INVIS IBIL IDADE I
INVISIBILIDADE URBANA I
Em março de 2014, os alunos do primeiro ano da Escola Viva visitaram o centro da cidade de São Paulo e entraram em contato com os mais diversos personagens e espaços da vida urbana. Sensibilizados, os alunos escreveram crônicas que procuram dar voz àqueles que nem sempre conseguem existir em meio ao caos da metrópole e observaram a geografia de uma cidade em constante mudança. Olhar para as frestas de asfalto que passam despercebidas e dentro das quais nasce a flor e a náusea, desafiar os papéis sociais e trazer à tona o que há debaixo do betume das calçadas sobre as quais distraidamente andamos é o objetivo desta coletânea. As ilustrações foram produzidas reutilizando -se imagens dos trabalhos em artes visuais.
Professora Gabriela Fonseca Professora Flávia Arruda
Lata de Sardinha Sociedade “Metroeira”
Beatriz Zimmermann
Uma Manhã na Capit al Paulista
Bruno Bourdon
Centro
Luiza Lobo Zeballos
Listras Brancas
Isabel Chapuis
Não existe amor em SP Prefiro Não Enxergar o Que Meu Coração Não Tolera
Carolina Righi
Hoje é Só Mais Um Dia
Carlo Sabino
O Mendigo Exigente
Francisco Ribeiro
Apesar de Tudo
Gustavo Gouveia
Ostentadores, Preco nceituosos e Mimad os
Juan Zeballos
Nas Ruas
Victoria Angueira
Os grafites gritam... Porão do Skate
Matheus Bovo
Preconceito Social
Maitê Araújo
Uma Visita a uma São Paulo Difere nte
Pedro Tatit
Um Olhar Diferente dos Cidadãos
Marina Braga
Skate São Paulo: Cultura e Arte
Marcelo Avallone
Necrotério Mortos Apaixonados
Bruno Fiore
O Rei
Pedro Silva
Chusma de Anjinhos
Ricardo Sampaio
A Guia dos Túmulos
Victor Aliperti
Lágrimas Eternas
Marina Di Ninno
A Desolação de Um Cemitério
Thomas Neuber
Lata de Sardinha
Sociedade “Metroeira”
Be at r i z Zi m me r m an n
Meus dias são sempre um saco. Por isso é interessante observar pessoas no metrô... Quero animar! É no rmal ver um bêbado ou drogado por lá. Na verdade sou superamigo de todos. Outro dia flagrei um rolezinho no metrô, e m que os int egrantes tinham aparência p obre e podre e desciam até o chão ao som d o MC Daleste. Me chamaram para dançar. Recusei, não sabia rebolar. Mesmo assim eles insistiram. Fui pro meio do vagão segurei no assento para não cair. A bri as pernas e... Tum!TáTá!,tum,t á,tá! Arrasei, amiga! Aplausos e mais aplausos. F ui claramente elogiado pela minha ilustre presença. Eu meio que gostava de ser reconhe cido. Sentei novamente e calei a boca. Uma t ransexual colocou suas pe rnas entre as minhas e me perguntou se eu ia na parada LGBT e se simpatizava co m o movimento Feminista. Imediatamente respondi que sim. Achei que ela.. ou ele, ah, sei lá, iria me bater se eu dissesse não. Voltando ao agora me enc ontro sentado no metrô de novo e dessa ve z observo mais um role zinho. Os integrantes são animados e com seus fones ouve m MC Daleste. A aparência deles é de uma rica grandeza aquisit iva. Admito que não me contenho. Antes de descer do vagão grito : ― ROLEZINHO DA CLASSE A!!! Acho que eles se ofe nderam...
Uma Manhã na Capital Paulista Br un o Bo ur d o n
Como todo dia acordei as 6:30 da manhã com o meu despertador tocando loucamente. Queria mat á -lo. Preparei meu café da manhã fui colocar meu terno . Sempre atrasado . Peguei o ônibus sentido centro. Por sorte, peguei uma cadeira livre do lado da janela. Dura nte meu percurso fiquei observando as pessoas indo para seu trabalho em uma típica manhã de quinta-feira paulistana. Co rriam como não se houvesse amanhã. Quanto mais pe rto do centro, mais parecia que o tempo corria. Eram mais pessoas e com uma pressa enor me. Desde universitários até ambulantes, todos eles tinha uma missão para cumprir em u ma hora ou um minuto paulist a. Depois de quarenta minutos confinado em um ônibus amarelo e branco superlotado , com gente fedorenta e suada , por pouco eu consegui chegar ao meu trabalho. Mas amanhã é um novo dia com a mesma missão.
