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Cha(lle)nges
Tudo na vida são mudanças e desafios.
E se há mudanças e desafios que não nos impõem adaptações sucessivas ao nosso modo de estar com a vida, não é seguramente o caso nesta pandemia.
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Abracei os cuidados de saúde primários pela determinação no exercício de especialidade; foi essa vontade que me trouxe. Deixei a casa que me viu crescer, muitos amigos, e muitos momentos marcantes. É isso que guardamos na memória: o passado foi mágico e feliz.
Regressei aos Cuidados Intensivos do Centro Hospitalar Universitário do Porto no dia 14 de abril após cinco anos de ausência, esquecida de tantos conhecimentos que arrumei num cantinho… acolheram-me de braços abertos e sorriso nos olhos. Nunca lhes poderei agradecer o suficiente, porque se fui com a intenção de ser uma mais valia num cenário de catástrofe, regresso convicta de que tal não aconteceu (e ainda bem, porque felizmente não foi preciso!): no fim, trouxe mais do que levei!
Estive 46 dias em mobilidade, a trabalhar com doentes críticos, a executar técnicas invasivas em pessoas inconscientes e em situação de grande vulnerabilidade naquele caos extremamente organizado de prevenção e controlo de infeção, de readaptações constantes do serviço, das dinâmicas, dos cuidados… tanta saudade daquela realidade intensiva, e não houve um dia que não me lembrasse das pessoas e dos cuidados que deixei para trás.
Do que lá (re)vivi guardo memória da solidão das tardes sem visitas, nada habitual nas tardes de antigamente; os contactos com os familiares eram exclusivamente via telefone. A recompensa desse trabalho acrescido chegaria muito tempo depois, quando era possível pedir aos familiares de um doente extubado na véspera que ligassem via WhattsApp, e podíamos ter o privilégio de assistir a reencontros emocionados, que muitas vezes nos enchiam (também) os olhos de lágrimas.
O mais difícil neste regresso? Sem dúvida: a comunicação verbal. Num ambiente extremamente ruidoso, pela tecnologia inerente, o uso permanente de máscaras e a necessidade de falar muito alto tornaram cada turno mais penoso do que me lembro.
Levou-me lá um certo “espírito de missão”; creio que o faria de novo porque há pedidos que, mesmo condicionando a nossa vida pessoal e profissional, inexplicavelmente, não podemos negar. Mas não há palavras que descrevam fielmente o prazer de regressar e ver todos bem, colegas e utentes, de braços abertos e sorriso nos olhos;)
E que este regresso seja também um desafio.
Maria Teixeira
UCC Arcozelo-Espinho mapteixeira@arsnorte.minsaude.pt
A utilização de uma máscara de proteção –o desafio à “nova” consulta psicológica
A COVID-19 trouxe novos desafios à saúde mental e à consulta psicológica. Desde logo no estabelecimento da aliança terapêutica, momento crucial em que a díade terapeuta-cliente se conhece e estabelece a relação.
A comunicação verbal e não verbal, as emoções, maioritariamente visíveis no rosto, são e fazem parte do processo terapêutico. Estas emoções são lidas e compreendidas pelo psicólogo através da comunicação verbal, e, sobretudo, não verbal do utente.
Assim, como será desenvolvida uma aliança terapêutica baseada na confiança, quando existe uma nova barreira, a máscara, que oculta a maior parte do rosto do utente dificultando o reconhecimento destas emoções por parte do terapeuta?
Se numa fase de seguimento esta questão pode nem ser tão relevante já que a aliança terapêutica estará fundada, por outro lado, isto pode ser particularmente delicado quando se trata dum primeiro contacto: quer o utente poderá sentir maior dificuldade em expressar as suas necessidades e emoções, quer o terapeuta enfrenta o desafio adicional de compreender a linguagem facial do utente que não conhece.
A consulta à distância tem sido um recurso pois não requer a utilização de máscara e tem possibilitado a proximidade terapeuta-utente já em acompanhamento.
No entanto, existem alguns constrangimentos no que diz respeito às consultas à distância. Acreditamos que, nem todos os utentes, especialmente os mais idosos, terão acesso e facilidade com estes meios. Adicionalmente, alguns dos utentes não dispõem dum ambiente propício à realização deste contacto, salvaguardado as questões da privacidade. Esta situação é particularmente complexa e difícil de ultrapassar quando se trata do contacto com crianças.
Por outro lado, o formato da consulta à distância agrada a utentes que consideram beneficiar pela segurança que existe em não terem de se deslocar à unidade de saúde e preferem mesmo optar pelo conforto da realização deste atendimento, sem máscara.
Neste sentido, consideramos que acordar esta questão com o utente é fundamental usando de flexibilidade sempre. Deverá ser colocada ao utente a hipótese de optar por uma destas modalidades de consulta para que, dentro desta nova circunstância, a Psicologia continue a ter um papel importante e facilitador na saúde e na vida dos utentes.
Ana Isabel Silva
Psicóloga ACES Espinho/Gaia aigsilva@arsnorte.minsaude.pt
Rita Costa
Psicóloga Estagiária Curricular ISMAI
ritzcosta3@gmail.com