NOTAS SOLTAS SOBRE O CONHECIMENTO:
Da VERDADE à CONSCIÊNCIA
“Quem não sabe prestar contas, ao fim destes três milénios de conhecimento, permanece nas trevas ignorantes e limita-se a viver o dia que passa”.
Johann Wolfgang Goethe (1749-1832)
Não é o Conhecimento, mas sim o Acto de Aprendizagem, e não é a posse, mas o acto de chegar lá, que desencadeia maior prazer.
Karl F. Gauss (1777-1855)
Começo por pedir desculpa a quem esperaria que eu fosse abordar, ou aprofundar, nesta última prestação oficial, como docente, algum dos temas das Disciplinas que leccionei. Esse tempo, como tudo na vida, já se esgotou. É pretérito. Cabe somente à memória a sua representação.
Proponho-vos, antes, uma digressão pelas vias do conhecimento que, persistentemente, têm procurado estabelecer as pontes reais para o entendimento inclusivo e felicidade dos povos. É, sem dúvida, através das diversas vertentes da Ciência, que a Sociedade tem procurado desconstruir os muros segregadores da ignorância, ao mesmo tempo que, através da razão, vai desmaterializando os mitos e as lendas
Neste tempo, último, por que passámos, de constante bombardeamento noticioso, muito dele sensacionalista, onde o conteúdo palavroso rapidamente se dissipava no seu próprio vazio, por nada acrescentar e confundir a nossa mente, houve que criar o tempo para se conseguir assimilar, reflectir e, por fim, concluir, ou extrair a verdade do que na realidade ia acontecendo, ao mesmo tempo que se aproveitava para remeter os falsos profetas do conhecimento para o canto que lhes era devido.
Não descurando o facto de se pertencer à vertente das Ciências, campo do conhecimento designado, em tempos idos, por Filosofia Natural, é manifesta a preocupação em atingir a verdade, em conhecê-la através de factos sustentados e facilmente demonstráveis, em qualquer parte do Mundo, sob as mesmas condições de experiência, hoje muito pomposamente designadas por condições ecológicas. E quando se publica um estudo, não existe o pretensiosismo de afirmar que os resultados correspondem a 100% de certezas, mas que, a probabilidade de se verificar a ocorrência de um dado facto, se situa num patamar cujo erro de interferência não é superior a 5%. É assim que se procede para se atingir uma verdade científica, independentemente de ser ou não o resultado que, emocionalmente, se pudesse desejar.
Infelizmente, em vez dessa sã dedicação à descoberta da resolução dos problemas – alguns, ainda nem sequer saíram do enunciado –, e melhorar a dos já existentes, vem-se assistindo a um esbulhar sistemático de recursos, que acabam por
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serem encaminhados para a promoção e ganho de uns poucos, em contrapartida à pobreza, à fatalidade e ao desespero de muitos e muitos outros, e onde, não por acaso, a bestealidade, a versão pior do Ser humano, tem tomado a primazia...
Igualmente a Ciência, ou se quisermos, o Mundo das Ideias ou do Conhecimento, não tem sido particularmente imune a esses desmandos da razão. Um dos primeiros mártires conhecidos, a ingressar no Panteão do Conhecimento, foi o filósofo grego do séc. V a.C. – Sócrates. A sua condenação deveu-se, como filósofo, à sua inquietude, ao seu constante questionamento acerca do estabelecido pelas leis de Atenas.
Se é um facto que a sua atitude despertara o apoio e a admiração dos jovens, do lado dos políticos, o resultado foi precisamente o oposto, apesar de ser considerado um homem justo.
Perante qualquer forma de governo, ou autoridade constituída, Sócrates agia segundo o que lhe ditava a consciência. No seu libelo de acusação constava – o não reconhecimento dos deuses oficialmente instituídos, o de introduzir novas divindades (a existência de uma única divindade – “um Deus único”), e o de corromper a juventude com as suas ideias
Outro dos sentenciados em nome da “verdade”, este, a mando da Inquisição, tratou-se de Giordano Bruno, contemporâneo de Galileu. Bruno, inicialmente um religioso dominicano, foi acusado de heresia pela Igreja Católica1 .
Quais eram então as acusações, para justificar a morte de Giordano Bruno na fogueira, de entre muitas outras? ... A defesa da teoria heliocêntrica de Copérnico; que o Universo era infinito e estava inacabado, ou seja, não era a obra perfeita e concluída de Deus; a existência de uma pluralidade de mundos, interpretada como a existência de outros sistemas planetários idênticos ao nosso; defender que Jesus, o Cristo, era um homem excepcional e dotado de grandes capacidades, mas não o conceber, nem como Filho, nem como parte integrante da pessoa de Deus; e o facto da sua orientação ser neoplatónica e não aristotélico-tomista... Para ele – “a realidade natural (seres materiais) e a alma cósmica (Deus e os seres espirituais) são a mesma coisa” –, tese que era contrária ao que defendia a Igreja, que sempre distinguiu a matéria do espírito.
Contudo, o que vários autores têm unanimemente defendido, a sua morte deveu-se, sobretudo, a motivos religiosos, e não tanto a interpretações de âmbito científico, das quais também nunca se retratara.
Galileu, seu contemporâneo, não teve igualmente um final de vida fácil, pois foi obrigado a desdizer-se e a abjurar a tese do heliocentrismo, para conseguir sobreviver, embora continuasse a afirmar, “à boca pequena”, que era a Terra que se movia e não o Sol.
