Bom de Ver Bom de Viver Volume I

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VILSON CAETANO DE SOUSA JUNIOR - MAGNAIR BARBOSA - FABIO VELAME



Mapa Geral das Comunidades Quilombolas


©2013 Estaleiro Enseada do Paraguaçú Todos os direitos reservados Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte

Coleção

Quilombos Bom de Ver e Bom de Viver Volume 1 AUTOR: Vilson Caetano de Sousa Junior (Org.), Magnair Barbosa e Fabio Velame Fotografia: Rodrigo Siqueira Pesquisa: Marina Bonfim Cleidison Carvalho Revisão: Maria Verônica Capa e Projeto Gráfico: Ton Friche Obra financiada pelo Estaleiro Enseada do Paraguaçú Ficha Catalográfica elaborada por Cátina M. Santos Cerqueira - CRB5/1440

S729 Sousa Junior, Vilson Caetano de. Fazenda Buri, Salamina Putumuju e Enseada do Paraguaçu/ Vilson Caetano de Sousa Junior; Magnair Barbosa; Fábio Velame. Fotografia: Rodrigo Siqueira, - - Salvador: Brasil com Artes, 2013 76p.: il.

ISBN: 978-85-66694-10-9-Coleção Quilombos bom de ver e bom de viver; v.1

1. Contos Brasileiros. 2. Quilombos . 3. Cultura Negra. 4. Paraguaçu. l. Barbosa, Magnair. ll. Velame, Fábio. lll. Título CDD: B869. 3


Apresentação

Quilombos, bom de ver e bom de viver é uma publicação fruto da parceria entre o Projeto Brasil com Artes e o Estaleiro Enseada do Paraguaçu em atendimento às Condicionantes da Anuência n°08/2010 da Fundação Cultural Palmares. Nela, o leitor irá encontrar informações sobre a história, economia e aspectos sócio ambientais de comunidades quilombolas do município de MaragojipeBa. Trata-se de um trabalho produzido em oficinas, realizadas por uma equipe multidisciplinar contendo caracterização, trajetórias e relações territoriais destas comunidades a partir de seus próprios percursos históricos vividos. É um trabalho de registro do patrimônio cultural destas comunidades, entendido como o modo de ser, viver e permanecer que inclui suas criações, obras e edificações. Quilombos, bom de ver e bom de viver visa contribuir com a documentação básica referente aos remanescentes de quilombos e fornecer materiais para fortalecer politicas públicas e ações voltadas para as comunidades historicamente invisibilizadas e excluídas. Entendendo as comunidades quilombolas como “grupos sociais cuja identidade étnica os distingue do restante da sociedade”, este trabalho contribuirá com a luta pela garantia do direito a terra e manutenção de seus modos tradicionais de vida e produção. Neste volume o leitor irá encontrar informações sobre as comunidades quilombolas do Buri, Salamina Putumuju e Enseada do Paraguaçu.


Introdução

Maragojipe é uma cidade do Recôncavo baiano localizada a menos de 150 km da cidade de Salvador, capital do Estado. O significado do nome “Maragojipe” divide opiniões. Há os que defendem a expressão “no rio dos maraús”, mas há também aqueles que optam pela explicação “rio dos mosquitos”. Fato é que, tanto em uma quanto em outra, na palavra indígena, faz-se menção ao “rio”. Desta maneira, Maragojipe está mesmo associada ao caminho feito pelas águas dos rios Paraguaçu e Guaí. Essas águas, ainda hoje, alimentam manguezais, fertilizam suas terras, sustentando famílias negras, cujas histórias confundem-se com as da própria cidade, que, no século XIX, conseguiu chegar ao máximo da sua vida social, política e econômica, graças à participação dos africanos e seus descendentes.


Quilombos do Brasil Quilombo é uma palavra originada das muitas línguas africanas como tantas outras que conhecemos como camarada, quitanda, calunga, canga, dendê, samba etc. No Brasil, como em outras partes do mundo fora do continente africano, passou a significar a história de luta pela liberdade e resistência dos africanos e seus descendentes ao redor de dois conceitos: terra e ancestralidade.

Os quilombos são espaços coletivos construídos pelas pessoas tendo como referência a natureza. Nestes lugares, homens e mulheres mantêm-se vivos, graças às redes de solidariedades construídas ao longo de suas vidas. Em todas as partes do Brasil e da América onde houve escravidão, surgiram também quilombos. Quilombos, que atravessaram gerações enfrentando os filhos dos senhores de engenho, agora, enfrentam também fazendeiros que, com seus jagunços, de forma violenta, tentam intimidar trabalhadores e trabalhadoras

rurais, marisqueiras e pescadores, insistindo, assim, em manter uma das formas mais cruéis de atentado à dignidade humana, a escravidão. A realidade quilombola no Brasil assemelha-se a situação dos palenques da Colômbia e Cuba, dos cumbes da Venezuela e dos marrons do Haiti e Ilhas Francesas. Em todos estes lugares nos deparamos com populações vivendo à margem da sociedade, na linha da pobreza, expostos a situações de riscos. Trata-se de comunidades marcadas por problemas sociais ocasionados por fatores econômicos, políticos, ou simplesmente situações que veem lhes impulsionando ao longo da história para abaixo da linha da pobreza, representada pela ausência de condições básicas para sobreviver, analfabetismo, problemas de saúde, educação, saneamento básico, acesso a terra, água potável, luz elétrica, violência etc.


Coleção Quilombos bom de ver e bom de viver. Volume 1

Fazenda Buri Salamina Putumuju Enseada do Paraguaçu



Fazenda do Buri vista de S達o Roque


Fazenda Buri


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Mapa Geral da Fazendo do Buri


