Caderno de notas 1 projetos, notas & ressonancias 2011

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Conselho Editorial Ada Kroef (FUNCAP/Fac.Vale do Jaguabibe-CE) Betina Schuler (UCS/EMEF Rincão/PM-POA). Dóris Helena de Souza (SMED/POA) Eduardo Pellejero (UFRN) Gláucia Maria Figueiredo (UNIOESTE) Karen Nodari (UFRGS/Colégio Aplicação) Luciano Bedin da Costa (UFRGS/SETREM) Ludmila de Lima Brandão (UFMT) Maria Amélia Santoro Franco (Universidade Católica de Santos) Nadja Maria Acioly-Regnier (Université Claude Bernard Lyon1) Vânia Dutra de Azeredo (PUC/Campinas)

Comitê Editorial Carla Gonçalves (UFPel) Ester Maria Dreher Heuser (UNIOESTE) Sandra Mara Corazza (UFRGS) Silas Borges Monteiro (UFMT)

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Conselho Editorial da EdUFMT Presidente Marinaldo Divino Ribeiro Membros Aída Couto Dinucci Bezerra Eliana Beatriz Nunes Rondon Bismarck Duarte Diniz Frederico José Andries Lopes Janaina Januário da Silva Karlin Saori Ishii Marluce Aparecida Souza e Silva Taciana Mirna Sambrano Marly Augusta Lopes de Magalhães Ademar de Lima Carvalho Moacir Martins Figueiredo Junior Jorge do Santos José Serafim Bertoloto Elisabeth Madureira Siqueira

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Carla Gonçalves Rodrigues Ester Maria Dreher Heuser (Org.) Marcos da Rocha Oliveira Máximo Lamela Adó Patrícia Cardinale Dalarosa Sandra Mara Corazza Silas Borges Monteiro

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Copyright © Ester Maria Dreher Heuser (Org.), 2011 A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constituirá violação da Lei no 9.610/98 A EdUFMT segue o acordo ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

Supervisão técnica: Janaína Januário da Silva Revisão textual: Dinaura Batista Capa: Leonardo Garbin Diagramação e projeto gráfico: Fausto Alberto Olini Impressão: Gráfica Print

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Sumário Prefácio /

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Máximo Lameda Adó

Projeto / 13

“Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” Observatório da Educação/CAPES/INEP / 15 Patrícia Cardinale Dalarosa

Notas / 31

Glossário das Notas / 33 Notas para pensar as Oficinas de Transcriação (OsT) / 37 Notas 0 – Uma Teoria da Criação / 37 Notas I – Oficinar / 53 Notas II – Traduzir / 59 Notas III – Cartografar / 81 Sandra Mara Corazza

Ressonâncias / 97

Notas | Siglas | Sons / 99 Silas Borges Monteiro

Linhas para uma (micro)política de escrileituras: ler e escrever em meio à vida e às políticas de Estado / 111 Ester Maria Dreher Heuser

O dito e o não-dito da formação de professores nesta contemporaneidade / 121 Carla Gonçalves Rodrigues

Posfácio Plagiotropias / 129 Marcos da Rocha Oliveira

Autores / 132

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Prefácio Máximo Lamela Adó Pode-se dizer que a escrita de um incomparável escritor, como o foi Paul Valéry (1871-1945), está mais que entremeada por rasuras, artifícios da forma, mas quer constituir-se na e pela rasura. Adota a rasura como um estatuto paradoxal para a própria escrita, uma escrita na qual seus procedimentos, operações, mecanismos, voltam-se à composição de textos com fins a expressá-los para produzir o máximo de efeito ao leitor-ouvinte, leitor que se ouve e hesita a significar o lido entre som e sentido. Por isso a escrita valéryana está composta por uma variedade temática diletante, e é aí que apoia sua consistência, em uma espécie de simultaneidade na qual sensível e inteligível atuem em reciprocidade. Operando, evidentemente, por uma relação indissociável entre teoria e prática, leitura e escrita. Em domínios de interação mútua, no qual a escrita e sua outra metade, a leitura, agem como rasura, acabam por determinar o apagamento do que foi feito-lido-escrito. O que fica é uma mancha de sentido, uma tentativa de deliberar todo um orbe por meio de qualidades próprias, negar-se ao afirmar-se, atuar por meio de cortes e desvios, evasões, reescritas, repetições, atualizações, por fim, incompletudes. Um movimento que não se interessa por uma história da verdade, mas por uma história que nada narra, senão, a sua potência como contingência de composição, um escrever como experimento do trabalho de alguém que escreve para conhecer, e não escrever o que já conhece. E, mesmo assim, o conhecido de uma escrita se dá por uma relação constante com o incognoscível e imperceptível de cada escrito, dá-se em um processo inacabado e sempre recomeçando pelo meio. Pode-se dizer, então, que é com esse espírito que Valéry escreve diariamente, durante mais de 50 anos, o que constitui os 29 volumes de seus Cahiers (não excluindo seus ensaios, conferências, diálogos, poemas etc.) e é com espírito análogo que entrevejo constituir-se este

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primeiro volume da Coleção Escrileituras, Cadernos de Notas 1: Projeto, Notas e Ressonâncias. É disso que se trata! O volume está composto por três peças que se retroalimentam, a saber, Projeto, Notas e Ressonâncias. Essas peças são deliberadamente anacrônicas e independentes, mesmo que recíprocas retroativas e recursivas, ou seja, não podemos concebê-las por uma ordem de causalidade linear, aquela na qual uma causa produz diretamente um efeito. No entanto, cabe-nos dar-lhe uma composição. O tom do volume, para usar despreocupadamente uma metáfora musical, é reverberado a partir das Notas. As Notas, a sua vez, encontram certo dinamismo espaço-temporal no Projeto e estes (Notas e Projeto) são reintroduzidos e interferem no próprio processo do qual fazem parte em Ressonâncias. Temos que o produto é produtor daquele que o produz, constituindo, de certo modo, uma atualização encarnada do projeto “Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” a habitar o campo da Educação. O projeto “Escrileituras”, coordenado por Sandra Mara Corazza, traz uma jubilosa ideia de que a Educação se faz e se sente com todo o corpo. Ernesto Sábato, falando de arte, disse, certa vez, que a objeção de Nietzsche a Wagner era fisiológica: não se faz ou se sente a arte com a cabeça, mas com o corpo inteiro. Este Caderno parece afundar nessa premissa; faz do leitor partícipe, de corpo inteiro é claro, de um dinamismo espaço-temporal que é o projeto “Escrileituras” a ocupar o campo da Educação e caracterizado, aqui, por uma das peças deste conjunto desenvolvida por Patrícia Dalarosa, intitulada Projeto. Por meio de diálogos incessantemente mutáveis e relacionais, o texto Notas de Sandra Corazza tensiona as noções de criação, tradução, transcriação, oficina, escrita, leitura, escrileitura, procedimento, avaliação, diferenças, didática, crítica, texto, cartografia, a uma Educação função. — Eu funciono, diz a Educação. Procurando contornar a fadiga pastosa de uma recaída sobre opiniões acabadas, clichês que se mostram como o fim de possibilidades criadoras no plano de uma escrileitura em Educação, faz de si uma autovariação. A Educação, neste Caderno — que atua como personagem, ou ainda, criatura do intelecto, procura aumentar seu grau de racionalidade, de consciência de si, sem almejar verdades, mas, por meio de variedades irredutíveis, ou seja, diferença, fazer com que ocorrências se contraiam em imaginação. O Caderno nos faz desconfiar de toda fixidez, de

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qualquer ídolo ou condição de generalidade. O seu papel para com o projeto “Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” e, consequentemente, para o campo da Educação, é o de combinar ordens de grandezas ou qualidades incompatíveis, acomodações que se excluem; excitar a vitalidade imaginativa ampliando, a cada vez, sua funções; classificar as próprias resistências, gradações e complexidades em disposições regulares colhidas em seu campo de irregularidades. Esta Educação procura, incessantemente, o processo dos efeitos que se tornam causas, ou seja, hábitos. Daí, sempre a necessidade de fazerse como autovariação, procurar desfazer em seus efeitos as constantes que se tornam hábitos. Um esgarçar de si buscando, naquilo que já achou, os desvios que se bifurcam na superfície da cultura, como um modo de transculturação ou transformação cultural. As Ressonâncias, como retroativas e recursivas que são, atuam em três partes, todas essas três partes, inseparáveis, porém interdependentes, mesmo sendo autônomas, foram apresentadas pela voz de seus autores no “Seminário Especial Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” ocorrido na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul no dia 09 de maio de 2011- autores estes que são, também, coordenadores de núcleos que compõem o projeto “Escrileituras”. Talvez tenha sido Silas Monteiro, em seu texto “Notas | Siglas | Sons”, mais que qualquer outro, o responsável pela atenção às siglas corazzianas como experiência fônica ao modo derridiano da différance. Atenção esta que se fez reverberar em seu próprio nome: Si(g)las, grassando-o pelo meio, destraçando, pela política derridiana do nome próprio, a origem desse “autor” que fala, já que, como se sabe, a política do nome próprio em Derrida trata do uso do ouvido, e seu nome confundir-se-ia, assim, com o próprio tema proferido. Parece ter sido Ester Heuser quem, com seu texto “Linhas para uma (micro) política de escrileituras: ler e escrever em meio à vida e às políticas de Estado”, soube, mais que apontar, fazer soar um modo de procedimento de uma política de forças para uma política de oficinar frente à pergunta “o que acontecerá?”, precedente e procedente de uma Política de Estado que perpassa toda uma constituição do projeto “Escrileituras”, não sem suas prudências e multiplicidades. E, quiçá, tenha sido Carla Gonçalves Rodrigues que, com seu texto “O dito e o não-dito da formação de professores nesta contemporaneidade” tenha nos dado a ouvir naquela ocasião e a ler nesta, certa necessidade de enlaçar a formação docente

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a uma incomensurabilidade entre o respirar e o atuar na formação de professores.

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“Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” Observatório da Educação/CAPES/INEP Patrícia Cardinale Dalarosa Disparador de cenários que pensam a Educação com e na vida, o Projeto “Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” encontra potência no ato de criação textual. Uma proposta vazada no plano de imanência do pensamento (deste mundo) e pretensiosamente alargada na possibilidade da invenção de outros fazeres. Nesse sentido, torna-se corpo e produz matéria de pesquisa na prática operatória de suas oficinas: oficinas de escrileituras, lócus de produção. A abrangência conceitual e territorial deste Projeto implica, entre outros, o estabelecimento de ações partilhadas e desenvolvidas por dentro e no entorno do conceito de escrileitura, tal como é afirmado no próprio título. O trabalho, destarte, é inscrito por uma via de experimentações de leitura-escritas, compreendidas como possibilidade de efetuações do pensamento. A partir das indicações de Corazza,1 tomamos a escrileitura como texto que reivindica uma postura multivalente do leitor, estabelecida na co-autoria entre quem lê e quem escreve simultaneamente, em lugarizações diversas. Assim, a ideia da escrita como um processo de escrileitura, remetido a uma escritapela-leitura ou uma leitura-pela-escrita, propõe um texto aberto às interferências do leitor e, portanto, escrevível ou traduzível de variadas formas. Trata-se do texto produtivo, do texto que ganha existência na medida em que o seu leitor é um produtor-tradutor de significações, de sensações, de sentidos, de conceitos, de vidas. Na arquitetura do Projeto, uma superfície constituída de ondulações, retas, tempos, ângulos, aberturas e desníveis: componentes

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da organização metodológica pensada através de oficinas. Estas, ao contrário da incorporação de um ofício, querem a criação de outros modos de pensar o vivido no campo das singularidades, querem a experimentação de outras formas de expressão, de afecções e de modos de enfrentar e ordenar o que não está materializado no campo da aprendizagem. Cada uma das oficinas compreende um convite à escrita e à leitura: escrileitura desdobrada em saberes, histórias, aventuras, problematizações, musicalidade, arte, fantasias e fruições. O texto, portanto, se exerce como um ato de sedução do pensamento, que seduz o outro porque o deseja. Em Barthes,2 temos que “o brio do texto (sem o qual, em suma, não há texto) seria a sua vontade de fruição: lá onde ele excede a procura, ultrapassa a tagarelice e através do qual tenta transbordar, forçar o embargo dos adjetivos – que são essas portas da linguagem por onde o ideológico e o imaginário penetram em grandes ondas”. Um modo de texto em que o autor seja entornado na própria intersecção escrita-leitura-texto, cujo processo de decomposição e de desocupação dos territórios identitários permita uma possibilidade de abertura ao inusitado, à raridade e ao desejo de escrever. Trata-se do trabalho com diferentes linguagens, provocador de outros modos de relação com a escrita, com a leitura e com a vida. A modalidade de ação proposta por meio de oficinas, dessa forma, compreende a experimentação como condição da aprendizagem, uma vez que possa convocar ao exercício do pensamento. Os processos disparadores da criação textual colocam um problema em cena: a ser lido, falado, enunciado, perguntado, transformado e escrito em suas variadas formas. Como encontramos em Nietzsche,3 a vida é disparadora, como obra de arte: quando o desordenamento é necessário à criação, bem como a afecção, a transgressão e a abertura, ao encontro inesperado com outro corpo, seja ele um texto, uma imagem, uma pergunta, um pensamento, um humano... Trata-se de pôr, em experimentação, o que não se conhece, através de uma espécie de infância do mundo. E, na extensão de sua estrangeiridade, fazer falar e escrever outra língua na liberação de forças mais criativas. O conceito de escrileitura, portanto, insere o Projeto na dimensão imaginativa de toda a escritura ou texto de fruição. Ou seja, faz nascerem 2008, p.20. 2005.

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novos modos de produção e de inscrição de sentidos, de histórias, de vidas, de coisas no mundo, entre outros; que acontecem através e entre os espaçamentos não pensados, no imenso campo de possibilidades que há entre os objetos brutos, para dizer da importância do outrem na criação. A escrileitura, como exercício imaginativo, está na abertura. Ela produz intensidades que se distribuem para além do deslocamento físico. Como em Deleuze,4 podemos experimentar todo o tipo de vida sem, necessariamente, qualquer movimentação física: As intensidades se distribuem no espaço ou em outros sistemas que não precisam ser espaços externos (...) quando leio um livro que acho bonito ou quando ouço uma música que acho bonita, tenho a sensação de passar por emoções que nenhuma viagem me permitiu conhecer.

Assim, as escrileituras existem como rizomas abertos a conexões improváveis, fazendo vazar sentidos e imagens outras: tessituras, velocidades, conexões, intensidades, singularização. Esquizolinhas... “Não existem pontos ou posições num rizoma como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem somente linhas”.5 Portanto, “há tipos de linhas muito diferentes na arte, mas também numa sociedade, numa pessoa”.6 Interessam, aqui, as noções de encontro, de acontecimento e de interceptação do mesmo, para pensar e produzir novas escritas e aprendizagens. A experimentação é entendida como algo que força o pensamento a pensar, com potência suficiente para o esfacelamento daquilo que impede outros modos de relações, outras formas de expressão, outras aprendizagens e conexões. Trata-se de um modo de produção que quer saltar do sítio sombreado de velhas árvores conhecidas do Éden em direção à massa disforme da imaginação, por onde brotam desertos, saqueadores, combates, festas dionisíacas e intensidades que não se submetem à força da recognição, mas que inauguram novas formas de ler-escrever. Na aventura da criação e da reverberação de sentidos, conceitos e afectos, a escrileitura produz contágios que convidam à invenção 2001. DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.17. 6 DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.47. 4 5

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de outra língua, pela qual não há suporte ao re-sentimento. Ocupa-se de conexões estrangeiras à palavra generalista e inaugura uma língua escapista, inventora de outros conectores. Trata-se da dispersão linguística produzida nos espaços intermediários da comunicação. Espaços, estes, situados entre o dito (nomeado) e o não dito. Brechas por onde a língua se distrai dos modelos representacionais e força a palavra a fazer outros nexos, a dizer o que ela não poderia dizer. Quando faz passar o pensamento e abre-se para a repetição da singularidade. Dessa forma, o escrileitor pode experimentarse como corpo-aberto ao movimento da criação de conceitos, como se estes fossem a própria encosta do guardador de textos. Os conceitos, diz Deleuze,7 “são totalidades fragmentárias que não se ajustam umas às outras, já que suas bordas não coincidem. Eles nascem de um lance de dados, não compõem um quebra-cabeça. E, todavia, eles ressoam...”. Para fazer ressoar um conceito, o escritor passa pela terra desértica, préconceitual e anterior à escrita: lugar de reverberação da história. Neste plano, um conceito pode retumbar e somar-se a outro(s), produzindo um terceiro, quarto, quinto.... novo conceito, inaugurando a diferença a cada repetição, conexão e deslocamento conceitual. A criação, assim logo , é uma necessidade de efetuação, produzida no estancamento do fluxo já conhecido e contínuo: quando algo de fora da linguagem força o descontínuo de uma existência em sua diferenciação. Em Diferença e repetição, Deleuze8 propõe a reversão do conceito de repetição. O filósofo parte do suposto de que a repetição não é a generalidade, opondo-a exatamente àquilo que compreendemos enquanto reprodução do Mesmo. Isso faz nexo com a ótica pela qual é possível tratar a dinâmica da repetição linguística sem ligá-la às ideias de equivalência ou semelhança. Nesse sentido, o escrileitor pode produzir seu texto no arranjo de conceitos, criando novas linguagens num processo de repetição como comportamento, mas em relação a algo único ou singular, algo que não tenha semelhante ou equivalente. Ao tomar a leitura e a escrita no sentido da novidade, o Projeto opera estes conceitos como processos de pensamento. Sendo assim, cada exercício de pensamento refere uma temporalidade própria ao

1997, p.51. 1988.

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período de sua aventura: com paradas provisórias, velocidades que passam da aceleração infinita às lentidões necessárias, esgotamentos, vôos alucinados, desatinos, excessos, escassezes de ideias, combates, multidões, inspiração, musicalidade, solidão e fome. Remete a uma escrileitura que transita em outros tempos que não apenas este, cronológico, e que abre passagem para existir ao seu modo, de outras maneiras possíveis para inscrever sentidos, signos e sensações (conservadas em textos imagéticos ou não). “Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” compreende um projeto de pesquisa que pensa o próprio caminho de sua investigação, que se utiliza de percursos desconhecidos para traçar desvios e operar rupturas no já sabido, reconhecido e legítimo. Sua metodologia adquire e produz tonalidades contemporâneas na aproximação com Nietzsche, Foucault e Deleuze. Além de problematizar e desconstruir as noções de letramento vinculadas à filosofia humanista, principalmente quando implicadas por conceitos de sujeito, de realidade e de verdade, remete à experimentação da terra desconhecida (a ser pesquisada), sem a firmeza do solo platônicocristão das representações. Foucault, em seu devir estrangeiro, arrastanos à estrangeiridade da pesquisa e ao estranhamento de todo o tipo de convicção quando topamos o convite do arqueólogo em seu trabalhoviagem exploratório. Assim, o Projeto lança mão da ideia genealógica da dispersão, ou seja, de um método cuja preocupação maior está justamente no jogo do discurso, no jogo que lhe é imanente, no qual seus enunciados aparecem de modo disperso e heterogêneo, em um estado tal de revezamento que permite trocas de posições, supressões, substituições e aparições descontínuas, em estado dançante, molecular e caóide, ao qual se pode imprimir, a qualquer tempo e interesse, um determinado ordenamento político. Cabe ao método genealógico, então, pesquisar este solo de estabelecimentos conceituais supostamente verdadeiros e universais. Ele colocará os conceitos em perspectiva genealógica, investigará as variações espaço-temporais e mudará as perguntas generalizadoras que buscam “o que é aprender?”; “o que é ensinar?”; “o que é ler?”; “o que é escrever?”; “o que é pensar?”, por exemplo, por outras que possam perguntar: “quais as condições possíveis para o pensamento?”; “em que condições acontecem a leitura e a escrita?”; “como e quando surgem leitores-escritores?”. Tal pesquisa, portanto, coloca em evidência o drama do

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saber investigado, posto que esteja atenta as suas irregularidades e variabilidades, problematizando a sua dimensão hegemônicorepresentacional. É, pois, movimento descontínuo que permite explorar em solo desconhecido e encontrar raridades ou individuações não recobertas pela imagem do pensamento representacional. Assim logo, faz aproximações entre o pensamento de Foucault e o pensamento deleuziano. Permite que pensemos a pesquisa como aventura, da qual não se pode desembarcar com o mesmo corpo. Por meio de oficinas, a pesquisa propõe-se a enfrentar o perigoso plano de imanência, sobre o qual os corpos encontrarão velocidades e variações infinitas. Por onde “o pensamento reivindica somente o movimento que pode ser levado ao infinito”.9 Em Deleuze, um conceito é um estado caóide. Algo desta afirmação compõe a imagem de um mergulho no caos, fora da linguagem representacional. Deste mergulho, breve, opera-se um retorno de pensamento: do caos tornado consistente. Uma espécie de salto radical sobre a loucura, na inversão das palavras, no reverso dos sentidos, no abandono de convicções, no devir criança... Enfim, o próprio acontecimento. O acontecimento, diz Deleuze,10 “não é o que acontece (acidente), ele é no que acontece o puro expresso que nos dá sinal e nos espera”, uma vez que “o ator efetua o acontecimento...” porque lhe é necessário e não há como não fazê-lo. Se as caóides, as três filhas do caos, a filosofia, a ciência e a arte, são formas de pensamento, como afirmam Deleuze e Guattari,11 são, igualmente, realidades produzidas em planos que recortam o caos. Planos, estes, que só podem coexistir na dimensão de um estado de sobrevôo, uma forma em si de junção a qual Deleuze e Guattari nomearam por cérebro. Em se tratando de um Projeto ocupado da aprendizagem enquanto processo de pensamento e, portanto, produtora de leituras e de escritas desejantes, produz um movimento de retorno do estado caótico: traça um programa e cartografa o ambiente da pesquisa durante o próprio percurso. Cartograficamente, situa pontos que se sobrepõem, recorrências, detalhes de raridades e intensidades. Trata-se de um método que só é possível no tempo lógico de sua

DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.53. 2000, p.152. 11 1997. 9

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produção. Estabelecido nas fronteiras do território pesquisado, possui bordas que demarcam extensões de forças, cujas contrações podem, a qualquer tempo, ora repulsar e ora aspirar outros objetos de análise. Arqueologicamente, as oficinas de escrileituras constituem uma metodologia encenada, que deseja colocar o pensamento em cena, desde um modo possível de pesquisar, desalojado de um contínuo de procedimentos pré-definidos, mas que compõem uma prática a ser inventada, documentada, analisada e produtora de sentidos, afecções, conceitos, relações e aprendizagens. A metodologia de trabalho do Projeto “Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” compreende um modo de intervenção investigativa nas formas de aprender e, como tal, prevê a modalidade de oficinas como possibilidade da pesquisa ser realizada por seus próprios participantes. Para tanto, refere um plano de trabalho organizado em tempos, espaços e propostas específicas a cada encontro e tipologia de oficina. As seis modalidades de oficinas são, inicialmente, propostas como seis linhas de intensidades a serem multiplicadas numa cartografia intensiva. Como possibilidades territoriais de novas singularizações, estão articuladas aos três planos do pensamento apresentados por Deleuze e Guattari: a filosofia, a arte e a ciência.12 Estes constituem o terreno das oficinas propriamente ditas: filosofia, teatro, lógica, música, biografema e artes visuais. Na dimensão aberta de seu texto, o Projeto sugere que outras formas de experimentações possam produzir-se junto a estas:

Oficina de artes visuais Oficinar em meio às artes visuais: propor a experimentação de objetos percebidos, porém não estratificados e ainda desconhecidos ao intelecto. Trata-se de ver, com os olhos, através das sensações. Como em Valéry,13 operar certa disjunção entre o intelecto e a sensação, a fim de fazer contato com a imagem em seu estado anterior à interpretação, numa espécie de apreensão do fenômeno ainda não codificado no plano

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dos valores, mas passível de constituir-se como ponto de partida para a sua escritura. Uma escrita que se efetua na expressão do desconhecido, demoradamente tocado pelos olhos (e mãos) que, por necessidade, colocarão a visão sobre um suporte. Trata-se do diálogo entre o eu que vê e o eu que escreve em processo de criação, ou seja, inventa-se mesmo aquilo que seja mais familiar na medida em que o modo de ver é inventado através de sua expressão. Deleuze,14 em Proust e os signos, convida-nos a pensar a respeito daquilo que a aprendizagem da literatura e da arte tem a ensinar acerca da aprendizagem. Nessa questão, temos que a arte não é um alvo, um ponto fixo a ser atingido, mas um atrator caótico, um ponto tendencial, sem possibilitar falar em regimes estáveis ou em resultados previsíveis. Colocar a aprendizagem do ponto de vista da arte é colocá-la do ponto de vista da invenção. A arte surge como um modo de colocação do problema do aprender. Toda aprendizagem começa com a invenção de problemas. Neste plano disforme do encontro, temos o nascedouro de uma escritura que faz arte, cujo percurso pode liberar o pensamento “daquilo que ele pensa silenciosamente, e permitir-lhe pensar diferentemente”.15 Assim, também, o escritor-artista se arriscará no encontro daquilo que o pensamento ainda não havia pensado ou artistado.

