ESPAÇO CIENTÍFICO LIVRE
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CARACTERÍSTICAS SÓCIO-DEMOGRÁFICAS DO PROJETO DE ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA EM MOSSORÓ/RN Maxione do Nascimento França Segundo Maria José Costa Fernandes
1ª edição - 2014
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ESPAÇO CIENTÍFICO LIVRE
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Maxione do Nascimento França Segundo Maria José Costa Fernandeses
CARACTERÍSTICAS SÓCIO-DEMOGRÁFICAS DO PROJETO DE ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA EM MOSSORÓ/RN
1ª edição
Duque de Caxias ESPAÇO CIENTÍFICO LIVRE
projetos editoriais
2014
ESPAÇO CIENTÍFICO LIVRE
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2014, Espaço Científico Livre Projetos Editoriais
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Atribuição. Você deve dar crédito, indicando o nome do autor e da Espaço Científico Projetos Editoriais, bem como, o endereço eletrônico em que o livro está disponível para download. Uso Não-Comercial. Você não pode utilizar esta obra com finalidades comerciais.
_______________________________________________________________________ Ficha Catalográfica F814
França Segundo, Maxione do Nascimento; Fernandes, Maria José Costa. aaaCaracterísticas sócio-demográficas do projeto de assentamento Recanto da Esperança em Mossoró/RN / Maxione do Nascimento França Segundo; Maria José Costa Fernandes – Duque de Caxias, 2014.
aaa1,93 MB; il.; PDF aaaISBN 978-85-66434-10-1 aaa1. Reforma Agrária. 2. Assentamentos Rurais. 3. Aspectos SócioDemográficos. I. Características sócio-demográficas do projeto de assentamento Recanto da Esperança em Mossoró/RN II. França Segundo, Maxione do Nascimento. III. Fernandes, Maria José Costa. CDU 630 _______________________________________________________________________ Autores: Maxione do Nascimento França Segundo; Maria José Costa Fernandes Revisão: Verônica C. D. da Silva Capa: Verano Costa Dutra / Imagem: Autores Coordenador: Verano Costa Dutra Editora: Monique Dias Rangel Dutra Espaço Científico Livre Projetos Editoriais é o nome fantasia da Empresa Individual MONIQUE DIAS RANGEL 11616254700, CNPJ 16.802.945/0001-67, Duque de Caxias, RJ espacocientificolivre@yahoo.com.br / http://issuu.com/espacocientificolivre
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sta obra foi originalmente publicada como Monografia apresentada ao Curso de Geografia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, para obtenção
do título de licenciado em Geografia, sob orientação da Profª. Ms. Maria José Costa Fernandes, em 26 de fevereiro de 2013. . Banca examinadora:
Profª. Ms. Maria José Costa Fernandes (UERN) Orientadora - (DGE/UERN)
Prof. Ms. José Erimar dos Santos Membro da Banca - (DGE/UERN)
Prof. Ms. Otoniel Fernandes da Silva Júnior Membro da banca (DGE/UERN)
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AGRADECIMENTOS
A elaboração desse trabalho só foi possível graças:
A Meus pais, Maxione do Nascimento França e Francisca Francineide de Medeiros França, pela educação recebida ao longo dos anos, pela persistência em me inserir na vida acadêmica e, principalmente pelo carinho;
A meus irmãos, Manassés de Medeiros França e Lídia Ruth de Medeiros França, pelos bons momentos compartilhados;
A minha esposa Katiane Rafaela, pelo companheirismo e incentivo no decorrer da construção do trabalho;
A minha Professora e Orientadora Maria José, pela parceria estabelecida desde o início do curso, o incentivo durante a elaboração do trabalho, e principalmente pela atenção, compromisso e cobrança nos momentos necessários.
Ao professor e amigo Erimar, pelas recomendações dadas;
A todos os professores e colaboradores da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, pelo incentivo e pela aprendizagem compartilhada;
Aos colegas de curso e amigos pela motivação e força;
Aos assentados do Projeto de Assentamento Recanto da Esperança pela fundamental contribuição em nossa pesquisa; A Francisco de Assis Amorin “Zuzin”, Presidente da Associação de Moradores, pelos esclarecimentos dados durante a pesquisa de campo e pelo acesso facilitado às informações essenciais do lugar;
Ao bom DEUS pelo auxílio.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus familiares, que estiveram ao meu lado em momentos de conquistas e
dificuldades.
Dedico
também,
a
todos
os
professores que contribuíram para a minha formação docente.
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Fazer a reforma agrária é por um ponto nos is É tomar a decisão que o povo sempre quis E sempre achou necessária aos problemas do país.
Falar em reforma agrária, jamais se deve esquecer As prisões, torturas, mortes, que puderam acontecer Aos que tinham a ousadia de dar um não ao poder.
Se feita a reforma agrária, se sela um acordo de paz Se
acaba
a
briga
no
campo
contra
multinacionais, Latifúndios ociosos com seus crimes sociais. (Medeiros Braga – O Cordel da Reforma Agrária)
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RESUMO
Nesse trabalho analisamos os aspectos sócio-demográficos do Projeto de Assentamento Recanto da Esperança, situado no município de Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte (RN). Para isso, fizemos inicialmente uma investigação acerca do surgimento dessas áreas de Reforma Agrária, analisando o processo de formação territorial do Brasil, os Movimentos Sociais de luta pelo direito igualitário à terra, realizando ainda um resgate das Políticas de Reforma Agrária e de criação de assentamentos no país, bem como da estrutura agrária no município de Mossoró. Buscando analisar os elementos sociais e demográficos do Recanto da Esperança, investigamos os aspectos referentes às condições familiares, habitacionais, educacionais, de trabalho e produção, renda, saúde, bem como os aspectos da infraestrutura e funcionalidade do lugar. Para isso, realizamos ampla pesquisa bibliográfica, e levantamento de dados divulgados por órgãos referentes ao contexto agrário. Fizemos ainda a pesquisa in loco, onde houve a aplicação formulários de pesquisa com o Presidente da Associação de Moradores, e com as famílias assentadas. Sendo assim, selecionamos uma amostragem de 10% de um total de 80 famílias, com o intuito de entendermos os aspectos sociais e demográficos, bem como a dinâmica local. Ao término da pesquisa, percebemos que o assentamento apresenta algumas carências na área educacional, de saúde, assistência técnica e financeira, bem como na estrutura funcional. Contudo, o assentamento também possui elementos qualitativos, principalmente no tocante à mobilização dos assentados na busca por melhorias para o local.
Palavras-chave: Reforma Agrária. Assentamentos Rurais. Aspectos SócioDemográficos.
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ABSTRACT
In this research we analyze the aspects social demographic of Projeto de Assentamento Recanto da Esperan莽a, located in the city of Mossor贸 in the state of Rio Grande do Norte (RN). For this, we initially an investigation of the emergence of these areas of agrarian reform, analyzing the formation process territorial of Brasil, the Social Movements fighting for the same rights of the land, still performing a rescue of Policies of Reform Agrarian and the creation of settlements in the country as well as the agrarian structure in the Mossor贸 City. Trying to analyze the elements of social and demographic of Recanto da Esperan莽a, we investigate aspects related to family circumstances, habitation, education, labor and production, income, health, and the aspects of infrastructure and functionality of the place. To this, we conducted extensive literature research and data collection published by organs for the agrarian context. We also the search in loco where there was the application of forms with the President of the Residents Association, and with the families of the settlements. Thus, we selected a sampling of 10% of a total of 80 families, in order to understand the social and demographic aspects and the local dynamics. At the end of the research, we realized that the settlement has some shortcomings in education, health, financial and technical assistance, as well as in the functional structure. However, the settlement also has qualitative elements, particularly with regard to the mobilization of the settlers in the search for improvements to the local.
Keywords: Agrarian Reform. Rural Settlements. Socio-Demographic.
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LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 - Número de conflitos de terra/assassinatos no campo brasileiro no período de 1990 – 2010................................................................................................32
GRÁFICO 2 - Número de ocupações no campo por trabalhadores sem-terra, no período de 1990 – 2010................................................................................................33
GRÁFICO 3 - Número de assentamentos criados e ocupações de terra no período do Governo Sarney, até o II PNRA, durante o Governo LULA, 1985-2006......................41
GRÁFICO 4 - Total de conflitos de terra no Rio Grande do Norte entre 1985 e 2005..............................................................................................................................44
GRÁFICO 5 - Número de Assentamentos Rurais criados pelo INCRA no Rio Grande do Norte, entre 1985 e 2005.........................................................................................46
GRÁFICO 6 - Local de residência das famílias assentadas anterior ao Recanto da Esperança.....................................................................................................................60
GRÁFICO 7 - Número de pessoas por família residentes no Recanto da Esperança.....................................................................................................................61
GRÁFICO 8 - Faixa etária dos filhos de chefes de família do Recanto da Esperança.....................................................................................................................62
GRÁFICO 9 - Grau médio de escolaridade dos assentados.......................................65
GRÀFICO 10 - Grau de satisfação dos chefes de família com o funcionamento do ensino, no assentamento..............................................................................................66
GRÁFICO 11 - Renda mensal média das famílias assentadas ...................................68
GRÁFICO 12 - Principais atividades econômico/empregatícias dos assentados........69
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LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Principais municípios do Polo Fruticultor Mossoró – Açu, segundo o Banco do Nordeste do Brasil....................................................................................................52
FIGURA 2 -
Reservatório de armazenamento e distribuição de água para as
residências....................................................................................................................57
FIGURA 3 -
Sede da Associação de moradores do Recanto da Esperança............58
FIGURA 4 - Residência original do Projeto de Assentamento Recanto da Esperança.....................................................................................................................63
FIGURA 5 - Escola Municipal de Ensino Fundamental Elias Salém, localizada no Assentamento Recanto da Esperança.........................................................................65
FIGURA 6 - Unidade Básica de Saúde da Comunidade rural de Alagoinha...............67
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LISTA DE SIGLAS ABEP – Associação Brasileira de Estudos Populacionais BNB – Banco do Nordeste do Brasil CONTAG – Confederação dos Trabalhadores da Agricultura CPT – Comissão Pastoral da Terra D. O. U – Diário Oficial da União EJA – Educação de Jovens e Adultos FHC – Fernando Henrique Cardoso FRUNORTE – Frutas do Nordeste S. A. IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MAISA – Mossoró Agroindustrial S. A. MASTER - Movimento dos Agricultores Sem-Terra MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra NERA – Núcleo de Estudos Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária P. A. – Projeto de Assentamento PAA – Programa de Aquisição de Alimentos PAIS – Produção Agroecológica Integrada e Sustentável PCB – Partido Comunista Brasileiro PIM – Projeto Institucional de Monitoria PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar RN – Rio Grande do Norte STRs – Sindicato de Trabalhadores Rurais SUPRA – Superintendência de Política Agrária SUS – Sistema Único de Saúde UBS – Unidade Básica de Saúde UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UDR – União Democrática Ruralista ULTAB - União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas
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SUMÁRIO PREFÁCIO....................................................................................................................16 1.
INTRODUÇÃO.......................................................................................................18
2. O CONTEXTO DA FORMAÇÃO TERRITORIAL E DA LUTA PELA TERRA NO BRASIL..........................................................................................................................21 2.1. O PROCESSO DE (TRANS) FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO.................................................................................................................21 2.2. UMA CONTEXTUALIZAÇÃO DAS LUTAS E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO.........................................................................................................................27 3. UM RESGATE DA POLÍTICA DE REFORMA AGRÁRIA E DA CRIAÇÃO DE ASSENTAMENTOS RURAIS........................................................................................35 3.1. AS NUANCES DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL..............35 3.2. BREVE RETRATO DA REFORMA AGRÁRIA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE E SUAS PARTICULARIDADES............................................................... .......42 3.3. A CRIAÇÃO DE ASSENTAMENTOS RURAIS NO BRASIL: INVESTIGANDO ÁREAS DE REFORMA AGRÁRIA................................................................................48 4. ANÁLISE DOS ASPECTOS POPULACIONAIS E ECONÔMICOS DO ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA EM MOSSORÓ/RN.......................50 4.1. NOTAS SOBRE A ESTRUTURA AGRÁRIA DO MUNICÍPIO DE MOSSORÓ E A FORMAÇÃO DO P. A. RECANTO DA ESPERANÇA.................................................51 4.2. ASPECTOS FAMILIARES E HABITACIONAIS DO RECANTO DA ESPERANÇA................................................................................................................59 4.3. PARTICULARIDADES DA EDUCAÇÃO E SAÚDE...............................................64 4.4. ANÁLISE DOS ASPECTOS DO TRABALHO E PRODUÇÃO LOCAIS................68 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................... .......72 6. REFERÊNCIAS.........................................................................................................74 APÊNDICE A – FORMULÁRIO PARA COLETA DE DADOS COM AS LIDERANÇAS DO ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA................................................77 APÊNDICE B – FORMULÁRIO PARA COLETA DE DADOS COM AS FAMÍLIAS DO ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA.......................................................80
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PREFÁCIO
E
ste livro resulta da edição da monografia de graduação de Maxione do Nascimento França Segundo sob a orientação de Maria José Costa Fernandes, brilhantemente defendida em 2013, no Departamento de Geografia da UERN, campus central, em Mossoró/RN. Ele é fruto da dedicação do trabalho realizado nas atividades dos autores. Sendo a Geografia uma ciência básica, isto é, fornecedora de descobertas e de análises da realidade de fenômenos que têm relação com o espaço, este livro traz à tona os aspectos sócio-demográficos de um projeto de assentamento de Reforma Agrária – o Recanto da Esperança, localizado no município de Mossoró, estado do Rio Grande do Norte, Brasil. No entanto, dizer que o mérito deste trabalho está nesse objetivo seria desvalorizá-lo em parte, haja vista deixar-se de lado reflexões importantes que são constitutivas em sua estrutura, sendo a preocupação com a problemática da Reforma Agrária, enquanto processo de formação territorial do Brasil e descaso das forças normativas para com uma parte significativa da população brasileira, o centro norteador dessas reflexões. Perquirindo esse norte, os autores fazem um resgate da luta pela terra no Brasil relacionando este fato com a formação territorial deste país, mostrando, a partir de uma sólida e rica fundamentação teórica, que não dá para não se pensar na problemática da Reforma Agrária, sobretudo na ciência geográfica, dado seu caráter diverso de abordagens sócio-espaciais e seu comprometimento com um espaço mais justo e equidade social. Somando-se a isso, é constitutiva desse livro uma investigação e análise crítica das Políticas de Reforma Agrária e de criação de assentamentos no país e no estado do Rio Grande do Norte, em que são enfatizados aspectos dessa realidade no município de Mossoró. Analisando aspectos sociais e demográficos do Assentamento Recanto da Esperança, os autores enfatizam condições familiares, habitacionais, educacionais, de trabalho, produção e renda, saúde e infraestruturais, desvelando sistemas de objetos e sistemas de ações que dão funcionalidade ao lugar analisado. Com isso, chama a atenção para as forças competentes para com essa realidade geográfica, que do ponto de vista sócio-demográfico-econômico precisa ser incluída no sistema de ação política mais atuante, pois dada essa investigação, os autores constataram que no referido assentamento há diversas carências, sobretudo nas áreas de educação, saúde, assistência técnica e financeira, aspectos ligados à estrutura organizacional e promotores de justiça social em qualquer escala sócio-espacial. Diante disso, aspectos qualitativos dessa formação sócio-espacial são apontados pelos autores, como é o caso da busca por melhorias para o local, por parte dos assentados. Essa realidade precisa ser mais criticamente considerada pelos estudiosos da realidade sócio-espacial, haja vista muitas vezes os estudos enfatizarem apenas forças locais enquanto capacidades de instigação de desenvolvimento, esquecendo determinações de caráter mais profundo do regime social de produção que se vive – o capitalismo. Finalmente, o livro que ora o leitor lança mão é um convite à reflexão agrária, um fato geográfico ainda tão caro à grande parte da população desse país, onde muitas vezes o preço a ser pago pela luta chega ser a própria vida dos que buscam um desenvolvimento menos desigual e mais combinado com justiça social. Assim, o livro
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Características Sócio-Demográficas do Projeto de Assentamento Recanto da Esperança em Mossoró/RN, é uma leitura da realidade social e populacional de um lugar constitutivo de um território que convida os pesquisadores da questão espacial, cada vez mais à análise e reflexão, sobretudo diante dos atuais processos que afligem o campo e suas condições de existência. José Erimar dos Santos Natal/RN, janeiro de 2014
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1. INTRODUÇÃO
D
esde suas origens, o Brasil tem preservado, em sua estrutura agrária, a concentração de terras nas mãos de poucos, enquanto uma grande parcela da população sempre esteve privada do acesso democrático à terra. Essa alta concentração de terras nas mãos de poucos teve início com a formação do território brasileiro, desde as Capitanias Hereditárias e Sesmarias, sendo ratificada pela Lei de Terras, persistindo até os dias atuais, à medida que a propriedade latifundiária ainda é uma constante na realidade brasileira. Partindo desses pressupostos, percebemos então, que a formação socioterritorial do Brasil sempre foi conduzida por uma pequena elite dominante. Durante décadas, esse sistema colonizador vem intensificando a disseminação do latifúndio em meio a um cenário de injustiças sociais e inoperância do Estado em promover políticas públicas que visem levar a redemocratização do acesso à terra, e consequentemente, alterar esse quadro de segregação no campo. Desde meados do século XX, os movimentos sociais do campo intensificaram as suas lutas como resposta a essa disseminação da grande propriedade latifundiária em nosso território. Sendo assim, movimentos sociais como as Ligas Camponesas e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, lutaram pelo direito igualitário à terra, principalmente considerando que, historicamente, o Brasil não tem praticado uma reforma agrária que ocasionasse uma reestruturação do contexto agrário vivenciado cotidianamente pelo trabalhador rural. Contraditoriamente, essa reforma agrária na qual nos referimos produziu poucas modificações em nossa estrutura agrária. As políticas agrárias realizadas até aqui sempre foram feitas lentamente, ou até mesmo por compensação, em resposta aos conflitos que se intensificavam no campo. Ao passo que não foi realizada uma reforma agrária uniforme, a política de assentamento de famílias sem terra no Brasil também se deu de forma desigual, e não conseguiu fazer com que houvesse profundas modificações na vida dos trabalhadores rurais, nem tampouco no modelo agrário preservado ao longo dos anos pelo país. Quando falamos aqui em reforma agrária, não estamos nos referindo tão somente a conceder terras aqueles que se encontram demasiadamente privados de ter acesso a ela. Também não consideramos que apenas assentar famílias seja sinônimo de reforma agrária. A reforma agrária na qual nos referimos é bem mais ampla, e envolve diversos atores, que juntos busquem promover justiça social e levar cidadania ao homem do campo. Esse contexto na qual o meio rural brasileiro se encontra é comum também ao Estado do Rio Grande do Norte, que encontra-se marcado pelas injustiças sociais que emergem no campo, sendo elas resultantes do processo de concentração fundiária que está arraigado ao nosso sistema agrário. Baseando-nos na realidade descrita, nos sentimos instigados a investigar a realidade sócio-demográfica dos assentamentos rurais em Mossoró/(RN), considerando a importância econômica e social dessas áreas para o município, já que Mossoró possui o maior número de assentamentos rurais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Rio Grande do Norte, 34 de um total de 283 assentamentos, a maior parte deles criados na década de 1990.