Roger Orrit escrevera no seu livro, acerca de Galileu e o Método Científico, que a Ciência e a Teologia têm que funcionar de maneira independente, uma vez que se ocupam de domínios muito distintos. Enquanto a Ciência versa os factos, e o seu
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1 Bruno professou duas outras confissões – o calvinismo e o luteranismo – acabando também por abandoná-las em rotura com ambas.
domínio abarca todos os fenómenos naturais, a Teologia ocupa-se da Fé, e o seu domínio são os fenómenos sobrenaturais.
Quando a Teologia procura explicar como funciona o Mundo, actua de forma ilegítima, da mesma forma que seria ilegítimo, para a Ciência, emitir pareceres sobre questões da Fé. O próprio Galileu dizia que –“A Bíblia ensina como chegar aos céus, não como eles funcionavam” .
Regressando a Sócrates, este afirmava que o seu papel era o de ajudar os homens a criar o saber correcto, uma vez que o conhecimento teria que vir de dentro, não podendo ser como que enxertado ou embutido –” Só o conhecimento que emana do interior do homem, é que constitui a verdadeira inteligência ou entendimento” – o que não implica que esse conhecimento, ou entendimento, seja, comprovadamente, verdadeiro. No entanto, e independentemente de poder, ou não, ser verdadeiro, naquele dado momento, e na sua emanação interior, é percepcionado como tal.
Assim sendo, é como se existisse uma componente subjectivo-emotiva e de circunstancialidade no conhecimento – facto que, no âmbito neurocientífico, muito se tem discutido.
Pergunta-se então: mas será que, aquilo que se vê, interpreta ou percepciona, de uma dada coisa ou de um dado fenómeno, como verdade, num dado tempo, se mantém imutável? Posto de outro modo, será que as verdades são eternas, ou circunstanciais?
Hoje, sabe-se que existem verdades que atravessaram séculos. No entanto, a generalidade pende para a circunstancialidade. Funcionam num dado tempo... e aparentemente “bem”, mas, depois, surge sempre algum facto, ou alguém que vislumbra para lá das fronteiras cognoscíveis, que vem contradizer a mencionada verdade ou, não a negando, lhe acrescenta alguma coisa que a complementa ou robustece
Do alto das suas cátedras, autores há, que defendem que a verdade só pode ser encontrada através de um conhecimento profundo. Ora, a profundidade de um dado conhecimento, a par do seu trajecto estorial, seja ele longo ou curto, também não é garante da sua veracidade. Quantas doutas afirmações e longas demonstrações não acabaram por virem a ser refutadas?
Contudo, e apesar destas reentrâncias no construto da verdade, parece-nos ser lícito afirmar, que uma parte da verdade se encontra naquilo que é experienciado e sentido no mais profundo de quem se dedica ao estudo e à investigação, ainda que careça de uma certa assepsia, relativamente à esfera emotiva. Mas nada pode apagar essa vivência de experiências feita.
No seguimento da concepção teofrástico-paracélsica2, que defendia que o conhecimento não se adquiria “ pelo citar dos sábios, mas antes, utilizando a observacão,
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2 Paracelso, médico suíço dos finais do séc. XV ao séc. XVI (17 de dezembro de 1493 24 de setembro de 1541) tinha por nome de baptismo Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim
as provas e os argumentos...”3, o próprio Einstein afirmava –“Todo o conhecimento, acerca de uma realidade, nasce e acaba com a experiência” .
Na recuada e pré-socrática Escola Eleática, na península itálica, a que pertenciam Parménidas e Zenão, a verdade, em termos absolutos, referindo-se ao início do Universo, não podia ser determinada. Por conseguinte, ao isentar o Universo de um princípio, também o isentava de um fim.
No pensamento de Parménidas, o Universo era como um todo uno, imóvel e infinito. Para lá desta realidade existia o vazio. Ou seja, se se imaginar o horror que era o poder pensar-se em uma realidade inatingível – a infinitude do Universo –, o que não terá então sido, para aquela época, imaginar o horror do vazio que estaria para lá da realidade?
Os filósofos gregos criaram uma palavra para representar a ideia de uma existência não limitada por qualquer coisa, e que tinha, no seu entender, tanta ou mais precisão que a terminologia científica – ápeiron (ἄπειρον). Este termo fazia referência, não tanto à ideia de uma extensão sem limites, como entendemos o infinito, mas sim à origem de tudo o que existe.
Como é do conhecimento, qualquer coisa existente é-o em função dos seus limites. Se pensarmos num objecto qualquer, a primeira coisa que observamos, mesmo antes da sua funcionalidade, são os limites que o definem, que caracterizam a sua essência e o separam do resto que o rodeia. Numa célula, aquilo que, para além de a definir, permite que possa viver, é a sua membrana. Assim, tudo o que é, é-o dentro de limites e existe graças a esses limites.
Ápeiron assemelha-se a um magma indefinido, no qual, tudo o que existe, nasceu graças ao aparecimento de limites dentro desse magma. Não é de estranhar que, para além do seu poder criador, que confere mera existência aos elementos, se lhe reconheça também o poder de atribuir determinadas funções e, até mesmo, virtudes, àquilo que é criado.
Deva dizer-se que, antigamente, mas já na era corrente, o debate sobre o infinito real4, ao ser propriedade exclusiva de Deus, só no foro teológico é que era efectuado, não podendo ser feito no âmbito daquilo que hoje entendemos como a ciência Matemática ou Mathema, que significa – aquilo que se conhece, ou todas as formas do conhecimento –, sendo os Mathematikoi/Matemáticos os conhecedores ou os interessados no saber. O próprio neo-platónico Aurelius Agustinus – S.to Agostinho5 – afirmava que – “Só Deus e os seus pensamentos é que são infinitos” .