Centro L ui za L o bo Ze ba l l o s
Primeiro dia da viag em para o centro da Cidade de São Paulo. Não esperava nada de especial. S abia que ia ter miséria, uma realidade diferente da que eu vivo. Sete e quinze da manhã. Estava animada, andando na rua, porque seria minha primeira vez em ônibus público. Queria sabe r como era junto com as pessoas próximas da escola. Sei lá, achei diferente. Acho que a Escola Viva faz a gente sentir na pele a realidade da nossa sociedade, pra nós não vivermos só o nosso “mundinho” de Clube Pinheiros, viagens, shopping, etc. Pegamos acho que dois ônibus e os dois não estavam muito cheios, então não deu para sentir direito o que as pessoas passam na “hora do rush”. De pois dos ônibus andamos uns dois quilô metros pela cidade e fomos para Praça da Sé. E lá, me surpreendeu a quantidade absurda de mendigos. A cho que tinha mais de quinze mendigos naquela praça e as pessoas andando normalment e como se eles não e xistis sem. No meio da praça tinha um homem tocando cavaquinho e uma roda de pessoas aglomeradas em volta dele. No meio da roda, uma mulher totalmente drogada dançando com o olho virado pra cima e falando sozinha. Le mbro dela dizer “A s árvores estão cantando”. E la usava um shorts azul -turquesa colado e uma blusa que mostrava a barriga
com
suas
gordurinhas
estavam
à
mostra.
aproximadamente u ns trinta anos. Será que ela queria estar posta naquela situação?
Ela
parecia
ter
Listras Brancas I s ab e l Ch ap ui s
Fecho a porta de casa, mas não tranco. Uns vinte passos até a portaria. O porteiro abre o portão , murmuro "obrigada" e vou para a direita. Desço a rua, direita de novo, ando ando ando, paro em frente a faixa de pedestres e espero um, dois minutos . A duração é de cinco. O farol fe cha e eu ando até o outro lado da avenida. Às ve zes sou obrigada a aguardar no canteiro verde entre uma pista e outra - um lugar desagradável de ficar - mas sempre acabo do outro lado da mesma maneira. Posto de g asolina, o outro far ol fecha, mais algu ns passos e estou na livraria. O simples trajeto veio a minha mente enquanto vivenciava a mesma situação de outra forma. Barão de Itapetininga e Xavier de Toledo, apertada entre um menino da escola e uma mulher rechonchuda de óculos escu ros e blusa de oncinha. Sou levada rua adentro. É um longo cruzamento, a mulher se perde logo no início , mas u m senhor de bigode a substitui. Alguns poucos metros até o senhor não estar mais ao meu lado. Uma pessoa vinda do sentido contrário esbarra forte em meu ombro e sou jogada bruscamente contra o menino à minha direita, tento pedir desculpas, mas as buzinas soam mais alto e , co mo sei que não foi minha culpa, não me aborre ço muito. Perto da escola, qu ando vou almoçar salada no shopping, cada passo se torna uma aventura. Apenas co rro de olhos fe chad os. O vento na cara e o coração batendo forte, esperando não ser atropelada. Quando chego ao canteiro, metade já fo i. Corro de novo e, ao chegar na calçada paro e assisto as meninas fazerem o mesmo trajeto. U ma delas grita. Nos reunimos novamente e me deixo sorrir, pois nenhuma de nós morreu . Não hoje pelo menos. Às vezes os carros passam mesmo no sinal vermelho. N ão gosto deles. Outras vezes param no sinal verde. Isso é legal, vou fazer isso quando eu puder dirigir. Numa cidade tão grande até o modo de atravessar a rua mu da. O semáforo inimigo perto de casa; os carros que não nos atropelam em nossa aventura por salada; a t ravessia sufocante do centro da cidade, tão esmagadora quanto pista premium de show internacional. Em São Paulo cada esquina tem seu jeito, cada rua a sua regra, cada listra sua maneira.