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As bases de nossa análise foram definidas, inicialmente, durante o desenvolvimento das atividades do Programa Institucional de Monitoria (PIM) da disciplina Geografia da População, ocorridas entre fevereiro e julho de 2011 e aprofundadas posteriormente em 2012, ao longo da elaboração do Projeto de Monografia. No decorrer da monitoria iniciamos a construção de nossa pesquisa, guiando-se pelos encaminhamentos de nossa orientadora, tendo como meta elencar elementos que agrupassem características da Geografia Agrária e da Geografia da População. Nossa proposta foi, então, ampliada para uma análise maior ao longo da construção da monografia, onde percorreríamos todos os elementos referentes ao contexto de nossa pesquisa, sendo eles os aspectos demográficos, sociais, e econômicos presentes nos assentamentos. A elaboração do referido trabalho foi dividida em etapas distintas, porém, todas interligadas para facilitar a análise do nosso objeto de estudo. A primeira etapa foi constituída de uma ampla leitura, análise e revisão bibliográfica em diversos livros, além de artigos de revistas eletrônicas, principalmente nos da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), do Núcleo de Estudos Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA), e da Revista TERRA LIVRE, da Associação dos Geógrafos Brasileiros, além de algumas monografias, teses, dissertações, e periódicos que tratavam da temática. Em um segundo momento, selecionamos os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), além de dados divulgados por órgãos não-governamentais, como os da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e de outras instituições vinculadas ao contexto agrário. Realizamos, ainda, a pesquisa de campo com o intuito de conhecermos as particularidades do Assentamento Recanto da Esperança (criado no ano de 2004), principalmente referente à população assentada e a estrutura funcional do lugar, através da aplicação de formulários de pesquisa, e de entrevistas informais com os assentados e com a associação de moradores. Assim, selecionamos em nossa pesquisa 10% (08 famílias) de um total de 80 famílias assentadas. Foram aplicados formulários de pesquisa, que serviram de base para levantarmos os dados referentes aos aspectos de saúde, educação, habitação, renda/produção, e demográficos em geral, além da estrutura funcional e de todos os elementos que compõem o assentamento. Por último, foi aplicado um formulário com o presidente da associação de moradores, que serviu para conhecermos como a associação de moradores tem atuado em benefício dos assentados. Em relação a estrutura do nosso trabalho, encontra-se distribuída em três capítulos onde discutimos o nosso objeto de estudo e as temáticas que o circundam. No primeiro capítulo realizamos uma breve abordagem acerca do processo de formação territorial do Brasil, percorrendo o processo de surgimento e multiplicação da propriedade latifundiária, discutindo ainda acerca dos conflitos e movimentos sociais de luta pela terra. No segundo capítulo abordamos acerca das políticas de reforma agrária, que predominaram no campo brasileiro a nível nacional e local, recortando temporalmente o período de institucionalização do I Plano Nacional de Reforma Agrária, até os dias atuais. Debatemos, ainda, os avanços e retrocessos da questão agrária no Brasil, apontando os atores que estão intrinsecamente envolvidos nesse processo, principalmente tratando-se da atuação do Estado, enquanto órgão responsável por promover as bases de uma reforma agrária efetiva. Por último, discutimos acerca dos
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assentamentos rurais, enquanto áreas de efetivação da política de reforma agrária e democratização do acesso à terra. No último capítulo, investigamos os fatores que influenciaram a formação e a atual configuração do Projeto de Assentamento Recanto da Esperança, sobretudo após a falência dos Complexos Produtivos Agroindustriais MAÍSA e São João, em 2002 e 2003 respectivamente, ocasionada pela primeira crise da fruticultura irrigada no polo Mossoró-Açu. Analisamos também os aspectos sócio-demográficos presentes no Projeto de Assentamento Recanto da Esperança, localizado em Mossoró/(RN). Baseando-nos nos dados coletados a partir dos formulários de pesquisa, levantamos as características mais significantes do assentamento. Em nossa análise, procuramos ainda demonstrar que nosso objeto de estudo é parte constituinte de um processo de democratização na qual o campo vem passando, embora seja considerado contraditório. Além disso, ao analisarmos os aspectos sóciodemográficos do assentamento, percebemos as suas principais potencialidades em relação aos demais assentamentos rurais que o circundam. Sendo assim, entendermos o processo que se desenvolvem no assentamento, servirá para que possamos conhecer a estrutura organizacional do Recanto da Esperança. A análise dos dados sobre a população, dentre outras características internas, servirão para retratar o cotidiano de um assentamento que desde a sua origem possui características singulares. Desta forma, o nosso enfoque visa compreender esses aspectos sócio-demográficos na qual nos referimos, contudo sem delimita-los enquanto um dado absoluto, concluído. Aí está a grande relevância das análises sócio-demográficas, perceber os elementos singulares de uma população, e analisá-los não como um resultado estático, mas como algo em processo de mudança constante.
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2. O CONTEXTO DA FORMAÇÃO TERRITORIAL E DA LUTA PELA TERRA NO BRASIL 2.1. O PROCESSO DE (TRANS) FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO
A
ntes de qualquer consideração acerca da maneira como foi elaborada a formação do território brasileiro, é necessário realizarmos uma breve contextualização acerca dos elementos que a influenciaram. Isso se deve porque diversos processos históricos e sociais modificaram os rumos da colonização, e consequentemente da divisão de nossas terras, e que, nos dias atuais, ainda se fazem presentes na estrutura territorial e fundiária do Brasil. Essa estrutura na qual nos referimos, têm suas bases nos mesmos moldes de exploração de outras colônias da época, na qual eram aplicadas práticas de expropriação e domínio territorial que serviam, antes de tudo, para atender os interesses de classes elitistas do período. Em sua função mais essencial, esse modelo de exploração colonial foi a melhor forma da Coroa Portuguesa aliar “os interesses dos barões feudais da época em povoar as terras da colônia, com os interesses da classe burguesa que visava obter grandes lucros através da riqueza extrativa, da preia de índios e do tráfico de escravos” (GUIMARÃES, 1989. p. 42). Ainda conforme esse autor, no final do século XV e início do século XVI, Portugal assim como boa parte do continente europeu, passava por um período no qual o sistema feudal entrava em decadência e, em face oposta, emergia a classe burguesa. Os nobres senhores da época voltavam os seus anseios de domínio para as colônias até então descobertas, desejando a posse territorial. De um modo bem peculiar àquela época a posse territorial significava antes de tudo, poder. Para a burguesia emergente, as terras coloniais seriam a base que garantiria a expansão mercantil daquele período. Dessa forma, o crescimento da burguesia seria em tese, dependente da riqueza fruto dos processos extrativistas instalados nas colônias de exploração. A instauração do sistema de capitanias e sesmarias viria mais tarde, atender os anseios de ambas as partes. Enquanto a alta sociedade encontrava-se em choque de interesses, Portugal passava por uma intensa crise econômica que aumentava gradativamente a miséria entre a população, o abandono do campo, e era fruto principalmente da decadência na agricultura. À medida que se decompunha a economia feudal e a agricultura portuguesa em consequência do crescimento dos centros urbanos, a Monarquia via na legislação de sesmarias uma tentativa de sanar seus problemas. “Devia ser bastante grave em Portugal a situação da agricultura, a miséria e o despovoamento das zonas rurais, para justificar as medidas tomadas e publicadas nos forais da época” (GUIMARÃES, 1989, p. 43-44). Depois de consecutivos anos de cultivo, as terras portuguesas já estavam saturadas, e a produção diminuía gradualmente. Além disso, o declínio do sistema feudal fazia crescer o abandono dos campos. Como medida desesperada para salvar essa agricultura decadente, a monarquia buscou na exploração das colônias, o meio mais
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eficiente para se restaurar a economia lusitana que se encontrava em processo de decadência. Contudo, segundo nos relata Moraes1 (2001, p. 108), somente após a década de 1540 a Coroa Portuguesa avalia ter um maior risco de assédio das terras da colônia por outras monarquias e, decide então, antecipar a exploração do território brasileiro. Devido a essa situação econômica na qual passava, e principalmente devido a falta de capital para se explorar a colônia, “a Coroa Portuguesa terceirizou e privatizou a colonização, passando para particulares os custos da instalação no Brasil, uma instalação que envolvia a aplicação de capitais vultosos”. A descoberta das terras brasileiras por Portugal abriu um novo leque de possibilidades. Portugal tinha total poder para explorar os seus recursos, bem como mantê-la sob seu controle, a fim de destinar seu uso em favor de suas necessidades econômicas e sociais. Tratando-se dos objetivos da Monarquia lusitana na posse territorial do Brasil, Nozoe afirma que: Sem se deter em considerações para com os eventuais direitos de propriedade dos povos nativos, uma vez descobertas, as terras passaram a compor [...] o patrimônio do monarca português que, nessa condição, detinha, dentre outros, o direito de vendê-las ou doá-las. Tais prerrogativas eram-lhe, contudo, vetadas no tocante àquelas terras sobre as quais colocava-se apenas na condição de soberano, uma pessoa de direito público, detentora da jurisdição sobre as mesmas. (NOZOE, 2006. p. 3).
É importante destacar que de início, especificamente entre o período que se estende da descoberta do território brasileiro até a instauração das primeiras capitanias, Portugal via poucos atrativos para que se iniciasse o processo de exploração territorial. “A função do Brasil durante esse período inicial foi de ser um ponto de apoio para se chegar às Índias. O Brasil era uma rota ideal para se prover alimentos, água, madeira, e essa foi a função da colônia entre os anos de 1500 e 1540” (MORAES, 2001, p. 107). Em um segundo momento, o governo português introduziu o sistema de capitanias hereditárias em nosso território, buscando uma forma de promover a ocupação da terra sem altos custos, considerando que todos os gastos ficavam a cargo do donatário da capitania. Em suma, essas capitanias nada mais eram do que imensos tratos territoriais, doados a pessoas de notoriedade na sociedade portuguesa. Em relação a essas particularidades no processo de doação das capitanias, Diniz afirma que: Dom João III, o colonizador, adotou no Brasil o sistema de capitanias. Tratava-se de uma forma de promover a ocupação da terra sem onerar a Coroa, uma vez que todos os gastos ficavam a cargo do donatário. [...] A sesmaria era uma subdivisão da capitania com o objetivo de que essa terra fosse aproveitada. A ocupação da terra era baseada em um suporte mercantil lucrativo para atrair os recursos 1
Morais, Antonio Carlos Robert de. Transcrição da palestra proferida no evento “Pensamento Geográfico e Formação Territorial do Brasil”, organizado pela Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Vitória, e pelo Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo, em 8 de dezembro de 2001, no centro das artes da Universidade Federal do Espírito Santo.
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disponíveis, já que a Coroa não possuía meios de investir na colonização, consumando-se como forma de solucionar as dificuldades e promover a inserção do Brasil no antigo sistema colonial (DINIZ, 2005, p. 2).
Os donatários das capitanias hereditarias compunham uma parcela restrita da nobre sociedade lusitana. Essas imensas áreas territoriais ficaram distribuídas entre homens de posses, homens da nobreza, homens da burocracia, bancários, e homens ligados diretamente à monarquia. Embora o donatário não fosse o proprietário da terra, ele era o responsável por comandar toda e qualquer atividade que porventura fosse desenvolvida na capitania, sendo de sua inteira responsabilidade manter com seus próprios recursos o seu mecanismo básico de funcionamento, o cultivo da terra. Trantando-se desses aspectos, Diniz (2005, p. 2), discorre que as capitanias “eram grandes tratos territoriais que foram distribuídas entre os fidalgos da pequena nobreza, homens de negócios, burocratas, banqueiros, escudeiros reais e tesoureiros do reino.” Continuando, relata que os donatários não eram donos das terras, estes possuíam o direito de usufruir dela, submetendo-se ao caráter centralizador da monarquia, que tinha total poder sobre a posse territorial. Partindo desses pressupostos, percebemos que durante o período no qual foram instaladas práticas de colonização das terras brasileiras, havia uma grande distância entre o direito de posse e o direito de propriedade. Os donatários e sesmeiros tinham o direito de posse sobre a terra a partir de dispositivos legais garantidos na legislação de sesmaria. Contudo, o direito de propriedade da terra continuava sendo específico da Coroa Portuguesa. O que se fazia na verdade, era uma espécie de arrendamento territorial com fins colonizadores e/ou econômicos, onde de tudo o que se produzia parte era destinada ao pagamento de tributos à Coroa. Quanto a isto, Guimarães (1989, p. 46), relata que “o que se fez foi a demarcação do solo, atribuindo aos donatários direitos e deveres como o pagamento de foros e tributos á Coroa”, constituindo-se assim, perpétuos tributários da Monarquia, ou dos Senhorios de Estado. Sendo assim, o direito de propriedade da terra ficava nas mãos da Monarquia, que possuía poder integral e concentrador sobre todo o território colonial. A doação das sesmarias não era realizada apenas por caráter classista. Dentre outros critérios, Diniz (2005), relata que as doações só eram permitidas apenas aqueles que eram reconhecidamente cristãos2 e, além disso, que tinham condições suficientes para manter a terra cultivada, princípio básico da sesmaria. Por outro lado, a instauração da legislação de sesmarias significou, antes de tudo, a maneira na qual Portugal pôde buscar recuperar a sua agricultura em decadência, e mudar os rumos de sua economia. No que se refere a esse contexto de instauração da legislação de sesmarias pela coroa portuguesa, Guimarães cita que: A legislação de sesmarias representava, em Portugal, uma tentativa para salvar a agricultura decadente, para evitar o abandono dos 2
A autora frisa que as doações de sesmarias eram restritas aos católicos. Aos “gentios”, era vetado todo o tipo de relação comercial de terras, sendo esses sujeitos à penas severas, mediante a legislação.
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campos que se acentuava á medida que se decompunha a economia feudal, na razão do crescimento das atividades dos centros urbanos. Era, em sua interferência na propriedade agrária, uma tímida restrição ao Direito Feudal, embora, bem se possa avaliar, muito difícil de ser praticada. (GUIMARÃES, 1989. p. 43).
Percebemos, então, que a instauração da legislação de sesmaria foi a maneira mais eficaz, e menos dispendiosa para a Monarquia se reestruturar. Aos poucos, o crescimento urbano fazia gerir um modo de vida mais citadino, que em Portugal, acarretava graves problemas econômicos. Em tese, a partir da exploração da colônia brasileira, a Monarquia conseguiria manter-se economicamente estável, pois aliandose à extração de matéria-prima aos tributos recebidos dos donatários e senhores de terras, Portugal conseguia modificar a sua economia decadente. Não é de se admirar as condições na qual se configurou a divisão territorial do Brasil. Quando nos referimos à distribuição de terras em nosso território, fica evidente que existem inúmeros fatores que proporcionaram que houvesse uma divisão desigual. De início, a condição social do sesmeiro era fator determinante na concessão de novas terras, considerando que a monarquia não vislumbrava nenhuma utilidade em se doar terras para trabalhadores, homens desprovidos de recursos materiais. Quanto ao funcionamento de todo esse sistema colonizador português, só foi possível graças a um elemento fundamental, a produção açucareira. O açúcar conseguiu levar a colonização adiante, uma vez que poderia permitir que Portugal sanasse os seus principais problemas econômico-sociais. Tratando-se da produção de açúcar nas terras doadas, através da legislação de sesmarias, Guimarães afirma que: Caberia ao açúcar uma função excepcionalmente importante. O seu modo de produção permitiria a Portugal materializar, numa admirável síntese, a solução dos seus problemas fundamentais. Viria possibilitar a ocupação da terra em moldes inteiramente ao gosto feudal da época. A certeza de grandes lucros bastaria para atrair a classe dos mercadores cujos representantes seriam intermediários e banqueiros dos nobres na empresa do açúcar (GUIMARÃES, 1989. p.44).
Associado ao pensamento de Guimarães (1989), Moraes (2001) afirma que o açúcar se deu muito bem no Brasil, pois envolvia o dispêndio de grandes capitais, daí a tentativa da Coroa de atrair particulares. No século XVI, quem quisesse aplicar dinheiro no Brasil era bem-vindo. Foi nesse momento, por volta de 1570, que começou o período definido pelos historiadores como o grande século do açúcar no Brasil. Desta forma, a produção açucareira em grande escala foi o meio de salvação da economia portuguesa. O cultivo da cana-de-açúcar foi a atividade econômica que permitiu que a ocupação do território baseado na legislação sesmeira obtivesse sucesso. Era de se esperar que o cultivo da cana-de-açúcar alcançasse um ápice econômico. Tal sucesso se devia, principalmente à mão-de-obra de baixo custo, considerando que era baseada no modo de trabalho escravista, aliado aos nossos solos, que eram férteis o bastante para garantir que a produção se expandisse muito rapidamente. A tarefa de comandar a exploração nas terras coloniais ficou a cargo de Martin Afonso de Souza. Homem da alta nobreza lusitana, Martin Afonso de Souza foi um empreendedor na qual a Coroa pode confiar plenos poderes para garantir o funcionamento da nova base econômica. Através da publicação das três cartas régias de 1530, Portugal autorizou à sua partida para as terras coloniais com o propósito de
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que ele difundisse aqui nas terras coloniais o alicerce da nova economia, a produção açucareira. Moraes (2001) concorda que Martin Afonso de Souza e Duarte Coelho conseguiram de fato tocar a colonização. Eles tinham amplos poderes sobre as colônias, inclusive de ordem financeira. Aliando-se a isto o esgotamento do solo das ilhas de Açores e da Madeira, a atividade colonizadora desenvolveu-se velozmente, influenciada pelo tripé Monocultura, trabalho escravo, e grande propriedade. Ainda segundo Moraes (2001), a monocultura da cana-de-açúcar povoou todo o solo fértil que se encontrava na colônia. Após a fixação das primeiras atividades econômicas baseadas na cana-de-açúcar, os solos que não eram adequados à cultura, eram destinados à pecuária, principalmente na área denominada sertão de fora. Tão importante quanto o açúcar inicialmente e a pecuária em seguida, era a madeira extraída das terras do Agreste. Ela foi usada nas construções, nos meios de transporte, ou seja, nos carros de boi, e principalmente nas fornalhas dos engenhos e nas caixas de transporte do açúcar. Começava de fato aí, a colonização, relata o autor. Baseando-se nessas prerrogativas, podemos definir, portanto, que o sistema colonial funcionava de maneira agregada. No litoral a cultura canavieira dominava os solos, enquanto mais tarde a pecuária desbravaria o interior, criando assim um dos mecanismos principais desse processo, a dúplice economia gado-produção canavieira. Se por um lado a fabricação de engenhos açucareiros e a doação de terras foram sendo bem executadas, por outro a miséria e a fome se alastrava. Podemos dizer que a “plantação de alimentos” para os trabalhadores que faziam mover a produção açucareira durante o período colonial era demasiadamente pequena. Como as terras eram cada vez mais monopolizadas pela cultura canavieira, os solos férteis que haviam eram destinados á essa cultura, restando apenas solos inférteis e improdutivos para a produção de alimentos de subsistência desses trabalhadores. Guimarães (1989), relata que o Alvará de 1688 que obrigava os senhores de engenho a destinar parte de suas terras para a plantação de mandioca para os escravos, era uma barreira intransponível ao desenvolvimento da cultura canavieira e ao regime de sesmarias. Portanto, à medida que a quantidade de engenhos aqui instalados aumentava, havia uma necessidade cada vez maior de força de trabalho, que por sua vez fazia gerir uma precisão ainda maior de alimentos. A obrigação dos sesmeiros destinarem terras à plantação de alimentos para os escravos do serviço açucareiro era desvirtuada, contribuindo dessa forma para aumentar a miséria entre esses trabalhadores. Podemos definir que a gravidade do problema não estava relacionada à ausência de amparo legal que determinasse a produção de alimentos. A raiz do problema estava relacionada ao cumprimento das leis pré-estabelecidas. Certamente, a voracidade dos tributos pagos pelos sesmeiros a Coroa refletia nessa questão. O Senhor de terras voltava as suas preocupações em produzir mais para que pudesse pagar seus tributos e obter lucro, do que refletir acerca das necessidades dos seus servos. Por todo lado afloravam problemas para Portugal. Além de enfrentar problemas com a divisão do território, outras dificuldades emergiam no contexto da época. A cultura canavieira entrava em colapso aos poucos. Vários elementos contribuíam para que a produção do açúcar ficasse saturada. À medida que se acentuava o pagamento desses tributos, em via oposta cresciam os conflitos entre as classes, o abandono das
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terras improdutivas, e o crescimento da miséria. Esse era o retrato fiel do caos instaurado na colônia. Como se não bastasse problemas tão graves, a preocupação naquele momento já se voltava para o crescimento do número de terras apropriadas por um novo personagem surgido do ínterim da divisão territorial das sesmarias, o posseiro. Segundo Silva (1997, p. 16), a quantidade de terras apossadas durante os primeiros séculos da colonização assumiu proporções equivalentes à expansão da propriedade latifundiária. “As mesmas condições que levaram à falta de controle no tamanho das sesmarias fizeram com que o limite da posse fosse dado pelo próprio posseiro”. Considerando a calamidade social na qual o regime de sesmarias havia se transformado no início da década de 1820, a Coroa Portuguesa já não conseguia manter o controle de todo o território colonial, agravado pelas irregularidades no sistema de doação e os conflitos que emergiam ano após ano. Tratando-se do estado em que se encontrava o regime de sesmarias nesse período, Guimarães (1989) relata que à medida que a população aumentava seu ritmo de crescimento, movimentando-se para o interior, as coisas chegaram ao ponto de que no ano de 1822, a Coroa Portuguesa considerasse não ser atrativa a doação de novas sesmarias, considerando que a experiência havia se mostrado desordenada. A suspensão da concessão de novas sesmarias na década de 1820 acabou pondo fim a uma conjuntura insustentável. Certamente, o caos que havia se instalado aqui ameaçava o direito do grande proprietário de terras. Assim, com a interrupção de novas concessões, a Monarquia buscou proteger e garantir a grande propriedade latifundiária no país, e, além disso, continuar restringir o acesso da terra para uma parcela limitada da aristocracia. Diniz (2005, p. 3) concorda que “devido às irregularidades e à desordem no regime das sesmarias, havia a necessidade de elaborar-se um regimento próprio, obrigando a regularização e demarcação das terras”. Diante dessa nova configuração territorial, a Monarquia cria uma legislação que visava garantir o direito de propriedade privada. A Lei de Terras, designação dada a legislação aprovada em 1850, restringiu ainda mais o acesso à terra. Se anteriormente os sesmeiros só tinham a concessão temporária das terras, com a vigência da nova lei, elas puderam ser um bem particular. Podemos concluir, portanto, que houve uma grande alteração nos meios de acesso à essa terra. Inicialmente a doação dependia da classe a qual o concessionário pertencia, no período pós-lei de terras o acesso era restrito aqueles de poder aquisitivo. A principal função da Lei de Terras era favorecer que os sesmeiros, pudessem garantir a legitimidade da propriedade privada. O fim das doações restringiu ainda mais o meio de se adquirir novas terras. Para Guimarães (1989), a partir desse período, no qual as doações de novas terras foram extinguidas, reconheceu-se que a doação de novas sesmarias no Brasil constituía-se uma ameaça a propriedade latifundiária. Esse fato ameaçava o monopólio da terra no Brasil: a ocupação cada vez mais crescente de terras cultivadas e devolutas por contingentes da população rural, relata o autor. Além dos malefícios da distribuição de terras realizada no regime de sesmarias, a Lei de Terras só veio a intensificar esse processo expropriatório. Se o acesso a ela já era restrito, com a instauração da lei os pobres mantiveram-se distantes do direito à terra.