Em contrapartida, o aristotélico S. Tomaz de Aquino (séc XIII), na sua Summa Theologiae, defendia que,” apesar de Deus ser omnipotente e ilimitado, não podia criar coisas absolutamente ilimitadas”
Galileu, a quem coube a tarefa de pôr em causa as bases da ciência, segundo o pensamento aristotélico, em conjunto com as verdades bíblicas, ainda consideradas
3 Lomelino de Freitas (2019) na sua tese de Mestrado, acerca dos Manifestos Rosa-Cruz, afirma, citando Paracelso – que quem argumenta apenas com palavras e não se baseia nas suas próprias obras e experiências, já perdeu a discussão, tanto na teologia como na medicina. Este pensamento estaria conforme o descrito na Fama.
4 O infinito só viria a ser tratado, matematicamente, no séc. XIX, por Georg Cantor, matemático russo-alemão.
5 Agostinho de Tagaste, mais tarde bispo de Hipona (séc. IV-Vda e.c.)
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dogmáticas no séc. XVI6, afirmava –”O conhecimento está escrito nesse enorme livro que temos aberto diante dos olhos, quero dizer, o Universo, embora seja difícil entendê-lo, se antes não se aprender a entender a linguagem e a conhecer os caracteres com os quais está escrito. Está escrito em linguagem matemática e os seus caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas, sem as quais é impossível entender uma palavra – sem eles, é como girar em vão num labirinto obscuro” .
A combinação da Matemática com a Teologia que, no dizer de Claudi Alsina Catalá, se iniciou com Pitágoras e caracterizou uma boa parte da Filosofia religiosa da Grécia e da Idade Média, prolongou-se, aproximadamente, até à actualidade.
No tempo dos Pitagóricos, a Matemática não era uma mera actividade científica, mas, inclusivamente, um instrumento utilizado para poder explicar e compreender o Mundo, do ponto de vista da Lógica. Muito possivelmente, este posicionamento teria sido o resultado da influência das doutrinas e dos conhecimentos, no âmbito da Matemática e da Astronomia orientais, que Pitágoras, de Samos teria assimilado, aquando das suas deambulações por essas terras (há quem defenda que teria chegado a estar na Índia), sendo também de destacar que este filósofomatemático grego do séc. VI a.C., fora contemporâneo de Buda, Confúcio e de LaoTsé
Os Pitagóricos vieram a constituir uma comunidade, cujas normas, baseadas na Moral, eram lidas todas as manhãs. Para estes amantes do Conhecimento, existiam cinco ideias-base.
A primeira defendia que o Universo fora criado e existia segundo um plano Divino, cuja realidade última não era material, mas espiritual, baseada nas ideias de número e de forma, sendo as próprias ideias comparadas a conceitos divinos, superiores aos da matéria e independentes dela.
A segunda postulava que a Divindade tinha criado as almas como entidades espirituais, constituindo cada uma um “número móvel” que habitava um corpo por um dado espaço de tempo, passando depois para um outro corpo – animal ou humano. Perante este facto, admite-se que os pitagóricos teriam sido vegetarianos.
A alma, na concepção pitagórica, era eterna, e só a purificação, através da observação de uma moral estrita e de uma vida de estudo, a libertaria deste ciclo e a faria unir à Divindade.
A terceira ideia-base admitia que no Universo existia uma ordem e uma harmonia interior, como resultado da união dos opostos – do bem com o mal; da luz com a escuridão; do masculino com o feminino; do quente com o frio...
A quarta defendia que, em termos de relações humanas, os princípios fundamentais seriam a amizade e a modéstia, devendo os homens e as mulheres levarem uma vida devota no seio de um grupo, em que tudo deveria ser partilhado e consagrado à criação dos filhos, em harmonia com o plano Divino. Era inegável
6 Na história do conhecimento, as duas realidades – Ciência e Fé – andaram por muito tempo entrelaçadas, só começando a despegar-se por volta do Renascimento, também conhecido por Renascença Este período histórico, que começa, sensivelmente, em meados do séc. XIV, em Florença, na Toscânia, muito graças à família Médicis, e termina no final do séc. XVI, atravessa o final da Baixa Idade Média e o início da Idade Moderna. Pode dizer-se que, com o surgimento do Movimento Renascentista, deu-se a quebra do monopólio do conhecimento detido, em grande parte, pela Igreja de Roma, se bem que esta ainda possuísse uma arma fatal – a Inquisição – para continuar a subjugar, sobretudo os povos do sul da Europa, do ponto de vista ideológico e cultural.
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nestas normas o ascetismo, a fim de estimular o estudo. No dizer de vários historiadores, Horácio, Séneca e Cícero, teriam seguido o normativo pitagórico7 .
Por último, a quinta defendia que as ideias divinas, subjacentes à criação e manutenção do Universo, tinham por base os números. Assim sendo, o estudo da aritmética era o caminho da perfeição, através do qual o indivíduo descobriria novos aspectos do plano Divino e das regras matemáticas que regiam o próprio Universo. Como exemplo deste conceito, da descrição matemática de fenómenos naturais, encontramos a harmonia musical que, como se sabe, pode ser caracterizada em termos quantitativos, relativamente à produção de acordos agradáveis, ou não, ao ouvido8
Esta inter-relação é plenamente justificada pelo facto do estudo da Música se encontrar em idêntico patamar ao da Aritmética, da Geometria e da Astronomia, incorporando o Quadrivium/Os Quatro Caminhos ou Vias da aprendizagem das Artes Liberais, desde o tempo da Antiga Grécia.
