INVIS IBIL IDADE IIII
INVISIBILIDADE URBANA IV
Em março de 2014, os alunos do primeiro ano da Escola Viva visitaram o centro da cidade de São Paulo e entraram em contato com os mais diversos personagens e espaços da vida urbana. Sensibilizados, os alunos escreveram crônicas que procuram dar voz àqueles que nem sempre conseguem existir em meio ao caos da metrópole e observaram a geografia de uma cidade em constante mudança. Olhar para as frestas de asfalto que passam despercebidas e dentro das quais nasce a flor e a náusea, desafiar os papéis sociais e trazer à tona o que há debaixo do betume das calçadas sobre as quais distraidamente andamos é o objetivo desta coletânea. . As ilustrações foram produzidas reutilizando -se imagens dos trabalhos em artes visuais.
Professora Gabriela Fonseca Professora Flávia Arruda
Marcha Ré Pensamentos Superficiais
Maitê Penteado
Como é Ser Invisível?
Pedro Boemer
O Gringo Passou , A Polícia Atirou
Rafaela Petrone
Iara, a ninfa das árvores Iara
Gabriela Zocchio
Loucura Alienada
Isadora Bussab
Praça da República
Júlia Vitória Chaves
As Árvores Cantam
Andrea Rocca
Treta Poder Abusado
Gabrielle Queiroz
Crônica
Guilherme Carvalho
Crônica
José Mesquita
Manifestações em São Paulo
Ricardo Fonseca
Jogado às traças Crônica
Izabela Beraldin
Alcoolismo Precoce
Lara Passos
Crônica
Luan Viccari Jorge
O Pirulito
Lucas Maluf
Eles e Os Outros
Roberto Giuzio Neto
Mais um papel vazio para fazer volume na mesa
Kimi Miyasaka
Marcha RĂŠ
Pensamentos Superficiais M ai t ê P e n t e ad o
São Paulo não é ape nas poluição, t rânsit o, trabalhadores do sexo e moradores de rua. Não é à tôa que se assemelha a um teatro. São Paulo vai muito além dos telespectadores e do palco. O que está atrás da
cortina
é
o
e ssencial
para
a
vida
da
cidade.
O
mundo
de
pensamentos superficiais nos rodeia nessa enorme metrópole. Marcha Ré. É assim que estamos caminhando, mas por quê? Pelo fato de trabalhadoras do sexo serem “putas” ao olhar estereotipado e básico
da
sociedade,
mas
o
que
t em
atrás
da
c ortinas
desses
trabalhadores? Vontade de viver, de dar algo melhor para seus filhos? E cabe a quem julgar isso? Nós que ficamo s de bunda sentada no sofá sem fazer sequer qualque r ação, seja ela qual for, é que não é? Cidade
onde
os
grafites
grit am.
Ape nas
trinta segundos
de
atenção. Pare e veja. Ultimamente os olhares não enxergam mais. Talvez isso possa ajudar seu dia, quem sabe isso possa te colocar no mundo do próprio artista ou at é mesmo te fazer re cordar de uma me ra lembrança própria, e assim passar a entender melhor onde vive mos. Marcha Ré, se referia à cid ade. A grande, esbelta e muito bem projetada igreja da Sé. Ao descer as escadas pela porta da frente, me deparei com essa frase. Estava escrito e m grafite preto bem grande em um monumento na praça. Deitado bem embaixo, um morador de rua dormia, todo sujo , com roupas rasgadas, e m uma caixa d e papelão , exposto ao sol. Com isso passei a reparar mais nas contradições totalmente explicitas da cidade. Não foi tão dif ícil, mas sim natural. Ex pandi meu olhar, co mo se tivesse colocado u ma lente onde me fizesse questionar t udo e assim percebi que grafite conta uma história, faz uma critica. Simplesmente deixa a cidade mais bonita.
