Maria & Maria

Page 1

Tânia Calheiros, Eliete Calheiros e Lenira Calheiros Ilustração: Rodrigo Siqueira 1


©2013 Brasil com Artes Todos os direitos reservados Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte

Coleção Contos Quilombolas

MARIA & MARIA

AUTORES: Vilson Caetano de Sousa Junior, Tânia Maria dos Santos Calheiros, Eliete Calheiros e Lenira Calheiros Ilustração: Rodrigo Siqueira Pesquisa: Magnair Barbosa Marina Bonfim Projeto Gráfico: Ton Friche Revisão: Lise Arruda Maria Verônica

M332

Maria & Maria/ Vilson Caetano de Sousa Júnior [et.al]- Ilustração: Rodrigo Siqueira, -- Salvador: Brasil com Arte, 2013. 24p.: il.

ISBN: 978-85-66694-06-2 Coleção Contos quilombolas; v. 4 1. Contos Brasileiros. 2. Ficção. 3. Cultura afro-brasileira. 4. Cultura. I. Calheiros,Tânia Maria dos Santos. II. Calheiros, Eliete. III. Calheiros, Lenira. IV.Título. CDD B869. 3


Maria e Maria é uma das muitas histórias que circulam no Quilombo Girau Grande, que fica situado no município de Maragojipe – BA, em meio a tantas outras que são passadas de geração a geração, do tempo em que, após as jornadas excessivas de trabalho, os pais e mães sentavam no terreiro à frente da casa com seus filhos e filhas para apreciar a lua e contar histórias. Nos dias atuais, estas histórias continuam vivas na memória dessa comunidade quilombola e são transmitidas oralmente. Quem nos conta a história Maria, Maria são três quilombolas de Girau Grande: Tânia Maria dos Santos Calheiros, Lenira Calheiros e Eliete Calheiros. “As histórias que meu pai contava eram muito reais. Ele falava, e a gente via acontecendo... ” Tania Calheiros.

3


Maria era uma quilombola do Girau Grande. Maria era marisqueira. Ela mariscava ostra, sururu, sarnambi, lambreta, siri e outros mariscos. Maria acordava todos os dias cedinho para fazer as coisas da casa onde morava com seu pai. Às vezes, Maria catava dendê para fazer azeite no pilão, para preparar moqueca de siri, de camarão, de peixe, fazer mariscada etc. O pai de Maria era um quilombola. Ele era lavrador e fazia muitas roças. O pai de Maria era também pedreiro. Ele já havia ajudado outros quilombolas a construírem várias casas. Maria gostava muito de animais. Vivia rodeada deles. Às vezes, quando algum passarinho caía do ninho, Maria levava o passarinho para a casa e cuidava dele até ele ficar todo empenado. O pai de Maria casou-se de novo, mas, desta vez, com uma mulher muito ambiciosa. Esta mulher tinha uma filha, que também se chamava Maria, muito invejosa, que sonhava em ir morar longe do quilombo. Quando o pai de Maria se mudou para a roça da mulher, logo começaram as brigas com a sua filha, que, antes, vivia alegre e feliz com ele. Todos os dias, quando retornava do trabalho, o homem encontrava a sua mulher botando queixo. A mulher ficava igual aratu na lata. O homem pensou: – De que vale ter duas filhas, duas Marias, e não ter sossego? Tenho que resolver isso. Por outro lado, Maria andava, já de muito tempo, triste. Não queria mais ficar em casa. Saía pela manhã bem cedo, mariscava praticamente o dia todo e, quando chegava, não trazia nada. A mulher má e invejosa convenceu o pai de Maria a construir uma tapera bem afastada de sua casa para colocar a sua filha. 4