N達o existe amor em SP
Prefiro Não Enxergar o Que Meu Coração Não Tolera
Car o l i n a Ri g h i
Há alguns minutos eu viajava em outro mundo. A única coisa que impedia meu sono eram os pequenos galhos da árvore que caiam na minha cabeça. Infelizmente não sou nenhum Deus para parar o vento de São Paulo e outros diversos problemas que aqui existem como por exemplo essas formigas que sobem nos meus pés em busca de alimento. Mal elas sabe m que eu só piso em merda, inclusive daquele mendigo espatifado a dois me tros de mim. Que d roga que ele usou hoje? Talvez uma que não o deixasse esfomeado de novo. Enquanto vemos pessoas que choram por não ter comida, no restaurante ali ao lado há criança s que choram po rque não querem comer. São tão frias que quando satisfeitas, jogam fora todo o alimento que restou. Triste é saber que, para nós, que vadiamos nessa pra ça, resto não existe. Rezamos para que um dia possamos passar pela sensação de sentirmo -nos satisfeitos. Quem sabe a Dilma não distribui marmita por aqui antes das eleições, co mo ela fez há quatro anos? Ela é uma pessoa extremamente leal, além de ser tão bo ndosa. Enquanto o país irá receber milhões de torcedores, ela nos abriga, nos alimenta, e nos veste. Graças a Deus existe alguém com o coração humilde. Ouvi dizer que ela aumentou o seguro desemprego. Flavinho , o bandido do farol, estava procurando emprego , pois dizia que o dinheiro roubado não dava conta de pagar as dívidas. Agora, pode deixar de assaltar tranquilamente. Esse ano foi abençoado. Dilma conseguiu dar uma m ãozinha para o pessoal aqui da pra ça. Gozado é que foi bem na v éspera da elei ção. Maria, com 13 anos, começou ir à escola, coitada. Teve que aprender a ler para arranjar um trabalho que pudesse ajudar nas despesas da sua casa. Mas agora que a Dil aumentou o bolsa fam ília, a crian ça pode ficar de cabe ça fria porque mesmo qu e sua m ãe engravid e mais dez vezes, a prefeita é capaz de roubar uma graninha do povo para ajudá -la, e em tro ca, re ceber votos das grávidas que precisam de um amparo.
Eu voto na Dilma. Ainda assim, no fundo, no fundo, sei dos seus defeitos. Infelizment e, vivemos em um país onde os direitos não são iguais para todos. Enquanto veste um, despe outro. Não recebo comida por humildade. Para muitos, sou invisível e excluído. Minha presença é insignificante . Sou uma vergonha para os gringos que daqui a um mês me verão. Mas n ão posso negar que a única coisa que me mantem vivo é aquela marmita que a prefeita me dá. Se é pouco? É muito pouco. Ela podia fazer melhor? Podia. O pouco qu e ela faz é para ganhar o meu voto? É. E ainda assim voto nela? Voto . Porque mesmo com os sujos e poucos atos essas são as únicas coisas que mantem o meu coração batendo. E eu prefiro continuar achando que ela faz just iça. Prefiro continuar
me
enganando.
Porque
segundo
Shakespeare, o
enganador deve ocultar o que o falso cora ção sabe .
rosto
Hoje é Só Mais Um Dia Car l o S a bi n o
Hoje é mais um dia, exatamente igual a todos os dias dos últimos dois anos. A maioria das pessoas me vê assim… andando e e sperando… como se meu dia fosse apenas isto… and ar e esperar. Meu dia não é feito apenas de “andadas e esperadas”, e, cá pra nós, minha vida seria boa pra caralho se eu apenas andasse e esperasse. Eu não vejo esse caras como namorados e eu não gosto deles nem um pouco. Eu vejo esses “pseudo comedores” como uma o port unidade de sustentar meu filho e de manter minha casa em pé. Eu confesso que eles são um bom jeito de me distrair do meu marido . Meu marido já é outra história, ele tem muitos defeitos. O principal é sua mão, uma mão estranhamente grande que dói mais do que o normal, principalmente quando ela acerta minha cara. Caminhando por estas ruas eu vejo que não estou tão na merda quanto eu acho. Eu até chego a ter pena de pessoas, como aquele velho sujo fumando crack fedendo a mijo e daqueles estudantes qu e olham para mim como se e u fosse algo a ser est udado. Eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo quer que eu me foda. Clientes passam, minha bunda dói e minha dignidade vai embora. Hoje é só mais um dia.
O Mendigo Exigente F r an c i s c o Ri be i r o
Em um domingo, eu e minha família fo mos almoçar num lu gar no centro de São Paulo. Em um restaurante perto da Praça da Sé, bem arrumadinho
e
bonito
até.
Estava
um
pouco
cheio,
mas
nada
desagradável, bem o contrário. Pedimos uma comid a que estava bem g ostosa, apesar de e u ter percebido que minha mãe não gostou muito da comida, pois fez uma cara “meio estranha” enquanto comia. Nem pensou em reclamar, pois meu pai não estava em um dia de bom humor, e já tinha ocorrido uma discussão entre eles. Enquanto comíamos, percebi que um senhor, que parecia ser um morador de rua, passava pelo restaurante muitas vezes, dando uma olhada bem comprida para dentro, co mo se estivesse “examinando o lugar”. Vi que um dos garçons també m percebeu o senhor. Então ele pegou o que parecia ser um bastão e o escondeu guardando em seu avental. E foi direto para a porta do restaurante. O
mendigo
estava
com
barba
e
cabelos
bem
grandes
e
embaraçados. Ele parecia estar com muit a fome, e quando passou mais uma vez pelo restau rant e, ignorando tot almente a presença do garçom, foi abordado por ele. E então o senhor pediu um prato d e comida, mas não era qualquer prato. Ele queria arro z, feijão, um filé carne “ao ponto”, macarrão com molho de tomate e uma e spiga de milho. O garçom, com a mão dentro de seu avental, deu uma gargalhada e mandou o mendigo embora como se e le fosse um cachorro. O senhor abaixou a cabeça e foi embora resmungando. Todos os clientes que estavam no restaurante voltaram a comer, como se aquilo fosse n ormal e o garçom tivesse apenas feito o trabalho dele e que o homem era um louco que estava atrapalhando o almoço delas. Achei aquilo um absurdo, e vi como as pessoas desta cidad e não são nada solidárias umas com as outras. E minha família e stava entre essas pessoas.
