Quilombos de Maragojipe - Cartilha para Trabalhadores

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QUILOMBOS

DE MARAGOJIPE

Cartilha para trabalhadores do Estaleiro Enseada do Paraguaรงu

Vilson Caetano de Sousa Jr.

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©2013 Estaleiro Enseada do Paraguaçú Todos os direitos reservados Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte

Quilombos de Maragojipe: Cartilha para trabalhadores do Estaleiro Enseada do Paraguaçu Organização: Vilson Caetano de Sousa Jr. Fotografia e Ilustração: Rodrigo Siqueira Pesquisa: Fábio Velame

Magnair Barbosa Marina Bonfim

Revisão: Lise Arruda e Maria Verônica Projeto Gráfico: Ton Friche Crédito de capa: Tânia Calheiros Obra financiada pelo Estaleiro Enseada do Paraguaçú Ficha Catalográfica elaborada por Cátina M. Santos Cerqueira - CRB5/1440

S729

Sousa Júnior, Vilson Caetano de.

Quilombos de Maragojipe: cartilha para trabalhadores

do estaleiro enseada Paraguaçu

de Sousa

Salvador: Brasil com Artes, 2013.

16p.: il.

ISBN: 978-85-66694-00-0

1.

/ Vilson Caetano

Júnior (org); Ilustrador: Rodrigo Siqueira, --

Negros-

Educação

2.

Bahia

3.Quilombos.

4. Antropologia. 5. Trabalho. I. Título.

CDD: 370.98142

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APRESENTAÇÃO Quilombos de Maragojipe é fruto da parceria entre o Projeto Brasil com Artes e o Estaleiro Enseada do Paraguaçu, a fim de atender a uma das condicionantes da anuência N°08/2010 da Fundação Cultural Palmares. Aqui, o trabalhador irá encontrar informações e conceitos sobre a história e a vida das comunidades quilombolas localizadas no município de Maragojipe. Ela o ajudará a entender como vivem, onde estão e o que pensam essas pessoas que mantém sua identidade ligada à terra e à descendência. Esta cartilha é, ao mesmo tempo, um convite para nos sensibilizarmos com as trajetórias de lutas e resistências formuladas pelos africanos e seus descendentes pelo território brasileiro.

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Maragojipe é uma cidade do Recôncavo baiano localizada a menos de 150 km da cidade de Salvador, capital do Estado. O significado do nome “Maragojipe” divide opiniões. Há os que defendem a expressão “no rio dos maraús”, mas há também aqueles que optam pela explicação “rio dos mosquitos”. Fato é que, tanto em uma quanto em outra, na palavra indígena, faz-se menção ao “rio”. Desta maneira, Maragojipe está mesmo associada ao caminho feito pelas águas dos rios Paraguaçu e Guaí. Essas águas, ainda hoje, alimentam manguezais, fertilizam suas terras, sustentando famílias negras, cujas histórias confundem-se com as da própria cidade, que, no século XIX, conseguiu chegar ao máximo da sua vida social, política e econômica, graças à participação dos africanos e seus descendentes.

Eduardo - Buri

INICIANDO A PROSA...

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E OS QUILOMBOS? Quilombo é uma palavra originada das muitas línguas africanas como tantas outras que conhecemos como camarada, quitanda, calunga, canga, dendê, samba etc. No Brasil, como em outras partes do mundo fora do continente africano, passou a significar a história de luta pela liberdade e resistência dos africanos e seus descendentes ao redor de dois conceitos: terra e ancestralidade. Os quilombos são espaços coletivos construídos pelas pessoas tendo como referência a natureza. Nestes lugares, homens e mulheres mantêm-se vivos, graças às redes de solidariedades construídas ao longo de suas vidas. Em todas as partes do Brasil e da América onde houve escravidão, surgiram também quilombos. Quilombos, que atravessaram gerações enfrentando os filhos dos senhores de engenho, agora, enfrentam também fazendeiros que, com seus jagunços, de forma violenta, tentam intimidar trabalhadores e trabalhadoras rurais, marisqueiras e pescadores, insistindo, assim, em manter uma das formas mais cruéis de atentado à dignidade humana, a escravidão.

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Dona Antonia - Salaminas

NÃO SE DEIXE CONFUNDIR! Tem gente que anda dizendo que, para ser considerado quilombo, a comunidade deve ter se originado de negros fugidos. Isso não é verdade. Este conceito foi formulado no século XVIII e, de lá para cá, as coisas mudaram.