5


O pai de Maria, que era bom construtor, sem perceber a maldade da mulher, fez um coiozinho afastado de onde ele vivia com a mulher e a filha invejosa e deu para a sua filha morar. Pensou ele: – Ali, minha Maria terá sossego. Para não ficar sozinha, o pai de Maria deu para ela levar: um cachorro, um gato, um galo e um pouco de comida, apenas para Maria passar a noite. Quando chegou no coió, Maria comeu um pouquinho da comida e dividiu com o cachorro, o gato e o galo. Fora da casa, era muito escuro e Maria logo cedo trancou sua porta, a fim de esperar o dia amanhecer para ir mariscar. Quando é mais tarde, ela ouviu: – Maria, Maria, tu abre esta porta que eu sou tua tia! Parente do mato te comeriiiiiiiiiiia? Maria ficou morrendo de medo e perguntou ao cachorro: – O que é que eu falo, meu cachorro? O cachorro respondeu: – Fale para trazer um saco de dinheiro bem grande. Maria, então, falou: – Traga um saco de dinheiro, que eu abro a porta. A coisa foi embora e voltou cantando novamente: – Maria, Maria, tu abre esta porta que eu sou tua tia! Parente do mato te comeriiiiiiiiiiia? Maria, agora, perguntou ao gato: – O que é que eu falo, meu gato? O gato respondeu: – Fale para trazer um saco de ouro. Maria, então, falou: – Traga um saco de ouro, que eu abro a porta. A coisa foi embora e voltou pela terceira vez, cantando: – Maria, Maria, tu abre esta porta que eu sou tua tia! Parente do mato te comeriiiiiiiiiiia? Maria, então, perguntou ao galo: – E agora, meu galo, o que eu falo? 6


O galo respondeu: – Fale para trazer um saco de pedras preciosas. Maria, então, falou para a coisa que estava do lado de fora: – Traga um saco de pedras preciosas, que eu abro a porta. A coisa foi embora. Maria passou a noite quietinha dentro de casa com o cachorro, o gato e o galo que cantou cedinho para o sol nascer: – Cu cu ru cu, Cu cu ru cu, Cu cu ru cu... 7


O galo ia cantando: – Cu cu ru cu, Cu cu ru cu, Cu cu ru cu... O sol ia nascendo. O galo não parava de cantar: – Cu cu ru cu, Cu cu ru cu, Cu cu ru cu... Quando o dia amanheceu, Maria viu que tinha um saco de dinheiro, um saco de ouro e um saco de pedras preciosas na porta de sua casa. Maria nunca tinha visto nada parecido antes. Ouvindo o galo que não parava de cantar, o pai de Maria ficou desesperado e disse: – Só pode ter acontecido alguma coisa com Maria. O bicho só pode ter comido ela. Ele saiu correndo. O galo não parava de cantar: – Cu cu ru cu, Cu cu ru cu, Cu cu ru cu... Quando ele chegou, viu Maria toda enfeitada de pedras preciosas. Viu também muito dinheiro e havia muito ouro. O pai de Maria arrumou tudo e trouxe Maria e toda aquela riqueza para a casa. Quando chegou à casa de seu pai, a mulher invejosa gritou: – Você ficou rica, você ficou rica. O que foi que você fez para ficar rica? Maria respondeu: – Eu passei a noite lá no mato, no coiozinho que fizeram para mim, com o cachorro, o galo e o gato. Eu comi um pouco, dei um pouquinho a eles e fui deitar para acordar cedinho para mariscar. Quando foi bem de noite, uma coisa chegou cantando e deixou tudo isso para mim.

8


9


A mulher invejosa então falou: – Hoje eu vou colocar minha filha. Você, a partir de hoje, vai ficar é aqui. Quando foi no outro dia, a mulher invejosa levou a filha e colocou-a dentro da casinha junto com o gato, o cachorro e o galo. A menina só pensava em ficar rica e mal via a hora do dia amanhecer. Na hora em que a menina começou a comer, o gato começou a miar: – Miau, miau, miau... A menina bateu no gato e não lhe deu comida. A menina continuou comendo e o cachorro começou a latir: – Au, au, au, au... A menina bateu no cachorro e não lhe deu comida. A menina continuou comendo. O galo foi para cima da menina pedir comida. A menina bateu no galo, tangeu-o para longe e não lhe deu comida. Ela queria era mesmo se deitar, para esperar amanhecer o dia e ficar muito rica. No meio da noite, ela escutou o bicho chegar à sua porta e cantar: – Maria, Maria, tu abre esta porta que eu sou tua tia! Parente do mato te comeriiiiiiiiiiia? A menina perguntou ao gato: – O que é que eu digo, gato? O gato respondeu: – Comeu e não me deu... me deu foi porrada, vá abrir sua porta. O bicho saiu e retornou cantando: – Maria, Maria, tu abre esta porta que eu sou tua tia! Parente do mato te comeriiiiiiiiiiia? 10