Apesar de Tudo Gus t av o Go uv e i a
Todos nos olhavam como se estivessem pensando: "O que esse bando
de
pessoas
imundas
est á fazendo
aqui?". Aqueles
meninos
engomadinhos, meninas delicadas com cabelos longos e lisos. Todos nos olhavam como se quisessem dar uma por ção de pão em nossas bocas "famintas" sentindo acima de tudo pena. Como se eu de sejasse algo daquelas crian ças. Ao mesmo tempo que eu via um olhar de pena no rosto daqueles jovens, via alguns de desd ém e superioridade. Como se eles fossem realmente superiores, com aquelas vidas pacatas e privadas. Não sabiam o que era viver, talvez fosse por isso qu e eu via a infelicid ade em seus rostos. Como se dá valor a um prato quente se nunca passou fome implorando por um peda ço de pão? Como se dá valor a uma cama quentinha se nunca dormiu na sarjeta fria e imunda de uma rua qualquer? Talvez fosse por isso que eles estivessem ali, para aprender a dar valor ao que tinham. Quando digo isso não me refiro a nenhum presente divino de Deus, Jesu s ou qualquer outra divindade dessas, que são criadas por alguma pessoa carente que se sente inferior a ponto de se drogar em busca de falsas ilusões d e vida eterna. Como se pode perceber, sim, sou ateu, mas não é disso que se trata. Vamos falar de dinheiro. Sim, o qu e é definitivamente real. Dinheiro , claro, é a única coisa que importa. Tanto que estamos no Brasil, país dos ladrões de colarinho branco. Se tem uma coisa que importa aqui é quanto você ganha. E apesar de todas essas crian ças ilu didas por s uas babás e mamães… Se estou bem? Um pouco tonto por causa das 12 balas que dropei noite passada com um pouco de Vodka. Acho que foi Vodka, é, acho que sim. Mas enfim, sim, estou bem sim, Gra ças a Deus.
Ostentadores, Preconceituosos e Mimados J u an Z e b al l o s
“Pobre é favelado , mas não rouba não” são as palavras que por impulso tive que vomitar sobre aqueles moleques que no protesto do MST colocaram a mala em frente ao corpo com medo de serem assaltados, aqueles ostentadores a lá o Mc Guimê cheio de p reconceitos e que nem sabem como funciona a sua própria cidade. Mal sabem eles que o dinheiro que eles têm é tirado de pessoas que recebe m o salário mínimo
e
têm
trabalhos
muito
mais
desgastantes
como
lixeiros,
proletários e constru tores. Não é preciso mu ita coisa para ser feliz. Eu sento, tomo minha cerveja e jogo truco com meus amigos, a gente fuma alguns cigarros e vê
futebol, contamos
casos
e
falamo s
sobre
as
mulheres. E
eles
precisando de roupas de marca, Iphones, tênis de 300 reais e colar de prata.
E
muitas
vezes
eles
nem
são
felizes,
eles
são
mimados,
preconceituosos e acima de tudo ostentadores ridículos. Eles não sentem a graça da vida, eles já têm o futuro pronto, eles vão a escolas de mais de 1.000 reais, ele s viajam e têm tudo nas mãos, e muitos ainda fazem drama para estudar. Eles sempre vão se r a mesma coisa: advogados, médicos, arquitetos, publicitários, etc...
O
pior
de
tudo isso é que não posso fazer nada, apenas reclamar. Vive mos em um mundo doentio onde ricos se tornam cada vez mais rico s, e para isso eles precisam arrancar de alguém, os mais pobres. Enquanto isso acontece, irei afogar as minhas mágoas sobre o mundo em uma lata de cerveja e meio cigarro que foi guardado no maço que roubei de um cara distraído no ônibus.