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UM BRASIL DE QUILOMBOS Nos últimos dez anos, graças à participação dos movimentos sociais, o Brasil avançou significativamente na questão quilombola. O Decreto N°4887/2003 deu passo significativo para a regularização fundiária e acesso das comunidades quilombolas às chamadas políticas públicas. Como assim? O Decreto N° 4887/2003 reconheceu uma das reivindicações mais antigas das comunidades quilombolas, o acesso e direito à terra. Em outras palavras, a afirmação de que a terra é de todos. Terras que ficaram concentradas nas mãos de poucos e terras que foram tiradas ou negado o acesso aos africanos e seus descendentes, a partir da chamada Lei de Terras em 1850. No ano de 2004, foi lançado o Programa Brasil Quilombola, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). O Programa tem por 7 cartilha quilombo_julho.indd 7

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finalidade coordenar e articular, entre as várias instâncias do Governo, ações que visam a melhorar as condições de vida e reverter os riscos sociais a que, historicamente, as comunidades quilombolas foram expostas. Riscos provocados pela falta de acesso à terra, às moradias dignas, saúde, alimentação, educação, segurança e outras situações.

OS QUILOMBOLAS Os quilombolas não são ladrões de terras como algumas pessoas afirmam, ao contrário: são homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, que lhes foi negado, historicamente, o acesso à terra. Porém essas pessoas resistiram, mantiveram formas culturais próprias que lhes conferem identidade. Cabe à Fundação Cultural Palmares a certificação das comunidades quilombolas. Atualmente, há mais de 1300 comunidades certificadas. A certificação é o início de mais uma luta árdua, lenta, longa e, na maioria das vezes, penosa para as comunidades que são obrigadas a conviver com a violência de donos de terras, que, até então, mantinham com os 8 cartilha quilombo_julho.indd 8

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trabalhadores relações de escravidão. Ao mesmo tempo, ela significa para os quilombolas o reconhecimento de suas histórias de luta pela sobrevivência e manutenção de tradições passadas através de gerações, ou ainda a interrupção do trabalho escravo, o qual pode ser observado, ainda hoje, em alguns lugares bem próximos de nós. O município de Maragojipe possui várias comunidades quilombolas. Em seguida, citamos algumas delas acompanhadas do ano de sua certificação: Salamina Putumuju (2004), Tabatinga, Girau Grande, Baixão do Guaí e Guerém (2005), Porto da Pedra (2005), Enseada Paraguaçu (2006), Sitio Dendê (2006), Zumbi (2006), Guaruçu (2006), Quizanga (2006), Buri (2009). Há ainda a comunidade do Pinho, que se estrutura em torno de uma comunidade religiosa de matriz africana estabelecida ali desde o século XVII.

Quilombolas do Buri

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CERTIFICAÇÃO É UMA ESPÉCIE DE FORMALIZAÇÃO DA EXISTÊNCIA DAS COMUNIDADES As comunidades quilombolas de Maragojipe sobrevivem das roças de aipim, mandioca, abacaxi, inhame, melancia, abóbora, banana, dentre outras. Plantam também milho, amendoim e árvores frutíferas, tais como: jaqueiras, mangueiras, mamoeiros, tamarineiros, coqueiros, pés de acerola e jenipapo. Cultivam várias hortaliças: quiabo, batata, coentro, cebola, tomate, pimentão, hortelã, chicória etc. Retiram das matas os frutos dos dendezeiros, dos quais extraem o azeite de forma artesanal, utilizando o pilão. Recolhem também piaçava, planta nativa do sul do Estado da Bahia, madeira e argila – para construir suas casas, cozinhar, defumar carnes – e plantas medicinais, com as quais fazem seus remédios. Há comunidades que praticam a apicultura desde a forma mais simples, em troncos, à forma mais elaborada, em caixas de madeira. Essas comunidades sobrevivem também da pesca e da mariscagem. Trata-se de grupos humanos que possuem relações estreitas com a natureza e, desde cedo, aprenderam a observar atentamente os movimentos da lua e das marés, a fim de sobreviver.

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FIQUE POR DENTRO DOS CONCEITOS Não se deixe enganar. Para entendermos a questão quilombola, temos que ficar por dentro de três conceitos chaves: remanescente de quilombo, terras ocupadas e autoidentificação. Remanescente de quilombo De acordo com o Art° 68 do Ato das Disposições Constitucionais, Transitórias, da Constituição Federal, remanescentes de quilombo são pessoas que vivem agrupadas, pertencem ou pertenciam “a comunidades que viveram, vivem ou pretendem viver na condição de integrantes delas como repositório das suas tradições, culturas, língua e valores historicamente relacionados ou culturalmente ligados ao fenômeno sociocultural quilombola”. É fácil de entender... É muito comum encontrarmos, nessas comunidades, relatos que afirmam: “nossos pais viveram aqui. É por

