INVIS IBIL IDADE III
INVISIBILIDADE URBANA III
Em março de 2014, os alunos do primeiro ano da Escola Viva visitaram o centro da cidade de São Paulo e entraram em contato com os mais diversos personagens e espaços da vida urbana. Sensibilizados, os alunos escreveram crônicas que procuram dar voz àqueles que nem sempre conseguem existir em meio ao caos da metrópole e observaram a geografia de uma cidade em constante mudança. Olhar para as frestas de asfalto que passam despercebidas e dentro das quais nasce a flor e a náusea, desafiar os papéis sociais e trazer à tona o que há debaixo do betume das calçadas sobre as quais distraidamente andamos é o objetivo desta coletânea. . As ilustrações foram produzidas reutilizando -se imagens dos trabalhos em artes visuais.
Professora Gabriela Fonseca Professora Flávia Arruda
Vinte reais a hora Eliana, Te Suplico
Maria Paula Zegaib
Todos os Tipos
Laura Brandão
O Sofrer da Vida
João Victor Mina
Fê
Paula Faria Santos
Naftalina Os Velhos da Bibliot eca
Brian Hodge
Dois mundos. Dois sons. Diversidade
Camila Bigliani
Eu Pertenço?
Felipe Vianna
Pessoa Inesperada
Maria Antonia Khaznadar
Um pingado e um na chapa A Batalha do Misto - Quente
Alessio Grandisoli
A Pizzaria
Oliver Bork
O Homem dos Chapéus
Fernanda Camargo
Bala de borracha! Policiais Sofrem
João Victor Martins
Não Sei o Que Fazer
Ramiro Martinez Melendez
Lixos ambulantes A Dire ção da Vida
Joao Gobbi
Oportunidades
Erica Polesello
Crônica
Fabio Jukemura
Crônica
Arthur Olivares
Aquele que Incomod a
Rodrigo Neuber
Do Berço de Ouro para o Berço de Merda
Laura Mariutti
Vinte reais a hora
Eliana, Te Suplico M ar i a P aul a Ze g ai b
O parque da Lu z me parecia um lugar calmo . Então, fui dar um passeio, pensar um pouco. Ao observar o lugar, figuras, tais como mulheres masculinas, mulheres com po uca roupa, e home ns sozinhos por ali rodeando, viviam seu dia a dia. No meio daquilo tud o uma conversa em particular chama a minha atenção. Um home m e uma mulher, não muito velhos. O homem de estatura média, cab elos pretos e j eans parece estar trocando dinheiro com a mulher, a mesma está com u m shorts que mais parece uma calcinha, um decote e um salto quinze . Ao olhar mais precisamente, uma coisa me choca: eu conheço esse homem! Ele trabalha para meu avô . O qu e será que ele est á conversando com a mulher da vid a? Um diálogo surge em minha mente: ― Eliana, eu nunca vi uma mulher como voc ê! Sem igual! Me apaixonei por voc ê no instante em que te vi. ― Ai, meu deus, de novo n ão! Olha, isso é um negócio e n ão um relacionamento. N ão tô in love com você e nunca vo u estar. Me esquece! - diz a mulher com frieza no olhar. ― Mas eu pre ciso de voc ê na minha vida! ―
Cala
boca!
Voc ê
tá
pe rdendo
seu
tempo!
Sai,
voc ê
tá
espantando os clientes - já irritada. Ele se ajoelha como se fosse pedir perdão, e diz: ― Casa comigo , mô? Por favor! Eu te imploro! ― Não! Sai daqui, se u louco! As pessoas t ão começando a olhar! – a mulher j á está assustada. Já perdendo sua esperan ça, o homem, em tom de suplica, diz: ― Eu te pago... Leva um tapa. A mulher se afasta. Ele se levanta e começa a olhar para os lados. Nosso s olhos se encontram.
