uma reforma que agradou aos países do norte e do sul.

problemas de ajustar a produção ao mercado. O arranque da vinha foi definido em 175 mil hectares, dos quais Portugal poderá ter cerca de 12 mil hectares, no sentido de colocar ou retirar do mercado vinhos de menor qualidade e que não têm condições em termos de rentabilidade. Uma medida que se justifica para melhorar a qualidade mas compensando os agricultores. Há um prémio na ordem dos 6600 euros por hectare no primeiro ano, a partir de 2011 ainda têm uma ajuda complementar de 350 euros por hectare. Mas o arranque também terá de ser feito de uma forma selectiva e rigorosa. Não podem aderir explorações que tiveram apoios nos últimos dez anos.

Quais são as implicações e consequências práticas? Por um lado criar condições para que o mercado funcionasse melhor no âmbito da intervenção, nomeadamente a destilação - foi criado um período de quatro anos para permitir uma adaptação dos países e das empresas que têm

“É um sector que tem mostrado muita dinâmica em termos de melhoria da qualidade.”

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Podem-se candidatar agricultores de qualquer região do país? À partida estão isentas zonas com declive, nomeadamente o Douro ou outras regiões com handicaps ambientais. A nossa disponibilidade nessas regiões, através diálogo com as comissões vitivinícolas, é poder encontrar algumas franjas e fazer-se algum arranque selectivo.

O sector dos vinhos tem grande peso em


VITIVINICULTURA

termos económicos? Representa quase 13% da produção agrícola (1300 milhões de euros). É um sector que tem mostrado muita dinâmica em termos de melhoria da qualidade. Além do vinho ser gastronomia, cultura e paisagem/ turismo, é um sector de excelência, que mostrou durante estes últimos anos a capacidade de organização e reestruturação. Através do programa VITTIS, reestruturámos cerca 35 mil hectares, que mostra que houve uma vontade dos agricultores no sentido de se modernizarem e procurarem a qualidade. Temos 239 mil hectares de vinha, com uma dimensão média 177 explorações, com 1,3 hectares por exploração (que representa uma dimensão média pequena), o que significa que não podemos produzir em quantidade mas em qualidade. Qual a situação real de Portugal? Há uma década apareceram jovens enólogos, que trouxeram conhecimento técnico e know-how, criou-se um grande entusiasmo dos vinhos portugueses. Temos de apostar mais na produção - que é o que a nova reforma veio trazer. Permitir apoio à reestruturação, apoio à qualidade, promover os vinhos no mercado nacional. Vamos ter um envelope nacional em termos financeiros que decorreu desta reforma na ordem dos 72 milhões de euros anuais, vamos ter mais sete milhões de euros/ano do que tínhamos. O envelope nacional que permite aos estados-membros fazer as opções com mais flexibilidade. Vamos ter uma verba significativa em termos de promoção no mercado mundial, na ordem dos 20 milhões de euros anuais. Um aumento significativo e que poderá dar este salto extremamente importante de afirmação dos vinhos portugueses. Apostar noutros vinhos para além do Vinho de Porto? Para dar exemplo, nós exportámos 629 milhões de euros, dos quais 60% é Vinho de Porto, mas tem aumentado a parcela dos chamados vinhos de mesa no mercado mundial - 12%, são com denominação de origem, mas representam em termos de valor

quase 40% das vendas, que mostra que os vinhos com denominação de origem trazem mais valor para viticultores e para o país. O caminho é apostar na qualidade, exportando vinho engarrafado, onde vai também o vidro, a rolha, o rótulo. Além disso, no âmbito do programa de desenvolvimento rural (PRODER), irá afectar a agricultura portuguesa nos próximos sete anos, temos 500 milhões de euros anuais, em que o vinho também é o sector estratégico, onde terá apoios direccionados para a modernização das explorações, adegas, inovação, criação de novos produtos e ao mesmo tempo internacionalização das empresas. As adegas e empresas estão preparadas para os novos desafios? Ainda temos de ganhar uma aposta que é o ‘calcanhar de Aquiles’ - o movimento associativo. 52% da produção é da responsabilidade das adegas cooperativas que abrange cerca de 112 que existem no país, mas que têm um problema complicado em termos de gestão, por vezes com problemas complicados ao nível do pagamento aos agricultores. Por exemplo, muitas vezes o vinho vai para

destilação porque não conhecem os circuitos de mercado, a qualidade não é a mais aceitável. Nessa destilação 85% é enviado pelas cooperativas. O grande desafio é redimensionar este mercado. Na zona dos vinhos verdes alguns exemplos estão a ser seguidos, no sentido de reduzir custos operacionais e melhorar a qualidade para poder pagar atempadamente aos viticultores e remunerar melhor a matéria-prima. Vamos privilegiar quem procura dinâmica empresarial. Continuam com os mesmos problemas de fundo que são os excedentes de produção? Se não conseguirmos fazer este redimensionamento vai ser difícil reduzir esta situação. Já se sente um movimento a caminho, fenómenos de concentração, mas têm de procurar a dinâmica e gestão profissionalizada. Têm sido utilizados os instrumentos adequados? Na última década deu um salto qualitativo. A profissionalização ao nível a enologia trouxe pessoas novas que vieram trazer mais acção, uma maior dinâmica de exportação e afirmação de vinhos de qualidade.

“Têm havido

apoios no âmbito da modernização.

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VITIVINICULTURA

O vinho português tem capacidade para competir em termos de qualidade e de preço? O vinho tem-se afirmado pela qualidade, temos ganho muitos prémios. Mas temos de ter uma estratégia mais bem definida para actuar nesses mercados que são exigentes em termos de qualidade e preço. Temos que encontrar ao nível de exportação estratégias para dar resposta em termos de qualidade. As empresas não podem ir de vez em quando a uma feira à espera que o cliente se lembre deles, têm de ter uma presença continuada. Apoiam as empresas que criam marcas e tentam implementá-las? Têm havido apoios no âmbito da modernização. No fundo mais tecnológica. Mas também queremos apoiar o investimento imaterial através do conhecimento, investigação e internacionalização, procura de outros mercados. Retomando a questão dos preços, Portugal continua a praticar preços elevados… Tem de haver equilíbrio, não podem ser fixados de forma administrativa. A lei da oferta e da procura é que determina. Há medida que se avança na melhoria da qualidade há uma oferta maior e os vinhos têm mais valor acrescentado. É natural que os vinicultores procurem melhor remuneração. Por vezes há desequilíbrio entre produção e aquilo que o consumidor paga. Na restauração os preços são mais elevados, mas se for às grandes cidades tudo o que é carta de vinhos é elevado. Noutros locais de distribuição já há um maior equilíbrio. As medidas que adoptam contribuem para a preservação das paisagens? A vinha modela a paisagem ao nível da Europa. É importante continuar a preserva-la, também tem um papel importante no combate à desertificação e como sector vital como gerador de riqueza.

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O vinho é dos produtos com mais repercussão ao nível mundial.

A barragem anunciada para o Foz Tua ameaça submergir uma zona de denominação de origem do Vinho de Porto e deixar muitos agricultores sem terra para trabalhar… Não tenho estudos científicos que possam fazer a avaliação dessa natureza. Não conheço o traçado e se vai afectar zona agrícola. Também se tentam procurar os menores impactos possíveis. Mas nunca irá por em causa a paisagem nem a actividade da vinha. Não me parece que vá causar problemas quer em termos de exportação ou ocupação de áreas de vinha. Os empresários têm consciência da importância da implementação da marca? Ainda é um handicap. Produzimos bem e com qualidade, mas por vezes não temos a melhor estratégia para comunicar e escolher os melhores canais para colocar o vinho junto do consumidor. Agricultura moderna também é feita por comunicação. As marcas são a forma de afirmação junto dos consumidores. Temos também de fazer um trabalho de maior ajustamento. Não podemos promover milhares de marcas, só vinhos verdes existem mais de duas mil.

Quem faz a selecção? Acaba por ser feita de forma natural, os próprios empresários para estar nesses mercados não pode ser com muitas marcas. Tem de ser o número suficiente para permitir qualidade e quantidade. Porque não elegem o vinho como o grande embaixador do nosso país? O vinho é dos produtos com mais repercussão ao nível mundial, a começar pelo Vinho de Porto, produzido na região demarcada mais antiga do mundo, património mundial. Ao mesmo tempo, o vinho Douro tem-se afirmado por ser da mesma região. Os nossos vinhos têm aumentando a exportações, há cada vez mais consumidores espalhados pelo mundo e temos de saber chegar até eles. Temos de apostar nas nossas castas que vêm do nosso solo e clima. As chamadas castas internacionais são oferecidas no mercado mundial a preços mais competitivos - são feitos em explorações maiores e com custos muito menores. Portugal com uma dimensão tão pequena tem de explorar a diversidade e qualidade, mas apostando na alta qualidade do vinho e castas, que são essas que marcam a diferença. Apostar no que temos melhor e que sabemos fazer. k



VITIVINICULTURA

Acordo para a reforma da OCM Vitivinícola

Mudança e desafio para as Adegas Cooperativas Portuguesas Na sequência de meses de negociações, o Conselho de Ministros da Agricultura da União Europeia, no dia 19 de Dezembro de 2007, estabeleceu um compromisso político para a Reforma da Organização Comum de Mercado Vitivinícola, existindo já, uma proposta de alteração da proposta de regulamento apresentada pela Comissão em Julho de 2007. Por CONFAGRI/FENADEGAS

Segundo a Comissão pretende-se atingir um equilíbrio do mercado do vinho, terminando as medidas de intervenção nos mercados inúteis e dispendiosos, permitindo que o orçamento seja utilizado para medidas mais positivas e proactivas que reforcem a competitividade dos vinhos europeus. O que se propõe é pois uma reestruturação rápida do sector vitivinícola: - Regime voluntário de arranque com pagamento, com uma duração de três anos, destinado a retirar do mercado os excedentes e o vinho não competitivo; - Liberalização dos direitos de plantação a partir de 2015, com a possibilidade de alargar o prazo até 2018 (a vinha deixará de ser uma cultura condicionada) - Subsídios para a destilação de crise e a destilação em álcool de boca e ajudas à utilização de mosto concentrado ou concentrado rectificado, serão gradualmente abolidos e o dinheiro, atribuído no âmbito de envelopes nacionais, poderá ser utilizado para medidas como a promoção do vinho em mercados dos países terceiros, a inovação, a reestruturação e a modernização de vinhas e adegas: - Eliminação de todas as outras medidas de apoio ao mercado; - Introdução do Regime de Pagamento Único; - Simplificação das regras de rotulagem, no interesse tanto dos produtores como dos consumidores. Mas que implicações terá esta reforma? Se, por um lado, vem ao encontro de algumas reivindicações que as Adegas Cooperativas portuguesas sempre defenderam, por outro, é com preocupação que estas encaram as implicações das novas regras previstas. Na verdade, ao aprovar um período transitório de desmantelamento das medidas de intervenção, com a continuação por mais alguns anos do apoio financeiro a questões tão importantes como destilação de vinho, enriquecimento com mostos concentrados e pagamento das prestações víni 32

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cas, a União Europeia vem dar razão às reivindicações das Adegas Cooperativas, impedindo radicalismo de soluções que a Comissão Europeia vinha propondo e que, quanto a nós, eram perfeitamente inaceitáveis. Este período transitório, permitirá que as Adegas Cooperativas e os seus associados se adaptem às novas regras. Mas, a nova realidade da OCM Vitivinícola apresenta alguns aspectos que nos preocupam: - A introdução do Regime de Pagamento Único, levará a que também esta OCM seja incluída nas OCM Única prevista para a PAC. Ora este aspecto modificará completamente os apoios dados ao sector vitivinícola, que até aqui eram atribuídos essencialmente aos produtores de vinho (onde se incluem as Adegas Cooperativas), e que passarão a ser atribuídos aos detentores das vinhas/ produtor de uvas e à sua exploração. - A aplicação do regime de arranque que terá de ser objecto de um rigoroso controle, para que não se caia em desperdícios de dinheiro e de oportunidades. Este regime deverá promover efectivamente o arranque de vinhas não competitivas Mas, como se irá reflectir esta medida nas produções das Adegas Cooperativas? Que consequências? Que compensações pela perda de uvas? - A liberalização dos direitos de plantação que terá de ser devidamente analisado em algumas regiões, nomeadamente na Região do Porto/Douro. - O reforço das Organizações de Agricultores, que deverão ter um papel fundamental na aplicação das novas medidas. - A inclusão da referência à casta e ano de colheita nos vinhos de mesa. É necessário prever qualquer mecanismo de controlo destes vinhos e acautelar o impacto desta medida nas nossas Comissões Vitivinícolas e nos nossos vinhos certificados.


