Cartilha Cine É Da Hora! atualizado

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Capa


nada

folha de rosto

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ficha técnica

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apresentação

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agradecimentos

sumรกrio

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CapĂ­tulo 1: Na Escola

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No portão, fora da escola, estudantes num burburinho de primeiro dia de aula. Bianca percorre os corredores, passa por salas, revê colegas antigos, atravessa o pátio, aproxima-se da cantina, vê a merendeira e acena. Bianca: Ei Bem-Bem! Bem-Bem: Ei querida, como foi de férias? Bianca: Legal. Depois conto! Tô correndo. A aula já vai começar!

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Passa pelo refeitório, observa grupos de estudantes aglutinados em frente às portas das salas, cruza a sala da diretora e se aproxima de um grupo, Bianca percebe que todo mundo olha para a lista pregada na porta da sala.

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Milena: Nossa! A Lú ficou na B e você? Jhonatas: Eu fiquei na A! Milena: Caramba vou estudar com a Jamile na D... Bianca passa por mais de uma sala, ler mais de uma vez cada lista, até encontrar o seu nome. São tantos rostos, estilos, gostos e jeitos diferentes. A sala está lotada, percebe que a maioria das pessoas vem de outras turmas ou de outras escolas, ela gostaria de ter um canto para se esconder. Medo e vergonha se misturam, a garota se movimenta pela sala com dificuldade até arranjar um lugar para sentar. Muitos estudantes continuam em pé, próximos da porta, outros sentados nas cadeiras e ainda outros sentados no chão. Um jovem, aparentemente de 26 anos, entra na sala e se aproxima do grupo que está formado ao lado da porta. Junta-se ao grupo e participa da conversa.

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Jhonatas: Cê viu o Thiaguinho? ...Mô jeitinho... Milena: Jeitinho de quê? Jhonatas: De menina ué? Não tá percebendo não? Milena: Percebendo o quê? Jhonatas: a calcinha dele, Olha lá ...ririririri Milena: Né calcinha não mané¹, é calçazinha....aiai risos Marcelo: Calçazinha né? E você com esse brinquinho? Isso é coisa de homem por acaso? A turma cai na gargalhada, mas em seguida todos passam a prestar atenção. Alguns dos estudantes já tiveram aula com ele no ano anterior e conhecem muito bem o senso de humor do professor. Em meio ao alvoroço, Bianca avista Nanda, uma amiga de turma do ano passado. Marcelo: Mas afinal, o que

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é coisa de homem e coisa de mulher? Alguém poderia me responder? Há um silêncio misturado com algumas falas, há uma tensão, há um respeito. Marcelo: Bom, aproveito pra me apresentar. Meu nome é Marcelo, algumas pessoas aqui já me conhecem do ano passado... Sabem como eu dou aula... A turma aos poucos vai silenciando e prestando atenção. Bianca fica empolgada pois nunca tinha estudado com um professor tão jovem. No final da aula, Bianca respira aliviada e fica contente por avistar Nanda que conversa com um monte de gente no corredor. Espera um tempo até que consegue se aproximar. As duas amigas se abraçam e comemoram o fato de estarem mais um ano na mesma sala.

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contra capa capítulo 2

Bianca e Nanda saem pelo portão da escola. Porteiro: Nossa calma, amanhã tem que sobrar o portão para vocês entrarem crianças. Alex: Hiii! 4Qual é seu Zezin, aqui num tem criança não! Bianca está bem cansada.

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Bianca: ...e então como você foi na prova? Aquelas questões estavam de derrubar qualquer um. Estou arrasada 5... E olha que meu sobrenome é Einstein 6, hein? Nanda: Sério? Eu arrasei! Achei tranquilo. Nanda: Dhan! 7 Se fosse assim a professora Leila nem prova daria, pouparia o meu sofrimento...Seria boazinha boazinha. O sobrenome dela é Jesus! Bianca: Rsrsr