Todos os Tipos L aur a Br a n d ão
Tocava sete da manhã. Todo dia. To da manhã acordava com aquele barulho mise rável que só me fazia lembrar de que eu tinha mais um dia de merda pela frente. Levanto,
tomo
banho
sem
importância,
arrumo
meu
cabelo
tingido e sempre te m um perfume. Até hoje não sei por que , me sujaria de qualquer jeito até o final do dia. Documentação
falsa,
Vanessa
dos
Santos.
Dinheiro.
Batom.
Celular. Faca, só po r prevenção . Pílulas, camisinhas, lubrificante e uma barra de cereal pra mais tarde. Vinte minutos a p é. Metrô. Ônibus. Vinte homens me reconhe cem. Uma mulher em especial. Eu tava b êb ada quando a gente falou de negócios, mas aqui tá ela de novo. Parece que ela não esquece. Todo dia ela me encara e posso jurar que um dia ela ainda me mat a. Mas aqui é assim. Pura concorr ência. Tô aqui há cinco anos e j á vi trinta discussões. De z socos. Do zes pux ões de cabelo , uma facada. Sete mortes. Estupro? Perdi a conta. É perigoso. E eu pod ia ir pra outro lugar. Mas aqui as pessoas me conhecem. Iria demorar at é se acostumarem comigo. Teria, talvez, que passar por tudo que eu j á passei ante s. Ou pior.
E bom, aqui tem
clientes. Todos os tipos deles. Gordos,
altos,
agressivos.
Ricos,
fed idos,
peludos, interessantes. Curiosos, carecas, falantes.
passivos.
Baixos,
Qualqu er tipo de
homem. Mulher eu n ão faço. Mas aposto que elas s ão mais decentes. Também! São uns mais esquisitos que o utros. Põe o dedo aqui, lambe aqui e puxa aqui. Mais forte, n ão tão forte . Aperta mais, n ão tanto ! Pode apertar. At é ficar roxo . Que tipo de pessoa pag a pra ser espancada por uma est ranha?! Eu preciso de outra vida. Qualquer outra que n ão seja essa. Mas se eu pudesse escolher... Escolheria a vida de professora. Eu adoro crian ças. Duas das que eu tenho em casa parecem não ser o suficiente.
Precisaria
é
de
muito
dinheiro.
E
não
qu ero
tanta
responsabilidade também. Mas po r enquanto, essa é m inha vida. melhor, da Vanessa dos Santos.
Ou
O Sofrer da Vida J o ão V i c t o r M i n a
Quando chega o fim da tarde a Praça Da República começa a ganhar
movimento,
homens
mais
co nhecidos
como
“g arotos
de
programa” começam seu expediente. Certo homem chama a atenção, leva uma vida apert ada, repleta de sofrimento e preconceit os... porém necessária para pod er se sustentar , colocar comida em casa, pagar as contas de luz, vivendo uma vida sem lu xos. Muitas vezes as pessoas se perguntam “Por qu e ele faz isto?”, “Por que ele não arranja um emprego?”. Edson é garoto de programa por necessidade, pela falta de sorte , por não arranjar u m empreg o, e não trabalha por opção ... Tem uma bela namo rada chamada Vanessa que nem sonha q ue Édson é um “mentiroso”, mas é isso o que ele é. “Mais um dia se vai, logo amanhã, e eu aqui outro dia de sofrimento. Creio que não seja o último. Minha vida é um lixo neste aspecto, não consig o arranjar emprego, mal consigo sustentar minha casa, e ainda por cima namoro sem ela saber que eu sou um garoto de programa. Quem diria, mais um fim de semana se aproxima e minha vida igual: festas, se xo com homens por dinheiro. Não aguento mais. S e não fosse pela minha família incluindo Vanessa, não te ria ra zão para viver mais deste jeit o. E les que me d ão motivos, me dão inclusive meu suor para ganhar meu dinheiro, muitos podem achar inútil trabalhar igual eu trabalho, porém pretendo não roubar nunca, para não ferrar mais nossa nação”.