Como é Ser Invisível? P e d r o Bo e me r
― Acorda, levanta... Levanta vai. R ápido, caralho , sai. Vamo, acelera! Depois de meia hora de nossa indifere nte chegada, essas foram algumas palavras qu e o morador de rua dormindo em baixo da estátua da Praça d a Sé , e specificamente e m sua sombra, deitad o em um cobertor de estopa, ouviu de um policial da Guarda Civil Met ropolitana, por causa d a chegada extremamente importante, desejadíssim a e quase que essencial de um grupo de turistas. Chega a ser irônico que o tratamento dado para os estrangeiros seja mais cuidadoso e preferencial no Brasil do que o dado ao próprio brasileiro. Fico imag inando o susto de ser aco rdado abruptamente por um policial com a mão na arma. O desgosto daquele mendigo em ver o quão sua presença é import ante, o m ais longe possível d os turistas. Acordar e pensar que ele e um saco d e lixo são iguais, ambos devem sumir para deixar a cidade limpa. Há quanto tempo será que ele dormia? Será que já havia sido retirado de lá? De qualquer maneira, é incrível o esforço qu e o governo faz para ter uma boa imagem, para os ou tros. O morador de rua não se deu nem ao t rabalho de re colher suas coisas e levá-las co nsigo, pois devia te r a certeza de que quando os turistas saíssem da praça, felizes e impre ssionados co m a limpeza e com a beleza dela, ele po deria voltar a sua so mbra e a seu sono , sob o olhar desatento do povo brasileiro que já est á acostumado com a presença dele. Presente ele está ausente. Co mo é ser invisível?
O Gringo Passou, A Polícia Atirou Raf ae l a P e t r o n e
Eu tava deitado no chão tranquilo , com o meu cobertô gelado, minhas calças apert adas, minha blusa rasgada, sujo, com minha barba não feita e cabelos empoei rados. Sou um moradô de rua, mas com um bom co ração .
Não sei escrevê muito bem, mas vou co nt á o que
aconteceu com eu esse dia. Tava deitado no Marco Zero na Pra ça da Sé na cidade d e São Paulo. Tava na minha, dormino e m um canto pra não trapaiá ninguém. Muitas pessoas tavam passano por e u sem notar minha presença, policiais me observano e não fala no nad a. Não me tiraram d e lá, então continuei dormino. Como lá no Marco Zero é um lugá muito visitado , um lugá muito importante, as pessoas de país , estado e cidade diferente t em vontade de conhecer. Os Gringo tava chegano perto de um lugar onde eu tava muito perto e os po liciais viram isso aconteceno, e logo foram correno me tirá de onde eu tava dormido, pra disfarçá as pobreza qu e nóis tem nesse país. Eu acordei com um carro de poli ciá ao meu lado e dois policiá e m volta de eu . Me senti horrível, não sabia o que tava acontece no. ― Senhor, você vai t er que se retirar, saia daí imediatamente! ― O que seria isso? Pru que tanta mald ade, sinh ô ? - O po licial me puxô e me empu rro pros lado . ― Vai embora e n ão volte. Não atrapalhe mais, seu lugar n ão é aqui! Eu não tava entendeno pru quê tavam fazeno aquilo lá co m eu, me maltrat ano e me xingano . Eu não tava trapaiano ninguém. Sou inocenti, só não te nho casa pra morá, mais infeliz mente essa não foi minha escolha.
Iara, a ninfa das รกrvores
Iara Ga br i e l a Zo c c h i o
São Paulo: milhares de pessoas, de diferentes estilos constroem uma das cidades mais movimentadas d o Brasil. Não tê m somente os grandes
empre sário s,
as
poderosas
socialites;
têm
as
prostitutas,
os travestis. Em plena quarta - feira, às quatro horas da tarde , o calor era insuportável. Milhares de pessoas iam e vinham em direção a uma das praças mais movimentadas de São Paulo: a Praça da Re publica. Um enxame de policias cercavam a entrada da Praça. Usuários d e drogas e garotos de programa to mavam conta da praça. Sentamos. Segundo comerciantes e moradores de rua, fazíamos parte do rolezinho da classe A. Beto, um garot o de programa, ao s poucos ia nos contando as situações bizarras pe las as quais ele já passou. Logo at rás de nós estava em pé, um travesti, que ao falar parecia que tinha engolido u m gato, de tanto que ele miava, “Qual seu nome” - miava o travesti. Muito alto, loiro, com uma bota, um casaco e uma calça. E, para dar um toqu e final do seu look, usava u ma gravata borbolet a dourada em seu pescoço. Na hora que percebi sua presença, confesso que levei um super susto, o meu coração disparo u, mas ao mesmo te mpo eu não consegu ia parar de olhar para aquela figura. Iara era seu nome. Parecia que ela não tinha dormido um segundo naquele dia, estava totalmente drogad a e em sua mão direita tinha u ma garrafa va zia de bebida. Iara me remete à lenda da sereia Iara, que com o seu canto ceg ava todos os homens. Acho que foi po r isso que a trave sti esco lheu esse nome. A conversa com Beto foi tomada pela presença inusitada de Iara, que com suas perguntas totalmente fora do normal como “aposto que você n ão sabe quantos anos tem essas árvo re”, envolveu todos os alunos e deixou ainda mais interessante a conversa. Nunca tinha visto tão de perto um travesti, muito
menos falad o
com
um travesti. Com
certeza
foi
uma das
experiências mais marcantes que eu já passei. Afinal São Paulo, é uma das cidades mais diversificadas que eu co nheço.