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Ponta do Basti達o


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Arquitetura do Buri


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“Meu pai era um escravo fujão... Ele percorria essas fazendas todas...” dispara Dona Zelzira Ferreira Lima, marisqueira, aposentada, 74 anos, principal liderança desta comunidade, carinhosamente chamada por Dona Nini. Esta é a referência mais antiga que lhe vem à memória. Ela segue contando: Meu pai fugia por essas fazendas todas! E a fazenda que aceitou ele foi essa daqui, entendeu? Que ele fugia pra lá, que as fazendas, os donos, os fazendeiros eram tudo irmão, era tudo parente, carrasco, tá vendo? Certa vez meu pai fugiu pra aqui e vieram buscar ele de novo. Ele dormia na igreja que tem lá onde eu moro. Lá no Bastião. Aí quando foi um certo dia, minha mãe foi lá levar comida pra ele, escondida, que ele estava escondido, e me levou, eu pequena, pegada pela mão... vocês têm que prestar atenção a essa história. Através das memórias da sua infância, Dona Nini constrói histórias de permanências e continuidades nas terras da Fazenda Buri reconhecidas como remanescente de quilombo no ano de 2009 pela Fundação Cultural Palmares. Ela traz informações sobre algumas árvores, construções, antigos proprietários, doações de terras a trabalhadores como pagamento de serviços e resume sobre alguns quilombolas: Ele pode tá lá, mas o pai dele morreu aqui, trabalhando pra esses homens, a mãe dela pode ter morrido lá, mas trabalhou aqui... tem filhos, tem netos, tudo é quilombola. Buri, como se diz na comunidade é um pé de mato parecendo côco. É provável que a presença significativa dessa palmeira tenha influenciado o nome da antiga fazenda que faz limite com o quilombo Salamina Putumuju e está situada entre um rio do mesmo nome e o Rio do Bastião, na outra extremidade conhecida como Ponta do Bastião, certamente Ponta de Sebastião. O acesso à comunidade quilombola do Buri se dá através de uma estrada de terra que parte da BA 026 que liga o município de Maragojipe ao Distrito de São Roque do Paraguaçu, embora maior parte da comunidade prefira respeitar o curso das marés, deslocando-se através das águas do rio Paraguaçu utilizando embarcações que saem de uma localidade chamada areal, no distrito de São Roque. Segundo a principal informante desta comunidade, o Buri possui em torno de 32 famílias. Trata-se de antigos trabalhadores ou parentes que permaneceram na terra mantendo formas próprias de construir suas casas, fazer suas roças, pescar e produzir farinha e azeite de dendê.

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Na atualidade estas famílias vivem de culturas de subsistência que lhes mantém. O trabalho de produção de azeite de dendê e extração da piaçava é algo feito de forma tímida e esporádica. Fazem-se roças de mandioca, aipim, feijão, abacaxi, cultivam-se algumas hortaliças e mantem-se algumas criações como galinhas. Há apenas uma casa de farinha onde a produção é partilhada observando “a meia”, ou seja: o resultado da produção é dividido em igual parte entre os envolvidos no processo de produção. A comunidade do Buri não possui atracadouro, o que dificulta o transporte de mercadorias. Não possui também luz elétrica, água encanada, saneamento, escolas, postos de saúde e outros serviços básicos. Não obstante a estes fatos, a comunidade vem desenvolvendo formas de sobrevivência, a exemplo da complexa engenharia que pode ser encontrada na comunidade localizada na Ponta do Bastião que canalizou água da própria natureza, utilizando 2 km de tubos.


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Vista do Quilombo Buri


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Para além da memória da comunidade, o passadio que atesta a presença dos africanos é confirmado pela natureza entorno da comunidade. Polpa do navio, pedra do frade, cabeça de negro e pedra do capitão, as ruinas de uma antiga igreja, mais do que histórias que refletem o folclore local, constituem referenciais para se pensar trajetórias negras de lutas e resistências contra a escravidão de africanos e seus descendentes a partir do Recôncavo Baiano. Um breve percurso em torno do quilombo Buri nos coloca em contato com verdadeiros altares naturais erguidos em cachoeiras, pedras, estradas ou locais de encontro das águas doces com as salgadas, morada predileta da mãe d´agua, entidade misteriosa sobre a qual não se pode falar, conforme informação de Sr. Manoel Ernesto dos Santos, pescador de 67 anos, a fim de não correr risco de morrer remando, sem nunca chegar em casa. Embora realizado de forma tímida, o samba ainda é a principal manifestação do quilombo Buri. Samba arrancado das mãos, retirado do fundo de pratos, panelas, garrafas etc. Sambas dedicados aos santos gêmeos Cosme e Damião, acompanhando rezas, ladainhas e o famoso caruru. Sambas que interrompem a monotonia das noites e traz o sol do dia seguinte regado com muitas bebidas, reforçando assim, valores ancestrais africanos.

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A fim de resolver problemas relacionados à saúde, a comunidade vale-se de rezas e rituais transmitidos de gerações a gerações. Conhecidos como Dona Nega e Seu Bispo, casados, com mais de 70 anos, são cuidadores da comunidade, na maioria das vezes o único socorro antes de se chegar ao médico. Indagados sobre o valor da natureza, pode-se resumir a percepção desta comunidade, na seguinte frase: A planta é viva. Aquela água é sangue. Sangue da terra. Natureza é local de encontro por excelência com os ancestrais:


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Eu chego no meio de uma mata... O quilombola tem que ser assim... Eu tô cansada em casa, aí eu digo vou descansa, chego lá no meio da mata, limpo uma moita, chego lá me deito e durmo. Fico lá tomando aquele ventinho, aquele axé... Aí quando eu venho pra casa eu já tô de boa. Aí eu tô no mato... Ai! Que vontade de cantar... Eu não quero cantar gente! Aí vem aquele cipó, que nem é cipó, mas me parece um cipó grosso... Tá vendo? (Dona Nini) Ou ainda na fala da quilombola Aldaci, professora, 42 anos: A natureza pra mim é vida, é amor, é paz, é respeito, é Deus. Em suma, é Deus. Pra mim é onde você tem maior possibilidade de tá próximo a Deus e próximo às forças que Ele permite, está nos rodeando, as força invisíveis, as forças espirituais que dá essa força pra gente né, que dá esse axé, que dá essa energia boa pra gente tá lidando com o dia a dia, lidando com as intemperes que a vida vai trazendo pra gente. SOMOS REMANESCENTES SIM... A noção de ancestralidade aparece nesta comunidade através de falas, sobretudo de mulheres quilombolas marisqueiras:

Vista do Quilombo Buri

Vou lavar os meus pés, que aqui não dá pra ver que tá preto. Se você explicar essas marcas de queimadura nos meus pés, nos meus lábios, na minha boca, da minha tataravó, se tiver outra explicação, então eu não sou quilombola, não sou remanescente. Eu tenho 38 anos e tenho marcas de queimadura nos pés, nas mãos e nos lábios, e minha tataravó era uma negra tão bonita, com a dentição tão perfeita, que foram retirados todos os dentes, queimados os pés, as mãos e os lábios dela, pra não ficar bonita pro senhor. E quem saiu? Eu. A última. Sou a caçula. Ser mulher é uma dádiva divina, o único ser que quase que se compara a Deus. Somos capazes de gerar uma vida,