VITIVINIVULTURA

Essência do Vinho – Porto 2008 Na próxima quinta-feira, dia 6 de Março, e até domingo, vai ter lugar no Palácio da Bolsa no Porto um evento que é já uma referência a nível nacional. Este ano vão estar presentes cerca de 70 líderes de opinião estrangeiros. Há semelhança de anos anteriores, os visitantes vão poder provar, comprar e aprender, através da participação nas diferentes iniciativas, nomeadamente as “Provas Comentadas”, as “Conversas sobre Vinho”, as áreas de “Harmonizações” entre gastronomia e vinhos e os “Show Cooking” com chefes nacionais e internacionais. Para mais informações consulte: www.essenciadovinho.com

É evidente que o sector vitivinícola nos próximos anos irá sofrer grandes alterações. É evidente igualmente, que muita desta reforma se vai jogar a nível interno e como irão ser distribuídas as verbas destinadas ao envelope nacional. Se por um lado todos queremos maior competitividade, por outro não devemos perder de vista a importância da vinha em muitas regiões do país sendo o garante da manutenção do espaço rural e, por vezes, a única alternativa cultural rentável. Representa pois um enorme desafio à capacidade das Adegas Cooperativas que deverão acautelar os seus interesses e dos seus associados, rentabilizando as medidas previstas, nomeadamente as que estarão contidas no envelope nacional, de modo a que se tornem como se pretende afinal, mais competitivas. k

Vinipor e Enotécnica em Maio na Exponor Entre 7 e 10 de Maio de 2008, a Exponor - Feira Internacional do Porto vai ser palco da Feira “Grupo Alimentação”, proporcionando o encontro dos Profissionais da Indústria Alimentar. Neste âmbito, vão realizar-se a Vinipor – Salão de Vinhos, e a Enotécnica - Salão de Equipamentos para a Viticultura e Enologia. Para mais informações consulte: http://vinipor.exponor.pt

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REGIÕES

“Gaia

está a ajudar o país” Marco António Costa, vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, em entrevista à revista Perspectiva. Vila Nova de Gaia foi o concelho que mais progrediu nos últimos anos. Que comentário faz a esta realidade? Gaia é hoje um exemplo nacional. O presidente Luís Filipe Menezes há 10 anos iniciou e deu corpo a este projecto de desenvolvimento. Num país em crise e deprimido, estamos a fazer a diferença. Os projectos não pararam, a nível viário, ambiental, cultural, desportivo, educacional. Apesar do “garrote” que o Poder Central está a

“Concelho

multifacetado, com uma realidade sociológica e territorial quase única no país.” 34

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colocar às autarquias, em Gaia a palavra de ordem é continuar a fazer obra. Este desenvolvimento está também a tentar travar o crescimento nacional do desemprego, responsabilidade do Governo. Nos últimos meses apresentamos projectos de investimentos nas áreas da saúde, da educação, da distribuição, da restauração, hotelaria e do lazer que vão permitir criar riqueza e centenas de postos de trabalho. Estamos a trabalhar em Gaia, para ajudar o país.

No entanto, também é uma das autarquias mais endividadas do país. Como justifica esta situação? Esta é uma falácia, que dita muitas vezes até parece que é verdade. Gaia não é das autarquias mais endividadas. O que temos que analisar é o endividamento per capita e, neste caso, somos a autarquia com um dos melhores rankings da Área Metropolitana do Porto e do país. Aliás, é preciso ter alguma acção pedagógica nesta questão. Isso foi bem esclarecido em


REGIÕES

"Considero

francamente positiva a gestão destes últimos anos." notícia publicada no dia 7 de Maio do ano passado, no Jornal de Notícias, página 18, que elencou as autarquias de todo o país no que diz respeito ao endividamento per capita. Gaia esteve neste ranking, entre as autarquias mais saudáveis financeiramente. Aliás, nós é que somos credores do Estado em mais de 23 milhões de euros. As nossas contas estão equilibradas e o nosso orçamento para 2008 reflecte opções de rigor, equilíbrio das contas e muita responsabilidade. V.N. de Gaia é um concelho que possui diferentes realidades: rural, cidade, zona de praias fluviais e marítimas. A gestão de todas estas realidades é complexa? É complexa e estimulante. Na verdade somos um concelho multifacetado, com uma realidade sociológica e territorial quase única no País. A nossa estratégia tem sido de manter um equilíbrio harmonioso entre todas as partes do concelho. Em Gaia, ninguém fica para trás. Por isso, elaboramos um plano de desenvolvimento específico para cada uma das partes que referiu. No interior rural do concelho, com graves problemas de desertificação, investimos em equipamentos estruturantes que fixassem as pessoas, e, mais gente passe aí a residir: construímos

estradas, piscinas, novas escolas, complexos desportivos, ETAR’s. Estamos ainda a criar parques empresariais que vão ser motor de desenvolvimento e postos de trabalho. E na orla marítima e ribeirinha? Na orla ribeirinha, apostamos no lazer e na restauração, de que a imagem de marca é o Cais de Gaia, com o objectivo de chamar gente de todo o país e do mundo. Hoje toda a gente conhece o Cais de Gaia. Investimos também no Centro Histórico, na requalificação do parque habitacional, com o objectivo de fixar as suas gentes e atrair novos residentes. Na orla marítima, lançamos uma gigante operação de requalificação das praias de Gaia, hoje com 17 bandeiras azuis, um recorde nacional. Investimos também em melhores infra-estruturas viárias, e novos equipamentos de lazer e de desporto. Na zona urbana, optamos por criar zonas verdes, como o Parque da Lavandeira, e desportivas, como o Complexo do Parque da Cidade, a que se junta o Metro e a criação de importantes espaços culturais. Em todo o concelho fizemos habitação social de qualidade. Que balanço faz destes últimos anos? Penso que as obras efectuadas e de

que dei uma síntese atrás, são a melhor resposta. Devo dizer-lhe que considero francamente positiva a gestão destes últimos anos. O ser humano nunca está satisfeito, por isso pretenderemos abrir novos “dossiers” de desenvolvimento, captar mais investimento e procurar responder aos desafios que diariamente se nos colocam. A nossa primeira preocupação são as pessoas. Quais são as grandes prioridades do executivo? São várias. Porque ainda há muito a fazer em várias áreas. Por exemplo, enquanto houver uma família gaiense a viver em condições degradantes, não me vou sentir satisfeito. É preciso investir muito na habitação social. O Masterplan para o Centro Histórico vai ser também um instrumento fundamental para a requalificação daquela zona e vai permitir a reabilitação integral da costa ribeirinha; vamos construir “campus” escolares modernos com uma componente de investimento social; vamos consolidar os nossos projectos empresariais de raiz tecnológica, etc., etc., etc.. Este é o 3º maior concelho do país, que deu saltos qualitativos como nenhum outro nos últimos anos, mas aparecem novas exigências, novas prioridades, novos problemas, a que é preciso dar solução. Por isso não podemos parar. k MARÇO 2008

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OPINIÃO

Por Isabel do Carmo, professora da Faculdade de Medicina de Lisboa

Não há SNS sem impostos De facto sem o dinheiro dos impostos não há Serviço Nacional de Saúde (SNS). Dizer que sem impostos não há SNS, poderá significar o mesmo que “sem dinheiro não há palhaços”. No entanto, os “palhaços”, embora sejam uma necessidade cultural inerente a todas as sociedades e culturas desde sempre, não são tão essencialmente necessários quanto aquilo que diz respeito ao corpo, ao fundamental da vida, à sobrevivência face à doença, à capacidade física – a Saúde. E actualmente a Saúde é muito mais cara que os “palhaços”. Sobre isto falava um destes dias o economista Dr. Silva Lopes em entrevista em programa de economia da televisão. Curiosamente e ao contrário do habitual desse programa específico e de outros mais generalistas, o Dr. Silva Lopes não falava economicês. Economicês é uma língua muito curiosa, cujo léxico é constituído por uma espécie de esperanto técnico, com predomínio de termos em inglês e algumas preposições e conjunções em português. Os verbos são neologismos. Percebe-se vagamente que estão a tratar de “produtividade”, “rentabilidade” e “eficiência”. Deve ser muito divertido porque se riem todos muito e têm grandes cumplicidades entre si. O público, constituído por uns milhões ou pelo menos centenas de milhar de espectadores não percebe economicês, mas dirá daqueles senhores bem vestidos o mesmo que dizia dos padres quando falavam latim: “não sei do que está a falar, mas fala muito bem”. Confesso que os vejo do princípio ao fim, porque gosto de ver as caras, os modos, as gravatas, a dramatização, daqueles que mandam ou tentam mandar verdadeiramente em todos nós ou pelo menos dos seus mordomos. E com a aplicação de quem faz vida académica há muitos anos, tento perceber o idioma. No entanto, o Dr. Silva Lopes, que é um indiscutível economista de grande craveira, falou em português claro e não foi necessário nem intérprete nem dicionário. E entre outras explicações pedagógicas que deu foi muito claro nesta questão básica: não são sérios nem os partidos nem as personalidades políticas que dizem simultaneamente que é necessário baixar os impostos e manter e melhorar o Serviço Nacional de Saúde e outros serviços públicos. Dizer as duas coisas é demagogia ou caça ao voto. Aquilo que vulgarmente se chama “jogo partidário” e que não tem nada a ver com os interesses da população, propalados no discurso. E nenhum partido, seja ele qual for, tem a coragem de falar claro a este respeito. 36

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Tenho ouvido este discurso contra “os impostos” a pessoas de bons rendimentos, que, evidentemente, estão na sua lógica… Embora também reclamem ao mesmo tempo bons serviços públicos. Mas tenho-o ouvido também a pessoas modestas a quem pergunto: “Paga impostos?” e que me respondem “não, mas …” com um chorrilho de justificações que vão até ao preço do barril de petróleo. Para dentro penso respostas “incorrectas” como seja “precisavas era de viver nos EUA, terra dos impostos baixos, ir à farmácia e pagar os medicamentos por inteiro, para ver se gostavas”. Para fora tento explicar que realmente o imposto que prejudica os pobres é o IVA. Prejudica os pobres, porque incide sobre os preços e prejudica os pequenos prestadores de comércio e de serviços, que o vão acumulando e com o aperto são tentados a utilizar esse dinheiro como se fosse deles. Algumas médias reformas também podiam ter sido poupadas nos impostos, mas ainda bem que incidem sobre as grandes e muito grandes reformas em relação às quais ouvimos números escandalosos. Os impostos são a base do Orçamento Geral do Estado e a fonte principal do dinheiro utilizado nos serviços públicos. Só é pena que não haja mais impostos. Ou seja que apesar da actual persistência dos serviços ainda haja muita fuga, com pagadores de poucos impostos a exibirem vidas ostensivamente luxuosas. E que os lucros das operações na bolsa não sejam taxados, velha reclamação das organizações ATTAC e do seu inspirador Tobin, prémio Nobel da economia, que, com um imposto de 0,1% a 1% (conforme as propostas) sobre os benefícios das transacções financeiras (que fazem as fortunas e os ordenados milionários dos gestores), propunha acabar com a fome no Mundo.