Nas Ruas Vi c t o r i a A n g ue i r a
Sinto o sol bater em minha cara. Começo a perceber algum movimento perto de mim. Me levanto , ainda sinto o movimento, mas agora ele está longe. Olho para frente e vejo um vulto. Não sei bem o que é, pois não deu para observar direito. Acho que é uma moça que sempre passa por aqui. Não é a primeira vez que isso me acontece. Na realidade, isso acontece com frequência. Já não ligo. No começo era difícil, pois nunca tinha passado por situ ação parecida. Sabe, eu era o dono de uma empr esa. Não estava acostumado a ser ignorado. Tinha mulher e duas filhas, que amava muito e ainda amo. Vivia em um mudo de luxúrias. Ah... era u ma vida tão boa. Dinheiro não era problema e muit o menos a infelicidade, mas sabe a vida faz com que as coisas mudem . Na
noite
do
aniversário
da
minha
filha
mai s
velha,
todos
resolvemos sair e como sempre eu estava dirigindo. Minha filha falou algo que me fez olhar para trás, mas quando olhei para frente de novo... a única coisa da qual eu me lembro é de ter aco rdado e m u m hospital. Lá me disseram que minha mulher e minhas filhas haviam falecido. Após sair do hospital, entrei em uma grande depressão, pois achava e ainda acho que eu havia causado a morte delas. Foi aí que eu comecei a me envolver com drogas, come cei a não ir mais para fábrica e gastar todo o meu dinheiro em drogas. Quando eu parava de me drogar, voltava o sentimento de solidão e as lembranças da minha mulher e filhas. Vendi a minha casa para comprar mais drogas. Ah... as drogas. Essa sim é a maio r cruz que carrego, chega a ser mais pesada do que a cruz que carrego por causa da morte das minha filhas e da minha mulher. Esse é o motivo por eu estar aqui hoje. A minha culpa. Com a qual vou ter que conviver ate morrer.
Os grafites gritam...
Porão do Skate M at h e us Bo v o
A Praça se m nós não é nada, a gente pre enche o vácuo do lu gar, e fazemos de toda aquela quietude interminável um ponto de encontro, um parque de diversões. É famosa pelos nossos conflit os com os “imponentes” policiais. Entre as ruas da Co ns olacão e Augusta lá está ela, agora, se mpre movimentada, a polêmica Praça Roosevelt. Foi construída na década 60, seis anos antes do meu nascimento, e por muito tempo foi frequentada por moradores de rua e era vist a por t odos como um lugar imundo e desprezível. Por volta de 1986 achamos esse “pico” e divulgamos nas escolas e para todos os amigo s que andavam de skate. Ele era muito precário, mal cuidado. Mesmo assim era o lugar favorito de todos aqueles que andavam de skate “street”. Depois de alguns anos andando ali, os moradores caretas achavam aquilo um absurdo, que era coisa de vagabundo e reclamavam do barulho! Agora aque le lugar que era invisível virou o centro de atenção de todos em volta, mas nenhum morador tem argumentos a favor. Entã o lá vieram eles, aqueles , sabe, que usam um 48 na cintura. Então, nós fomos expulsos. Finalmente,
em
meados
de
2011
a
Praça
foi
reformada.
Exuberante e apresentável, lá estava ela, vazia. O silêncio d ominava, a não ser pelos carros e busões lotado s. Frustrados, tentamo s conquistar aquele lugar, que, para nós era perfeito. Então fomo s para a Praça de novo e fomos expulsos. Mas agora o esporte já havia crescido e o “pico” era conhecido por t odos. O que fez com que a histó ria não terminasse a ssim. Lutamos, lutamos, lutamos e conseguimos, apesar de exaustos. Nos dias de hoje nó s podemos usufruir daquilo como se fosse o nosso skate. Apesar das no rmas de funcioname nto, nos divertimos mais lá do que em qualquer out ro lugar. Ob rigado São Pa ulo.
Preconceito Social M ai t ê A r a új o
O centro de São Paulo é uma das regiões mais movimentad as da grande metrópole brasileira. Gente de tudo quanto é jeito, andando para todos os lados. Durante os dias 26,27 e 28 de março, um grupo de estudantes, do qual eu faço parte , visitou o centro da maior metrópole do país. Enquanto andávamo s por ali, aconteceram fatos que deixaram todo um tanto quanto intrigados ou mesmo pensativos, por estarmos vendo cenas que não perte ncem ao nosso cotidiano. No primeiro dia d e passeio, visitamos alguns lugares, cuja visão e modo de pensar dos frequentadores são totalmente diferente s do nosso. Enquanto visitávamo s a galeria do rock os vendedores de uma das lojas tiveram certo preco nceito comigo e uma amigo que ali estávamos, apenas pelas roupas que vestíamos e como estávamos andando. Um dos três homens comentou, no momento que passamos. “Olha aquelas patricinhas ali!” e os outros dois riram. Nos julgou sem ao menos saber nossos nomes. Em outra loja, fui perg untas o preço do piercing e o vendedor disse com frieza “Para fazer um, primeiro você tem que fazer 18 anos”. Outra vez nos trataram com muita falta de respeito, mas por outro lado em outras lojas nos trat aram como rainhas. Os moradores do centro têm preconceit o com as que moram em outros bairros e vice -versa.