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Nanda: Então, vai fazer o quê? Você tá de bobeira por agora? Bianca: Por quê? Nanda: Vai rolar 8 sessão de cinema de graça hoje. Bianca: Ah, não sei. Nanda: De graça!!!!!!!!! Bianca: Em que shopping vai ser? Nanda Lá no...no... Nanda retorna ao cartaz, colado no muro da escola, para ver o lugar do cinema. Nanda: Lá no cine...cine-clube? “Cine-não-é-shop”... Óh...Fica perto da sua casa, é caminho pra você!. Bianca: É... o filme parece bom... Nanda: Se fosse no Shopping sairia mó 10 caro. Vamos logo! Nanda animada com a sessão sai puxando sua colega pelos braços. O espaço não é grande, nem estruturado como as salas de cinema da cidade, mas é bem agradável e tem pessoas bem legais, como elas percebem logo que chegam. Uma jovem se aproxima e se divide entre os cliques da câmera, a organização do espaço e a recepção. Luciana: Chega mais pessoal, ainda tem lugar, é só sentar e esperar um minutinho que a gente começa daqui a pouco. Claudinho: Bem vindos ao Cineclube15 “CineNãoéShop”... Podem ficar à vontade! Antes do início da sessão, as meninas olham o espaço ao redor, da decoração com cartazes de filmes variados pregados nas paredes, a maioria de títulos brasileiros.

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Claudinho: Galera...Meu nome é Claudinho! Luciana: E o meu Luciana, podem me chamar também de Lú...

Ficamos felizes que vocês tenham vindo. Esse espaço nós conseguimos com muito esforço para oferecer filmes pra toda comunidade. Claudinho: Nós exibimos filmes uma vez por semana, sempre na quarta-feira. Então pra começar, eu...

Claudinho é interrompido por um apressadinho do fundo. Apressadinho: Começa logo, pô!17 Luciana: Cara18, a gente já começou, se fosse no cinema do Shopping estaríamos vendo propaganda agora, com certeza. O que eu quero dizer com isso é que, além da gente não cobrar por essa sessão, nós valorizamos a convivência no espaço. A idéia é todo mundo ter o cineclube como ponto de encontro, para se divertir e trocar idéias. Claudinho: É isso mesmo Lu, por isso valorizarmos a fala do outro. Inclusive depois que o filme acabar, quem tiver a fim, pode ficar pra gente conversar sobre o filme...é isso aê...19 Luciana: E quem quiser cantar, recitar poesias, dançar e se expressar à vontade... Bianca: Cartazão mó chapoca20...mas ninguém da escola veio... Nanda: Nem você tinha visto... Se eu não tivesse falado com você... Claudinho pega uma corneta, toca um amontoado de notas pra despertar o público e não perdoa o técnico do cineclube, que está mais interessado na menina da pipoca do que nos equipamentos.

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Claudinho: -Toninho dá o Play 21! ...Toninho? Claudinho toca a corneta em direção ao “Don Juan cineclubista” e, em tom de brincadeira, chama a atenção do amigo: Claudinho: Pô Tonho, sei que cineclube também é convivência, mas sem filmes não dá né? Simbora22 meu... O filme é bem divertido e envolvente. Nanda e Bianca participam da conversa que

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longas, outras rápidas e tímidas, umas diferentes das outras. O clima25 de debate continua na saída da sessão. Nanda muito perguntadeira, não perde tempo, enchendo os cineclubistas de questões. Luciana e Claudinho respondem o que podem.

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Nanda: Que pena que não apareceu muita gente da escola. Tenho certeza que a galera ia se amarrar 26 nos filmes, na conversa, na música do final... Luciana: O pessoal 27 não assiste filmes na sua escola não? Nanda: Sim... Mas só de vez em quando e não é desse jeito que vocês fazem. Assim é mais legal... Claudinho: Ué28... Vocês podiam desenvolver um cineclube na escola de vocês... Nanda: E pode? Tem como

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montar um cineclube na escola? Luciana: Claro que pode! Cineclube é um espaço aberto e pode acontecer em todo canto. Eu mesma comecei a participar do cineclubismo29 na minha escola... Claudinho: Pois é Nanda... Cineclube pode acontecer em qualquer lugar, tipo na comunidade, na igreja, ONG e até em escolas. Depende da vontade e do esforço de um grupo de pessoas.

capa capítulo 3

Nanda não vê a hora de encontrar o professor Marcelo. Tem muita coisa pra dizer e perguntar...

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contra capa capítulo 3 Nanda (pensativa): Será que ele vai topar30? E se não quiser? E se ele num topar, quem vai ajudar a gente?Isso tem que dar certo...(sugestão: apresentar como ilustração) Nanda: Isso tem que dar certo... A última frase não foi só um pensamento...