OPINIÃO

O que querem os neo-liberais e outros demagogos

O que querem então os chamados neo-liberais? Ou seja os jovens do “Compromisso Portugal”, os políticos que querem acabarem com os Estado em seis meses, os grandes capitães do comércio e da indústria. Querem acabar, encolher, “emagrecer” o Estado para fazer uma simples operação de aritmética: haver menos despesa de serviços públicos, pagar menos impostos e portanto ter ainda mais lucros. Escusam de fazer Congressos inteiros para explicar uma coisa tão simples. E qual é o Estado com que eles querem acabar? Não é com o da segurança que os protege a eles e aos seus bens. Não é com o dos submarinos que o Estado de Paulo Portas pagou e que devem servir para uma guerra com as baleias do Atlântico… Não é com o dos tanques, brinquedos sofisticados de último modelo, que devem servir para uma guerra com Badajoz…Não é com o Estado que oferece de mão beijada o casino de Lisboa à Estoril-Sol. Não é com o Estado que suporta e sustenta o rei-momo da Madeira. O Estado com que eles querem acabar é com o Estado que sustenta o SNS universal e tendencialmente gratuito e que em trinta anos transformou radicalmente este país. Eles propõem “outro sistema”: os privados e os seus seguros. O Estado com que eles querem acabar é com o da Segurança Social. Eles propõem “responsabilidades individuais”, ou seja seguros privados. O Estado com que eles querem acabar é com o da escola pública. Eles propõem “liberdade de escolha”. Percebe-se então quais são os alvos constantes, os objectos de campanha, a denúncia do que está “muito mal”. São exactamente estes serviços e à cabeça está de longe o SNS,

porque de facto actualmente, dada a sofisticação de meios, mexe com muito dinheiro. É triste é que organizações e personalidades ditas de esquerda vão atrás, ou à frente, deste discurso, arrastando o “povo miúdo” no discurso populista de “menos impostos e mais SNS, mais escola, mais assistência”. É um discurso inconsequente, ou então baseia-se em magia. É o pensamento mágico a que são atreitos certos políticos. Diga-se de passagem que este pensamento mágico tem uma forte base social de apoio pois que a Eurosondagem revelou que 3 em cada 4 portugueses acham que não devem pagar o IRS, mas 89,4% dos mesmos acham que o crescimento económico depende do investimento em Saúde (D.N., 10.2.2008)! Para não falar do general com responsabilidades que por causa deste “clima” é convidado para uma “insubordinação” que leve a “um governo não eleito durante dois anos” (um golpe de Estado) e que nos faz o favor de não aceitar (jornal Expresso 2.2.2008 e entrevista à RTP). Isto não é um romance latino-americano. É o conteúdo mental de determinadas esferas político-intelectuais “progressistas”. Este “povo miúdo” arrastado e manipulado faz lembrar aquele que é descrito no livro de Vasco Pulido Valente “Ir pró maneta” (pena é que tão interessante conteúdo não seja descrito de forma mais extensa e mais cuidada), que em 1808 se levantou contra a primeira invasão francesa e aproveitou para se levantar contra “os grandes”. Pouco tempo depois “os grandes”, os obscurantistas, os oportunistas, punham-se à frente desta “canalha” para colher os louros. E o povo ficou pior. Actualmente pode-se dizer “é a economia, estúpido!”, mas também se pode dizer “é a demagogia, idiota!” Só que já há demasiados figurantes a fazer de idiotas… k

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NOTÍCIAS MUNDO

Mugabe e os amigos chineses Entre sanguinários a cumplicidade é suprema. Esta afirmação poderá ser o espelho dos elogios proferidos pela China ao presidente do Zimbabué, Robert Mugabe. Talvez por compreenderem, reciprocamente, politicas desumanas e de atentados contra a humanidade, o embaixador chinês, Yuan Nansheng, citado pelo jornal “The Herald”, considerou Mugabe “um grande revolucionário do mundo e o melhor amigo do povo chinês.” No dia em que o presidente comemorou o seu 84º aniversário (21 de Fevereiro), Nansheng desejou ainda “uma longa vida” ao actual líder do Zimbabué. - LS k

Base das Lajes em Diego Garcia Depois da base aérea portuguesa, é a vez de Londres assumir que facultou apoio a voos da CIA. Dois aparelhos que transportavam suspeitos acusados de terrorismo, foram reabastecidos na base aérea britânica de Diego Garcia situada no oceano Índico. Os factos remontam a 2002, mas só agora a governo inglês pediu desculpas no parlamento pelo sucedido. David Miliband, ministro dos Negócios Estrangeiros, assumiu que o parlamento recebeu informações erradas e que os dois aparelhos foram abastecidos em solo britânico. Recorde-se que estes procedimentos são proibidos pela União Europeia. - RS k

Com mais dinheiro já se trabalha A greve dos argumentistas norte-americanos que terminou recentemente, após 100 dias de paragem laboral, causou cerca de 1,7 milhões de euros de prejuízos à indústria cinematográfica americana, de acordo com um economista do departamento financeiro de Los Angeles. Após grande parte das suas reivindicações terem sido atendidas pelos estúdios, várias séries televisivas vão ser retomadas no mês de Abril, com o regresso dos guionistas à acção. Recorde-se que esta disputa desencadeouse com a reclamação dos argumentistas que exigiam maiores compensações económicas pela distribuição de conteúdos nas novas plataformas tecnológicas, o que levou à suspensão de séries como “Donas de Casa Desesperadas”, Betty Feia” ou ainda “Anatomia de Grey”. - RS k

O sumiço da humanidade?! As contendas ambientais estão cada vez mais na ordem do dia. Actualmente ninguém é indiferente às questões climatéricas que assolam o planeta. No entanto, e já com um cenário negro para anos vindouros, novos estudos revelados por especialistas afirmam que a extinção de plantas e animais tem acontecido com uma cadência mil vezes superior às que sucediam há uns anos atrás. Com cerca de 16.300 espécies em perigo de desaparecimento, as preocupações ausentes de acções podem ter repercussões nefastas para a humanidade, pois desconhece-se o impacto que a extinção de determinadas espécies possa causar no ecossistema e, consequentemente, na humanidade. A “verdade inconveniente” desta questão é a consciência que os altos responsáveis têm desta problemática e as suas inconsequentes politicas para ressalvar o bem mais precioso da terra…a própria Terra! - LS k

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SAÚDE

Microcular

Uma Visão efectiva Cinco milhões de portugueses, é o número de pessoas que vê mal ou tem problemas de visão em Portugal. Problemas como glaucomas, cataratas, degenerescência macular, diabetes ocular, hipermetropia ou miopia (entre outros), continuam a afectar grande parte da população nacional. A evolução técnica das ciências oftalmológicas tem permitido verdadeiros avanços na resolução de patologias que até há poucos anos eram insolúveis, tornando-se num aliado imprescindível na luta contra doenças que causam a diminuição da acuidade visual ou mesmo a cegueira. A Microcular S.A. encontra-se entre as mais conceituadas unidades especializadas em oftalmologia em território português. O Grupo Português de Saúde, uma holding na área da saúde e detentora da Microcular SA, desenvolveu unidades especializadas nas áreas de actuação dos vários domínios de cuidados de saúde. Nesta unidade, é possível resolver e tratar patologias de oftalmologia em todas as suas sub especialidades (oftalmologia pediátrica e de recém-nascidos, glaucoma, diabetes, cirurgia refractiva, implanto-refractiva, cirurgia de catarata, retina médicocirúrgica, etc.). Nuno Campos, director clínico da Microcular, revela os avanços tecnológicos que têm surgido nos últimos anos e explica o que o paciente pode esperar da equipa desta clínica.

Ao contrário das clínicas oftalmológicas comuns, a Microcular destaca-se pela especialização dos seus profissionais. O que a diferencia das demais clínicas existentes em Portugal? Com um quadro de dez oftalmologistas, dois anestesistas, quatro enfermeiras especialistas e quatro técnicos de ortóptica, a Microcular SA faculta aos seus pacientes intervenções cirúrgicas com anestesia tópica e anestesia geral, possuindo uma unidade de recobro que permite a recuperação pós-cirúrgica nas instalações da clínica. A multidisciplinaridade foi uma prioridade desta equipa, procurando a especialização nas várias áreas de intervenção do espectro oftalmológico, possuindo profissionais com áreas de intervenção dedicada. Após uma primeira consulta, na qual o doente é triado, a patologia é posteriormente referenciada ao médico que se dedica à área em questão. Estamos cientes que este delineamento oferece um serviço de superior qualidade e é uma mais-valia para o paciente. Sendo a área da oftalmologia de um âmbito muito específico, os equipamentos possuem um papel muito importante na despistagem de patologias. A Microcular procura acompanhar os avanços tecnológicos neste domínio? De facto possuímos equipamento de diagnóstico e terapêutica do mais moderno que existe. Quando nos referimos a especialidades como a oftalmologia, que é uma área de actuação muito particular e que envolve, do ponto de vista do equipamento, material muito dispendioso e específico, foi considerado adequado pelo Grupo Português de Saúde construir unidades super-especializadas para poder responder às necessidades dos pacientes fazendo uso da melhor tecnologia de ponta que existe, reflectindo esta unidade essa filosofia. A nível financeiro, quanto custa uma cirurgia de correcção visual? Existem vários valores consoante a especificidade da cirurgia em questão. Mas em termos genéricos, para correcção de ambos os olhos, os valores rondam os 2200 euros. No entanto, há que ter em conta que estes valores referem-se a intervenções sem qualquer convenção. Actualmente, gran-

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SAÚDE

de parte da população que recorre a serviços privados usufrui de convenções (ex. Medis, Multicare, etc.), o que permite diminuir drasticamente estes valores. Para além do espaço físico da clínica Microcular, os seus profissionais prestam serviços noutras unidades do grupo. É o reconhecimento da qualidade assistencial que é praticada nestas instalações? O Grupo Português de Saúde procurou ter uma postura de actuação transversal de oftalmologia nas diferentes áreas da região de Lisboa. É a equipa da Microcular que actua no domínio da oftalmologia em diversos estabelecimentos, nomeadamente na Clínica Unimed de Cascais e Clínica Unimed Entrecampos , estando em fase de implementação no British Hospital de Campo de Ourique, e no British Hospital XXI. Isto resulta da competência desta equipa e permite-nos ter uma maior capacidade de diagnóstico e um incremento no despiste de patologias pois abrangemos vários pontos geográficos. Tendo em conta a particularidade dos processos anestésicos, quais os cuidados que a Microcular tem neste âmbito? Todo o paciente é avaliado numa abordagem multi-disciplinar. Nenhum doente é submetido a um método de diagnóstico invasivo, ou a uma terapêutica cirúrgica, seja ela com anestesia tópica ou anestesia local, que não faça previamente consulta de anestesia com o médico especialista. Todos os riscos anestésicos são analisados e ponderados e o paciente é acompanhado pelo anestesista durante todo o procedimento cirúrgico. Ou seja, tenta-se

avaliar o risco previamente de forma a estar preparado no caso de acontecer alguma complicação ou anomalia. Das várias intervenções que a clínica pratica, a cirurgia refractiva é das mais referenciadas? Somos realmente um centro de referência na cirurgia refractiva. As pessoas procuram-nos porque é umas das áreas muito importante para nós, quer pela tradição que a clínica usufruía, quer pela qualidade dos médicos que se encontram a trabalhar no centro. Como estamos muito bem enquadrados do ponto de vista do equipamento, conseguimos dar uma resposta de qualidade. Utilizamos o que actualmente é considerado o estado de arte da cirurgia refractiva. Esta clínica é uma unidade certificada pela APCER com a certificação ISO 9001 de qualidade, algo raro nas unidades de saúde e a qual ostentamos com muito orgulho. Este certificado atesta o rigor que praticamos nos nossos diagnósticos, nas terapêuticas realizadas e na avaliação dos resultados. A primazia na elaboração destes processos é coincidente com a certificação de qualidade. Independentemente de tudo tentamos tam-

bém praticar uma Medicina personalizada, e valorizamos a existência de relações tão próximas quanto possível com as pessoas que nos procuram. k

As crianças e os cuidados oftalmológicos “O rastreio de oftalmologia, deve ser realizado em todas as crianças entre os 2/3 anos, salvo situações em que os pediatras ou os pais detectaram anomalias que necessitem de ser esclarecidas, porque a qualidade da visão depende de um bom estímulo e de uma perfeita visão binocular.” Departamento Oftalmologia Pediátrico, Clínica Microcular

Degenerescência Macular Ligada a Idade (DMLI) “Atingindo esta patologia 2% da população com mais de 65 anos, é fundamental que a partir desta idade se faça uma avaliação oftalmológica regular, pois o diagnóstico precoce e as terapêuticas com novos fármacos permitem minorar e evitar a perda significativa da acuidade visual destes doentes”. Departamento Retina-Médica, Clínica Microcular

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SAÚDE

Tabaco, pulmão e doença Há hoje uma sólida evidência científica de que o fumo de tabaco é prejudicial à saúde. Mais, nos últimos anos comprovou-se, sem margem para dúvidas que a exposição involuntária ao fumo de tabaco por não fumadores a ele exposto é também prejudicial, não havendo um limiar abaixo do qual essa exposição não tenha riscos. O fumo de tabaco, para além da nicotina – que é um alcalóide responsável pela dependência que o seu consumo induz – contém mais de 4000 substâncias, umas com efeitos tóxicos e irritantes como o monóxido de carbono, a acetona, o metano, o formaldeído ou a amónia, e outras que são cancerígenas: hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, aminas aromáticas, diversos metais pesados e substâncias radioactivas, como o polónio 210. A nicotina é um alcalóide com propriedades psicoactivas, alterando o estado do humor. Depois de inalado o fumo a nicotina atinge o cérebro em poucos segundos indo agir sobre receptores aí existentes. A OMS calcula em 5 milhões o número de mortes anuais causadas pelo tabaco e que, se não forem tomadas medidas adequadas esse número subirá para 10 milhões dentro de 20 a 30 anos. Entre os doentes com cancro do pulmão 85 a 90% são ou foram fumadores. Também mais de 90% dos doentes com DPOC são ou foram fumadores. Por outro lado entre os fumadores 20% sofre ou virá a sofrer de DPOC. Na mulher – grupo em que o tabagismo tem vindo a aumentar – é maior o risco de doenças isquémica do coração, aumenta o risco de trombose venosa dos membros inferiores (sobretudo se toma a pílula), é mais frequente a infertilidade, a menopausa tende a ser mais precoce, são mais frequentes o aborto expontâneo e as complicações no parto, a mortalidade peri-natal nas crianças filhas de mães fumadoras é maior, é mais frequente o síndroma de morte súbita infantil, as bronquiolites e as crises de asma. 42

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Em Portugal o consumo de tabaco tem vindo a diminuir na generalidade da população, mas há grupos em que se mantém elevado e com tendência crescente: É o que acontece nas mulheres e nos jovens (4º Inquérito Nacional de Saúde (2005 – 2006) No Relatório Carga de Doença Atribuível ao Tabagismo em Portugal (Faculdade de Medicina de Lisboa e Universidade Católica) os Autores estimam que 11,7% das mortes em Portugal se podem atribuir ao consumo de tabaco, que o risco dos fumadores terem cancro do pulmão é 23 vezes superior ao dos não fumadores, o de contraírem DPOC 17 vezes e pneumonia 1,75 vezes. Há assim fortes razões para que os fumadores abandonem o consumo, em defesa da sua saúde e da dos que os rodeiam. Mas deixar de fumar não é fácil!