Uma Visita a uma São Paulo Diferente P e d r o T at i t
Era uma noite como outra qualquer, mas havia algo d iferente nela: A lua. Ela estava mais brilhante do que o normal. A luz da lua foi dando vida a uma noite fria e escura de São Paulo, dando espaço para os grafites grit arem dizeres de inspiração e de revolu ção. Os artistas de rua apareceram de sua toca e os skatistas foram para o grande Skate
Park que é a cidade. E foi com esses “artistas das quatro rodas” que nós da Escola Viva passamos a noite curtindo a arte do skate. O palco dessa noite mágica foi a Praça Rooseve lt, e foi lá que eu vi vários meninos de situações financeiras diferente s da nossa ensinand o e aprendendo co m a gente. Eles usavam roupas furadas, tênis sujos, camisas manchadas, mas eram ricos de conhecime nto sobre um mundo que nós da classe médi a desconhecemos e de srespeitamos. Essa saída serviu também para nos mostrar que a vida não é só aquilo que vemos na nossa janela que da para o shopping, e sim que sem preconceito conseguimos conviver em uma sociedade sem as barreiras financeiras e os limi tes do preco nceito.
Um Olhar Diferente dos Cidadãos M ar i n a Br a g a
Andando no centro de São Paulo, onde cada um registra aquilo que lhe desperta a atenção, positiva ou negativamente, há uma espécie de diálogo entre as pessoas que por ali passam . É um diálog o silencioso, baseado em fotografias, cenas e interven ções urbanas, tro cas de olhares. Duas pessoas percebem que há algo de errado no centro, não sabem o que é, mais sentem um estranhamento. Então, se aproximam e começam a conversar sobre diversos assuntos até que uma hora, uma das pessoas fala so bre as mudan ças que a cidade de S ão Paulo vem sofrendo, o quanto o homem está preju dicando a cidade, construindo e reformando as mais diversas constru ções que não paravam de construir cada vez mais, e às vezes sem nenhuma necessidade, apenas para desmatarem as árvores que “enfeitam” a cidade. Muitas perguntas su rgem nas cabeças de várias pessoas, porém a mais fo rte de to das está relacionada com todas as mudanças decorrentes em São Paulo. Papo vai... Papo vem... As duas pessoas chegam então à seguinte conclusão sobre São Paulo: tudo já foi diferente, com mais verde, pessoas mais alegres e dispostas a fazer as coisas e hoje tudo é lixo,
muita
coisa
em
relação
à
cidade
de
São
Paulo
mudou.
Simplesmente mudou. Essa frase explica muito bem a situação atual de SP. A cidade em si era maravilhosa e sem muitas intervenções do homem, suas construções em cima de árvores ou rios, torna m muitos elementos que estão presentes na cidade invisíveis para a sociedade, prejudicando a visão dos mesmos. Porém, hoje, São Paulo não basta de poluição, desmatamento, lixo por todos os lados. Hoje em dia, parece que as pessoas nem estão mais se importando com o espaço que elas mesmas vivem. Se formos pensar, S ão Paulo pode co me çar a melhorar em relação ao lixo, poluição , violência, desmatamento, entre outros, basta cada cidadão se dispor a ajudar e fazer sua parte.
Skate São Paulo: Cultura e Arte M ar c e l o A v a l l o n e
No ano de 1986 – 1987 o skate começou a crescer e todos os jovens entraram nessa “febre”. Em 1988, Ultra Skatepark abriu a primeira pist a que fez o skate crescer de verdade, pois desde então começaram os campeonatos amadores. Bob
Burnquist
(me lhor
skatista
de
mega
rampa
do
mundo
atualmente) també m começou a competir na época, e com todos os campeonatos e toda a criançada andand o, também já era de se esperar que começassem os campeonatos profissionais. Já em 1988 houve a realização do Sea Club – Overall, em São Paulo. Este evento contou com a
apresentação
do
“Pelé”
do
skate ,
Tony
Hawk
(então
campeão
mundial). Na década de 1990, a modalidade street se tornava uma das mais fortes, pois os skatistas não tinham que depender de pistas para andar. Além disto , as
manobras
também evoluíram e
ficaram
bem mais
diversificadas. E desde então as ruas são marcadas pelo skat e, de praças a avenidas comuns. Nos dias atuais vo cê pode ver que existem marcas pela rua e pelas paredes de skate e desenhos. O skate não só foi a criação de um novo esporte, mas sim de uma nova família. Em 2010 fui ao campeonato no IAPI onde vi a participação de Luan de Oliveira e entr e muitos outros skatistas profissionais. Lá fui falar com Luan, e nunca vi um “famoso” ser tão legal com um fã. Conversei com ele sobre skate e ele ainda me deu dicas, e depois disso percebi o quão forte é a amizade entre dois skatistas... o skate é “famíl ia”, disse ele. Com tudo isso, com toda essa cultura d o skate e toda essa arte representada pela cidade, posso dizer que me motivou muit o continuar andando e com certeza posso afirmar que motivou muitas outras pessoas.