Loucura Alienada I s ad o r a B us s ab
Praça da República. Travestis. Garotas de programa. Álcool. Drogas. Local público . Papel de gênero diferente do imposto pela sociedade. Corpo como objeto de consumo. Alucinógenos. Agora vo cê me pergunta: Por que você vê a Praça d a Re pública assim, na lou cura? Loucura. Tarde louca passei naquela p raça, localizada no centro de São Paulo. Sim! Foi a primeira vez que me deparei com uma situação estupidamente espontânea e amalucada durante os meus 15 anos de vida. Sentada embaixo de uma enorme árv ore eu e alguns dos meus colegas de escola, e ntrevistamos Beto , u m simpático e avoado garoto de programa. No final da entrevist a com Beto, BUUUM! Que coisa doida. Eu louca. Iara alienada. N ão sabia mais da onde vinha t anta loucura. Da travesti Iara que se aproximou, da minha cabe ça, ou do momento inesperado. Não demoraram cinco minutos, as palavras sem sentido que saíam da boca de Iara repetid amente se dispersaram, e ela seguiu andando. Caímos na risad a, co mo loucos e bobos. São Paulo , só tem lo uco! Por que não, louco um pelo outro?
Praça da República J úl i a Vi t ó r i a Ch a v e s
A praça estava cheia. Havia apenas um aglomerado de crianças. Estávamos na Praça d a República conversando com um gogo -boy sobre o seu trabalho sentado no chão, no meio da praça, e m frente a uma árvo re. No meio da conversa aparece um travesti, a Iara. A Iara é um travesti drogado no meio
da praça
tentando participar da nossa
conversa com perguntas um ta nto “tontas”. Estava sendo divertido, porém tínhamos que tirar ela ou ele de lá, pois estávamos no meio de um estudo e uma pessoa bêbad a e drogada estava nos atrapalhando com isso.
As Árvores Cantam A n d r e a Ro c c a
Segundo ela, as árvores cantavam enquanto ela dançava. Segundo eles, era apenas uma prostituta sob efeito de drogas. Uma mulher dançava no meio da Praça da Sé como se alg uém estivesse ao seu lado, e para nós, ela d ançava so zinha ao som de um senhor tocando violão. Ela estava cada vez mais chamand o a atenção das pessoas, e uma roda ao redor dela foi sendo formada. De cabelo curto e ruivo, para ela não mudava em nada o número de pessoas observando -a. Sua única preocupação era curtir a música, que para ela, vinha das árvores. Pelo se u modo de falar, a música parecia ser do ce, mas para quem via, era apenas um forró . Dois universos em um mesmo local, qu al seria a realidade? Não conseguíamos
imag inar
o
que
se
passava
pela
cabeça
da
moça,
entretanto sabíamos no que ela acreditava. Ela acr editava que as árvores cantavam e que não havia ninguém ao se u redor, o que no caso, não era algo que se passava para quem estava ve ndo.