Por Teles de Araújo, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

tinência da nicotina. São os produtos que fornecem a nicotina de outra forma: através da pele – adesivos – ou por via oral – pastilhas e gomas. Embora continue a entrar nicotina no organismo pode ser um auxiliar na quebra de rotinas. São produtos de venda livre, ainda que deva haver sempre acompanhamento especializado. Existem no mercado dois produtos farmacêuticos que obrigam a prescrição médica e que têm revelado razoável eficácia. Um a Bupropiona com acção no cérebro, reduzindo os sintomas de abstinência e o desejo compulsivo de fumar que, se respeitadas as contraindicações, é em geral bem tolerada. Outro é a Varenicilina que actua fixando-se nos receptores cerebrais da nicotina, reduzindo a urgência de fumar, os sintomas de abstinência e a sensação de satisfação associada ao fumo de cigarro. Qualquer destes fár-

Nas mãos do fumador está a tomada de decisão e a procura de quebrar hábitos e rotinas que normalmente acompanhavam o cigarro – após o café, no fim das refeições, etc. Deve pois procurar modificar as rotinas até aí seguidas. O consumo de tabaco induz uma dependência física duma droga – a nicotina – mas também são criados hábitos e associações psicológicas que dificultam a cessação. Daí que primeiro que tudo tenha de haver uma vontade firme do fumador deixar de fumar. É uma decisão individual. Depois de tomada deverá procurar apoio especializado numa consulta de desabituação tabágica, onde uma equipe multidisciplinar o apoiará e esclarecerá as suas dúvidas. Existe apoio farmacológico destinado a minimizar os efeitos da abs-

macos implica apertado acompanhamento médico. Deixar de fumar é difícil mas possível e recompensante. É sempre um trabalho de equipe em que o papel do fumador é essencial. Ele deve liderar o processo, sendo apoiado por familiares e amigos que devem estar conscientes do tempo difícil que está a passar. O apoio especializado, que deve ser o mais próximo e disponível possível, terá uma efeito facilitador, diminuirá os efeitos acessórios da cessação e contribuirá para o êxito do projecto de evicção tabágica. k



SAÚDE

Obesidade:

Epidemia do Século XXI A obesidade é considerada pela Organização Mundial de Saúde como a Epidemia do séc. XXI. Em Portugal, mais de 50% da população adulta sofre de excesso de peso, sendo que, aproximadamente, 14% desta é obesa. Mais, 32% das crianças com idades compreendidas entre os 7 e os 9 anos, tem excesso de peso, sendo que destas, cerca de 11% são consideradas crianças obesas. Por Alexandra Bento, presidente da Direcção da Associação Portuguesa dos Nutricionistas

Se pensa que o problema da obesidade é apenas uma questão estética, desengane-se! A questão estética é mesmo o menor dos problemas relacionados com esta doença. As pessoas obesas têm um risco acrescido de contrair diversas patologias como diabetes tipo 2, problemas de ossos e articulações, doenças cardiovasculares e determinados tipos de cancro, nomeadamente cancro da mama. O excesso de peso e a obesidade contribuem também para o agravamento de outras doenças como a asma, a hipertensão e a dislipidemia. Se não se tomarem medidas drásticas para prevenir e tratar a obesidade estima-se que mais de 50% da população mundial seja obesa em 2025. A obesidade é uma doença multifactorial, que pode envolver vários factores, nomeadamente genéticos, metabólicos, culturais, psíquicos, hormonais e comportamentais. Porém, a principal causa deve-se a sucessivos balanços energéticos positivos, em que a quantidade de energia ingerida pelo organismo é muito superior à quantidade de energia que é gasta.

A alimentação deve ser equilibrada, completa e variada, seguindo as orientações da Roda dos Alimentos Portuguesa, que nos ajuda a escolher e a combinar os alimentos que deverão fazer parte da alimentação diária. De uma forma sucinta, deve, entre outras, reduzir-se a ingestão de alimentos ricos em açúcar e/ou gordura (especialmente, ácidos gordos saturados e colesterol, gorduras sólidas e gorduras hidrogenadas e sobreaquecidas); dar preferência ao peixe e às carnes magras, face ao consumo de carnes gordas; aumentar a ingestão de cereais completos, leguminosas, frutos, hortaliças e legumes; adequar a ingestão de cálcio através do consumo de lacticínios; evitar bebidas alcoólicas e refrigerantes, optando pela ingestão abundante de água, chás ou infusões (sem adição de açúcar) ao longo do dia; reduzir o consumo de sal, recorrendo, para isso, às especiarias e às ervas aromáticas para tempero. A realização de cinco a seis refeições por dia, com intervalos não superiores a 3h e 30 min, bem como não sair de

A prevenção da obesidade consegue-se através de mudanças no estilo de vida, que assentam, fundamentalmente, na reestruturação dos hábitos alimentares e no aumento da actividade física.

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casa sem tomar o pequeno-almoço e iniciar as refeições principais com uma sopa rica em legumes e hortaliça, são princípios fundamentais de uma alimentação saudável, que ajudam à redução do peso. A par da alimentação, deve praticar-se, pelo menos, 30 minutos diários de exercício físico moderado. A leitura atenta dos rótulos dos produtos alimentares, escolhendo aqueles que oferecem menor teor de açúcares, sal e gorduras e maior teor de fibra alimentar, também pode ser uma preciosa ajuda, a par do domínio de técnicas de confecção culinária de excelência. k


OPINIÃO

Por Padre José Maia

Sobressalto Cívico Não resisto à tentação de partilhar com os leitores da revista “Perspectiva” uma conversa que escutei muito recentemente numa loja de venda de telemóveis. Uma mãe desabafava o seu descontentamento na forma de revolta, diante de quem quis ouvir, por causa do roubo de um terceiro telemóvel de que o seu filho tinha sido vítima num prazo de 2 meses! A conversa foi acompanhada e correspondida por um coro de queixas de várias outras pessoas presentes que se queixavam do mesmo mal: “isto está cada vez pior: não há segurança nenhuma; a gente é roubada, participa à polícia e depois não acontece nada”! “…Até a polícia tem medo de tanta gatunagem, armada até aos dentes, que não olha a meios para roubar tudo e todos”, sentenciava um homem de meia idade que aguardava também vez para ser atendido! Mas a mensagem mais importante, que motivou esta crónica, veio precisamente do gestor da loja, que atirou certeiro: “vocês não fazem ideia da quantidade de telemóveis que aqui vendo em substituição de aparelhos roubados! Apesar de isto contribuir para vender mais, revolto-me também pela libertinagem que anda por aí à solta, pela falta de vergonha e de carácter que vai alastrando na

sociedade. Sou jovem, não conheci o regime anterior à revolução de Abril, mas pelo que ouço dizer, apesar de muitas coisas más, as pessoas tinham outra educação, outro respeito, havia mais carácter”… Confesso que me impressionou esta abordagem do problema feita por um jovem, centrando as causas da insegurança e da violência na falta de educação, respeito e carácter. Talvez seja disto mesmo que se trata…e assim sendo, temos fortes razões para começar a perceber a razão de um “sobressalto cívico” que

vai percorrendo o país, de forma mais ou menos velada, mas que poderá indiciar um grito por melhor cidadania como condição para a sobrevivência da democracia! O próximo dia 25 de Abril deverá constituir uma oportunidade para repensarmos a democracia em que vivemos. Sopram ventos de grande descontentamento em muita gente que quer mais e melhor para esta Pátria que é nossa! Por mais controlado que esteja o famigerado défice financeiro, a bomba pode rebentar pelo lado do défice de cidadania, de educação e carácter! k

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ANIMAIS

Medicina Veterinária em Portugal Os Médicos Veterinários, enquanto profissão, vêm desempenhando funções cada vez mais diversificadas e complexas que implicam elevados padrões de formação e exigência. Por José Augusto Cardoso de Resende, bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários

É uma das poucas profissões regulamentadas na Europa e, desde há 30 anos, a sua formação académica obedece a Directivas Comunitárias que impõem uma base para que os seus diplomas sejam reconhecidos nos restantes países do espaço europeu. A necessidade que foi reconhecida para essa formação curricular deriva do papel que aos profissionais está reservado em matérias sensíveis, como a Saúde Pública, Saúde e Bemestar Animal, Segurança Alimentar, Tecnologia dos produtos alimentares de origem animal, biodiversidade, para além da intervenção tradicional, como clínico dos animais. Ora a evolução sanitária dos efectivos animais na Europa, foi primeiramente considerada deter-minante para que a circulação de animais e seus produtos pudesse fazer-se, sem que constituísse risco para os países e populações, tanto do ponto de vista de saúde quer pública, quer animal, como das consequentes salvaguardas económicas. Após estabelecimento do mercado único, as regras que condicionam as trocas comerciais na União Europeia e desta com os seus parceiros no mundo

sob a égide da Organização Mundial de Comércio, continuam a ser determinadas pela Organização Mundial de Saúde Animal, na qual estão agregados mais de 150 países. Nesta perspectiva se vislumbra a relevância que estas normas têm em todo o mundo, em época de globalização da economia e do grau de exigência que é requerido aos profissionais que nelas intervêm, pelo que se justifica o carácter muito dinâmico da actividade profissional dos Médicos Veterinários e a multifacetada característica da sua intervenção. A esta realidade, Governos, comunidades científica e académica, procuram responder, ao garantir um padrão de formação base elevada, bem como a permanente actualização desses conhecimentos de forma a garantir desempenhos de alto nível, por exemplo quando confrontados com crises como a BSE, Dioxinas, Nitrofuranos, mais recentemente a Gripe Aviaria e a Língua Azul. As questões ligadas à medicina curativa dos animais, tanto de produção, como de companhia e exóticos impõem conhecimentos exigidos para o domínio dos meios de diagnóstico

e terapêutica, que a investigação de novos recursos coloca à disposição dos profissionais. Tanto mais importante quanto o aparecimento nas últimas duas décadas de novos cursos em Portugal, cinco, denuncia aproveitamento do prestígio da profissão, nem sempre feito de forma adequada e a que urge portanto pôr termo. Por isso apoiamos a avaliação do ensino através da Agência de internacional e independente, que herda o papel pioneiro desempenhado há vinte anos a nível europeu e mundial pela Associação Europeia dos Estabelecimentos de Ensino Veterinário. Também a criação de especialidades veterinárias encontra-se regulamentada pela Ordem. A formação contínua dos Veterinários e a sua acreditação está em fase de regulamentação, o que pode vir a ser determinante futuramente na profissão. É também necessário que o acompanhamento da evolução tecnológica e científica seja feito no respeito pela Sociedade, pelas normas éticas e valores que esta profissão impõe. k