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Quanto a esse contexto na qual se encontrava o regime de sesmarias, e em relação a introdução da Lei de Terras na qual descrevemos anteriormente, Silva (1997) descreve que: Em meados do século XIX, o Estado imperial elaborou a primeira legislação agrária de longo alcance da nossa história, que ficou conhecida como a Lei de Terras de 1850. Esta lei pretendeu impor os princípios da política de intervenção governamental no processo de apropriação territorial, representando uma tentativa dos poderes públicos (o Estado imperial) de retomarem o domínio sobre as terras chamadas devolutas, que estavam perdendo em função da vertiginosa ocupação que se processava então sob a iniciativa privada (SILVA, 1997. p. 17).
Diante do exposto, é notório que a Lei de Terras só veio legitimar a concentração de terras nas mãos daqueles com maior poder aquisitivo, uma vez que passaram a ser negociadas, substituindo o antigo sistema de doações adotado pela Monarquia. A venda das terras representava mais uma perda para o camponês, que se via sem perspectivas de desfrutar de um pedaço de chão de maneira legalizada. Expandia-se assim, as raízes da propriedade latifundiária no Brasil, alicerçada na concentração de terras e na segregação. Em detrimento dessas ações da Coroa Portuguesa no período colonial, até hoje o Brasil conserva os traços de uma má distribuição territorial. O processo de expropriação territorial no Brasil foi, e ainda é marcado por uma estrutura agrária singular, onde a concentração e a monopolização da terra estão centralizadas nas mãos dos pequenos e grandes latifundiários. Fernandes (2000) define que desde as capitanias hereditárias até os latifúndios modernos, a estrutura fundiária vem sendo mantida pelos mais altos índices de concentração do mundo. Esse modelo insustentável sempre se impôs por meio do poder e da violência. Diante de questões tão pertinentes, relatamos que essa é apenas uma pequena faceta desse quadro de injustiças sociais arraigados à nossa estrutura fundiária, e social. O acesso igualitário à terra desde o Brasil colônia parece-nos ser algo ainda distante. Sem dúvida essa é uma dívida que o País mantém enraizada desde a sua formação territorial, e que ainda está presente nos dias atuais, conforme podemos perceber quando são contextualizadas as lutas dos movimentos sociais.
2.2. UMA CONTEXTUALIZAÇÃO DAS LUTAS E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO
A
intensificação das lutas pelo direito ao acesso à terra sempre se constituíram como o mais grave problema agrário do Brasil desde suas origens. Quando falamos em ocupação de terras, é impossível dissociar esse processo, das lutas, da violência, da resistência e exploração que sempre estiveram presente na nossa estrutura agrária. A ausência de uma política fundiária concreta vem fomentando o crescimento da violência no campo. Os números servem para comprovar que esse quadro de conflitos sociais cresceu à medida que o acesso à terra foi ficando mais restrito, principalmente se compararmos os dados das décadas mais recentes, como veremos mais adiante.
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Ao longo do processo de formação territorial do Brasil, diversos momentos históricos são testemunhas do processo de exclusão social. Em Fernandes (2000, p. 1), “a luta pela terra é uma ação desenvolvida pelos camponeses para entrar na terra e resistir contra a expropriação”. Durante vários períodos históricos do Brasil, houve luta pela terra, encabeçada pelos camponeses que resistiam contra o cativeiro. Como sabemos, essa luta pela terra sempre esteve presente no processo de ocupação de nosso território. É impossível compreender a atual questão agrária sem analisarmos como as lutas no campo brasileiro se desenvolveram desde o século de colonização até os dias atuais. Tratando-se desse cenário de conflitos, no qual o campo brasileiro está alicerçado, Oliveira (2001a), discorre: Os conflitos sociais no campo brasileiro e sua marca ímpar, a violência, não são uma exclusividade do século XX. São, marcas constantes do desenvolvimento e do processo de ocupação do país. Os povos indígenas foram os primeiros a conhecer esse processo. Há mais de 500 anos vêm sendo submetidos a um verdadeiro etno/genocídio histórico. O território capitalista, no Brasil, tem sido produto da conquista e destruição dos territórios indígenas (OLIVEIRA, 2001a, p. 190).
Definimos, portanto, que o processo de colonização do Brasil foi um dos principais responsáveis pelo extermínio e dizimação de grande parte das aldeias indígenas. Principalmente após a segunda metade do século XVI, as lutas de indígenas contra a escravidão e contra a perda de suas terras se inicia. Essas lutas se estabeleceram em um período no qual a iminente necessidade de desenvolvimento econômico começava a permear a sociedade. Associado ao pensamento de Oliveira (2001a), Fernandes (2000, p. 2) relata que entre os séculos XVI e XVII, aconteceram diversas lutas de povos indígenas contra o cativeiro. “De norte a sul, Potiguares, Tamoios e Guaranis lutaram contra a invasão de seus territórios e contra a escravidão.” Nessa época, a escravidão indígena foi sendo substituída pela escravidão de negros vindos da África. No final do século XVI, havia no Brasil aproximadamente quinze mil escravos africanos trabalhando nos engenhos. É também nessa época que surge o primeiro quilombo, que era um território de resistência, terra de negro, onde a liberdade predominava, conclui. Ainda em relação aos indígenas, sendo os verdadeiros donos da terra no Brasil, as aldeias foram privadas de permanecer em suas terras, sendo-lhes vetado todo e qualquer direito de usufruir do solo. Foram perseguidos e dizimados aos milhares, principalmente se considerarmos que o indígena era visto como uma ameaça frente á bandeira do progresso econômico. Atualmente, a luta indígena ainda se faz presente não apenas pelos conflitos, mas principalmente pela busca em ver as suas terras demarcadas, terras que são suas pela luta no campo e pelo direito de propriedade por serem os primeiros moradores das terras que eles reivindicam. Como citado anteriormente, tivemos também durante o Brasil colônia a luta dos escravos negros, em detrimento da opressão do senhor de terras. O movimento quilombola, como era denominado o movimento em resposta à opressão do regime escravocrata, se constituiu como um dos marcos da resistência no campo. Essa luta se inicia desde a época de instalação das sesmarias no período colonial brasileiro. Lutando contra o cativeiro e a escravidão, os movimentos quilombolas foram um
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marco da luta no campo, não somente pela luta contra a escravatura, mas pela luta do direito ao acesso à terra de forma igualitária. Segundo Fernandes (2000, p. 2), Palmares foi o maior quilombo da história da resistência ao cativeiro. Ao final do século XVII, quase 20 mil quilombolas estavam habitando esses territórios. “Foram muitos os quilombos que se formaram por todo o Brasil. Quilombos foram atacados, destruídos, e novos quilombos foram erguidos em três séculos de luta contra uma das mais cruéis formas de exploração: o cativeiro”. A organização do movimento quilombola não foi tão somente um foco de luta contra a injustiça e desigualdade. O movimento quilombola era uma forma de luta pelo direito à vida, considerando as condições sub-humanas e degradantes na qual os escravos eram submetidos diariamente. Como se não bastasse às horas consecutivas de trabalho na qual estavam submetidos enquanto trabalhadores dos engenhos, os escravos ainda eram privados de direitos sociais básicos, como a alimentação. O país guarda em sua história recente, uma dívida para com a população negra. Aos poucos, essa população vem tendo, ainda que limitadamente, melhorias no contexto social que visam antes de tudo, corrigir um longo período de injustiças. Algumas décadas posteriores ao ápice das lutas quilombolas contra a exclusão no campo, surge um dos mais importantes grupos de luta pela terra no país, denominado de Canudos, ocorrido no Nordeste. Tendo como ator principal a figura do camponês, Canudos, assim como outros movimentos sociais de luta pelo direito democrático à terra, foi um dos principais movimentos messiânicos ocorridos no país. Para Fernandes (2000, p. 4), “Canudos e Contestado, assim como outros movimentos messiânicos, foram movimentos populares que construíram uma estrutura de organização como forma de oposição aos coronéis, à miséria e ao latifúndio.” Legitimados em nome da defesa e da ordem, o governo e os latifundiários utilizaram forças militares para combater a emergente luta camponesa, e a insurreição dos pobres no campo. Associado ao pensamento de Fernandes (2000), Martins (1995, p. 26), afirma que “a maior guerra popular da história do Brasil foi Contestado, que abrangeu 20 mil rebeldes e envolveu metade dos efetivos do Exército brasileiro em 1914, deixando um saldo de pelo menos 3 mil mortos.” Da mesma forma, a Guerra de Canudos envolveu milhares de camponeses, e deixou um saldo de aproximadamente 5 mil mortos, entre os anos de 1896 e 1897, segundo o autor. Com o crescimento do coronelismo da época, e com o aumento da população camponesa sem terra, Canudos conseguiu estabelecer um modelo de produção camponesa baseada na cooperação, na qual os trabalhadores conseguiram ter consideráveis melhorias, através do desenvolvimento de atividades produtivas, que criando estruturas sociais que visavam elevar a qualidade de vida da população inserida nesse contexto. Tratando-se desse Movimento e sua estrutura, Fernandes (2000, p. 3) aponta ainda que: [...] Canudos foi o maior exemplo da organização de resistência camponesa no Brasil. Os camponeses sem-terra acamparam na fazenda de Canudos em 1893 e passaram a chamar o lugar de Belo Monte. A organização econômica se realizava por meio do trabalho cooperado, o que foi essencial para a reprodução da comunidade.
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Todos tinham direito à terra e desenvolviam a produção familiar, garantindo um fundo comum para uma parcela da população, especialmente os velhos e desvalidos, que não tinham como subsistir dignamente.
Portanto, Canudos consistiu-se em um movimento social, que obstinados por seus propósitos, seus integrantes não se renderam à opressão dos coronéis da época, nem tampouco à força do latifundiário. A organização de movimentos sociais como a resistência camponesa de Canudos, serve para comprovar que a luta por direitos iguais no campo torna-se forte quando há arranjo coordenado por parte dos camponeses. Assim como Canudos, Contestado foi outro movimento de resistência camponesa, ocorrido no Estado de Santa Catarina em meados da década de 1910. Mais uma vez, milhares de camponeses foram assassinados pelos militares e coronéis. Baseados no bem comum, os crimes no campo eram justificados por ser a melhor forma de se manter a ordem social, e de se justificar a posse da terra nas mãos dos grandes senhores. Dissertando acerca desse período de entre-guerras no campo, Oliveira (2001b, p. 17) relata que: O fim da escravidão nos séculos passados não foram suficientes para remover as injustiças sociais, e o nordeste latifundiário viu nascer no sertão a luta sangrenta de Canudos. Camponeses e Exército lutaram por mais de um ano. [...] Além de Canudos, no final do século, o início dos anos dez marcou, com a guerra do Contestado, talvez, o maior confronto armado entre camponeses e o Exército no Brasil. De novo a violência esteve presente.
As lutas ocorridas nesse período eram apenas uma pequena parcela da resistência camponesa que eclodia em todo o território brasileiro. Marcadas pelo extermínio de uma grande massa de trabalhadores camponeses, Canudos e Contestado são uma pequena parte da sangrenta história que ainda marca a incessante busca pelo direito à terra no Brasil. Outro grande marco da luta em nosso país foi o surgimento das Ligas Camponesas, principalmente a partir de meados da década de 1940. Surgida a partir dos ideais do Partido Comunista Brasileiro (PCB), as Ligas Camponesas logo se tornaram o mais significativo movimento do contexto agrário no período. Segundo Martins (1995, p. 67), “se até 1940 o messianismo e o cangaço foram as formas dominantes de organização camponesa, a partir dos anos 50 a liga camponesa e o sindicato foram as formas mais importantes de organização e luta dos camponeses”. Apesar de dividirem espaço com outras formas de organização social do campo, o sindicato e as ligas camponesas marcaram a luta pela terra no Brasil, nessa época. Devido a sua vinculação com partidos políticos de esquerda, a liga camponesa passou a ser perseguida, principalmente após o Partido Comunista Brasileiro ser considerado ilegal por determinações do Estado. Nos anos que se seguiram violentos conflitos de terra e revoltas populares foram desencadeadas pelas ligas camponesas. A esse período, as ligas já se faziam presentes em diversos Estados brasileiros e a sua organização não se limitava ao campo da luta pela terra, mas também tinha um caráter iminentemente político.
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As Ligas Camponesas foram criadas como meio de organização política dos camponeses, com o propósito de resistirem à opressão aos trabalhadores camponeses sem-terra, e que tinham em sua base o apoio do Partido Comunista Brasileiro (PCB). “Em 1947, o governo decretou a ilegalidade do Partido e com a repressão generalizada, as ligas foram violentamente reprimidas, muitas vezes pelos próprios fazendeiros e seus jagunços” (FERNANDES, 2000. p. 5). Definimos, portanto, que com o crescimento das Ligas Camponesas surge um novo elemento que a diferencia de outros movimentos sociais que atuaram no campo até essa época. O Estado, enquanto provedor do bem-estar e da ordem social, legitima a ação dos grandes proprietários de terra e, insere o movimento camponês num caráter de ilegalidade. Mais uma vez, a luta pelo direito democrático à terra é cerceada. Durante as décadas seguintes, outros importantes movimentos sociais de luta pela terra, integrados ao contexto das Ligas Camponesas surgiram. A União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (ULTAB), o Movimento dos Agricultores SemTerra (MASTER), foram alguns dos mais importantes movimentos sociais do campo, que serviram de base para a organização nacional dos trabalhadores camponeses. Ainda segundo Fernandes (2000, p. 5), “em 1954 o PCB criou a ULTAB, que se organizou em quase todo o território nacional. Com essa forma de organização, o partido pretendia formar uma união camponesa operária.” No Rio Grande do Sul, no final da mesma década, surge o MASTER, constituído de agricultores assalariados sem-terra, parceiros e pequenos proprietários. Uma característica dos movimentos sociais da época, é a vinculação destes com partidos políticos, principalmente de esquerda. Diante da ausência de representatividade política por parte do movimento camponês frente ao Estado, a vinculação com partidos políticos poderia tentar aproximar a legítima luta pela terra ao cenário da política nacional. No contexto dos movimentos sociais do campo, o Movimento dos Trabalhadores SemTerra (MST), foi sem dúvida o mais importante desses. Não somente pela organização, mas também pelo contexto de articulação em todo o território. Outro elemento que dá um caráter de importância ao MST, é que durante o seu surgimento, os litígios no campo haviam aumentado consideravelmente, e uma organização de trabalhadores sem-terra a nível nacional, teria maior força frente a um processo de redemocratização no campo. Além disso, o MST conseguiu um apoio bem maior de outras instituições, o que até então não havia ocorrido com outros movimentos sociais. Após o seu surgimento na década de 1970 no Rio Grande do Sul, o MST se estabeleceu como um movimento a nível nacional, com o objetivo de pressionar o Governo a acelerar o processo de reforma agrária, e combater a reprodução acentuada dos latifúndios por todo o território. Fernandes (2000) cita que entre as décadas de 1970 e 1980, os trabalhadores rurais sem-terra reuniram suas lutas para fundar o MST em janeiro de 1984, em Cascavel, Paraná. Com o apoio da Igreja Católica, dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, e de Partidos Políticos da época, o MST logo se expandiu. A organização do movimento partiu do levantamento das realidades da luta pela terra nos municípios brasileiros, a fim de conhecer as disparidades existentes no campo, bem como discutir a articulação do movimento a nível nacional, conclui. Por outro lado, podemos considerar que apesar da incessante pressão do MST perante o Governo na década seguinte do seu surgimento, pouco se avançou na
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política agrária do Brasil. A quantidade de terras concentradas nas mãos de latifundiários e ruralistas iam de encontro ao plano de reforma agrária idealizado pelo movimento social. Esse fato, é relatado por Fernandes (2000, p. 9) quando diz que: Em 1985 foi apresentado à sociedade o Plano Nacional de Reforma Agrária. Em quatro anos, menos de 10% do previsto no Plano foi realizado. Em parte, as desapropriações ocorreram porque os semterra intensificaram as ocupações de terra. Por essa razão surgiu a União Democrática Ruralista, organização dos latifundiários criada para defender seus privilégios e interesses. Em 1988, essa organização conseguiu minar a criação de uma lei de reforma agrária no processo constituinte e inviabilizou a solução para a questão agrária.
Diante de questões tão pertinentes, o MST foi se reestruturando ao longo dos anos. Devido a coerção do Governo, e os incessantes ataques ao movimento, o MST recuou com a ocupação de novas terras e passou a decidir suas ações por meio de organização e do planejamento. Consideramos que a realidade do campo no Brasil, não se modificou significativamente. A coerção, a luta armada, e a mídia são apenas alguns dos meios de legitimação utilizados para garantir a repressão não apenas do MST, mas de todos os movimentos que lutam pela terra. Esses movimentos representam a resposta do trabalhador do campo ao latifundiário, que por vezes, tenta cessar a luta pelo direito democrático à terra e a cidadania. Ao longo dos anos, a morte de trabalhadores sem-terra vem aumentando gradativamente. A violência, a marginalização e a impunidade, vêm conseguindo garantir a todo custo a manutenção da estrutura fundiária do Brasil. Os litígios e os homicídios (Gráfico 1) envolvendo trabalhadores sem terra no Brasil vem crescendo de forma alarmante, e parecem transmitir uma pequena realidade de um amplo quadro de injustiças sociais. Gráfico 1 – Número de conflitos de terra/assassinatos no campo brasileiro no período de 1990 – 2010
Fonte: (Elaborado a partir dos dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra, 2011)
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Como podemos observar, em um curto período de tempo mudanças significativas ocorreram em relação à luta pela terra. As oscilações comprovam as diferentes intensidades das políticas agrárias realizadas no país. Apesar do equilíbrio dos dados referentes aos conflitos entre o período de 1990 a 1995, e a inflexão para baixo na década de 2000, entre 2005 e 2010 os conflitos cresceram significativamente. Além disso, um dado preocupante é que número de mortes relacionadas aos litígios no campo não teve uma redução significativa, manteve-se constante principalmente entre 1995 e 2010. Esses números lavam-nos a concluir que uso da força e violência está sempre presente nas disputas por terra que vêm envolvendo trabalhadores camponeses, e nada mais são do que antigas formas de combate do latifundiário contra o trabalhador rural. Ambas as formas de coerção, tem feito crescer os litígios no campo. Se de um lado os litígios envolvendo trabalhadores rurais no campo aumentaram, de outro, o número de ocupações no campo mantiveram-se muito variados (Gráfico 2), mas continuam revelando elementos que demonstram que o crescimento dos índices de violência no campo estão intimamente ligados as ocupações de terra. Gráfico 2 – Número de ocupações no campo por trabalhadores sem-terra, no período de 1990 - 2010
Fonte: (Elaborado a partir dos dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra, 2011) Os dados apresentados acima demonstram que a ocupação de terras por trabalhadores rurais mantiveram-se oscilantes entre as décadas de 1990 e 2010. Entre as décadas de 1995 e 2005, o número de ocupações de terra cresceu significativamente. Vale salientar que esse período compreende ao mandato dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. Curiosamente, no ano de 2005 houve os maiores índices de conflitos no campo e ocupações respectivamente. Tal fato só vem a comprovar que o Governo do então presidente LULA, não conseguiu atender às expectativas dos movimentos sociais de luta pela terra, uma vez que as mudanças tão almejadas para o campo durante esse período não foram alcançadas. Além disso, esses números comprovam que o Estado não tem buscado atender às reivindicações dos movimentos sociais, ao contrário, demonstram que são usadas medidas paliativas, mas que em nada modificam a estrutura agrária do país. Quanto ao verdadeiro processo de reforma agrária, trataremos posteriormente, haja vista a sua relevância no contexto das discussões do acesso democrático à terra.
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Definimos, portanto, que os conflitos oriundos da luta pela terra estão vinculados também às políticas de atuação do Estado, que quase sempre, não adotou medidas para extinguir a distância existente entre o trabalhador rural sem-terra e o grande latifundiário. É importante destacarmos que a resistência dos movimentos sociais do campo visa modificar as diferenças sociais existentes em nosso contexto agrário. Neste momento, o papel dos movimentos sociais de luta pela terra deve ser a preconização da luta em defesa de uma sociedade mais justa e igualitária, onde o direito democrático à terra deve ser de todos. Além disso, idealizar uma reforma agrária de qualidade e lutar pelos direitos do cidadão, deve ser a verdadeira função dos movimentos de luta pela terra no Brasil. Diante do exposto acerca da formação territorial e da luta pela na terra no Brasil, acreditamos que nos servirá de fundamentação para discutirmos as políticas de reforma agrária, bem como a criação de assentamentos rurais no país, considerando que ambos fazem parte de um processo que visa alterar a atual estrutura agrária do Brasil, e que trataremos no capítulo posterior.