Fê P au l a F ar i a S an t o s
Não devia ter vindo aqui hoje . Jurei qu e não viria. Jurei... Que saco! Será que nunca vou aprender? Todo santo dia, quando dou conta de mim, já estou aqui. Parada. Terceira coluna no sentido contrário do trem. E esses vagab undos me olhando. Como se eu foss e u m objeto de consumo. Sem sentimentos. As cabeças atentas atravessam meu corpo de cima a baixo . De baixo a cima. De cima a baixo, de novo . Claro , com paradas
perceptíveis
nos
meus
seios
de
plástico
e
minha
bunda
naturalmente grande . Ainda por cima eu ve nho arrumada, por que não vim com minhas piores roupas? Moletom, camisa larga, seria mais fácil assim. Seria melhor se não tivesse que lidar com co isas do tipo... tipo... Isso! É a quinta vez que essa calcinha entra na minha bunda! Quando ninguém olhar eu faço um resgate. Quando ninguém olhar. Ningu ém. Porra! Aquele cafajeste não vai tirar o olho daqui? Não sabe que não é agradável quando se olha por muito tempo pra alguém? Principalmente pros seios da pessoa! Ah não ... Ele tá vindo... Calma Fê , esquece de tudo. Sem resgate, não se irrite . A partir de agora você é Samantha. Não se esqueça! Camila. Coloca o cabelo atrás da orelha e da uma mordidinha no lábio que o gato é seu. Ajeita a postura, olha de relance pra e sse safado . Pensa na sua mãe, quem vai pagar os re médios dela? Uma piscadinha... Sorriso de lado e... Pronto! Ele tá cheg ando... Faltam uns t rês passos, dois, um... Quê?! É pra isso que eu vim pra cá? É pra isso que eu me arrisco t odos os dias? Pra um cliente passar reto! E ir pro curar outra mulhe r. Tô passada. Eu devia te r me arrumado melhor. Devia. Por que não coloquei uma roupa mais arranjada? Idiota. Como vai conseguir dinheiro assim? Será que foi a minha calcinha? Deixei ela aparecendo. Peguei aquela que todo mu ndo guarda no canto da gaveta, resolvi a vestir hoje . A calcinha rasgada, desgastada, mas super confortável para dormir. Não
devia estar co m tanta vontade de vir para cá quando escolhi minha roupa. Não sei por que a falta de vont ade. É tão divertido. Me sinto muito linda quando os homen s olham pra mim daquele jeito, como se quisessem cuidar de mim, co mo se eu fosse alguém frágil. Eu gosto disso, sempre gostei. Não sei o motivo das pessoas me olharem com nojo, ou o motivo pelo qual me ofendem e repreendem. Sabe, é só um emprego. E dizem que de vemos fazer algo qu e nos deixa feliz. Isso me deixa feliz. Chegando em casa eu to mo um banho mesmo. Além d isso, isso aqui é super desafiad or, quando outra mulher esta próxima a você e vo cê tem que fazer o máximo de esfo rço para chamar atenção dos ho mens e os fazer chegar em você antes que ela consiga fazer o mesmo . Cansa, muito. Aí você consegue o cliente , e quando acaba, te m que fazer o que você tinha feito antes novamente e não pode bobear porque homens perdem o interesse rápido e devemos fazer com que eles queiram alguma coisa. Quer saber de uma coisa, perdi esse cliente, mas não vou perder mais nenhum. E vou vir aqui todos os dias da minha vida! Até as pessoas entenderem que ser o que eu sou é difícil. Tem que ter corag em. Não se apegar a ninguém d o trabalho. Porque pra ser puta, tem que ser macho.