A Ordem dos Médicos Veterinários, impõe a comprovação da formação necessária aos profissionais nela inscritos obrigatoriamente, condição para desenvolver actividade no nosso país, como tem sustentado, desde há vários anos, a necessidade de que essa formação seja escrutinada por entidades independentes, que fizessem a sua avaliação. 46

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ANIMAIS

A Sociedade e os Animais Criado em 1897 por alvará real, o Clube dos Caçadores Portugueses (CCP) foi o enceto de uma estrutura dedicada aos cães de raça pura em Portugal. Em 1931, o CCP constitui a Secção de Canicultura, entidades que em 1993 se fundiriam num único organismo, o Clube Português de Canicultura (CPC). Com a organização de várias exposições e provas anuais, seja de raça portuguesa ou oriundos de outros países, o CPC zela pelo cumprimento da regulamentação imposta pela FCI. Com o circuito de competições de 2007 finalizando, com uma forte adesão de criadores e proprietários de cães de raça pura, o ano de 2008 começou com várias exposições e provas práticas do calendário anual de competições. Com duas exposições agendadas para Março, em Vila Franca de Xira (1 e 2 de Março) e Fundão (dia 15), de todas as raças nacionais e internacionais, o CPC guardou para dia 10 de Junho, dia de Portugal, a exposição de caninos de raça portuguesa, que terá lugar no Centro Nacional de Exposições em Santarém. Membro Federado da Fédération Cynologique Internacional (FCI), a organização cinológica mundial, que actualmente conta com 82 membros, o CPC congloba nas suas funções a regulamentação e superintendência das diversas áreas de criação de animais de raça pura. Com o intuito de garantir a qualidade das raças de animais portugueses, o CPC colabora com vários criadores nacionais de forma a promover os caninos de raça portuguesa. A escolha de um animal deve ser feita de forma responsável e consciente, uma atitude que todos os potenciais interessados na aquisição de um canino têm que apreender. O Clube Português de Canicultura procura, na salvaguarda do bem-estar dos animais, fornecer a futuros donos todas as informações pertinentes aquando da escolha do seu animal. Todas as provas e exposições a terem lugar em 2008 podem ser consultadas através do site oficial do Clube Português de Canicultura em www.cpc.pt, assim como informações de carácter geral sobre a canicultura em Portugal. k

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ANIMAIS

À mesa com gatos e cães Até meados do século XX as pessoas alimentavam os seus animais de estimação (cães e gatos) com sobras de caça, restos de refeições e permitiam aos animais caçar para se alimentar. Texto: Luís António Patraquim

Actualmente em Portugal, a indústria alimentar para animais de estimação está em expansão com vendas a aumentar significativamente devido a novos produtos e novas necessidades criadas pelos marketeers das empresas de ração animal. Os donos começam realmente a estar atentos às exigências nutricionais dos bichos, aproximando-as cada vez mais aos hábitos da alimentação humana. A Perspectiva falou com um entendido na matéria, João Carlos Nunes, country manager da Nestlé Purina PetCare, líder do sector em Portugal. Ao caminhar pelos corredores da Nestlé Purina PetCare é visível

João Carlos Nunes, country manager da Nestlé Purina PetCare

o orgulho com que foram afixadas fotografias de grandes dimensões onde alguns dos 48 funcionários da empresa aparecem na companhia dos seus animais de estimação. “Existe uma grande paixão não só pelos produtos que fabricamos mas, acima de tudo, pelo sector que representamos. Grande parte dos seus colaboradores e profissionais tem um animal de estimação”, confessa João Carlos Nunes. Nos cerca de 75 anos de existência da Purina, que concentra praticamente todos os seus esforços na concepção de rações para cães e gatos, existe um período que é decisivo para João Carlos Nunes na afirmação da marca a nível mundial. “Desde a aquisição, em 2001, por parte da Nestlé que a marca tem crescido significativamente. Para isso muito contribuiu a integração da Purina no portefólio de investigação da Nestlé. Com esta entrada conseguimos criar novos conceitos e novos produtos que prolongam a vida e o bem-estar dos animais de companhia. Desde então, lançámos mais inovações a nível de nutrição e do paladar na área do ‘petfood’ do que qualquer outra companhia do mundo”, explica. É o caso do recente lançamento da ração para cachorros, “Pro Plan OptiStart Plus!”, desenvolvida por nutricionistas e veterinários do Centro de Pesquisas da Nestlé Purina nos Estados Unidos da América (um dos cinco complexos de investigação e inovação que a empresa detém). A receita contém anticorpos naturais

do colostro (derivado do leite), que reforçam o sistema imunológico do cachorro e promovem a estabilidade do aparelho digestivo, fazendo com que ele absorva melhor os nutrientes do alimento e desenvolva o seu potencial máximo.

“A nossa maior preocupação é a qualidade das rações” Mudam-se os tempos... Respeitam-se os animais É recente esta preocupação com o bem-estar dos animais de estimação por parte dos seus donos. O primeiro alimento de animal de estimação comercial, chamado "bolo para cão" foi produzido em 1860 por James Spratt num primeiro esforço de melhorar a qualidade alimentar do que era dado aos cães. Em 1907, F.H. Bennett introduziu os famosos biscoitos do cão da Milkbone, como um alimento para cães completo. Por volta de 1941, o alimento de cão enlatado representava a esmagadora maioria do mercado, mas com a segunda guerra mundial e a entrada na mesma pelos EUA direccionou-se a produção de latas para as rações de combate. É então que surge o grande desenvolvimento das rações secas cuja popularidade se consolida em meados da década de 40. Surgem as rações em granulado que conhecemos MARÇO 2008

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hoje através da Purina que começou a comercializar os rótulos “dogchow” e “catchow”. Hoje a ração seca assume-se como o principal dinamizador do mercado nacional de alimentação para animais de estimação. Na origem deste crescimento, está uma mudança de mentalidade e atitude dos donos relativamente aos seus animais, que os leva a optar regularmente pela compra de alimentação preparada que preencha as necessidades nutricionais dos seus bichos, muito aproximada aos hábitos da alimentação humana. “Em Portugal estamos a evoluir de uma forma bastante positiva em relação ao respeito pelos direitos dos animais. O animal está hoje cada vez mais integrado no seio famiíliar. Mais concretamente o gato e o cão que em muitos casos, já são considerados como elementos da família”, observa João Carlos Nunes. Para esta mudança (merecida por direito) muito contribuem as campanhas para uma maior responsabilidade no tratamento dos animais, de modo a esclarecer os donos e a potencializar o aumento das vendas. Vendas essas que encontram na ração seca a maior fonte de crescimento do mercado, em função da sua conveniência, alto valor nutricional e preço unitário mais baixo, a que se junta uma maior preocupação dos donos com a saúde dos animais. Assim, é mais recorrente a procura de alimentos funcionais e nutritivos que reúnam determinadas qualidades e que preencham as necessidades reais de cada etapa da vida animal.


“O animal de estimação está hoje cada vez mais integrado no seio da família”

“Em Portugal a mudança para as rações tem-se efectuado principalmente devido ao factor da conveniência. O estilo de vida actual não permite preparar refeições variadas, por forma a proporcionar uma dieta completa e equilibrada aos nossos animais. No entanto, esta mudança ocorre de forma mais lenta do que, por exemplo, em França onde a taxa de crescimento de animais é grande e os que já existem são melhor alimentados. Mas acredito que estamos no bom caminho, pois outro factor que se observa no nosso país é a preocupação de dar ao animal um alimento de maior qualidade”, confessa o director-geral da Nestlé Purina PetCare, que, no entanto, deixa um alerta para aqueles que admitem que o granulado deitado na tigela de comida tem poucas semelhanças à carne, ao milho e ao trigo que servem como seus ingredientes: “A combinação de todos os ingredientes para uma vida saudável do animal depende destas rações que são preparadas por empresas que têm o cuidado de incorporar nos alimentos os referidos componentes nutricionais.” k

Desmistificações alimentares Cálcio e vitaminas para os ossos de cães de raça gigante É crença geral que administrar doses generosas de cálcio promove o bom crescimento ósseo e faz os cães crescer. Sabe-se que a carência de cálcio, fósforo e vitamina D3 são responsáveis por problemas de crescimento, mas o excesso é prejudicial. Gordura é formosura Para muitos ver um animal magro é sinónimo de doença. Às vezes é verdade, mas muitas vezes depende da raça e sua configuração. A obesidade sobrecarrega as articulações, o sistema cardiovascular, o pâncreas e o sistema reprodutor. Enlatados são mais saudáveis do que secos Tanto uma como outra prezam por ser completas e nutritivas. Porém a ração seca é mais barata do que a enlatada, não se deteriora ao ar com a mesma rapidez do que a enlatada e ajuda a “limpar” os dentes pois deixa menos resíduos na boca. No entanto, a comida enlatada é mais saborosa do que a seca, daí os animais convencerem os donos a darem-lhes ração enlatada em vez da seca. Comer ossos limpa os dentes Errado, especialmente se o cão é de raça pequena. Um pedaço mais afiado pode-se alojar na boca, faringe, estômago ou intestinos causando hemorragias, dores, obstrução, etc. Todavia o mesmo não se aplica aos ossos de pele de boi ou sintéticos sendo úteis durante a muda de dentes dos cachorros. Borras de café curam a esgana A única maneira verdadeiramente eficaz de prevenir (não curar) esta doença fatal é a vacinação do animal enquanto está saudável.

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ANIMAIS

Medicina Veterinária em Portugal

Grande aposta nas novas tecnologias Em entrevista à revista Perspectiva, Maria João Pereira e Paulo Pimenta, médicos veterinários do Hospital Veterinário de Trás-os-Montes (HVTM), falam sobre a evolução da profissão, a importância da tecnologia e os principais problemas de saúde que afectam os animas de companhia. Em tempos idos, os veterinários tinham ao seu dispor poucos recursos, mas hoje a realidade é diferente. Como a descreve? Actualmente e face à evolução da nossa sociedade, é exigido ao médico veterinário um nível de serviço equiparado à Medicina Humana. Nas últimas décadas, passou-se de um consultório com uma mesa de observação e um armário com medicamentos para estruturas muito mais complexas, constituídas por equipas multidisciplinares, com funcionamento permanente e dotadas de forma a proporcionar os mais avançados cuidados de saúde em animais de companhia. A tecnologia é uma aliada profícua do exercício da Medicina Veterinária? De que forma? Podemos equiparar a Medicina Vete-

rinária à Medicina pediátrica a nível da dificuldade em interpretar os sinais clínicos. Para um veterinário se aperceber da dimensão do problema que afecta o animal não basta na maior parte dos casos a visualização e palpação do animal. São necessários meios auxiliares de diagnóstico que possam orientar correctamente o exame do animal. Actualmente, é impensável uma clínica veterinária não possuir um serviço de radiografia, ecografia e análises clínicas, bem como um bloco operatório preparado para todo o tipo de cirurgia geral e ortopédica. No nosso caso apostamos continuamente nas novas tecnologias e o exemplo mais recente é a aquisição de um electrorretinógrafo para exames da capacidade visual e de equipamento de radiografia digital que permite não só obter resultados incomparáveis em termos de qualidade de imagem, como também elimina os problemas ambientais asso-

ciados à revelação química das películas de raio-X. Quais são os principais problemas de saúde que afectam os animais de companhia? Infelizmente em Portugal, e mesmo notando-se uma evolução nos últimos anos, os principais problemas são de saúde básica. Muitos dos animais que recebemos não se encontram convenientemente vacinados nem desparasitados, o que os torna muito mais vulneráveis a doenças infecto-contagiosas. Um outro problema é a falta de qualidade alimentar, diariamente somos confrontados com cães e gatos cuja dieta se baseia em comida caseira, restos, ossos, etc., e por outro lado começam cada vez mais a surgir casos de obesidade em animais de companhia que acarretam outras doenças e diminuição da qualidade de vida. São também comuns os problemas geriátricos, nomeadamente patologias cardíacas, renais e oncológicas. Como recebemos muitos casos clínicos referenciados por colegas veterinários, temos também uma casuística elevada de traumatologia, doenças articulares e ortopédicas. Só para exemplificar, podemos referir que a maioria dos cães que operamos ou apresentam fracturas resultantes de traumas externos (atropelamentos, quedas) ou rupturas de ligamento cruzado anterior do joelho. De que forma é possível re-

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solver estes problemas? A maioria dos problemas poderia ser evitada com uma correcta profilaxia (vacinação e desparasitação externa e interna) e com uma alimentação adequada. Todos os animais deveriam ser observados pelo Médico Veterinário pelo menos uma vez por ano e sempre que alguém adopta um cachorro deve aconselhar-se com o seu Veterinário sobre as necessidades específicas desse animal e os problemas de saúde mais comuns para essa raça. Os proprietários não devem nunca medicar os animais por sua iniciativa, já que muitos dos medicamentos usados em pessoas são extremamente tóxicos para cães e gatos e assistimos muitas vezes a situações críticas resultantes da administração de anti-inflamatórios. Em casos de urgência devem contactar sempre o Médico Veterinário para se informarem das medidas imediatas a tomar e de que forma devem realizar o transporte do animal até à clínica veterinária. Existem já em Portugal seguros de saúde para animais domésticos, situação comum noutros países europeus e nos Estados Unidos. O nosso Hospital encoraja todos os seus clientes a realizarem esses seguros, já que muitas vezes, o factor económico pode ser limitante na selecção de um tratamento ou de uma cirurgia. k

O Hospital Veterinário de Trás-os-Montes (HVTM),

aberto desde Dezembro de 2002, oferece serviços vastos em áreas como a medicina interna, cirurgia geral, ortopedia, oftalmologia, cardiologia, neurocirurgia, medicina de animais exóticos e laboratório, o que o transformaram num hospital de referência para animais de companhia em toda a região transmontana. Com as actuais vias de comunicação, as distâncias aos grandes centros encurtaram-se consideravelmente (Porto a 1 hora e Lisboa a 3 horas) e, neste momento, o HVTM recebe casos clínicos de todo o País. Este Hospital resulta da iniciativa de 3 sócios: Paulo Pimenta, Maria João Pereira e Luís Maltez.

