Escorpiao de Prata encontra Exú

Page 1

Sugerido para adultos





Revelando o Legado A memória ancestral começa a ser pos“Nós não queremos dizer, não temos a intenção de dizer, que o que vamos dizer é ta à mesa, de maneira lúdica, porém séria como o brincar das crianças, educativa verdade”. e reveladora como a fala dos Apàló (entre Segundo Nelson Mandela, no prefácio de os Yorubá), os decifradores de enigmas, seu livro Meus Contos Africanos, é assim guardiões das histórias de nossos povos, que os contadores de história de Ashanti os artesãos da palavra, os guardadores da memória das genealogias dos clãs. Para a iniciam suas narrativas. civilização Mandinga ou do Mali (império Concordo em gênero, número e grau, que na Idade Média se estendia da atual inicialmente porque as narrações se modifi- Mauritânia à Costa do Marfim), e Senegâmcam ao chegarem na calçada do outro lado bia, esses contadores são osgriô ou Djeli, da rua, imaginem de um grupo humano formando uma verdadeira instituição. para outro e, principalmente, quando pasEntre os Kimbundo, povo de Angola, é o seiam no campo das práticas e ritos ancestrais advindas do outro lado dos oceanos Muambe; Kinsamuni, para os Kikongo, na Recomo é o caso das narrativas africanas? En- pública Kongolesa. Na Europa medieval eram tretanto, afirmo sem medo que, já estava os Menestréis e Trovadores; no Nordeste bramais do que na hora desses Legados virem sileiro, os Cantadores; e de Londrina para o Brasil e quiçá para o planeta, o velho Eloyr Paà luz. checo, com sua equipe-clã-criadora: Quarto Talvez por isso de maneira ousada ino- Mundo. vadora, intercontinental e criativa dentro Para os que ainda não aprenderam a desse instrumento literário chamado História em Quadrinhos. Essa “arma” que tanto língua dos Yorubá, podem ficar descansaserviu à colonização começa a dar mostras dos: o mestre dispõe notas de rodapé com de uma outra faceta: narrar narrativas nar- tradução, dando mostra do carinho e resradas à beira das fogueiras, e que, teimo- peito que tem para com os seus leitores, samente, sempre fizeram parte de nosso provando que seu trabalho de pesquisa é quotidiano, nunca ficando somente do lado sério e sua consultoria eficiente. Aláàfia! de lá, como sempre desejaram os recalcaSeverino Lepê Correia dores das histórias dos subalternizados. A Comunidade Negra brasileira passa a ser contemplada, eu, me sinto privilegiado em prefarticipar. Não agradecemos porque o show agora é que começou: passando por um batismo de fogo, o Escorpião de Prata descobre sua ancestralidade assume sua identidade negra, justamente numa segunda-feira, referendado por Esu, Babá Inon 1 (inã), o Senhor das estradas, guardião da comunicação entre o mundo dos Ancestrais e o mundo dos mortais. Nascido em Recife, em dezembro de 1952, Severino Lepê Correia, é Psicólogo, Professor, pós-graduado em História, Doutorando em Literatura e Interculturalidade-UEPB, pesquisador das Tradições e Religiosidades Afros e Brasileiras. Jornalista radialista, foi do Mestrado de Filosofia da UFPE. Como cantor e compositor fundou o “Boca Coletiva” em 2009, e depois “Kandala Etu”, seu grupo atual. Como poeta e escritor vem participando do “Cadernos Negros”, Quilombhoje, e é um dos autores que fazem parte da obra - Literatura e Afrodescendência no Brasil: antologia crítica, vol. 3 - Contemporaneidade, organizada por Eduardo de Assis Duarte, Ed. UFMG. É autor de “Caxinguelê” (1993 e 2006) e “Canoeiros e Curandeiros: resistência negro-urbana em Pernambuco, Sec. XIX (2006). 1

- Forma arcaica da palavra “iná” (inã). Fogo, em língua Yorùbá.