Oficina de biografemas Biografematizar em meio aos corpos que se produzem artistadamente por escritas vívidas. Uma oficina de escritura biografemática, implicada por movimentos disparadores do pensamento, o que significa escrever os detalhes de uma vida, as raridades que passam despercebidas ou que ainda não foram significadas e partilhadas no plano cognitivo. Transformar detalhes insignificantes (sem significação prévia) em signos de escrita. Utilizar estes signos (aqueles que podem encantar) como disparadores de um novo texto, ou seja, da escrita de uma vida em experimentação e que, portanto, é produzida na potência da invenção de sentidos. Trata-se da invenção de conectores entre

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1987. FOUCAULT, 2007, p.14.

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ficção e realidade, entre imaginário e história biográfica. Assim, a escritura ficcional não é menos verdadeira do que aquela que se acredita no terreno da verdade: cada traço, um detalhe, e cada detalhe, uma nova escritura. Trata-se, portanto, do acontecimento (escrita) de uma biografia, na qual os traços são inventariados. Esta oficina, como as outras, convoca seus integrantes à postura da produção: produzir com o autor do texto lido, ao ponto de tornar a escrita uma necessidade de reinvenção do eu que escreve.

Oficina de filosofia Espaço de oficinagem do pensamento. Uma oficina de filosofia convida a pensar o próprio pensamento filosoficamente. Seu desterritório é habitado por estranhamentos que submetem a razão ao estrangeiro. Trata-se de uma espacialidade capaz de produzir outros modos de falar e de escrever o inefável, seja através da dança (jogo e movimento), da música, do cinema ou do teatro. Uma proposta de escrita oficinada por dentro do próprio texto, no qual o dentro comunica-se com o fora da escrita e, na mesma superfície, passa a conversar com o seu escritor-leitor simultaneamente. Texto de objetos que se produzem e ganham vida no exercício da linguagem, e que passam a dialogar e a produzir encontros de autorias inesperadas. O escrileitor é também considerado texto, pretexto, personagem e escritor que experimenta a superfície movediça do vivido. Ele compõe autoria com o que encontra ou com quem quer que seja que o encontre. Uma oficina provocadora de sentidos e produtora de conceitos na experimentação de sensações, afectos, desejos e outras maneiras de ser e de escrever o indizível... O texto, portanto, é único, múltiplo e infinito, porque ele se fabrica durante o processo da oficina e toma a direção que lhe surgir com mais energia, durante a ocorrência de vetores que desafiam a gravidade das forças. Descontinuamente, novas conexões de conceitos provocam o pensamento e permitem uma existência possível no campo da linguagem. Cossutta16 faz referência ao “intermediário entre a imagem e a forma, entre o vivido e o abstrato” em sua abordagem acerca do conceito. Quanto à semântica conceitual, Cossutta sugere

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que o conceito “é construído no seio da própria atividade filosófica” e que “o texto rearticula conjuntos nocionais, desloca sentidos fixados e cria expressões novas...”.17 Nessa perspectiva, a escrita constitui-se e organiza-se internamente através dos conceitos que consegue anexar ou inventar através de composições. É experimentação de vida na medida em que fabrica aberturas à escrita, compartilhada no encontro, através do qual, leitores e escritores possam trocar de posições e participar um da escrita do outro: quando ler e escrever confundem-se na própria coexistência. Oficinar o pensamento, através de relações textuais, significa um movimento de afirmação da filosofia como ato de criação. Ela está na criação de conceitos possíveis, como escrevem Deleuze e Guattari:18 “a filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos”.

Oficina de lógica e pensamento matemático Oficinar em meio a referentes que cortam e recortam o caos. A ciência tratada como um plano de pensamento e, portanto, uma modalidade do aprender que demanda a ordenação lógica do conhecimento. Envolve a invenção e o estabelecimento de relações entre espaços, formas, grandezas, medidas, números, operações, funções, bem como os modos de criação e de tratamento das informações organizadas. O plano de pensamento da ciência, tratado por Deleuze e Guattari,19 situa um plano de referência ao qual importa a atualização do virtual, o estabelecimento de limites através de funções e, portanto, um modo de renúncia às variações infinitas do caos. Nesse sentido, a potência do pensamento lógico-matemático implica a tradução e a ordenação de objetos, de variáveis e de funções procedentes de problemas. Assim, também implica o estabelecimento de territórios inventivos e efetuados por necessidade de criação. Trata-se de um plano capaz de produzir cortes no infinito através de desacelerações que definem, por sua potência, objetos passíveis de finitude.

I bidem, p.42. 1997, p.10. 19 Idem. 17 18

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Oficina de música e corpo Musicalização como possibilidade de invenção, de sensibilização e de problematização. Esta oficina trata a música como um modo de expressão da linguagem que ela própria fabrica. Sua potência consiste na abertura a outros modos de sentir e de pensar o vivido. Implica a criação de conectores possíveis entre os diferentes modos de expressões musicais através de audições, de performances e de composições que possam colocar a música em estado de arranjo textual. Para o escrileitor, escrever é dar passagem à vibração dos sentidos e daquilo que é pensado, através, mesmo, do modo de olhar e de experimentar o mundo. Assim, ele sugere ter olhos na ponta dos dedos para tocar a vida com vida. Ter olhos até na ponta da língua para sentir o gosto de tudo pela primeira vez, como se enchesse de estrelas o céu da própria boca. Ou seja, trata-se de pensar com o corpo, de dentro do mundo, longe de qualquer neutralidade, assepsia ou distanciamento científico; significa sentir a vibração do e com o corpo, tocar e colocarse num estranhamento sonoro, como que uma viagem à infância que habita todo o tipo de novidade e, portanto, necessária ao espírito. Importa o que se processa no encontro dos corpos: tímpano, pandeiro, mãos, papel, cordas vocais, etc. Para além dos significados do corpo e do pensamento em si mesmos. O que há nos corpos, diz Deleuze,20 “são misturas: um corpo penetra outro e coexiste com ele em todas as suas partes, como a gota de vinho no mar ou o fogo no ferro. Um corpo se retira de outro, como o líquido de um vaso”. Em Nietzsche,21 o conceito de corpo aparece voltado à arte em seu caráter mais subversivo, de modo a impor-se diante do pensamento racionalista: O corpo é uma grande razão, uma multiplicidade com um só sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor (...) Há mais razão no teu corpo do que na tua melhor sabedoria (...) O ser próprio criador criou para si o apreço e o desprezo, criou para si o prazer e a dor. O corpo criador criou o espírito como mão da sua vontade.

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2000, p.6. 2006, p.60.

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Trata-se, na perspectiva nietzscheniana, de uma corporeidade afirmativa, com potência criadora. Tratar a relação corpórea da música como, também, sugere-nos o postulado de Spinoza ao referir-se ao corpo humano:22 O corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, enquanto outras tantas não tornam sua potência de agir nem maior nem menor.

Oficina de teatro Não o teatro da representação, mas o teatro realizado no plano de imanência do pensamento, teatro da encenação, que põe em cena o processo de singularização. Uma oficina de escrileitura teatral constitui-se como espaço de apresentação e de invenção de conceitos ainda não pensados ou atuados, os quais, por sua vez, animam e são animados na tradução de outras formas de expressão: para além dos textos automáticos, assépticos, interpretados e submetidos a exercícios representacionais. Experimentação cênica do pensamento: modo de expressão elaborado fora da representação de um eu fixo; significa por em movimento o que é produzido entre os corpos ao inventar e desfazer personagens. Um modo de expressão textual com máscaras, ecos e disfarces da realidade, que encena a repetição de gestos corpóreos da diferença e, portanto, encena a singularização possível de ser vivida e escrita. A oficina de teatro permite embaralhar e mudar códigos de lugares, pela intensidade e pela vida afirmada na potência do que é inventado.Dessa form, remete à infância como um lugar de escrileituras. No Abecedário,23 situando-nos na letra E de Enfance [Infância], podemos encontrar uma aproximação entre o ato de escrever e a ideia de encenação da infância:

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2007, p.163. 2001.

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A literatura e o ato de escrever têm a ver com a vida. A vida é algo mais do que pessoal. (...) Mas também não se escreve pelo simples ato de escrever. Acho que se escreve porque algo da vida passa em nós. Qualquer coisa. Escreve-se para a vida. É isso. Nós nos tornamos alguma coisa. Escrever é devir (...) escrever é mostrar a vida... É gaguejar na língua... Na Literatura, de tanto forçar a linguagem até o limite, há um devir animal da própria linguagem e do escritor e também há um devir criança, mas que não é a infância dele. Ele se torna criança, mas não é a infância dele, nem de mais ninguém. É a infância do mundo...

Características do eixo comum às oficinas: transdisciplinaridade; imersão na estrangeiridade dos textos oficinados; aportagem de problematizações acerca do vivido; produção de pesquisas; exercício de escrileitura; espaço de correlações entre leitura, invenção, sensações, afectos e pensamento; vivência de diferentes processos de singularização. Participantes das oficinas: estudantes de licenciaturas, no eixo Educação Superior; docentes da Educação Básica de Ensino, no eixo profissional; alunos da rede pública de ensino, nos eixos da Educação Básica e da Educação de Jovens e Adultos. Núcleos componentes da Rede de estudo e pesquisa do Projeto: Universidade Federal do Rio Grande do Sul – coordenação geral e do núcleo UFRGS: Profª Drª Sandra Mara Corazza; Universidade Federal do Mato Grosso – coordenação do núcleo UFMT: Prof. Dr. Silas Borges Monteiro; Universidade Federal de Pelotas – coordenação do núcleo UFPel: Profª Drª Carla Gonçalves Rodrigues; Universidade do Oeste do Paraná – coordenação do núcleo UNIOESTE: Profª Drª Ester Maria Dreher Heuser.

Referências BARTHES, Roland. Ensaios sobre teatro. (Trad. de Mário Laranjeira). São Paulo: Martins Fontes, 2007. ____. O prazer do texto. (Trad. J. Guinsburg). São Paulo: Editora Perspectiva, 2008.

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CORAZZA, Sandra Mara. Artistagens: filosofia da diferença e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. 84 _____. (Org.). Fantasias de escritura: filosofia, educação, literatura. Porto Alegre: Sulina, 2010. _____. Os cantos de Fouror: escrileitura em filosofia-educação. Porto Alegre: UFRGS; Sulina, 2007. COSSUTTA, Frédéric. Elementos para a leitura dos textos filosóficos. (Trad. Angela de Noronha Begnami). São Paulo: Martins Fontes, 2001 DELEUZE, Gilles. Conversações. (Trad. Peter Pál Pelbart). Rio de Janeiro, Editora 34, 1992. _____. Diferença e repetição. (Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado). Rio de Janeiro: Graal, 1988. _____. L’ ABÉCÉDAIRE de Gilles Deleuze. Entrevista com Gilles Deleuze. Editoração: Brasil, Ministério de Educação, “TV Escola”, 2001. Paris: Éditions Montparnasse, 1997. 1 videocassete, VHS, cor. _____. Lógica do sentido. (Trad. Luiz Roberto Salinas Fortes). São Paulo: Editora Perspectiva, 2000 _____. Proust e os signos. (Trad. Antonio Carlos Piquet e Roberto Machado). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987. _____; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1 (Trad. Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa). São Paulo: Editora 34, 1995. _____. O que é a filosofia? (Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz). Rio de Janeiro: Editora 34, 1997b. 2ª Edição. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. (Trad. Salma Tannus Muchail). São Paulo: Martins Fontes, 1999. _____. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. (Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque e José Augusto Guilhon Albuquerque). Rio de Janeiro: 2007.

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____. Microfísica do poder. (Trad. Roberto Machado). Rio de Janeiro: graal, 1990. 9ª Edição. HEUSER, Ester Maria Dreher. Pensar em Deleuze: violência e empirismo no ensino de filosofia. Ijuí: Ed. Unijuí, 2010. KOHAN, Walter Omar. Filosofia para crianças. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. (Trad. Paulo César de Souza). São Paulo: Companhia das Letras, 2006. _____. Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. (Trad. Mário da Silva). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. _____. Humano, demasiado humano: um livro para espíritos livres. (Trad. Paulo César de Souza). São Paulo: Companhia das Letras, 2005. SPINOZA, Benedictus de. Ética. (Trad. e notas de Tomaz Tadeu). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2007. VALÉRY, Paul. Degas, dança, desenho. (Trad. Christina Murachco e Célia Euvaldo). São Paulo: Cosak & Naify, 2003. ______. Eupalinos ou o arquiteto. (Trad. Olga Reggiani). São Paulo: Editora 34, 1999. ______. Introdução ao método de Leonardo Da Vinci. (Trad. Geraldo Gérson de Souza). São Paulo: Editora 34, 1998. ______. Monsieur Teste. (Trad.Cristina Murachco). São Paulo: Ática, 1997. ______. Variedades. Org. João Alexandre Barbosa. (Trad. Maiza Martins Siqueira). São Paulo: Iluminuras, 2007.

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Glossário das Notas Sandra Mara Corazza

CG – Crítica Genética DA – Didática-Artista DAT – Didática-Artista de Tradução DAT-OST – Didática-Artista de Tradução das Oficinas de Transcriação DATiana, DATiano – Derivado de DAT DiTra – Didata-Tradutor EA – Educação-Artista EC – Estética da Criação ED – Ética da Docência EL – Escrileitura EPT – Experimentação de Pesquisa-Tradução ET – Empirismo Transcendental FAC – Filosofia, Arte, Ciência FoC – Forma de Conteúdo FoE – Forma de Expressão FoEFoC – Forma de Expressão + Forma de Conteúdo IN – Inventário LiA – Língua-Alvo LiC – Língua de Chegada LiC OsTiana – Língua de Chegada das Oficinas de 33 Caderno_de_Notas_7.indd 33

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Transcriação LiM – Língua Menor LiM OsTiana – Língua Menor das Oficinas de Transcriação LiMe – Língua-Meta MECAR – Método da Cartografia OsT – Oficinas de Transcriação OsTiana(s), OsTiano(s) – Derivado de OsT PAFCs – Perceptos, Afectos, Funções, Conceitos PAT – Pedagogia Ativa de Tradução PCG – Procedimento Crítico-Genealógico PeCI – Pesquisa, Criação, Inovação PDP – Pensamento da Diferença Pura PDP + TTC – Pensamento da Diferença Pura (PDP) + Teorias das Traduções Criadoras (TTC) PDP + TTC de MECAR – Ponto de vista do Pensamento da Diferença Pura + Teorias das Traduções Criadoras do Método da Cartografia PEE – Procedimento Exploratório-Experimental PER – Perspectivismo PER-MECAR – Perspectivismo do Método da Cartografia PER-MECAR das TRATRANS – Perspectivismo do Método da Cartografia das Traduções Transcriadoras PRO – Procedimento PROs – Procedimentos PROs DATianos – Procedimentos da Didática-Artista de Tradução PROsTra – Procedimentos de Tradução PROsTRA de DAT-OsT – Procedimentos de Tradução da Didática-Artista de Tradução das Oficinas de Transcriação PROTRA – Procedimento de Tradução 34 Caderno_de_Notas_7.indd 34

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TTC – Teorias das Traduções Criadoras TRA – Traduções TRANS – Transcriação TRATRANS – Traduções Transcriadoras

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Notas para pensar as Oficinas de Transcriação (OsT) Sandra Mara Corazza

– Notas 0 – UMA TEORIA DA CRIAÇÃO I. Questões - Como entender e pensar as OsT, em termos de criação da escrileitura e do pensamento? - O que é o ato de criação? De onde surgem as formas?1 Como se dá o ato

de ver, de falar, de interpretar, de escrever num não-lugar, numa não-relação? Como pensar do lado de-Fora? O que significa ter uma ideia? O que acontece quando alguém diz: “Tive uma ideia”? O que é o ato de pensar (ou de escrever ou de criar)? Será deter-se, e depois partir novamente? Em outras palavras: como é possível o surgimento do novo e a produção do informe?

- Como considerar os processos de criação, dentre os quais, as criações literárias, cinematográficas, musicais, plásticas, científicas, até a redação de uma criança na escola? - Quais as diferenças entre processos de criação da escrileitura, estruturas e formas? - A partir de uma ideia global, um tema musical, um objeto, um

FOCILLON, 2001.

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passo de dança, um ritmo, um fato policial, como alguém desenvolve uma melodia, um quadro, um artigo, um ensaio, uma novela? Como esses primeiros elementos se desmembram em mil partes e servem de fundação à obra, em um capítulo, uma introdução, uma carta, um parágrafo, um verso? - Podemos encarar qualquer elemento de um texto publicado como o resultado dos manuscritos, croquis, esboços, correspondências, anotações em cadernos ou cadernetas, marginálias, que o antecedem? Ou como um elemento que oculta as estruturas fractais presentes no manuscrito? Como se constrói a fractalidade? - Há uma “gênese” para cada autor? Para cada século? Há “gênese”? Não seria mais nietzschiano perguntar se há uma “genealogia”? - Quais seriam (se existem) as matrizes invisíveis e originárias em literatura: os gêneros literários, as formas de poesia, os ritmos subjacentes? E em filosofia, em música, em história, e assim por diante? - Existe um “capital de formas”, conforme Georges Duby (historiador), que funcionaria para originar nossas sociedades e produções? - Como acredita Brian Goodwin (biólogo canadense), há uma formação inicial de estruturas, que determina a forma que vai emergir? - Concordamos com Jean Petitot (seguindo Husserl), que a forma é o fenômeno da auto-organização da matéria? - Se qualquer manuscrito começa com uma palavra, uma frase que, aos poucos, constitui uma forma e gera as outras formas, haveria uma forma ou um capital inicial de formas? - A forma vem antes do restante, como a palavra “estrutura” sugere? - O texto é móvel, instável, e abala qualquer estrutura ou forma pré-

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estabelecida, que nasce e morre, segundo a obra se processa? - As formas do texto emanam da escritura, enquanto esta vai se desenrolando e inclui, até mesmo, o ponto de vista criador? - A forma definitiva não é pressuposta, mas sempre inédita, como sustenta Valéry? - Aceitamos o que diz Valéry: “O vício, o erro fundamental desses explicadores de poetas (como este Sr. Mauron quanto a S. Mallarmé) é proceder sempre no mesmo sentido – procurar uma significação, como em uma anterioridade, como uma causa da forma, enquanto, na operação real, há troca e cessões recíprocas entre rima e escolha de palavras, etc., e a ideia amorfa – a qual deve ficar informe, à disposição do desejo. A obra seria impossível se fosse um tratado em um único sentido – isto é, de versificação”?2 - Os planos, esboços, esquemas pré-definidos (como Flaubert, Proust, Zola executavam) devem, em certo momento da escritura, ser esquecidos, para poder acontecer as rasuras, os silêncios, a invenção da escritura? - Como a invenção da escritura faz valer e significar elementos que antes não tinham a menor importância? Como ela inclui no mundo elementos até então ignorados? - As concentrações de informações (como o Google, a Wikipédia, outras) geram a estrutura do texto ou, diretamente, a escritura? Elas qualificam e diferenciam a escritura de um romance ou de um autor? - Como Mallarmé, Foucault, Deleuze, Derrida, pensaram e criaram? E Perec, com os seus vazios sem respostas? Raymond Queneau? Ponge? O grupo Oulipo?

VALÉRY apud BOURJÉA, 1995, p.13.

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- E nós? Criamos quando lemos e escrevemos? Como? De que maneira? Sob quais circunstâncias? Quando? Onde? Por quê?

II. Crítica Genética [CG] - Para explicar os objetos preparatórios aos textos literários (ou a uma obra de arte), penso que podemos aproveitar, do lado da crítica literária, algumas pistas (só algumas, não todas) fornecidas pela corrente denominada “Crítica Genética” (CG), desde: a) Louis Hay: germanista, que recuperou, em 1966, os manuscritos de Heine e é considerado o “fundador” da CG; b) Philippe Willemart, da USP, introdutor da CG no Brasil; c) Associação dos Pesquisadores do Manuscrito Literário (APML), fundada em 1985 e que, em 2007, se torna Associação dos Pesquisadores em Crítica Genética (APCG); d) ambas as Associações vinculadas ao Laboratório do Manuscrito Literário e ao Núcleo de Apoio em Crítica Genética da USP. - A APCG agrega cerca de 250 a 300 pesquisadores (arquivistas, filólogos, editores de textos, críticos literários, etc.), em 21 instituições no Brasil, na maioria, ligados às universidades federais; é importante, ainda, o Centro de Estudos Genéticos da PUC-SP; mais o GT da ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística – http://www.gtcriticagenetica.ufba.br/). - A APCG publica a revista anual Manuscrítica, editada por Annablume, até o n. 14; e, após, pela Editora Humanitas da Faculdade de Filosofia da USP. - “Entre a mão que escreve e o livro publicado, o prototexto: rascunhos, diagramas, rasuras, esboços. O manuscrito literário é a via sinuosa e labiríntica que figura o rigor e o acaso do processo de escrita, cosa mentale que o traço na folha em branco reveste de afeto e desejo. A crítica genética é, por isso, mais do que uma jovem ‘disciplina’; uma pontuação significante naquilo que o texto final e acabado deixou como promessa de um outro texto, suplemento aberto ao infinito das possibilidades de realização, ao ir-e-vir do sentido – sempre em processo. Por isso,

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também, desfaz a aura do mistério da criação, ao detalhar, às vezes até o limite da exaustão, o trabalho minucioso de construção artística, deslocando a noção de autoria ou gênese discursiva”. - “A CG sugere uma nova abordagem dos objetos inventados pelo homem, propondo um ‘livro’ ou um campo a ser decifrado, antes poucas vezes considerado pela crítica, campo no qual os manuscritos são portadores dos processos de criação ou da ‘ação que faz’, como diz Valéry”.3 - O alvo da CG é descobrir como a obra se tornou tal obra. - Por exemplo, os ensaios reunidos por Roberto Zular,4 no livro Criação em Processo: ensaios de crítica genética concentram essa postura analítica, nascida no final dos anos de 1960 na França e, logo, acolhida por grupos de pesquisa no Brasil. Franceses e brasileiros traçam, em Criação em processo... as trilhas já percorridas e a contribuição que apresentam para o conhecimento da escritura e do texto. Louis Hay (...), Almuth Grésillon, Philippe Willemart, Jean-Louis Lebrave e Telê Ancona Lopez, entre outros, oferecem um histórico da discussão e buscam definir os conceitos e procedimentos de uma teoria que dê conta do que Lebrave chama de “poética do processo” e Grésillon denomina “estética da produção”. - Ao contrário do preceito filológico de fixação, na pureza original do texto único ou primeiro, que caberia ao filólogo reconstituir, os críticos genéticos preferem a aventura do “texto móvel” (Willemart) que, pela sua dinâmica, institui protocolos diferenciados de leitura do fazer literário, entendido na sua estrutura múltipla como escrita sem fim, na materialidade de suas formas de inscrição. - A CG no Brasil começa, em 1985, a estudar manuscritos literários. No decorrer das pesquisas, vai-se enriquecendo com pesquisadores WILLERMAT, 2009, p.36. 2002.

