Tânia Calheiros, Eliete Calheiros e Lenira Calheiros Ilustração: Rodrigo Siqueira 1
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Coleção Contos Quilombolas
HISTÓRIA DE TENENGO
Autores: Vilson Caetano de Sousa Junior, Tânia Maria dos Santos Calheiros, Eliete Calheiros e Lenira Calheiros Ilustração: Rodrigo Siqueira Pesquisa: Magnair Barbosa Marina Bonfim Projeto Gráfico: Ton Friche Revisão: Lise Arruda Maria Verônica
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História de Tenengo/ Vilson Caetano de Sousa Júnior [et.al] - Ilustração: Rodrigo Siqueira, -- Salvador: Brasil com Arte, 2013. 24p.: il.
ISBN: 978-85-66694-05-5 Coleção Contos quilombolas; v. 3 1. Contos Brasileiros. 2. Ficção. 3. Cultura afro-brasileira. 4. História. 5. Cultura. I. Calheiros,Tânia Maria dos Santos. II. Calheiros, Eliete. III. Calheiros, Lenira. IV.Título. CDD B869. 3
Tenengo é um personagem que circula nas histórias contadas no Quilombo Girau Grande, que fica situado no município de Maragojipe – BA, em meio a tantos outros que são passadas de geração a geração, do tempo em que, após as jornadas excessivas de trabalho, os pais e mães sentavam no terreiro à frente da casa com seus filhos e filhas para apreciar a lua e contar histórias. Nos dias atuais, estas histórias continuam vivas na memória dessa comunidade quilombola e são transmitidas oralmente. Quem nos conta a História de Tenengo são três quilombolas de Girau Grande: Tânia Maria dos Santos Calheiros, Lenira Calheiros e Eliete Calheiros. “As histórias que meu pai contava eram muito reais. Ele falava, e a gente via acontecendo...” Tânia Calheiros”
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Vovô Guilherme era filho de africanos. Ele era um quilombola de 105 anos que morava no Quilombo Girau Grande. O Quilombo Girau Grande fica situado num lugar muito alto. Vovô Guilherme lembrava que, no seu tempo, os africanos que fugiam dos engenhos de cana de açúcar subiam e ficavam observando as coisas. Daí o nome Girau Grande. Do Girau Grande, podiam-se avistar outros quilombos, como o de Porto da Pedra, Anastásia, Tabatinga e Quizanga. A região em torno do Girau Grande é bastante rica. Possui rios, cachoeiras, lagoas, manguezais, árvores que dão muitos frutos. Tem até areias coloridas com as quais se podem pintar as coisas de branco, azul, vermelho e verde. Vovô Guilherme era comerciante, carpinteiro, médico, pedreiro, pescador, como os africanos do tempo de seus pais que construíam casas, barcos, faziam móveis, panelas de barro, mas também cultivavam roças de feijão, mandioca, milho, aipim, inhame, amendoim e saiam curando as pessoas. Vovô Guilherme era também um sábio. Vários quilombolas iam à sua casa buscar conselhos, mas vovô Guilherme gostava mesmo era de contar histórias no terreiro que ficava à frente de sua casa. 4
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Dona Francisca era uma quilombola que fazia panelas de barro, azeite de dendê e cuidava da casa. Ela vivia contente, aguardando mais uma criança. Certo dia, Dona Francisca acordou cedo e foi buscar água na fonte, mas, quando tentou colocar a panela cheia de água na cabeça, não conseguiu. Dona Francisca então pensou: – E agora, como vou fazer? De repente, a criança falou de dentro de sua barriga: – Minha mãe, bata o joelho três vezes no chão para eu nascer e ajudar a senhora. Ela parou, acariciou a barriga e escutou novamente: – Minha mãe, bata o joelho três vezes no chão para eu nascer e ajudar a senhora. Assim Dona Francisca fez. E, ao terminar de se ajoelhar, a criança que carregava na barriga estava de pé em sua frente. Dona Francisca entendeu que aquela criança era um encantado. A criança correu em direção à mãe, abraçou-a, beijou-a e lhe fez carinho. Mal ajudou a mãe a encher os potes de água da sua casa, saiu correndo para conhecer o pai que estava na roça. 6
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A caminho da roça, encontrou outras crianças e logo começou a brincar de jogar pião, pular macaco, embolar e picula. O menino chamava-se Tenengo. E os dois amigos, Piloto e Batula. O pai de Tenengo chamava-se Luís. Luís era pescador e fazia também roça de mandioca. Tenengo e os dois amigos passaram na roça de seu pai para lhe tomar a benção. Sr. Luís abençoou as crianças, abraçou e beijou Tenengo e pensou: – Estes meninos devem ter vindo de outro quilombo. Piloto e Batula acompanharam Tenengo. Eles subiam nos dendezeiros, montavam nos cavalos, brincavam de jogar cabriola. E assim foram se afastando do Girau Grande.