06


06 07


08


09


10


11


12


13


Uma História em Quadrinhos... Outra referencia à antiga capoeira, na provocação de Exú, é o verso: “Ai, é mandingueiro? Ei, sabe jogar?”, numa homenagem ao Mestre BIMBA, de um canto cantado por ele nas rodas capoeira de en“Depois de me entusiasmar um tanto tão... A resposta a uma outra pergunta do com o Catalogador, que dá margem para Escorpião de Prata: “Quem quiser saber muitas histórias, pensei num encontro do meu nome / Não precisa perguntar / Eu Escorpião de Prata e Exú, para determinar não sou filho daqui”. Do mesmo modo, foalgumas coisas que ainda estão abertas ram ladainhas, quadras, cantos entoados sobre o personagem, normal para um per- por Mestre BIMBA, mostrando também as sonagem que trabalho como ‘obra aberta’.” andanças de Exú no tempo e a relação intrínseca dos personagens com o ritual da Eu fiquei honrado com a deferência do capoeira. Eloyr, em incluir dois personagens meus, Outro dado importante, são as saudaO Catalogador e Exú. Mãos à obra! Convidei o Marco Santiago para fazer o lápis ções e o respeito a tradição ancestral que e o Mestre Ataíde Braz para fazer a decu- Escorpião de Prata manifesta ao Orixá de pagem do roteiro com base na proposta cabeça, EXÚ e a seus antepassados: Èsú original de Eloyr. Adicionamos alguns ele- / Èsúyè, Laróyè! E, outra saudação tammentos ao texto, pertinentes e necessá- bémcom a presença de seus ancestrais: Inóninónmojúbà e emojúbà / Inóninónmorios ao seu desenvolvimento. júbà e àgòmojúbà A história de Escorpião de Prata, que Ambas saudações em Yorubá, necessárevela uma parte íntima, pessoal foi buscar nas tradições afros sua ascendência e rias, ritualísticas e de respeito, dentro do ou ancestralidade e nada mais apropriado contexto que se apresenta o personagem para o tema do que a tradição mantida e Escorpião de Prata. Enfim, afora estes elecultuada pelo povo negro e sua religião de mentos imprescindíveis para um roteiro família. O culto a família, aos antigos, aos tão profundo como este e tão revelador ao seus antepassados, deuses de suas cabe- próprio herói, outros menos impactantes e ças. Neste caso, o personagem Escorpião mais extrovertidos e até memoráveis, se de Prata, descobriu, também, um pouco apresentam espalhados nas figuras e dedesta ancestralidade e se emociona no fi- corações dos quadrinhos. nal com esta revelação surpreendente. Resolvemos prestar homenagens velaPara amparar a história em fundamentos das aos Mestres do Quadrinho Brasileiro, naturais, culturais e decontemporaneidades, Tony Fernandes, editor, desenhista, roteialguns elementos foram imprescindíveis rista, oportunizador de outros talentos bem para esta história. Poucos, mas necessá- como ao escritor, editor, roteirista, Ataíde rios... Por exemplo, no encontro nada ca- Braz (um dos autores), como personagens sual, de Exú e o Escorpião de Prata, numa da história a contracenar com o “contador segunda-feira, dia deste Orixá, a roda de de histórias” e narrador- Catalogador. Nos capoeira se abre com o som das onomato- quadrinhos, espalhados nas paredes, espeias: TIM TIM DIM, DOM DOM e novamen- tão quadros com logos das antigas Editote TIM TIM DIM, DOM DOM, que é o toque ras, como PHENIX, ETF, TAIKA e GRAÚNA, São Bento Grande da Angola, que é um jogo que tanto produziram neste imenso país. lento e cadenciado, que se vai representar E para coroar esta gama de homenagens, no desafio dos dois, um ritmo mais antigo. o jornal Gazeta de Nova Luz, de WILL, um Tudo tem um início... Um começo... Esta HQ foi uma troca de vontades, tipo o “útil ao agradável” nascida assim... O amigo Eloyr, numa troca de e-mails disse-me:

14


dos grandes talentos contemporâneos, um dos primeiros artistas a emular o personagem de Eloyr Pacheco, se faz presente com várias notícias...

velada” também nesta história quando ele ouve as mesmas palavras de um sonho recorrente... Pronto, fechávamos a história. Cada detalhe é revelador!