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de artes, arquitetura, cinema, pintura, dança, escultura, psicanálise, ciências cognitivas, cadernos dos cientistas, aprendizagem da leitura por crianças, e até das mídias (especialmente na PUC-SP), o que leva a APML a operar três mudanças: a) o estudo da CG não abrange somente os manuscritos literários, mas o universo infindável da criação humana; b) o objeto da CG não é, exclusivamente, o estudo preparatório daquilo que antecede as obras, mas o estudo dos processos de criação, que podem ser captados tanto nos rascunhos, croquis ou esboços, quanto na obra exposta, no caso do pintor, no texto publicado, para o escritor, na dança executada, quando se trata do dançarino, ou no jogo para o ator de teatro, e assim por diante; c) a crítica genética também é possível na era do computador, da produção eletrônica, porque o disco rígido mantém todas as mudanças provocadas pelas rasuras ou substituições do escritor – se tiver o software adequado. - Os pontos de apoios teóricos mais frequentes da CG são: a semiótica; a psicanálise; a filologia; a teoria literária; a história literária; a linguística; a estilística; as ciências; a codicologia (estudo das filigranas); a leitura ótica das letras (para determinar a autoria); a constituição do papel e da tinta (para datar os manuscritos); etc. - No sexto encontro da Associação, denominado “Fronteiras da criação”, foi indicado por Daniel Ferrer5 – do Institut des Texts et Manuscrits Modernes (ITEM), do Laboratoire du CNRS (Centre National de Recherche Scientifique), Unité Mixte de Recherche/ENS (École Normale Supérieure), Paris: http://www.item.ens.fr/ – : “A crítica genética do século XXI será transdisciplinar, transartística e transemiótica ou não existirá”. - Não podemos falar de “escola francesa” nem de “escola brasileira”, pois, há pesquisadores que trabalham com Charles Sanders Peirce ou com a psicanálise, dos dois lados do oceano, ; uns somente com o manuscrito, esboços ou cadernos de anotações; outros incluem o texto publicado nas suas pesquisas; outros com marginálias, com

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correspondências ou com edições críticas, partituras, esboços dos pintores, vídeos, manuscritos das ciências exatas. - As práticas da CG dependem, assim, mais do objeto estudado do que do fato de pertencerem a um grupo ou a um país. Por isso, a pesquisa da CG não está ligada necessariamente a um centro, seja São Paulo, Porto Alegre [na UFRGS e PUC-RS], Salvador, Paris, nem a um país, mas a um estudioso que pratica essa abordagem dos processos de criação e que, no decorrer de colóquios, seminários ou reuniões, debate as questões levantadas com outros participantes. - Ao investigar a obra em seu vir-a-ser, “o crítico genético se detém, muitas vezes, na contemplação do provisório. Ele reintegra os documentos preservados e conservados – um objeto, aparentemente, parado no tempo – no fluxo da vida. Ele tem, na verdade, a função de devolver à vida a documentação, na medida em que essa sai dos arquivos ou das gavetas e retorna à vida ativa como processo: um pensamento em evolução, ideias crescendo em formas que vão se aperfeiçoando, um artista em ação, uma criação em processo”.6 - A CG não tem acesso a todo o processo de criação, mas apenas a alguns de seus índices. É possível assegurar, contudo, que, vivendo os meandros da criação, quando em contato com a materialidade do processo, pode-se conhecê-la melhor. O nome da metodologia (CG) se deve ao fato de que essas pesquisas se dedicam ao acompanhamento teórico-prático do processo da gênese das obras de arte: “Trata-se, na verdade, de uma outra possível abordagem para a arte, que caminha lado a lado com as críticas das obras, assim como são entregues ao público”.7 - O objeto da CG é o estudo dos processos de criação. Afirma Grésillon:8 “Seu objeto: os manuscritos literários, tidos como portadores do traço

SALLES, 2008, p. 29. SALLES, 2008, p. 27. 8 2007, p.19. 6 7

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de uma dinâmica, a do texto em criação. Seu método: o desnudamento do corpo e do processo da escrita, acompanhado da construção de uma série de hipóteses sobre as operações escriturais. Sua intenção: a literatura como um fazer, como atividade, como movimento”. - Os temas da CG são: a crítica literária, a correspondência, a biblioteca dos escritores, a história e a sociedade, os acervos dos músicos, a fotografia, o cinema, a arquitetura, o jornalismo, a publicidade, as ciências da mente, etc. - Os princípios da CG: vantagem do recorte feito pelo pesquisador, em detrimento do estudo cronológico da obra; inserção do documento na rede de criação; o inacabamento de qualquer texto; a visão dos manuscritos como palimpsestos; a vertigem do autor equilibrada pela busca da exatidão; a dissipação das estruturas anunciadas, reestruturadas sob a ação da racionalidade e da invenção; a produção de possibilidades nos manuscritos aventada pela busca do escritor; a tradução diferente da transcrição (OsT); o manuscrito visto como um sistema complexo e instável ou como uma reestruturação dos espaços. - Há, na CG, predominância “da produção sobre o produto, da escritura sobre o escrito, da textualização sobre o texto, do múltiplo sobre o único, do possível sobre o finito, do virtual sobre o ne varietur, do dinâmico sobre o estático, da operação sobre o opus, da gênese sobre a estrutura, da enunciação sobre o enunciado, da força da escrita sobre a forma do impresso”.9 - Os pesquisadores da CG buscam elaborar uma teoria da criação. - Conforme Salles,10 a CG surgiu com o desejo de melhor compreender o processo de criação artística, a partir dos registros de percurso deixados pelo artista, mas não se fundamenta em objeto que lhe seja próprio. O estudo do manuscrito literário seria bastante antigo, assim como os GRÉSSILON, 2007, p. 19. 2008, p.30.

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estudos dos esboços da pintura ou das partituras musicais, razão por que muitos outros pesquisadores dedicam-se também a esses objetos. Porém, o que confere especificidade ao método da CG, o que o distingue de outros estudos que também têm esses documentos como objeto, é o seu propósito – “é o fato de tomá-los como índices do processo de criação, suportes para a produção artística ou registros da memória de uma criação, e assim dar um tratamento metodológico que possibilite um maior conhecimento sobre esse percurso”. - Hoje, embora muitos escritores continuem com a caneta e o papel, a maioria digita, deleta e imprime somente a última versão do texto. Diante disso, pergunta-se: ainda é possível fazer CG nessas condições? - Para responder à questão, Willemart11 retoma as palavras de PierreMarc de Biasi, e afirma que a situação do crítico genético é bem melhor do que antes: “Graças à salvaguarda automática e programada (...) sem custo adicional de papel e de tinta, a memória do computador registrará todas as modificações que, adicionadas umas às outras, contarão a gênese da escritura (...) será um manuscrito numérico igual ao manuscrito no papel com acréscimos, substituições, supressões e deslocamentos. Não se precisará mais legar às bibliotecas nacionais volumes intermináveis de manuscritos, mas apenas o disco rígido no qual todos os gestos da escritura, classificados e datados, estarão lá, esperando um leitor (...) A era digital não será o fim dos rascunhos, mas talvez seu verdadeiro começo, sua idade de ouro (...) Até aqui a abordagem genética se ocupava apenas de exceções: arquivos miraculosamente salvos da destruição, uma centena de corpora completos por século (...) O que acontecerá quando tivermos a integralidade de todos os rascunhos? (...) Numéricos por natureza, os rascunhos de hoje têm uma estrutura pronta para o cálculo. Eles esperam as máquinas que saberão nos ajudar na interpretação”. - Desse modo, a primeira etapa de qualquer estudo genético com manuscritos – decifrar, datar, classificar e transcrever de um modo legível

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os textos – será dispensável. Nem se precisará do estudo das filigranas, da análise da tinta e do papel para ajudar na datação das versões. Vencida esta primeira etapa, terminam as diferenças entre os geneticistas que têm ou não o manuscrito no papel. Todos se reencontram na procura dos processos de criação, mas dependendo do objeto pesquisado, eles se separam uns dos outros. Um pesquisador estudará os processos de tradução adotados por Mallarmé ou por Baudelaire; um cognitivista tentará reconstituir o processo mental atuando na escritura; um crítico próximo da psicanálise tentará descobrir em que os processos de criação descobertos enriquecem o conhecimento do ser falante; outro crítico inspirado por Peirce tentará ler os processos seguindo a teoria do filósofo; outro ainda tentará descobrir como uma estrutura social afetou os processos; etc. - O crítico genético acompanha o percurso do autor “para desmontá-lo e, em seguida pô-lo em ação novamente, pois seu objeto de estudo é o caminho percorrido pelo artista para chegar (ou quase sempre chegar) às obras (...). É, portanto, uma pesquisa baseada em documentos em processo, em oposição às pesquisas que se valem de produtos ditos acabados”.12 - Como afirma Biasi, “a história dos textos demonstra que a verdade, inseparável de suas sempre relativas formulações, não é da ordem do acabamento: é uma exigência, algo que se busca, se aprofunda, se alarga, e cuja definição comunicável, sempre incompleta e provisória, é objeto de uma perpétua reescritura”. - O desafio da CG mostra-se, assim, indissociável de uma nova ética, de uma nova política e de uma nova prática da escrileitura.

12

SALLES, 2008, p. 34-35.

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III. As OsT e a CG - A CG, segundo Almuth Grésillon,13 propõe “metáforas” para explicar a criação dos textos literários, que se encontram em circulação, quais sejam: a) de tipo organicista; b) de tipo construtivista; c) e uma terceira, por ela proposta, que é a do caminho. a) DE TIPO ORGANICISTA: os textos seriam explicados por noções como: gestação, parto, engendramento, embrião, aborto, árvore, arborescência, parentescos, filiações, ramificações, germinações, enxertos, etc. b) DE TIPO CAMINHO: Grésillon propõe a metáfora do caminhar – via Antonio Machado, “não há caminho; o caminho se faz ao caminhar”, ou via o conto de Borges14, “O jardim dos caminhos que se bifurcam”. São desse tipo as metáforas de: percurso, via, atalho, trajetos, traçados, encruzilhadas, etc. c) DE TIPO CONSTRUTIVISTA (que me parece ser o tipo das OsT): nasce contra a ideia ou imagem do poeta inspirado, contra a poesia como dádiva dos deuses ou das musas, etc. A maior reviravolta aqui foi dada pelo texto de Edgar Allan Poe:15 “A filosofia da composição”, traduzido e introduzido por Baudelaire, sob o título “A gênese de um poema”. - Baudelaire16 escreve: “Agora, vejamos, o bastidor, a oficina, o laboratório, o mecanismo interno” – “um poema não nasce nunca, se fabrica”. - Este é um sentido que eu gostaria fosse atribuído às OsT: as OsT funcionando como bastidores, oficinas, laboratórios, mecanismos

2007. 2008. 15 2009. 16 2003. 13 14

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internos, canteiro de obras, fábricas, usinas, máquinas – “OsTmáquinas”17 de criação do pensamento e da escrileitura.

IV. Apoios teóricos para as OsT [work in process] - Nietzsche, sempre. Então, Deleuze e sua crítica e clínica, filosofia,

literatura, teatro, poesia, pintura, música, cinema: Hume, Kant, Leibniz, Spinoza, Bergson, Foucault, Artaud, Melville, SacherMasoch, Proust, Kafka, Woolf, Beckett, Lawrence, Miller, Bene, Bacon, Turner, Eisenstein, Rosselini, Fellini, Resnais, Buñuel, Godard... 18 - Os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, e sua prática da tradução como transcriação.19 - A antropofagia oswaldiana (Oswald de Andrade), com a sua ingurgitação distinta: encontrar sua causa, sua lógica, sua reorganização próprias, sem confundir-se com as de terceiros. - Os teóricos da Crítica Genética e Artística, com o seu bate-volta contínuo entre tradição, língua, inconsciente do escritor, estruturas nas quais se insere, etc., e o texto - sistema circular dotado de um anel de retroação positiva; descendência com modificação; operações de fronteira; a ignorância das origens e a bastardia do texto; a busca de regularidades na irregularidade dos textos; o funcionamento do pensamento; a busca por tornar inteligível o mundo que nos cerca; etc. - De Philippe Willemart (seguindo Deleuze, Condillac e outros): a primazia do verbo na frase; a maior qualidade do artista definindo-se “por seu sentir e não por seu raciocínio”; a “roda da escritura”, formada

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Cf. “Notas II – Traduzir” (Procedimentos).

Excerto da Súmula da Linha de Pesquisa 09 Filosofias da diferença e educação do PPGEDU/FACED-UFRGS. 18

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Vide “Notas II”.

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por cinco personagens e ações: a) o escritor observa; b) o scriptor inscreve; c) o autor confirma; d) o primeiro leitor “que age sempre antes das intervenção do autor” relê e rasura; e) o narrador conta. - Daniel Ferrer,20 indicando que não há uma origem exata da escritura. Para Stendhal e Joyce, no melhor dos casos, há um ponto de partida, uma data, uma primeira carta, um erro de transcrição, um signo. Como exemplo: Joyce usava 4 procedimentos para destruir a ligação com a tradição, ou seja, para fazer a recriação e a fixação de uma nova âncora para sua escritura: a) a invenção de signos para significar as personagens edipianas; b) a inversão de consoantes das palavras, o P e o K, por exemplo; c) a escrita a partir dos erros de sua copista; d) ou a partir de notas tomadas por um amigo. - Gilles Deleuze, em inumeráveis contribuições: a ideia que aquele que cria adota um ponto de vista criador (Proust e os signos); em “O que é o ato de criação”? na raspagem dos clichês (formas) (Lógica da sensação); na ideia “não se sabe como alguém aprende” e “imagem do pensamento” (Diferença e repetição); ciência, arte e filosofia criadoras (com Guattari, O que é a filosofia?); e tantas outras. - Paul Valéry, ao tratar do informe; da ideia como informe; da contingência da forma; do “método” de criação; da fabricação da concha pelo molusco – o texto emana do escritor do mesmo modo como a concha é segregada pelo molusco (Eupalinos). –Imaginar Valéry, perplexo, exclamando: “O que cria em nós não tem nome”!21 - Roland Barthes, com diversas “noções”, como: scriptor e o vaivém contínuo entre o escritor e seu meio/contexto/outros; biografema, contra a cronologia de vida e a ilusão biográfica; incidentes, punctuns; preparação do romance; literatura, escritura e texto; e muitas mais.

20 21

2000. 1945, p.892.

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- Jacques Derrida22 e o sujeito da escritura: “O sujeito da escritura não existe se entendemos por isso qualquer solidão soberana do escritor. O sujeito da escritura é um sistema de relações entre as camadas: do bloco mágico (analisado por Freud), do psíquico, da sociedade, do mundo. Nesta cena, a simplicidade pontual do sujeito clássico não é encontrável”. - Michel Foucault: a morte do autor; ontologia do presente; arqueologia; dentre outros conceitos e pontos de vista. [Em vez de uma “crítica genética” faríamos uma “crítica genealógica” das obras de arte e dos textos?] - Michel Serres,23 afirmando que “os grandes homens” não são, frequentemente, os políticos, as modelos, os artistas de novela, os que fazem os shows, aqueles que aparecem; mas, são “os pesquisadores, os artistas ou os escritores que se debruçam sobre o real da natureza, do ser humano ou das obras e tentam entender os processos de criação ou do funcionamento destes objetos, desde o mundo galáctico até uma simples ameba, passando pelos manuscritos, os esboços, os croquis, etc.”. - Henri Bergson, e sua crítica do cognitivismo. - Marcel Proust, no caderno 57, preparatório ao Tempo redescoberto, escrevendo: “da mesma maneira que a ciência não é totalmente constituída nem pelo raciocínio do pesquisador nem pela observação da natureza, mas por um tipo de fecundação alternativa de uma pela outra, da mesma maneira, me parecia que não era a observação da vida, nem a meditação solitária que constituía a obra de arte, [mas] uma colaboração de ambos, manobra na qual a ideia, o ‘cenário’ [roteiro] levado por uma das duas era, cada um por sua vez, retocado, jogado na cesta de lixo ou conservado pelo outro”.24

22 23 24

2009. 2003.

apud WILLEMART, 2002, p.69.

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- Arthur Rimbaud,25 com sua voyance (vidência): onde a maioria nada vê, ou vê apenas o caos nos milhares de informações, o criador vê regularidades (invariantes), distribuídas entre personagens, suas relações e seus discursos, as categorias de tempo, espaço, ponto de vista e de voz, etc. - D. H. Lawrence, em “O caos na poesia”, com o seu “guarda-chuva” para o desejo de caos e para o medo do caos. - Para quem se dispuser, a Psicanálise, desde Jacques Lacan (e Sigmund Freud), com o conceito de aprés-coup – o “só depois” freudiano; ler de trás para frente; “o depois se fazendo de antecâmara para que o antes possa tomar o seu lugar”.26 - Também para quem se dispuser: a Ciência Cognitiva e os chamados “cognitivistas”, como Ilya Prigogine e Isabelle Stengers,27 a Escola de Bruxelas, Jean Petitot, Francisco Varela, Humberto Maturana, Bernard Pachoud, Jean-Michel Roy, etc. - E, ainda, Virginia Kastrup e grupo, com suas “pistas do método da cartografia”;28 “políticas da cognição”;29 discussão de um “devir criativo da cognição”, conforme Luiz B. L. Orlandi,30 etc. - Não se pode deixar de rir quando se embaralham os códigos: Filosofia-Arte-Ciência-Literatura-Educação. Ideias-forças: Nietzsche, Valéry, Deleuze, Barthes e afins. Fluxos em fuga ao infinito. Atualvirtual. A violência do Fora. Pesquisa do Acontecimento: empiria transcendental. Formas de expressão puxam formas de conteúdo. Do Prazer de Ler ao Desejo de Escrever. Escrileitura-artista. Imagem do pensamento. Dinamismos espaço-temporais. Método da Dramatização: 2006. 1988a, p.197; 1988b; etc.. 27 1986. 28 2010. 29 2008. 30 2007. 25 26

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debaixo do logos, há drama. Espírito: consciência das inconsciências. Lógica imaginativa. Demônio da possibilidade. Comédia intelectual. Biografemática: programa, procedimento, operação. Passagens de Vida que atravessam o vivível e o vivido. Fantasias: entre a língua e o estilo. Máscaras, quimeras, ficções. Docente da Diferença: artesão, esteta, pesquisador. Esquizo-análise de minorações. Micropolítica. Abalos jubilatórios. Acerca do devir-infantil de currículos nômades. 31 - Et alii... Seguimos.

Área Temática “Fantasias de escrileitura: devir-infantil de currículos nômades”, integrante da Linha de Pesquisa 09 Filosofias da diferença e educação do PPGEDU/ FACED-UFRGS. 31

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– Notas I – OFICINAR I. 1. – Conceitualização - As Oficinas de Transcriação (OsT) são oficinas processuais de Pesquisa, Criação e Inovação (PeCI). - Oficinar OsT é, assim, fazer PeCI. - Por meio de uma arte menor e de um planejamento da desnaturação, as OsT constituem um campo artistador de variações múltiplas, que produz ondas e espirais; compõe linhas de vida e devires reais; promove fugas ativas e desterritorializações afirmativas. - As OsT são pragmáticas porque privilegiam a ação operatória de Perceptos, Afectos, Funções e Conceitos (PAFCs), a partir de obras já realizadas, que outros autores criaram – na Filosofia, na Arte e na Ciência (FAC) –, em outros tempos e espaços. - As OsT reconhecem as criações desses autores e obras como as suas efetivas condições de possibilidade, necessárias para a própria elaboração e execução, e, ao mesmo tempo, como o seu privilegiado campo de experimentação para exercitar possibilidades de PeCI. - Ao fissurarem certezas e verdades herdadas, ou mesmo produzidas, as OsT agem nas dimensões ética e estética, potencializando os fluxos desejantes que se insinuam entre os blocos epistêmicos e sensíveis de FAC. - Eminentemente críticas, as OsT maquinam as suas composições sob o signo da heterogênese contra a homogênese, atribuindo primado à fluidez criadora, em detrimento das normas formais. - Embora suscetíveis a regimes de ações estáveis, as OsT são sistemas

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abertos, distantes do equilíbrio e do apaziguamento, e, mesmo quando estabilizam suas ações, as OsT bifurcam-se e ingressam em novos regimes de instabilidade. - As OsT executam uma autopoiese, enquanto processo de produção do novo, por meio da criação de codificações (= Forma de Expressão + Forma de Conteúdo – FoEFoC), em campos de comutabilidade e de diferencialidades, que circunscrevem o seu funcionamento e limites.

I. 2. – Matéria - A matéria principal das OsT é a vida. - A matéria-vida é trazida para as OsT por meio de encontros com FoEFoC, produzidas por FAC: formas que compõem o mundo natural, animal e humano; foram criadas em outros meios históricos e geográficos; e são aprendidas com outros. - As OsT apropriam-se dessas FoEFoC e, ao mesmo tempo, desafiam o tempo e o espaço que as produziram; levam-nas a escaparem dos meios e autores que as engendraram; conservam traços de seus PAFCs; agenciam esses traços de outras maneiras; e avaliam o valor de seus efeitos produtivos nas OsT. - O realismo das OsT não remete à mimese do real, desde que elas procuram no real o outro misterioso da realidade, que possibilita a sua própria existência e as fragiliza, levando-as adiante.

I. 3. – Política - As OsT são suscetíveis a determinações puramente pensantes e pensadas, as quais constroem o seu Empirismo Transcendental (ET), contra o Idealismo e o Racionalismo.

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- Valorizando a multiplicidade, as OsT funcionam como meios de resistência e de luta contra a mesmidade e a mediocridade. - O gênero das OsT é impuro, pois mesclam e cruzam o que passou, o que nos afeta, e os mundos possíveis por vir. - O método das OsT é cartográfico; o seu padrão de procedimento é diagonal e transversal; o vetor de suas intensidades sensíveis e inteligíveis é a dobra. - A finalidade precípua das OsT é tornarem-se dignas dos acontecimentos que as constituem e que produzem.

I. 4. – Movimentos - Extrair acontecimentos das coisas, dos corpos, dos estados de coisas, dos seres: inventando personagens e estabelecendo ligações entre eles e os acontecimentos. - Rejeitar as modelizações confinantes, que negam o novo e requerem, apenas, regularidades, médias e métricas: priorizando a poética, o processual e a reversibilidade. - Localizar as Dobras do Mundo, entre as Dobras do Espírito e da Matéria: acedendo, assim, aos Planos de Imanência, de Composição e de Referência. - Capturar e liberar as forças inéditas e vitais, que agem sob as formas: trabalhando as potências que estas carregam e carreiam. - Substituir a relação Forma-Matéria pela relação Força-Material: associando obras, autores, criadores e tradutores, em devires de mutação das culturas. - Favorecer culturas do dissenso: reinventando novas formas,

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significações, posições de indivíduos e de grupos. - Traçar, inventar, criar linhas, que dobram os saberes, fazeres, sentires, uns sobre os outros: consoando a Filosofia, a Matemática, a Música, a Sociologia, a Literatura, as Artes Visuais, as Ciências, etc.

I. 5. – Escrileitura - As OsT passam, necessariamente, pela Escrileitura (EL). - A EL, praticada pelas OsT, acontece em atos de ruptura, de desterritorializações e de devires-outros, que são sempre deviresminoritários. - As Formas de Expressão (FoE) da EL precedem as Formas de Conteúdo (FoC). - EL instala-se em regiões de ser e de pensamento, que portam problemas que não se consegue formular; por isso, pode revelar aspectos dos seres que estavam ocultos e abrir circuitos inéditos de pensamento.

I. 6. – Procedimento geral - Por não comportarem determinismos, todos os momentos, lugares, incidentes e circunstâncias das OsT podem vir a se transformar em móveis fecundos de experimentações. - O construcionismo das OsT é efetivado por um gesto triplo: inventar um Plano Pré- OsT; dar vida a Personagens Pró-OsT; criar Traduções OsTianas de PAFCs. - Desse gesto triplo – Plano, Personagens, Traduções –, as OsT extraem Problemas para maquinar.