Os números sempre se encontraram ligados à sabedoria Divina ou Teosofia9 , sendo considerados como símbolos de uma escrita, porventura iniciática e, concomitantemente, transcendental. Desta assunção, resultou o adjectivar-se as mensagens encriptadas como mensagens cifradas (do termo francês chiffre – número ou algarismo). Em bom rigor, a utilização do termo cifra, só deveria ser aplicada quando as letras fossem substituídas por números.
Quando os algarismos árabes surgiram na Europa, os “contabilistas” mais ortodoxos substituíram, apressadamente, os símbolos numéricos por letras romanas, porque não podiam permitir-se efectuar as mais diversas operações quantitativas com os diabólicos símbolos –” com que Satanás tinha pervertido os árabes” ... Só que se tinham esquecido de um pequeno pormenor – do zero (0)10 –, somente existente nos símbolos árabes. E esta ideia estava de tal modo inculcada nas mentes que, ainda no séc. XVII, seiscentos anos após a morte do Papa matemático, Silvestre II11 –baptizado Gerberto d’Aurillac –, a Igreja mandou abrir o seu túmulo, a fim de poder constatar se os demónios, que lhe tinham inspirado a ciência árabe, ainda permaneciam no interior do seu corpo. Estávamos, então, no período de transição do Renascimento para o Iluminismo, ou século das Luzes. A Idade Média há muito que era passado, onde, por influência da Igreja, a transmissão da cultura numérica se viu um pouco estrangulada.
Ora este comportamento, que nos pode parecer bizarro, deve-se ao facto de, nas culturas hebraica e grega, as letras estarem intrinsecamente associadas a valores
7 No dizer de Claudi Alsina, a dispersão dos pitagóricos teria contribuido para a formação da Academia de Platão. Outras figuras do conhecimento, como Galileu, a par de Copérnico e de Leibnitz, foram igualmente reconhecidos como pitagóricos.
8 Consoante entre esses acordos existam intervalos ou proporções descritas como perfeitas, caso de uma quinta 4:3, ou de uma oitava 2:1, os sons seriam agradáveis. Contudo, já no caso de uma segunda, na proporção de 9:8, o som produzido é tido como dissonante...
9A designação de teosofia vem desde o séc. III, apadrinhada pelo filósofo neoplatónico Amónio Sacas, que foi o fundador da Escola Eclética de Alexandria e professor de Orígenes e de Plotino. Contudo, alguns teósofos têm defendido que a Sabedoria de Deus, associada à ética, é tão antiga quanto o mundo
A teosofia dever ser distinta do teosofismo, designação dada por Immanuel Kant às correntes filosóficas que crêem ver a presença de Deus em tudo o que existe. É que a teosofia vai mais fundo, ao procurar obter o conhecimento divino através de uma análise dos fenómenos da vida universal.
10 O 0 (zero) teria sido criado na Índia e “transportado” até ao Ocidente pelos Árabes.
11 Silvestre II era um monge beneditino que houvera sucedido a Gregório V no trono de S. Pedro, entre 999 (inversão do nº atribuído à Besta/Satanás 666) e 12 de Maio de 1003,
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numéricos, dando origem a que as palavras fossem susceptíveis de apresentar diversos significados místicos, consoante o resultado obtido na soma dos números relacionados com cada letra. Deste modo, as palavras tidas como as mais importantes, eram as que, numericamente, apresentavam maior valor.
Era evidente que, ao introduzir-se o símbolo – algarismo –, o significado dos termos seria completamente dissociado, fazendo-os perder a sua aura mística, uma vez que teríamos, por um lado, a palavra – com o seu inerente significado – e, por outro, o número – representando o valor de uma dada quantificação.
A simbologia dos números, ainda que seja susceptível de apresentar diversas versões, de acordo com a corrente místico-filosófica subjacente, tem um tronco comum, quer na Bíblia, quer nas Escolas pitagóricas. Filolau de Crotona (séc. V a.C.), filósofo grego e discípulo de Pitágoras, afirmava que –” tudo o que pertence à esfera do conhecimento deve ter um número, pois não é possível que, sem número, qualquer coisa possa ser concebida ou conhecida...
Na verdade, quando se percorre a história da Matemática, pressente-se a existência de uma alegada relação entre a magia e os números – que mais propriamente se deveria designar por aritmologia12. Esta relação é semelhante à que existiu entre a astrologia e a astronomia, ou entre a alquimia e a química
Mais recentemente, no séc. XVII, na tentativa de explicar matematicamente o Mundo, Kepler procurou relacionar as leis do movimento planetário com a harmonia musical. No seu livro Harmonices Mundi, de 1619, defendia que cada planeta tocava uma dada melodia, ao longo do seu posicionamento orbital relativamente ao Sol. Segundo a sua tese, as notas mais agudas eram então obtidas quando o planeta viajava mais próximo do Sol, o que correspondia à zona do periélio, onde também atingia maior velocidade, verificando-se as notas mais graves quando o mesmo planeta, na sua trajectória orbital, se encontrava na zona do afélio, em que registava uma menor velocidade.