E para contextualizar e tornar a história, uma história real, do passado do personagem, fomos buscar um inside, um flasback apresentado na história “Fuzuê na Universidade”, onde o EP sonhava com seu avô e ele lhe dizia: “Estou orgulhoso de voce meu neto... Querendo limpar meu nome, mostrando o quanto o Escorpião de Prata é valoroso...” Esta cena se torna “re-

Por fim, para mim, foi uma grande honra ser parte deste projeto gestado por Eloyr Pacheco e somado a presteza do amigos Ataíde Braz em fazer a decupagem desta ideia e Marco Santiago que tão bem o traduziu para o papel. Também agradeço as belas cores de Adriano Felix. Uma grande honra! Lancelott

...e Toni é reconhecido por seus antepassados! Quando imaginei e depois ao lado do velho amigo Will, criei o Escorpião de Prata, não imaginava que ele chegasse a este ponto na sua “existência”.

cebendo a bagagem cultural carregada por Lancelott, pedi ajuda para organizar as ideias em um roteiro. Debatemos, acrescentamos detalhes e dele partiu a ideia de convidar o Mestre Ataíde Braz, que eu havia conhecido Vários momentos foram significativos para pessoalmente em Londrina, para decupar o que eu pensasse nessa HQ que você acabou nosso roteiro. de ler (ou não, caso tenha vindo até aqui antes de lê-la). Um destes momentos foi quando Eu me encantei com as coincidências que dei uma entrevista sobre produção de HQs, surgiram no decorrer da produção. (uma demas o foco acabou sendo o personagem afro- las Lancelott colocou na própria HQ: aquele -descendente. Foi aí que eu me dei conta dos sonho que Toni teve com seu avô na sua pripoucos personagens negros que temos nos meira HQ) A última delas, revelada por LanQuadrinhos Nacionais. Outro momento foi celott, é que Severino, que tive a honra de ter conhecido pessoas como Fátima Beraldo ter como prefaciador desta obra, é também o e José Mendes, que mais tarde me apresen- nome de seu avô. Há “convergências” no unitaram a outras duas pessoas: D. Vilma, a Yá verso palpável e no universo impalpável, que Mukumbi e Severino Lepê. nos orientam! Tenha certeza disso! Esses momentos me levaram a perceber que meu personagem poderia ultrapassar a barreira do irreal e trazer para seu âmago uma homenagem a estas pessoas e a cultura africana, que para mim se descortinava. As redes sociais me aproximaram de Lancelott Martins e seu personagem Exú... Com a ideia ainda em construção e per-

Escorpião de Prata é um personagem que ganhou vida através das HQs e com esta HQ, sem medo de cair no ridículo, posso afirmar que ele ganhou alma! Uma alma nobre! A alma dos grandes guerreiros africanos! Eloyr Pacheco 15


A produção de uma História em Quadrinhos engloba diversas etapas. Este pequeno “making of” mostra como foi feita a página 06 da HQ Legado. 01) Seguindo o roteiro, o desenhista Marco Santiago esboçou a página a lápis e, após a aprovação do roteirista, fez a arte detalhada. Nesse caso, vemos que a página já está quase toda arte-finalizada, ou seja, Lancelott passou nanquim sobre os desenhos de Marco. 02) A página, totalmente arte-finalizada, foi escaneada e “tratada” no Photoshop para deixar a arte-final com acabamento profissional.

16

03) Depois, o colorista Adriano Felix fez seu trabalho. A parte “artística” está pronta; por último foram colocados os balões e os textos para a página ser incluída na revista.




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.