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3. UM RESGATE DA POLÍTICA DE REFORMA AGRÁRIA E DA CRIAÇÃO DE ASSENTAMENTOS RURAIS 3.1. AS NUANCES DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA NO BRASIL
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ntes de conhecermos as particularidades da reforma agrária no Brasil ao longo das décadas, é necessário compreendermos os processos que se desenrolam no campo brasileiro, e que vêm sendo amplamente debatidos, principalmente após a década de 1980 quando essas questões ganham notoriedade nacional. No ínterim dessas discussões, a abordagem de alguns conceitos necessita ser esclarecida, principalmente considerando a abrangência dos mesmos. Conceitos como política Agrária, reforma agrária e questão agrária vêm sendo abordados nas discussões agrárias do país, e seu uso vem motivando alguns embates, diante da imprecisão da definição de seus limites. Um exemplo disto é a definição utilizada no conceito de assentamento. Muito se tem ligado o conceito de assentamento rural ao de reforma agrária. Vale relatar que reforma agrária é um processo bem mais amplo, enquanto a criação de assentamentos rurais é apenas uma pequena parte dessa reestruturação na qual ela está alicerçada. Para Oliveira (2007), a reforma agrária Constitui-se como um conjunto de ações governamentais realizadas pelos países capitalistas visando modificar a estrutura fundiária de uma região ou de um país todo. Ela é feita com base na distribuição da propriedade ou posse da terra com o intuito de assegurar melhorias sociais, políticas, culturais, técnicas, econômicas e de ordenação territorial. Essas ações governamentais derivam de programas que geralmente, exprimem parte de um texto legal. Em Oliveira (2001a, p. 205), a reforma agrária é um meio de remoção da exclusão social no país através de alternativas econômicas, políticas e sociais. Para o autor a reforma agrária é social, pois serviria para retirar da marginalidade e da exclusão ao menos uma parte dos pobres. Ela também é econômica, uma vez que geraria o aumento da oferta de produtos agrícolas das pequenas unidades produtivas ao mercado. Por último, o autor relata que a reforma agrária também é política, pois é um instrumento mediante o qual esta parcela da população pode conquistar os seus direitos e exercer a sua cidadania. Associado ao pensamento de Oliveira (2001a), Leite e Ávila (2007), afirmam que as mudanças produzidas pela reforma agrária, se revertem em transformações econômicas, políticas, e sociais que atingem a população beneficiária e envolve outros atores e instituições. Geram efeitos positivos á nível local, como a diversificação da produção agrícola, a expansão do mercado de trabalho, e o fortalecimento da comunidade. Essas experiências são cruciais para o desenvolvimento dos agentes sociais locais. Portanto, não nos limitamos a dizer que a efetivação do processo de reforma agrária é somente uma ação que deve partir do Estado, enquanto órgão competente por promover mudanças na legislação e no cumprimento das leis. A reforma agrária também envolve outros atores sociais, como os movimentos de luta pela terra, e a sociedade em geral, todos estes, buscando dar a ela um caráter prático, objetivo.
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Neste sentido, quais seriam então os objetivos práticos de uma efetiva política de reforma agrária? De acordo com Onofre e Suzuki (2008) apud Stedile (1994), o objetivo da reforma agrária é promover a desapropriação de terras que estejam improdutivas mediante o processo de indenização, com o propósito de dividi-las em assentamentos. Contudo, o autor relata que a reforma agrária é controversa, pois essas etapas são difíceis de serem realizadas, uma vez que existem questões políticas que barram o seu progresso. Diante de sua abrangência, o conceito de reforma agrária é criado e recriado sob diferentes prismas. Certamente, a visão de reforma agrária idealizada e efetivada pelo Estado diverge em muitos pontos, daquela defendida pelos movimentos sociais de luta pela terra. Nas últimas décadas, os atos de desapropriação de terras e assentamento de famílias de trabalhadores rurais vêm sendo encarados como uma reforma agrária do Estado. Ações como essa, em muito divergem do verdadeiro sentido da reforma agrária contida no Estatuto da Terra, bem como àquela idealizada pelo trabalhador rural sem-terra. Quando se reduz a reforma agrária apenas a esses aspectos, consideramos que ela não resolve os problemas do campo, apenas servem como medida paliativa em resposta a pressão dos movimentos sociais. É impossível realizar a reforma agrária apenas assentando famílias. A assistência aos mesmos também é parte constituinte desse processo democrático. Quanto ao conceito de reforma agrária na ótica do Estado e sua amplitude social, o Estatuto da Terra (1964), define que: Considera-se reforma agrária o conjunto de medidas que visem promover melhor distribuição de terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender os princípios de justiça social e ao aumento da produtividade. (Estatuto da Terra, 1964. LEI Nº 4.504. Art. 1º).
Em relação aos seus objetivos e sua aplicação, o Estatuto da Terra (1964), determina que a reforma agrária visa: [...] Estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio. [...] O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária será o órgão competente para promover e coordenar a execução dessa reforma, observadas as regras gerais da presente Lei e do seu regulamento. (Estatuto da Terra, 1964. LEI Nº 4.504. Art. 16º, Parágrafo único).
Portanto, fica evidente diante do que foi exposto que a reforma agrária enquanto política pública é fundamental para promover um reordenamento social no campo. É interessante nos questionarmos nesse momento, até que ponto ela vem sendo realizada. Quando falamos em reforma agrária não estamos relacionando-a apenas a desapropriação e criação de assentamentos, mas sim de um processo bem maior que visa redemocratizar o campo, bem como modificar a estrutura agrária do país. No contexto dessa discussão teórica acreditamos que é importante ainda delimitarmos a relação existente entre os termos/conceitos questão agrária e reforma agrária. Stedile (2005), enfatiza que a expressão questão agrária é utilizada na ciência geográfica para explicar a forma como as sociedades e as pessoas vão se apropriando da utilização do principal bem natural, que é a terra, e como vai ocorrendo à ocupação humana no território. Ainda segundo o autor, questão agrária é um
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conjunto de interpretações e análises da realidade agrária, que procura explicar como se organiza a posse, a propriedade e a utilização das terras na sociedade. Compreendemos assim, que o termo questão agrária é muito abrangente. Portanto, definir seus limites é algo complexo considerando que o termo pode ter múltiplas interpretações dependendo da realidade estudada. Martins (2000, p. 3), ressalta que reforma agrária é um dos temas que tem seu uso mais equivocado, pois traz consigo uma enorme carga de subinformação. “É preciso compreender que uma política de reforma agrária depende de se conhecer a questão agrária na qual ela é a resposta.” Sendo assim, acreditamos que a questão agrária é o meio na qual as políticas agrárias são efetivadas, variando em grau sobre os mais diversos locais. A questão agrária é também o foco de conflitos, tensões, e o meio no qual se fazem intervenções visando propósitos distintos. Sobre a definição de questão agrária Fernandes (2000), relata que pela sua perenidade, a questão agrária nutre-se de conflitos, assumindo diferentes feições sem modificar a sua essência. Portanto, a questão agrária hoje é um cerco político a um projeto camponês. Ainda segundo Fernandes (2000, p.11), “na atual questão agrária já não se questiona mais quem é contra ou a favor da reforma agrária. Na verdade a sociedade em geral é a favor da sua realização”. O que se tem discutido hoje é a capacidade de participação dos trabalhadores do campo em reivindicá-la. Portanto, todo esse processo de reestruturação agrária visa teoricamente levar democracia ao campo. A questão agrária envolve principalmente o entrave no qual as atuais políticas de reforma agrária culminaram, especialmente tratando-se de sua execução. Quanto a isto, percebemos que essas políticas vêm se concretizando sob diferentes intensidades que, quase sempre, são realizadas incompletamente. Diante do que foi exposto acerca das discussões que permeiam o contexto agrário, torna-se relevante fazermos um levantamento cronológico das políticas de acesso á terra que vem sendo executadas ao longo dos anos. Em meio a um quadro de concentração fundiária que permanece de maneira quase inalterada, as questões que envolvem meio agrário e as discussões sobre reforma agrária só passaram a permear a nossa sociedade, principalmente entre as décadas de 1950/1960. Vale salientar que, é nesse período que se inicia o processo de industrialização do Brasil. Até então a estrutura agrária brasileira permaneceu sem profundas modificações. Esse processo só veio para reafirmar que as questões que envolviam melhorias para o contexto agrário no Brasil, foram deixadas de lado, em detrimento do processo de desenvolvimento do país, principalmente a partir de meados da década de 1960, quando o Governo Militar assume o poder. Dissertando acerca do contexto agrário brasileiro durante o período referido, Oliveira (2001a, p. 190), afirma que: Nos anos 50 e 60 do século XX, as ligas camponesas sacudiram o campo e ganharam projeção nacional. A Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) é criada, e o Governo inicia 3 a reforma agrária criando a SUPRA . A violência do golpe militar de 3
A Superintendência de Política Agrária (SUPRA) foi criada com o objetivo de colaborar na formulação da política agrária do país, planejar e executar as medidas complementares de
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64 sufoca esse processo, e os militares extinguem a SUPRA e criam o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), mas a reforma agrária não foi realizada, mesmo após a promulgação do Estatuto da Terra, em 1964.
Como vimos na citação, entre as décadas de 1950 e 1960, a reforma agrária volta a ter participação nas discussões políticas do período. Durante o Governo João Goulart medidas mais concretas são tomadas para se buscar realizar modificações na Constituição Federal, com o intuito de promover uma reforma agrária efetiva. Uma das medidas realizadas na época foi a criação da SUPRA em 1962, e a promulgação da lei que criava o Estatuto do Trabalhado Rural no ano seguinte. Essas medidas colaboraram para que o governo realizasse avanços em relação à democratização no acesso à terra. Em março de 1964 é dado o Golpe Militar no Governo João Goulart. Baseados no princípio de assegurar o direito de propriedade e de garantir a democracia, o período militar correspondeu à época de maior repressão aos direitos civis, perseguição aos movimentos sociais e período onde o processo de reforma agrária ficou esquecido. Apesar da criação do Estatuto da Terra, do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA), e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), os quase 20 anos de Governo Militar não foram capazes de criar uma reforma agrária concreta. Aliás, nesse período ela foi substituída por processos de colonização que se disseminaram por todo o território. Além disso, as medidas adotadas contribuíram bem mais para o desenvolvimento agrícola, do que para o processo de reforma agrária. Dissertando sobre esse período, Oliveira (2001b, p. 89) relata que: Durante essa época o país viveu sob um clima de repressão militar, consequentemente a reforma agrária era palavra de ordem proibida. Os governos militares trataram de iludir os trabalhadores encenando com projetos de colonização na Amazônia como sinônimo de reforma agrária.
Durante o período militar, a repressão popular também serviu para que os movimentos sociais de luta pela questão agrária recuassem. Mas por outro lado, houve um crescimento do número de conflitos pela terra nesse período. Certamente, o uso da força não fora capaz de parar o processo de ocupação de terras no Brasil. A década de 1980 marca o fim do período militar no comando do governo brasileiro. Surge então a Nova República que, alicerçada na nova redemocratização do país, pôs a reforma agrária como prioridade de governo, com a implantação do primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária. Contudo, como resposta a entrada da reforma agrária na pauta dos Governos Tancredo Neves e José Sarney, surge em 1985 a União Democrática Ruralista (UDR). Nascida em Goiânia a UDR constitui-se como uma frente política composta por grandes latifundiários, que nada mais são que árduos defensores dos seus interesses diante da política nacional e do Congresso Federal. Paralelamente a elaboração do I Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA) foi criada então a UDR, “entidade que aglutinava os latifundiários na defesa de suas assistência técnica, financeira, educacional e sanitária, bem como outras de caráter administrativo. (Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos/Lei Nº 11. Outubro de 1962).
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propriedades e na formação de um fundo para eleger congressistas para defenderem seus interesses na constituição” (OLIVEIRA, 2001a, p. 192). Criada pelo então latifundiário Goiano Ronaldo Caiado, a União Democrática dos Ruralistas foi o grande bloco político que entravou o avanço do primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Desde seu início, apresentou grande força no quadro da política da época, tendo influenciado inúmeras decisões pró-latifundiários durante e após a década de 1980. Segundo Oliveira (2001b), no final da década de 1980 e início da década de 1990, os latifundiários representados pela UDR controlavam mais de 424 milhões de hectares de terras por todo o território nacional. Apesar de serem em número reduzido de pessoas, os latifundiários detinham a posse de aproximadamente 90% das terras brasileiras. Diante desses números, podemos dizer que a criação da UDR foi feita com o propósito de se manter a estrutura de concentração de terras nas mãos de poucos. Passada a implantação do I PNRA, pouco se havia avançado em relação ao processo de reforma agrária. As ações judiciais movidas pelo grupo, conseguiram frear o avanço das desapropriações de terra, e consequentemente, o avanço significativo de uma política de igualdade. Na década de 1990, com a posse do então Presidente da República Fernando Collor de Melo ao poder e ao término do mandato de Itamar Franco, houve um grande retrocesso em relação ao Plano Nacional de Reforma Agrária, principalmente devido á ligação do Governo com grande empresários do ramo agrícola e latifundiários. A respeito desse retrocesso na política agrária do Governo Collor-Itamar Franco, Oliveira (2001b, p. 104) relata que: No final do Governo Itamar Franco (1994), o INCRA divulgou os dados referentes aos assentamentos realizados, demonstrando claramente o ritmo lento com que os governantes tinham tratado a questão da reforma agrária no Brasil. Juntos, Collor e Itamar Franco, em quatro anos (90/94), assentaram menos de 50 mil famílias. A reforma agrária continuava despencando ladeira abaixo, pois os primeiros anos [...] revelavam uma queda de mais de 40% no número de assentados em relação aos últimos anos da década anterior.
O recuo na questão agrária do período foi característica presente durante todo o governo. Com poucas melhoras ocorridas no Governo de Itamar, durante o Governo Collor, a desapropriação dos imóveis continuou a passos lentos, com poucos avanços no último ano de mandato. Mais uma vez, a repressão, os assassinatos e conflitos de terra predominaram no campo brasileiro. No governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), a reforma agrária foi bastante tímida, assim como os governos antecessores. Baseado em uma política agrária de compensação, à medida que os conflitos de terra cresciam, ás desapropriações iam se arrastando ano após ano, mas sem haver nenhuma mudança na estrutura agrária do Brasil. Dissertando acerca da política agrária executada pelo Governo FHC Stédile4 vai afirmar que: 4
Stédile, João Pedro. Trecho da entrevista com o autor durante a realização seminário reforma agrária e democracia: a perspectiva das sociedades civis, ocorrido em maio de 1998.
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Foi durante o Governo FHC que houve no país o maior processo de ‘desassentamento rural’. Cerca de 400 mil famílias de pequenos agricultores perderam suas terras por causa da política agrícola do governo. Foi ainda nesse período que quase 1,2 milhão de trabalhadores rurais assalariados perderam seu emprego. Ocorreram também no Governo FHC as duas maiores chacinas de sem-terra: 11 pessoas em Corumbiara e 19 em Carajás. (STÉDILE, 1998, p. 3).
A política agrária de FHC foi inferior àquela adotada pelo Governo Collor. Quase nada se avançou, e as mortes no campo resultante dos conflitos de terra praticamente dobraram. Como vimos, o governo ficou ainda marcado por dois grandes massacres de famílias sem-terra, o de Corumbiara em Rondônia, e o de Eldorado dos Carajás no Pará, onde foi utilizada a violência e a repressão por parte do Estado, como maneira de criminalização dos trabalhadores rurais. Fernando Henrique Cardoso buscou dar prioridade a uma política agrária baseada em favorecer a agroexportação. As desapropriações iam sendo feitas de maneira aleatória, sem projetos que garantissem o assentamento das famílias e a assistência técnica efetiva. Sem dúvida, esse foi um dos governos de maior prejuízo para o camponês. A política agrária de FHC, pouco fez para descentralizar a estrutura fundiária do país. O caráter concentrador de terras nas mãos de poucos só cresceu, e a reforma agrária, mais uma vez, retrocedeu. Durante o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a representação do povo, do homem do campo, e da reforma agrária parecia ser desta vez efetivada. Desde 2001, quando teve início o Governo LULA, foram estabelecidas metas com o intuito de atender a um conjunto de ações que visavam alterar a atual situação do campo, como a criação do II Plano Nacional de Reforma Agrária em 2003. Esquerdo (2008, p. 5), relata que a mudança de governo despertou novas esperanças em relação à questão agrária no Brasil, pois a eleição do presidente Luis Inácio Lula da Silva, “contou com o apoio de inúmeros movimentos sociais, entre eles o MST. Dessa forma, em novembro de 2003 o governo federal lançou o II Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA, apresentado durante a Conferência da Terra, em Brasília.” O Governo do então Presidente Luis Inácio Lula da Silva tinha se incumbido de realizar uma tarefa que até então só havia sido realizada no papel, não na prática. A reforma agrária não tinha avançado em quase nada nos governos anteriores, e os movimentos de representação social do campo acreditavam que a política agrária do governo diminuísse as desigualdades no meio rural. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) de 2003, o II PNRA tinha como meta assentar pelo menos 400.000 famílias até o ano de 2006, mas nem tudo o que foi proposto foi realizado. Esquerdo (2008) apud Fernandes (2006), relata que apesar do governo LULA comemorar a sua política de reforma agrária, o MST não vê esses dados com bons olhos. Para o movimento, o Governo LULA têm sido melhor que todo o período de mandato de FHC, porém do ponto de vista de acordos firmados, o governo não atendeu as expectativas dos trabalhadores sem-terra, principalmente daqueles que encontram-se assentados a mais de 3 anos, conclui. De certo modo, o Governo LULA deixou um pouco de decepção junto aos movimentos sociais do campo. A política agrária realizada durante o governo não alcançou os acordos firmados para a execução do II Plano Nacional de Reforma Agrária. Muitos dos assentamentos criados, não tiveram assistência técnica suficiente para manter o bom nível de desenvolvimento econômico e social.
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Apesar de não considerarmos que assentar seja sinônimo de reforma agrária, ainda assim, entendemos que a criação de novos assentamentos preenche um dos principais aspectos desse processo de modificações. Diante dessa descrição, podemos perceber que os tímidos avanços no campo se concentraram durante os Governos de FHC e LULA, não por cumprirem o acordado nas políticas agrárias e no II Plano Nacional de Reforma Agrária, mas por cederem em alguns momentos à pressão dos movimentos sociais. Cronologicamente, o período delimitado entre a Nova República (1985) até o término das ações do II PNRA (2006), tem demonstrado que houve avanços em alguns momentos, porém retrocessos em outros, como no número de assentamentos criados e sua relação com as ocupações de terra (Gráfico 3). Durante esse período, os números revelam que a criação de novos assentamentos é dependente da pressão exercida pelos movimentos de luta no campo. Gráfico 3 – Número de assentamentos criados e ocupações de terra no período do Governo Sarney, até o II PNRA, durante o Governo LULA, 1985-2006
Fonte: (Elaborado a partir dos dados divulgados pela DATALUTA, 2012) Os dados anteriores, só comprovam o quanto as ocupações de terra têm pressionado os governantes ao longo de seus mandatos a promover a desapropriação. Como podemos observar a crescente no número das ocupações de terra tem refletido diretamente na criação de novos espaços de acomodação do trabalhador do campo, os assentamentos rurais. Ainda referente aos dados do Gráfico 3, observamos o número de ocupações e criação de novos assentamentos, se concentraram basicamente durante os Governos FHC e LULA. No Governo FHC o número de ocupações e de assentamentos criados chegou a aproximadamente 3,4 mil. Contudo, como já discutimos anteriormente, esses números podem representar conquistas superficiais. Stédile (1998, p. 3), aponta que em relatórios do INCRA de 1998, consta claramente que quase 65% das famílias assentadas durante o Governo FHC, estavam localizadas em áreas de fronteira agrícola. “O próprio Governo admitiu que em torno de 45 mil das famílias assentadas, eram constituídas de posseiros, e suas áreas foram apenas regularizadas”.
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Consideramos assim, que muitos desses dados são manipulados. O Estado trabalha com números, e é de seu interesse mostrar elementos que comprovem que o processo de reforma agrária vem sendo realizado, mesmo que esses elementos não representem a totalidade. Apesar da reforma agrária idealizada pelo Estado não ter sido realizada como o previsto, ainda assim conseguimos ter alguns avanços. Como vimos, cresceu o número de desapropriações de terra, cresceu também o número de famílias assentadas e a assistência ao homem do campo. Apesar de não ter sido realizada de maneira uniforme, a reforma agrária neste período mais recente passou a ser debatida novamente no âmbito da política nacional. Não dava para esperar, o campo agonizava em meio à disputas e conflitos de terra marcando diariamente o nosso cotidiano. Diante dessa análise cronológica e geográfica, podemos afirmar que muito se falta para reduzir ás diferenças sociais existentes na estrutura agrária do país. A reforma agrária que foi praticada durante décadas de nada serviu para levar à democracia e a cidadania ao homem do campo, pois a política agrária sempre foi realizada por compensação em meio ás disputas que se disseminavam pelo território brasileiro. Portanto, compreendemos que se não houver conscientização social e vontade política em modificar a herança agrária que temos, o quadro de injustiças continuará se perpetuando por anos consecutivos. A reforma agrária deve fornecer aos trabalhadores do campo não apenas o acesso à terra, mas também proporcionar a criação de infraestruturas de tal modo que venham atender os vetores econômicos, político e social, no campo.