Treta
Poder Abusado Ga br i e l l e Qu e i r o z
Depois de passar po r todas aquelas atividades, ficar o dia inteiro andando para cima e para baixo e m um calo r insuportável, eu não aguentava mais fazer absolutamente nada, já estava morta de tão cansada, e ainda ia ter atividade de noit e. Sei lá, eu até que tava meio animada, mas acho que era só porque a gente ia fazer slackline. Se eu não fosse um dos alunos eu ia achar que aquele monte de adolescentes era de fora de São Paulo, afinal tava todo mundo arrumado justo no centro da cidade. Era mais do qu e óbvio pra gente qu e o centro de São Paulo é um pon to turístico muito importante pra cidade, a gente não ia depredar nada lá, pelo menos eu não, mas do me smo jeito o policial tinha que vir falar co m a gente . Ele deve ter achado que como a gente tava muito agitado de noite e no meio d a praça a gente iria depredar alguma coisa lá. Já tava bem irrit ada pelo fato de andar o dia inteiro no calor. A í pra piorar o policial veio tirar a gente d e uma praça pú blica porque ele disse que nós iríamo s depredar ela e que não era permitido fazer aquela atividade lá. Com ce rteza essa fo i uma das cenas mais ridículas que eu já vi. Realmente não cab e a um policial inferiorizar um monit or de uma escola. Ele praticame nte chamou o monit or de burro , mas usando outras palavras, pelo meno s foi o que me pareceu. O monitor fe z bem, não deixou que o policial o inferiorizasse e não ficou lá para e scutar mais coisas do policial. Depois que nós saímos da praça a escola resolveu nos l evar para fazer a atividade na P raça Roosevelt, mas a gente não pôde fazer o slackline lá também porque ti nha umas pessoas treinando umas coisas de malabarismo e skate i ria at rapalhar eles. A gente pensou em ir para frente de uma igreja que tem logo do lad o da praça. Chegando
na
frent e
da
igreja
nós
tivemos
que
falar
mais
baixo porque o pad re não sabia que a g ente estava lá fazendo a
atividade, então ele não podia acordar e se ele acordasse a gente teria que ir embora, mas por ser um padre eu achei que ele n ão fosse se importar com uma escola fazendo u ma ativid ade noturna na frente da igreja. Mas infelizmente n ão foi como eu esperava. Ele aco rdou e pra piorar chamou os policiais novamente para tirar a gente d e lá. Outro monitor que não tinha a inda falado com nenhum policial, mas sabia o que tinha acontecido antes na outra praça foi falar com os policiais, então ele voltou. Ele tava muito revoltad o, mandou tirar todo o slackline e mandou a gente ir pra praça de novo . Quando a gente est ava subindo para ir para a praça o monitor mandou a gente aplaudir os policiais pe la at itude grosseira e pelo jeito de falarem com ele que também foi grosseiro. Gostei muito da atitude que ele fez a gente tomar. Afinal, acho que os policiais abusam muito do poder que têm , achando que s ão superiores a qualquer u m.
Crônica Gui l h e r me C ar v al h o
Eu estava no lado d e fora da balada. To dos estavam bem vestidos e muito ansiosos para curtire m a festa. A balada estava acont ecendo no interior da cidade de São Paulo. Depois de algumas horas vi uma pequena fumaça saindo da janela do lu gar. Todos começaram a gritar, estavam desespe rados. Depois de algu ns segundos, a port a se abriu, senti
o
bafo
quente
do
fogo
e várias pessoas
saíram tossindo.
Logo depois, chegaram os bombeiros. O evento foi uma tragédia, ainda bem que não entrei. Depois que eu fiquei sabendo que tudo começou quando uma pessoa acendeu um cigarro . O que achei um absurdo foi que o local não tinha nenhum alarme de incêndio e nenhum extintor. Um dos seguranças me falou que o lugar era novo e que não tinha nenhum recurso caso houvesse um incêndio ou alguma coisa do tipo. Perguntei para um dos bombeiros depois do acontecimento . Ele disse que cem pessoas foram para o hospital com queimaduras entre primeiro grau e terceiro grau, mais ou menos vinte e cinco pessoas quase morreram. Como isso pode ocorrer? Um lugar qu e não tem nenhum recurso para incêndio? Poderia acontecer coisa pior. Ainda bem que não morreu nenhuma pessoa. A b alada chamada "Cachaçaria" está recebendo vários pro cessos e reclamações. O lugar tende a fechar, falam as notícias. Uma das vítimas foi entrevistada. Ela dizia que todos estavam aprisionados no lugar, com a música, com tudo. Mas ninguém previa este acontecimento. Eu acho que o dono do lugar deveria ser preso ou alguma coisa do tipo. Olha o que po de acontecer! Uma coisa pequena virou uma coisa grande muito perig osa. Ainda bem qu e hoje dia é obrig atório, em lugares fe chados e abertos, ter pelo menos extintores de incêndio e alarmes de fogo. Ainda acho isso um absurdo e tomara que e ste fato ou algum pare cido não aconteça nunca mais.