Naftalina
Os Velhos da Biblioteca Br i an H o d g e
Era praticamente tudo de madeira. Havia um andar cor de vinho feito puramente de metal. Os livros, nada em bom estado: capas rasgadas e um sentimento de decepção. — O que é esse cheiro, algo morreu aqui? Que desperdício de tempo. O lugar fedia igual a uma casa de idosos e verniz. Era gig ante, porém bem cuidada com cores vivas e limpa o bastante. De repente, por um descuido, eu desço a escada de ferro c om força demais, fazendo com que todos aquelas pessoas concentradas olhassem para mim com cara de alguém que acabou de levar uma surra. —
“Ahhh...
o
qu e
esse
moleque
retardado
ta
fazendo
na
biblioteca?! Nem sab e se comportar em público, que idiota”. Apesar de me sentir muito constrangido e quase em pânico, continuei com o estu do sem atrapalhar esses velhos. — Agora é só toma r mais cuidado antes que um desses caras saia na porrada co migo. Logo depois do vexame, eu esbarro em u m estante e derrubo três ou quatro livros. — Puta-merda! Agora eu corro, agora vai, alguém vai me bate r. Depois disso eu desço a escada e corro para a entrada antes que alguém perceba. — Eu não entro lá d e novo. Agora é só e sperar até que isso acabe.
Dois mundos. Dois sons. Diversidade Ca mi l a B i g l i an i
A Biblioteca Mario de Andrade , um lug ar onde se uma folha de papel cair no chão iniciará uma explosão. Pessoas de roupas simples enfiam a cara nos livros e vão para outro mundo. A biblioteca é outro mundo? Do lado de fora: zzuumm do ônibus, clac clac do sapato alto, abafos, pressão, calor, “um café”, na lanchone te, hihihi, do bêbado da noite, flash das câmera s, uma oferta por minuto... Bem -vindo à cid ade de São Paulo, que nunca para. A cidade e a bibliote ca são dois tipos de mundo? Seus habitantes podem se deslocar de um mundo para outro? At é onde eles segregam? Temos o conhecimento de que a rua e a biblioteca são espaços públicos. O que é público? Todos têm acesso. Vejo um mendigo co m roupas rasgadas e amareladas, sem os den tes da frente, o cabelo comprido, embaraçado, andando com uma postura que ele acha ser de u m cavalheiro e com um brilho nos olhos que se direcionam para a porta da biblioteca. Respondida a pergu nta. Ele está entrando no mundo da b iblioteca... Ops! Barrado pelo se gurança. Interessant e. Por que ele não pode entrar? “ É público!” grita el e. O segurança o manda dar meia -volta. Enquanto isso, um e studante sai com milhares de livros e um sorriso no rosto. Espera um instante. Alguns têm acesso à biblioteca, mas to dos tem direito a se entreter na rua? Respondido: um espaço público segrega variedades de público. Done!
Eu Pertenço? F e l i p e V i an n a
Entro de maneira fria e calma na bibliote ca e me sento para o bservar o movimento. Não há nada, não há barulho, não há moviment o, há poucas pessoas e essas poucas se incomo dam co m o meu movimento. Movimento não pert ence a este lugar. Após alguns poucos minu tos, um homem se senta a minha frente: terno, MacBook e iPhone de última geração. Ele faz barulho ao conectar seu MacBook à tomad a e as pessoas a sua volta se incomodam. Barulho não pertence a esse lugar. Um menino entra. Pele e scura, uniforme de e scola pú blica, parece exausto. Provavelmente estava em um ônibus, veio de longe. Ele entra e não emite sons, se movimenta calmamente . O homem a minha frente olha e faz cara de incô modo. O menino não pe rtence a este lugar. Ele não percebe o incômodo das pessoas pre sent es, talvez esteja acostumado a isso, acostumado a pegar ônibus cheio no cal or desde o Grajaú para chegar a uma bibliot eca próxima ao cent ro e ser estranhado e julgado como alguém que não pertence à quele lugar. O menino negro está acostumado co m coisas tão horríveis que nem passam pela cabeça do homem de terno a minha frente que não foi julgado ao conectar seu MacBook. O menino definitivamente não pertence a este lugar.
