O Menino que a Caipora carregou

Page 1

O

MENINO que a CAIPORA carregou

Vilson Caetano de Sousa Jr. e Jair Sacramento Ilustração: Rodrigo Siqueira 1



©2013 Brasil com Artes Todos os direitos reservados Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte

Coleção Contos Quilombolas

O MENINO QUE A CAIPORA CARREGOU Autores: Vilson Caetano de Sousa Jr. & Jair Sacramento de Jesus Ilustração: Rodrigo Siqueira Pesquisa: Magnair Barbosa Marina Bonfim Projeto Gráfico: Ton Friche Revisão: Lise Arruda Maria Verônica

S729

Sousa Júnior, Vilson Caetano de. O menino que o caipora carregou / Vilson Caetano de Sousa Júnior; Jair Sacremento de Jesus. Ilustrador : Rodrigo Siqueira, -- Salvador: Brasil com Artes, 2013. 24p.: il. ISBN: 978-85-66694-04-- Coleção Contos quilombolas; v.2

1. Contos Brasileiros. 2. Ficcção . 3. Quilombos. 4. Folclore. 5. Negros-Educação. I. Jesus, Jair Sacramento de Jesus. II. Título

CDD: B869. 3

3


Minha avó que falava que tinha Caipora no mato. Aí ela não deixava a gente ficar no mato sozinha pra a caipora não esconder a gente. Aí a gente já ficava assim com medo de ficar assim no mato, não sabe? Ela dizia que existia caipora, que se a gente ficasse por dentro do mato que ela podia pegar a gente. Minha avó sempre colocava fumo no mato para a Caipora. A gente ficava com medo, ficava com preconceito. Que criança sempre tem medo das coisas quando os mais velhos conta. A gente ficava com medo. Eu, minha outra irmã, sempre ficava com medo assim, aí não ficava muito no mato. Mas a gente gostava de ficar brincando sempre aqui né, na mata assim, não muito longe de casa, mas sempre perto, ficava por ali brincando, quando era noite de lua a gente saia pro terreiro para brincar de roda, e a nossa alegria era essa. Ficava brincando de roda, brincando de se esconder, boca de forno, essas brincadeiras. Depoimento de Marileide dos Santos, 37 anos, quilombola de Salamina Putumuju.

4


O

MENINO que a CAIPORA carregou


O Quilombo Dendê fica bem pertinho da cidade de Maragojipe. Ele possui esse nome por causa da quantidade de palmeiras de onde é extraído o saboroso azeite de cores vermelha, laranja e amarela. Do Quilombo Dendê, pode-se chegar também, pelo rio, ao quilombo Porto da Pedra e à Vila de Capanema. Ainda hoje, alguns quilombolas se recordam do cais onde aportavam saveiros, dos vários engenhos que existiam na região, das fábricas que faziam telhas, tijolos e outros objetos de barro. Havia até pessoas que faziam panelas. No Quilombo Dendê, há até uma ilha chamada Ilha Santana, onde muitos quilombolas trabalharam. O Quilombo Dendê tem muitas crianças que, desde cedo, acompanham as mães quando elas vão mariscar. Outras ficam brincando à beira da maré, que é o quintal da maioria das casas. Brinca-se de jogar bola, de se esconder, de canoa. Uma vez ou outra, toma-se banho. Dona Jair é uma quilombola do Quilombo Dendê. Ela conta muitas histórias. Dona Jair é uma verdadeira professora. Ela ensina muitas coisas. Ela sabe benzer também. Dona Jair benze contra várias doenças. O filho de Dona Jair chamava-se Kelin. Kelin gostava de brincar com Elias, Rosa, Arthur, Vinicius, Ana Clara, Rafael, Pedrinho. Kelin era muito observador. Ele ficava olhando as pessoas indo e vindo do mato, trazendo lenha para cozinhar, para defumar o camarão, para assar as panelas de barro. Kelin ficava pensando: – O mato deve ser muito rico, pois dele os quilombolas retiram várias coisas: a lenha para acender o fogo; a madeira para construir as casas, fazer canoas; frutas como o jenipapo, a jaca, a manga; folhas para fazer chás, banhos e muitas coisas mais. Dona Jair: – Olhe, meu filho, a mata tem muitas coisas mesmo. Ela é muito importante para nós. Da mata, só podemos retirar o que precisamos para viver. 6