NecrotĂŠrio
Mortos Apaixonados Br un o F i o r i
Extravagante, uma mulher caminha so bre os solos mort os do cemitério da consolação. As pessoas acreditam estar visitando parentes quando na realidad e é um verdadeiro canibalismo "necro -sexual" em que a tal conhecida musa dos mortos suga dolorosamente o resquício de alma dos pobres corpos ali enterrados. Com sua aparência peculiar, a tal mulher, de shortinhos jeans, grande
decote
e
calcinha
de
oncinha
comprada
no
sex -shop
do
cruzamento da Rua Augusta e a Rua Lorena por 12,55 reais e paga em doze prestações sem juros no carnê, caminha pelo cemité rio como se fosse Gisele. A
musa
chega
a
um
túmulo, onde se
encontra
seu
amigo. Descaradamente, a mulher puxa um estojo de maquiagem da bolsa, aplica gloss como se fosse a um encontro do colegial. Não satisfeita, retira de sua sacola um bom -ar. Ela o borrifa sobre seu amante já necrosado . As pessoas ao seu redor a observam, o cheiro de lavanda está no ar...
O Rei Pedro Silva
Lá
estava
eu,
so zinho,
no
fundo
do
poço,
minhas
únicas
companheiras eram as drogas que eu, na verdade, já tinha consumido. Sem saber mais como saciar essa minha solidão, resolvi fazer coisas que desafiassem a realidade, as leis da so ciedade, o básico, a me smice. Fui a um cemitério . Da va para sentir a tristeza no ar. E u via pessoas chorando, flores nas sepulturas. Escolhi o túmulo perfeito, me troquei em cima dele, fiquei de cueca e tênis, fui para cima do mausoléu ao lado e fiquei lá. Todos que passavam olh avam para mim, obviamente por conta de como eu estava vestido e do local onde eu estava. Eu me sentia como um rei e acho que em função das drogas, eu via as pessoas que passavam como servos. Eu era o centro d as atenções. Fiquei atordoado , eles estavam rind o de mim, zombando de mim. Crianças, adultos, t odos. Eu nunca me senti tão triste. Eu sempre t ive amigos, mas de repente eles acabaram comigo. A quilo era u ma revolta, eles riam de mim, apontavam, tiravam fotos. E u não podia deixar aquilo acontecer, tinha q ue fazer algo. Quando a próxima pessoa passou, eu a ataquei. Porém , ele era um policial... Eu ape nas ouvi um POW e muito sangue. E le me prendeu e tudo estava acabado : minha gló ria, minha fama, tudo...
Chusma de Anjinhos Ri c ar d o S am p a i o
De
ouro,
Independente
de
mármore
ou
como
fosse
madeira. o
Torre,
túmulo,
capela
ou
Bartolomeu
lápide.
estava
lá,
protegendo e se relacionando co m quem o habitava. Tal homem se dife renciava por sua honestidade. Ela já tinha uma certa idade , possuía cabelo branco e olhos azuis. Bartolome u disse que nasceu na Galileia. Enquanto eu o observava reparei qu e ele tinha feridas no rosto e u ma cicatriz no pescoço, na altura da nuca. Contou-me que a primeira vez que veio ao cemitério foi qu ando veio ao enterro do seu amigo, “Professor Xavier”. Um mês depois da cerimônia t inham roubado a placa de ouro do túmulo. Desde então Bartolomeu vive lá, vigia os túmulos, ro deia o cemitério , procura saber quem foi a pessoa que está enterrada. Quando ocorre uma cerimônia, um enterro, Bart olo meu o presencia, para saber como era a relação do falecido com as pessoas. Também me falou que a maioria dos furtos de caixões e corpos se dá no decorrer da noite, e os ladrões procuram joias, roupas e livros antigos que possam estar enterrados junto a o mo rto. Em uma noite fria e silenciosa, eu estava andando atento no cemitério. Se não me engano estava na quadra 15, no terreno 16, e encontrei um túmulo. O nome que estava escrito nele era Bartolomeu. E sobre a cova tinham vários anjos, feit os de mármor e. Pareciam que estavam observando o defunto.