Crônica J o s é M e s q ui t a
Eram onze horas, aproximadamente.
Estávamos prestes a entrar
no metrô da Pra ça da Sé. A excursão d a minha escola havia me levado para o centro da cid ade. Já estávamos na rua do metr ô quando u m amigo me disse: “Mano, olha aquilo!”. Eu olhei assustado para os lados, não
vi nada e disse
“Que é que foi!?” “Olha pra trás! Uma puta treta!”. Quando me virei, entrei em choque. Dois moradores de ru a se xinga ndo, um agarrando na blusa do outro, o to m de voz cada vez mais alto . Dei alguns passos pa ra trás e fiquei pensand o: “Por que isso!?”. Na hora me ocorreram algumas hipóteses: roubo de algo, dinheiro, drog as... Enquanto isso, a d iscuss ão se incendiava e veio o primeiro g olpe: um
soco
desferido
diretamente
no
rosto
de
um
dos
moradores.
Segundos depois, o homem “respondeu ” com outro soco. Nos minutos seguintes os morad ores desferiram pelo menos de z socos cada um, todos na cara. O sangue já escorria no rost o dos dois homens , mas mesmo assim nem se quer uma reação de defesa de ambas as partes. E repentinamente os homens se soltaram, cada um virou para um lado e saiu andando. Ap ós isso, silêncio t otal na praça, nem u ma palavra sequer tanto quant o dos espectador es quanto dos dois homens. E eu fiquei lá diante daqu ela situa ção nunca por mim vivida. Fique i pensando comigo mesmo: “Por que tamanha raiva?!” Minhas hipót eses eram plausíveis contando que esta região da cidade é bem pobre e um roubo de um simples cobertor podia ocasionar tamanha briga. O real motivo? Nunca saberei, mas desta experiência nunca me esquecerei.
Manifestações em São Paulo Ri c ar d o F o n s e c a
Eram nove horas da manhã. E stava com sono e acabava de sair da ocupação. Comecei a escutar um barulho distante, um barulho e um barulho e um barulho que parecia estar vindo em minha d ireção... Ao virar a direita na e squina, eu me deparei com uma enorme multidão formada por milhare s de pessoas vestidas de vermelho e armadas com imensas bandeiras e com uma determinação que podia se r notada a quilômetros de distância. “MST!”. “O se m -teto é o melhor!”. No centro da multidão havia u m caminhão c arregado com enormes amplificadores, e no topo estavam os líderes d a causa. Após alguns minutos assistindo, os nossos professore s maravilhados com o movimento, vimos do palácio do governo algumas pessoas saírem. Uma delas eu pude reconhecer: era o Haddad. Agora e ntão, os professores estavam quase cho rando... O prefeito
subiu
no
caminhão ,
assumiu
o
controle
do
microfone
e
começou um discurso. Um discurso muito bonito, profundo e longo. Mas após o seu término eu percebi que nada havia sido falad o.
Jogado às traças
Crônica I za be l a Be r al d i n
Vejamos onde estou? O que está acontecendo ao meu redor? Ops tropecei...