11


A menina perguntou então ao cachorro: – O que é que eu digo, cachorro? O cachorro respondeu: – Comeu e não me deu... me deu foi porrada, vá abrir sua porta. O bicho cantou mais uma vez: – Maria, Maria, tu abre esta porta que eu sou tua tia! Parente do mato te comeriiiiiiiiiiia? A menina perguntou ao galo: – O que é que eu digo, galo? O galo respondeu: – Comeu e não me deu... me deu foi porrada, vá abrir sua porta. Maria, então, levantou-se e abriu a porta. O galo começou a cantar: – Cu cu ru cu, Cu cu ru cu, Cu cu ru cu... Quando a mulher invejosa escutou o galo cantando, ela disse: O galo está cantando. Ele está dizendo que minha filha está rica. Vamos buscar Maria que Maria está rica. O galo não parava de cantar: – Cu cu ru cu, Cu cu ru cu, Cu cu ru cu... A mulher preparou boi, cavalo, saco, panacum, tudo para buscar a filha. O galo cantava lá embaixo: – Cu cu ru cu, Cu cu ru cu, Cu cu ru cu... E a mulher respondia de cima, cantando: – Maria está rica, Maria está rica, Maria está rica! Quando a mulher invejosa chegou na casa, ela não encontrou mais a sua filha, pois ela abriu a porta à noite e foi levada pelo bicho do mato. A mulher apenas encontrou o gato, o cachorro e o galo. 12


13


A menina perguntou então ao cachorro: – O que é que eu digo, cachorro? O cachorro respondeu: – Comeu e não me deu... me deu foi porrada, vá abrir sua porta. O bicho cantou mais uma vez: – Maria, Maria, tu abre esta porta que eu sou tua tia! Parente do mato te comeriiiiiiiiiiia? A menina perguntou ao galo: – O que é que eu digo, galo? O galo respondeu: – Comeu e não me deu... me deu foi porrada, vá abrir sua porta. Maria, então, levantou-se e abriu a porta. O galo começou a cantar: – Cu cu ru cu, Cu cu ru cu, Cu cu ru cu...

14


15


Quando a mulher invejosa escutou o galo cantando, ela disse: O galo está cantando. Ele está dizendo que minha filha está rica. Vamos buscar Maria que Maria está rica. O galo não parava de cantar: – Cu cu ru cu, Cu cu ru cu, Cu cu ru cu... A mulher preparou boi, cavalo, saco, panacum, tudo para buscar a filha. O galo cantava lá embaixo: – Cu cu ru cu, Cu cu ru cu, Cu cu ru cu... E a mulher respondia de cima, cantando: – Maria está rica, Maria está rica, Maria está rica! Quando a mulher invejosa chegou na casa, ela não encontrou mais a sua filha, pois ela abriu a porta à noite e foi levada pelo bicho do mato. A mulher apenas encontrou o gato, o cachorro e o galo.

Esta estória nos ensina que devemos ser humildes. Não devemos ser invejosos e que devemos cuidar dos animais. Lenira Calheiros

16


17


SUGESTÃO DE ATIVIDADES A SER DESENVOLVIDAS

Retomar algumas brincadeiras infantis. Valorizar a literatura oral mantida pelas comunidades quilombolas. Dar visibilidade a figuras de homens e mulheres quilombolas que marcaram a história das suas comunidades. Trabalhar temas como família, resistência, solidariedade, respeito aos mais velhos. Demonstrar e descrever o cotidiano das comunidades e as inúmeras atividades desempenhadas pelos quilombolas a partir de seus saberes.

VOCABULÁRIO aratu na lata (exp.) – ficar nervoso botar queixo (exp.) – reclamar coió (s.m.) – casa pequena coiózinho (s.m.) – casa pequenina empenado (adj.) – emplumado; coberto com a primeira plumagem mariscada (s.f.) – prato típico das comunidades praianas, preparado com vários mariscos, dentre eles: caranguejo, siri, ostra, sururu, camarão e algum tipo de peixe outeiro (s.m.) – montanha sarnambi (s.m.) – um tipo de marisco tapera (s.f.) – casa.

18


oriebiR

moc.rotcartarr et@or i eb ir

rb.moc.rotcartarret.www

brasilcomartes@gmail.com 071 3287-0435 / 8724-5455 / 9221-3298

6651-7564 11 6009 4565 9 11


Brasil

COM ARTES


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.