Pessoa Inesperada M ar i a A n t o n i a K h a zn a d ar
Edgar Allan Poe, Ag atha Christ ie, J.K Rowling, Ce cília Meireles,... Infinitas
estantes e nfileiradas
de livro s, um ao
lado do
outro. A
biblioteca Mario de Andrade é repleta de moveis de madeira. É um grande local, com aroma de mal -cuidado. Pare ce mofo. Alguns livros estão repletos de po eira. Estava lá com minha mãe. Ela emprestava um livro que eu considerava para velhos. E eu, po r minha vez, um livro e m especial. ― Sidney Sheldon, Anjo da Escurid ão - disse, pegando o livro. J á tinha começado a l ê-lo, porém o pe rdi logo a pós a reforma em meu quarto. Passei a procurar minha mãe . Foi quando virei e avistei uma menininha. Aquilo me chamou a atenção. Ela usava uma roupa preta e rasgada. Sua pele negra estava ainda mais escura po r causa da poeira. Seu cabelo mal preso em um a lto coque muito bagunçado. Fiquei a olhando po r um tempo. Seus olhos estavam parado s em um livro do ursinho Pooh. Nunca tinha visto uma cena como esta, nem mesmo uma pare cid a. Por que uma menina de rua iria se interessar por um livro? Aliás, por que ela estaria dentro de uma biblioteca em vez de estar na rua, tentand o ganhar dinheiro no farol? Um sentimento de pena passou por mim e me dominou. Quem sabe, uma menina como essa tivesse estudando, co m condições de uma boa escola, ela poderia se formar uma g rande mulher. Mas não tinha nada que eu pudesse fazer. Estava indo falar com a menina, quand o minha mãe apare ceu e caminhou até ela. ― Vem, eu pego para você . A menina, mesmo se m dizer nada, estava com os olhos radiantes. Correndo, ela mostrou seu novo present e a seu irmão .
Um pingado e um na chapa
A Batalha do Misto-Quente A l e s s i o Gr an d i s o l i
Hoje, quando eu acordei, senti uma vo n tade estranha de comer um misto-quente. Estava com uma calça de moletom rasg ada e uma camisa. Peguei o meu dinheirinho que estava debaixo do me u cobertor, deviam ser t rês ou quatro reais, eu não lembro e fui até a padaria. Chegando lá, logo que entrei na padaria, um homem de mais ou menos 22 anos me mandou sair ou ele iria chamar os seguranças. Eu não entendi e perguntei por quê. O home m, logo em seguida respondeu: “Você não é bem -vindo. Você não se enquadra na classe social que frequenta essa padaria!” Eu fiquei trist e, mas saí. Depois de sair da padaria,
um outro garoto de mais ou menos 17 anos, mu ito gentil ,
diga-se de passagem, se o fereceu para comprar um misto par a mim. Eu, é lógico, não rejeitei e agradeci o moleque. Agora sim! Enf im eu poderia comer o meu misto -quente em paz e foi o que fiz.
A Pizzaria Ol i v e r Bo r k
Quando chego na minha pizzaria favorit a, já chego de molet om e crocs, diferente da nova freguesia. Peço minha pizza favorit a, à moda da casa. Ela vem com presunto quentinho junto com um queijo que ab raça a azeitona com se u quente aconcheg o. Ela vem acompanhada com guaraná, po rque nenhuma pizza é totalmente aproveitada sem um bom refrigerante ou um vinho que seu melhor amigo indicou. Os garçons d a pizzaria estão sempre à disposição , uns mais cansados e desesperançosos, outros co m suas piadas previsíveis, um sorriso que anima a clientela desanimada, pois sabe que no d ia seguinte vai ter que ouvir o patrão dando o rdens. Enquanto janto , ob servo o so rriso se m expressão e os olhos esbugalhados de um garçom cansado tentando impressionar o patrão ou ganhar um dinheirinho extra. O utros já pare cem ser vet eranos que desistiram de sua go rjeta. Quando ele chega na minha mesa já pergunta a bebida e o pedido pa ra diminuir o trab alho.