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Antonia Cacilda Souza


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lutar por ela, colocar no mundo e morrer e viver por ela. Ser mulher e ser quilombola é isso. Hoje eu estou descobrindo que é ter direito a usufruir o que outras mulheres conquistaram, que é uma conquista né? É ter mais oportunidade de lutar pra preservar. (Lindinalva Santos Silva, marisqueira, 38 anos). Ser mulher pra mim é um privilégio muito grande e ser quilombola também. Saber que você tá dentro de um espaço onde você sabe que viveu pessoas que o sangue corre nas suas veias é bom demais, é inexplicável porque é muito grandioso você saber que você vem de uma, de uma diversidade dessas, de grandes riquezas né, que significam muito pra mim... (Aldaci Cristina de Almeida, professora, 42 anos). Devido à extensão e dispersão da comunidade dentro da área de mata, atualmente o quilombo Buri enfrenta problemas internos de posse da terra, não com seus antigos proprietários, mas com grupos que adentram armados nesta comunidade, impedido o direito dos quilombolas irem e vir, fazer, manter e colher suas roças. Situação que lhes expõem a violências constantes e outros riscos. A invasão do quilombo Buri ameaça a posse coletiva da terra, subtrai dos quilombolas o direito de viver de forma especifica e produzir formas culturais próprias. A solução de tal impasse constitui ao lado de uma escola, um posto de saúde, de saneamento básico, um dos principais anseios da comunidade formada por homens e mulheres que retiram das roças e das marés o seu sustento e se abrigam a sombra das poucas palmeiras de buri que sobreviveu. Curiosidades Cabeça de nego - localidade situada em frente ao quilombo Buri. Acredita-se que após uma revolta de escravos, a cabeça de uma liderança negra teria sido cortada e exposta no monte que recebeu este nome. Pedra do capitão - Nome dado a uma rocha situada a caminho do quilombo Buri. Em resposta a morte da liderança negra e exposição de sua cabeça no monte, alguns escravos revoltosos, mataram o capitão do mato e expuseram a sua cabeça a fim de afrontar os brancos sobre a referida pedra. Polpa do Navio - Nome dado a uma rocha situada a caminho do quilombo Buri, em direção à Ponta do Bastião, que recebe este nome pela sua semelhança ao fundo de um Navio. Essa pedra rememora nome de embarcações que fizeram história na região, como os navios: Almejada, Pinto, Mascote e São Pedro, quando o meio fluvial era a única forma de deslocamento da capital para Maragojipe. Pedra do Frade - Nome dado a uma formação rochosa situada a caminho do quilombo Buri na Ponta do Bastião onde se afirma ser local por excelência de encontro da mãe d´agua.

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D. Maria Antonia Borges


Salamina Putumuju


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Mapa Geral de Salamina

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Localidade Olaria


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Localidade Toror贸


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Localidade do Ferreiro


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Localidade do Dunda


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Localidade do Engenho


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Forte Salamina


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Arquitetura Quilombola


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TĂŠcnica Construtiva


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O Quilombo Salamina Putumuju fica à margem do rio Paraguaçu. Embora haja um acesso por terra que parte da BA 026, é pouco utilizado pela precariedade das estradas. As pessoas preferem fazer o percurso por água, utilizando canoas de fibras motorizadas que partem do cais de Maragojipe ou como se chama, do Cajá. “Salamina é um meio mundo de terras”, afirmam os quilombolas. “Você anda a vida toda e não percorre a Salamina.” É desta maneira que a comunidade refere-se a área de aproximadamente 2.061,5588 hectares, de acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Este “meio mundo de terras”, utilizando a imagem dos quilombolas, abriga desde terrenos da Marinha a seis fazendas. A origem dessas terras “a perder de vista” pode ser explicada pela política de acesso a terra instaurada no Brasil Colônia quando alguns homens as recebiam como doação da Coroa Portuguesa. Terras, todas elas expropriadas dos povos indígenas após um processo de dizimação dos mesmos. Foram estas mesmas terras que a Lei 610 de 18 de setembro de 1850, conhecida como Lei de Terras tentou proteger, dificultando o acesso a africanos e seus descendentes. As terras que compõem o quilombo Salamina Putumuju remontam aos tempos do Barão Jeremoabo. Esta memória permanece viva na comunidade que quando indagada sobre o assunto aponta para um local onde ficavam as instalações da antiga Casa Grande ou ainda para o Engenho Novo, que deu nome a uma localidade onde ainda hoje pode-se ver em ruínas, resistindo ao tempo, a casa grande, o engenho, a capela, enfim toda uma estrutura montada para não apenas produzir o açúcar, mas transportá-lo através de estradas íngremes calçadas por pedras e outros caminhos onde nada escapou das mãos dos africanos e índios escravizados. O Barão de Jeremoabo, Cícero Dantas Martins após receber terras como dote pelo seu casamento com Mariana da Costa Pinta em 1865, filha do Conde de Sergimirim, Antonio da Costa Pinto Junior, cuja família começou a adquirir terras no final do século XVIII no Recôncavo, passou a ampliar a sua propriedade, tornando-se posteriormente no maior fazendeiro do Nordeste, a semelhança de “famílias tradicionais”, descendentes de Diogo Alvares, O Caramuru, enviadas para “colonizar”, explorar a região. O que eu tenho como quilombo é assim, um lugar de refugiado, que fugia de outra localidade e vinha se aparar aí. E aqui foi o último quilombo. Oh! O engenho foi esse, ali. O engenho era ali. Eles corria tudo de Cachoeira pra cá. Aí foi quando apareceu esse homem aí que disse que era rei, mas não é rei. Teve um rapaz que me disse que não era rei não, chamava, um coisa lá que nem sei mais como foi, Jeremoabo. Então o que começou a fazer isso aí, que isso aí tudo aí era plantio de cana aí, era engenho, aí tinha muito escravo por aí trabalhando pra ele, tale e coisa. E daí foi até o tempo que chegou que teve a coisa aí que foi pra São Francisco do Conde que teve que se informar que era pra assalariar o pessoal, os escravos pra trabalhar, mas o dinheiro era pouco. Eles ficaram trabalhando ali. Aí ficaram, já era assalariado, aí ficaram trabalhando, não tinha mais aquela coisa de tá tomando muito chicotada nas costas, no lombo, e tale e coisa aí até quando resolveram vender, passar pra outro dono. (Egidio Borges, pescador, 61 anos)

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Se for verdade que em todos os locais onde houve escravidão pode-se assistir de certa forma a resistência dos grupos escravizados, a história sobre as insurreições de negros escravizados que em algumas vezes puderam contar com a colaboração de povos indígenas contada pela história oficial, encontra-se com a tradição oral mantida, pela comunidade quilombola de Salamina ao referir-se ao tempo em que os negros fugiam, ou vinham de vários lugares, hoje cidades de Santo Amaro, Saubara, Maragojipe, Distrito de Iguape, São Francisco do Paraguaçu e outros, e se refugiavam, escondiam num local distante, descrito pela comunidade como “muito distante”, “longe de tudo”, “longe da maré”, “no meio do mato mesmo”, talvez uma referência a um território mítico onde os escravizados não pudessem ser capturados, razão pela qual, hoje não pode ser alcançado nem pela imaginação. Um lugar chamado Putumuju.