A este propósito, Robert Fludd, célebre filósofo hermético e seguidor de Paracelso, publica na obra – Anatomiae Amphitheatrum – de 1623, uma gravura, em que mostra a mão de Deus a afinar o Monocórdio Celestial.
Tal como Kepler veio a constatar, a relação entre as velocidades, nas posições de proximidade e de afastamento, correspondia a intervalos harmónicos.
Mas, voltando aos primitivos pitagóricos... Se atendermos à sua ideogénese, verifica-se nela semelhanças ao que se encontra prescrito nas Tábuas da Lei mosaica, o que, segundo algumas interpretações, seria sinónimo de se estar perante uma sociedade religiosa secreta, dedicada à exploração dos mistérios dos números, chegando, inclusivamente, os principais dirigentes a praticar o celibato As mulheres eram também aceites – como iguais – em todas as actividades do grupo, e submetidas às provas para aceitação, ainda que as mesmas fossem bastante duras e prolongadas no tempo.
12 Aritmologia é a ciência que se ocupa dos números e da medição das grandezas em geral, distinta da Gematria, um tipo de hermenêutica ou de análise das palavras bíblicas, escritas em hebraico, às quais é atribuido um dado valor numérico a cada uma das letras que a compõem.
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Como os assuntos da matemática e dos matemáticos pareciam ser coisas tão estranhas, levou a que Sto Agostinho tivesse afirmado que –“o bom cristão deveria estar sempre de alerta, relativamente aos matemáticos e a todos os que fazem profecias ocas, pois existe o perigo de os matemáticos terem um pacto com o diabo, a fim de ofuscarem o espírito do Homem e o confinar às fronteiras do inferno”
Sócrates sempre se manifestou contra este tipo de empirismos de pseudociência, chegando a afirmar que –” Todo o Homem era capaz de entender as verdades filosóficas, quando usava unicamente a razão” –, separando, deste modo, os sofistas dos filósofos Os primeiros eram comparados aos mestres-escola, por se limitarem a divulgar o conhecimento de um dado fenómeno, ou de um tema decorrente, do qual diziam sempre saber muito, mas, na realidade, ignoravam a maioria dos factos componentes e envolventes, devido a se quedarem pelo que surgia à tona d’água e que era facilmente captado pelos sentidos. Ao contrário dos sofistas, os filósofos, ao reconhecerem saber muito pouco de um dado facto, ou acontecimento, procuravam continuar a investigar, até que fosse atingida a verdade
Quando se recorre às experiências de outros, ou a factos que se acredita existirem pela fé, é o mesmo que se estar a rebuscar na memória ou a viver num estado de contínua citação – situação que nunca poderá substituir o trajecto e a experiência que é inerente a cada um.
Cabe-nos então perguntar, qual o porquê desta permanente busca da verdade do conhecimento, por parte dos filósofos?
Ora esta atitude é justificada pelo facto de o Homem ser frequentemente confrontado com determinadas questões, para as quais, por um lado, não encontra as respostas exactas, mas, também por outro, não as pode ignorar ou voltar as costas. Assim, só existe um caminho a tomar. Metodicamente, e através de uma busca contínua, é que o Homem poderá conseguir solucionar os problemas, o que significa que essas questões só estarão resolvidas, quando houver uma conformidade entre o pensamento e os dados factuais, ou percepcionados como existentes, sejam eles de natureza material ou não.
Platão aduz uma outra justificação para esta busca contínua da verdade –”...só o verdadeiro saber leva a que se aja correctamente. Quando se age mal, é porque não se sabe agir melhor”. Daí, que seja imperativo alargar o conhecimento, uma vez que a capacidade de se distinguir o que é justo, ou o que é correcto, reside, não propriamente na Sociedade, no seu todo, mas na razão de cada um, o que significa que a responsabilidade e o dever de difundir o conhecimento, ou o saber seguro, é de quem sabe utilizar a razão, porque só esta faculdade é que permite ao Homem discorrer, conhecer, compreender e distinguir a relação das coisas – o que é verdadeiro do que é falso, o que é o bem do que é o mal.
Sócrates acreditava na existência de regras, ou normas, eternas e intemporais, que regiam o conhecimento para se atingir a verdade. Quando o ser humano utilizava a razão, como atrás se disse, era capaz de compreender essas normas imutáveis, uma vez que a própria razão era igualmente eterna e imutável
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No seu idêntico interesse pelo que é eterno e imutável, Platão procurava obter uma realidade que contivesse estas duas características, mas que fosse, concomitantemente, bela e boa em si, e que englobasse tanto a natureza como a moral. Pergunta-se então, porque é que a verdade deve estar ligada à eternidade e à imutabilidade?
Ora, na visão de Platão, tudo o que pertencia ao mundo dos sentidos era composto por matéria, ou por aquilo a partir do qual as coisas eram feitas, que, com o decorrer do tempo, era consumida, não deixando à existência qualquer elemento que fosse eterno. Deste modo, nunca se poderia ter um saber seguro acerca de qualquer coisa, uma vez que a mesma estava constantemente a ser alterada, remetendo o Homem para um conhecimento baseado em opiniões incertas ou em suposições. E, como se sabe, a percepção que se tem de um dado fenómeno ou ocorrência, ao englobar múltiplas variáveis, desde a esfera comportamental à circunstancial, é susceptível fazer com que a realidade, que é percepcionada num dia, possa vir a ser diferente num outro.