Olhe
aquelas
pessoas,
ah
não...
são
árvores,
elas
tão
dançando! Cadê me u chinelo? A h... está ali... Alguém me aju da a pegar? não estou conseguindo. Olhe ... HAHAHA ... Olharam ... Cadê todo mundo? Por que não estão igual a mim? Quero mais tequila, tequila é bo ooom! Vou perguntar para aquela mulher gordinha ali de verde e amarelo com uma vare ta na mão. Estou com sono... NÃO... não estou, quer dizer, VAMOS ACORDAR , está de manhã! Acabei pegando no sono me smo assim. No dia seguinte... Não aguento mais de tanta ressaca, mas do mesmo jeito tenho que aguentar, pois não lembro de nada do que fiz ontem e alguns dias da minha vida, porque faço isso diariamente. Quando vejo algum tipo de bebida eu acabo me deixando levar. E já é meio provável que eu possa ter feito algo a mais que não pod eria ter feito jamais, mas pelo que me lembro, acho que foram coisas que são as mais tedio sas do s dias em que lembro. Há motivo para isso estar acontecendo isso comigo, pois não sou o tipo de cara que tem a vida perfeitinh a co mo os art istas de cinema, tanto qu e não tenho mais família, emprego, casa e o que me faz esquecer disso é beber. Mas enfim, vou parar de me qu estionar e voltar para a vida e real, quero dizer, a minha rotina diária... Próximo das 9:50, indo para o bar re começar... — E aí, cara. Te m u ma pinga aí? — Tenho sim, che fe! — Passa aí uma...
No come ço é gost oso sentir o geladinho descendo pela sua garganta, mas depois de alguns copos de pinga e outras coisas, acaba virando a rotina d e conseguir ficar com uma b aita ressaca no dia seguinte e não lembrar de mais nada. Quando vou pagar essa fase d e bebedeira vejo que não tenho mais dinheiro e acabo tendo que ir para a praça mais próxima para arranjar alguns troquinhos, mas quando a polícia está por pert o, acabo me dando mal, pois arranjo co nfusão e vou preso. Será que no fundo do poço vou consegu ir me limpar e conseguir construir uma vida nova ou vou continuar com isso?
Alcoolismo Precoce L ar a P as s o s
A praça estava muit o cheia, pessoas andando por todos os lados. Parecia que todos ao redor estavam nos observ ando, nossos passos, movimentos. Tudo que fazíamos eles olhavam. Em um banco distante de todos havia um velhinho observando tudo ao seu redor, parecia ter oitenta anos de idade , tinha cabelos brancos e mãos trê mulas. Chamei meu grupo de B iologia. Tínhamos um objetivo de fazer perguntas a ele sobre o alcoolismo, as perguntas eram simples. Primeiramente o Vict or come çou a falar. O velhinho o interrompeu e
comentou
que
só
queria
as
meninas
falando.
Comecei
então
perguntando sobre o tema, o que o álcoo l causa, o que ele pe nsa, entre outras coisas. Desenvolvendo as perguntas, cheguei a uma fácil: com quantos
anos
você
come çou
a
be ber?
Surpreendentemente
ele
respondeu um núme ro que ninguém jamais esperaria: oito anos. Depois disso, falou que o pai batia nele por isso b ebia. Mas eu não conseguia parar
de
pensar
naquele
angustiados e tristes. uma coisa dessas?
oito,
aqu ele
mesmo
oito
nos
deixou
Como alguém com essa idade é capaz de fazer
Crônica L ua n Vi c c ar i J o r g e
Por que ninguém me ajudou, ninguém. Eu sei que errei, fiz para estar
aqui,
prometem
mas ajuda,
quero
ajuda,
moradia,
quero
ser
ajudada,
alimento, saúde,
então porque só
e ninguém me
ajuda ...
POR QUÊ? Tristeza, angústia, raiva, dor no coração, é mais uma merda d e dia que se vai e eu co ntinuo aqui no mesmo lugar, morando com esses ratos, baratas, expo sta as doenças, nesse lugar frio, perig oso, e que acaba me deixando cada vez mais fedida. É isso há míse ros quinze anos, pois só de pensar que h á quinze anos eu fiz aquela besteira horrível, meu ultimo fio de esperan ça que ainda me resta, apos s ó ouvir, e ouvir e ouvir mais mentiro sas e sujas e mais uma vez mentirosas promessas de ajuda, seja através d aqueles discursos d e religiosos que acreditam q ue Deus irá me salvar. Se fosse pra me salvar já teria me salvo , ou então, daqueles
babacas playboys
que
acham
que
só
porque
eles
têm dinheiro, que acham que podem tudo nessa merda de vida. É bom, não sei co mo s ó sei que espero que um dia alguém b om mesmo venha e me ajude.