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Pescador de Salamina


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Vista do Antigo Aqueduto


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Manoca (piaรงava de molho)


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Tem uma história dos antepassados que diz, que quando o pessoal era escravizado, ele procurava fugir para esse local distante. Aí ele ganhou o nome de Putumuju. E “putumuju” é uma palavra indígena. Agora eu não sei como foram descobrir esta palavra, putumuju. Alguém diz que é uma madeira que tem nesse local. Aí esse local ganhou o nome de Putumuju. (Claudio, pescador, 27 anos) Putumuju é a descendência de índio, né? Onde os índios se escondia, pra onde os escravos escapulia da escravidão e se escondia aí no Putumuju. (Marileide, marisqueira, 37 anos) Dessa maneira, a palavra putumuju confere certa identidade à comunidade de Salamina, não simplesmente por remeter ao passadio escravo, mas, sobretudo, por nos permitir pensar relações entre africanos escravizados e povos indígenas, referência comum na região do Recôncavo baiano e tema que ainda está para ser enfrentado pela historiografia. Sobre o significado do nome Salamina, ao contrário da palavra putumuju, a comunidade prefere restringir-se a dizer: “ desde que eu nasci” ou ainda, “desde o tempo de nossos pais”, ouvia se dizer que aqui se chamava Salamina. Interpretação curiosa que encontramos no depoimento de Manoel Antônio da Conceição, pescador, 54 anos, conhecido como Bié: Rapaz, eu não posso explicar o significado da Salamina. Eu até percebo que aqui quando chove mina. Isso aqui tudo mina porque tudo aqui é lage. Porque se você for olhar aqui na Salamina tudo aqui é pedra, é lage. Eu até creio que chama Salamina porque no inverno isso aqui mina mesmo por causa das pedras que tem embaixo (...) Se você andar mais um pouco ali você vê o lugar onde se salgava a carne de charque numa salgadeira. Os meus pais falavam isso, ta entendendo? Fato é que, quando indagados sobre onde começa o Quilombo Salamina Putumuju, a comunidade é capaz de traçar seu próprio território de identidade, resumindo: Começa das Arraias, olha os nomes de índio, passando por Putumuju, Gouvéia, Narcisa, Taperantiba e vai fazer divisa no Bastião. (Sr. Bié, 54 anos) Pepiripau, Ferreiro também chamado Braz do Buzo, Jaqueira, Rio Grande, Gouvéia, Zaraia, Tapera de Eugênia, Olaria, Capandiba, Tororó, Rio do Navio, Tabuleiro, Porto do Dunda, ao lado de outras expressões são todos lugares de Salamina, “pertencem a esse meio mundo de terra.” A comunidade quilombola Salamina Putumuju foi certificada pela Fundação Cultural Palmares no ano de 2003. Dentre os quilombos situados no Município de Maragojipe, Salamina é o que possui o processo para a titulação e posse definitiva da terra em estágio mais adiantado. A certificação destas terras como terras quilombolas deu término às relações escravistas que se arrastaram até o século XXI onde ainda homens, mulheres e crianças eram negociados junto a animais de carga que em muitas vezes recebiam nomes de trabalhadores; eram obrigados a cumprir longas jornadas de trabalho “a troco de comida”, sofriam diversos tipos de violência: surras, castigos, mutilações e eram expostos a todos os tipos de humilhação, sem falar no fato de que a maioria não tinha acesso à chamada sede, a cidade de Maragojipe. Anterior a 2003, ser salaminense era uma espécie de estigma, imagem que foi modificada a partir de 2003, para ladrões de terra, estereótipo que vem sido vencido pela comunidade quilombola com a ajuda dos movimentos sociais ao longo dos anos. Situação particular vivia as mulheres que por não aguentarem as longas horas de trabalho exaustivo, ora na olaria, ora na extração de piaçava, corte de lenha e na colheita do dendê, eram exploradas sexualmente “nas casas de família” dos fazendeiros.

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Que aqui nunca teve serviço pras mulher. Mulher era no mato ou dando dia, ou dando dia pro fazendeiro aí. Trabalhava o dia pra ganhar aquele dinheirinho, aquela pouca coisa. O que ele quisesse pagar, quando ele pagava. Porque aqui nos trabalhava assim no mato, ele dizia que tinha que tirar a diária do boi que era as coisa do trabalho do animal, do mato e o dele. Então, quatro partes. Recebia uma, ficava 3 pra ele e uma pra gente. A gente tirava aí. Piaçava a gente coisava uma arroba 15 quilos né. A gente pegava 20 pra dá uma arroba, e ele dizia que ainda tinha que tirar. Era 16 quilos a arroba que ele cobrava, tirava 16 quilos e ainda descontava 10%, pronto. Você pesava 20 quilos, só recebia uma arroba. E era micharia, era negócio de, quando ele morreu era negócio de quatro conto, tudo, tudo. (Egidio Borges, lavrador, pescador, 61 anos) Meu avô morreu com mais de 120 anos. Ele só foi em Maragojipe uma vez, porque nós era tão escravo que a gente não tinha acesso a Maragojipe, porque aqui na Salamina tinha armazém pra tudo, só que tudo passava de validade. Tinha aqueles panos que se chamava fazenda, brinho... aí o povo botava um apelido aqui, dorme sujo acorda limpo, sei lá como era que eles diziam. Era escravizado né?! Aí tinha os armazém, tinha os caixotes que botava dezesseis sacos de farinhas, dava caruncha, rato obrava dentro... tudo, mas nós não tinha acesso a Maragojipe, nós começou o acesso a Maragojipe depois que se libertou (...) (...) uma certa feita nós preguntou: venha cá, como é que nós vai tirar mais piaçava para vocês já que vocês tá vendendo os animal. Ai responderam: vendi os animal e vou vender vocês. Tanto sim que tentaram vender, levar Tonho de Rufino como empregado pra um comprador, só que nunca conseguiu vender porque o cara que chegava aqui via muito trabalhador e corria disso aí. (Bié, lavrador, pescador, 54 anos) Na atualidade, a extração de piaçava ainda constitui a principal atividade da comunidade de Salamina Putumuju. Trabalho exaustivo que necessita de longas horas de dedicação não apenas para colher, mas beneficiar, antes de ser vendida ao atravessador que sempre compra abaixo do preço de mercado, uma das principias queixas da comunidade que sonha em ter uma fábrica de vassouras. Ao contrário de outrora quando cargas de dendê transportadas pelos trabalhadores nas costas alimentavam uma espécie de usina onde se produzia o azeite e o óleo de palma, embora os dendezeiros estejam espalhados por toda área, sua extração vem reduzindo-se cada vez mais ao uso doméstico.