OFTALMOLOGIA Paulo Pimenta, médico veterinário do Hospital Veterinário de Trás-os-Montes (HVTM), esclarecem os leitores sobre os principais problemas oculares dos animais e a melhor forma para os tratar. Quais são as principais causas de cegueira nos animais de companhia? A perda de visão num animal de companhia pode ser extremamente “violenta”, especialmente quando ocorre repentinamente. As causas mais frequentes de perda de visão são a opacificação da córnea, uveíte (inflamação ocular), glaucoma, doenças que envolvem a retina, nervo óptico ou SNC e as cataratas. O que origina estes problemas, nomeadamente as cataratas? A causa das cataratas é uma área que continua a ser estudada. Pensa-se que a maioria possa ter uma base hereditária, apesar de em muitas raças a base e o modo de transmissão ainda não estar estabelecido. Contudo, a ausência de outra doença ocular responsável pelo aparecimento de cataratas, a frequente localização anatómica característica, a aparência nos seus estadios iniciais, a idade de aparecimento e a sua progressão, bem como a natureza bilateral sugerem uma base hereditária. Estas podem também ocorrer secundariamente a doenças sistémicas como diabetes mellitus ou hipocalcemia, associadas a medicamentos ou substâncias tóxicas, deficiências nutricionais, traumáticas, uveítes, exposição a radiações, atrofia progressiva de retina ou degenerescência senil. É possível que o dono se aperceba? Quais os principais sintomas? Os animais são seres de hábitos que adoram agradar os seus donos. Se a perda de visão se desenvolver progressivamente ao longo do tempo podem adaptar-se à vida em casa ou no jardim. Estes em ambientes familiares podem mover-se perfeitamente porque aprendem onde estão todos os objectos. Os sinais de perda de visão são por ex. chocar com objectos previamente alterados de posição, falha em alcançar os brinquedos favoritos, medo de ficarem sozinhos ou tornarem-se animais mais apáticos e parados. O que se deve fazer quando é detectado que o nosso animal doméstico possui este problema oftalmológico? Não existe qualquer tratamento médico que limite a progressão ou previna a formação da catarata. A cirurgia é o único tratamento no Homem e animais. A tecnologia agora disponível na cirurgia de cataratas em veterinária abriu novos horizontes nesta área. Por adaptação de técnicas cirúrgicas de medicina Humana a visão pode ser restabelecida em cerca de 95% dos animais. É importante entender que não é necessário esperar que a catarata fique “madura” para se realizar este tipo de cirurgia. Idealmente devem ser operados quando ainda é possível avaliar a retina periférica. As complicações como a inflamação induzida pelo cristalino e os descolamentos de retina são mais frequentes em cirurgias de cataratas hipermaduras. É um problema que afecta sobretudo cães ou afecta também gatos, coelhos e outros animais domésticos? Pode afectar qualquer espécie que tenha cristalino, mas os cães são os animais que mais frequentemente aparecem com este tipo de patologia. Nos gatos, ao contrário dos cães, as cataratas hereditárias e primárias são pouco frequentes. Os donos dos animais estão receptivos ao tratamento ou o custo é uma barreira? De que forma é possível contorná-lo. Os donos estão receptivos à realização da cirurgia visto que a melhoria da qualidade de vida do animal é por demais evidente. No entanto o seu preço pode ser uma limitação. Mais uma vez os seguros de saúde são de extrema importância na resolução destes problemas.


LAZER

Parque Biológico de Gaia

Provavelmente o melhor

zoo de Portugal A revista International Zoo News, editada em Inglaterra, publicou no último número de 2007 um artigo sobre as colecções zoológicas existentes em Portugal, da autoria de Olaf Paterok e Jonas Livet, dois conhecidos especialistas e estudiosos dos parques zoológicos de todo o Mundo. dade na Europa. Mais de mil espécies de animais e plantas selvagens vivem neste parque, e ainda falta completar o inventário de insectos, o que nos fará elevar este número vários milhares.

Os autores visitaram, anonimamente, em Abril de 2007, 33 colecções zoológicas patentes ao público em Portugal, e delas fazem uma apreciação nesse artigo de que apenas foi publicada a primeira parte, com a análise das 14 colecções zoológicas existentes de Lisboa para Norte, faltando a publicação da parte II, com as colecções do Alentejo e Algarve.

Sendo essencialmente um centro de educação ambiental, o Parque Biológico de Gaia desenvolve imensas iniciativas educativas e culturais, dirigidas maioritariamente ao público adulto, e publica sazonalmente a revista Parques e Vida Selvagem.

Quando se referem ao Parque Biológico de Gaia, os autores começam por dizer que foram avisados para não o visitarem (?), devido à falta de interesse mas que, mesmo assim, resolveram visitá-lo e essa foi, segundo escrevem, uma das melhores decisões tomadas durante a viagem a Portugal. O que viram, fê-los concluir que o Parque Biológico de Gaia é “probably the best zoo in Portugal” (provavelmente o melhor zoo de Portugal). Esta apreciação resulta, segundo o artigo, do modelo de exposição de animais desenvolvido no Parque, da organização da colecção e do cuidado na informação.

Para comemora os 25 anos de abertura ao público, o Parque Biológico de Gaia irá construir, em 2008, uma mega exposição sobre os principais biomas do Planeta. k

Embora o Parque Biológico de Gaia não seja exactamente um jardim zoológico, é enquadrado pela directiva comunitária e lei nacional que considera “zoos” todas as colecções de animais expostos ao público mais de sete dias por ano. No Parque Biológico combina-se o conceito “parque zoológico”, com os conceitos “reserva natural”, “jardim botânico” e “ecomuseu”. A faceta “reserva natural” está a ser cada vez mais desenvolvida sendo o Parque Biológico, actualmente, um dos parques urbanos com maior biodiversi-

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DESPORTO ALTERNATIVO

Bons ventos… Bons deslizes

Inventado em 1985 por dois franceses, Bruno e Dominique Legaignoux, a prática do kitesurf tornou-se popular em meados dos anos 90, tendo crescido exponencialmente na última década. Numa era em que os desportos alternativos encontram-se entre os mais procurados pela sociedade, o kitesurf apresenta-se como umas das alternativas mais populares da actualidade e uma prática em constante crescimento. Sendo um desporto aquático, o conceito consiste em ser puxado por uma vela de grandes dimensões (kite), que se encontra fixa à cintura do praticante que, por sua vez, desliza sobre uma prancha de reduzidas dimensões. Fabricado com o mesmo tecido dos comuns pára-quedas, as velas podem ir de 5 a 17 metros, consoante o peso da pessoa e as condições climatéricas. Ao contrário do que se possa pensar, o facto de uma vela ser maior não implica mais velocidade ou a realização de manobras mais difíceis. Por norma, os riders tentam usar a vela mais pequena possível para o seu peso e para as condições de vento, isto porque são mais rápidas, mais enérgicas e de mais fácil controlo, e permitem corrigir mais facilmente possíveis erros durante uma manobra. Auxiliado por uma barra de controlo, o praticante tem possibilidade de orientar a velocidade e direcção da sua vela, a qual se encontra conectado ao kite por um cinto próprio

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para esse fim – o arnês. A prancha, dependendo do estilo do atleta, poderá ser similar às de surf ou wakeboard. Tendo em conta que são efectuados saltos de grande altitude, o material pelo qual é composto é de grande resistência. Vários são os atributos que os praticantes enunciam quando se referem a este desporto, como a sensação de liberdade ou a adrenalina de altos voos. Nelson Leal, praticante de Kitesurf há vários anos, e que já correu meio mundo para apanhar os ventos libertinos da Tailândia, é um dos muitos atletas que encontra nos seus deslizamentos sensações únicas e indescritíveis.


DESPORTO ALTERNATIVO

Texto: Leandro Santos | Fotos: Liliana Martins

Perspectiva: Há quanto tempo praticas este desporto e o porquê desta escolha? Nelson Leal.: Iniciei a prática deste desporto há cerca de dois anos. Quando estava a acabar o meu curso universitário, os amigos começaram a dispersar-se e cada qual “fugiu” para onde havia emprego - consequências de um século XXI a cooperar com um país em recessão económica. Começava a ser cada vez mais difícil combinar um jogo de futebol, uma saída à noite, um cinema, uma ida à praia Pensei que tinha que arranjar um desporto com o qual me identificasse e não necessitasse de mais ninguém ou estivesse dependente de alguém

para o fazer. Algarvio de gema e 100% dependente de iodo e de mar, o kitesurf, pela sua espectacularidade, surgiu como a resposta às minhas preces. Quais as sensações que tens quando praticas kite? O kitesurf é um desporto de extremos e multi-facetado, daí a minha paixão contínua. Tal como existem aqueles dias em que “atacamos” a água com toda a adrenalina que nos corre no corpo e em 30 minutos tentamos fazer todas as manobras mais radicais e que nos puxam pelo físico, existe também uma outra faceta do desporto. No final das sessões mais radicais coloco o meu kite às 11h e deixo que o

mesmo faça todo o trabalho e me faça deslizar sobre a água. Oiço o vento nas linhas, deslizo sobre as ondas e fixo o horizonte com os últimos raios de sol. É uma visão romântica do oceano? Talvez mas é a melhor das visões e a melhor das sensações! Há riscos físicos na prática deste desporto? Já apanhas-te algum susto? Existem vários riscos associados a este desporto mas… não existem sempre em tudo o que fazemos? Os riscos podem sempre ser atenuados, dependendo da consciência de cada pessoa. MARÇO 2008

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DESPORTO ALTERNATIVO

O pior inimigo do kitesurf são os obstáculos! O desporto deve ser feito numa zona ampla, limpa de casas, árvores, gradeamentos, cercas pessoas, etc. É usual ver alunos e pessoas sem experiência fazerem com que o seu kite atravesse toda a janela de vento com alguma velocidade (a janela de vento compreende toda a zona entre as 9 e as 15h, passando pela zona de potência - 11h às14h). Isto leva a algum descontrolo e faz com que o kite puxe o corpo do rider na direcção em que estiver o vento. O que acontece é que os praticantes são arrastados dentro de água até que o kite se imobilize. Caso haja obstáculos por perto o rider pode ser projectado contra os

mesmos e aí o cenário pode tornarse mais grave, daí nunca ser demais referir: os obstáculos devem a todo o custo ser evitados! Nunca, até hoje apanhei qualquer susto. Tive sempre as pessoas e professores certos perto de mim. Isso é muito importante! Escolher as pessoas/escolas com quem se aprende é o primeiro passo para ser um rider consciente e evitar os acidentes. Os cursos são caros mas são indispensáveis a meu ver. Há depois aqueles sustos que se querem apanhar - fazer rodar o kite sobre si mesmo (kiteloop) e cravar bem a prancha na água antes do impulso final pode fazer com que o kite nos faça voar uns bons metros no ar! Estes são aqueles sustos fantásticos, que fazem o nosso coração disparar e injectam adrenalina no mais pacífico dos corpos! A nível financeiro, este desporto é acessível ou implica um elevado orçamento? O equipamento é algo em constante evolução. Por vezes não há necessidade de o mudar mas existem aqueles “addons” que experimentamos e adoramos e depois depois é difícil resistir a algo que nos vai melhorar ainda mais a nossa experiência de kite! O material completo e novo poderá rondar os 2000 euros. Em segunda mão, o que aconselho a todos os iniciantes, poderá descer até metade deste valor. Claro que, como em todos os desportos, estas margens podem ser diminuídas ou completamente extrapoladas para valores astronómicos. Existem pranchas mais orientadas ao Freestyle (manobras), com mais pop (quando cravamos bem a prancha na