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À boquinha da noite, somente quando o sol já havia escravado, perceberam que estavam muito distantes de suas casas. Então pensaram: – E agora, o que vamos fazer? Onde vamos passar a noite? De repente Tenengo, Batula e Piloto encontraram uma casa. Eles mal sabiam que lá morava um bicho que se transformava em qualquer coisa. Mal tinham se aproximado, Tenengo e seus amigos avistaram uma senhora que lhes perguntou: – Vocês vieram de onde? Como chegaram até aqui? Piloto e Batula responderam: – Somos quilombolas, viemos brincando e nos distraímos. Tenengo perguntou: – E a senhora, o que faz aqui neste lugar distante tão sozinha? Nós, quilombolas, não moramos sozinhos. Nos quilombos, há várias famílias, moramos com nossos avós, tios, tias, primas, primos, padrinhos, madrinhas. No quilombo, nós moramos juntinhos. A senhora correu até os fundos da casa e transformou um pato, um gavião e uma galinha em três meninas e retornou falando: – Não moro sozinha, tenho três filhas e vocês podem passar a noite aqui conosco. Tenengo percebeu que estavam em perigo, mas não falou nada a seus amigos. Haviam caído numa armadilha. A noite, a mulher colocou Tenengo, Piloto e Batula no mesmo quarto para dormir junto com as meninas e amarrou no pescoço de cada uma delas um lenço, pois, à noite, a casa ficava muito escura. 10
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No meio da noite, Tenengo tirou os lenços das meninas e amarrou no seu pescoço e no de seus amigos. Quando o bicho foi comer Tenengo e os amigos, passou a mão no pescoço deles e, ao não encontrar os lenços, pensou que fossem as suas filhas. Então procurou os que estavam sem lenço e terminou comendo as meninas, ou seja, o pato, o gavião e a galinha. Tenengo, Batula e Piloto fugiram antes do dia clarear. O bicho, quando acordou, percebeu que havia sido enganado. O bicho ficou tão furioso que montou numa porca que saia fogo pelas ventas e foi atrás de Tenengo e seus amigos. A porca, onde passava, deixava um rastro de fogo. A porca deixava uma trilha de fogo que abria clareiras no meio da mata. Quando ela atravessava os rios, eles secavam.
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Tenengo, Batula e Piloto subiram numa jaqueira bem alta. O bicho ficou embaixo, pegou um saco e cantou: – Paco papaco, caia Tenengo dentro do saco! Tenengo não caiu. Ele então cantou: – Paco papaco, caia, este menino, dentro do saco! Aí Batula caiu, e o bicho fechou o saco. O bicho cantou de novo: – Paco papaco, caia, Tenengo, dentro do saco! Tenego não caiu. O bicho então cantou: – Paco papaco, caia, este menino, dentro do saco! Agora, foi a vez de Piloto. O bicho fechou o saco. O bicho cantou pela terceira vez: – Paco papaco, caia, Tenengo, dentro do saco! Tenengo não caiu.
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O bicho largou a porca embaixo e subiu na árvore. Ele subiu por um lado, e Tenengo desceu pelo outro. Cá de baixo, Tenengo pegou o saco onde estavam seus amigos, soltou-os, abriu o saco em direção à jaqueira e cantou: – Paco papaco, caia, este bicho, dentro do saco! O bicho caiu. Tenengo amarrou e prendeu o saco na porca que saiu correndo pelo mato. Quando retornaram, Tenengo se despediu de seus amigos que foram para o Quilombo da Anastácia e Tabatinga. Tenengo voltou para a barriga de sua mãe e nasceu depois como muitas crianças quilombolas.
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SUGESTÃO DE ATIVIDADES A SER DESENVOLVIDAS Retomar algumas brincadeiras infantis. Dar visibilidade a figuras de homens e mulheres quilombolas que marcaram a história das suas comunidades. Trabalhar temas como família, resistência, solidariedade, respeito aos mais velhos. Demonstrar e descrever o cotidiano das comunidades a partir de seus saberes. Trabalhar algumas palavras do vocabulário quilombola.
VOCABULÁRIO boquinha da noite (exp.) – o mesmo que entardecer embolar (v.) – jogo infantil em que os participantes entram num saco e saem embolando encantado (s.m.) – ser que possui poderes escravar do sol (exp.) – pôr do sol pular macaco (exp.) – o mesmo que jogar amarelinha, tipo de jogo infantil quilombo (s.m.) – espaço organizado pelos africanos e seus descendentes em torno da terra onde mantém vivas as suas tradições terreiro (s.m.) – área de fora, situada à frente da casa.
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