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Em linhas gerais, as mulheres quilombolas são marisqueiras, vivem do mangue, mas também pescam e trabalham na piaçava numa atividade chamada ninar, que consiste em colocar certa quantidade de piaçava no colo para separá-la. No quilombo Salamina Putumuju faz-se também roças de mandioca, aipim, inhame, milho, amendoim, abacaxi, bobó (um tipo de melancia), banana, coco, quiabo, feijão etc. Explora-se as árvores frutíferas, algumas delas centenárias como as jaqueiras, tamarineiros, cajueiros, mangueiras, jabuticabeiras, pés de seriguelas, jenipapeiros, sapotizeiros. Plantase também acerola, laranja, lima, limão, dentre outras frutas e fazem hortas. Criam-se aves como galinha, pato, peru. A apicultura é praticada em larga escala desde a forma tradicional dentro dos chamados cortiços, longos troncos de árvores cortados onde a colméia se acomoda às caixas. O quilombo Salamina Putumuju possui casas de farinha onde a produção é feita através da “meia”, em outras palavras, repartida em partes iguais. Produz-se também farinha de peixe, defuma camarão e peixe utilizando o moquém. O marisco catado (ostra, caranguejo, sururu, siri, mapé e outros crustáceos) além de consumido é vendido em Maragojipe ou em distritos do município de Saubara. A pesca no quilombo Salamina exerce tanta importância que algumas lideranças possuem nomes de peixes como o presidente da Associação Quilombola, João Carlos Rocha, 47 anos conhecido como Jundiá. Durante o convívio ouvimos quilombolas apelidados de nomes como Mero, Carapeba etc.


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Segundo Manoel Antônio da Conceição, no quilombo Salamina Putumuju se vive muito. Ele insiste: “é a maior novidade ouvir se falar que morreu gente aqui!” Atualmente com 54 anos, lembra que seu avô faleceu com mais de 120 anos e a sua avó que se chama Eugênia teria falecido com dez anos a menos. Bié segue lembrando nomes de quilombolas que se tornaram centenários como Ceciliana (100 anos), Maria Bonita (110 anos) Maria Tal (110 anos), sem contar com a avó de sua esposa, Dona Maria Ermoge nascida em 1882 e falecida em 1992. É da sua avó a maior parte das memórias de dona Marileide sobre o quilombo Salamina: Quilombo pra mim é uma pessoa que não tinha liberdade na comunidade e depois que passou a ser quilombo temos liberdade. Pra mim, isso é quilombo. Que antigamente a gente não conhecia como quilombo, conhecia como fazenda. Fazenda porque tinha uma pessoa pra dominar aquele povo ali da comunidade, da fazenda. E aí depois que termina esse patrão, de fazendeiro, aí passa a ser chamado quilombo. Porque é reconhecido como quilombo, as pessoas que eram escravizadas pelo patrão, que ganha uma liberdade, aí torna quilombo. Eu já conheço assim né. Ao longo de suas vidas, os salaminenses construíram formas próprias de permanência na terra, território de seus antepassados: Eu não quero mais sair daqui mais. Nós ficamos aqui com muito sacrifício. Hoje que melhorou pra gente aqui um pouco não há necessidade da gente sair daqui. Pra onde? Pra ir pra cidade grande, levar nossos filhos pra lá, tal e coisa, do jeito que tá a violência aí? Eu tô aqui. Hoje é quilombo, que a nossa raça é essa mesmo, não tem outra, é mistura de índio com africano. Eu vou sair daqui pra onde mais? Esse território todo aqui em Maragojipe tudo aqui era índio. Esse território todo era tudo índio. (Egídio Borges, pescador, 61 anos)

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Nos últimos dez anos, uma igreja pentecostal se instalou no quilombo, não obstante este fato, a leitura cristã, como se costuma dizer, embora em alguns momentos possa transmitir uma mensagem conformista não foi suficiente para tirar a visão critica da história de opressão que a comunidade sofreu durante mais de cem anos após a abolição da escravatura. Ao contrário, histórias do povo de Israel são utilizadas por algumas lideranças para iluminar a necessidade de luta contra a qualquer forma de escravidão, pois como este grupo, o seu principal anseio é a posse da terra. Vale, porém observar que a presença da igreja pentecostal ao lado de “mudanças dos tempos” contribuiu para “esfriar” algumas festas como as que se desenrolavam durante o mês de junho, especialmente no dia de São João. Na atualidade, pouco se tem feito as festas para São Cosme e Damião, o que não significa seu desaparecimento. Alguns sambas, ainda de forma tímida perduram no quilombo Salamina Putumuju, sambas que contam a vida cantando, que se outrora eram utilizados para relaxar as horas exaustivas de trabalho, na atualidade são revisitados para atualizar atores e cenas do cotidiano,


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Vista do Quilombo Salamina

como a música que conta a história do trabalhador que cortava lenha e que foi pedir dinheiro ao coronel. Interpelado pelo mesmo se ele tinha dinheiro para lhe devolver, o trabalhador respondeu afirmativamente dizendo que tinha vários feixes de candeia, a planta utilizada na comunidade para combustão. No dia seguinte quando o fazendeiro foi buscar o dinheiro, encontrou o trabalhador saindo de casa em direção à sua roça. Ao ser cobrado por ele, sabiamente o trabalhador respondeu: tenho o dinheiro. Olha ai meu dinheiro todo em pé, apontando para as árvores que balançavam ao vento. Samba que segundo Bié, faz parte da vida dos salaminenses que os revisitam quando estão felizes. Foi desse quilombola que ouvimos a frase: “minha mãe tem um dizer que diz que: quem bebe desta água, canta e samba noite e dia.” Na localidade chamada Tabuleiro pode-se encontrar ruínas de uma casa apontada como um local onde se realizada a