3.2. BREVE RETRATO DA REFORMA AGRÁRIA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE E SUAS PARTICULARIDADES emelhante à reforma agrária praticada no Brasil ao longo dos anos, a reforma agrária no Estado do Rio Grande do Norte também foi marcada pelo empenho, luta e mobilização dos trabalhadores sem-terra, que ao longo dos anos, conseguiram avançar com o processo de ocupação/desapropriação mesmo em meio a um contexto de segregação e violência. O Rio Grande do Norte é e sempre foi marcado por uma estrutura agrária extremamente concentradora, onde as políticas de reforma agrária não têm se concretizado de maneira eficaz.
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Nesse sentido, qual seria então a reforma agrária capaz de atender a demanda por terra no país, e também proporcionar a quebra da estrutura que presenciamos atualmente no Rio Grande do Norte? Diante do que já foi abordado, concluímos que ela é composta por uma reestruturação dos sistemas e meios de acesso á terra, tendo elas a participação de todos os sujeitos sociais, bem como do poder público a nível nacional, estadual e local. O espaço agrário do Rio Grande do Norte sofreu transformações estruturais iniciadas desde a Ditadura Militar, quando suas condições produtivas sofreram mudanças significativas causadas pela modernização na agricultura. Essas mudanças representaram aqui no Estado duas formas de expressão distintas. “Primeiramente alterou o ritmo de produção para o setor agropecuário. Em seguida, causou distorções sociais agudas, através da concentração de terra, de capital e de renda, aumentando o êxodo rural e contribuindo para o aumento do preço da terra” (BRAGA 2006, p. 21).
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Partindo desses pressupostos, podemos perceber que a reforma agrária aqui no Estado, assim como no Brasil, não trouxe modificações significativas para o contexto agrário. As poucas desapropriações e assentamentos de famílias de nada serviram para modificar a alta concentração fundiária, e a nossa estrutura agrária em geral. Entretanto, os avanços ocorridos em relação ao processo de reforma agrária no Rio Grande do Norte se devem principalmente à atuação de três instituições fundamentais que atuavam tanto a nível nacional quanto a nível local: a Igreja, o Partido Comunista Brasileiro e os Movimentos Sociais, que apesar de terem ideologias diferentes, compartilhavam da mesma perspectiva, que era pressionar o Estado a promover o processo de reforma agrária. Dissertando acerca da atuação dessas instituições no contexto agrário do Estado do Rio Grande do Norte, Fernandes (2005, p. 71) vai dizer que: [...] os setores sociais organizados e suas respectivas instituições como a Igreja, o PCB e as Ligas Camponesas, as quais lutam pela reforma agrária, têm posições diferenciadas sobre o procedimento de como conquistar a terra, com ideologias distintas, apesar dos objetivos serem comuns, na nossa compreensão. O trabalho individual dos Movimentos torna-se prejudicial, pois é necessário que haja unificação de forças em busca das conquistas sociais e, principalmente, no que se refere aos anseios por uma reforma agrária ampla e justa para todos.
A partir da década de 1970, os movimentos sociais de luta pela terra iniciam o processo de articulação para buscarem melhorias para o meio rural, considerando que até então, havia pouca representatividade do trabalhador frente ao Estado e ao latifúndio. É nessa época que se iniciam as primeiras ocupações de terra pelos trabalhadores organizados em movimentos, sindicatos e associações rurais. O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) foi um dos movimentos que participaram ativamente da luta pela reforma agrária no RN, contudo sem estabelecer alianças mais efetivas com outras instituições, contrário ao que fizera as Ligas Camponesas, quando articulou-se com a Igreja e com o PCB, anos anteriores. De certa forma, o isolamento do MST inibiu a sua atuação, já que outras instituições já tinham maior conhecimento acerca da realidade agrária do RN. Segundo nos aponta Fernandes (2005, p. 72), o MST não buscou inicialmente estabelecer vínculos com outros movimentos sociais que já acompanhavam o desenrolar dos fatos no contexto agrário do RN, antes mesmo da chegada do movimento ao Rio Grande do Norte. “Fica implícito que o MST não deu a devida importância a esse trabalho pretérito e que no início de sua chegada ao RN não buscou fortalecer as alianças com a Igreja e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais”. Contudo, é importante mencionarmos que apesar de não estabelecer conexões com outros movimentos, o MST foi fundamental no processo de reforma agrária e assentamento de famílias sem terra no RN, conforme percebemos na citação: Não há dúvida quanto ao papel importante desempenhado pelo MST no processo de luta pela reforma agrária no Estado, as ocupações de terras e desapropriações de áreas para a criação dos Assentamentos tiveram um crescimento significativo a partir da organização do MST no RN. Atualmente, esse Movimento exerce influência em vários acampamentos e Assentamentos. (FERNANDES, 2005, p. 75).
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A atuação dos movimentos sociais de luta pela terra foi de fundamental importância no processo de reforma agrária do RN. Além de buscarem se articular com outras instituições sociais, essas organizações ainda tinham que lidar com o acirramento das disputas por terra no Rio Grande do Norte, que se intensificaram principalmente entre as décadas de 1980 e 1990. Os maiores índices de conflitos no campo foram registrados entre essas décadas, demonstrando que o cenário de violência crescia gradativamente. Essas disputas por terra que ocorreram e ainda ocorrem aqui no Estado, revelam um quadro preocupante no tocante à questão agrária envolvida. Assim como se desenvolve no contexto nacional, os conflitos de terra estão intimamente relacionados ao avanço da reforma agrária em geral, bem como no processo de assentamento de famílias sem terra. A desapropriação de novas áreas e o assentamento de trabalhadores rurais vem sendo fomentado por meio dos conflitos de terra (Gráfico 4) que vem ocorrendo aqui no RN. Gráfico 4 – Total de conflitos de terra no Rio Grande do Norte, entre 1985 e 2005.
Fonte: (Elaborado a partir dos dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra, 2013) Tratando-se dos conflitos de terra no RN, podemos observar que até o final dos anos 1980, os conflitos de terra ocorreram de maneira reduzida aqui no Estado. Somente a partir da década 1990 é que os dados se mantiveram mais elevados, com uma variação para cima durante 1995 a 1999. Curiosamente, é durante a década de 1990, que os movimentos sociais aqui no Estado passaram a se articular de forma mais concreta, e consequentemente, utilizaram a ocupação, como uma das formas de pressionar o Governo. Certamente, o aumento no número de conflitos na época também era resultante de uma maior territorialização dos movimentos no período. Referindo-se a articulação dos movimentos sociais na década de 1990, Fernandes (2005, p. 68-69) relata que: A articulação dos Movimentos Sociais frente ao Estado ganha um novo aliado no início da década de 1990. Em 6 de abril de 1993, é criado o Fórum do Campo Potiguar (FOCAMPO), apoiado pelo Serviço de Apoio às Pequenas Comunidades do Campo (SEAPAC), SAR, STRs e diversas entidades ligadas ao meio rural como FETARN, Organizações não governamentais (ONGs), Associação de
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Apoio as Comunidades do Campo (AACC), Caritas Brasileira (CARITAS), associações comunitárias e cooperativas de trabalhadores rurais, entre outras. [...] Durante o auge de sua atuação, o FOCAMPO teve uma participação importante, inclusive contribuindo para que conquistas de desapropriação de terra ocorressem, tendo também participado da elaboração de propostas em nível regional e nacional.
Portanto, a atuação dos movimentos sociais aqui no RN só se tornou mais expressiva a partir desse período. Com a agregação dos movimentos sociais frente à política de reforma agrária do Estado, as desapropriações passaram a ocorrer mais significativamente, e consequentemente, foi criada a maior quantidade de assentamentos rurais por período no Rio Grande do Norte. Podemos definir que a criação dos assentamentos rurais aqui no RN, faz parte da mesma reforma agrária do Brasil, que cria essas áreas como forma de amenizar a pressão dos movimentos sociais. Essa política continua se expressando à nível nacional e local, à medida que os conflitos de terra ainda se reproduzem aqui no Estado, como nos relata Fernandes (2009, p. 19): [...] não podemos negar o aumento significativo do número de Assentamentos no RN, a partir da década de 1990, quando o processo de intensificação da luta pela terra que acontece em todo o território nacional, encabeçada pela emergência de Movimentos Sociais rurais, como o MST. [...] Isso porque a luta pela terra tem causado pressão nos governos para a implantação de Projetos de Assentamentos Rurais, os quais funcionam até como meio de conter as tensões sociais.
Ainda que abreviado, o processo de criação de assentamentos rurais no RN se inicia em meados da década de 1970 (INCRA, 2011a), com a criação do Projeto de Assentamento Boqueirão, em Touros. Entretanto, os trabalhadores rurais assentados na área desapropriada pelo Governo Federal, não conseguiram a titulação de suas terras, devido ao retardamento do INCRA em conceder o título de propriedade aos trabalhadores rurais, o que só veio a ocorrer na década de 2000. Considerando a contradição anteriormente referida, é oportuno citarmos a nota de esclarecimento do próprio instituto, no referido período: Nesta quarta (19) e quinta-feira (20), a superintendência regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no Rio Grande do Norte e o Governo do Estado entregam os Títulos de Propriedades de Terra do Projeto de Assentamento Boqueirão, no município de Touros (RN), na região central potiguar. As 311 famílias de agricultores daquele assentamento receberão o documento definitivo da terra, uma ação que acaba com o drama dessas famílias, que há quase 30 anos foram assentadas, mas não eram proprietárias das terras onde viviam. (INCRA, 2007. p. 1).
A citação nos dá um panorama da atuação do Estado em promover a reforma agrária. Em muitos casos, as famílias são assentadas e logo após não recebem assistência. O caso do Assentamento Boqueirão revela a realidade de parte do processo de reforma agrária e de criação de assentamentos rurais no RN. Até meados da década de 1990, poucos assentamentos haviam sido criados aqui no Estado. A intensificação dos conflitos no campo, bem como a ocupação de novas terras, pressionou os políticos a agirem no tocante à questão agrária do Estado.
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Apesar do contexto de conflitos presenciados durante essa década, a reforma agrária no estado potiguar continuou sendo realizada á conta gotas, sem grandes avanços no quadro da criação de novos assentamentos, com exceção da década de 1990, onde houve um processo mais significativo de criação de assentamentos rurais no estado (Gráfico 5). Gráfico 5 – Número de Assentamentos Rurais criados pelo INCRA no Rio Grande do Norte, entre 1985 e 2005
Fonte: (Elaboração própria a partir dos dados divulgados pelo INCRA, 2011a) Os dados do gráfico demonstram que a reforma agrária no RN não se deu de maneira uniforme. Principalmente na década de 1980, pouquíssimo foi feito para realizar desapropriações e assentar as famílias. Apenas 19 assentamentos rurais foram criados nesse período, demonstrando que pouco se avançou em relação à reforma agrária. Somente a partir da década de 1990 é que esse quadro sofre mudanças mais significativas, sobretudo devido à intensificação das lutas no campo, conforme percebemos no gráfico 4. É neste período que são desapropriadas as maiores quantidades de terra aqui no RN, e, consequentemente, criado o maior número de assentamentos rurais, totalizando 161 regularizados. Já entre 2000 e 2005, a criação de assentamentos no Rio Grande do Norte entra em queda acentuada. Nessa época, foram criados 81 assentamentos rurais, mostrando uma disparidade entre a quantidade de assentamentos desse período, e os números da segunda metade da década anterior. Se analisarmos os dados referentes à criação de assentamentos no RN (Gráfico 5) com os dados dos conflitos de terra (Gráfico 4), vamos constatar uma notável relação entre os litígios e a criação dessas áreas. Durante toda a década de 1990 houve um aumento gradativo no número de conflitos de terra, totalizando 124. No mesmo período, foram criados 161 assentamentos no RN, como já citado. Isso nos leva a crer que à medida que os conflitos de terra foram aumentando em consequência da ocupação de terras, o Estado foi promovendo a desapropriação de novas áreas, e consequentemente assentando famílias de trabalhadores rurais.
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Por outro lado, pode haver relação também entre a redução no número de ocupação e assentamentos realizados na segunda metade da década de 1980 e primeira metade da década de 2000. Esses dados podem nos revelar ainda que o Estado só promove a reforma agrária, quando existe mobilização social dos trabalhadores rurais. A relação existente entre os conflitos no campo e o assentamento de famílias no RN, nada mais é do que a reprodução da questão agrária que se desenvolve a nível de Brasil, mediante uma relação dialética entre o Estado e os trabalhadores sem-terra. Quanto ao processo de assentamento de trabalhadores do campo aqui no Estado, os dados do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (2011b) revelam que entre 1982 e 2011 foram criados 283 assentamentos rurais no Rio Grande do Norte. Dentre os assentamentos criados, muitos estão concentrados em algumas regiões do estado, como no município de Mossoró, que possui mais de duas mil famílias assentadas. Por outro lado, podemos observar grandes distorções. Algumas regiões como a grande Natal ainda não foram incorporadas na atual política de reforma agrária, onde não houve nas últimas décadas a criação de assentamentos. Por ser muito fragmentado, o Rio Grande do Norte apresenta grandes heterogeneidades na distribuição dos assentamentos rurais. Sendo assim, devemos levar em consideração que algumas áreas vão apresentar mais dificuldades do que outras, bem como potencialidades. Portanto, é imprescindível que o Estado, enquanto provedor da política de reforma agrária, possa dar assistência a essas áreas, considerando que o crescimento dos assentamentos rurais depende também de políticas de auxílio econômico, técnico e social. Um grave problema na estrutura agrária do estado, diz respeito a supervalorização dos imóveis rurais. Muitas das fazendas desapropriadas estão muito endividadas, e os preços pagos aos proprietários pela desapropriação quase nunca correspondem aos valores reais de mercado. Além disso, as ações judiciais movidas pelos proprietários dos grandes e pequenos latifúndios obstruem ainda mais o avanço da reforma agrária. Outro elemento preocupante na política de reforma agrária do Rio Grande do Norte é o aumento do número de acampamentos em áreas consideradas para fins de reforma agrária. Constantemente, a mídia tem publicado notícias sobre trabalhadores rurais sem-terra que acampam nessas áreas, e que quase sempre, não são atendidos pelo INCRA/RN, salve os casos em que os trabalhadores rurais bloqueiam rodovias federais, obrigando o órgão a estabelecer um diálogo com os trabalhadores, a fim de que possam dar continuidade às desapropriações requeridas pelos movimentos sociais. Dessa forma percebemos que a política de reforma agrária no estado é e sempre foi heterogênea. A mudança desta situação na qual o campo está inserido requer empenho do poder público nas esferas Municipal, Estadual e Federal. Diversos são os problemas da atual política de reforma agrária. Um deles, é que à medida que os assentamentos rurais vão sendo criados, não são criadas estruturas que visem dar assistência ao trabalhador rural. Em muitos casos, as famílias são assentadas e logo após esquecidas. Temos que entender que não se faz reforma agrária apenas com palavras, são atitudes que promovem o fim de um ciclo vicioso. A reforma agrária no Brasil e no Estado do RN precisa ser encarada como algo de caráter social, que busca reduzir um passado de injustiças que ainda se encontra atrelado á nossa estrutura fundiária.
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Essas características agrárias do Rio Grande do Norte, são resultantes de um processo que se intercala entre as escalas nacional e local, e apesar das poucas modificações, a raiz do problema ainda encontra-se pouco alterada. Diante dessa discussão, pretendemos mostrar que o processo de reforma agrária no Brasil e no Rio Grande do Norte, apresenta retrocessos, mas também avanços. Nessa perspectiva, a reforma agrária é uma política de caráter múltiplo, e, os assentamentos rurais são parte constituinte desse processo, como veremos no subcapítulo a seguir.
3.3. A CRIAÇÃO DE ASSENTAMENTOS RURAIS NO BRASIL: INVESTIGANDO ÁREAS DE REFORMA AGRÁRIA
P
romover a criação de assentamentos rurais através de políticas públicas voltadas ao campo é um dos meios de se fazer uma reestruturação do espaço agrário do país. Os assentamentos são capazes de estabelecer novos vínculos de renda, produção, trabalho, cidadania, e produzir melhorias nas condições de vida da população local. São também capazes de promover um vínculo entre o trabalhador rural e a terra, uma vez que a mesma torna-se seu lar, seu sustento, proporcionados por formas múltiplas de vivência social. Uma vez criados, esses espaços de reordenação territorial trazem consigo uma gama de benefícios para as populações que neles encontram-se assentadas, inclusive benefícios de ordem social, política e econômica, através das atividades que se desenvolvem dentro de seus domínios. A criação de assentamentos rurais traz também benefícios à região que o circunda, considerando que novas dinâmicas se estabelecem entre o lugar e as áreas que localizam-se em seu entorno. Diante do exposto, torna-se relevante analisarmos os assentamentos rurais enquanto áreas de redemocratização do acesso á terra. Entretanto, sabemos que esse caráter democrático da criação de assentamentos rurais pode ter diferentes conotações. Pode ser para muitos, sinônimo de reforma agrária, pode ser considerada ainda como uma forma de desconcentração fundiária, e ser considerada também como um meio de reduzir a pressão dos movimentos sociais do campo frente às ações governamentais. Na concepção de Fernandes e Girardi (2008), como resposta às ações dos movimentos socioterritoriais, os governos criam os assentamentos rurais que, em princípio, constituem uma etapa da luta pela conquista da terra. O assentamento constitui-se assim, como uma área na qual as condições de vida e de produção de terra permitem o desenvolvimento estável do assentado e, consequentemente da agricultura camponesa. Oliveira (2001a, p. 194) considera que os assentamentos são novas formas de luta de quem já lutou ou resolveu lutar pelo direito à terra livre e ao trabalho liberto. Essa terra permitirá aos trabalhadores reporem-se e reproduzirem-se no seio do território da reprodução geral do capitalista. Sendo assim, a criação dos assentamentos rurais tem também como propósito realizar a redistribuição da terra, uma vez que esta se encontra concentrada nas mãos dos grandes proprietários de terra, do capitalista. Esse é um dos grandes entraves na criação de novos assentamentos, pois o grande latifundiário vem tentando ao longo dos anos barrar o processo de cidadania que vem aos poucos se instaurando no meio rural.
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Quanto ao conceito de assentamentos rurais, Bergamasco e Norder (1996, p.7), consideram que: Genericamente, os assentamentos rurais podem ser definidos como novas unidades de produção agrícola, criadas por meio de políticas governamentais visando o reordenamento do uso da terra, em benefício de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra. Ainda segundo a autora, o significado de assentamento remete á fixação do trabalhador na agricultura. Envolve também a disponibilidade de recursos e condições adequadas que favoreçam o uso da terra e o incentivo à organização social e comunitária. Aliado a isto, está o fortalecimento e ampliação da agricultura familiar, que consiste no uso da terra utilizando a mão de obra familiar.
Observamos na citação que os assentamentos rurais têm múltiplas finalidades. Primeiramente consideremos esses espaços como parte da reforma agrária, pois a redemocratização se inicia com a desapropriação e criação dos assentamentos. Consideremos ainda que os assentamentos são capazes, quando assistidos politicamente, de proporcionar que os trabalhadores rurais tenham melhorias substancias na qualidade de vida. Proporcionam, por último, que os trabalhadores fortaleçam as suas atividades econômico-empregatícias, através da produção agrícola desenvolvida por sua família. Tratando-se da importância da criação dos assentamentos, Braga (2006, p. 23) relata que: Os assentamentos rurais representam uma grande vitória frente ao processo de lutas. No entanto, a viabilização econômica e social da terra conquistada vai depender ainda de várias mediações entre os trabalhadores assentados e o poder público, o que leva, necessariamente, a desencadear novas lutas no sentido de viabilizar outras demandas emergentes, como: escolas, atendimento a saúde, estradas, transporte, créditos e assistência técnica, todos fundamentais para a consolidação do assentamento.
Como observado na afirmação anterior, a criação dos assentamentos deve ser constituída de duas etapas complementares. A primeira trata-se de fornecer terra ao trabalhador rural, enquanto a segunda envolve a assistência aos assentados por meio de políticas agrárias do Estado. Essa assistência do Estado irá ter reflexo direto nos aspectos populacionais do lugar, uma vez que esses aspectos representam o cotidiano e as particularidades da população que se encontra assentada. Por fim, acreditamos que com o avanço do processo de assentamento de famílias sem-terra no Brasil, a democracia no campo irá avançar, não apenas por realizar uma redistribuição das terras, mas principalmente por proporcionar que o campo deixe de ser eminentemente agrário para ser um espaço onde predomine a convivência harmoniosa entre produção e trabalho no contexto rural.