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Marcelo: O que tem que dar certo? Nanda: Ai que medo... Profi31... Você leu meu pensamento? Bianca: Cê32 boba menina... Você acabou de falar “isso tem que dar certo?”. Marcelo: Afinal o que tem que dar certo? Bianca: Só pode ser uma coisa... Ela não parou de falar disso a semana toda (...)é cineclube prá lá... Cineclube pra cá... Cine...

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Ufa!!! Marcelo: Como assim Cineclube? Vocês tão pensando no quê? Nanda descreve para o professor a sessão cineclubista, a recepção, a empolgação das pessoas, a decoração do espaço, o filme, o bate-papo, as apresentações culturais.

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Nanda: … E a gente pensou que seria muito massa33 montar um cineclube aqui na escola... E aí, o que que você acha professor? Acha que pode dar certo? Marcelo: Hunnn... Sei não... Esse negócio de cineclube na escola não dá muito certo... Jovem envolvido, desorganização... Vocês sabem como é que é a juventude né?... Bianca: Ah professor! Você tá de brincadeira né? Marcelo: Brincadeira? Cineclube é coisa séria! Tamo junto34! Bora juntar uma galera e colocar essa idéia pra funcionar! Podem contar com o meu

apoio! O professor não perde tempo, a aula começa, inicia sua fala sobre a idéia de se montar um cineclube. Nanda e Bianca estão surpresas e se perguntam de onde vem tanta empolgação. Marcelo fala da novidade pra turma e do protagonismo35 de Nanda e Bianca. Ele recorda a época em que seu pai atuava num cineclube no centro comunitário onde moravam quando criança. Ele tem boas lembranças das sessões: o cheiro de pipoca, o escurinho da sala, as gargalhadas, as lágrimas, os papos(25) que rolavam após os filmes. Todo esse clima o marcou pelo resto de sua vida. Marcelo: Ê tempo bom... Nanda e Bianca são chamadas por Marcelo para falarem sobre a experiência no “Cinenãoéshop”. Nanda: ...Só sei que foi mó legal e que todo mundo não queria ir mais embora. Se a gente não tivesse que estudar pra prova, tinha ficado até mais tarde, né Bianca? Algumas pessoas querem saber mais sobre cineclube, outros não se interessam pela iniciativa. Marcelo volta a falar de seu pai, um cineclubista36 histórico. Marcelo: “Uma receita para um cineclube existir é: pessoas, filmes, um lugar qualquer...e uma boa pitada de vontade...”, já dizia papai. Em seguida, o professor traz mais uma questão.

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Marcelo: Mas, como vai ser esse cineclube? Que tipo de filmes vai ser exibido? Alguém aí tem alguma idéia? A turma entra em alvoroço, são muitas sugestões. Cada pessoa quer opinar sobre os filmes, são muitas falas e opiniões sobre gêneros38, classificação39, tamanho40, formato41 dos filmes a serem exibidos.

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Rodrigo: A gente podia passar aqueles filmes bem pequenos, que tem na internet... Alex: Hum... mó palha42, eu prefiro aqueles grandões... Filme pequeno acaba logo, não tem graça nenhuma ... Rodrigo: Ah, nada a ver... Filme curtinho é legal porque dá pra gente ver um monte diferente, é rapidinho mesmo! Nanda: Gente! O mais importante é a qualidade. Marcelo: Tem razão Nanda...Há filmes que em minutos dizem tudo e outros que com horas dizem...tudo também... ou nada... Brincadeira... O importante é sentirmos as duas possibilidades e não termos preconceitos43... Rodrigo: Ah... Boto Fé44... Marcelo: Temos outra questão. Que gênero de filme vamos exibir? Alex: Hã? Como assim? Nanda: “Tipo”, que tipo de filme nós exibiremos...Sacou45? Alex: Qualquer um desde que tenha comédia e ação! Jhonatas: Tem que ser terror ou suspense... Agora esse negócio de drama e romance eu não aguento não ... isso é filme de mulherzinha... é muito chororô46... Rodrigo: Que nada! Filme de romance é massa... Eu gosto... Alex: A gente podia exibir tipo aquele que vai passar à tarde