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“tempos atrás”, festas em um candomblé. Todavia, a comunidade não dá mais notícias sobre o assunto. O quilombo Salamina conta com uma tímida escola municipal de ensino fundamental chamada Escola Quilombo Salamina Putumuju. Devido a extensão e pulverização das casas, o acesso para as crianças é difícil. Desta maneira, o ensino é um dos principais desafios nesta comunidade. Isso é acirrado quando se soma a interferência do fluxo das marés. Em outras palavras, os salaminenses vivem não apenas “num meio mundo de terras”, mas também num meio mundo de águas, composto por rios e manguezais. A ausência de um atracadouro torna os estudantes vulneráveis às águas. Prejuízo maior recai sobre as meninas que ao atingirem certa idade não mais podem tirar a camisa para não molhar a farda e proteger o material escolar levado na cabeça. Meu filho se formou esse ano. Eu saí remando umas canoas, um dois ou três anos, remando pra ir acontecendo algo na Salamina, remando com alguns pais que não dava pra alcançar todo mundo. Remar pra levar o povo pra o colégio. Comecei a pegar uma canoa de madeira e remei, uns dois ou três anos junto com outros pais, só que não dava pra levar todo mundo. Depois foi aparecendo os barcos. Melhorou né? Esse barco que você ali, que passou ali correndo é um dos que tá fazendo linha. (Manoel Antônio da Conceição, lavrador, pescador, 54 anos) Apenas no início 2013 a luz elétrica chegou ao quilombo Salamina Putumuju através do Programa Luz para Todos. A dificuldade de estradas onde só se anda com tratores vem retardando a conclusão do projeto. A comunidade quilombola de Salamina Putumuju não possui Posto de Saúde. Composta por mais de 50 famílias, o que nos sugere um total de quase 300 pessoas, os quilombolas contam apenas com alguns agentes de saúde e saberes sobre folhas das quais se preparam os chás, beberagens e rezas fortes invocadas diante do perigo eminente. Há ainda na comunidade algumas parteiras. A falta de água potável, ao lado da falta de saneamento básico, estradas para se locomover, coleta de lixo, se junta às queixas como a diminuição do pescado, decorrente de intervenções ocorridas nos últimos vinte anos no Rio Paraguaçu. A comunidade ainda cobra um Programa do Governo que atenda a demanda das habitações. No quilombo Salamina a maioria das casas ainda são de taipa, o que faz que no decorrer da vida o quilombola construa no mínimo três casas. A construção de bloco ainda é um anseio da maior parte dos salaminenses que afirmam: “tem que construir de bloco e cimento para deixar para os netos e bisnetos.”

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A atividade extrativista, a pesca, a cultura de subsistência deixa a comunidade exposta economicamente. Alguns quilombolas acreditam que uma fábrica de azeite de dendê, uma fábrica de vassouras, assim como uma fábrica para beneficiar algumas frutas a exemplo do caju, do qual se produz a cajuína, espécie de suco concentrado, causaria impacto significativo na economia da comunidade. Todavia, o maior sonho dos salaminenses é a titulação definitiva da terra que foi de seus antepassados. É este que continua os animando, a semelhança do sal cuja uma das funções é despertar o sabor das coisas. A comunidade de Salamina tem nos ensinado que uma história contada pela metade somente torna-se completa se cada um dos personagens dessa história recontar uma parte, mesmo que isso dure toda uma vida.


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O meu sonho maior é o título da terra chegar aqui. Tava sonhando com a energia e o título, mais o título, que é pra nós ter nossa liberdade completa. Que nós tá tendo nossa liberdade, mas ainda não tá... Nós ainda não tamo livres de tudo, que ainda tem dois herdeiros aí de terra que tá lutando pra gente não passar a ser dono das terras. Que dono, nós não somos dono da terra, mas pra gente tomar conta enquanto nós tiver aqui. (Egidio Borges, 61 anos) Curiosidades Pedra do Angelin - Formação rochosa que se desprendeu das demais, encontradas no território de Salamina Putumuju, apontada como local sagrado para os pescadores e quilombolas. Algumas comunidades terreiros da região vem colocar presente em torno da pedra do angelim. Forte de Salamina - A construção atual é do século XVIII, e veio substituir uma primeira erguida em meados do século XVII, segundo o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O forte tinha como objetivo proteger os engenhos da região, o Iguape, as vilas de Maragojipe e Cachoeira, além do interior do Estado. Nega veia - nome dado à camboa mais antiga do quilombo. Espécie de cercado feito com as talas do dendê utilizada para capturar peixes e mariscos.

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Dona Ditinha


Enseada do Paraguaรงu


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Mapa Geral de Enseada do Paraguaรงu

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Localidade do Porto de Enseada


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Sede de Enseada


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A comunidade quilombola de Enseada do Paraguaçu encontra-se em lugar privilegiado. Bem na foz do chamado “mar grande”, ou simplesmente Paraguaçu conforme designação de origem tupi graças ao seu comprimento e extensão das águas. Centenária, segundo relatos mantidos pela comunidade, Enseada, como a chamam, é o quilombo que possui número maior de famílias. Acredita-se que nele residam mais de 200. Vale ainda acrescentar que ao contrário de outras comunidades, o quilombo Enseada possui algumas características próprias como um núcleo central em torno de uma praça. Em síntese, a comunidade resume a vida de Enseada na expressão: “aqui se vive da maré.” Enseada é, assim, na origem uma comunidade de pescadores, descendentes de africanos que ali permaneceram alternando a pescaria ao trabalho na roça e no mato. Sou nascido e criado aqui. Tive pai, mas não conheci. Fui criado por minha mãe. O nome de minha mãe chama Almerinda Pereira da Silva. Ela trabalhava dentro de casa, negócio de casa. Naquele tempo ela comprou pacote de capim, pacote cortava aqueles pedaços de assim, deste tamanho de pau, fazia roda de palha de, de piaçaba, cortava e fazia a rodinha pra encher, bater, pra levar pra Maragojipe pra vender, pacote. Aquela tala que tem um, que tem a pindoba, que bota a piaçaba, tira, cortava a coisa, tirava a tala, fazia a roda, cortava um pedacinho de pau aqui assim e fazia os pacotes. O capim também, pra fazer naquele tempo fazia colchão de capim, capim brabo, brabo, a gente tirava pra fazer. E pescaria também. A minha vida foi assim, pescaria, trabalhava no mato, na roça. (Antônio Manoel da Silva, aposentado, 73 anos) Outro aspecto que deve ser observado é que a comunidade quilombola de Enseada nos últimos anos tem sido a mais impactada pelos empreendimentos industriais instalados na região, iniciados na década de 70 com a implantação do Canteiro de obras em São Roque, Distrito de Maragojipe. Até bem pouco tempo, ainda quando apenas se vivia do rio Baetantã ou Batantã e do rio da fazenda, conhecido também pelo nome de Piaba, ao lado de outros como os rios Zorozá, Dendê e Da Mata, este ultimo utilizado para tirar água para beber, a comunidade quilombola de Enseada afirmava que “nem estava no mapa do Brasil.” Todavia, a reabertura em 2010 do Estaleiro São Roque do Paraguaçu que finalizou a construção de duas plataformas para a Petrobras e o inicio das obras do Estaleiro batizado com o nome da comunidade em 2012 vem lhe imprimindo dinamismo e abrindo perspectiva de melhorar as suas condições de vida. O Estaleiro Enseada do Paraguaçu projetado para iniciar a trabalhar em 2014 é um consórcio entre as empresas Odebrecht, OAS, UTC e a Kawasaki Heavy Industries e já vem impactando positivamente esta comunidade.