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4. ANÁLISE DOS ASPECTOS POPULACIONAIS E ECONÔMICOS DO ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA EM MOSSORÓ/RN
A
análise dos aspectos populacionais do Assentamento Recanto da Esperança, servirá como base para construirmos um levantamento das características locais. Como relatado em outros momentos, nossa pesquisa tem por base analisar as constituinte sociais e demográficas do assentamento, tendo em vista conhecermos em que aspectos o assentamento apresenta deficiências. Com a pesquisa de campo, queremos ainda compreender o perfil geral da população, bem como analisar as atividades que são desenvolvidas cotidianamente. Contudo, realizar a análise acerca dos elementos característicos da população local não é tarefa de fácil execução. Cada povoado, cidade ou qualquer conglomerado populacional tem as suas particularidades que servem para caracterizá-lo e diferenciálo dos demais. Além disso, por estarem em constante mudança, os aspectos populacionais de um determinado lugar não podem ser delimitados enquanto um dado absoluto, concluído. Partindo desses pressupostos, Damiani (2001. p. 8) entende que nos estudos populacionais, “teríamos que percorrer todos os seus aspectos, elementos, resultados e consequências da sua atividade para conhecê-la do âmbito não só dos seus resultados materiais, como da constituição dos sujeitos sociais.” Baseando-se nas afirmações da autora, concluímos que as análises devem ser constituídas de um estudo minucioso. Cada aspecto deve ser analisado individualmente, e em conjunto posteriormente, a fim de compreendermos a realidade estudada de maneira completa. Além disso, toda análise deve priorizar o equilíbrio entre os elementos quantitativos e qualitativos, tendo em vista não ocultar informações relevantes acerca do contexto estudado. As interpretações que são feitas sobre os assentamentos rurais, enquanto objeto de construção social, devem se dividir em etapas múltiplas, intercalando o método qualitativo e quantitativo de análise, no intuito de se conhecer a pluralidade das relações sociais que nela se desenvolvem, como nos relata Damiani (2001, p. 7): [...] O quantitativismo leva à imagem superficial do fenômeno social, para quem lhe quer captar, exatamente a essência qualitativa, as relações escondidas. A geografia hoje não se contenta mais com a leitura do espaço como invólucro de conteúdos indiferentes, que tardiamente a preenchem. Vamos abdicar dos números? Não exatamente. Vamos na verdade, relacioná-los imediatamente com as qualidades.
A partir do estabelecimento da relação entre as quantidades e as qualidades é que podemos entender a população não somente como uma quantidade diferenciada, mas sim entender a essência dos diferentes elementos que constituem a mesma. Sendo assim, os assentamentos rurais podem ser analisados sob diferentes interpretações, diferentes óticas, que expressam a realidade cotidiana dessas áreas de reforma agrária.
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Seja pela análise qualitativa ou quantitativa, observa-se que nas áreas de reforma agrária, onde o trabalhador rural encontra-se assentado, os aspectos humanos são traduzidos por indicadores sociais elevados. A qualidade na educação, saúde, renda e moradia, dentre outros aspectos, se desenvolvem à medida que haja um elevado grau de políticas assistencialistas por parte do Estado. Ambas as formas de análise são fundamentais para a compreensão da realidade nos assentamentos rurais, como nos relata Sparovek (2003, p.2): O aspecto quantitativo continua sendo importante, por dar a dimensão das ações. Sobre ele há registros, mesmo que, muitas vezes, controversos. Informações recentes, sistematizadas e abrangentes (representando não apenas amostras ou casos isolados) sobre a qualidade de vida nos assentamentos, as implicações ambientais da implantação dos projetos, a eficácia com que as ações operacionais do governo foram executadas e a eficiência que tiveram na alteração da matriz fundiária. [...] Na falta de informações abrangentes, casos isolados, com desempenho positivo ou negativo, podem ser indevidamente generalizados. Essa generalização pode resultar em avaliações desastrosas e desconexas do contexto global, não refletindo a realidade cotidiana dos assentamentos.
A citação do autor nos mostra que o grande risco das pesquisas em assentamentos rurais é a avaliação dos aspectos do lugar de forma generalizada. Por isso consideramos que é de fundamental relevância que o pesquisador percorra todos os caminhos possíveis. Apenas os números não podem expressar as marcas que o trabalhador, no campo impôs em seu lugar. Para concluir, entendemos que essas discussões são de grande significância no intuito de nos proporcionar um melhor entendimento do nosso objeto empírico. Diante do que foi abordado, avaliamos ter apresentado elementos que visem nos proporcionar uma melhor compreensão acerca dos aspectos sociais e demográficos dos assentamentos, e que discutiremos no subcapítulo a seguir.
4.1. NOTAS SOBRE A ESTRUTURA AGRÁRIA DO MUNICÍPIO DE MOSSORÓ E A FORMAÇÃO DO P. A. RECANTO DA ESPERANÇA
O
Projeto de Assentamento Recanto da Esperança está localizado no Estado do Rio Grande do Norte, especificamente na parte Noroeste do Município de Mossoró. O Recanto da Esperança limita-se com as agrovilas do assentamento MAISA5 ao Norte, e com as comunidades rurais do Lajedo e Alagoinha ao Leste e Sul, respectivamente. O surgimento do assentamento objeto de nossa pesquisa esteve ligado à gênese da produção agrícola exportadora da região do Polo Fruticultor Mossoró-Açu (Figura 1), iniciada em meados da década de 1970. Nessa época, não apenas Mossoró, mas outros municípios da região passam a desenvolver projetos na área da fruticultura irrigada, que culminariam mais tarde na criação de empresas pioneiras do ramo agroexportador, principalmente a Mossoró Agroindustrial S. A. (MAISA), a Frutas do Nordeste S. A. (FRUNORTE), e a São João Agroindustrial (Fazenda São João).
5
Devido a grande extensão territorial do Assentamento MAISA, algo em torno de 19.700 hectares, o mesmo teve suas terras desmembradas em diversas Agrovilas. Dentre estas, as Agrovilas Montana, Real e Apodi, limitam-se ao Norte com o Recanto da Esperança.
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Figura 1 – Principais municípios do Polo Fruticultor Mossoró – Açu segundo o Banco do Nordeste do Brasil
Fonte: (Banco de imagens do Banco do Nordeste do Brasil/BNB - Polos de Desenvolvimento Integrado do Nordeste, 2003)
Nos limites do Pólo Fruticultor Mossoró-Açu, essas agroindústrias iniciaram as suas atividades baseadas em incentivos fiscais e financeiros do Estado. O desenvolvimento da cadeia produtiva parecia ser iminente, haja vista que, aliado aos incentivos fiscais e a introdução da modernização, o polo dispunha de terras férteis, água em abundância, além de recursos humanos para atender à demanda da época. Quanto a esses aspectos da fruticultura irrigada na região, Nunes (2009, p. 8) vai afirmar que: [...] O caráter bem sucedido deste modelo de modernização encontrase na combinação entre inserção de tecnologias modernas, acesso a mercados, e no esforço do Estado em atrair a grande empresa garantindo três importantes elementos: água, infraestrutura e crédito. A água é captada de poços profundos na região de Mossoró, e retirada do Piranhas-Açu na Vale do Açu; a infraestrutura tem destaque para os canais de irrigação [...] e o crédito é ofertado por fundos especiais através de políticas regionais direcionadas pelo Estado.
Associado ao pensamento de Nunes (2009), Felipe (2010, p. 97), discorre acerca dessa nova realidade no contexto da fruticultura irrigada, quando afirma que: Esses projetos, que vão produzir melão irrigado para o mercado interno e internacional, se caracterizam por intensa adoção de tecnologias e pelo uso da água em grandes quantidades. Na região de Mossoró, fazendas como a MAISA, São João e Santa Júlia vão retirar de poços profundos a água para irrigar o cultivo de melão. No Vale do Açu o suprimento d’água usado pelas fazendas é retirado do Rio Piranhas-Açu, depois de sua perenização no seu baixo curso,
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através da barragem Armando Ribeiro Gonçalves, que começava a armazenar água à partir de 1982.
O crescimento da cadeia produtiva da fruticultura irrigada trouxe benefícios para o contingente de trabalhadores das Fazendas Agroexportadoras. Dispondo de uma estrutura habitacional, educacional, de saúde, e assistência geral, projetos como a MAISA, estavam criando uma nova perspectiva e dinâmica local, modificando a realidade da região, principalmente se considerarmos que à época, a ideia que se construía era a de que as agroindústrias seriam a solução para agregar renda ao trabalhador local. Além disso, adicionaria valor à economia em nível municipal e estadual. Contudo, o desenvolvimento de projetos como os das Fazendas MAISA e São João, só obtiveram sucesso até a primeira crise da fruticultura irrigada no Polo Mossoró-Açu. No final da década de 1990 as empresas do ramo entram em processo de saturação da cadeia produtiva. É nesse período que as empresas do ramo agrícola começam a dar os primeiros sinais de enfraquecimento na produção. As agroindústrias já não conseguiam manter a estrutura de assistência gerida para atender a massa de trabalhadores inserida no contexto produtivo das mesmas. Juntando a esse contexto o desafio da perda de mercado e a ausência de incentivos por parte do Estado, no início dos anos 2000 chega ao Polo Mossoró-Açu um conjunto de normas internacionais de controle de qualidade, dificultando ainda mais a situação das empresas e levando a MAISA e a FRUNORTE a entrarem em crise e decretarem falência em 2002 e 2003, respectivamente (NUNES, 2009). O endividamento das empresas do ramo agroexportador da época e a tensão existente entre o que era produzido e o que era exportado colaboraram também para a crise, e mais tarde para o colapso dos primeiros projetos agroexportadores da região polarizada entre Mossoró e Açu. A falência da FRUNORTE e dos Complexos Agroindustriais MAÍSA e São João, acarretou em graves consequências aos trabalhadores rurais ocupados nesse contexto produtivo, problemas esses relativos não apenas às questões de ordem financeira mas, principalmente, de cunho social. O desenrolar desses fatos é descrito por Braga (2006, p. 39), quando relata que a crise no setor da fruticultura irrigada atingiu empresas de renome da época, como é o caso da FRUNORTE, e da MAISA, localizadas na Micro-Região Mossoró-Açu, cujo fechamento trouxe consequências sérias para o local, sobretudo para a classe trabalhadora, sejam eles trabalhadores rurais ou outros assalariados que ocupavam postos de trabalho nas empresas. Compartilhando das mesmas perspectivas, Felipe (2010), relata que a falência das maiores empresas fruticultoras do Estado do Rio Grande do Norte, dentre elas a MAÍSA e a FRUNORTE, a primeira na Região de Mossoró, e a segunda na região do Vale do Açu, marcaram profundamente o contexto econômico e social daquela época. As empresas anteriormente citadas tinham grande importância não somente no contexto econômico mas, também eram de grande relevância para empregar os trabalhadores rurais da região onde esses complexos produtivos estavam situados. A quantidade de mão de obra empregada nessas empresas era em número bastante expressivo. Certamente com o fim da produção, a quantidade de trabalhadores desempregados e sem perspectiva de futuro fez surgir um quadro de abandono e exclusão no campo. Aquilo que parecia ser a solução para os problemas agrários da região acabou por tornar-se uma contradição sem precedentes.
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É nesse contexto de transformações no quadro da estrutura agrária local que os trabalhadores rurais buscam se organizar para reivindicar melhorias para o seu meio. As fazendas que, durante as décadas de 1980 e 1990, eram sinônimos de fertilidade no campo, passaram a ser ocupadas posteriormente pelos trabalhadores rurais, sendo nos anos seguintes, desapropriadas para fins da reforma agrária. No caso de Mossoró, as Fazendas São João e MAISA foram as primeiras fazendas voltadas à produção da fruticultura irrigada que passaram pelo processo de ocupação e desapropriação. Primeiramente a MAISA e, em seguida, o Complexo Agroprodutor São João foram ocupadas por ex-trabalhadores rurais assalariados das empresas supracitadas. De acordo com o INCRA (2004), o “Complexo Agroindustrial São João”, onde atualmente localiza-se o Assentamento rural Recanto da Esperança, era formado por três fazendas produtoras estabelecidas em regiões distintas de Mossoró, que juntas totalizavam uma área de aproximadamente 3.900 hectares. O complexo Central era composto pela Fazenda São João, com área total de 2.300 hectares, os outros dois complexos produtivos eram formados pelas Fazendas Riacho Grande/São Pedro e Alagoinha, com 212 e 1.464 hectares cada, respectivamente. Por meio de Decreto Federal, a desapropriação das fazendas foi publicada no Diário Oficial da União (D. O. U.) no dia 06 de abril de 2004, como descrito em matéria veiculada pelo Jornal O Mossoroense (2004): Publicado no Diário Oficial de ontem o Decreto Presidencial que declara de interesse social para fins de reforma agrária as três fazendas do complexo São João (São João, Riacho Grande/São Pedro e Alagoinha), de propriedade da família do senador José Agripino (PFL/RN). Em linhas gerais, significa dizer que a partir da publicação do decreto o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) fica autorizado a promover a desapropriação dos três imóveis rurais. (O MOSSOROENSE, 2004, p. 3).
A fazenda Alagoinha, foco de nossa pesquisa, foi a última das fazendas do Complexo São João a ser desapropriada. Ainda segundo o INCRA (2004), juntas, as três possibilitariam o assentamento de aproximadamente 300 famílias, número bastante expressivo diante da quantidade de terras do complexo produtivo. Pertencente ao grupo familiar do Senador José Agripino Maia, o Complexo São João ainda encontra-se atualmente envolvido em uma ação judicial movida pelo mesmo. Tal fato ocorreu em consequência do “Grupo Maia” não aceitar a quantia paga referente a indenização da Fazenda, como é descrito em matéria jornalística veiculada pela Revista ISTOÉ (Rio de Janeiro, ed. 2065 p. 5, 2011), quando a mesma relata que, atolada em dívidas com o Governo, a Fazenda São João foi desapropriada durante o primeiro mandato do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para fins de reforma agrária. Contudo, o Senador José Agripino não aceitou a indenização de 4 milhões de reais paga pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), e trava uma disputa judicial com o intuito de reaver o valor do bem. O processo de assentamento das famílias no Recanto da Esperança se deu em um curto tempo. Pouco mais de um ano após a desapropriação, o assentamento das famílias ocorreu. Atualmente o assentamento encontra-se com uma configuração de 80 famílias assentadas, e 10 famílias agregadas (INCRA, 2011b), não dispondo essas últimas de uma estrutura de habitação em relação às demais.
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Percebemos, então, que o Assentamento Recanto da Esperança ainda apresenta dificuldades no tocante ao assentamento das famílias que encontram-se em situação precária. É relevante questionarmos se os problemas referentes á antiga fazenda foram capazes de impedir o avanço da cidadania, e se a reforma agrária vem sendo realizada visando alterar um quadro de desigualdades no campo a nível local. Com a falência dos complexos agroprodutores locais, grande parcela da população que anteriormente possuia uma estrutura social no interior dessas empresas, ficaram desassistidas. Dessa forma, promover a reforma agrária na região não visaria apenas levar democracia ao campo, mas também devolver a essa população melhores perspectivas sociais, haja visto que enquanto os mesmos sendo trabalhadores dessas empresas dispunham, mesmo que precariamente, de condições melhores de vida. Neste sentido, a nossa análise busca investigar se com o processo de desapropriação das fazendas, as melhorias no contexto social em geral estão sendo geridas e efetivadas. Com relação às melhorias nas condições de habitação, saúde, educação, renda/produção, saneamento, e infraestrutura geral, com o desenvolvimento de nossa pesquisa poderemos percebê-las, ou refuta-las, pois essas melhorias dependem de fatores diversos, mas principalmente do envolvimento dos assentados na busca por melhorias para o seu meio, junto aos órgãos governamentais. Quanto às melhorias estruturais, de acordo com o Estatuto da Terra, no capítulo que dispõe sobre obras de infraestrutura, fica claro que os planos nacional e regional de reforma agrária devem incluir, obrigatoriamente, as providências no tocante à “eletrificação, obras de melhoria da infraestrutura, tais como barragens, irrigação, abertura de poços, saneamento, obras de conservação do solo, além do sistema viário indispensável à realização do projeto” (1964, Lei nº 4.504. Art. 89). Isso comprova que dotar os assentamentos de infraestrutura e estruturas básicas, não são tarefas exclusivas tão somente dos assentados. O Estado também tem por obrigação conceder a instalação e o desenvolvimento das mesmas, como determina o Estatuto da Terra, lei que regulamenta os direitos e obrigações em se tratando das políticas agrárias nacionais. A infraestrutura (Tabela 1) na qual nos referimos, diz respeito aos serviços básicos de utilidade para a população residente no local.
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Tabela 1 – Principais infraestruturas de uso comum dos assentados do Recanto da Esperança - 2011 Tipo de Quantidade Famílias Infraestrutura Beneficiadas Instituição de Ensino
01
Assentadas/Agregadas
Área de lazer
01
Assentadas/Agregadas
-
Assentadas
01
Assentadas/Agregadas
-
Assentadas/Agregadas
Sede da Associação
01
Assentadas/Agregadas
Total
04
Água encanada Reservatório de água Iluminação elétrica
-
Fonte: (Elaborado a partir dos dados coletados com a associação de moradores, em outubro de 2011) Como vimos, entre as infraestruturas de uso comum, podemos destacar a existência de uma escola de Ensino Fundamental, iluminação elétrica em todas as ruas do assentamento, uma sede própria da associação de moradores, dispondo ainda de um reservatório central que fornece água para todas as residências. O Projeto de Assentamento Recanto da Esperança dispõe de uma ampla estrutura física. Contudo, necessita de melhorias tanto no que se refere aos elementos de uso público, quanto na estrutura organizacional. Após a criação do assentamento, a associação de moradores adquiriu por meio de empréstimo, um trator com todos os implementos agrícolas. Isso possibilitou que houvesse uma redução de custos para realização das etapas de plantio e colheita das safras anuais. Contudo, atualmente o uso do trator e dos implementos não está facilitado. Os moradores se queixam que com o aumento da demanda, o agendamento das horas para uso dos implementos está se tornando mais difícil, e o tempo de espera está cada vez maior. Como reflexo dessa situação, os moradores estão custeando por meio de recursos próprios, o aluguel de maquinários agrícolas durante o período de plantio e colheita. O reservatório de armazenamento e distribuição de água (Figura 2) até às residências, foi inaugurado a pouco mais de um ano da data de nossa pesquisa. A antiga caixa d’água erguida com recursos dos assentados desabou com pouco tempo de uso. De acordo com a atual associação de moradores, o material utilizado na construção pode ter sido de baixa qualidade. Após alguns meses do desabamento, o INCRA liberou por meio de recursos próprios, uma verba para a construção do novo reservatório.
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Figura 2 – Reservatório de armazenamento e distribuição de água para as residências
Fonte: (Arquivo do Autor, outubro de 2012)
Em um breve percurso realizado nos arredores do assentamento, foi possível observar o contraste entre o reservatório construído recentemente, e os escombros da antiga caixa d´agua, que apesar de receber a conotação de “antiga” pelos moradores, tinha pouco tempo de uso. Isso só vem a comprovar que a falta de planejamento e o mau uso de recursos, podem acarretar em problemas mais graves para a comunidade. Tratando-se da associação dos moradores, ela é considerada atuante por todas as famílias pesquisadas. A atuação dos membros da associação não se resume somente às questões pertinentes ao interior do assentamento, mas também na busca por interesses das famílias frente aos órgãos governamentais, e o poder público em geral. Em Fernandes (2005), as associações de moradores representam os assentados no campo político, econômico e social. Dentre estes, destaca-se a representatividade política, uma vez que é nas reuniões da comunidade assentada que os próprios moradores manifestam seus interesses e descontentamentos em relação a determinados projetos do assentamento. A associação de moradores é ainda o legítimo representante dos assentados na providencia de necessidades que porventura venham a surgir dentro dos limites do projeto. Essas necessidades não se traduzem apenas em questões de ordem financeira, mas principalmente por medidas que visem conceder bem-estar social ao trabalhador rural do assentamento. Vejamos o pensamento de Sparovek (2003, p. 70) sobre a importância das associações de moradores para os assentamentos: A associação é uma personalidade jurídica sem fins lucrativos e que tem uma diretoria eleita. Além do repasse de créditos, as associações são importantes na mediação das relações entre os associados e na interlocução dos assentados com o Incra e com a comunidade local (prefeituras, secretarias e serviços de extensão). Em PAs criados recentemente, normalmente há uma hegemonia nas associações das lideranças dos movimentos que organizaram a luta pela terra.