A propósito de realidade, na transição do séc. V para o séc. IV a.C., Leucipo e o seu discípulo Demócrito de Abdera, ao admitirem que as transformações observáveis na natureza não significavam que tudo se tivesse que alterar, então, era porque “as coisas existentes teriam que ser compostas por elementos pequenos, invisíveis, unos e indivisíveis” – os átomos –, facto só desmentido nos finais do séc. XIX, em 1897, por J. J. Thompsom, quando descreveu que o átomo tinha um núcleo rodeado por uma nuvem de electrões, abrindo caminho para que se espreitasse o mundo subatómico.
Ernest Rutherford, que haveria de lhe suceder na direcção do laboratório Cavendish, em Cambridge, em conjunto com Hans Geiger e Ernest Marsden encarregar-se-iam de o fazer. Ao bombardearem o núcleo com radiação/partículas alfa13 , verificaram que ele não era maciço, pois continha outras partículas. E assim se chegou à descoberta da 2ª partícula subatómica – o protão
Ainda que Rutherford concebesse a existência de outras partículas nucleares, que deveriam ter carga neutra – os neutrões –, estes só haveriam de ser descobertos, em 1932, por James Chadwick em conjunto com o casal Frédéric e Irene Juliot-Curie. O neutrão, ao ser utilizado para mediar as transmutações nucleares, seria o esteio para a criação da energia nuclear e para a construção da bomba atómica Recuando um século destes acontecimentos, indo ao séc. XIX, John Dalton havia postulado que –”...todo o comportamento químico da matéria, em geral, só pode ser explicado, se esta for considerada como um aglomerado de átomos, cujas propriedades não divergem muito das que tinham sido propostas pelos filósofos atomistas gregos”.
A tabela de John Dalton, que hoje tem, inegavelmente, o seu valor histórico, viria a ser alterada, em 1869, pelo físico-químico russo – Dmitri Ivanovic Mendeleev (Дмитрий Иванович Менделеев) –, que construiu a primeira versão da tabela periódica dos elementos químicos, prevendo, inclusivamente, as propriedades de
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13 São núcleos
de He4 2
atómicos
elementos que ainda não tinham sido descobertos, nem sequer mencionados, em termos de número atómico14 e número de massa15 .
Independentemente do que fora então verificado acerca da estrutura atómica, que acabaria por negar alguns dos postulados da teoria de Dalton, os resultados das reacções químicas, por ele efectuadas, não vieram a sofrer qualquer alteração. O conceito de elemento16 estava bem consistente, graças à lei da conservação da matéria proposta por Lavoisier.
Para Dalton, a diferença entre os elementos, estava no facto de os átomos que os compunham serem também diferentes, devido ao seu peso atómico característico. As combinações entre eles, para formarem compostos (o conceito de molécula17 ainda demoraria alguns anos), encontravam-se bem determinadas, graças às leis ponderais de Lavoisier, de Proust e do próprio Dalton.
A Natureza era, para Lavoisier, como um grande laboratório químico, onde se produzia todo o tipo de separações e de composições – o solve e o coagula alquímico. No entanto, ainda havia uma certa magia, porque muita coisa acontecia sem se saber bem o porquê.
Sobretudo, a partir da II Guerra Mundial, com a construção de aceleradores/colisadores de partículas, com vários Km de extensão, e energias na ordem dos GeV18, ao terem proporcionado a descoberta de novas partículas, fez desvanecer grande parte dessa magia. E tal foi a profusão encontrada que, a partir da década de 60, teve que se começar a arrumar a casa. O protão e o neutrão, ambos constituídos por quarks19 , ficaram incluídos na classe dos hadrões, sendo o electrão, o muão e o neutrino, colocados na classe dos leptões20
Aqui chegados, podemos então dizer, que os quarks e os electrões são as partículas elementares, os actuais verdadeiros “átomos” indivisíveis da natureza.
Para Platão, na subjacência desse mundo sensível, ou palpável, existia o mundo das ideias, dos arquétipos ou dos modelos espirituais ou abstractos, a partir dos quais se formavam os diversos fenómenos com que o Homem se deparava na natureza. Inclusivamente, esta duplicidade conceptual, também se aplicava ao próprio Homem, uma vez que o seu corpo, ao pertencer ao mundo sensível, acabava por se degradar e deixar de existir, enquanto que a alma, que o Homem também possuía, era imortal. Esta concepção, que não era propriamente platoniana, pois já existiam na Ásia, séculos atrás, idênticas formulações, viria a ser retomada por Plotino, na 2ª metade do século III da era actual.
No entanto, na opinião de Aristóteles, Platão estava a pôr as coisas ao contrário. Ainda que concordasse com o seu Mestre, de que o que é material flui ou
14 O número atómico é referido relativamente ao número de protões existentes em um núcleo atómico.
15 O número de massa consiste na soma de protões com os neutrões que compõem o núcleo atómico
16 Um elemento químico é uma substância química pura, formada por um único tipo de átomos e distinguem-se uns dos outros pelo número atómico.
17 Grupo de átomos que se mantêm juntos, graças a ligações covalentes, sendo electricamente neutro.
18 GeV – giga (109 = 1 bilião) electrões volt
19 Designação proposta por Murray Gell-Mann e George Zweig. Estão descritos 6 tipos – up, down, charm, strange, top e bottom.