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água esta gera uma força contrária que nos impulsiona para fora - pura física e efeito acção-reacção), que sobem mais ao vento, mais orientadas a ondas, etc. Com os kites passa-se o mesmo. Existem de várias formas, medidas e feitios. Uns são mais rápidos, mais reactivos, outros são mais lentos mas deixam-nos lá em cima mais tempo aquando dos saltos. Se um rider quiser ter kites para todas as condições de vento e pranchas para todas as condições do mar os valores aumentam e muito! O que aconselhas a um iniciante que se queira dedicar ao kite? Procurar uma escola com alguma tradição nas aulas de kitesurf. É muito importante começar com quem sabe para evitar ao máximo más experiências. Depois de uma aprendizagem segura é raro vermos alguém a magoar-se. Comprar material em segunda mão. É um desperdício comprar material novo para alguém sem experiência. As probabilidades do kite se rasgar ou da prancha ficar arranhada nos primeiros tempos é bastante grande. O material é caro e não vale a pena estragar! Ser consciente! Respeitar-se a si e aos outros dentro de água! k


TECNOLOGIAS Samsung I780

Tecnologia na ponta dos dedos :: A Samsung Electronics apresentou recentemente o seu novo telemóvel do segmento de messaging, o Samsung i780. Dotado de um ecrã LCD de largas dimensões, este “escritório móvel” equipado com o Windows Mobile 6.0 permite, através da tecnologia Touch Screen, uma maior liberdade de movimentos. Equipado com GPS para encontrar sempre o caminho certo, o i780 possui ainda tecnologia HSDPA, para uma maior velocidade de download dados. Para além da câmara VGA para videochamadas, possui ainda uma câmara de 2 Megapixéis. Outros mimos como leitura MP3, Wi-Fi, media player, slot de cartões de armazenamento e um teclado QWERTY, estão também presentes neste novo aparelho da marca coreana. k

Nokia 7900 Prism

Um diamante tecnológico

Pionner Avic - F50BT

O Caminho Certo :: A Pionner vai lançar no mercado português o mais recente sistema de navegação da marca, o Navgate AVIC-F500BT. O Navgate possui um ecrã táctil de 5,8 polegadas Wide, sistema

Devolo LAN

Redes Electrizantes :: A Devolo, empresa alemã especializada em adaptadores PLC (Powerline Communication), acaba de anunciar o lançamento da sua gama de produtos com tecnologia HomePlug no mercado português. O dLAN Highspeed Ethernet e dLAN Wireless Extender são produtos da gama de produtos dLAN, baseados na teconogia HomePlug, isto é, tecnologia PLC (PowerLine Communication), que permite a criação de redes informáticas através da corrente eléctrica. Os adaptadores PLC permitem que em qualquer divisão da casa se possa aceder ao Router (Internet), a outros PCs ou impressoras ou ligar consolas de jogos em rede, que se encontrem noutras divisões,

:: O novo Nokia 7900 Prism aposta na diferença. Com uma superfície a fazer lembrar um diamante, com acabamentos em alumínio anodizado, o novo terminal da marca finlandesa é uma verdadeira jóia da tecnologia. Equipado com um ecrã OLED de 16 milhões de cores, tecnologia 3G, câmara de 2 megapixeis e 1GB de memória interna, o Nokia 7900 Prism mostra-se apto a satisfazer os utilizadores mais sofisticados, tanto do ponto de vista tecnológico, como no que se refere ao estilo. k

sem necessidade de utilizar cabos ou de fazer obras. Esta tecnologia permite assim a criação de uma rede informática doméstica utilizando a rede eléctrica já existente em casa e/ou escritório. A instalação torna-se extremamente fácil, basta ligar o modem/router ao adaptador dLAN a uma tomada de corrente e depois ligar um adaptador ao PC e a outra tomada de corrente. O acesso à Internet continua a ser através da linha eléctrica. k

de bluetooth para fácil ligação a auto-radios que suportem essa tecnologia. As entradas A/V permitem dotar o auto-rádio de funções melhoradas, e suporta equipamentos de áudio e vídeo externos, como Ipod’s, bem como a leitura de ficheiros através do cartão SD e unidades de armazenamento USB (PEN). As funcionalidades de navegação incluem um interface de utilizador multilingue, guia por voz, receptor de informação de tráfego TMC e funcionalidade Text-to-Speech (TTS), e pré-instalados na memória flash mapas de 29 países Europeus. O Navgate AVIC-F50BT beneficia ainda do ecrã portátil que permite ao utilizador ver vídeos em qualquer lugar, e conta com uma bateria autónoma e pode ser utilizado num segundo veículo. k

Canon EOS 450D

Momentos Perfeitos

:: A Canon acaba de lançar a sua nova câmara fotográfica, a EOS 450D, uma evolução da sua irmã mais velha, a 400D. Com um sensor CMOS de 12,2 Megapixéis, a nova câmara apresenta ainda um ecrã LCD de 3,0”, um sistema de auto-limpeza de lentes, Live View, 14-bit de processamento e RAW, AF melhorado, 3.5 fps de disparo continuo e armazenamento SD/SDHC. Uma nova bateria com maior capacidade permite tirar mais de 500 com apenas uma carga. k

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WELLNESS

Melhor solário de Portugal O solário megaSun by D&S situado em Albufeira venceu o Tanning Award 2007. Foi eleito por um júri restrito de várias categorias como melhor solário a nível nacional, representou sucessivamente Portugal a nível Europeu, em Novembro, na Alemanha.

Teresa Pires, Reiner Ottavi, Klaus Lahr

Venceu, principalmente, dentro das categorias de melhor aconselhamento por profissionais certificados e qualificados e de melhor manutenção e procedimento de equipamento tecnológico. A todos os nossos clientes é feita uma análise individual da pele com um aparelho próprio e de seguida, a intensidade das lâmpadas é adaptada consoante a avaliação feita. Este teste diminui a probabilidade de queimaduras, podendo assim controlar a dosagem de radiações expostas à pele, ao contrário de uma exposição ao sol. Mostramo-nos devidamente satisfeitos por o Governo ter legislado sobre a matéria de exploração de máquinas ultravioletas em ginásios e hotéis, sem o devido acompanhamento. O nosso solário não pode ser frequentado por menores de 18 anos, grávidas e pessoas que apresentem sinais de insolação. Após estes três anos de sucesso numa cidade de Verão, iremos abrir outro centro de bronzeamento em Vilamoura e procuramos estabelecer uma rede de Franchising, distribuída por todo o país. megaSun by D&S

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CULTURA

DANÇA 29 de Março de 2008 The Other Side

TEATRO 7 a 16 de Março de 2008

Que farei com este livro?

Centro Cultural de Belém

Sala Garrett do Teatro D. Maria II

The Other Side é o mais recente projecto, da companhia de dança contemporânea Quorum Ballet, que resulta do trabalho criativo de Daniel Cardoso, Jonathan Hollander e Thaddeus Davis, directores artísticos do Quorum Ballet, Battery Dance Company e Wideman/Davis Dance, respectivamente. Tem como principal objectivo a fusão entre a dança e a arte das cidades de Nova Iorque e Lisboa, com apresentação em Portugal e nos Estados Unidos.

Em "Que farei com este livro?”, José Saramago retoma a história cultural de Portugal para retratar, com base em fontes historiográficas, o que acontecia na época conhecida como Classicismo. Com uma fina ironia, o Nobel português critica aqui o comportamento da Corte e da Igreja em relação à publicação de "Os Lusíadas", de Luís de Camões. Numa co-produção com a Companhia de Teatro de Almada, “Que farei com este livro?” é a segunda peça para teatro de José Saramago que transforma o poeta Luís de Camões em personagem que retorna das Índias, no período entre 1570 e 1572, e tenta negociar a publicação de “Os Lusíadas”.

Para mais informações consulte: www.ccb.pt

Para mais informações consulte: www.teatro-dmaria.pt

OUTRA SUGESTÃO 28 de Março de 2008 Masculine

Pequeno Auditório do Teatro de Vila Real Para mais informações consulte: www.teatrodevilareal.com

Envie-nos sugestões culturais para redaccao@revistaperspectiva.info


CRÓNICA

Por Jorge Castro

O Adejar da Mariposa

A Senhora de Ofiúsa Da viagem encantada pela nossa História ancestral que o livro de Gabriela Morais me proporcionou, prometi dar notícia. E se alguém disser que se trata de publicidade sem pudor, que o seja, pois é de louvar com o mesmo ímpeto com que se zurze. Dois jovens, trazendo em si o ceptro da descoberta e do testemunho, percorrem impossíveis mas fantásticos trilhos históricos deste canto ocidental. Suportada por evidências arqueológicas a que os poderes instalados mal prestam atenção, nesse afã de mal gerir o aqui e o agora, A Senhora de Ofiúsa tem artes de nos conduzir, pela mão desses jovens, deslumbrando-nos em cada virar de página com um passado remoto que também é o nosso e que, se dele ouvimos falar por acidente ou distracção, nos parece ter tido lugar em miríficos territórios, sem latitude nem longitude, alheios a nós e, daí, mais ou menos indiferentes. Afinal, não. As sociedades matriarcais, as comunidades recolectoras e caçadoras, o dealbar das culturas agrícolas pisaram o mesmo chão que nós pisamos e só a tacanhez de caciques míopes, estranhos a evidências e conhecimentos, assoberbados pela colheita do lucro fácil e imediato, nos leva a esta profunda ignorância das coisas. Digo coisas e refiro-me a esta ancestralidade que nos enforma e que, porventura, nos faz distintos no concerto do mundo. Quer a última glaciação, que fez deste sul da Europa até Gibraltar o último reduto do homo sapiens, de onde volta a expandir-se após o degelo, reganhando o mundo, quer a datação – hoje tão apurada – dos incontáveis testemunhos que se multiplicam no território que é Portugal, provam que, contra velhos e relhos ensinamentos, 62

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muito do que o Homem moderno ocidental é terá aqui sido moldado, antes de se expandir Europa fora. Perante testemunhos como o das gravuras de Foz Côa, do túmulo da Criança do Lapedo, perto de Leiria, dos altares, monumentos funerários e vestígios arqueológicos de povoações – que se contam por muitos milhares! – existentes em território português, talvez não nos seja impossível, a nós leigos, apurar o quanto da Pré-História carece de ser reescrita, ligando todos estes testemunhos em novos e arrojados enlaces. E com urgência, face ao desleixo vergonhoso e ao saque despudorado a que tais evidências estão votadas, por todo o território, sem meios que permitam o estudo por que tantos investigadores anseiam. Talvez, afinal, a civilização romana – tão mais recente - não tenha “globalizado” definitivamente as sociedades de então, como nos é contado. Não sem oposição e combate, pelo menos. Não sem que algo que nos diferencia se tenha salvaguardado, no íntimo de cada um, sentir atávico ou herança genética de que somos feitos. É disto que nos conta e encanta A Senhora de Ofiúsa, passeio mágico pela História deste recanto ocidental, que transcende o encantatório e nos leva a participar, de corpo e alma, nas aventuras contadas, onde somos figurantes pela mestria de envolvimento que a narração comporta. Maria e Emanuel voam nos céus do tempo, por obra e graça da Bicha de Sete Cabeças, num esteio de continuidade, de retorno sem fim. A ser verdade que Portugal é habitado, como

dizem alguns autores, há 1.500.000 anos, veja-se o pano para mangas que a observação aliada à imaginação nos podem trazer. Do Paleolítico à Idade do Bronze, por onde andámos e a fazer o quê? Mas que já cá estávamos e que ainda por cá andamos, mais mistura, menos mistura, que nos vai enriquecendo, não restam dúvidas. Mais do que bandeiras ou hinos voláteis, há este ser e estar que de algum lado nos vem. Este amor à poesia e ao canto que nasce connosco. Essa vontade de ir e certeza de chegar, que nos entranha a pele. E, acima de tudo – dir-se-ia apesar de tudo – esta fixação ao chão, que não tem tamanho. k

Leitura para todos, cruzando saberes que não deixam ninguém indiferente, suscitando uma avidez de mais saberes, compelindo-nos a dar testemunho, a passar o bastão a quem lá vem, provocando novas demandas, para que a firmeza do nosso chão assuma outra consistência… e - quem sabe? – outra determinação nesta arte de ser humano.