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A comunidade de Enseada foi certificada como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares no ano de 2006 ao lado de outras comunidades localizadas na região do São Francisco do Paraguaçu. No ano seguinte, alguns fazendeiros entraram com um mandado de segurança questionando o Decreto 4.887 de 2003 que regulamenta os procedimentos para a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas. A relação entre membros da comunidade e alguns fazendeiros ainda é um ponto delicado no quilombo Enseada do Paraguaçu. Mesmo após a certificação, herdeiros do antigo proprietário da Fazenda Corujão que dividem os interesses pela posse da terra, cobram anualmente arrendamento de terras a algumas famílias, sem falar naquelas que sofrem diretamente vários tipos de violência, a começar por ameaças de morte, à invasões de residências, restrições do direito de ir e vir, destruição de roças e casas. Se junta a isso o estigma de ladrões de terra ganhado pelos quilombolas a partir


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do movimento que resultou na certificação. Esse fato divide a própria comunidade no que diz respeito a auto identificação, embora já exista uma percepção sobre o que é ser quilombola ao contrapor-se a idéia de fazenda: Rapaz, o quilombo, me informaram, foi do tempo do... Como é que chama? Africano. Descendência de africano. Entendeu? Então os brancos, os português, trouxe os africanos pra aqui pro Brasil pra trabalhar em Porto Seguro. Aí botava pra trabalhar debaixo de chicotada, de corrente. Aqueles que não guentava fugia, corria. Meu avô, meu bisavô mesmo foi escravo. Trabalhou, depois fugiu. Meu avô também. Fugiu, subiu o rio Paraguaçu, escondia no mato aqui, que naquele tempo aqui não tinha casa, era mato mesmo, mato cerrado, escondia aqui e por aí ficou. Eu conheço pelo apelido, meu avô chamava Gaudêncio. A minha mãe é que falava. Só conheci avô por parte de mãe. Eu alcancei meu avô, eu cheguei a trabalhar até com ele, negócio de pacote e capim, entendeu. Colé fazendeiro minha filha? Isso aqui é fazenda? Não é fazenda. Eu tenho minha luz aí, meu comprovante de residência tá em meu nome, tinha telefone residencial, tirei porque a conta tava vindo muito alta, tirei. Agora tem Embasa aí, pago minha água. Aqui é fazenda? Não é fazenda. Essa casa quem fez foi eu, com meu suor, meu dinheiro, fazendeiro não fez nada (risos). Então aqui pra mim não existe fazendeiro, não existe fazenda, entendeu? Quilombola é como eu disse a você. Quilombola é mesmo que nós... É descendência de escravo, entendeu? Aqui tem o certificado quilombola, mas aqui não é todo mundo que se coisa como quilombola, se reconhece como quilombola. Aqui tem uma parte que se reconhece como quilombola, outros não. Diz que quilombola é ladrão que quer

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Antonio Manoel da Silva



Catando ostra


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tomar as terras dos outros, eu não sei nada disso! (Antônio Manoel da Silva, aposentado 73 anos) Como falamos, os impactos dos pólos industriais instaurados na região foram fazendo desaparecer sensivelmente atividades extrativistas na comunidade como o corte de dendê para extração do azeite, o corte da lenha para combustão e da piaçava, bem como algumas roças de côco, banana e amendoim, restando apenas a pesca e a mariscagem como conta Dona Ditinha de 75 anos: Marisco desde os sete anos. Marisco até hoje com essa idade. Aqui na Enseada não tem ninguém que mariscou mais do que eu durante a vida. Marisco ostra, sururu, siri, caranguejo, chumbinho, sarnambi, marisco de tudo um pouco. Algumas pessoas da comunidade queixam-se que alguns impactos ambientais tem contribuído para a diminuição do pescado que antes habitavam as águas profundas da enseada do Paraguaçu, sem falar dos mariscos. Estes efeitos são sentidos pela comunidade desde os anos 80 por ocasião da construção da barragem Pedra do Cavalo na cabeceira do Rio Paraguaçu, seguidos do aterramento das nascentes, poluição dos rios e desmatamentos. A comunidade de Enseada ainda possui uma vida bastante dependente das águas. Embora ela fique geograficamente mais próxima a São Roque do Paraguaçu, o acesso é feito mesmo através das águas do rio Baetantã. O acesso pela estrada, embora tenha sido melhorado para atender as obras do Estaleiro Enseada do Paraguaçu, ainda é difícil e torna a comunidade distante. Para se chegar pela estrada até o quilombo de Enseada é preciso tomar a Rodovia BA 001 e seguir em direção ao município de Salinas da Margarida pela BA 534 até o distrito de Cairu. A estrada é de barro e há trechos bastante sinuosos. O rio Baetantã, principal porta de acesso à comunidade é utilizado como uma espécie de porto chamado também de “porto do canto da lama” por conta dos brejos ali existentes. Enseada não possui atracadouro. Assim, canoas de madeiras e de fibras descarregam pessoas e mercadorias no meio do rio ou num lugar chamado de “prainha.” No núcleo principal da comunidade, casas de tijolos contornam uma praça recém recuperada pelo Estaleiro Enseada do Paraguaçu. O cruzeiro cravado em frente à igreja católica dedicada à Nossa Senhora do Rosário também restaurada, reivindica a identidade religiosa de maior parte da comunidade. Dizem-se católicos. Do outro lado da pracinha, localizase a Associação Quilombola Enseada do Paraguaçu, atualmente composta de mulheres. A associação teve papel fundamental no processo de certificação da comunidade. Bem próximo ali se encontra o Ilê Axé Aganju Tologi, uma casa de candomblé que está sob a liderança de Dona Noquinha. Segundo sua principal dirigente, a casa dedicada ao orixá Xangô, ancestral africano da justiça, possui mais de 35 anos em Enseada. Todavia, Dona Noquinha refere-se a um passado mais remoto anterior à chegada dos africanos.