O Homem dos Chapéus F e r n a n d a C am ar g o
O cheiro de pão francês bem quentinho surge pela manhã. A padaria está cheia lo go cedo e ele sent ado, no canto. C om sua cabe ça apoiada e m seu o mbro, olha a todos co m uma enorme simpatia e sempre sorrindo. Um homem com a barba branca e algo , visto todas as manhãs, algo que não tem como não notar: um chapéu colorido, mais alto que uma cart ola. Aos olhares at entos para o ch apéu, ele não consegue a atenção que quer , então grit a no de sespero sem fim. Todos olham
das
mesas
aos
balcões,
olham
assustados,
se m
saber
as
suas razões. De repente em sua cabeça outro chapéu. Vazio agora est ava o lugar do pão zinho. O homem dos chapéus anda lentament e, passo a passo, como se fosse o último. Louco , pe las ruas cheias, anda sem dar a mínima. Nos lugares movimentados, parece só querer chamar atenção . Não demora muito não, ate ser notado pela multidão . Gente de lá gente e de daqui, olham para ele surpresos por causa de seu sorriso insano. O homem de bo ina preta grit a como louco para ele, “não repita isso ”. Jamais entenderam o po rquê do seu sumiço, mas sua falta pela manhã é múltipla.
Bala de borracha!
Policiais Sofrem J o ão V i c t o r M ar t i n s
Então sou policial. Tenho 32 anos e estava na praça no cent ro de São
Paulo.
superiores
E me
quando chamam
tem só
algum para
problema os eu
ficar
merdas
cercando
a
dos
meus
área,
como
aconteceu semana passada que acharam uma cabeça dentro de um cesto de lixo. Você acha que 1.200 reais é um salário digno para um policial que arrisca sua vida para salvar a sua? Outro dia tinha me ndigos no chão da Praça da Sé. Esses merdas estavam lá havia duas semanas me enchendo o saco , mas não liguei para eles, até que um di a passaram alguns gringos e tive que t irá -lo s de lá, só para fingir que estava fazendo meu trabalho. Teve uma ve z que prendi uns pretinho s q ue nós já conhecíamos da região , pois fize mos um trato co m eles e o trato era para eles trazerem o dinheiro , pois eu e meus parceiros fazemos a proteção no centro para que eles possam fazer a venda de drogas se m a interrupção de policiais “bonzinhos” . Enfim, como vo cês podem perceber est ou apenas lutando pelos meus direitos, porque de outra forma ganho pouco e ninguém m uda isso, então tive que partir para esse lado da corrupção .
Não Sei o Que Fazer Ra mi r o M ar t i n e z M e l e n d e z
Eu estava patrulhando a praça com o meu parceiro, eu e stava cansado do t rabalho que fiz durante tod o o dia, e eu queria ir embora. O meu turno estava terminando quando um grupo de alunos com um professor invadiu a praça. Eu não tinha certeza, mas meu colega me disse que ele foi proibido. O homem começou a discutir e passou do limite. Eu lhe disse que ele não podia ficar lá e eles saíram. Ele
acabou
deixando
o
local,
pare cia
zangado.
Eu
não
me
importava. Todo dia eu tenho os mesmos problemas e eu não tenho certeza do que fazer e acabam esquecendo de tudo. Todas as noites nós pensamos sobre isso não sei se este é o trabalho que eu quero. O dinheiro não é suficiente pa ra que o d epartamento de proteção já não saiba o que fazer. Estou confuso, agora eu me pergunto “Como é que eu vou sair dest e buraco?”
Lixos ambulantes
A Direção da Vida
Jo ao G o bbi
Parque da Luz. Um nome bonito, não? Mas nem tudo lá é de agrado. Árvores grandes na entrada que por seus galhos o sol é coberto , vê-se sua luz passando pelas fo lhas e encostando no chão, pássaros passando, e co mendo alpiste que as pessoas jogam. Um parquin ho com poucas crianças, mas estão se divertind o. Até academia te m, onde os alteres são feitos de galhos e pedras. Um cenário legal. É b em bonito, mas o que acontece lá é meio estranho . As pessoas vão lá para brincar e convers ar, ou não? Nem t odos. Quer dizer, a maioria não . Pois grande parte são prostitutas, travestis, e até velhos que pro curam crianças. Podemos dizer que não é algo normal... Mas
por que
fazem
isto?