7


E contou a seguinte história: – Certa vez, um caçador saiu bem cedinho com uma turma de amigos e, logo à frente, encontrou um monte de porcos do mato. O caçador, apressado, esqueceu-se dos ensinamentos do seu avô, também caçador, que dizia que, quando ele encontrasse mais de um animal juntos, ele deixasse passar ou não atirasse no primeiro. O caçador atirou no que ia à frente. Além de ele não acertar o bicho, perdeu todo o restante e voltou para casa sem nada. No outro dia, o caçador disse: “Hoje, eu mostro se não vou trazer alguma coisa”. O caçador, então, acordou bem cedinho e entrou no mato levando um cachorro. Assim que ele entrou no mato, o cachorro correu na frente e começou a latir. O caçador, esperto, foi atrás do alerta do cachorro. Ao chegar mais perto, o caçador ouviu os gritos do cachorro apanhando. Ele pensou: “O que será isso? Hoje, eu vou pegar um bicho grande!” Quando o caçador chegou perto, o cachorro estava muito cansado. O caçador voltou para casa, mais uma vez, sem nada. Quando chegou em casa, o caçador contou a história à mulher. Dona Jair ouviu tal história e disse ao caçador: – Homem, tome cuidado que isso só pode ser coisa de Caípa! Você deve estar fazendo alguma coisa errada com a natureza! Ou então, está se esquecendo de levar mel e fumo de corda quando sai para caçar. Se lembre do que dizia os nossos avós: o mato é sagrado. A natureza é sagrada. E Dona Jair contou mais outra história:

8


9


Kelin era muito pequeno. Eu estava dentro de casa cozinhando e ele estava brincando do lado de fora, no terreiro. Em volta da casa havia também outras crianças. Quando me dei conta, o menino não estava mais ali. O menino tinha sumido. _ Meu Deus, meu Deus, cadê esse menino. Danei a chamar e nada dele responder. Saí procurando por várias casas e nada de encontrá-lo. Perguntei aos outros meninos se tinham visto Kelin e ninguém sabia do paradeiro dele. De repente a meninada se ofereceu para procurar Kelin. Entrou no mato e nada. Corre para lá, corre para cá e nada. Então eu comecei a gritar por ele, e de repente, comecei ouvir uma voz bem longe. Eu chamava num lugar e a criança respondia no outro. _ Minha Nossa Senhora, o que eu que eu faço? Eu chamava ele de um lado, ele respondia do outro. E a meninada nada de chegar. Então eu disse: _ Já sei, foi a Caipora que carregou o menino.

10


11


Dona Jair entrou pelo mato afora e encontrou o menino. A Caipora deixou o menino pintado da cabeça aos pés de carvão e colocou as pernas dele uma para frente e outra para trás.

Dona Jair trouxe o menino para casa e, a partir daí, passou a ensinar as pessoas que o mato é vivo. A Caipora é o espírito das matas. Ela toma conta de tudo que existe lá. Por isso, ela cuida de afastar as pessoas que não são amigas da natureza.

12


13


OBJETIVOS Trabalhar noções de natureza e meio ambiente. Valorizar as histórias quilombolas. Colocar as pessoas em contato com algumas palavras utilizadas pelos quilombolas. Dar noções do cotidiano das comunidades quilombolas.

VOCABULÁRIO caípa (s.f.) – outro nome da Caipora caipora (s.f.) – espírito das matas que guarda a natureza e protege os animais terreiro (s.m.) – área externa da casa.

14


oriebiR

moc.rotcartarr et@or i eb ir

rb.moc.rotcartarret.www

brasilcomartes@gmail.com 071 3287-0435 / 8724-5455 / 9221-3298

6651-7564 11 6009 4565 9 11



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.