A Guia dos Túmulos Vi c t o r A l i p e r t i
Os passos pareciam ecoar nas enormes lápides, jazigos e nomes que as mesmas carregavam. Mário de Andrade . Tarsila do Amaral. Campos Sales. E, clar o, os Matarazzo. Não estava no Ce mitério da Consolação para consolidar os meus sentimentos a algum ente querido, ao contrário , estava lá por motivos tão planos e não emotivos como uma parede. Visita. Pode - se dizer que foi parte do meu entendimento a elite paulistana nos tempos de glória do centro de São Paulo. Acompanhado de min ha amiga, foi oportuna a visita pelo fato de que Ana estava à procura de um parente falecido que havia sido enterrado recentemente. Com cara de que estávamos procurando por algo, uma moça, que trabalhav a na manutenção da necrópole se aproximou e perguntou: — Vocês tão procurando por algo? - indagou a mulher. — Na verdade sim - respondemos - queríamos achar o túmulo de (não me recordo o nome). — Então venham. - d isse a funcionária. Túmulos de grande opulência e ostentação rodeavam a trajet ória. Nada do túmulo do parente de Ana. Passaram alguns longos minutos de procura e finalmente a “guia”: — Realmente n ão sei onde est á, querida - disse franzind o as sobrancelhas, indignada - Bom... Querem ver algum tú mulo ? Tem Tarsila, Paulo Goulart, Oswald de Andrad e... Ela parecia conhecer todos os sepultados. Resolvemos conhecer o túmulo dos Matarazzo, famoso por sua grandiosidade e presença. No caminho ela apontava para diversas lápides, contando histórias e mais histórias. Usava um uniforme verde com o nome da companhia de manutenção. Era mulata e tinha o cabelo bem curto. No caminho eu vi diversos túmulos que me impressionaram, simplesmente pelo fato de q ue um parecia ser maior e mais exuberante que o outro.
— Esse é o túmulo d os Matarazzo. Não era um t úmulo, era um enorme sal ão. Mármore, mármore e mármore . Depois fui a descobrir, pela guia, que o lugar possuía uma sala subterrânea de rezas. No mínimo me deixou chocado. Logo depois que vimos a “atração principal”, anunciamos nossa saída. Ao caminho da sa ída, mais hist órias eram contadas. Hist órias sobre assaltos de túmulos, sobre mortos, sobre mortos famosos... Nos despedimos, agradecemos e fomos em direção à porta. Finalmente lembrei que não havíamos perguntado o nome da guia. Apressado, para não perdê -la de vista, corri e perguntei qual era o seu nome, e ela respondeu: — Maria Cristina. - afirmou ela com um g rande sorriso no rost o. Maria Cristina, a g uia d o cemitério d a Consolação . A Guia do Túmulos.
Lágrimas eternas M ar i n a D i N i n n o
Naquele cemitério , e m meio a tantos túmulos e lápides, lá est ava ela. Dura como pedra e fria como o mármore, porém tão fria e verdadeira como se pode ser. Eu não podia ver seu rosto, tapado pelas delicadas mãos, mas enxergava suas l ágrimas nitidamente. Afinal, quem poderia ser aquela mulher que lamentava eternamente? Poderia ser uma Cláudia, uma Ismênia, uma Marina ou uma Helena qualquer. Era jovem e bela, uma beleza rasgada pela dor e o sofrimento. Quem teria partido e deixado aquela saudade perp étua? Seria sua mãe, que se foi se repente, deixando uma filha desolada? Ou talvez fosse sua irmã, Emília, que fale ceu de infarto fulminant e. Quem sabe seu eterno amo r de infância é quem lá jazia, vítima de um violento assassinato? Ou ent ão, a jovem oca chorava pela sua filha, que morreu durante o parto . Aqu elas lágrimas invisíve is eram lágrimas de um amor. Um amor que ela nunca pôde chegar a sentir em seus braços.
A Desolação de Um Cemitério Th o m as N e ub e r
Para mim é impossível fazer barulho em um lugar como este. Seus gélidos portões impedem que a alegria ali entre. A desolação é certa, a solidão implacável , reina. Até mesmo a natureza respeita o ce mitério: as árvores não dão frutos, os pássaros não cantam, o sol ilumina, mas não há calor, e sempre sopra um vento frio como o aço. O lugar é repleto de lápides de mortos famosos com as datas em que viveram. Por lei, as lágrimas são obrigadas a sair dos olhos, contra a vontade, claro. Mas é o único lugar em que nossos antepassados encontram descanso e podem nos visitar. Não os ve mos, mas os sentimos, pois nossa pele se arrepia. Ao visitar um cemit ério, a escuridã o me envolve, me sinto fraco, sem vigor e sem esperança. Mas o que posso fazer, se essa é a verdadeira face de u m cemitério?