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I. 7. – Pragmática - Partindo de um clichê – forma, sentido, interpretação, indivíduo, identidade, subjetividade, conhecimento, certeza, verdade –, as OsT analisam a correspondente imagem dogmática do pensamento, em seus pressupostos explícitos e implícitos de senso-comum e doxa. - As OsT desenvolvem Procedimentos Crítico-Genealógicos (PCG) e Exploratório-Experimentais (PEE) para borrar, escovar, varrer, raspar o clichê, por meio do uso de um Diagrama: conjuntos operatórios de traços pré-individuais, irracionais, involuntários, acidentais, ao acaso, livres, não-representativos, não-ilustrativos, não-figurativos, nãonarrativos. - Liberadas dos clichês pelo Diagrama, as OsT podem seguir devires, em zonas de indiscernibilidade e indeterminação, além de produzir formas deformadas, figuras desfiguradas, paradoxos, não-sensos. - É assim que as OsT extraem, arrancam, isolam o material, o figural e o jogo de forças; desfazem os rostos (que são efeitos sobrecodificados) e deixam aparecer os devires múltiplos das cabeças; distribuem forças informais (na tela, na folha, no piso, na areia), pelas quais as partes deformadas estão em relação com o seu de-Fora; produzem sensações, ou seja, ações diretas sobre o sistema nervoso, através de vivências sensíveis e relacionais; fazem correr linhas de variações contínuas, em modalidades e variedades diferentes.

I. 8. – Avaliação - Os critérios de avaliação das OsT são: o vital, o interessante e o notável.

- As OsT indagam e respondem: – Como tornar interessantes e notáveis Ideias passadas, levando-as a vivificar outros devires, 57 Caderno_de_Notas_7.indd 57

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em cenários contemporâneos, mesmo ao preço de voltá-las contra si mesmas? - A par disso, as OsT avaliam a maior ou menor liberação das forças vitais dos participantes (onde quer que estejam represadas), trabalhando para que essas forças reencontrem a sua virtualidade, via a desestratificação das camadas sedimentadas de saber, poder e subjetividade.

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– Notas II – TRADUZIR II. 1. – Tratamento - As Oficinas de Transcriação (OsT), desenvolvidas pelo projeto “Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida” (FACED/ UFRGS), integrante do OBSERVATÓRIO DA EDUCAÇÃO CAPES/ INEP (Edital 038/2010), são tratadas pela via de uma Didática-Artista (DA). - A DA das OsT encontra alegria no babelismo de diferença e abertura, relacional e dialógico, passagens e transposições, pluralidade e multiplicidade de línguas, influências e textos. Logo, é uma didática translinguística, transliterária, transcultural, transpensamental, que nasce e vive em diversas obras de diferentes línguas: “Ficção de um indivíduo (algum Sr. Teste às avessas) que abolisse nele as barreiras, as classes, as exclusões”; “que misturasse todas as linguagens, ainda que fossem consideradas incompatíveis; que suportasse, mudo, todas as acusações de ilogismo, de infidelidade”. “Este homem seria a abjeção de nossa sociedade: os tribunais, a escola, o asilo, a conversação, convertê-lo-iam em um estrangeiro”. “Ora, este contra-herói existe: é o leitor de texto, no momento que se entrega a seu prazer. Então, o velho mito bíblico se inverte, a confusão das línguas não é mais uma punição, o sujeito chega à fruição pela coabitação das linguagens, que trabalham lado a lado: o texto de prazer é Babel feliz”.1 - DA opera como uma Didática-Artista da Tradução (DAT), em um duplo sentido de transcursos e circuitos de transferências: o Pensamento da Diferença, no atinente à criação e ao pensar;2 as teorias da tradução literária no Brasil, que lidam com a ideia de tradução como um processo criador, especialmente do lado de Haroldo de Campos3 e Augusto de

BARTHES, 2006, p.7-8. DELEUZE, 2003; DELEUZE; GUATTARI, 1992. 3 1972. 1 2

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Campos,4 e que são tributárias de Paul Valéry, Edgar Allan Poe, Walter Benjamin, T. S. Elliot, Jorge Luis Borges, Lezama Lima, Octavio Paz, Roman Jakobson, C. S. Peirce, Max Bense, Ezra Pound, dentre outros.5 - Assim, a tradução percorre as OsT, “como um dispositivo” que as desencadeiam “ou uma prática” que as desdobram.6 - As OsT pensam que “a vida deve ser traduzida, como processo de criação”.7 Então, DAT traduz Perceptos, Afectos, Funções e Conceitos (PAFCs) – que são lidos, ouvidos, aprendidos com outros, ou com problemas e questões que se agitam à sua volta ou em nosso entorno –, vertendo-os das línguas em que foram criados, pela Filosofia, pela Arte e pela Ciência (FAC), e expressando-os no meio, na cultura e na Língua Menor (LiM) das OsT.8 - Porém, DAT não traduz todos os PAFCs, mas privilegia aqueles que mudaram, afetaram ou revolucionaram cada uma das áreas de FAC e que, para as OsT, relevam, em termos de um projeto “de militância cultural”,9 assim como traduz aqueles PAFCs, cuja “obscuridade ou dificuldade intencional” apresenta maiores desafios de tradução: “quanto mais inçado de dificuldades”, “mais recriável, mais sedutor enquanto possibilidade aberta à recriação”,10 seguindo a posição de Augusto de Campos:11 “nunca me propus traduzir tudo. Só aquilo que sinto. Só aquilo que minto. Ou que minto que sinto, como diria, ainda uma vez, Pessoa em sua própria persona”. - A tradução realizada por DAT é, por isso, “transcriação e transculturação, já que não só o texto, mas a série cultural” “se transtextualizam no 1986. RÓNAI, 1987; PAES, 1990; LARANJEIRA, 1993; CAMPOS, 2002; MANDELBAUM, 2005; MATOS, 2005; OSEKI-DÉPRÉ, 2005; SANTAELLA, 2005. 6 CAMPOS, 1976, p.10. 7 VILLANI, 1999, p.71. 8 DELEUZE; GUATTARI, 1992. 9 CAMPOS apud MILTON, 1998, p.206. 10 CAMPOS, 1992, p.35; MILTON, 1998, p.210. 11 1978, p.7. 4 5

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imbricar-se subitâneo de tempos e espaços literários diversos”. – “Transcodagem. Tropismo. Tradução”.12 - DAT funciona sobre um plano transcendental de tradução-criação, que liga o tempo ordinário e a produção de algo novo, sem que haja “linha reta, nem nas coisas, nem na linguagem”, de modo que a “Língua Menor” (LiM) das OsT “tem de alcançar desvios femininos, animais, moleculares, e todo desvio é um devir mortal”.13 - Traduzir, para DAT, é distinguir entre descoberta e invenção da LiM, já que “a descoberta incide sobre o que já existe, atualmente ou virtualmente. Portanto, cedo ou tarde ela seguramente vem”, enquanto “a invenção dá o ser ao que não era, podendo nunca ter vindo”.14 - Talvez, a tradução de PAFCs, no espaço das OsT, possa ser chamada “des-tradução”: não tradução “como teoria da cópia ou do reflexo salivar, mas como produção da di-ferença no mesmo”;15 ou, uma “operação contra a corrente que, mais do que transferir algo do original para a língua de chegada” – no caso, a LiM das OsT –, “toma o original distante como ponto de chegada para o qual visa expandir” a própria língua;16 e, mesmo, uma “crítica de amor e de amador”, que “é cor, é som, é fracasso de sucesso, e não passa de uma conferência sobre nada”.17 - A tradução (ou des-tradução) realizada por DAT é: chave para as relações de OsT com o mundo; uma maneira de introduzir novos modelos, formas, ideias, gostos, vocabulários, sintaxes, na área de estudos e de pesquisa educacional; “uma força motriz” de “estilos novos e ideias”, nos atos de ler, escrever e pensar, que está no centro de mudanças e desenvolvimentos em Educação; “mimética e não CAMPOS, 1976, p.10-11. DELEUZE, 1993, p.12; DELEUZE; GUATTARI, 1977. 14 DELEUZE, 1999, p.9. 15 CAMPOS, 2008, p.208. 16 MANDELBAUM, 2005, p.198. 17 CAMPOS, 1986, p.10. 12 13

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mimética”, como “a ‘sobrevida’ do texto original”, que “vive mais tempo e também de modo diverso”; “uma experiência expressionista, capaz de anamorfoses, de ser ela mesma e um outro”; “um treinamento excelente”, já que “a tradução é também bom treinamento”: “quando você acha que seu original ‘vacila’ quando tenta reescrevê-lo”.18

II. 2. – Diferenças - Diante da tendência de encontrar “diferenças de grau” (“pensar em termos de mais e de menos”), onde só existem “diferenças de natureza”, DAT luta “contra a ilusão”, para “reencontrar as verdadeiras diferenças de natureza ou as articulações do real”,19 que os PAFCs carregam e traduzi-las para a LiM das OsT. - O novo, a novidade imprevisível, a imagem virtual das traduções feitas por DAT são expressos, inicialmente, por uma língua antiga, conforme Bergson:20 “Para fazer compreender o novo, por força há que exprimilo em função do antigo, e os problemas já postos, as soluções que lhes haviam sido fornecidas, a filosofia e a ciência do tempo no qual ele viveu, foram, para cada grande pensador, a matéria que ele era obrigado a utilizar para dar uma forma concreta a seu pensamento”. - Considerando que todas as línguas são diferenças que expressam diferenças, o trânsito de um PAFC (originariamente criado em FAC) à sua tradução (pela DAT) requer diálogos entre as línguas, que leve em conta a produção de diferença, com a condição que cada uma esqueça a própria origem, para se tornar dupla de si mesma. É dessa maneira que DAT pode realizar “encontros” fugidios entre os PAFCs originais e suas traduções, sem, no entanto, perder o parentesco, a proximidade, a vizinhança, entre as línguas, que é aquilo que as torna estrangeiras.21

MILTON, 1998, p.119; PAZ, 1981, p.11; MATOS, 2005, p. 79; p.132. DELEUZE, 1999, p.13; p.14. 20 2006, p.127. 21 DELEUZE, 1998a. 18 19

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- Porque uma espécie de anacronismo latente faz com que as literaturas compartilhem espaços e tempos heterogêneos e simultâneos; e porque a tradução “não consiste na assimilação do outro a si mesmo, mas uma aproximação da distância, uma transposição de uma cultura estrangeira através dos expedientes da escritura que transforma, por assim dizer, a primeira, já que a tradução não é cópia, mas modificação do original”. A tradução DATiana é um “ato político”, como “defesa da língua e por isso heterofilia”, que “desfaz não apenas a noção de identidade sedentária, mas, sobretudo a timidez snob da isoglossia”. - No ato de traduzir, DAT produz correspondances entre Literatura, Filosofia, Artes, Ciências, Educação – “correspondances pode ser tomado aqui com suas ressonâncias baudelairianas (recurso à cartomancia, grafologia, mesmerismo, Hermes Trismegisto, ocultismo, Swedenborg e aos ‘paraísos artificiais’, mas, sobretudo como a arte de reconhecer semelhanças entre as palavras e as línguas e também de criá-las”. E, na contramão dos binarismos (como nacional/estrangeiro), DAT encontra “um medium que destabiliza o status quo da linguagem”, deparando-se (assim como os chamados “poetas malditos”) com uma “desfuncionalização da língua instrumental do cotidiano” – encontrada “no código genético de todas as futuras dissidências literárias, já que não há como defini-las sem começar pelo estrago que buscam fazer na linguagem”. Sendo que um tal desarranjo “é um transtorno das palavras, o que lhes confere, devolvendo-lhes, seu aspecto de exotes, o sentimento do diferente, o poder de conceber o ‘outro’, numa reconfiguração de si”, a partir da distância, da diferença e da multiplicidade. - Assim, DAT verte, refratando e reescrevendo PAFCs, via ações recíprocas entre as línguas traduzidas, que as mesclam e, com elas, culturas e planos de pensamento, ao mesmo tempo que desapropriam pertencimentos, liberando-as de “referências a sangue, solo ou história coletiva” – línguas que vêm de outros lugares e se alimentam de diferentes línguas e culturas, “que não sofrem de ‘otite’”.22

22

MATOS, 2005, p. 144; p.139; p.132; p.140-142.

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- DAT opera sob o fascínio das “interinfluências trazidas pelas linguagens contemporâneas”, que “implicam a invenção de um corpus críticoseletivo que interliga criteriosamente os conceitos de tradução poética, operação metalinguística, paródia, carnavalização, intertextualidade, literatura comparada e relações entre diversos sistemas de signos”.23 - As traduções promovidas por DAT consistem, acima de tudo, em “uma questão de alma”, na ressonância do poema de Augusto de Campos:24 “re-criar é a meta/ de um tipo especial/de tradução:/ a tradução-arte// mas para chegar à/ re-criação/ é preciso identificar-se/ profundamente/ com o texto original/ e ao mesmo tempo/ não barateá-lo/ enfrentar todas as suas/ dificuldades/ tentar reconstituir/ a criação/ a partir de cada palavra/ som por som/ tom por tom// é uma questão de forma/ mas também/ é uma questão de alma”.

II. 3. – Transcriação - A tradução criadora – dos PAFCs de FAC, feita pela DAT das OsT – não é: literal, funcional, automática, etimológica, estruturalista, hermenêutica, celebração epifanística, uma violação, um caso de sobretradução, um semidecalque, uma superafetação; não soa como extravagância; não traduz palavra por palavra; não transmite a mensagem do original; não apresenta qualquer purismo ultra-acadêmico; não atualiza textos pelos contextos; ao contrário, consiste em traduções, em que são postas tal força criadora que, alegadamente, o resultado vale como se cada tradução fosse uma obra original, viva e aberta.25 - Nas OsT, as traduções aproximam-se daquelas de “textos criativos”, poesia ou “prosa que a ela equivalha em problematicidade”. Assim, “é da essência mesma da tradução” “o estatuto de impossibilidade”, e os PAFCs são, a princípio, intraduzíveis. Por isso, DAT assume que só é possível a sua “transposição criativa” ou “transcriação” – “aquela SANTAELLA, 2005, p.222. 1986, 2ª orelha, 25 PAES, 1990; LARANJEIRA, 1993; WANDERLEY, 1993. 23 24

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modalidade de traduzir que designo por ‘transcriação’ – e que se aplica a obras de arte verbal – como uma forma de ‘desbabelizar Babel’”, a qual será mais ou menos inventiva, segundo a habilidade de cada tradutor, nas operações tradutórias.26 - DAT integra uma Pedagogia Ativa de Tradução (PAT), que dobra as linguagens de FAC sobre as próprias formas, em busca de novos sentidos, que neutralizam o princípio de arbitrariedade do significante, por meio da “reimaginação” – como diz Haroldo de Campos,27 diante da poesia chinesa: “Propus-me ‘reimaginar’ (prefiro esta palavra, no caso, ao conceito usual de ‘traduzir’)”. - Justamente, por serem os PAFCs intraduzíveis – já que um PAFC original é sempre “infiel a sua tradução, pois esta, como o próprio original, age por transcriações, a partir das latências do original”28 –, resulta que DAT é merecedora dos maiores esforços OsTianos: “Todas as coisas que valem a pena são impossíveis. Somente as coisas impossíveis são dignas de ser feitas”, ou, então: “Impossível, claro – é por isso que faço”.29 - Porque a transcriação é um “modo de traduzir que se preocupa eminentemente com a reconstituição da informação estética do original”, não lhe sendo pertinente “o simples escopo didático de servir de auxiliar à leitura” dos PAFCs originais, DAT traduz no avesso da denominada “tradução literal” – “ao sentido, ou tradução servil, concepções para as quais a tradução deve transmitir o conteúdo do original”.30 - Assim, mesmo que um PAFC pareça, em princípio, intraduzível, DAT engendra “o corolário da possibilidade, também em princípio, da recriação”. Por outro lado, “quanto mais remota a fonte linguístico CAMPOS, 1972, p. 110; p.111; p.112; p.113; 2004, p.71; JAKOBSON, 2001, p.72; OSEKI-DÉPRÉ, 2005, p.219. 27 1972, p.121. 28 MATOS, 2005, p.137. 29 HAMBURGUER e TRASK apud MILTON, 1998, p.144-145. 30 SANTAELLA, 2005, p. 225; p.227. 26

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cultural, mais fácil é conseguir uma penetração sumária e uma transferência de características estilizadas e codificadas”; logo, as traduções DATianas não podem ser menos do que uma questão de arte: “não é surpreendente, pois, que o tradutor se empenhe em traduzir o intraduzível”31 – questão que pertence “à área da traduzibilidade”.32 - DAT deve adquirir uma força de vida criativa tal, que não precise “jogar uma violeta num caldeirão” para “descobrir o princípio formal de sua cor e seu perfume”: “a planta tem de brotar de novo de sua semente, ou não dará frutos – é isso o ônus da maldição de Babel”.33 assim, as aventuras tradutórias OsTianas comportam mais do que o transporte do significado de um PAFC para a LiM, fazem DAT traduzir o próprio signo: linguagem verbal e não-verbal; elementos de estrutura e visuais; homologias fônicas e sintáticas; espacialização de poemas e imagética visual; filmes e cartazes publicitários; combinações sonoras e coreografias logopaicas; assonâncias, rimas, aliterações, métrica, ritmo, melodias de canções; etc. - Para indicar as traduções feitas por DAT, usamos os seguintes termos e neologismos dos irmãos Campos, entre outros: “transcriação, transparadisação, transluminação, transluciferação mefistofáustica, bem como os mais comuns recriação e reimaginação”.34

II. 4. – O Didata-Tradutor - O Didata-Tradutor (DiTra), isto é, cada participante das OsT, sem exceção, não faz cópia, dublagem ou fingimento; não é um servo, escravo ou ladrão dos autores que traduz; não busca uma suposta autenticidade ou verdade textual; não tem boa-vontade para promover o bem-comum, proporcionando acesso a produções estrangeiras; não preserva “a chama” ou “essência” dos originais; não é um conselheiro, CAMPOS, 1992, p.35; p.34. STEINER apud MILTON, 1998, p.104; p.9. 33 SHELLEY apud Idem, p.107. 34 CAMPOS, 1987; MILTON, 1998, p.5; p.208. 31 32

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que goza de intimidade real com as obras; não é alguém que abre a cortina, deixando olhar o lugar sagrado ou que remove a tampa de um poço, a fim de tirar água; não é filtro ou chave entre o autor e o texto original; não toca uma música, que fora feita para outro instrumento; não é um fotógrafo, taxidermista ou anatomista; nem mesmo é o traduttore-traditore (tradutor-traidor) do trocadilho italiano ou o sourcier-sorcier (descobridor de fontes e mágico) dos franceses; não é um “cirurgião que realiza transplantes”; não é “um personagem em busca de si mesmo”; não é ator, artesão, cozinheiro, florista, poetacamaleão ou “trad-revisor”; sua tradução não é “a casca” que reveste “a fruta” original; nem um “manto real de amplas dobras”; nem um “treinamento na selva”, um “jogo de tênis”, ou “ressurreição, mas não do corpo”; e assim por diante.35 - Como um ser de linguagem, DiTra é, simplesmente, um escritor-eleitor (escrileitor), que transcria e transcultura PAFCs, praticando “a arte não só de reconhecer analogias, correspondências, diferenças e semelhanças” entre eles, como também de produzi-las, num “universalismo polimorfo e cosmopolista” – “cosmopolitismo de tipo novo, o da literatura, transverso a governos, economias e mercados”, que “instala em nós a diferença como condição de nosso estar com os outros”.36 - DiTra não é alguém que tem “medo do novo” nem tem “medo do antigo”, como Augusto de Campos,37 defende “até a morte o novo por causa do antigo e até a vida o antigo por causa do novo”, pois “o antigo que foi novo é tão novo como o mais novo novo” e “o que é preciso é saber discerni-lo no meio das velhacas velharias que nos impingiram durante tanto tempo”.38 - DiTra cultiva uma empatia com os PAFCs originais de FAC e uma habilidade de se projetar em suas experiências precursoras e vivas, MILTON, 1998, p.2-6. MANDELBAUM, 2005, p.199; MATOS, 2005, p.132-134. 37 1978, p.7. 38 CAMPOS, 1978, p.7. 35 36

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bem como, exercita uma dedicação amorosa para transmitir essas experiências de volta à LiM das OsT, numa recriação fantasística e imaginativa, por meio de escrileituras e diálogos críticos, que fazem os PAFCs estranharem-se a si mesmos, num processamento singular de interpretações. - Como uma mirada aléfica, DiTra possui “o olho criativo”, que condensa, presentifica e vivifica o passado e a tradição dos PAFCs, reinventando-os, como queria T. S. Eliot:39 “Necessitamos de um olho capaz de ver o passado em seu lugar com suas definidas diferenças em relação ao presente e, no entanto, tão cheio de vida que deverá parecer tão presente para nós como o próprio presente”. - E, “como à visada aléfica corresponde uma leitura partitural, o transcriador não pode contentar-se com o jogo parco das rimas terminais e a compulsão métrica”. Assim DiTra, como tradutor-transcriador, ao “traduzir como forma”, responde “não à vida do original, mas à sua sobrevida, ao estágio do seu perviver”:40 “nada mais estranho à tarefa de traduzir, considerado como uma forma” “que aspira a uma fidelidade – hiperfidelidade – a outra forma (‘fidelidade à re-doação da forma’) do que a humildade”.41 - Para tanto, DiTra emprega uma “recepção distraída”, disseminada, dos PAFCs originais, o que “prefigura, num outro nível, aquela do espectador de cinema, enquanto examinador distraído”.42 - Reconhecendo-se como alguém “datado e situado”, na contemporaneidade, que precisa tomar decisões criativas “para conferir qualquer sentido ao original” e que trata o PAFC original como um fenômeno diferente de tudo o que ele mesmo poderia produzir, quando não o faz, diferindo, DiTra presume que achou “o original tão aborrecido quanto nós achamos a sua tradução”, além de, evidentemente, ter-lhe apud Campos, 1972, p.110. CAMPOS, 2008, p.189; CAMPOS apud SANTAELLA, 2005, p. 231. 41 CAMPOS, 2008, p.180. 42 CAMPOS apud OSEKI-DÉPRÉ, 2005, p.214. 39 40

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faltado a imaginação necessária: “se o tradutor não traz o seu próprio ser, seu relacionamento com sua sociedade”, o resultado da tradução “será artificial, frágil e flácido”.43

II. 5. – Procedimentos - Em suas ações de traduzir, DiTra realiza “Procedimentos” – PROs –, em torno de um PAFC, concebido “não como um monumento glorioso”, mas como algo criado, “visto por alguém que só pode enfocá-lo pela ótica do tempo presente”.44 - Os PROs de DiTra não reconhecem ou compreendem, nem se referem a um sistema de interpretação pronto, mas propõem e desenvolvem experimentações que têm relação com o novo e com todos os modos de desterritorialização. Por isso, não “querem dizer” nada e, sim, fazer com que as OsT funcionem: OsT-máquinas. - Parafraseando Valéry,45 os PROs não tentam impor à LiM das OsT a LiM que as OsT não impõem ao ouvido OsTiano: “Isto é traduzir de verdade. Isto é realmente traduzir, é reconstituir o mais próximo possível o efeito de certa causa”. - Como tradutor brasileiro, em seus PROs, DiTra é um antropófago, pois “reproduz o original com sua marca distintiva”,46 como escreve Augusto de Campos,47 acerca dos “intraduzidos e intraduzíveis” trovadores provençais: “A minha maneira de amá-los é traduzi-los. Ou degluti-los, segundo a Lei Antropofágica de Oswald de Andrade - só me interessa o que não é meu. Tradução para mim é persona. Quase heterônimo. Entrar dentro da pele do fingidor para refingir tudo de

MILTON, 1998, p.101. DELEUZE, 1988; 1997; 1998b; 2009; DELEUZE; GUATTARI, 1977; FEIL, 2010; 2011; CAMPOS, 1972, p.112. 45 1945, p.173. 46 MILTON, 1998, p.221. 47 1978, p.7. 43 44