A maioria das
prostitutas de
expressões tristes e corpos c ansados fazem isso por que dependem disto para sobreviver, pois tiveram algum prob lema. A vida delas muda muito depois disso, até po dem se adaptar de um jeito , e mesmo que que iram mudar de vida, não conseguem e não aguentam. S erá que mesmo com muito dinheiro larg ariam este trabalho ? Teriam coragem d e entrar no mundo que é bem d iferente do que estavam, onde a vida não se passa em uma praça cercada por g rades, e conv ivendo com fumantes e drogados. V endo por este lado parece ser melhor, mas será? Você confiaria nesta escolha, se m volt a r atrás? Mesmo sabendo que pode dar tudo errado, essas escolhas mudam muito o seu futuro, e o que você quer para ele . Não é uma d ecisão fácil, é até difícil demais. Largar tudo come çar de novo, e tentar a sorte. Isto só conseguimos saber tentando. Talvez e sta escolha possa até mudar sua visão sobre o mund o, e o que você que r para ele , e fazer nele. Nossas escolhas e nosso passado direcionam nossa vida, elas fazem d e nós quem somos, e que m seremos. V ocê pode estar destinado à grandeza. Agora vo cê quer ficar nesta vida ou mud á -la?
Oportunidades Erica Polesello
No Estudo do meio, quando nós do primeiro ano andávamos pela Praça da República, perceb emos que um g rande número de pessoas pobres e desempregadas permanecia na região. Eu pensei em como elas podem sofrer co m a vida que elas tê m pois passam o tempo tent ando alimentar os seus filhos que trabalham para ajudar os pais, e fiqu ei imaginando como seria se a vida delas fosse diferente. A vida para elas é mais difícil por causa da dificuldade de encontrar comida e de sobreviver. Eu penso se elas têm oportunidades para mudar a sua vida. Essas pessoas que vivem tristes com a falt a de condições básicas não pensam em como elas podem estudar e se esfo rçar para conseguir o que elas querem. Elas podem ter uma vida melhor se tentarem. Eu entendo que é difícil de come çar , mas vai ser melhor e útil quando eles se esforçarem e saber que na vida qu ando você quer você pode conseguir.
Crônica F ab i o J u ke mur a
Depois de velho, vo cê anda so zinho na rua, dirige o seu próprio carro , faz tudo o qu e seus pais faziam com você, só que sem um filho no banco ao lado. E qu ando eu faço isso às vezes vejo pessoas deitadas na calçada com um cob ertor, e penso: “Isso não representa nad a. E não só para mim, mas sim para todo mund o. Já virou rotina ver pessoas deitadas
na
calçad a,
virando
o
lixo
e
etc.
É
hábito”.
Vivo
me
questionando por qu e o ser humano chegou a esse ponto. Moradores de rua e nfrentam diversos o bstáculos para permanecer em
algum
lugar,
como
por
exemplo:
dispos itivos
físicos
como
fechamento de banheiros públicos ou interdição de vias e praças para passar as noites. Uma “arquitetura antimendigo” foi criada para expulsá los das ruas das cidades. Essa arquitetura consiste em: grade s em torno de igrejas e árvores, i mpedindo que os moradores de rua urinem ou durmam nos locais, óleo espalhado so bre o chão tornando a área inviável,
inst alação
de
chuveiros
em
frente
de
prédios
molhando
temporariamente co m a mesma intenção . Tais medidas foram aprovadas por come rci antes e proprietários de imóveis (o que para os mendigos é uma tremenda humilhação). Essas iniciativas concluem que o mundo está cada vez mais privado, e que cada um só se preocupa com si próprio e o resto é o resto. Ou seja, os outros não import am.