Ver mais informações em http://apenas-livros.com/pagina/a_outra_apenas?id=252


CINEMA

7ª Arte Fora de Casa

por Pedro Laranjeira

Foi o que aconteceu, por exemplo, nos primeiros dias do “ASTÉRIX NOS JOGOS OLÍMPICOS" com salas cheias de apreciadores das 33 grandes aventuras do herói gaulês, uns desde o primeiro dia, outros que nem tinham ainda nascido quando Uderzo e Goscinny inventaram, em 1959, a saga da aldeia gaulesa que resistia à ocupação romana. Depois de oito filmes em banda desenhada, a imagem real trouxe aos ecrans, pela terceira vez, uma nova faceta das aventuras da dupla que reúne a esperteza de um pequeno guerreiro e a força incomensurável de um carregador de menires que não precisa da poção mágica do druida Panoramix, porque caiu no caldeirão quando era bebé e ficou com efeitos permanentes. Gérard Depardieu adequa-se completamente ao personagem de Obélix e revela melhores dotes de

autor do que demonstrara em "1492", num papel que parece mais fácil mas de facto não o é. O único ponto fraco da obra é o guarda-roupa, um tanto desleixado. Por outro lado, a repentina frustração inicial de um César muito diferente da banda desenhada, que no primeiro filme era exactamente igual, é logo compensada por uma magnifica interpretação de Alain Delon. No entanto, gostei mais de Christian Clavier como Astérix do que de Clovis Cornillac. Brilhante é a sequência da corrida de quadrigas, com Schumacher a encarnar um Shumix todo Ferrari, onde até a necessária derrota final foi elegantemente mascarada com a classificação "o melhor de sempre".

O filme utiliza todos os truques, desde as espadas dos guerreiros Jedi até ao futebol de Zidane, incluindo a Vénus de Milo a perder os braços sob os arremessos de peso de Obélix. Com um orçamento de 78 milhões de euros, é o filme francês mais caro de todos os tempos. Para os amantes da série Astérix, já traduzida em mais de cem línguas, existem agora duas versões da aventura nos Jogos Olímpicos, uma em banda desenhada, outra em imagem real - cinema para todos os gostos. Um filme muito agradável, que está a fazer uma carreira de sucesso.

O anúncio, em 2007, de que " Gone Baby Gone " iria ser adiado devido à semelhança com o caso Madeleine McCann, ainda por resolver, revelou-se uma manobra publicitária destinada a projectar um filme médio para muito mais audiências do que as

que teria se não se tivesse reclamado dessa coincidência. A única semelhança é centrar-se no rapto de uma menina de 4 anos e no facto de a actriz que a desempenha, além de se chamar Madeleine na vida real, ser muito parecida com a criança inglesa. Tudo o resto não tem nada a ver! Absolutamente nada! Nem sequer é "praia da luz versão americana", limita-se a ser "policial versão americana". Apenas um louvor para o filme: o obtuso título em português: "Vista Pela Última Vez"… que é exactamente o melhor que se pode aconselhar em relação a esta película.

“VISTA PELA ÚLTIMA VEZ” Já o mesmo não pode dizer-se da estreia de Ben Affleck como realizador, em "Gone Baby Gone". Exceptuando duas interpretações de artistas de grande craveira, Morgan Freeman e Ed Harris, tudo no filme é vulgar, incluindo o desempenho do protagonista, irmão do realizador. Apesar disso, até nem seria mau de todo, se não fosse - e isso é que me chocou - o aproveitamento do drama da Praia da Luz para a sua promoção. Senti-me humilhantemente enganado! 64

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CINEMA

Depois da crise provocada pelo esvaziamento progressivo das salas de cinema face à concorrência dos clubes de vídeo, parece estar a consolidar-se a existência de um público que continua a preferir ver filmes no grande ecran, com um som que tudo abrange e sem ter de esperar que o DVD chegue ao clube do bairro… incluindo a tradição das pipocas, para quem gosta. "CALL GIRL" - CINEMA PORTUGUÊS NO SEU MELHOR Finalmente, qualidade, numa sala que tive de procurar porque não está em tantas como merece. António-Pedro Vasconcelos demonstra que o cinema português está de boa saúde, moderno, autêntico, bem servido de valores técnicos e humanos. Soraia Chaves é magnífica e a curta cena da ingénua no carro chega para ilustrar a sua grande versatilidade. Ivo Canelas e Nicolau Breyner estão perfeitos e Joaquim de Almeida fez-me pensar que ele não deveria andar sozinho em andanças por Hollywood - António-Pedro ficava lá mais que bem. Quero realçar dois detalhes: a qualidade técnica da banda sonora e a excelência da direcção de actores. Foi uma lufada refrescante de boa arte portuguesa e até gostei da gracinha do António-Pedro Vasconcelos no avião, na última cena do filme… Não perca!

PRÓXIMAS ESTREIAS 6 DE MARÇO "O PATINHO FEIO E EU" (The Ugly Duckling and Me), animação, de Michael Hegner e Karsten Killerich, com vozes de Renato Godinho, Peter Michael, Cláudia Cadima, Bruno Ferreira, Paulo Pires, Helene Isabel, Rita Pereira e Carla Chambel.

27 DE MARÇO Bolger, Freddie Highmore, Seth Rogen e Nick Nolte. "WINX - O SEGREDO DO REINO PERDIDO" (Winx Clube: The Secret of the Lost Kingdom), animação "HALLOWEEN" (Halloween), terror, de Rob Zombie, com Malcolm McDowell, Tyler Mane e Daeg Faerch.

"NA SOMBRA DO CAÇADOR" (The Hunting Party), acção, de Richard Sheperd, com Richard Gere, Terence Howard e Jesse Eisenberg.

20 DE MARÇO

"PARA SEMPRE. TALVEZ…" (Definitely Maybe), comédia, de Adam Brooks, com Rachel Weisz, Ryan Reynolds e Isla Fisher.

"O AMOR NOS TEMPOS DE CÓLERA" (Love in Time of Cholera), drama, de Mike Newell, com Javier Bardem e Benjamin Bratt.

"DUAS IRMÃS, UM REI" (The Other Boleyn Girl), drama, de Justin Chadwick, com Natalie Portman, Scarlett Joahnsson e Eric Bana.

"WE OWN THE NIGHT", drama, de James Gray, com Joaquin Phoenix, Eva Mendes, Robert Duvall, Alex Veadov e Dominic Colon

13 DE MARÇO

"HANNAH MONTANA AND MILEY CYRUS: BEST OF BOTH WORLDS CONCERT", musical, de Bruce Hendricks, com Miley Cirus, Nick Jonas, Joe Jonas e Kevin Jonas.

"AS CRÓNICAS DE SPIDERWICK" (The Spiderwick Chronicles), aventura, de Mark Waters, com Sarah

"INTERVIEW", drama, de Steve Buscemi, com Sienna Miller e Steve Buscemi. "THE STRANGERS", thriller, de Bryan Bertino, com Liv Tyler e Scott Speedman. "MAMA'S BOY", comédia, de Tim Hamilton, com Joe Heder, Diane Keaton, Jeff Daniels, Anna Faris e Sarah Chalke.

ANTEVISÃO - 22 DE MAIO "INDIANA JONES E O REINO DA CAVEIRA DE CRISTAL" (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull), aventura, de Steven Spielberg, com Harrison Ford, Cate Blanchett, Karen Allen, ay Winstone, John Hurt, Jim Broadbent e Shia LaBeouf. Trailer disponível em http://videos.sapo. pt/6qYdI1E3OnEYVspilYIj.

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OPINIÃO

Paulo Proença Moura | natural de Caria, de trás da Serra da Estrela. autor do livro “Persuacção - o que não se aprende nos cursos de gestão”, Edições Sílabo | paulomoura@mail.telepac.pt

Triste ensina... Olá, Estou a escrever-te muito à pressa, que o tempo é pouco e tenho que fazer os «trabalhos de casa». São dez da noite e a minha mulher telefonou a dizer que está agora a sair da escola. Tem sido frequente este ano: eu e as nossas filhas jantamos e ela come depois qualquer coisa quando chega. Já não me lembro do que é sairmos num fim-de-semana, porque precisa de estudar legislação e falta-lhe tempo para preparar aulas, testes… e depois corrigi-los. O tempo que passa na escola é ocupado com outras actividades... e reuniões aos montes. Ela lá vai fazendo o melhor que pode mesmo que, como eu lhe digo, esteja praticamente a prescindir de ter tempos livres e a sacrificar a vida familiar. É que os professores têm uma característica que admiro: espírito de sacrifício. Como sabes, sou de uma família de professores e desde pequeno me habituei a ouvir os meus avós, os meus pais e os meus tios a falarem sobre irem “dar aulas para terras onde só se podia ir de burro”. Actualmente, mudou o meio de transporte mas a vida nómada mantém-se. Eu até acho que se devia dar a cada professor, no início da carreira, um kit com um burro, uma carroça, um cobertor e um cão. E, ao longo da carreira, sujeitam-se a situações e aceitam condicionalismos que noutras actividades seriam impensáveis. Há dias, em conversa com pessoas conhecidas casadas com professores, deram-me alguns exemplos. O marido da Mariazinha desabafa com ela ser “frequente as escolas não disponibilizarem os meios suficientes” para exercerem a sua actividade, sendo necessário adquirirem equipamentos e consumíveis que usam no seu trabalho. O Jorge Castro, que tem saudades de te ver por cá, acha que “propor a um professor que adquira um computador que vai utilizar como instrumento de trabalho, com acesso a uma bandinha larguinha, por preço ‘especial’ e condições ‘favoráveis’, é uma habilidade que não lembrava ao diabo” mas lembrou ao Governo. O Borges alertou que a mulher sempre teve necessidade de trabalhar em casa, além do horário que cumpre na escola e sem receber horas extraordinárias. Como disse o Pereirinha, “pode parecer um detalhe sem importância mas no Verão as famílias de professores só podem tirar férias na confusão do mês de Agosto, quando vai ‘tudo a monte’ para os destinos turísticos normais e os

preços são mais elevados”. “A isto”, lembrou a Filomena, “já estão infelizmente os professores habituados. Mas actualmente está a ser demais: congelamento de salários e de carreiras, alterações das regras de progressão com critérios que geraram injustiças e dos quais não foi permitido reclamar… e agora instalouse o caos a meio do ano lectivo, com grande quantidade de legislação sobre o novo modelo de gestão, a avaliação dos professores e o novo estatuto do aluno, com várias lacunas e que estão a criar uma enorme confusão quanto a competências, leituras e implementações diferentes de escola para escola”. E fazer depender a avaliação de desempenho dos docentes do sucesso escolar e do abandono dos alunos? A Natália queixa-se da falta de sorte do marido, que "tenta sobreviver a uma turma de CEF's". CEF's?! Ela lá nos explicou que "são cursos para alunos especialistas em reprovações e com tendência para a asneira. É frequente ser alvo de ameaças, de agressões verbais e mesmo físicas. Sente-se entregue a si próprio. E será avaliado pelo desempenho deles". O Rogério estranha “se a ministra da Educação não se apercebe que criaram uma clivagem artificial entre professores, que se instalou o medo e um ‘stress’ tremendo”. Tive que lhe dizer que aos políticos não dá jeito ‘saber’. A Mariazinha perguntou: “O Ministério diz que quer valorizar a actividade lectiva – a nossa missão –, dignificar a profissão docente, promover a auto-estima e motivação dos professores mas… assim?! Se não dispõem dos meios e o tempo necessários? E se não podem preparar devidamente as aulas porque estão ocupados com burocracias?” Tive que lhes dizer que o problema é o isolamento de cada professor e no receio de ‘dar a cara’, gerando frustração e uma revolta surda. Entretanto, como diz uma amiga professora, os familiares são «sofredores passivos». Como eu de passivo não tenho nem quero ter nada, até já pensei organizar uma Manifestação dos Esposos Revoltados de Docentes Abusados. Até aproveitava para te ir visitar... É pena não estares connosco... e não estares casado com uma professora. Entender-me-ias melhor. Um abraço deste que te estima, Paulo Proença Moura

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