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novo, dor por dor, som por som, cor por cor”. - PROs DATianos operam a “transluciferação”, ou seja, traduções “luciferinas”, possuídas de demonismo (no sentido haroldiano), ao transgredir os limites sígnicos e a relação aparente entre forma e conteúdo, recusando-se “a servir submissamente a um conteúdo” e “à tirania de um logos pré-ordenado”, e rompendo “‘a clausura da metafísica da presença’” (diria Derrida). Assim, a tradução OsTiana torna-se “uma empresa satânica, transgressora por excelência”, pois, “no limite de toda tradução que se propõe como operação radical de transcriação, faísca, deslumbra, qual instante volátil de culminação usurpadora, aquela miragem” de converter, “por um átimo que seja, o original na tradução de sua tradução”.48

II. 6. – Bricolagens - Embora um PAFC traga “algo de novo para o mundo”, “por força há de se manifestar através das ideias já prontas que encontra à sua frente e arrasta em seu movimento”.49 E DiTra vai traduzir essas “ideias já prontas” “sob o signo da invenção”, que rasura sua origem e oblitera sua originalidade, pois situa “a tradução como espécie da categoria criação”.50 - Desse modo, DiTra não é um filólogo, erudito ou paleólogo, mas um agente de fluxos de invenção, cujos PROs fazem “comércio com os vivos”, como diz Haroldo de Campos,51 referindo-se à tradução de poemas clássicos: “Naturalmente esta tradução não é para filólogos ensimesmados em suas especialidades como em tumbas de chumbo, indesejosos de comércio com os vivos. É uma tradução para os que se interessam por um texto de poesia como poesia, e não como pretexto para considerações sapientes em torno do autor e de sua era, SANTAELLA, 2005, p.228. BERGSON, 2006, p.129. 50 CAMPOS, 1972, p.111. 51 1972, p.109. 48 49

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ou para escavações de paleologia linguística, coisas todas essas úteis e necessárias, respeitáveis como as que mais o sejam, mas que, em si mesmas, nada têm a ver com a função poética do texto”. - Ao traduzir PAFCs existentes, DiTra não os toma para fundi-los numa síntese superior, generalizá-los, nem combiná-los com ideias novas, por meio de um projeto radical de intertextualidade, que agrega os PAFCs, DiTra transcria-os. Dessa maneira, expõe-se aos riscos que envolvem toda audácia e “aventura do involuntário”52 e transforma, a si próprio, em um Artista do Risco: “Parecia não haver nenhum mérito em traduzir se eu não fosse criar uma obra nova. Poderia haver outras traduções, mas nenhuma semelhante à minha”.53 - Para DiTra, “traduzir é sempre retraduzir, ao sabor das mutações da língua ‘cativa’ do original, transpondo-a, e este gesto rompe o dogma de sua unidade e seus complementos – línguas originárias e de destino – e da identidade de todas as línguas, pois a tradução manifesta que o caráter originário é sempre plural”, 54 visto que “a tradução radical libera a forma semiótica oculta no original, no mesmo gesto em que se dessolidariza, aparentemente, de sua superfície comunicativa”.55 - DiTra é um “artista envolvido em uma busca”: “artista inibido – satisfeito somente quando pode deitar as cinzas quentes do seu coração na urna bem acabada que está fora de si próprio. Ou se pode dizer que supera suas repressões na sua conversa íntima com o poeta estrangeiro, e que acaba por elevar suas inibições através da catarse de uma forma desconhecida. A tradução é, até certo ponto, um exorcismo, ou a conjuração através de outro espírito de si mesmo. O tradutor é uma ‘personagem em busca de um autor’ – ao descobrir o autor por fora, descobre o autor dentro dele mesmo”.56

DELEUZE, 1988, p.270. HONIG apud MILTON, 1998, p.132. 54 MATOS, 2005, p.146. 55 CAMPOS, 2008, p.208; BENJAMIN, 2011. 56 MILTON, 1998, p.140. 52 53

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- É que DiTra intui que, ao traduzir, está encontrando uma solução possível para seus próprios problemas de criação.57

II. 7. – Estrangeiro - Porque alarga as fronteiras da LiM OsTiana e “subverte-lhe os dogmas ao influxo do texto estrangeiro”,58 os PROs DATianos funcionam por meio de bricolagens de conhecimentos e de intuições; buscam agenciamentos de elementos heterogêneos e de acontecimentos emergentes; escutam, vêem, sentem, planejam e desenvolvem processos de singularização artistadora; recuperam as forças de experimentação e fabulam um finito aberto para o infinito; tocam algo do caos circundante (“de-Fora”) e dali retiram “Ideias” para as OsT.59 - Nas OsT, através de um “dépaysement linguístico”,60 como tradutorescrileitor, DiTra evoca o estrangeiro (ksénos) e o transforma em familiar, bem como abandona o familiar e traduz os PAFCs, em suas forças estrangeiras e distantes, incluindo-os e aproximando-os, fazendo, deles, surgir “mundos possíveis”.61 - No aprendizado das línguas de PAFCs, o mais importante, para DiTra, não é aquela língua que ele aprende, mas abandonar a sua própria língua (“só então se a compreende verdadeiramente”). De toda maneira, aquilo que DiTra toma por sua língua não é propriedade sua, já que “uma língua só é um pertencimento se traduzir-se em uma outra que, pela tradução, passa por transmutações, a ponto de não ser mais língua de ninguém”.62 - OsT, DAT, PROs, DiTra: são todos vivências de experimentações da

VALÉRY, 1984; 1991; 1996; 1997; 1998; 2003; 2009. CAMPOS, 1976, p.35. 59 DELEUZE, 1988; 1991. 60 MATOS, 2005, p.132. 61 DELEUZE, 1998. 62 MATOS, 2005, p.147. 57 58

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estrangeirização.

II. 8. – Escavação - Há, em DiTra, um autor de dicção, como lance inventivo, desde que ele traça, com seus PROs, “uma espécie de língua estrangeira, que não é uma outra língua, nem um dialeto regional redescoberto, mas um deviroutro da língua, uma minoração”.63 - Assim, DAT ajuda a revirar a linguagem da Educação, ao escavar “uma língua estrangeira” (LiM), nas OsT, com a qual traduz as línguas originais de PAFCs, pois: “uma língua estrangeira não é escavada na própria língua, sem que toda a linguagem por seu turno sofra uma reviravolta, seja levada a um limite, a um fora ou um avesso que consistem em Visões e Audições que já não pertencem à língua alguma”.64 - Desse modo, as OsT realizam uma Educação-Artista (EA); uma Ética da Docência (ED); uma Estética da Criação (EC); e uma Experimentação de Pesquisa-Tradução (EPT).

II. 9. – Estoque - Concebendo que o sentido de um PAFC “é menos uma coisa pensada do que um movimento de pensamento, menos um movimento do que uma direção”,65 as traduções DATianas, feitas por DiTra, implicam mais do que transportar ou transladar os sentidos de uma língua para outra. O PAFC a ser vertido é recriado, com a consistência de “um estoque de formas, seu domínio das possibilidades de agenciamento estético da língua para a qual o texto é traduzido”.66 DELEUZE, 1997, p.15. Idem, p.16 65 BERGSON, 2006, p.139. 66 CAMPOS, 1972, p.110. 63 64

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- Para que os PROs de DiTra tenham mérito, eles rompem com a tradição, só que não empreendem novos começos; ao contrário, apropriam-se dos PAFCs estrangeiros e os tornam seus, acrescentando e fazendo ecoar a voz de DiTra, através da tradução: “não se pode manter tudo no original, e a sintaxe da língua-alvo não deve ser influenciada pela sintaxe da língua original. Um dos elementos mais importantes consiste em acrescentar a própria voz do tradutor” à voz original.67 - Para realizar tal apropriação, DiTra necessita possuir as seguintes qualidades: um “nível curricular”, que o faça aproveitar e selecionar os mais radicais PAFCs de seu tempo; uma “irreverência temática”; um privilegiamento de PAFCs, obras e autores marginalizados, anômalos, que introduziram novas Formas de Expressão e Formas de Conteúdo (FoEFoC) para problemas, temas, questões, pouco ou nada ortodoxos; o uso da “linguagem como instrumento” e a “experiência com os vários elementos de uma língua”; a tecnologia, “o trabalho de estruturação e de ajuste das peças”, “em termos de artesanato”.68

II.10. – Combinação - Vamos combinar que a Língua de Chegada (LiC) – ou Língua-Alvo (LiA), Língua-Meta (LiMe) – de DAT só pode ser as forças da Língua Menor (LiM), do repertório, da perspectiva e do sentido do Pensamento da Diferença Pura (PDP). - A maior responsabilidade de DiTra é agir como um competente, atualizado e avançado escrileitor de PAFCs, que cabem a ele traduzirtranscriar em sua LiC. - Logo, a língua “materna” OsTiana é a língua do PDP, que DiTra usa para liberar “aquela ‘língua pura’ (linguagem, diria Pignatari) exilada no idioma estranho”.69 MILTON, 1998, p.83. Idem, p.209-210; DELEUZE, 1991. 69 CAMPOS, 1972, p.110. 67 68

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- Ao realizar DAT, DiTra, então, esforça-se por aniquilar-se diante do PAFC que ele mesmo traduz: “Eu mesmo não sei como separar minha própria voz das vozes precursoras porque as vozes precursoras fornecem uma motivação contínua para a minha. Há duas vozes, duas presenças”.70

II. 11. – Isomorfia - Nos PROs de recriação dos PAFCs, DiTra possui ampla liberdade de formas à sua disposição: orgânicas, analógicas, miméticas, mais ou menos fiéis ao PAFC original, qualidades musicais, ironia, humor, tragédia, comédia, intertextualidade, metáfrase (tradução literal, palavra por palavra, linha por linha), paráfrase (palavras e sentidos seguidos, não alterados, porém ampliados), imitação, misturas híbridas, etc. Entretanto, DiTra atenta para a necessidade de manter uma “relação de isomorfia” (ou de “paramorfia” – “do sufixo grego pará, ‘ao lado de’, como em paródia, ‘canto paralelo’”) entre os PAFCs originais (precedentes) e as traduções (DATianas), de modo que, operatoriamente, estas consistam em “recriação, ou criação paralela, autônoma porém recíproca”;71 o que permite a DiTra “evitar o problema das equivalências sem cair na ideia de tradução-cópia do original”.72 - Para Haroldo de Campos,73 trata-se de uma “plagiotropia” (cujo sinônimo seria “transculturação”), ou seja: “derivado do grego plágios, oblíquo, que não é em linha reta” e que caracteriza “o movimento de derivação ou ramificação por obliquidade”, “o desenrolar do processo literário como leitura ‘polifônica’, antes por desvios do que por um traçado reto, da tradição”. - A tradução de DAT é, acima de tudo, uma vivência interior do mundo e da técnica daquele PAFC que é traduzido, causando “efeitos novos BELITT apud MILTON, 1998, p.132. CAMPOS, 1992, p.35; BENJAMIN, 2011. 72 OSEKI-DÉPRÉ, 2005, p.214; p.219. 73 apud SANTAELLA, 2005, p.232. 70 71

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ou variantes, que o original autoriza em sua linha de invenção”. A mira tradutória DATiana é, portanto, “produzir um texto isomórfico em relação à matriz, um texto que, por seu turno, ambicione afirmar-se como um original autônomo, par droit de conquête”.74 - DiTra não segue o PAFC original, mas domina a tradução, “colocando seu próprio ser dentro dela”,75 para tal, realiza traduções que ficam no meio-termo, ou seja “mais subjetivo do que imitação e mais visceral do que paráfrase”: “Acho que chega um momento para as traduções que têm a intenção de ser fiéis em que se tem de fazer uma escolha entre reproduzir o que é, aparentemente no sentido estrito da palavra, o significado do original, e cair abaixo do nível estético do restante, ou providenciar o que parece, para você, um equivalente próximo. Acredito que sempre escolheria o equivalente próximo em tal caso”.76 - Uma “das normas básicas da tradução”, efetivada nas OsT, é “verter não inverter”,77 além de não realizar “traduções facilitadas” (ou pseudotraduções), feitas com termos pré-estabelecidos, as quais não possibilitam contato com outro modo de pensamento e de estilo de escrever, e que, além disso, fingem que foram escritas na LiC OsTiana e dão a impressão que todas as línguas são transparentes: “este tipo de tradução nos transmite uma ‘ilusão do natural’, como se um texto de partida se desse na língua de chegada”.78 - Pescador “de si no outro”, DiTra não confia numa tradução que não tem ligação com o PAFC que traduz; portanto, ele executa “o trânsito através do não-familiar, para desfamiliarizar-se e reencontrar-se”.79

CAMPOS, 1992, p.37; SANTAELLA, 2005, p.225. MILTON, 1998, p.118. 76 WILBUR apud MILTON, 1998, p.137. 77 CAMPOS, 1986, p.17. 78 MILTON, 1998, p.167. 79 MANDELBAUM, 2005, p.197. 74 75

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II. 12. – Crítico - O trabalho prévio às traduções DATianas é crítico “no sentido poundiano da palavra crítica”, isto é, “uma penetração intensa da mente do autor”. Em seguida, o trabalho faz-se “técnico”, também “no sentido poundiano da palavra técnica”, qual seja: “uma projeção exata do conteúdo psíquico de alguém e, pois, das coisas em que a mente desse alguém se nutriu”.80 - Ao desmontar e remontar “a máquina da criação”,81 que engendrou os PAFCs existentes – como produtos supostamente acabados, em outros planos ou línguas estranhos –, DAT homenageia o conhecimento e a habilidade que os autores tinham sobre aquilo que fizeram. - DiTra traduz o “tom”, em que um PAFC foi dito (escrito, feito), com um acento singular e, permitindo-se uma liberdade de reelaboração, adquire “a mesma absorção clarividente de um outro mundo”; absorve, em função disso, “o ambiente do texto no seu sangue antes que ele possa traduzi-lo com autoridade”; e, a partir daí, aquilo que ele escreve (diz, faz) é o seu próprio texto, “que segue os contornos do texto que está diante de si”.82 - A tradução feita por DiTra consiste, num primeiro movimento, no gesto de leitura – “forma privilegiada de leitura que é a tradução”83 –, numa leitura crítica,“como resultante de uma leitura afiada, detalhada, quase musical”,84 que compreende não apenas a descodificação simples de um PAFC, mas, também, o mapeamento das condições (linguísticas, históricas, intelectuais) em que aquele PAFC foi criado, o espaço que ocupa na língua e na cultura de origem, na literatura e no conjunto da obra daquele autor; o segundo movimento é o trabalho transcriador, no

KENNER apud CAMPOS, 1992, p.37. CAMPOS, 1992, p.43. 82 MILTON, 1998, p.83. 83 CAMPOS, 1972, p.115. 84 MANDELBAUM, 2005, p.198. 80 81

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qual, DiTra traça a transversalização do PAFC nas OsT.85 - Toda leitura (difícil) é uma tradução, como afirma Valéry:86 “qualquer tipo de escritura que necessita de certo tempo de reflexão é tradução” e “não há nenhuma diferença entre esse tipo de tradução e aquele que envolve transformar um texto de uma língua para outra”. Logo, DAT é uma didática eminentemente crítico-vivificadora, que revolve as entranhas do PAFC anterior, para trazê-lo novamente à luz, em outro corpo linguístico, pragmático, pensamental: “tradução é crítica, como viu Pound melhor que ninguém. Uma das melhores formas de crítica. Ou pelo menos a única verdadeiramente criativa, quando ela – a tradução – é criativa”.87

II. 13. – Make it New - Por meio de DAT, o velho é tornado novo, seguindo a máxima de Pound Make it New, – isto é, “renovar”, “dar nova vida ao passado literário via tradução”88– e funcionando, em consequência, ao modo de uma transculturação, como processo de transformação cultural. - Portanto, as traduções DATianas não buscam qualquer semelhança com o sentido original, “mas por um movimento de amor até o mínimo detalhe, fazer passar em sua própria língua o modo de visar do original”.89 Assim, o que importa não é a reconstituição da informação semântica de um PAFC, mas, a reconstituição do sistema de signos, como informação estética, em que está incorporado esse PAFC, bem como os movimentos de sua linguagem. - Na tradução de um PAFC, este é reconfigurado criadoramente, numa produção que abdica de ser fiel ao significado para se tornar inventiva. Vide “Notas III”. 1956, p.4. 87 CAMPOS, 1978, p.7. 88 CAMPOS, 1992, p.36. 89 BENJAMIN apud MATOS, 2005, p.138. 85 86

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Na medida em que, deliberadamente, transcende a fidelidade, conquista uma lealdade maior ao espírito do original transladado e ao próprio signo estético, visto como entidade indivisa, em sua realidade material e carga conceitual, perceptiva ou funcional: “uma forma de fidelidade é criar uma obra nova”.90 - Em suas operações programáticas, DAT lida com a tradução – tanto no aspecto micro dos PROs transcriadores, quanto no aspecto macro, sistêmico, de seleção daquilo a ser traduzido – guiada pelo valor da incorporação do estrangeiro (do alheio, do estranho), como estratégia de renovação do sistema artístico-cultural-educacional contemporâneo.

II. 15. – Texto - Nas confluências isomórficas entre os PAFCs precedentes e aqueles que estão sendo canibalizados pelas OsT, DAT reconhece que está cercada por uma regressão infinita de traduções.91 - Como um palimpsesto, DAT minimiza ou devora traduções já feitas, produzindo a sua própria interpretação dos PAFCs originais. - Para as OsT, é impossível julgar qual é a melhor tradução, em relação às anteriores, a não ser com o uso dos critérios de vital, interessante e notável.92 - O método tradutório DATiano é descritivo, tipológico, cartográfico.93 - As OsT consideram que “boas” traduções DATianas são aquelas que atribuem Vita Nuova aos PAFCs: “A tradução dá a impressão de que o original ainda está vivo depois do surgimento da tradução”; isso quando

HONIG apud MILTON, 1998, p.132. DERRIDA, 1997. 92 Vide “Notas I”. 93 Vide “Notas III”. 90 91

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o processo de tradução é de mudança - “movimento que tem a aparência de vida, mas de vida como uma vida depois da vida, porque a tradução também revela a morte do original”.94 - As OsT consideram que traduções DATianas “ruins” são aquelas que matam a vitalidade de pensar do PAFC traduzido, tornando-o fácil, trivial, ou forçando-o a fazer “a transmissão inexata de um conteúdo inessencial”.95 - O erro DATiano elementar é conservar o estado da própria língua (LiM) de OsT, sem deixá-la ser afetada pelas línguas estrangeiras dos PAFCs. - DAT avalia que a maior covardia de DiTra (em face da tarefa impossível de traduzir) é desistir de realizá-la, antes mesmo de tentar, de começar ou de terminar. - DAT concebe uma tradução como elevadamente exitosa se “assumir seu lugar como um texto, não somente como uma tradução, na línguaalvo”,96 podendo, tal tradução, tornar-se, às vezes, mais importante do que o próprio PAFC original. - Assim, “em vez de um mero substituto esteticamente vacilante, pelo qual o tradutor ‘fiel’, à medida que o produz, vai-se apressurando em pedir desculpas quanto ao resultado”, Haroldo de Campos97 indica a configuração para as traduções DATiano-OsTianas: “um texto poeticamente eficaz, minuciosamente trabalhado, autônomo como obra de arte verbal, dentro dos recursos da língua portuguesa, extremados, quando necessário, para responder ao impacto do original. O produto obtido guarda, com o texto de partida, uma relação formal e semântica de ‘reimaginação’, para além tanto do rudimentarismo literal, quanto da banalidade explicativa”.

ZOHN apud MILTON, 1998, p.165. CAMPOS apud MATOS, 2005, p.132. 96 MILTON, 1998, p.221. 97 apud SANTAELLA, 2005, p.226. 94 95

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– Notas III – CARTOGRAFAR III. 1. – Método - As Traduções (TRA) de Perceptos, Afectos, Funções e Conceitos (PAFCs), criadas pela Filosofia, Arte, Ciência (FAC), promovidas pela Didática da Tradução (DAT), nas Oficinas de Transcriação (OsT), são, topologicamente, exploradas pelo Método da Cartografia (MECAR). - MECAR dispõe a geografia contra a história, o mapa contra o decalque e o rizoma contra a arborescência. - Por não opor à unidade abstrata da teoria da multiplicidade concreta dos fatos, MECAR não é teorético. - Ao não desqualificar o elemento especulativo, para contrapor-lhe, sob um cientificismo banal, o rigor de conhecimentos legitimados, MECAR não é positivista. - Consistindo em um método perspectivista, MECAR deriva do ponto – mesmo que a unidade da matéria, o menor elemento do labirinto, seja a dobra, não o ponto, que nunca é uma parte, mas uma simples extremidade da linha. Por isso, importa-lhe o ponto como sinal da presença da dobra e esta se conectando em um ponto.

III. 2. – Inflexão - A partir de uma determinada inflexão – a qual, para as OsT, é fornecida pelo Pensamento da Diferença Pura (PDP) e pelas Teorias das Traduções Criadoras (TTC) –PDP + TTC1 –, MECAR estabelece um ponto de vista, que não percorre a inflexão, nem é o ponto de inflexão, tampouco

Vide “Notas II”.

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é exatamente um ponto, mas, consiste em um lugar, uma posição, um sítio, um foco linear, linha saída de linhas.

III. 3. – Liberdade - A atitude perpectivista de MECAR é uma radical e diferente liberdade na constituição da objetividade. - Como no quadro pictórico da arte renascentista, o processo de construção do espaço supõe a escolha de um ponto original, escolhido ad libitum pelo artista, assim também o Didata-Tradutor (DiTra), isto é, cada um e todos os participantes das OsT, é o artista-sujeito da perspectiva: aquele que se instala no ponto de vista, na variação, ou na própria inflexão PDP + TTC. - Porém, não é o ponto de vista de MECAR (PDP + TTC) que varia com DiTra, mas o ponto de vista é a condição para que DiTra apreenda algo (= x, anamorfose) ou uma variação (metamorfose). - A subjetividade de DiTra, assim posicionada por MECAR, articula objetividades na DAT das OsT, pois a liberdade e a arbitrariedade, que compõem essa subjetividade não deixam de conter regras objetivas e verificáveis.

III. 4. – Caóide - Porque na Educação existe uma variedade (caóide) de pontos de vista o ponto de vista de MECAR é ponto de vista sobre uma variação. E esta variação não existe sem aquele ponto de vista – no caso, a composição PDP + TTC . - Assim, PDP + TTC não consiste em um juízo teórico, já que o movimento de perspectivar, para as OsT, é a vida mesma, devido ao caráter perspectivista da existência.

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- O ponto de vista de MECAR possui regras exclusivas, que o fazem abrir-se sobre outros pontos, na medida em que convergem. Só que PDP + TTC abre-se sobre uma divergência que afirma: para o perspectivismo (PER) de MECAR, toda divergência cessa de ser um princípio de exclusão; a disjunção deixa de ser um meio de separação; e o incompossível torna-se um meio de comunicação.

III. 5. – Perspectivismo - O PER, para MECAR, não é um agregado unilinear de pontos de vista, sem dinamismo interno e sem abertura para outros pontos e ângulos; ao contrário, faz o seu trajeto ficar entre dois pontos (PDP e TTC) e esse entre-dois ganha relevância, autonomia e direção próprias. - Não sendo um relativismo comum (variação da verdade de acordo com um sujeito), o Perspectivismo do Método da Cartografia (PERMECAR) é a condição sob a qual a verdade de uma variação aparece ao DiTra das OsT. - Distante de decretar que tão-somente a partir do seu ângulo pode-se ter alguma perspectiva, MECAR defende o mundo infinito, por encerrar infinitas interpretações. - PER-MECAR implica não uma descontinuidade, mas uma distância positiva dos diferentes: distância topológica, que afirma toda sua distância, como aquilo que os relaciona um ao outro.

III. 6. – Continuum - Para PER-MECAR, não há vazio entre os pontos de vista, em Educação, porque o espaço vazio não existe, já que tudo é força. - Logo, existe uma continuidade dada pela variação infinita de DAT, de modo que as OsT têm, diante de si, um continuum, do qual isolam algumas partes.