Crônica A r t h ur Ol i v ar e s
Estava dormindo e m uma praça, sei lá o nome, não me importo. Umas criancinhas mimadas, filhas de uma puta me acordaram, gritando, falando muito alto . Estavam em um grupo de alunos com guias, mas quem viaja para o cen tro de São Paulo, um lugar muito feio, todo pichado, sujo? Acho que estavam estudando o centro. Mas aí você pensa: tá, eles passaram gritando, me acord aram e foram embora, mas não, tinha que vir um desses alunos perguntar sobre minha vida, não bastava m e acordar, mas também tinham que saber da minha vida. Perguntaram como é viver no centro. Eu disse que é muito ruim e que só estou aqui porque as bebidas são mais barat as e outras coisas também que não vêm ao caso , mas també m pela preguiça de sair de baixo da minha árvore para mo rar e m outro lugar. Eles até que foram gentis, agrade ceram pela a entrevista e fo ram embora. Depois de u ma longa manhã pe guei minha vodca dei uns goles e voltei a dormir.
Aquele que Incomoda Ro d r i g o N e u be r
O Centro da cidade de São Paulo me re velou uma histó ria muito comovente. Outro dia, enquanto estu dava e entrevistava pessoas ao redor da Pra ça da S é, vi um policial expulsando um mendigo do lugar em que dormia. Lo go ap ós, alguns turistas falando ingl ês chegaram tirando foto de tudo o que viam. A intenção do policial era certamente mostrar aos turistas um lugar melhor, sem vis ões desagradáveis. O mendigo iria, é claro, prejudicar a foto . O mo rador de rua é alguém que inco moda, atrapalha, é sujo, repulsivo, enfeia a foto do turista. Os passantes têm certo receio dele, afastam-se um pouco. Alguns já se acostumaram com ele e nem o veem, mas ninguém para e reflete sobre o que aconteceu com essa pobre criatura para chegar a tal situação . Ele não me causa repulsa e me parece ser um cara bom e inofensivo. Devia ter muitas histórias para contar. Imagine i se ele já tinha tido mulher e filhos, uma família. Teria perdido o emprego? Seria um alcoolatra, um d rogado? Tivera as mesmas oportunidades na vida do que os pedestres qu e o olhavam com desprezo e os que o ig noravam? Senti pena daquele homem jogado ali sem futuro, sem espe ran ça, sem nada. E eu passei por ele e fui embora .
Do Berço de Ouro para o Berço de Merda L aur a M ar i ut t i
O chão de terra d o parque, se mexendo, com certeza e stá se mexendo. Como alguém consegue andar aqui? De longe , várias formigas coloridas carregando suas comidas tamb ém coloridas. Isso d everia fazer sentido? Ando em qualquer direção sem saber exatamente para onde , minhas pernas estão me levando , desequilibro a cada passo, o líquido na minha garrafa de plástico balança. Perto das formigas coloridas entendo que são crianças, não formig as. Ao lado delas uma prova viva de como esse país tá na merda. Aqueles caras botando todo o dinheiro que conseguimos trabalhando duro atrás de uma mesa cheia de papéis que não temos o mínimo interesse em ler, durante oito horas por dia estão no bolso desses bostas que deveriam usar para que ninguém precise ficar t rês dias sem u ma refeição, para que ninguém precise ficar encolhido a noit e toda por causa do frio , para que ninguém precise mudar de casa quando chove , e quando digo casa, na verdade é uma merda de uma ponte com um barulho infernal de carros e motos que atrapalham o s onho dessas pessoas de ter um vida decente. Esses
bostas
deveriam
usar
o
dinheiro
para
dar
uma
boa
oportunidade de vid a para este drogado deitado ao lado das formigas com média oito e meio no boletim, que ia aos domingos na igreja, que almoçava todas as sextas-feiras na casa dos avós no Jardim P aulista, que iria administrar a empresa do pai, que em uma sexta -feira a noite foi na festa da Juliana da sua classe de física e botou aquele baseado na bo ca para que fosse dito como foda numa co nversa de vestiário do time de futebol. Esse drogad o e vagabundo que abandonou os estudos, que foi expulso de casa pelo pai, que fez a mãe chorar, que bateu na namorada, que matava aula de francês para comprar a erva que alimenta o seu vício que come çou na festa da Juliana.