20 Existe, para além do electrão, do muão, e do neutrino. o tau. Os neutrinos podem ser do tipo do electrão, do muão ou do tau. Quanto às partículas transportadoras de força são consideradas: os fotões, os gluões e os bosões Z e W
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se desgasta, contudo, a ideia ou o modelo abstracto de qualquer existência, ou de qualquer fenómeno, só se poderia formar na mente, após o Homem ter tido contacto com o mesmo. Equivale isto a dizer que, para Aristóteles, não existia qualquer arquivo prévio de coisas ou de fenómenos, antes do Homem ser deles testemunha. “Tudo o que existe, em termos de pensamentos e de ideias, chega à consciência através dos sentidos” – afirmava
Igualmente, no entender de Aristóteles, a razão, inicialmente existente, era uma razão potencial –“a característica mais importante do Homem, através da qual lhe era permitido ordenar as percepções em diferentes grupos e classes” Só que, esta razão estaria completamente vazia, até que as percepções fossem recolhidas. O mesmo é dizer, que o Homem não possuía ideias inatas.
Para ele, a origem do conhecimento encontrava-se, precisamente, na captação de coisas concretas pelos órgãos dos sentidos, captação essa que iria servir de trampolim para permitir ascender ao patamar universal, onde residia o autêntico conhecimento. Tal significa, que o processo, agora enunciado, não difere, em tese, do que hoje se realiza, quando se pretende passar do particular para o geral, ou seja, –quando se infere. Assim fazendo, o sábio era capaz de descobrir as causas e os princípios dos acontecimentos.
Contudo, Aristóteles desdenhava o conhecimento técnico, ou seja, o detido por quem não se elevava até às causas e aos princípios, mas que preferia ficar no patamar inferior, na experiência prática baseada no ensaio e no erro. “O conhecimento, baseado no concreto, não era próprio dos sábios, mas de artesãos – afirmava.
Francis Bacon, que chegou a diferenciar a ciência da técnica, criticou o desprezo de Aristóteles pelo conhecimento artesanal, afirmando – que a separação da tradição culta da artesanal, induzia à confusão em todos os aspectos do Homem –, tendo, inclusivamente, censurado os aristotélicos, por se dedicarem à defesa da forma dedutiva nas suas teses e se terem esquecido do contacto com a realidade.
A ciência/episteme, na visão de Aristóteles, devia ser encarada de um modo prático, e não de uma forma meramente especulativa ou teórica, sendo assente em factos do senso comum, a par da sua focalização no criar a felicidade e a excelência dos cidadãos.
No livro que alguns autores pensam tratar-se de uma dedicatória a seu filho, cujo nome era o mesmo de seu pai – Nicómaco – A Ética a Nicómaco –, defende que todas as artes e ciências se deviam orientar para o exercício do bem, chegando a apresentar a própria política como se se tratasse de um fino constructo, a que denomina a filosofia das coisas humanas, na subjacência da qual pontuavam a moral e a filosofia política.
Esta obra tem um particular interesse histórico, no dizer de vários especialistas, dado ter sido determinante no estudo da realidade social. E de tal forma o foi, que estendeu a sua influência, segundo Hobbes, até ao séc. XVII.
Assim, não é de estranhar, e apesar das diferenças verificadas, que muitos pensadores na Idade Média se sentissem identificados com as teses aristotélicas, indo ao ponto de defenderem uma continuidade ideológica desde essa longínqua época grega.
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Os Estóicos, tal como Heráclito, eram de opinião que os homens participavam da mesma razão universal ou do mesmo logos. Para eles, cada homem era um mundo em miniatura, um microcosmo, que reflectia o macrocosmo.
Os racionalistas, como Descartes e Espinosa, consideravam que o fundamento de todo o conhecimento humano residia na razão, enquanto os empiristas, como Jonh Locke, George Berkeley e David Hume, defendiam que o conhecimento, acerca do mundo, provinha da experiência sensível, ainda que Hume tenha chamado a atenção para o facto de existirem limites a esse conhecimento, relativamente às conclusões a que se poderiam chegar, quando as mesmas resultassem, unicamente, das sensações.
Descartes, que prescindia da autoridade para alcançar a verdade, aquilo a que comummente se designa por Magister dixit, ao invés, exaltava o ser humano como um ser pensante que, se utilizasse o método do conhecimento racional, por ele advogado, poderia estabelecer, indubitavelmente, todo o conhecimento. Segundo a sua ideia, o conhecimento tinha que assentar em intuições evidentes, claras e distintas, a par da análise e da síntese dos problemas. A este suporte filosófico, veio a juntar a sua aposta firme na matematização da realidade.
Deste discorrer, levanta-se então a questão, relativamente ao que se poderá vir a saber sobre o Mundo. Será que o Mundo é, tal como é captado pelos sentidos, ou como a razão o representa?
Kant21 estava de acordo com os empiristas, de que o conhecimento se devia às sensações. No entanto, era através da razão que se conseguia compreender os factos que ocorriam no Mundo e que constituíam essas sensações.
Como é dado constatar, Kant não descurava, nem a natureza empírica do Homem, dominada pelo instinto/intuição e pelas inclinações, nem a natureza racional, sustentando, também, que o “tempo e o espaço, propriedades da consciência, eram duas formas da intuição humana”. Dito por outras palavras, significa que a compreensão das coisas, no tempo e no espaço, é inata no ser humano, o que lhe permite ter a “percepção” da ocorrência de um facto, antes de ele vir a acontecer.
Deste modo, pode inferir-se, que a consciência não se limita ao registo das sensações, uma vez que concorre para determinar a concepção que o Homem tem do Mundo. Neste aspecto, Kant estava de acordo com Hume, ao afirmar –”...que não se podia saber, com toda a segurança, o que as coisas, ou o Mundo, são em si. Apenas, o que o Mundo é para o Homem.” Ou seja, como é que as coisas ou os factos, que ocorrem na natureza, são interpretados pela razão humana.