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- Os pontos singulares (que não são contíguos) de PER-MECAR integram o contínuo (infinito e inacessível) de acontecimentos educacionais, bem como os seus pontos de inflexão determinam dobras, constituindo uma primeira singularização no extenso, enquanto o extenso é a repetição contínua da posição (ou do ponto de vista) e atributo do espaço, como ordem das distâncias entre pontos de vista que torna possível essa repetição, portanto, o PDP + TTC de MECAR é um segundo tipo de singularidade no espaço da Educação, enquanto envoltório, de acordo com relações indivisíveis de distância.

III. 7. – Qualificação - Como modelo óptico da percepção e da geometria na percepção, o ponto de vista PDP + TTC de MECAR funciona como jurisprudência ou arte de julgar. - Portanto, toda qualificação que DAT-OsT fazem ao contínuo de puras quantidades é uma intervenção perspectivista, assim como qualquer distinção entre pontos de vista educacionais é uma ficção reguladora (interpretação), enquanto toda interpretação é determinação do sentido de um fenômeno. E, como os pontos são sempre de alternância (e só existem para serem abandonados), para MECAR, não há nenhuma interpretação que prepondere, de maneira absoluta e duradoura, sobre as demais, nem a sua.

III. 8. – Afectos - Embora, na multiplicidade das interpretações educacionais, que povoam DAT-OsT, não exista centro de configuração, hierarquia transcendente ou caráter de generalidade, nem todas as matériasmovimentos de FAC são consideradas equivalentes. - A perspectiva de MECAR seleciona, dispõe e põe em funcionamento instrumentos (representacionais, cognitivos, esquematizantes, corporais), em relação à vontade de poder (Wille sur Macht). Por isso,

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as interpretações derivadas de PDP + TTC, como formas da vontade para o poder, têm existência como afectos – não seres, mas processos, devires.

III. 9. – Multiforme - Assim, cada Procedimento de Tradução – PROTRA2 –, feito por DAT-OsT, na área da Educação, apresenta valor mais forte ou mais fraco, em função da abrangência multiforme e plural do seu campo interpretativo; maior ou menor desconhecimento do próprio caráter ficcional (o que leva a graus também diversos de substancialização); delimitação interperspectivista, na relação com outras ficções necessárias; possibilidade de realizar experimentações marginalizadas por outras perspectivas; considerando que alguns Procedimentos (PROs) não tomam sentido e direção, senão como atalhos ou desvios de caminhos que foram apagados.

III. 10. – Relações - Nas relações móveis entre os Procedimentos de Tradução (PROsTRA) de DAT-OsT e outros PROs didáticos, derivados dos vários pontos de vista educacionais, não há incomensurabilidade absoluta entre os planos pensáveis, perspectivas, pontos de vista, os quais podem se reunir ou se distanciar, uns dos outros, mas possuem em comum a restauração da transcendência (da ilusão) (não podem evitá-lo, só combatê-la com vigor). Assim, ao querer distinguir qual PRO, plano, perspectiva ou ponto de vista é o melhor, DAT-OsT verificam se abdica da imanência, fecunda o transcendente, inspira mais ou menos ilusões, não entrega a imanência a Algo = x, nem simula nada de transcendente.

Vide “Notas IV”.

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III. 11. – Autoavaliação - Dessa maneira, para se autoavaliar, diante da criação ou escolha de um PROTRA, DiTra não usa nenhum critério (naturalista ou metafísico) de verdade, mas atenta para: (a) se a causa da Transcriação (TRANS) de FAC, que planejou e desenvolveu, é desejo de fixar, de eternizar, de ser; ou desejo de destruição, de mudança, do novo, de futuro, de vir a ser; (b) se o seu anseio, via TRANS, por destruição, mudança, devir, pode ser expressão da energia abundante, prenhe de futuro (dionisíaco); ou ódio do malogrado, desprovido, mas favorecido, que destrói, tem que destruir; porque o existente, mesmo toda a existência, todo o ser, o revolta e irrita; (c) se a vontade de eternizar FAC, por meio de TRANS, vem da gratidão e do amor, como uma arte da apoteose, ditirâmbica, venturosa-irônica, límpida e amável; ou se seria a tirânica vontade de um grave sofredor, de um torturado, que gostaria de dar ao que tem de mais pessoal, singular e estreito, à autêntica idiossincrasia do seu sofrer, o cunho de obrigatória lei e coação.

III. 12. – Permanência - Produzido pelo ponto de vista de MECAR (PDP + TTC), que fornece às DAT-OsT um tipo de permanência no mundo do devir, os PROsTRA apresentam os seguintes traços: (a) é sempre um outro PRO que corresponde a cada ponto de vista educacional; (b) todos os PROs ligam-se e se afirmam por meio de suas distâncias, e ressoam, entre si, pela divergência dos seus conceitos, seres, objetos;

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(c) há, sempre, um outro PRO, nos PROsTRA de DAT-OsT, mas não um que seja inferior ou superior aos outros; (d) porque os PROsTRA não carecem de qualquer instrumento ou órgão para conhecer a verdade, visto não existir nem espírito, nem entendimento, nem pensar, nem consciência, nem alma, nem verdade: todos os PROs são ficções.

III. 13. – Instaurações - Na medida em que realizam Traduções Transcriadoras (TRATRANS) de FAC, os PROsTRA de MECAR instauram nas DAT-OsT: sentidos, ideias, generalizações, empirias, abstrações, imagens, vocabulário, recorrências, paráfrases, metáforas, polêmicas, esquemas de inteligibilidade, vozes, referentes enunciativos, condições de validade, regras de leitura, operadores textuais, etc. - Apresentando os seus componentes associados aos de outros PROs, campos semânticos, lógicos e ontológicos, áreas de saber-fazer, planos precedentes de pensamento, etc., MECAR reordena formas de organização pré-estabelecidas (cristalizadas ou em movimento): encetando prolongamentos e curvaturas; tracejando outras imagens; dispondo superposições numa ordem estratigráfica - mudanças de orientação. - O PER-MECAR das TRATRANS, efetivadas por DAT, fornece o tipo correspondente de mundo, cuja tipologia é integrada pelo mundo generalizado, vulgarizado, pois, tudo o que se torna consciente, por isso mesmo, torna-se raso, ralo, relativamente tolo, geral, signo, marca de rebanho. É que as OsT sabem que, a todo tornar-se consciente, está relacionada uma grande, radical corrupção, falsificação, superficialização e generalização.

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III. 14. – Beatitude - Frente ao processo interpretativo de MECAR (não totalizante, eternamente movente, maximamente diferenciado, em suma, perspectivado), se algum PRO didáticojactar-se de não possuir um ponto de vista, isto se deve à assunção do ponto de vista único, absoluto, fixo, exterior, daquele que vê fluir, estando na margem. Então, esse PRO perspectivo (mas que nega tal condição) será aquele que não renova DAT-OsT, nem mesmo o pensamento em Educação, por introduzir uma ficção (completa e substancializada), derivada da beatitude de um pensamento inteiramente pronto.

III. 15. – Cartografia - Para montar um PRO, que localize a própria posição PDP + TTC, no plano de composição de MECAR, sem elementos primeiros e transcendentes, DAT-OsT não elaboram um gráfico, programa, projeto, desenho, fotografia, retrato, decalque, plano de desenvolvimento ou de organização, mas, usando a arte cartográfica (do grego chartis, carta, mapa, e graphein, grafia, escrita), traçam um mapa. - Por ter escolhido MECAR, DAT-OsT consideram que o mapa TRATRANS, por meio de operações transformacionais, caracterizase por ser: aberto a locais e percursos, que podem tomar direções imprevistas ou promover ações de modo desordenado; passível de constante modificação; conectável em todas as dimensões; desmontável, rasgável e reversível, em suas múltiplas entradas e saídas; adaptado a montagens de qualquer natureza. - MECAR de DAT-OsT não confunde o mapa TRATRANS com o decalque, pois: (a) mesmo que o mapa possa ser decalcado, o decalque é como uma foto: isola aquilo que reproduz, via procedimentos de coação;

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(b) ao traduzir o mapa TRATRANS em imagem, o decalque organiza, estabiliza, neutraliza as multiplicidades segundo eixos de significância e de subjetivação que são os seus; (c) o decalque reproduz do mapa apenas os impasses, os bloqueios, os germes de pivô ou os pontos de estruturação; (d) o decalque estrutura o que é rizomático: não reproduz senão ele mesmo quando crê reproduzir outra coisa; por isso, é tão perigoso; (e) por sua vez, também o mapa TRATRANS possui e propaga fenômenos de redundância (estratos), onde se enraízam unificações e totalizações, massificações, mecanismos miméticos, tomadas de poder significantes, atribuições subjetivas;

(f) no entanto, o mapa é uma questão de performance; enquanto o decalque remete sempre a uma presumida competência, é sempre o imitador quem cria seu modelo e o atrai; (g) por isso, DAT-OsT religam os decalques ao mapa, ou seja, voltam a situar os impasses (poderes significantes, afetos subjetivos, territorialidades endurecidas) sobre o mapa TRATANS, e, por aí, abrem tais impasses sobre linhas de fuga possíveis. - O mapa pode ser, assim, preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social; desenhado numa parede; construído como uma ação política ou como uma meditação; concebido como obra de arte. - DAT usa o princípio de seleção do mapa TRATRANS, seguindo coordenadas anteriores aos objetos, sujeitos e identidades de OsT, de modo que só retém e conserva (portanto, cria e torna consistente) aqueles PROs que aumentam o número de conexões a cada nível da divisão e da composição tradutórias OsTianas.

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- Sendo assim, grafematizar o mapa TRATRANS – do MECAR das DAT-OsT – é uma crítica-clínica do pensar, do escrevler, do educar e do viver, dotada de rara e eletrizante beleza.3

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Notas | Siglas | Sons Silas Borges Monteiro ...um acontecimento, se bem compreendo, que teria a forma de selo, como se fosse um funcionário, testemunha sem testemunha, na guarda de um segredo, o acontecimento selado por uma assinatura indecifrável, uma sigla, um desenho prematuro.

Derrida In media vita. Notas de um agradecido.

Por F.N. Talvez tenha sido Derrida, mais do que qualquer outro, o responsável por tratar de sons que produzem ocultações ou exposições, e que não tenha buscado soluções dialéticas à “aparente” contradição. Sua experiência fônica mais bem sucedida, parece-me, foi realizada com o termo différance. Penso em outra: otobiographies. Comum a estes dois termos é o desaparecimento da distinção sônica. Ao mesmo tempo, é o traço, o rastro de uma origem que escapa, que se ausenta. Sabemos a posição de Derrida quanto à origem: (…) eu não saberia por onde começar a traçar o feixe ou o gráfico da différance.1 Porque o que Com todos os riscos que isso possa comportar, altero a revisão técnica de Constança

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aí se põe precisamente em questão é a exigência de um começo de direito, de um ponto de partida absoluto, de uma responsabilidade principal. A problemática da escrita abre-se com o pôr em questão o valor de arkhê.2

Com Derrida, não se começa. A origem está destraçada. Isso pode ser confirmado com Bennington.3 Poderíamos dizer que com Derrida sempre se continua. Neste caso, em que tomo em minhas mãos as Notas de Sandra Corazza, dou-lhe continuidade ao meu modo. E faço isso, por sugestão de Derrida, pela différance que realizo com a escuta de seu texto (escuta aqui entendida mais pela física do que pela psicanálise). Se ao dizer otobiographies é possível ouvir autobiographies — e aí o jogo do duplo tem seu movimento — ponho-me a ouvir, junto com outros escrileitores no Mato Grosso as conhecidas Notas corazzianas. Talvez tenha sido Corazza, mais do que qualquer outro, a responsável por oferecer experiências fônicas a nós, escri(lei)tores4 em Mato Grosso. Uma palavra a mais sobre isso. Ter como projeto oficinar o ler-escrever em meio à vida tem sido novo aprendizado, meio ao estilo de Nietzsche. Inicialmente, tivemos “de aprender a desaprender, para afinal, talvez muito tarde, alcançar ainda mais: mudar de sentir”:5 Depois “Aqui precisamente é preciso começar a reaprender”.6 Outro sentir, uma reaprendizagem. Ler as Notas foi-nos uma vivência.7 A opção do grupo foi fazer circular conceitos derridianos para o diálogo com as Notas corazzianas. O que ressoa? O que oculta? O que mostra? Qual remédio? Qual veneno? Qual jogo?

Marcondes Cesar para a tradução em português do texto de Derrida, por julgar que expresso-me melhor com as mudanças que proponho. 2 DERRIDA, 1991, p.37 3 BENNINGTON, 1996, p.19 4 Ainda estamos por realizar as possibilidades da circulação entre nós dos termos “Escrileitura” e “Escri(lei)tura”: o primeiro, de inspiração deleuziana; o segundo, derridiana. 5 NIETZSCHE, 2004, § 103. 6 NIETZSCHE, 1995, Por que sou tão esperto, § 10. 7 “Nossas vivências determinam nossa individualidade, e de tal modo que, de acordo com cada impressão afetiva, nosso indivíduo encontra-se determinado até o interior de cada célula” (NIETZSCHE, 2007, Fragmento póstumo 19].

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Essas questões exigem mais linhas do que aqui é proposto. Pretendo, neste texto, estender a experiência de leitura do Núcleo Mato Grosso sobre as Notas elaboradas por Sandra Corazza por conta do Projeto Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida. Uma das ações do Núcleo é pensar a contribuição de Jacques Derrida para a noção de escri(lei)turas. Sabemos o alerta de Derrida: “O fonema se dá como a idealidade dominada do fenômeno”.8 Não é disso que se trata. Estamos no caminho da crítica ao fonocentrismo. Por isso, acompanhamos Derrida quando afirma: “A história da metafísica é o querer-ouvir-se-falar absoluto. Essa história está fechada quando esse absoluto infinito aparece a si como sua própria morte. Uma voz sem différance, uma voz sem escritura é, a um só tempo, absolutamente viva e absolutamente morta”.9 E finaliza: “Então, resta falar, fazer ressoar a voz nos corredores, para suprir o brilho da presença. O fonema, a akumene é o fenômeno do labirinto. Esse é o caso da phonè. Elevando-se em direção ao sol da presença, ela é o caminho de Ícaro”.10 Derretimento d’A voz. Recomposição escri(lei)tora. Labirinto nãometafísico.

Incursões sonoras Minha intervenção procurará dar um tom derridiano às Notas corazzianas. Ou, na linguagem de Deleuze, leitor de Espinosa, apresentarei minhas ideias-afecções sobre as Notas do “Escrileituras”. Permitam-me uma linha sobre as siglas, afinal, foram elas que produziram as primeiras reações no Núcleo do Mato Grosso. Li certa vez em um dos volumes da “História da Vida Privada no Ocidente”, a interpretação de uma imagem de mulher que lia um livro. Ela tinha sua boca entreaberta pela leitura. O autor dizia ser indicativo de alfabetização tardia, pois alfabetizados tardiamente lêem em voz alta para facilitar o entendimento. Vi-me, imediatamente, na consideração do autor. Se não leio em voz alta, certamente repito o som das palavras em minha mente. Em um curso que fiz certa vez de leitura dinâmica (que me ajudou muito pouco!) o instrutor afirmava ser esse hábito o principal fator na lentidão da leitura. Bem, apresento-me como leitor DERRIDA, 1994, p.89 DERRIDA, 1994, p.115. 10 DERRIDA, 1994, p.117. 8 9

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lento e mal alfabetizado. Conto isso porque sou impressionado pelas reflexões que Derrida faz, principalmente em sua crítica ao fonocentrismo, isto é, ao modo como a filosofia ocidental hierarquiza seus valores, com a predominância da presença da voz e da fala como instância metafísica do logos, portanto, da razão sobre a escritura. Numa espécie de perspectiva nietzschiana, Sócrates é decadente porque fala. Ainda mais, a fala, o logos, a razão são apresentados pela tradição como o centro gravitacional da filosofia, ou a “determinação historial do sentido do ser em geral como presença”.11 E porque não acompanhar Sarah Kofman quando diz: “Cumplicidade do logofonocentrismo e do falocentrismo: a voz da verdade é sempre a voz da lei, de Deus, do pai. Virilidade essencial do logos metafísico”.12 Voz da verdade, do Deus, do Pai. Esses operadores que se desdobram da voz, de algum modo, indicam-me, por mais que busque sua fuga, certos pendores metafísicos. Falo melhor do que escrevo; quando leio, ouço minha voz para dar-me sentido. Disse tudo isso para contar que na primeira sigla corazziana ouvi “hóstia”. Se falasse “tê” quando viesse a ler a vigésima letra do alfabeto, talvez diria para mim mesmo: “óstê” – com o acento de determinados sotaques brasileiros. Mas não. Ouço “ósti” quando leio a sigla de “Oficinas de Transcriação” (OsT), cujo som ressoa “hóstia”. As siglas foram um evento à parte para mim, e para o grupo do Mato Grosso. As sonoridades das siglas, bem como seu uso, produziram experiências diversas, desde o primeiro contato com as Notas. Foi-nos necessário novo aprendizado, como sugerido por elas mesmas. Não obstante encontrarmos mais ecos de Deleuze nas Notas, foi Derrida quem começou a ocupar mais a cena dessa escritura. As notas corazzianas deram impulso à Escri(lei) tura derridiana. Continuam a operar os regimes de instabilidade, não em direção à acomodação, própria do construtivismo, mas da desconstrução do logocentrismo; e Derrida nos alerta em A escritura e a diferença: “Apesar das aparências, a desconstrução do logocentrismo não é uma psicanálise da filosofia”.13 Corazza propõe: “As OsT executam uma autopoiese, enquanto processo de produção do novo, por meio da

DERRIDA, 2008, p.15. apud BEATO, 2005, p.100. 13 DERRIDA, 1971, p.179. 11

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criação de codificações (= Forma de Expressão + Forma de Conteúdo – FoEFoC), em campos de comutabilidade e de diferencialidades, que circunscrevem o seu funcionamento e limites”.14 A sonoridade das OsT ganha mais significado: a “hóstia” se torna o anti-édipo, afinal antes de Freud dizer que os filhos querem seus pais mortos, os deuses-pais matavam seus filhos, ou, no caso cristão, pelo menos matou um. As OsT como pão do anti-édipo. Para nosso Grupo no Mato Grosso a voz começou a ganhar novo sentido nas discussões a partir das Notas. Otobiografias, de Derrida, começou a nos dizer, mais do que em outros momentos, do “óto” som do ouvido em francês, e do “óto” som francês para si-mesmo. Tem se tornado divertido encontrar, como crianças que ganham brinquedo novo, os sons de Derrida em sua escritura. Por que não em sua voz? Ora, Derrida dirá na Introdução do seu A voz e o fenômeno que a voz é a resposta à dificuldade da indiscernibilidade da não-presença no coração da presença. Em minhas palavras, a fenomenologia da consciência tem uma presença, a da voz que fala para si mesma, uma voz sempre ausente, o inaudito. Sobre essa dificuldade, Derrida dirá: O enigma da voz é rico e profundo por tudo a que ele parece responder aqui. Que a voz simule a guarda da presença e a história da linguagem falada seja o arquivo dessa simulação, tais fatos nos impedem, por ora e desde já, de considerar a “dificuldade” à qual a voz responde, na fenomenologia husserliana, como uma dificuldade de sistema ou uma contradição que lhe seria própria. Isso também nos impede de descrever essa simulação, cuja estrutura é de uma infinita complexidade, como uma ilusão, um fantasma ou uma alucinação. Esses últimos conceitos remetem, ao contrário, à simulação de linguagem como à sua raiz comum.15

Por isso, entendo que a voz cria múltiplos inaudíveis, para si, para outros. A voz, assunto da linguagem, assunto da fisiologia, assunto da física, começa a ser vista por nós como a condição de possibilidade da criação de sentido, de autopoiese, como sugere Sandra. A voz

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CORAZZA, 2011a, p.2. DERRIDA, 1994, p.22.

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(novamente agora, tenho a impressão de ter dito duas expressões ao mesmo tempo!) é assunto de uma das Oficinas que estamos em processo de transcriação.

Cantos de corvos Entre as diversas vivências que tive em Tokyo, uma chamoume a atenção: os carros são muitíssimos silenciosos. Isso permite, ao andar pelas ruas abarrotadas de pessoas, que caminham de um lado para outro, em absoluto silêncio, ouvir, por todo lado, o canto dos corvos. Sublime. Encantador. Lúgubre. É, entre outros, o tom gótico de uma megalópole oriento-ocidental. Em uma das reuniões do Escrileituras, lemos Edgar Allan Poe. Escolhi The Raven. Ouvimos a leitura na voz de Vicent Price – ator que, com seus filmes, me aterrorizava na infância. Lemos a tradução de Machado de Assis. Lemos a tradução de Fernando Pessoa. Lembremos que tradução é, como sempre deve sê-lo, “transformação de uma língua por uma outra”.16 Queríamos recriações. Assistimos a um curtametragem dirigido por David Wark Griffith, de 1909, em homenagem ao centenário de nascimento do escritor americano. Falamos de tradução. Falamos de transformação. Falamos de transcriação. Tradução é seleção, é escolha. Também transcriação. Novamente, Derrida ocupa a cena: “Eu não acredito que algo possa ser intraduzível – ou ainda, traduzível”.17 Por isso, também, podemos denominá-la, como Corazza sugere, “des-tradução”.18 Oficinas traduzem transcriando. É Didática-Artista, e vejo isso afeito à gênese da Didática, palavra usada na literatura grega arcaica no ambiente do teatro: autores faziam didática na criação-recriação de suas obras para o teatro, durante o trabalho com os atores. Entender que os autores ensinavam os atores a interpretar suas peças é perder a força do teatro – lembrando que o teatro é a cena de Dioniso. Não se ensina, não se aplica saberes: são transcriados. Estive na Escola Dom José Despraiado, uma das escolas em que o Núcleo de Mato Grosso atua. Pediram-me para tratar das Orientações DERRIDA, 1991, p.46. DERRIDA, 2001, p.178. 18 2 011a, p.7. 16 17

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Curriculares do Estado para o Ensino Médio. Pelo que conheço das instituições de ensino, pediram-me, ao que me pareceu, que “traduzisse” o texto para que fosse aplicado. Insisti na ideia de que textos não são aplicáveis. Convidei o grupo de professores a criar um sentido, pelo exercício da leitura, dos documentos da política pública. Quando partilhei esse acontecimento no grupo, Josiane Rohden lembrou-me: é transcriação! Fez mais sentido. Devemos explorar mais a experiência de “escritor-e-leitor”, na assinatura do filósofo da desconstrução. Derrida sugere que a cena seja menos de Freud e mais de Artaud. Então, é teatro de crueldade: lúgubre, vital, alegre, trágico. Assim argumenta: “Ora um corpo verbal não se deixa traduzir ou transportar para uma outra língua. É aquilo mesmo que a tradução deixa de lado. Deixar de lado o corpo é mesmo a energia essencial da tradução. Quando ela reinstitui um corpo, é poesia”.19 É vivência de descentração do corpo; por que não do pensamento? A escola pode aprender a transcriar. Os estudantes podem aprender a transcriar. Talvez um primeiro movimento, do-não-familiarao-familiar; segundo movimento, do que agora-é-familiar-ao-nãofamiliar. É transcriar naquilo que causa estranheza, que coloca-o como estrangeiro: vivência afetuosa de andarilhos. As escolas têm demandas, geralmente na busca de “o” sentido do que o Estado fez dos PAFCs. Não vejo problema em dizer deles na perspectiva daquele que universaliza perceptos, afectos, funções e conceitos, na ótica do monstro do rebanho. Como DATianos, a estranheza destas perspectivas são condições de possibilidade da transcriação. Novamente, Derrida compareceu conosco nessa trilha. Ainda mais ele que foi notado pela academia quando traduz Husserl, ou, de outro modo, quando trai Husserl.

Cartografar otobiografemas Escutas, vivências, grafias enunciam proposições. OsT são cartografadas, pois são rizomáticas. Há sempre um método, um caminho. Não porque haja exigência ou uma lei, mas porque

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DERRIDA, 1971, p.198.