É... tô t riste, tô cansada, tô puta da vida, mas realmente agu ardo o dia em que uma alma caridosa possa vir e me resgatar, mas enquanto esse ser iluminado não chega eu me perg unto... POR QUÊ?
O Pirulito L uc as M a l u f
― Oi, tudo bem? ― Oi, tira o pirulito da boca, menina. É feio. ― Tá... tá... , HAHAHAHA. Joguei o pirulito fora. Nossa , que cara machista, só porque sou mulher tenho que jo gar o pirulito fora. ― Posso fazer uma e ntrevista com você? É para a escola, sobre tabaco. ― Pode sim, mas vai ter que pagar. ― Não não , é para e scola. ― Só faço se me pag arem. ― Tudo bem, a gente paga no final. ― Qual é seu nome? ― Anderson. ― Quantos anos? ― Quarenta e três. ― Quando você começou a fumar? ― Sinceramente ... ― Sim. ― Isso ai não posso responder, porque e u n ão sei. ― Você trabalha? ― Sim, sou chapeiro . ― Por que você fuma? ― Posso falar... ― Pode. ― Porque quando t omo uma d á vontad e de fumar. Em falar sobre isso tem um cigarro para me arrumar? ― Não não ... obrigado.
Eu achei que ele ia pedir para a gente pagar. Nossa, que cara machista e sem noção. Pedir cigarro para mim? ! Tenho 15 anos.
Eles e Os Outros Ro be r t o G i u zi o N e t o
Em um dia ensolarado escaldante caminhando sobre as ru as do centro eu estava, avistei um homem sentado pedindo esmola que não tinha o que comer e nem beber. Ao vê -lo, cheguei à conclusão que temos duas realid ades muito distantes , mais distantes do qu e a muralha da China triplicada. Começando a pensar nos problemas d essas realidades, percebi que elas tinham háb itos, costumes e atrações diferentes, pelas coisas e pelas pessoas ao re dor. De um lado to d os se vestem igual, o outro a fome total; eles têm o terno e o dinheiro, o outro caminha na rua o dia inteiro; eles vão ao JK e no Vila, outros vão a 25 e a “sociedade não fica tranquila“; eles têm os iPhones e iPad s, outros têm compli cações e lugares que fedem; eles têm o escritório na praia, outros arriscam a vida pra ter a sua área. Eles fazem propaganda na televisão e no ringue de luta, os outros procuram a liberdade e não tem medo de sair na rua; eles têm a fama e a riqueza em sua palmatória, os outros têm a sua identidade e a gló ria; eles querem te levar, maloqueiro . Em carro gringo vão parar pra me averiguar. É difícil acreditar, mas um dia t udo isso irá mudar.
Mais um papel vazio para fazer volume na mesa K i m i M iy as a k a
Um saco de lixo na Praça da Sé . Mais comum nessa terra da garoa, impossível. O que tinha lá? Uma cabeça. Mais ou menos do t amanho de uma bola de boliche , um pouco mais oval. Também não falta por aí. Milhares de pessoas, a caminho do t rabalho, abriram seus jornais e, co m certeza, nem que po r um segundo, sentiram uma mistura de insegurança com o e ntusiasmo pelo fato de, finalmente, as notícias publicadas saírem dos sensacionalist as acidentes de trânsito. O responsável teria intenção de chamar atenção. “De quem” ou “Por qual motivo”, pouco importa. Tenho a impressão de que os destinatários receberam o recado e não pretendem se expor. Talvez um caso de amor mal resolvido ou uma dívida não paga. A vít ima teve suas impressões digitais minuciosamente retiradas por um objeto cortante nas mãos de um indivídu o pertencente aos 4% da população paulistana que é psicopata. Além de esquartejar a vítima e cortar as pontas de seus dedos, o sem - mais-nada-para-fazer-d a-vida ainda se deu o trabalho de conduzir cada pedaço a um lugar d a cidade . Foi o timing perfeito : as manifestações já tinham esfriado e ainda falt ava um tanto para a copa do mundo . E com este clima de “onde surgirá o próx imo pedaço” que re pito as palavras de Joseph Stalin: A morte de uma pessoa é uma trag édia; a de milhões, uma e statística.
Agradecemos Sua Atenção, Para nós, cada s or riso importa.