Enquanto David Hume dizia que não podia provar as leis da natureza, Kant acreditava provar a validade absoluta dessas leis, ao mostrar que se estava a falar de leis do conhecimento humano, ainda que alertasse para a existência de claros limites
21 Até ao Renascimento, o estudioso da natureza era conhecido como um filósofo natural, um erudito que não necessitava da matemática para estabelecer o conhecimento do mundo e para o qual o esquema conceptual de Aristóteles seria a ferramenta adequada.
No Renascimento, em contraste com a tradição culta, mas estéril, encerrada nas Universidades, e na sua elite de professores que se encontravam afastados dos objectos que pretendiam estudar, surge um interesse crescente pelo que ocorria fora do aprendizado das Escolas É que, na verdade, os artesãos eram possuidores de grandes conhecimentos, ainda que em bruto Quando essas maravilhosas informações começaram a despertar o interesse dos ditos intelectuais, foi então possível sistematizálas e publicá-las, dando delas conhecimento ao grande público.
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a esse conhecimento, uma vez que o Homem nunca poderia atingir uma verdade absoluta – através da razão –“acerca da existência de Deus e da alma, da finitude ou infinitude do Universo...” Se, de facto, nem a razão nem a experiência eram subjacentes a um fundamento seguro para o verdadeiro conhecimento dessas existências, Kant advogava que essas mesmas questões tinham que ser deixadas no domínio da fé Em contrapartida, deveriam constituir, isso sim, os pilares fundacionais para a moral, os “postulados práticos”, necessários à praxis humana. Assim sendo, do ponto de vista da moral, era necessário pressupor a existência de Deus.
Relativamente à moral, Hume considerava que, nem a razão nem a experiência, eram capazes de estabelecer a diferença entre o que é justo, daquilo que o não é. Só através dos sentimentos se conseguiria fazer essa distinção. A esta afirmação, Kant contrapunha com o facto de cada homem possuir uma capacidade inata para poder reagir ao que se lhe depara como sendo justo/correcto, ou o seu contrário, embora essa capacidade de avaliação, designada por consciência, fosse susceptível de variar de pessoa para pessoa, modelada pela vivência, ou aprendizagem, e pelo modo individual de agir. Para ele, a consciência de cada um era inerente à sua razão, a qual designava como razão prática, uma espécie de guia da moral.
Ao formular a lei moral, como imperativo categórico, Kant entende que ela é válida em todas as situações. Segundo esta lei, que descreve a própria consciência, “o Homem devia ser tratado como um fim em si, e não como um meio para o alcance de alguma outra coisa” .
Como afirma Marta Nunes da Costa22 –“Se só a vida humana tem história, isso significa que o ser humano tem o poder de reescrevê-la, assumindo uma premissa teleológica de que a razão está incarnada na cultura e civilizações humanas. A partir do momento em que se assume a premissa das causas finais, o mundo natural, através da racionalidade do ser humano, passa a ter um destino racional, ou seja, moral” .
Quando o Homem age em consciência, as dúvidas tendem a dissipar-se, porque só ela (a consciência) possui a capacidade de iluminar a compreensão; da mesma forma que o Homem, só poderá atingir a felicidade, quando realizar coisas que, em consciência, sente estarem correctas.
Caros Amigos, para se chegar ao conhecimento da verdade, como se pôde verificar, existe um longo caminho a percorrer, que implica esforço e um espírito desperto e perseverante. Se quiséssemos resumir, o que atrás tentámos esboçar, diríamos que a verdade só poderá ser atingida, quando os factos, recolhidos pelos sentidos, forem analisados pela razão e aprovados pela consciência.
Tendo em conta que as palavras, relativamente ao tempo despendido, devem ser semelhantes às operações efectuadas com logaritmos – operações simples com números pequenos que representam grandes quantidades – não me irei alongar mais.
Permitam-me que termine com uma questão e uma citação. A questão prendese com a Vida, tendo sido colocada pelo físico teórico Jim Al-Khalili –” Se somos apenas constituídos por átomos, o estar vivo é, claramente, mais alguma coisa do que uma questão de complexidade estrutural, pois um organismo vivo não é mais complexo, em termos
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Marta Nunes da Costa (2020): Kant. IN História da Filosofia Política. Cap. XVI. João Cardoso Rosas (coord.). Editorial
da sua estrutura atómica, que um organismo idêntico acabado de morrer. Então, como poderemos arranjar uma fórmula que signifique o que é estar vivo?”
A citação é de Maria Salomea Sklodowska, conhecida por Mme. Curie que afirmava – “Estou entre aqueles que pensam que a ciência tem grande beleza. Um cientista no seu laboratório não é apenas um técnico, é como um menino em frente dos fenómenos naturais que o impressionam como num conto de fadas. Não devemos permitir que se acredite que todo o progresso científico se pode reduzir a mecanismos, máquinas e motores, embora essa maquinaria tenha também a sua própria beleza. Não creio que o espírito de aventura corra o risco de desaparecer no nosso mundo. Se observo à minha volta algo especialmente vivo, é precisamente esse espírito de aventura, que parece indestrutível, que está relacionado com a curiosidade.
É, na verdade, esse o espírito que fez nascer a Ciência e que a manterá viva, enquanto os seres humanos e a sua curiosidade existirem, para bem da Humanidade
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