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Falava que tudo aqui era aldeia. Era índio tudo. Aldeia de índio. Todo lugar antigo tem uma história. Tem uma lenda. Depois foi que vieram os negros. Então praticamente os lugares todos aqui eram índios, depois foi que vieram os negros. Dona Noquinha segue citando alguns locais referendados por ela como territórios indígenas que posteriormente vão se tornar referências para os cultos de origem africana, a menos nesta comunidade: Você vê que tem uma pedra aqui que chama pedra do gavião. Na pedra do gavião, é tipo um barracão, é uma sala, tem bancos e tudo, cozinha, quarto. Tudo isso dentro de uma pedra. Tinha uma zeladora já falecida que tocava o candomblé


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Praça de Enseada

ali dentro. Tá aí a pedra ainda, é uma pedra enorme. Olhe, tem dois barracão dentro da pedra, tem dois quartos, tem uma cozinha, tem o lugar de vestir o santo, tem o altar, tudo feito na pedra, ela botava o santo assim, como se ela fez. Tem os bancos de sentar. O pessoal conhece mais assim como a pedra de Nonoca né? Ali sim. Ali que eu creio que morava uma família de índio. Pelo o que eu vejo ali dentro: os quartos, a cozinha, aquela sala grande, os bancos... os bancos era assim como esse aqui oh, mas sendo que ele é de pedra, entende? Então eu vi que ali mora uma família de índio, morou né? Se você vê a pedra é uma coisa perfeita. E a pedra, ela é assim uma, duas, três, quatro pedras pontada pra o mar. E aonde ela tá apontando tem uma gruta dentro da água. Lá dentro, quem mergulhou já viu. Lá dentro é um túnel que dá pra o outro lado, entendeu. É um túnel, e a pessoa que foi mergulhar pra saber sobre esse túnel disse que viu um peixe do tamanho de uma pessoa. Deve ter visto um encantado né? Uma entidade, e pensou que era um peixe. Então esse túnel dá pro outro lado que dá pra Bom Jesus dos Pobres. E a pedra é apontada assim pra lá, como se tivesse mostrando, entendeu? Então é isso aí. Aqui você vê uma magia na folha, nas árvores, você vê uma magia na pedra, nas encruzilhada, você vê no mar, você vê

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nas cachoeiras. Aqui tem magia, entendeu. Tem orixá vivo, tem encantados, entendeu. Então é isso aí. Tem outras pedras também antiga. Tem a pedra da letra. Da letra, que tem letras, palavras em tupi, escritas e tudo, entendeu? Tem lugares aqui assim. Tem a do curuzu que coloca oferendas para os orixás. Afastando-se do núcleo principal da comunidade podemos ver ainda casas de taipa ou como se diz, “feitas de sopapo”, ou “tapadas a mão.” As ruas da comunidade não dispõem de calçamento e alguns trechos são bastante acidentados. O solo arenoso dificulta os passos do visitante menos acostumado. A luz elétrica chegou a 40 anos, mas a comunidade ainda carece de saneamento básico como rede de esgoto, coleta de lixo, etc. A água encanada não é de boa qualidade, razão pela qual mulheres e crianças intercalam o trabalho da mariscagem com idas e vindas em poços artesianos, fontes ou nascentes. Embora conte com quase mil habitantes, o quilombo Enseada do Paraguaçu não possui posto médico nem um posto policial. As emergências são atendidas na cidade mais próxima que é Salinas de Margarida. A comunidade tem se valido dos conhecimentos sobre plantas e do tratamento mágico religioso, ciências milenarmente conhecidas e largamente preservadas e difundidas nas comunidades quilombolas. Desta maneira, nomes de parteiras como Dona Paulina já falecida e Dona Antonieta, apontada como uma memória viva da comunidade, sempre são lembrados. A partir da 5a série, as crianças vão para São Roque, percurso geralmente feito de canoa motorizada ou barcos cedidos pela Capitania dos Portos ou pela Prefeitura de Maragojipe. Enseada possui ainda um sistema de transporte coletivo bastante irregular. Existe ainda uma tímida igreja pentecostal que não chega influenciar na dinâmica da comunidade. Além de festas como o carnaval, festas juninas e Natal, a comunidade remanescente de quilombo Enseada do Paraguaçu realiza festa à Nossa Senhora do Rosário, na atualidade transferida do mês de fevereiro para o mês de outubro. Esta festividade acontece sempre num final de semana e é seguida na segunda feira pela festa dos “coroas”, denominação curiosa que aguça o ouvinte pela explicação da comunidade: Chama coroas, mas vai um bocado de gente: moderno, velho. È boa, é gostosa a festa. Antes de eu me entender como gente já existia esta festa. Havia ainda a festa da coruja: A festa da coruja arranjava um negócio, enfeitava ela de pena dessa de coruja e fazia a brincadeira na rua, viu? Deixa eu ver, em janeiro. Ou era janeiro, eu sei que uma, eu mesmo me esqueci mesmo da coruja. A mesma coisa, fazia samba, sambava, a mesma coisa. Era com a coruja, fazia um desenho de uma coruja, de pena de coruja mesmo. Amarrava na cabeça aqui pra sambar, a coruja. Fazia a coruja de pena, de coruja, amarrava assim na cabeça pra sair sambando, era bem divertido. Até disse que dava azar, dava azar, dava azar, aí a dona que fez. Dizem que dava azar, também não sei se dava azar que eu fiz, a coruja eu nunca fiz não. (Antônio Manoel da Silva, aposentado, 73 anos)

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Ao lado da coruja, do samba e dos festejos realizados no mês de janeiro, há relatos ainda do bumba meu boi, manifestação cultural largamente praticada nas regiões brasileiras com características próprias. Todavia, a manifestação cultural que promove uma espécie de retrato da comunidade foi trazida anos atrás por uma senhora chamada Dona Lindu, de Cabuçu quando esta casou-se com um rapaz de Enseada. É a Barquinha, manifestação que descrevemos num trabalho especifico chamado: A Barquinha de Enseada. Embora haja esforço significativo do Estaleiro Enseada do Paraguaçu para abrir frentes de diálogos com a comunidade quilombola, as opiniões sobre o Estaleiro se dividem, embora se acredite que a maioria seja favorável ao empreendimento, ou no mínimo sensível e esperançosa com a abertura de três mil oportunidades diretas de trabalho durante a construção.


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Reunião com a Comunidade

Fato é que o Estaleiro pode muito ajudar na fixação dos quilombolas em Enseada, intervindo assim num dos principais problemas assinalados durante a convivência em campo: o ir e voltar à comunidade, sem trabalho, sem perspectiva de vida, sem sucesso e sem sossego. Curiosidade Barquinha – manifestação cultural realizada na passagem do Ano Novo. Inaugura as comemorações em homenagem ao ano Bom. Manifestação própria de comunidades de pescadores que realiza uma espécie de síntese a partir de elementos diversos oriundos das matrizes formadoras da “cultura brasileira”. A barquinha é capaz de reconstruir e reforçar noções de territorialidade e identidade através do percurso e locais visitados da comunidade, de suas cantigas, bem como das redes de solidariedade que constrói. É um presente da comunidade à Dona das águas e ao mesmo tempo momento de reafirmar a identidade católica, ou melhor o catolicismo negro que a mais de duzentos anos nos reinos africanos de Angola e Congo já haviam estabelecido relação entre estes e Nossa Senhora do Rosário.

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