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se caminha. Labirinto parece ser uma boa imagem para o desenho da caminhada. Trajeto de andarilho. Rizoma também. Parece-me que Deleuze é mais eficiente nesse ponto. Seu modo professoral faz com que os temas que nos intrigam tenham tratamento mais próximo de nós. Derrida tem ares de conferencista. O próprio Deleuze dizia de certo desgosto pelas palestras, preferindo sempre as aulas. Derrida é mais disperso. Em Derrida penso que podemos falar em estratégia, mais do que método. A estratégia em Derrida teria sua base no que chamou de “um duplo gesto”, “dupla ciência”, “duplo registro”: operação de caráter econômico que consiste em, por um lado, tomar os termos da metafísica ocidental, para, por outro, poder excedê-la. O primeiro trabalho não deve nunca ser inutilizado pelo segundo. Permitir esse trabalho destrutor seria “filosofar mal”, ato de simplesmente “virar a página da filosofia”.20 A estratégia com base num duplo gesto, de acordo com Derrida, é escrita feita com duas mãos. Dirá em Posições: Por meio desse duplo jogo, marcado, em certos lugares decisivos, por uma rasura que permite ler aquilo que ela oblitera, inscrevendo violentamente no texto aquilo que buscava comandá-lo de fora, eu tento, pois, respeitar o mais rigorosamente possível o jogo interior e regrado desses filosofemas ou epistememas, ao fazê-los deslizar, sem os maltratar, até o ponto de sua não-pertinência, de seu esgotamento, de sua clausura.21

Estratégia de escrita, produção de escritura. E, por que deixar de lado a leitura? No seu primeiro livro publicado, Derrida mostra que a operação da imaginação criadora, feita ao escritor, convida ao mesmo universo criativo o leitor. Nesse jogo duplo de escritor e leitor, longe das análises da pragmática ou da linguística, fica atada a um mundo impenetrável, do qual só podemos falar, com significativo distanciamento, por metáforas. A imersão deste mundo, como experiência que instaura o ato literário, chamo de escri(lei)tura. Ato de dupla criação, de dupla transformação, de dupla tradução. Ato de jogar. Derrida dirá:

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SANTIAGO, 1976, p.35. DERRIDA, 2001, p.12-13.

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Esta experiência de conversão que instaura o ato literário (escritura ou leitura) é de uma espécie tal que as próprias palavras separação e exílio, designando sempre uma ruptura e um caminho no interior do mundo, não conseguem manifestála diretamente mas apenas indicá-la por uma metáfora, cuja genealogia mereceria por si só a totalidade da reflexão. Pois se trata de uma saída para fora do mundo, em direção a um lugar que nem é um não-lugar nem um outro mundo, nem uma utopia nem um álibi.22

Parece-me que é disso que se trata, quando trazemos ao debate o sentido de método. A Escrileitura corazziana, conforme diz, “acontece em atos de ruptura, de desterritorializações e de devires-outros, que são sempre devires-minoritários”.23 Escapam às narrativas de totalidade para vincularem-se ao que diz do único, à potência criadora do singular. Só isso coloca certa dificuldade para pensarmos a noção de método como geralmente circula pela literatura acadêmica. O perspectivismo é seu aliado. Ora, a estratégia de otobiografar se nos apresenta como uma posição (lugar e opinião) de dupla criação diante do texto, sabendo-o como obra autobiográfica, quando o escreve e quando o lê. Também, posições, afinal essa estratégia não é neutra, ela intervém.24 Método-estratégia, que, como Nietzsche propõe, seja avaliação, afinal tudo é valor. E aqui, a efetividade concorre para o surgimento do novo; são estratégias de novidade, não para atender anseios de fixação, mas condição de possibilidade de devir. Por um otobiografema, contra a psicanálise, contra, na proposta corazziana, “a cronologia de vida e a ilusão biográfica”.

Criar sabores, cores e texturas Lemos o texto “28 de novembro de 1947 – Como criar para Si um corpo sem órgãos.” no volume 3 do Mil Platôs brasileiro. Na abertura do texto, Deleuze e Guattari afirmam: “ele espera por você, é

DERRIDA, 1971, p.19. CORAZZA, 2011a, p.3. 24 Cf. DERRIDA, 2001, p.117. 22 23

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um exercício, uma experimentação inevitável, já feita no momento em que você a empreende, não ainda efetuada se você não a começou”.25 Queríamos uma experiência do corpo. Emília Biato, também ligada aos assuntos da Educação & Saúde, propôs, com Alessandra Abdalla e Josiane Rohden: “Fantasias em cores, sabores e texturas”. Elas farão essa oficina com alunos do curso de Nutrição da UFMT. Depois, iremos às escolas do projeto. Transcriar alimentos, vivenciar sabores, fantasiar as cores de pratos, ingerir o novo, recriar o conhecido, afinal para Nietzsche, se houvesse um órgão do conhecimento, esse seria o estômago. Conhecer pela língua quando ela não produz palavra. Triturar. Extrair sucos. Digerir. Longe dos imperativos biomédicos. D&G sugerem: “Substituir a anamnese pelo esquecimento, a interpretação pela experimentação. Encontre seu corpo sem órgãos, saiba fazê-lo, é uma questão de vida ou de morte, de juventude e de velhice, de tristeza e de alegria. É aí que tudo se decide”.26 O saber da saúde produz imperativos: coma para produzir o corpo saudável, não coma aquilo que faz o corpo obeso, coma o que melhora a mecânica do sistema, não coma o que entope as veias. Ou, o capitalismo que sugere o alimento do consumo rápido, que vende fast food, junk food. Ambos querem ditar a constituição do corpo. Aqui se esperam fantasias não imperativas, experiências do corpo, da boca, do ânus. Arqueologia. Escatologia. Comida que torna a língua, os olhos, o nariz, o ânus como experiência não sistêmica. Uma nova ética, uma nova estética, uma nova dietética. Em operação, a disseminação: Alimentos diet-binge, light-heavy, saudáveis-venenosos... Nietzsche ensina em seu Ecce Homo: “É preciso conhecer a grandeza do seu estômago”. Ainda mais, “estas pequenas coisas alimentação, lugar, clima, recreação, toda a casuística do egoísmo – são muito mais importantes do que tudo quanto se concebeu e, até agora, se considerou importante. É aqui justamente que importa começar, aprender de novo”. Alimentos e alimentação como casuística do egoísmo. Aprender de novo. Reaprender. Com as OsT esperamos aprender de novo o novo.

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DELEUZE; GUATTARI, 1996, p.9 Idem, p.11

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Linhas para uma (micro)política de escrileituras: ler e escrever em meio à vida e às políticas de Estado1 Ester Maria Dreher Heuser Nunca como agora, recorrer ao pensamento político de Deleuze se fez tão necessário para mim. Políticas de Estado dizendo sim e financiando, com cifras nada insignificantes, um projeto de escrileituras que, ao menos em sua proveniência e, especialmente, nas potências que sua “chefia” lança sobre nós, está mais para máquina de guerra do que aparelho de Estado. Que se passou? Que pode ter acontecido? Dizem Deleuze e Guattari que essas questões organizam uma novela, mas, as respostas a elas jamais serão conhecidas, porque nesse gênero literário estamos em relação com um incognoscível, com o imperceptível.2 No caso específico de nosso projeto, parece evidente que o que se passou foram articulações que capturaram e liberaram forças inéditas e vitais das formas “oficina”, “escrita”, “leitura” e “vida”, forças que nem mesmo os aparelhos de Estado MEC/CAPES passaram imunes. Quero agradecer mais uma vez, agora publicamente, à Sandra Corazza e à Patrícia Dalarosa por todas as articulações que elas produziram para que hoje estejamos aqui e para que, talvez, cheguemos, em alguns momentos da duração desse projeto, a “favorecer culturas do dissenso: reinventando novas formas, significações, posições de indivíduos e de grupos”, conforme um dos objetivos desse nosso primeiro encontro. Talvez, com essas reinvenções de formas, um dia alguém Linhas que expressam um estudo, um debruçar-se sobre as Notas de OsT, e uma experiência de tradução, de expressão dos efeitos de tais notas que, quando chegaram ao Núcleo de Toledo/PR do “Projeto Escrileituras”, todas de uma só vez, eram como os escritos de Kafka: um relógio com os ponteiros adiantados. 2 1996, p.65. 1

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ocupe a posição de novelista e se arrisque a fazer uma “Novela das escrileituras”, das experiências de ler e escrever em meio à vida que estamos inventando e responda às questões: “que se passou?”, “o que aconteceu?”. Por ora, parece que estamos mais na posição ansiosa de leitores de um conto, às voltas com a questão: “que acontecerá?”. No entanto, em nosso caso, a posição é um pouco mais complexa. Aliás, complicada talvez seja mais adequado considerar, afinal somos escritores, leitores e fazedores disso que convencionamos chamar de “oficinas de escrileituras”, ou de Oficinas de Transcriação (OsT), oficinas processuais de Pesquisa, Criação e Inovação (PeCi). Oficinas (des)orientadas por uma disciplina inventada pelo professor Challenger – que há muito esqueceu sua especialidade –, chamada por múltiplos nomes: “rizomática, estratoanálise, esquizoanálise, nomadologia, micropolítica, pragmática, ciência das multiplicidades”.3

Do roubo Encorajada pela conceitualização de “oficinar” que Corazza4 criou, especialmente no privilégio que as OsT dão à “ação operatória de Perceptos, Afectos, Funções e Conceitos (PAFCs), a partir de obras já realizadas, que outros autores criaram (...) em outros tempos e espaços”,5 de minha parte, roubarei – não sem receio, é verdade – alguns procedimentos de “mostração” que Deleuze e Guattari processaram em partes do Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, a fim de traçar algumas linhas para iniciar a transcriação de uma suposta política inerente em nosso projeto. Política já anunciada na nota I.3 das Notas I – Oficinar. Considero, assim, ainda com o “espírito” das notas de Corazza, que são as criações desses autores e obras as reais condições de efetividade necessárias para a elaboração e execução de uma política das oficinas de escrileitura; e, “ao mesmo tempo, o seu privilegiado campo de experimentação para exercitar possibilidades de PeCI”.6 Sabemos que o plano filosófico de Deleuze e Guattari é marcado por PAFCs e que FAC atravessam Mil Platôs mais do que qualquer DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.57. CORAZZA, 2011a. 5 Ibidem. 6 Ibidem. 3 4

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outra obra dos filósofos, seja solo ou duo: formas que compõem o mundo vegetal, mineral, animal e humano criadas em outros meios históricos e geográficos desafiam o tempespaço que as produziram e constituem o híbrido plano filosófico deleuzo-guattariano. Plano que emite ressonâncias vitalistas sobre nossas oficinas de escrileituras; contamina, ressoa e impulsiona essa EPT que nos desafiamos a iniciar. Assim como são os procedimentos de experimentação e produção de pensamento, advindos de diferentes FACs que orientam a investigação, invenção e escritura de Deleuze e Guattari, serão alguns dos dispositivos de trabalho por eles utilizados que servirão como operadores desse “comércio com os vivos”; dispositivos que são a própria condição dessa experimentação, dessa EPT que ora se inicia através de ideias já prontas, ideias encontradas no platô das “Três novelas”7 e que serão arrastadas para a produção das primeiras linhas que tecem essa experimentação de uma (micro)política de escrileituras.

Da prudência Experimentação escrita não sem hesitação. Ela, ainda. Indecisão, não mais...8 Mas, no entanto, com doses de prudência multiplicadas, não aquela prudência humanista para a decência da vida moral, mas no sentido recomendado pelos dois filósofos que parecem nos perguntar ao ouvido num sussurro: “Você agiu com a prudência necessária? Não digo sabedoria, mas prudência como dose, como regra imanente à experimentação: injeções de prudência”.9 É da “prudência necessária” para a radical experimentação de um corpo sem órgãos a que eles se referem. Bem sei, mas, mesmo numa experimentação de escrita como essa – sem grandes ousadias, é verdade –, doses de prudência são necessárias. Não pelo risco de tentar traçar linhas de fuga ativas e encontrar uma linha de morte, ou de ricochetear no muro, mas, antes, pelo risco de querer cartografar e acabar por decalcar; de ter a ilusão de que se está seguindo a conduta da repetição quando é da deplorável generalidade que se trata, ou então – não sei o que é pior –, querer pensar uma micropolítica afirmativa de modos de vida imanentes DELEUZE; GUATTARI, 1996, p.63. Cf. CORAZZA In. HEUSER, 2010, p.20. 9 DELEUZE; GUATTARI, 1996, p.11. 7 8

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e produzir microfascismos. Afinal, bem sei que, assim como não é utilizando uma língua menor como dialeto ou produzindo regionalismos que nos tornamos revolucionários em nossa própria língua, não basta ler Deleuze e Guattari – autores ainda (ou, para sempre) marginais e anômalos –, para sermos criativos e ocuparmos uma posição menor ou revolucionária no pensamento, na filosofia e na política. Mas, antes – e são os próprios filósofos que indicam pistas a tal procedimento10 e também as Notas II – Traduzir, de Corazza:11 trata-se de utilizar componentes de minoria presentes na filosofia de Deleuze e Guattari, apropriar-se dos mais radicais PAFCs e conectá-los com ideias vindas de longe, extraídas de outras FACs. No entanto, ainda assim, não há garantias de êxito, como na vida...

Das linhas que tudo compõem No platô “Três novelas”, mais do que falar de linhas de escrita, os filósofos querem mostrar como tais linhas se conjugam com outras: “linhas de vida, linhas de sorte ou de infortúnio, linhas que criam a variação da própria linha de escrita, linhas que estão entre as linhas escritas”.12 Embora a novela tenha uma maneira própria de fazer surgir e combinar essas linhas, não se trata de um privilégio desse gênero literário. “Linhas são matéria universal”, dizem eles, pertencem a todos os gêneros e a todo mundo, “pois somos feitos de linhas”.13 Aceitando-se essa ideia como um axioma. Trata-se de pensar, então, uma política de escrileituras a partir de linhas. Deleuze afirma que pessoas e coisas são compostas de linhas bastante diversas, portanto, nossas oficinas de escrileituras também. Quais são nossas linhas? Sobre qual linha está cada um de nós participantes das OsT, Didata-Tradutor (DiTra)? Em quais delas cada um dos Núcleos do projeto (NuOsT) está? Por onde passar a linha que traçamos a cada estudo, reunião, súmula, procedimento e oficina? Deleuze diz a Claire Parnet que “as pessoas não sabem, necessariamente, sobre qual linha delas mesmas

DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.53. 2011b. 12 1996, p.66 [grifos dos autores]. 13 Ibidem. 10 11

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elas estão, nem onde fazer passar a linha que estão traçando”.14 Para saber, é preciso fazer um mapa, desenhar e distinguir as linhas, definir latitudes e longitudes. No entanto, não há um conjunto de regras fixas a aplicar, nem alguém que tenha um saber pronto para transmitir. Mais uma vez, o aprendizado se dá na travessia. Nem positivista, nem teorético, o método da cartografia (MECAR) é perspectivista, mas não se trata de uma variação da verdade de acordo com um sujeito. MECAR, portanto, implica na liberdade do DiTra, sim, mas não uma liberdade sem condições, sem regras objetivas e verificáveis, pois está “instalado no ponto de vista, na variação, ou na própria inflexão PDP+TTC”.15 Pensamento da Diferença Pura (PDP) que precisa ser estudado e aprendido de cor, de coração, não para ser recitado, pois o PDP não é o Alcorão dos DiTra, mas para potencializar o que aumenta as “forças da afirmação, não da negação, não do luto e da ausência, não das ironias cansadas e tristes, mas do humor e da vida”.16 Os DiTra, todos nós, sem exceção, precisam aprender de coração o PDP, não porque sejam pesquisadores armados com seu suposto pensamento certo e verdadeiro, mas porque, com esse pensamento, tomado como ferramenta, podem experimentar e formular novos problemas, sugerirem novos conceitos, ideias e procedimentos criativos para si mesmos e também para as crianças, jovens e adultos com quem experienciam escrileituras em meio à vida. O PDP pensa geograficamente as coisas, as pessoas, as instituições, afirma haver sempre, pelo menos, três linhas distintas que atravessam e compõem o que há, ainda que, às vezes, aconteça de uma delas ser perdida, desaparecer:17 1) linha de segmentaridade dura, ou de corte [de fluxos], ou molar [polarizável] -> demarca, contabiliza, delimita tempo e territórios de nossas vidas – relacionamentos, futuro, passado, presente, fases da vida, férias, família, casa, níveis de escolarização, trabalho –, mas, ao mesmo tempo, segmenta e corta os fluxos de outras ordens e os sedimenta, planifica em Estado, instituições, classes, formando “grandes conjuntos molares”. Macropolítica. -> 1998, p.18. CORAZZA, 2011c. 16 TADEU et alii. 2004, p.22. 17 Cf. DELEUZE; GUATTARI, 1996, p.75. 14

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Tudo isso, a fim de polarizar, determinar e planejar, romper com a perturbadora e insistente diferença, estancar a dispersão, garantir, regulamentar e controlar a identidade de cada instância, incluindose aí a identidade pessoal. -> A linha molar parece ser a primeira e a triunfante linha, uma vez que ocupa e atravessa nossa vida do início ao fim, e porque a “própria vida não para de se engajar em uma segmentaridade cada vez mais dura e ressecada”.18 Diz-se que a vida quer estabilizar-se. Mesmo onde por muito tempo a estabilidade parecia impossível. Eis a grande conquista do mês de maio de 2011, este que é o das noivas, o mês dos casamentos: casais homossexuais, inclusive os militares, têm reconhecida e determinada pela Corte Institucional do Supremo [ou seria o “corte supremo” do Estado, seu galho mais forte?], por força de Lei, sua União estável. -> Exemplo de uma linha de segmentaridade dura que põe em jogo grandes massas, mesmo se fosse, no início, maleável; linha pela qual todo mundo, indivíduos e coletividades, será julgado, retificado, alinhado segundo seus contornos.19 Ou, ao contrário, nesse caso, seria uma linha maleável provocando fissuras nos duros sedimentos civis e familiares? 2) linha de segmentação maleável, flexível; linha de fissura, molecular -> racha, faz sutis e maleáveis microfissuras – como as de um prato que ainda rachado, por um tempo, cumpre sua finalidade – sob os, aparentemente, sólidos e bem formados sedimentos de um indivíduo, de um Estado, de uma instituição. -> Trata-se de um tipo de rachadura que traça uma segmentaridade totalmente diferente. Não são grandes cortes (nem Cortes Supremas Institucionais), nem segmentos bem determinados, mas, mudanças moleculares, pequenas segmentações em ato que põem todas as coisas em jogo, mas em uma outra escala e sob outras formas, detalhes de detalhes, com segmentações de outra natureza: rizomáticas ao invés de arborescentes. Uma vida molecular intensa: “‘tobogã de possibilidades’, minúsculos movimentos que não esperam para chegar às bordas, linhas ou vibrações que se esboçam bem antes dos contornos, ‘segmentos que se movimentam com bruscas interrupções’”.20 Uma micropolítica.

Idem, p.71. Cf. Ibidem. 20 Idem, p.74. 18 19

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Seria sobre essa linha que estaríamos traçando, fazendo passar as microsegmentaridades com nossas oficinas de escrileituras? A resposta afirmativa parece fácil e óbvia: o MEC, a grande árvore com os fortes galhos da CAPES, do Observatório da Educação com todos os dados do INEP, especialmente nas pesquisas referentes ao IDEB, seriam a linha molar ruim, sob a qual, a linha molecular, necessariamente a melhor linha, expressa por nossas OsT, fissuraria os sólidos sedimentos educacionais para deixar passar ar fresco nos muros da escola por meio de escrita e leituras em meio à vida. Desconfiemos também do óbvio que nos favorece, “não há nada fácil nas linhas que nos compõem”.21 Parece certo, no entanto, que se tratam sim de duas políticas: a macropolítica planificadora da Educação Nacional que quer cidadãos brasileiros alfabetizados e de raciocínio lógico matemático bem desenvolvido22 e a micropolítica das oficinas que quer lidar com fluxos e partículas de leitura e escrita e vida que teimam em escapar dos gráficos da grande política de Estado. Não é equivocado afirmar que o MEC precisa das microações propostas pelas universidades (e nós, das macroações dele?), uma vez que, na perspectiva de Deleuze e Guattari, “a grande política nunca pode manipular seus conjuntos molares sem passar por essas microinjeções, essas infiltrações que a favorecem ou que lhe criam obstáculo; e mesmo, quanto maiores os conjuntos mais se produz uma molecularização das instâncias que eles põem em jogo”.23 Políticas distintas que coexistem tanto nas (macro)políticas de Estado quanto nas (micro)políticas de escrileituras e pressupõem uma à outra, que passam uma para a outra. Linhas molares e moleculares que, simultaneamente “não param de interferir, de reagir uma sobre a outra e de introduzir cada uma na outra uma corrente de maleabilidade ou mesmo um ponto de rigidez”.24 Sendo assim, trata-se de uma política contida na outra, porque “toda política é ao mesmo tempo macropolítica e micropolítica”.25 Eis a complexidade fascinante do Idem, p.81. Cf. Edital 38/2010 do Observatório da Educação CAPES/INEP (http://www.capes. gov.br/educacao-basica/observatorio-da-educacao). 23 1996, p.78. 24 Idem, p.69. 25 Idem, p.90. 21

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pensamento político da filosofia de Deleuze e Guattari: no PDP nada é simples nem maniqueísta, nunca é uma questão de “nós” contra “eles”, ou dos “bons” contra os “maus”. Complexidade que aumenta com a terceira linha que não para de se misturar com as outras duas. 3) linha de fuga, de ruptura, de escapamento, não segmentar, “mortal e viva como um trem em marcha”.26 -> Tão real quanto às demais; contudo, diferentemente delas, é inapreensível e imperceptível, não admite qualquer segmento, canalização ou forma; faz o que está, molar e molecularmente, segmentado e canalizado no homem, no animal e nas instituições, escapar, fugir: “como se estoura um cano e não há sistema social que não fuja/escape por todas as extremidades, mesmo se seus segmentos não param de se endurecer para vedar as linhas de fuga”.27 -> Não vem depois, está sempre ali à espera da sua hora para explodir as outras duas. -> Apesar de ser a linha mais difícil a traçar e também a mais perigosa, ela é o próprio móbil da política para o PDP, pois: é nas linhas de fuga que se inventam armas novas, para opô-las às armas pesadas do Estado, e ‘pode ser que eu fuja, mas ao longo da minha fuga, busco uma arma’ (...) De todas as linhas que distinguimos, pode ser que um mesmo grupo ou um mesmo indivíduo as apresentem ao mesmo tempo. Contudo, de modo mais frequente, um grupo, um indivíduo funciona ele mesmo como linha de fuga; ele a cria mais do que a segue, ele mesmo é a arma viva que ele forja, mais do que se apropria dela. As linhas de fuga são realidades; são muito perigosas para as sociedades, embora estas não possam passar sem elas, e às vezes as preparem.28

Assim apresentadas, na ordem molar->molecular->fuga, parece que para o PDP parte-se do dado, do já formado para com ele romper por meio das fissuras provocadas pelas linhas moleculares. Parece que o pensamento político funciona -> da macropolítica -> para Idem, p.70. Idem, p.78. 28 Idem, p.79. 26 27

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a micropolítica -> e dali para a fuga. Não é “errado” fazê-lo, aliás, os filósofos mesmo afirmam, “é mais fácil, é dado”,29 até pode-se ver esse movimento funcionando algumas vezes na própria obra dos dois. No entanto, como para o PDP, o que vem primeiro é “sempre o movimento selvagem, rebelde, anárquico, imprevisível, que caracteriza as multiplicidades intensivas”;30 trata-se, também, de uma política de fluxos. Não são os fluxos que correm para conter a estratificação, ao contrário, eles é que são estancados, sedimentados, estabilizados. Visão fluida inerente ao PDP: “uma sociedade é algo que não para nunca de escapar (...) A sociedade é algo que vaza, financeiramente, ideologicamente – há pontos de vazamento por toda a parte”.31 As linhas molares não são mais do que o resultado de processos de fluxos que se estancaram, de partículas moleculares que se estratificaram, pois, no princípio, a Terra, a Desterritorializada, era atravessada por “matérias instáveis não-formadas, fluxos em todos os sentidos, intensidades livres ou singularidades nômades, partículas loucas ou transitórias (...), ao mesmo tempo, produzia-se na terra um fenômeno muito importante, inevitável, benéfico sob certos aspectos, lamentável sob muitos outros: a estratificação”, mas a terra não parava de fugir e se desestratificar.32 Tudo ao mesmo tempo, emaranhamento de linhas: 1) as de fuga no seu louco fluxo contínuo de desterritorialização absoluta; 2) as molares com seus tubos, conexões, gráficos e muros capturando os fluxos, demarcando territórios, codificando geométrica e graficamente, conforme suas próprias medidas; 3) as moleculares, por sua vez, presas entre as outras duas linhas e, ambiguamente, ao mesmo tempo, procedendo por desterritorializações relativas sobre a linha dura e permitindo reterritorializações das linhas de fuga, bloqueando-as, segmentando-as ainda que maleavelmente e remetendo-as para a linha molar. Ambiguidade da segmentaridade maleável, atrelada a ambas, pronta para tombar para um lado ou para o outro. Será falta de prudência ou precipitação inferir que é sobre essa linha que a política de nosso projeto poderá funcionar? Que é interessante que não tombe para nem um nem outro lado? Ou, então, não afirmaríamos mais a potência I bidem. TADEU et alii, 2004, p.195. 31 DELEUZE, apud Idem, p.196. 32 DELEUZE; GUATTARI, 1995, 54. 29 30

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dessa micropolítica se, por meio das OsT, criássemos canais, talvez do tipo aqueduto romano com seus escapamentos, para que seus DiTra inventassem suas próprias linhas de fuga e propiciassem o mesmo aos participantes de suas oficinas? Invenção que só pode ser traçada, efetivamente, em meio à vida e às linhas que a compõem.