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isso que estamos aqui”. Ou ainda: “plantamos, pescamos e vivemos como os nossos avós. Temos que permanecer para garantir a vida aos nossos netos”. A noção de remanescente de quilombo baseia-se na noção africana de ancestralidade. É ela quem garante a manutenção das tradições, das línguas, dos valores e das culturas produzidas por esses homens e mulheres, graças à relação que os mesmos estabelecem com outro conceito, o de terra quilombola. Terras ocupadas A ideia de quilombo está diretamente relacionada à noção de territorialidade. É na terra que as comunidades vivem, produzem e permanecem por gerações. Assim, a terra ocupa lugar especial para a reprodução física, social, econômica e cultural destas comunidades. Terra quilombola é, assim, esse lugar de construção de identidade. A terra como um valor coletivo ajuda-nos a pensar em outros conceitos contemplados pelo Decreto N° 4887/2003 e pela Portaria N° 98/2007 da Fundação Cultural Palmares como terras de preto, terras de santo ou terras de santíssima, comunidades negras, mocambos, dentre outras. Trata-se de terras obtidas em mãos de ordens religiosas, ou terras doadas aos santos, ou ainda terras recebidas por africanos e seus descendentes em troca de serviços religiosos. Em suma, terras que possuem histórias comuns entre os grupos que as habitam. 12 cartilha quilombo_julho.indd 12

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Jundiá - Salaminas

A autoidentificação O conceito de autoidentificação, já aparecido na Convenção N° 168 da Organização Internacional do Trabalho, vai cumprir papel decisivo no processo de luta das comunidades quilombolas. Agora, a partir do Decreto N° 4887/2003, a autodeclaração da comunidade constitui passo decisivo para a identificação e titulação das suas terras.

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ENTENDA COMO ACONTECE PROCESSO DE TITULAÇÃO

O

O Decreto N° 4887 de 20 de novembro de 2003 estabelece normas e procedimentos para identificação, delimitação, demarcação e titulação das terras por remanescentes das comunidades de quilombos, a saber: 1.0 A comunidade se autodeclara quilombola – é o primeiro passo. 2.0 A Fundação Cultural Palmares emite uma Certidão reconhecendo a comunidade. 3.0 O caminho, a partir de então, deve ser trilhado no Ministério de Desenvolvimento Agrário, através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA. É o INCRA quem vai realizar estudos de identificação e delimitação das terras, segundo critérios das comunidades quilombolas. É a fase mais detalhada do processo, pois se faz necessário juntar várias informações para fazer o chamado Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID. 4.0 Após concluir essa etapa, o INCRA emite uma Portaria de Reconhecimento do Território. Essa é uma das fases mais demoradas, pois é nela que acontecem as contestações, que, na maioria 14 cartilha quilombo_julho.indd 14

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das vezes, arrastam-se na justiça durante anos, retardando o processo de titulação. 5.0 Findado esse momento, é publicada, no Diário Oficial da União e do Estado, a Portaria de Reconhecimento do Território. O processo está quase concluído... 6.0 Há a desapropriação do território, bem como a indenização dos antigos donos. 7.0 Finalmente, a titulação. O título é coletivo, não pode ser dividido, e é feito em nome da associação que representa a comunidade.

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AJUDE A GARANTIR OS DIREITOS QUILOMBOLAS Os quilombolas têm direito a ir e vir garantidos pela Constituição brasileira. Os quilombolas têm direito a fazer suas roças, plantar e colher. Os quilombolas têm direito à segurança, não podendo viver ameaçados. Os quilombolas têm o direito de escolher lideranças para representá-los. Os quilombolas têm direito à saúde, a moradias dignas. Os quilombolas têm direito à educação e a livros didáticos que contem a sua verdadeira história. Os quilombolas têm direito a participar de Programas do Governo, tais como Bolsa Família, Luz para todos, Água para Todos, dentre outros. Os quilombolas têm direito de ser indenizados pelos danos causados por anos de trabalho escravo. Os quilombolas tem direito à terra, local sagrado onde 16 cartilha quilombo_julho.indd 16

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mantêm vivas as suas culturas, línguas, tradições e seus valores. São essas terras que lhes permitem não apenas modelar objetos do barro, mas gerar a própria vida retirada dos ventres de mulheres, que passam parte de suas existências nos manguezais, mariscando e, ao mesmo tempo, cuidando para que estes nunca sequem e seus filhos nunca morram.

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PARA CONTINUAR LENDO FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Portaria n° 98 de 26 de novembro de 2007. INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Instrução Normativa n° 49, de 29 de setembro de 2008. MUNANGA, Kabengele. Origem e História do Quilombo na África. Revista da USP, São Paulo, nº28, 1995/1996. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA DO BRASIL. Decreto N° 4887, de 20 de novembro de 2003. SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL. Programa Brasil Quilombola. Brasília, 2004. SOUSA JUNIOR, Vilson & SIQUEIRA, Rodrigo. Na Palma da minha mão: temas afro-brasileiros e questões contemporâneas. Salvador: EDUFBA, 2011.

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rb.moc.rotcartarret.www brasilcomartes@gmail.com 6651-7564 11 071 3287-0435 / 8724-5455 / 9221-3298 6009 4565 9 11

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