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Vale ressaltar que na opinião dos assentados, fica claro a satisfação dos mesmos em relação a atuação da associação, o que mostra que ela vem cumprindo o seu papel na busca em atender os interesses gerais dos moradores. A sede da associação (Figura 3) está localizada na antiga sede da Fazenda São João Alagoinha. Bem equipada e com amplo espaço, a sede tem área disponível para realização das reuniões, assembleias dos moradores e confraternizações dos assentados do Recanto da Esperança. Figura 3 – Sede da Associação de moradores do Recanto da Esperança
Fonte: (Arquivo do Autor, outubro de 2011)
Segundo o que foi coletado na pesquisa de campo, são realizadas reuniões quinzenais com a liderança da associação, e com os assentados. Nelas são discutidas as melhorias para o assentamento, e sendo também o local onde são realizadas votações quando se deseja tomar decisões que envolvam o bem comum da comunidade. Quanto à participação dos assentados nas reuniões, a associação de moradores nos relatou que é bastante expressiva. Sempre que solicitados, os assentados comparecem às reuniões, e participam das decisões em favor do bem coletivo. A associação de moradores do Recanto da Esperança conta com a participação de 6 membros até a data de nossa pesquisa. Todos eles foram eleitos pelos assentados e executam o mandato de 2 anos na associação. Durante a nossa pesquisa, o presidente nos relatou que desde a criação do assentamento os presidentes que vem sendo eleitos pelos assentados têm cumprido o período de mandato estabelecido. Isso tem se tornado fundamental para evitar divergências entre os assentados, bem como contribuído para a democracia no local. A associação de moradores também tem sido decisiva na luta por créditos e financiamentos para os assentados. Apesar das dificuldades, o presidente da associação nos relatou durante a pesquisa de campo que os recursos de programas do Governo Federal têm demorado em serem liberados para os assentados. Entendemos que conceder assistência financeira aos assentados é fundamental, principalmente nos primeiros anos de criação do assentamento, já que os assentados
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não possuem um fundo de reserva financeira para fomentar as atividades agrícolas e pecuárias nos limites do assentamento. Por outro lado, conceder créditos aleatoriamente aos assentados da reforma agrária deve ser visto com ressalvas. Em muitos casos, o crédito Federal para os assentamentos é visto como programa de assistência social. Isso vem se tornando um erro comum nos assentamentos, principalmente se considerarmos que parte dos trabalhadores rurais assentados pela política de reforma agrária brasileira emprega o dinheiro do crédito agrário em projetos pessoais, e que não contribuem para o fortalecimento das atividades econômico-sociais do assentamento. Sparovek (2003) é enfático em relatar que em muitos casos, a reforma agrária brasileira é confundida como programas de crédito fundiário, e de colonização. Essas ações não têm contribuído para alterar o perfil da estrutura agrária do país. Além disso, essa política não pode ser vista como um programa governamental de assistência social, fato que tem ocorrido com frequência, e transformando esse processo em insucesso, conclui. Diante dessa abordagem, definimos que as associações de moradores dos assentamentos rurais são elementos fundamentais para o desenvolvimento desses espaços. O assentamento rural necessita de representatividade interna, e para além dos seus limites. Consideramos, portanto, que essas associações são cruciais para contribuir com os avanços desejados pelos trabalhadores rurais da política de assentamento no país. O relatado até este momento corresponde apenas a um perfil geral das particularidades do Projeto de Assentamento Recanto da Esperança. Como em qualquer assentamento, o Recanto da Esperança possui em sua conjuntura elementos que o caracteriza como um assentamento distinto. Essa breve caracterização se fez necessário para conhecermos um pouco mais acerca da dinâmica geral do assentamento, e compreendermos os aspectos sócio-demográficos do lugar, no qual discutiremos mais detalhadamente nos próximos subcapítulos.
4.2. ASPECTOS FAMILIARES E HABITACIONAIS DO RECANTO DA ESPERANÇA
A
brigando um total de 80 famílias assentadas e 10 famílias agregadas, o Projeto de Assentamento Recanto da Esperança está entre os 12 maiores assentamentos rurais do Município de Mossoró, no tocante ao número de famílias que encontram-se assentadas, segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA, 2011b). Em relação ao período no qual essas famílias encontram-se assentadas, podemos observar que 100% delas estão residindo in loco desde o período de criação do assentamento. Acrescentando-se a isso, temos famílias que estão residindo de maneira agregada, parte delas tendo parentesco com os assentados da área central. Essas últimas, não contam com os mesmos benefícios que as demais, principalmente no quesito qualidade de moradia, na qual essas famílias encontram-se desassistidas. Quanto a origem das famílias assentadas no Recanto da Esperança, 100% delas relataram residir na zona rural anteriormente ao período de criação do assentamento. Todas as famílias relataram vir de comunidades rurais situadas em áreas próximas do local (Gráfico 6).
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Gráfico 6 – Local de residência das famílias assentadas anterior ao Recanto da Esperança
Fonte: (Elaborado a partir dos dados coletados com as famílias assentadas em outubro de 2011) Tratando-se desses antigos locais de residência dos assentados, podemos observar no Gráfico 5 que 62 % deles residiam na Comunidade Rural Lagedo, enquanto 25% e 13% dos assentados relataram ter residido nas Comunidades Rurais Alagoinha e Bom Destino, respectivamente. Esses números revelam um elemento interessante, que é o caso dos assentados serem de áreas próximas ao assentamento. Isso nos leva a perceber que essa característica tem relação com o fato de grande parte dos assentados serem ex-trabalhadores do Complexo Agroindustrial São João, denominação da antiga área do Recanto da Esperança. Em relação ao tamanho das famílias, encontramos uma tendência na redução do número de constituintes, assim como a nível nacional. Do total de domicílios englobados em nossa pesquisa, podemos perceber que grande parte das famílias são compostas por um casal, ou quase sempre pelo casal e um único filho. Essa redução na constituição familiar brasileira é descrita por Goldani (1994, p.8) quando relata que: A vida familiar se modificou para todos os segmentos da população brasileira nos últimos 20 anos. [...] As transformações no tradicional arranjo familiar, casal com filhos, assinalam aspectos significativos de mudança e também de continuidade no relacionamento entre seus membros. Esposas e filhos participam mais ativamente nas atividades de mercado de trabalho e na renda monetária da família, compartilhando com o chefe de família responsabilidades de manutenção da família, e promovendo uma redefinição nos padrões de hierarquia e sociabilidade.
Portanto, esse quadro de decréscimo no número de pessoas que constituem a família no assentamento (Gráfico 7) pode ser analisado sob duas formas. De acordo com os dados levantados na pesquisa, o número reduzido de pessoas na residência é fruto de uma maior preocupação com o custo para se manter uma família de grande porte.
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Gráfico 7 – Número de pessoas por famílias residentes no Recanto da Esperança
Fonte: (Elaborado a partir dos dados coletados com as famílias assentadas em outubro de 2011) Os dados anteriores expressam o que já havíamos relatado. As famílias possuem em sua maioria uma média de 3 a 4 pessoas por domicílio, em torno de 76% dos entrevistados. A redução dos membros da família tem representado uma mudança cada vez mais comum no país, e na zona rural, onde as famílias tinham uma tendência a serem maiores, essa realidade também têm se mostrado cada vez mais presente. Vale salientar que além desse quadro de redução do número de pessoas por domicílio no assentamento, 75% dos chefes de família (Gráfico 8) pesquisadas apresentaram ter filhos com faixa etária entre 12 e 18 anos, enquanto o restante ficou distribuído entre as faixas etárias de 0 a 5 anos, 5 a 11 anos e 19 anos ou mais de idade. Essa característica tem reflexos diretos no dia-a-dia do assentamento, pois um número maior de pessoas situadas na faixa etária adolescente/jovem requer uma melhor adequação da estrutura funcional local, como saúde, educação, transporte, dentre outros fatores. Outra característica que percebemos durante a pesquisa foi a ausência de pessoas idosas nas residências entrevistadas. A grande maioria dos entrevistados era a formado por adultos, demonstrando assim um percentual elevado de pessoas em idade economicamente ativa, ou seja, com idade suficiente para exercerem uma atividade econômica.
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Gráfico 8 – Faixa etária dos filhos de chefes de família do Recanto da Esperança
Fonte: (Elaborado a partir dos dados coletados com as famílias assentadas em outubro de 2011) Tratando-se das condições de habitação do assentamento, podemos relatar que são bastante distintas. Em uma parte do assentamento se vê que algumas construções foram modificadas, e melhor adequadas estruturalmente. Por outro lado, há moradias que encontram-se bastante deterioradas, e não lembram em quase nada as residências originais. Estas encontram-se em péssimo estado de conservação. Contudo, vale salientar, que a qualidade estrutural das residências do assentamento permeia o poder aquisitivo das famílias. A partir do cruzamento dos dados de renda e habitação levantados na pesquisa, foi possível percebermos a relação existente entre a qualidade da moradia e o poder aquisitivo do assentado (Tabela 2), quando avaliamos a quantidade de cômodos e sua relação com o ganho mensal familiar. Tabela 2 – Relação entre a renda do assentado e as condições estruturais de sua residência - 2011 Proporção Renda Familiar Cômodos da dos residência entrevistados 100%
3 e 4 salários
05 ou mais
100%
2 e 3 salários
05 ou mais
75 %
1 e 2 salários
No máximo 04
25%
1 e 2 salários
05 ou mais
Total
1 a 4 salários
4 a 5...
Fonte: (Elaborado a partir dos dados coletados com as famílias assentadas em outubro de 2011)
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Analisando os dados acima, percebemos que 100% dos entrevistados que ganham entre 3 e 4 salários mínimos, relataram ter residências com mais de 5 cômodos. Da mesma forma, os que ganham entre 2 e 3 salários, afirmaram ter residências com números semelhantes. Quanto aos entrevistados que relataram ganhar entre 1 e 2 salários, 75% deles disseram ter residências com a configuração de 4 cômodos, valor correspondente às proporções da residência original. Das 80 residências do assentamento, apenas 9 ainda mantém as mesmas características desde a criação do Projeto de Assentamento (Figura 4). Todas as outras tiveram sua estrutura modificada após os dois primeiros anos de existência do assentamento. Segundo a associação de Moradores, as modificações realizadas nas residências são resultantes de um projeto governamental desenvolvido no assentamento, que consistiu em um auxílio-construção que visava aumentar a área das habitações. Figura 4 - Residência original do Projeto de Assentamento Recanto da Esperança
Fonte: (Arquivo do Autor, outubro de 2011)
As modificações realizadas nas residências certamente vieram para trazer melhorias para os assentados, considerando que as casas originais só dispunham de quatro cômodos. Por outro lado, essas modificações deram margem para que alguns moradores demolissem as residências quase que por completo, para dar lugar a pontos comerciais, ou a residências mais modernas. Tratando-se de outros aspectos, o assentamento deixa muito a desejar em relação ao saneamento das residências. Esse é um dos pontos de maior deficiência, pois as casas não dispõem de nenhuma rede de drenagem do esgotamento sanitário. Vale salientar que esse não é o retrato apenas do assentamento, mais de toda a região que circunda o mesmo, sendo fruto do descaso do poder público em todas as suas esferas. Por estarem desprovidas da rede de coleta de esgotos, as residências quase que em sua totalidade possuem fossas rudimentares, construídas nos arredores das residências, o que vem acarretando na contaminação do solo, e consequentemente do lençol freático. Isso vem se tornando um problema grave para o assentamento, pois o abastecimento de água para as residências é proveniente de um poço tubular de baixa profundidade. Neste sentido, a contaminação da reserva de água pode ser considerada iminente. Há ainda poucas residências que possuem fossa séptica, mas
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ainda assim não são suficientes para evitar que o contato do esgoto sanitário com o solo seja elevado. Dentre outros aspectos, os domicílios do Projeto de Assentamento Recanto da Esperança possuem uma grande deficiência no tocante ao armazenamento de água nas residências. Isto se deve ao fato de que as casas dispõem de um único reservatório de água pré-fabricado em polietileno com capacidade de armazenamento para 500 litros. Além de possuir baixa capacidade de armazenamento, esse tipo de material se desgasta com facilidade, e apresenta rachaduras quando exposto por longos períodos a insolação. No geral, as residências não apresentam problemas graves no tocante a edificação, e os moradores demonstram estar satisfeitos com as mesmas. Dessa forma, o exposto aqui é apenas um perfil geral dos domicílios do assentamento, que assim como outros, necessitam de adequações. Os moradores dispõem de moradias de qualidade, salvo os problemas relativos á estrutura funcional coletiva, que não são particulares ao mesmo, mas compartilhados por grande parte das residências no país. Assim como a habitação, a saúde e a educação também representam um importante elemento de caracterização da qualidade de vida nos assentamentos, que juntas representam importantes indicadores sociais, como veremos no próximo subcapítulo.
4.3. PARTICULARIDADES DA EDUCAÇÃO E SAÚDE
A
saúde e a educação representam uma importante forma de analisar a qualidade de vida encontrada nos assentamentos rurais. A oferta de serviços de infraestrutura como a construção de escolas públicas e de postos de saúde são um importante passo rumo ao desenvolvimento social local. Sparovek (2003) relata que a disponibilidade de serviços básicos como educação e a saúde, são importantes caracterizadores dos índices de qualidade de vida local. Elas representam conquistas importantes para o assentamento. Em se tratando do grau médio de escolaridade (Gráfico 9) dos responsáveis por domicílio no assentamento, ficou evidenciado que independentemente do sexo, mais de 50% dos assentados entrevistados relataram ter ensino fundamental incompleto. Esse baixo índice de escolaridade é presente entre os chefes de família, principalmente após a extinção do Programa de Educação para Jovens e Adultos (EJA).
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Gráfico 9 – Grau médio de escolaridade dos assentados
Fonte: (Elaborado a partir dos dados coletados com as famílias assentadas em outubro de 2011) Contudo, esse quadro tende a melhorar, considerando boa parte dos domicílios apresentaram um número elevado de crianças e adolescentes em idade escolar frequentando assiduamente a escola municipal (Figura 5) do assentamento. Figura 5 – Escola Municipal de Ensino Fundamental Elias Salém, localizada no Recanto da Esperança
Fonte: (Arquivo do Autor, outubro de 2011)
Por ser de nível fundamental, a instituição de ensino anteriormente ilustrada, não dá suporte educacional a todos os assentados. Os estudantes de nível médio, precisam se deslocar para as escolas da rede estadual de ensino, localizadas na zona urbana de Mossoró. O grande problema do deslocamento é que há descaso por parte do poder público estadual, que muitas vezes não disponibiliza transporte para os estudantes se deslocarem às áreas de ensino. A raiz do problema consiste no fato de que o poder executivo municipal disponibiliza um transporte escolar para os estudantes de Ensino Fundamental que desejam estudar na zona urbana da cidade. Contudo, o transporte dos alunos do município não transporta os estudantes da rede estadual, acarretando em prejuízos para os
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estudantes que precisam arcar com os custos desse deslocamento, sendo que muitos, segundo relatos dos assentados, tem alto índice de ausência durante o ano letivo. Tratando-se do ensino no assentamento, a escola dispõe de vagas suficientes para os estudantes que residem no lugar. O problema maior é a falta de recursos humanos, já que os professores se deslocam diariamente da cidade até a zona rural para lecionarem. Neste sentido, o índice de ausência dos professores é elevado, causando sérios prejuízos para os moradores. Se analisarmos as qualidades e as deficiências, podemos relatar que o ensino no assentamento deixa a desejar em alguns quesitos. Por outro lado, as condições estruturais da instituição de ensino contribuem para que o processo de ensino e aprendizagem transcorra de maneira significativa. Apesar dessas características, os moradores entrevistados relataram na pesquisa que se consideram satisfeitos com a qualidade do ensino na instituição (Gráfico 10). Essa satisfação diz respeito principalmente a dois motivos. Primeiro, por considerarem que a escola sempre disponibiliza vagas para os pais matricularem seus filhos. Em segundo, pelos chefes de família considerar que a escola propicia que os alunos estudem nos limites do lugar, sem ter que se deslocarem para escolas situadas em comunidades rurais circunvizinhas. Gráfico 10 - Grau de satisfação dos chefes de família com o funcionamento do ensino, no assentamento
Fonte: (Elaborado a partir dos dados coletados com as famílias assentadas em outubro de 2011) Os dados acima demonstram a satisfação na qual nos referimos anteriormente. Dos moradores entrevistados, 75% mostraram-se estar satisfeitos com a qualidade do ensino do local, enquanto 25% disseram estar insatisfeitos. Essa é o ponto de vista dos moradores em relação a qualidade na educação no assentamento. Portanto, assim como em outros assentamentos, o Recanto da Esperança possui deficiências no seu sistema de ensino, deficiências que vão desde físicas no tocante as instituições de ensino, até falta de professores nas escolas. Sem generalizações, acreditamos também que há outros aspectos que contribuem para que o assentamento tenha características educacionais de qualidade, ao menos em parte. Assim como os aspectos educacionais, a saúde também é um elemento de caracterização da qualidade social de vida. Por isso, é fundamental que os
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assentamentos rurais possuam políticas públicas de assistência educacional e de saúde, pois esses serviços são essenciais para elevar as condições básicas de sobrevivência da população local. Dentre os aspectos analisados em nossa pesquisa, a maior deficiência refere-se aos elementos que compõem a saúde no local. Isso se deve principalmente ao fato de que o assentamento não dispõe de nenhum posto de saúde para atender a demanda dos moradores lá residentes. Quando necessitam de assistência e cuidados médicos, os moradores do assentamento precisam se deslocar até a comunidade de Alagoinha, distante aproximadamente 5 Km do assentamento. Contudo, o único posto de saúde das adjacências, já atende as comunidades de Alagoinha, Coqueiro, Arisco, Lajedo, Pedra Preta, Oiticica e Bom Destino. Essas oito comunidades atendidas no posto de saúde, sobrecarregam o atendimento, fazendo com que haja redução na qualidade do mesmo. Além disso, apenas um único médico realiza os atendimentos semanalmente. O número excessivo de pacientes, faz com que a rotina na Unidade Básica de Saúde (UBS) seja muito corrido. Além disso, as fichas de consulta distribuídas aos usuários são em pouca quantidade, relatam os moradores do assentamento. Certamente a presença de um número maior de unidades de saúde nos arredores do assentamento contribuiria para uma melhor diferença na qualidade de vida da população local. Apesar das dificuldades os agentes comunitários de saúde são sempre presentes nas residências. São realizadas visitas constantes, e há o acompanhamento das famílias quando estão sendo desenvolvidas campanhas de vacinação dentre outras. Os agentes de saúde também visitam as residências para realizar o acompanhamento dos idosos, e quando há necessidade, os mesmos encaminham os moradores para a Unidade Básica de Saúde de Alagoinha. (Figura 6). Figura 6 - Unidade Básica de Saúde da Comunidade rural de Alagoinha
Fonte: (Arquivo do Autor, dezembro de 2012)
Além de todas as comunidades que são atendidas, o acréscimo de mais 80 famílias no atendimento semanal contribui para que o atendimento dos moradores do assentamento no posto de saúde tenha uma baixa qualidade, e não dê resultados que se espera de uma unidade de atendimento básico de saúde.
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Como sabemos, os problemas relativos à precariedade na saúde são reflexo da má administração e da falta de políticas públicas voltadas para os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Falta de recursos humanos, de material médico/hospitalar são apenas alguns dos graves problemas encontrados na rede de assistência pública do nosso país. Para concluir acreditamos que esses elementos expõem a realidade cotidiana dos assentados, que enfrentam problemas diversos. Dentre eles, temos também os relativos ao trabalho e produção, que veremos adiante.