Referências CORAZZA, Sandra. “Notas I – Oficinar”. (Texto digitalizado, 5 p.). Porto Alegre, 2011a. _____. “Notas II – Traduzir”. (Texto digitalizado, 19 p.). Porto Alegre, 2011b. _____. “Notas III – Cartografar”. (Texto digitalizado, 7 p.) Porto Alegre, 2011c. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 3 (Trad. Aurélio Guerra Neto et alii). Rio de Janeiro: Editora 34, 1996. _____. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, vol. 1. (Trad. Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa). Rio de Janeiro: Editora 34, 1995. DELEUZE, Gilles e PARNET, Claire. Diálogos; tradução de Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998. HEUSER, Ester Maria Dreher. Pensar em Deleuze: violência e empirismo no ensino de filosofia. Ijuí: UNIJUÍ, 2010. TADEU, Tomaz; CORAZZA, Sandra; ZORDAN, Paola. Linhas de escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

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O dito e o não-dito da formação de professores nesta contemporaneidade Carla Gonçalves Rodrigues Faz algum tempo que carrego comigo um problema. Trata-se de interrogar a formação de professores. Há nisso uma necessidade de existência. Questões se constroem na experiência de vida em uma Faculdade de Educação, Departamento de Ensino, envolvida com o trabalho docente. A questão é a seguinte: de que modo pode acontecer a formação de professores como um ato de criação de uma vida potente nesta contemporaneidade? Eu poderia apenas interrogar: como realizar a formação de professores? Ou, o que é o ato de criação? ou, em que consiste uma vida potente? ou ainda, quais as características desta contemporaneidade? Mas não é somente isso! Amparada no pensamento deleuziano, um conjunto de interrogações somente se constitui em problema quando realizamos relações. Sendo assim, por ora o que mais me interessa é aproximar, encostar, grudar, amarrar, isto é, relacionar a formação docente com a criação e a vida potente nesta contemporaneidade. Talvez nunca seja possível dizer em que momento, em que situação, em que lugar me permiti ser carregada pela turbulência dos signos emitidos no cotidiano, que dei escuta ao desassossego da diferença. Isso não importa! Agora só posso dizer que certo mal estar foi inchando meu território existencial. Meus critérios de trabalho para formar professores entraram em colapso, afirmação daquela sensação da nuvem negra tomando conta do nosso jardim e a chuva não desaguando. Daí “a gente seca”.1 Sim, a gente seca quando permanece na zona de conforto daquilo que “dominamos”, naquilo que se tem segurança de

Expressão utilizada pelo colega Máximo Adó, do Grupo DIF-UFRGS.

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que dá certo, do que já frequenta a nossa razão. Sempre a velha vontade de segurança... Impossibilidade do novo! E o que secou, então? Secou o vício de enfrentar a empreitada da formação de professores pela prática sustentada em paradigmas que creem na aquisição de técnicas e da incorporação de fragmentos de textos, prioritariamente, clássicos e universais. De modo mais específico, não há mais como suportar, nos cursos que formam docentes, ver jovens tendo seus corpos físicos confinados ao espaço de uma cadeira com braço ao longo de quatro horas, tendo o olhar saturado pelos parágrafos longos com fonte diminuta projetados em power point, acompanhando ou não a leitura realizada pelo(a) professor(a) ministrante da disciplina. A sensação maior é de que “esmagam o pensamento sob uma imagem que é a do Mesmo e do Semelhante”, afirma Deleuze.2 Uma ação de “adestrar um povo de pensadores”, diria Nietzsche. Escutar, escutar, escutar o que se deve ser e fazer, geralmente, em situações abstratas. “Não era uma jaula gradeada de quatro lados; eram apenas três paredes pregadas num caixote, que formava, portanto, a quarta parede. O conjunto era baixo demais para que eu me levantasse e estreito demais para que eu me sentasse. Por isso, fiquei agachado, com os joelhos dobrados que tremiam sem parar, na verdade voltado para o caixote, (...), enquanto por trás as grades da jaula me penetravam na carne”, descreve o macaco de Kafka,3 quando capturado e confinado antes de “fazer parte” da Academia. É fato: torna-se cada vez mais inviável a Educação Superior, mais especificamente, a formação docente, se ficar restrita às fronteiras de tais paradigmas. “Não me atraía imitar os homens; eu imitava porque procurava “uma saída, por nenhum outro motivo”.4 “Precisava achar uma saída caso quisesse viver, mas que essa saída não devia ser alcançada pela fuga”,5 (expressão “fuga” usada por Kafka no sentido literal). O que se quer é enfrentar questões suscitadas pela experiência vivida de formar professores. Delineia-se alguma saída a partir de recursos conceituais advindos de paradigmas vigentes na Educação, DELEUZE, 1988, p.273. KAFKA, 1999, p.62. 4 Idem, p. 70. 5 Idem, p. 66. 2 3

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sem ater-se dogmaticamente a nenhum deles, tramando recursos de outras áreas de conhecimento, tais como a filosofia da diferença e a arte contemporânea. Respirar, alimentar, gozar com o pensamento produzido em outros campos. Diria Deleuze a esse respeito: sair da educação pela educação. O que isso quer dizer no contexto considerado? Recorrer a extraciências educativas para formar professores realizando fissuras no modo realizado, até então. Mas isso não é tão simples de ser realizado como parece ao dizer. É Austin6 quem faz lembrar que, nesta perspectiva de pensamento, “dizer é fazer”. Sem maiores dúvidas, há que se ter uma disponibilidade para suportar o estranhamento de uma ideia, pois a nova paisagem desenhada a partir dela, muitas vezes, vai ser irreconhecível ao insistente olhar recognitivo. Com Deleuze, uma ideia não nasce pronta, não chega inteira. Ela vem de partes diferentes, reúne coisas diferentes. Ela é fugidia, vai e volta, se afasta, toma diversas formas. É preciso uma atitude de obsessão até poder expressá-la, pois tem vezes em que falta algo pra completar a ideia. Por vezes, perguntamos: “Será que tenho uma ideia e não consigo expressá-la ou não tenho ideia alguma?”. Há momentos, ainda, em que se entra em desespero, achando que não se é capaz de sustentar uma ideia. Porém, há outros em que se habita um estado de abertura inabitual sobre o familiar. Inicialmente, dois pontos podem ser conectados. A esse resultado junta-se outro ponto. E outro ainda. Mais outro. Sucessivas vezes, tornando o movimento cada vez mais veloz. Corpos e incorpóreos são reunidos. Atitude de estar à espreita. Signos emitidos no cotidiano capturam o pensamento, de tal modo que é necessário realizar um corte nesse caos, construindo um plano capaz de produzir sentidos desde pensar o arranjo realizado com conceitos filosóficos. Por vezes, aquilo que reunimos gruda com mais força. Noutras, tal aproximação é fraca e não confere potência ao pensamento. Mas não se pode esquecer: há uma necessidade que move todo esse movimento de existência. É da ordem do desejo que circula em um corpo que vibra, desprovido de organização no instante em que se dá a invenção.

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Mas isso ainda não é tudo quando se pretende formar professores como um ato de criação de uma vida potente em um tempo caracterizado por uma gama de conhecimentos que impulsionam freneticamente aplicações tecnológicas, as quais aceleram o “progresso”. Tais conhecimentos trazem complexidades para a vida social, explicadas por experts, ditos como conhecedores dessa estrutura.7 Nesse caso, saliento o trabalho desses experts educacionais, que se colocam a serviço das entidades e das forças que são dominantes em nossa sociedade. São eles que acabam por prescrever sobre como realizar a prática docente, despossuindo a categoria professoral de um saber acumulado durante anos de experiência vital, sendo esse saber relegado, colocado em um segundo plano. Não é possível dizer ao certo, mas, ao tatear essa perspectiva formativa apoiada nos preceitos dos experts educacionais, pode-se afirmar com menor quantidade de véus sobre o porquê somos tão tristes, como indica Corazza.8 Com tantas indicações sobre como ser e fazer ao modo de uma demanda modulada por tais experts, acabase por perder o controle sobre as próprias condições de vida, ficando alheio ao poder de gerenciar a existência. “Uma saída, apenas uma saída”, volta a gritar o macaco de Kafka. Por ora, uma tentativa de atuar como formadora de professores como catalizadora de processos autoanalíticos, como indica o Institucionalismo. O que isso quer dizer? Consiste em possibilitar aos coletivos professorais atuarem como protagonistas dos seus problemas, das suas necessidades, das suas demandas, podendo enunciar, compreender, adquirir ou readquirir um vocabulário próprio que lhes permita produzir saberes acerca de sua própria existência. Foucault auxilia quando indica a construção de critérios de existência na vida imanente por uma ética docente. Por isso a aposta em uma educação do acontecimento, na didática oficineira, na cartografia, no procedimento, na tradução como criação (traduzir a vida em textos), na escrita, fazendo uso de ideias filosóficas e expressões estéticas atuais. Acredito que esse conjunto possa auxiliar na tarefa de compreender a complexidade e a diversidade da vida cotidiana humana, especialmente no que tange à formação de professores.

BAREMBLITT, 2002. CORAZZA, 2004.

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Sendo assim, esse processo educacional que age no indivíduo faz acontecer alguma coisa com os sujeitos envolvidos. Não há escapatória. É condição sobre a qual o pensamento é colocado a pensar (encontro com um fora que o força a pensar). Torna sensíveis as significações. “Algo aconteceu e eu aconteci nesse instante”, diz Chantau. Exige uma didática que põe algo a funcionar novamente, tal qual em uma oficina. Não no sentido de consertar ou retificar o modo de orientar e dirigir a aprendizagem, mas na possibilidade de privilegiar a operação de afectos, perceptos, funções e conceitos no ato de aprender. Por isso reunir ciências educativas, filosofia da diferença e arte contemporânea em prol de fazer funcionar algo nos processos de formação de professores, podendo, daí, extrair blocos de sensações na educação. Desse modo, o que se aprende é somente aquilo que pode ser sentido, lembra Deleuze em Diferença e Repetição:9 “Há no mundo alguma coisa que força pensar. Este algo é o objeto de um encontro fundamental e não de uma recognição (...) em sua primeira característica, e sob qualquer tonalidade, ele só pode ser sentido. É a esse respeito que ele se opõe à recognição, pois o sensível, na recognição, nunca é o que só pode ser sentido, mas o que se relaciona diretamente com os sentidos num objeto que pode ser lembrado, imaginado, concebido”. Continua o filósofo: “O objeto do encontro, ao contrário, faz realmente nascer a sensibilidade no sentido. Não é uma qualidade, mas um signo. Não é um ser sensível, mas o ser do sensível. Não é o dado, mas aquilo pelo qual o dado é dado”. “ (...) talvez seja preciso reservar o nome de Ideias (...) às instâncias que vão da sensibilidade ao pensamento e do pensamento à sensibilidade”.10 Urge, então, a necessidade de realizar investigações em sintonia com a perspectiva teórica e estética que conduz esse trabalho que trata da formação de professores. Aqui a saída é o exercício cartográfico. Não mais interessa dizer daquilo que se passa com os outros, da imersão em um dado local em que se observa com certa distância o que ali acontece. De fazer o relatório das impressões e interpretações realizadas no campo empírico, ao modo de um mapa exato, conforme escrito por Borges, mapa que acaba ficando do mesmo tamanho da própria coisa mapeada

DELEUZE, 1988, p.270. Idem, p.241.

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e, portanto, sem utilidade. Interessa bem mais mapear as intensidades e os afetos que constituem nossos estados e que ocupam nossos corpos a cada momento do vivido. Mapear os modos como a força de criação opera nas práticas pedagógicas. Uma pesquisa do micro a favor de processos autoanalíticos, conforme citados anteriormente. “Conhece-te a ti mesmo”, não no sentido de reconhecimento de uma essência universal, mas na constituição de saberes de uma existência, como indica Foucault, de uma “vida como obra de arte”. Aqui a escrita é ferramenta infinitamente potente. Não há dúvidas disso! A leitura também, ao fazer subir à superfície diferentes planos. Ler, escutar, escrever. Múltipas linguagens em transcriação! Talvez assim seja possível realizar experimentações e ir construindo um método que permita olhar para o processo de fazimento e desfazimento do território professoral habitado. Procedimentos, nada mais do que isso. Funciona, não funciona. Bem aí se sucedem muitas coisas. Uma dobra. Ainda não cheguei lá. Apenas especulações. Experimentações sobre a reação de uma matéria e seu funcionamento. Mais do que isso! Experimentação do próprio método de experimentação sobre a matéria reunida. Criar sintaxe. Criar em seu idioma uma língua estrangeira. Fazer com que a língua passe por um tratamento voluntário, que mobiliza vontades, desejos e necessidades. Fazer a língua gaguejar. Fazer a língua balbuciar. Levar a linguagem até um limite. Eis a ideia de Estilo em Deleuze.11 Mas não se pode esquecer que sempre a isso precede uma necessidade: qual é o teu problema ou conjunto de problemas? Eu continuo interrogando a formação de professores nesta contemporaneidade. Por fim, há também outro movimento que pode ser realizado. Não há interesse para desenvolver sobre ele. Apenas quero lembrar que existem vezes em que não se pode abrir o peito e esticar a coluna jogando todo ar possível para dentro do corpo, deixando-o por segundos revolver nossos órgãos, permitindo que ele muito lentamente derrame a organização do nosso corpo. Há vezes em que não se pode sentir isso. Não há necessidade para tal.

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DELEUZE; PARNET, 2001.

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Referências AUSTIN, John L. How to do Things with Words. Oxford: Oxford University Press, 1975. BAREMBLITT, Gregorio. Compendio de Análise Institucional e outras correntes: Teoria e Prática. 5. ed. Belo Horizonte: Instituto Félix Guattari, 2002. CORAZZA, Sandra Mara. “Por que somos tão tristes?”. In. Pátio – Revista Pedagógica. Porto Alegre, ano VIII, n. 30, p. 51-53, maio/julho 2004. DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. (Trad. Luiz B. L. Orlandi e Roberto Machado). Rio de Janeiro: Graal, 1988. DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. L’ Abécédaire de Gilles Deleuze. Entrevista com Gilles Deleuze. Editoração: Brasil, Ministério de Educação, “TV Escola”, 2001. Paris: Editions Montparnasse, 1997. 1 videocassete, VHS, son., color. KAFKA, Franz. Um médico rural: pequenas narrativas. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

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Posfácio Plagiotropias Marcos da Rocha Oliveira Da rasura de minhas orelhas não ouvi nada. Leio cada um dos textos e não posso mais que umedecer os lábios. Escrevo com as orelhas que me cabem. Mas se tratam de lábios. Que diabos. Minha língua toda na ponta dos dedos: afinal um texto tem que começar por algum lugar. Começo com os dedos nos lábios, passo cada folha de cada texto para cumprir o acordo – suspeito. Meu corpo atarracado e meu cabelo em goma poderiam não concordar, mas se trata de fazer o que me cabe. No topo está escrito: Posfácio. E é disso que se trata. Não sou escritor. Rabisco no verso do original um crachá. Posfaciador Arturo. No Caderno de Notas 1 me toca a suma e sumo. Mas minha leitura sustenta apenas uma calça alinhada e bons sapatos para enfrentar a poeira dos dias. Examino a matéria de cada texto com atenção. Nada eu escreveria ou diria melhor ou com mais vida. Mas não é disso que se trata. Afinal, Arturo Bandini não funciona bem aqui. Apenas um descanso das laranjas e tudo mais. Corro olhos e dedos. O trabalho está atrasado, três dias e meio com o material e nada; não há pó em meus sapatos e termino a última palavra da última professora. O Tradutor espera o material. Assopro meus dedos. É hora de cerrar. Roubo o piano de Chopin Bukowski e anoto. A mola de minha poltrona estourou. O tempo é um cão dos diabos. Examino o conjunto. Insiro minhas duas folhas impressas desde a primeira metade do primeiro dia. Ainda parece bem. O pó na mesa do Tradutor cobre treze livros que empilhei como pista. Certamente ele não levou a sério. Tudo faz parte de meu concreto e pequeno Tratado de escrita e leitura e vida. Com notas adesivas marco o Deus e o Diabo de Haroldo, as vozes d’O inominável de Beckett, o final dos Sonhos de Bunker Hill de Fante. Na primeira gaveta da esquerda o trabalho da segunda metade do primeiro dia e dos outros inteiros. Em suma, as anotações. E a etiqueta correspondente “Plagiotropias”. É hora

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de cerrar. Cerro. De longe o Prefaciador observa. Ele possui bigodes. Um Didata-Tradutor em desvio de função. Pro inferno! Convicto em direção a sala do Tradutor, o crachá em rabiscos cerrado em meu punho esquerdo, eis o sumo, eu sou Arturo Bandini, Colecionador de Escrileituras e não preciso disso! Não leio mais sobre Grandes Aulas e Grandes Vidas e se o senhor quer escrevê-las trate de ler com sua própria língua cada quadro negro. Crachá amassado e algum dinheiro do adiantamento e umas moedas de troco voam sobre a mesa e os arquivos e a caneca acrílica de café com foto de pequenas crianças enquanto lentamente me viro para as escadas e a descida e o pó que esperam.

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Os dias passaram aos trancos. Três dias traduzindo a impressão do Caderno de Notas 1. Minha tradução fragmentária, livre e rigorosa, misturou àqueles textos de mais de cem páginas mais duas outras com anotações que encontrei. Nelas a marca de uma etiqueta rasurada. Aproveitei uma nota adesiva dispersa entre os livros e a usei. Didática da tradução – Transcriação & Haroldo. Parece-me bem. Exatamente dispersa, num canto, paralela. Levanto e desvio as costas da mola que insiste em querer fugir da poltrona. O encosto me lembra de dar a tudo um nome. Penso na barba ruiva e orelha. E decido assinar e começar por ela. Aceito o acordo. Afinal, um homem deve pagar suas laranjas e o alinho de um bom par de calças. Volto pela rua até o Observatório para ter com o texto traduzido. Por que diabos estariam um bando de professores reunidos em Oficinas, propondo-me traduzir em escritura uma vida, um texto e algumas Notas? Professores, geralmente, estão ocupados com grandes aulas e roupas marrons, ensinando as coisas sobre Deus, corpo, a verdadeira vida, como ler e engolir e aguentar e amar seus semelhantes, a luz do dia, o escrever, o raciocinar, a inteligência. Suspeito. Repasso os detalhes do vestuário, os modos de cruzar as pernas e o asfalto e o pó que desce as ruas sem inclinação. Contemporâneos. Certamente um disfarce. Retomo a gaveta da mesa já sem pó e com os originais já riscados e anotados. Posfácio, acordo proposto. Esperam que eu leve os originais até algum lugar. Esfrego o pé direito na traseira de minha panturrilha esquerda e disperso no cinza da calça o pó. Repetir a operação trocando a ordem dos elementos. Pernas incertas e a espera. Sem crase. O texto está atrasado, depois de três dias e meio ele certamente estará no fim; não há pó em meus sapatos e releio

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a última palavra da última professora. Tal em qual traduzi. É hora de cerrar. Isso não parece bem. Os professores esperam o material. Assopro meus dedos. É hora de cerrar. Examino o conjunto. Retiro minhas duas folhas impressas desde a primeira metade do primeiro dia. Assim parece bem? O tempo é um cão dos diabos. Último ato de Didata-Tradutor. Risco o Posfácio. E “Plagiotropias”, escrito com esferográfica preta, voa pelo abismo dos cento e dois centímetros que separam minha mesa do escaninho da Organizadora e repousa com certo barulho incomum. Plahfrh. Leve sorriso no canto esquerdo. Às ruas, afinal um texto tem que terminar por algum lugar.

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Autores: Carla Gonçalves Rodrigues - Professora do Departamento de Ensino da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas; Coordenadora do Núcleo Pelotas do projeto “Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida”; Doutora em Educação pela UFRG; atualmente desenvolve estágio pósdoutoral na FACED-UFRGS, sob orientação da professora Sandra Corazza; cgrm@ufpel.tche.br. Ester Maria Dreher Heuser – Professora na Licenciatura e Mestrado em Filosofia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná; Membro do Grupo de Pesquisa: DIF – artistagens, fabulações, variações; Coordenadora do Núcleo Toledo do projeto “Escrileituras: um modo de ler-escrever em meio à vida”; Licenciada em Filosofia e mestre em Educação nas Ciências (área Filosofia) pela UNIJUÍ; Doutora em Educação pela UFRGS; esterheu@hotmail.com. Marcos da Rocha Oliveira – Pedagogo, mestre e doutorando em Educação pela UFRGS (bolsista CAPES); Integra os grupos de pesquisa DIF – artistagens, fabulações, variações e T3XTO (UNIPAMPA); Pesquisador convidado no Programa Observatório da Educação CAPES/INEP/UFRGS; marqosoliveira@gmail.com. Máximo Lamela Adó – Doutorando em Educação na UFRGS (bolsista CAPES), membro do DIF – artistagens, fabulações, variações (UFRGS) e Núcleo ONETTI (UFSC); Licenciado em Ciências Sociais e Mestre em Literatura (Teoria Literária) pela UFSC; Pesquisador convidado no Programa Observatório da Educação CAPES/INEP/UFRGS; maximo.lamela@gmail.com.

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Patrícia Cardinale Dalarosa - Psicóloga formada na PUCRS; Pedagoga formada na UFRGS; Assessora pedagógica na Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre/Rio Grande do Sul; Possui especialização em Filosofia e Ensino de Filosofia pela PUCRS; Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Membro do Grupo de Pesquisa DIF – artistagens, fabulações, variações. Bolsista da CAPES vinculada ao Programa Observatório Nacional da Educação/INEP/Brasil; patriciadalarosa@yahoo.com.br. Sandra Mara Corazza – Professora do Departamento de Ensino e Currículo e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Líder do Grupo de Pesquisa DIF – artistagens, fabulações, variações; Pesquisadora de Produtividade 1 do CNPq; Coordenadora Geral do Programa Observatório da Educação da CAPES “Escrileituras: ler-escrever em meio à vida” (http://difobservatorio2010. blogspot.com/); sandracorazza@terra.com.br. Silas Borges Monteiro - Professor Adjunto do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso; Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação; Coordenador do Núcleo da UFMT do Projeto “Escrileituras: um modo de lerescrever em meio à vida”; Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo; silas@terra.com.br.

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Impressรฃo e acabamento Grรกfica Print Projeto Este livro foi confeccionado em formato 15,0 cm por 21,0 cm, em Times 11/13,5

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