4.4. ANÁLISE DOS ASPECTOS DO TRABALHO E PRODUÇÃO LOCAIS
O
s assentados do P. A. Recanto da Esperança são em sua maioria trabalhadores que possuem uma baixa renda mensal média por família (Gráfico 11). Nossa pesquisa comprovou que a grande maioria dos assentados possui uma renda média mensal de 1 a 2 salários mínimos/mês. Isso serve para comprovar os problemas referentes a capacidade de produção das famílias residentes no assentamento, e ainda mostrar que a fonte de renda das famílias não estão ligadas somente a produção agrícola realizada no local. Vemos isso como um grave problema local, pois se distancia das orientações contidas no II Plano Nacional de Reforma Agrária (2003, p.13) quando cita que “o desempenho econômico da agricultura familiar, em que pese todas as dificuldades, mostra que se trata de um setor que produz, que emprega e que responde rapidamente às políticas públicas de fomento e garantia da produção.” Portanto, ele deve ser a base de produção e renda da atual política de assentamentos rurais. Gráfico 11 – Renda mensal média das famílias assentadas
Fonte: (Elaborado a partir dos dados coletados com as famílias assentadas em outubro de 2011) Quanto ao trabalho dos chefes de família, a pesquisa demonstrou que estes não se dedicam somente a atividade da agricultura. Grande parte dos entrevistados relatou trabalhar na produção agrária somente no período chuvoso, poucos relataram ter plantio em grandes áreas irrigadas, principalmente devido ao alto custo para realizar a distribuição das águas por encanamento, ligando os poços até às áreas de plantio. Com terras sedimentares tão férteis, o assentamento possui baixa produtividade se relacionada a produção total/ano. Isso nos leva a realizar alguns questionamentos pertinentes a essa realidade. Primeiramente, seria a falta de apoio dos órgãos de
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assistência, ou até mesmo dos órgãos governamentais que fomentam as atividades agrícolas no campo? De acordo com relatos do presidente da associação, a dificuldade em se conseguir empréstimos e financiamentos é muito grande. O mesmo relata que o principal problema do assentamento no momento é a demora que há para se conseguir a liberação de recursos para custear a produção. Quanto ao que é cultivado no assentamento destaca-se a plantação de milho, principal produto agrícola, frutas e legumes em menor proporção, que são comercializados pelos assentados. A produção anual tem girado em trono de 13 mil sacas de milho/ano, segundo informações verbais do presidente da Associação de Moradores. Considerando que não há um percentual alto de famílias que praticam a agricultura irrigada, muitos assentados não se dedicam exclusivamente à prática da agricultura, e de atividades agropecuárias. Além disso, após o período de plantio e colheita, as famílias assentadas diversificam a sua fonte de renda ao longo do ano. Parte das famílias entrevistadas relataram ainda que a agricultura não é a única fonte de renda e meio de subsistência de suas famílias. Os moradores têm diversificado as suas atividades econômicas (Gráfico 12), tendo em vista aumentar a renda mensal de suas famílias, e consequentemente proporcionar melhor qualidade de vida às mesmas. Para conseguir essa fonte de renda, os moradores que ocupam atividades em indústrias e agroexportadoras, se deslocam do assentamento para os seus postos de trabalho diariamente. Os que trabalham em agroexportadoras especificamente, desenvolve atividades agrícolas no assentamento apenas no período de inverno, época de entressafra dessas empresas. Gráfico 12 - Principais atividades econômico/empregatícias dos assentados
Fonte: (Elaborado a partir dos dados coletados com as famílias assentadas em outubro de 2011) Como podemos observar, metade dos chefes de domicílio entrevistados na pesquisa, demonstraram realizar atividades econômicas que não se resumem a agricultura dentro das terras do assentamento. Os elementos expostos comprovam que a agricultura familiar não está sendo efetivada plenamente no assentamento. Certamente, a saída dos assentados para buscar outras alternativas de renda comprometem a função social do lugar, que é promover o uso democrático da terra
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através do desenvolvimento da agricultura familiar. Cabe a nós questionarmos aqui, se a saída dos assentados para trabalhar em funções externas ao meio vem causando o enfraquecimento da atividade agrícola do lugar no geral. Certamente, podemos afirmar que os assentados da reforma agrária necessitam de um maior auxílio por parte dos governantes. Promover uma reforma agrária de qualidade não é constituída apenas de assentar as famílias. É constituída também de políticas de amparo ao trabalhador rural, para que este possa realizar suas atividades econômico/produtivos enquanto assentado da reforma agrária, como é descrito no II Plano Nacional de Reforma Agrária (2003, p.9): Num cenário de arrefecimento das oportunidades de trabalho como o atual, os assentamentos representam, adicionalmente, uma importante alternativa de emprego. Além de criar, em média, três ocupações por unidade familiar no próprio estabelecimento, inclusive as atividades desenvolvidas fora do lote, os projetos de reforma agrária também geram trabalho para terceiros, associados aos investimentos em [infraestrutura] econômica e social e contratação de mão-de-obra externa pelos assentados.
Ainda no contexto do trabalho e produção dos assentados, quando questionados acerca de outros meios de renda da família, 25% afirmaram receber benefício/auxílio de programas governamentais, como o Bolsa Família. Vale destacar, que quando foram interrogados, esses moradores relataram considerar programas governamentais como “fonte de renda extra”, levando-nos a crer que as condições econômicas dos assentados não são tão precárias. Quanto a criação agropecuária, esta passa por grande dificuldade principalmente devido ao roubo de animais, especificamente do gado bovino. Alguns assentados relataram ter sofrido perdas de gado bovino por roubo na semana anterior a pesquisa de campo. Aliás, esse grau elevado da criminalidade e violência em áreas rurais se intensifica cada vez mais. A falta de bases da polícia, e rondas de viaturas na região, contribuem significativamente para aumentar a insegurança nos arredores do assentamento. Esse clima de insegurança, segundo os assentados, vem prejudicando o desenvolvimento das atividades econômicas que são realizadas no assentamento. Outro problema enfrentado pelos moradores, diz respeito a morosidade para se liberar os empréstimos, e consequentemente facilitar o desenvolvimento das atividades econômicas dos mesmos. A principal queixa dos moradores é direcionada à liberação dos recursos, principalmente do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Segundo os mesmos, os recursos demoram grande período de tempo para serem liberados, sem falar na burocracia, que emperra o processo de liberação dos mesmos. De acordo com os dados coletados na pesquisa, a atuação da associação de moradores atual vêm sendo decisiva para a mudança desse quadro. Foi relatado que os membros da associação vem buscando dar agilidade ao processo de liberação dos recursos junto aos órgãos competentes. É necessário considerarmos que, quando um projeto de assentamento tem uma associação atuante, os resultados podem ser alcançados de maneira eficiente. Em suma, os aspectos do trabalho e renda do assentamento precisam ser melhorados em diversos aspectos. É preciso haver uma maior conscientização por parte do poder público que enquanto não houver políticas de assistência às família assentadas, o desenvolvimento significativo dos assentamentos não ocorrerá. Vale salientar que
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esse desenvolvimento não se restringe tão somente ao caráter econômico, mas em toda estrutura produtiva e social do assentamento. Diante do exposto, percebemos que a qualidade de vida da população irá interferir diretamente na dinâmica de desenvolvimento local. Em assentamentos onde a qualidade de vida das famílias apresenta baixos índices, as condições sociais são equiparadas àquelas vivenciadas pelos trabalhadores no período anterior ao processo de assentamento. Em nossa pesquisa constatamos que a população assentada dispõe de boas condições de vida em alguns aspectos, porém deficiências em outros, como no caso dos aspectos da saúde, trabalho e renda local. Por outro lado, a pesquisa demonstrou também que as dificuldades e carências presentes no assentamento não fazem parte de uma realidade isolada. Ao longo da construção de nossa pesquisa constatamos que as condições sociais e de infraestrutura existentes nos assentamentos da atual política de reforma agrária carece de melhorias. Diante disso, é relevante relatarmos que essas carências sociais dos assentamentos rurais constituem-se uma realidade compartilhada por boa parte dos assentamentos rurais no Brasil, como nos relata Sparovek (2003, p. 184): Numa visão mais abrangente [...] alguns milhares de brasileiros veem uma opção de vida em assentamentos nos quais, sob um ponto de vista consensual, as condições de vida são precárias (faltam escolas, casas, abastecimento de água, tratamento de esgoto, atendimento de saúde e transporte) e a ação operacional do governo em resolver esses problemas é pouco eficiente.
Portanto, é preciso entender que a reforma agrária brasileira é uma política de caráter urgente, que visa alterar a estrutura fundiária existente no país, bem como promover modificações na atual estrutura econômica e social da população rural. Para concluir, acreditamos que assentar famílias de trabalhadores rurais deve ser parte constituinte do processo de reforma agrária. Assentar não é sinônimo de reforma agrária, mas é um grande passo no processo de redemocratização do campo.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
C
omo já relatamos, a atual questão agrária do Brasil está diretamente relaciona à forma como foi realizada a apropriação de nossas terras. Baseada no processo de exploração colonial, a ocupação do território foi sendo feita através da instauração das capitanias hereditárias primeiramente, e de sesmarias em um segundo momento. Esse modelo colonial serviu para legitimar e disseminar a propriedade latifundiária no país, e negar o direito à terra ao trabalhador do campo. Como forma de combater as desigualdades sociais, os trabalhadores rurais se unem como forma de pressionar o Estado a realizar modificações mais concretas na estrutura fundiária do país, que mantinha-se praticamente inalterada desde os primórdios da formação territorial brasileira. Daí por diante, as disputas por terra e os conflitos no campo cresceram significativamente, sobretudo após a organização dos trabalhadores rurais em movimentos sociais. Essas disputas têm contribuído, portanto, para o crescimento no número de assentamentos rurais no país, à medida que o Estado implanta-os como forma de conter as tensões sociais. Na verdade, a forma heterogênea na qual vem sendo feita a política de assentamento de famílias sem terra no país, não conseguiu corresponder adequadamente aos aspectos de uma reforma agrária de qualidade. Ainda assim, com todos esses problemas relativos ao contexto, podemos relatar que quando assentadas, as famílias têm a oportunidade de ter melhores condições de vida e subsistência, mesmo percebendo que em muitos casos os assentamentos rurais não possuem uma estrutura básica de manutenção e desenvolvimento. Por isso, torna-se relevante realizar políticas nacionais de assistência, tendo em vista reduzir as disparidades existentes entre essas áreas. O Recanto da Esperança também faz parte dessa realidade agrária. Surgido após a falência do Complexo Agroindustrial São João (Fazenda São João) durante a primeira crise da fruticultura irrigada da região, o assentamento também passou por diferentes dificuldades, desde sua ocupação até a desapropriação e assentamento das famílias, evidenciando assim, os atuais problemas da reforma agrária no país. Com a realização da pesquisa de campo constatamos que o assentamento possui carências em alguns aspectos, porém qualidade em outros. Atualmente, o Recanto da Esperança conta com um total de 80 famílias assentadas e 10 agregadas. Das famílias entrevistadas em nossa pesquisa, todas relataram residir na zona rural antes de serem assentadas, e virem de comunidades rurais das redondezas. Quanto aos aspectos populacionais dos mesmos, mantiveram-se com características pouco variáveis. Quase que totalmente, as famílias relataram ser constituídas entre duas e quatro pessoas por domicílio, demonstrando assim o quadro geral de redução dos componentes da família brasileira atualmente. Outra característica populacional dos assentados que percebemos foi o fato de grande parte das famílias assentadas terem filhos adolescentes e jovens, que requer que o lugar tenha adequações tendo em vista atender as pessoas dessa faixa etária. Em relação à renda dos assentados, foi observado que a grande maioria dos entrevistados sobrevive com uma renda mensal muito reduzida, entre um e dois salários mínimos. A fonte renda deles não é oriunda apenas de atividade relativas ao
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local. Enquanto metade dos entrevistados relatou ter como fonte de renda principal a agricultura, o restante relatou praticar atividades em áreas externas, como em indústrias e empresas agroexportadoras. Esse é um dos grandes problemas do assentamento, pois essa renda não se resume somente à atividade agrícola desenvolvida in loco. Muitos assentados relataram que exercem atividades produtivas em áreas fora dos limites do assentamento. Esse dado nos levou a refletir que o assentamento não tem propiciado que os seus moradores consigam exercer a atividade principal dessas áreas de reforma agrária, a agricultura familiar. Os aspectos educacionais do lugar também deixaram a desejar, principalmente se tratando do grau médio de escolaridade dos entrevistados. O assentamento não dispõe de nenhum programa de erradicação do analfabetismo e do semianalfabetismo. Além disso, os assentados que estão em idade escolar têm enfrentado dificuldades no tocante ao deslocamento do assentamento para as instituições de ensino localizadas na zona urbana. A pesquisa nos revelou que esse fato é decorrente da ausência de ações do poder público local, em fornecer transportes estudantis para realizar o percurso entre o assentamento e a zona urbana de Mossoró. Por outro lado, a escola de ensino fundamental do assentamento possui boa estrutura, atendendo aos assentados em idade escolar equivalente. Quanto aos aspectos da saúde no assentamento, a pesquisa nos revelou a existência de elementos variados. Atualmente, os moradores não dispõem de um posto de saúde nos limites do assentamento, quando necessitam de atendimento deslocam-se para uma comunidade próxima. Um aspecto positivo no quesito saúde, é em relação a atuação dos agentes comunitários de saúde que fazem visitas regulares nas residências, atendendo as necessidades mais básicas dos assentados. A pesquisa demonstrou-nos ainda que a Associação de Moradores do Recanto da Esperança é bastante atuante, está sempre tentando buscar incentivos financeiros, assistência técnica, e a solução de problemas que se desenvolvem no assentamento, bem como busca representar os assentados em questões de bem comum. Durante nossa pesquisa percebemos que o Recanto da Esperança dispõe de uma infraestrutura básica de moradia. As residências locais dispõem de uma ampla rede de energia elétrica e água encanada. Os assentados contam ainda com alguns pontos de comércio, com uma área de lazer nas dependências do assentamento, uma escola de Ensino Fundamental e uma sede para reuniões entre os assentados e a associação. Possuem ainda, um conjunto de implementos agrícolas que são disponibilizados para o uso comum dos assentados. Os elementos expostos após a pesquisa de campo demonstram ainda que o Recanto da Esperança possui carências em alguns pontos, mas atributos em outros. Essas características que encontram-se presentes no lugar não representam uma realidade isolada. No geral, os assentamentos rurais apresentam problemas cotidianamente, mas também têm tido melhoras, à medida que avançamos na política de reforma agrária nacional. A importância da nossa pesquisa consiste em apontar esses elementos característicos, mas mostrar que eles se diferenciam em grau variado quando os comparamos a contextos diferentes. Por último, queremos destacar que após o desenvolvimento deste trabalho, foi possível constatarmos que os assentamentos rurais servem não somente para trazer renda ao trabalhador do campo, mas principalmente para mantê-lo dentro de uma estrutura que lhe ofereça qualidade de vida, e proporcionar que os serviços públicos básicos para qualquer cidadão estejam presentes.
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APÊNDICE A – FORMULÁRIO PARA COLETA DE DADOS COM AS LIDERANÇAS DO ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA TÍTULO DA PESQUISA: CARACTERÍSTICAS SÓCIO-DEMOGRÁFICAS DO PROJETO DE ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA EM MOSORÓ/RN DISCENTE: MAXIONE DO NASCIMENTO FRANÇA SEGUNDO ORIENTAÇÃO: PROFª. MS. MARIA JOSÉ COSTA FERNANDES FORMULÁRIO DE APLICAÇÃO COM LIDERANÇA DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DO ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA DADOS PESSOAIS Nome: Idade: Sexo: ( ) masculino ( ) feminino Estado Civil:( ) solteiro ( ) casado Naturalidade: Município: DIAGNÓSTICO A quanto tempo você reside no assentamento?
Estado:
Qual o cargo/função que você ocupa na associação de moradores? Qual a data de criação do assentamento?
Quantas famílias estão residindo atualmente no assentamento? Quantas famílias residem na agrovila principal? Como foi o processo de desapropriação da fazenda? Qual a área total do assentamento? Como foi o processo de assentamento das famílias? Marque o tipo de infra- estrutura presente no assentamento? ( ) Creche ( ) Posto de saúde ( ) Área de lazer ( ) Escola de ensino fundamental ( ) Escola de ensino médio ( )outros: Qual o tipo de construção das residências do assentamento? ( )Alvenaria ( ) Madeira ( ) Mista ( )Outro: As ruas possuem iluminação elétrica? ( ) sim ( ) não Qual a proveniência da água do assentamento?
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( ) Praça pública
( ) Poço ( ) Cacimba ( ) Água de chuva ( ) Água de reservatório Como é feito o abastecimento de água até as casas? ( ) Água encanada ( ) Por Carro-Pipa ( ) Por veículo de tração animal Quantos membros compõe a Associação? Possui sede própria?
Qual a frequência de realização das reuniões? Quais benefícios já foram conquistados pela associação de moradores desde a desapropriação até os dias atuais?
Quais órgãos governamentais visitam com frequência o assentamento? Como se dá a atuação desses órgãos? Qual a principal atividade econômica desenvolvida no assentamento? ( ) Agricultura ( ) Pecuária ( ) Outro: O Assentamento recebe algum tipo de assistência técnica? ( ) Sim ( ) Não Se sim, qual (is)? Quais os principais problemas enfrentados atualmente pela comunidade?
Quais as principais necessidades? Como você considera a atual política de reforma agrária?
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APÊNDICE B – FORMULÁRIO PARA COLETA DE DADOS COM AS FAMÍLIAS DO ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA TÍTULO DA PESQUISA: CARACTERÍSTICAS SÓCIO-DEMOGRÁFICAS DO PROJETO DE ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA EM MOSORÓ/RN DISCENTE: MAXIONE DO NASCIMENTO FRANÇA SEGUNDO ORIENTAÇÃO: PROFª. MS. MARIA JOSÉ COSTA FERNANDES FORMULÁRIO DE APLICAÇÃO DE FAMÍLIAS ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA
ASSENTADAS
DADOS PESSOAIS Nome: Idade: Sexo: ( ) masculino ( ) feminino Estado Civil: ( ) solteiro ( ) casado Naturalidade Município: Onde você residia antes de vir para o assentamento?
Estado:
ASPECTOS FAMILIARES Você mora: ( )Sozinho ( )Com a família ( )Com parentes Possui filhos? ( )Sim ( )Não Quantos? Quantos filhos residem com você: ( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5 ou mais Qual a idade deles: ; ; ; ; ; ASPECTOS HABITACIONAIS Quantos cômodos têm a sua residência? 1( ) ( )2 ( )3 ( )4 ( )5 ou mais ASPECTOS DO TRABALHO E PRODUÇÃO Qual a renda mensal em média da família? ( ) Menos de 1 Salário ( ) 1 a 2 salários mínimos ( ) 2 e 3 salários mínimos ( ) 3 e 4 salários mínimos ( ) 5 salários mínimos ou mais Das pessoas residentes, quantas contribuem nas despesas da casa? Em que você trabalha? Há quanto tempo exerce? ( )Menos de 1 ano ( )Entre 1 e 3 anos ( )Entre 3 e 5 anos ( ) Mais de 5 anos A família recebe algum auxílio do governo? Especifique: Qual a principal fonte de renda da família? Você cultiva alguma cultura de subsistência? Qual? Você tem algum tipo de criação agropecuária? Você já fez algum empréstimo ou financiamento? ( )Sim. ( )Não. Quantos? ( ) individual ( ) coletivo na associação
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.
DO
Você exerce alguma função na associação de moradores? ( ) sim Se sim, qual?
( ) não
Como você avalia a importância da associação de moradores para o assentamento? EDUCAÇÃO Qual é o grau médio de escolaridade dos responsáveis pelo domicílio? Do pai: ( ) fundamental incompleto ( ) fundamental completo ( ) ensino médio incompleto ( ) ensino médio incompleto ( ) superior incompleto ( ) superior completo ( ) outros: . Da Mãe: ( ) fundamental incompleto ( ) fundamental completo ( ) ensino médio incompleto ( ) ensino médio incompleto ( ) superior incompleto ( ) superior completo ( ) outros: . Você tem filhos em idade escolar? ( ) sim ( ) não Se sim, quantos estão estudando? ( )Nenhum ( )1 ( )2 ( )3 ( )4 ( )5 ou mais Como é feito o deslocamento dos que estudam até a escola: ( )Carro ( ) ônibus ( )bicicleta ( )moto ( )carona ( )a pé ( )Transporte estudantil gratuito ( )outros Qual o meio de informação mais usado? ( )Rádio ( )TV ( )Revistas ( )internet ( )Não tem fácil acesso a informação Como você considera o funcionamento do ensino na área onde reside? ( )ótima ( )boa ( )precária ( )ruim Por quê? SAÚDE Você e seus familiares tem acesso ao atendimento no sistema público de saúde? ( )Sim ( )Não Como considera o atendimento? ( )bom ( )ruim Por quê? Possuem algum tipo de assistência médica particular? ( ) Sim ( ) Não Há visitas regulares dos agentes comunitários de saúde? ( )Sim ( ) Não Como é o desenvolvimento do programa saúde família (PSF) no assentamento? Em sua opinião, quais os principais problemas do assentamento atualmente? O que precisa ser melhorado? Qual a sua opinião acerca da maneira como está sendo realizada a reforma agrária?
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FRANÇA SEGUNDO, M.N.; FERNANDES, M.J.C. Características sócio-demográficas do projeto de assentamento Recanto da Esperança em Mossoró/RN. 1ª edição: Duque de Caxias: Espaço Científico Livre Projetos Editoriais, 2014.
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ESPAÇO CIENTÍFICO LIVRE
projetos editoriais
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CARACTERÍSTICAS SÓCIO-DEMOGRÁFICAS DO PROJETO DE ASSENTAMENTO RECANTO DA ESPERANÇA EM MOSSORÓ/RN Maxione do Nascimento França Segundo Maria José Costa Fernandes Nesse trabalho analisamos os aspectos sócio-demográficos do Projeto de Assentamento Recanto da Esperança, situado no município de Mossoró, no Estado do Rio Grande do Norte (RN). Para isso, fizemos inicialmente uma investigação acerca do surgimento dessas áreas de Reforma Agrária, analisando o processo de formação territorial do Brasil, os Movimentos Sociais de luta pelo direito igualitário à terra, realizando ainda um resgate das Políticas de Reforma Agrária e de criação de assentamentos no país, bem como da estrutura agrária no município de Mossoró. Buscando analisar os elementos sociais e demográficos do Recanto da Esperança, investigamos os aspectos referentes às condições familiares, habitacionais, educacionais, de trabalho e produção, renda, saúde, bem como os aspectos da infraestrutura e funcionalidade do lugar. Para isso, realizamos ampla pesquisa bibliográfica, e levantamento de dados divulgados por órgãos referentes ao contexto agrário. Fizemos ainda a pesquisa in loco, onde houve a aplicação formulários de pesquisa com o Presidente da Associação de Moradores, e com as famílias assentadas. Sendo assim, selecionamos uma amostragem de 10% de um total de 80 famílias, com o intuito de entendermos os aspectos sociais e demográficos, bem como a dinâmica local. Ao término da pesquisa, percebemos que o assentamento apresenta algumas carências na área educacional, de saúde, assistência técnica e financeira, bem como na estrutura funcional. Contudo, o assentamento também possui elementos qualitativos, principalmente no tocante à mobilização dos assentados na busca por melhorias para o local.
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