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na TV... Milena: Prefiro o que vai entrar em cartaz no cinema agora... Bianca: Na moral47 galera... Se for pra assistir filmes que eu posso ver em casa e no cinema... Pra que então criar um cineclube? Pode até rolar vez ou outra. Em pouco tempo, a maior parte da turma sugere temas e formatos de filmes. Marcelo: Pera aê 48 ..Pera aê...Calma.. O professor Marcelo se surpreende com a participação de boa parte da turma. E o melhor é que os temas sugeridos se encaixam bem no seu plano de aulas, nos assuntos que pretende trabalhar durante o ano. Marcelo: Gostei muito das sugestões. Nanda: Professor, mas e se a gente... é.... Marcelo: Já sei … Você não tem nada em mente né? Nanda: Professor? Como você descobriu? Marcelo: Hahahahaha Você não sabia que além de professor eu leio pensamentos e faço previsões hein?... Marcelo: E por falar em previsões.... Eu prevejo que na semana que vem.... hunnnn....hunnnn... Alguém vai trazer uma grande idéia...

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capa capítulo 4

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contra capa capítulo 4

Na hora da merenda, Nanda e Bianca conversam sobre as possibilidades de temas para trabalharem no cineclube. Alex aparece com mais um prato, as meninas ficam impressionadas com o apetite do garoto e comentam: Bianca e Nanda: Caraca50 moleque51...é o 3º ou 4º prato? Alex: O que? Hã? É o 5º! - Passa a mão na barriga - Ah... Colé, vou perder a comidinha da mamãe... Bianca: Mamãe? ... Dona Bem-Bem é sua mãe? Alex: Então... pode ser sua sogrinha, gata52... - risos. Bianca sorri sem graça, ela não sabe lidar com cantadas de garotos e nunca sabe o que responder nestas situações.

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Alex: Então Nanda, esse lance53 de cineclube vai rolar mesmo né? Nanda: Claro! Não tenho mais dúvida...

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Alex: Pode contar comigo para agitar54 a galera e para mais algumas coisas também... Pisca o olho pra Bianca... Nanda: Valeu Alex... Vamos precisar de todo tipo de ajuda e de muita gente! Você teve alguma idéia? Alex: Sobre o quê? Nanda: A parada55 do tema que o professor falou.... Alex: Então, por mim a gente falava de futebol, conheço uns filmes irados56. São até brasileiros. Assisti na casa do professor lá da escolinha de futebol. NandaT: É... Eu acho futebol muito legal, mas... ainda não é “o tema”, saca? Alex: Sei... A gente pode falar de outras coisas também, tipo.... namoro, amor, paixão... O que acha hein Bianca? Hã, hã... Bianca fica vermelha, não acredita no que ela está ouvindo, sempre que pode, Alex lança seu charme. Bianca: rsrsrs... Parece interessante... Mas vamos ver ainda com o resto da galera né? Nanda, já agoniada com a situação mal-resolvida, sai e deixa a amiga sozinha com Alex. Depois da aula, Nanda aproveita pra dar uma volta na pracinha, conversar com os colegas que sempre se agrupam por ali, ela quer conversar sobre o tema do cineclube. No caminho encontra Claudinho.

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Claudinho: E aí Nanda, quando você vai voltar lá no Cinenãoéshop? A gente está organizando uma mostra58 de filmes sobre o Dia Internacional da Mulher59 que vai circular por toda a comunidade. Vem participar com a gente!

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De repente Nanda lembra que a escola toda se prepara para discutir esse tema e comenta. Nanda: E se a gente fizer esta mostra na escola? Tipo...., junto com vocês. O cineclubista fica bem empolgado com o interesse de Nanda. Claudinho: Vocês podem contar com a gente sim. Essa pode ser a primeira sessão de vocês! Vamos marcar um encontro pra apresentar a idéia pro resto da galera do Cinenãoéshop? Em meio a conversa, Rodrigo se aproxima e aborda Nanda. Ele fala do seu interesse em contribuir com o cineclube e da possibilidade de divulgar as atividades no seu blog60, que é muito visitado.

Nos dias seguintes, Nanda e Bianca continuam empolgadas, elas conversam com funcionários e funcionárias da escola para apostarem na iniciativa; cada dia mais ganham a adesão de professores e professoras de diversas disciplinas, está tudo certo com a parceria do Cinenãoéshop, só falta garantir o público. Alex: E aí galera, vocês vão participar da mostra né? Jhonatas: Sei lá, acho esse negócio de cineclube mó palha... Rodrigo: Você já participou de algum? Jonathas: Eu não... Rodrigo: Então porque você não gosta? Jhonatas: Ah, mó viagem63 meu... Milena: Não liga pra esse moleque não Rodrigo.... Ele tá botando pilha errada 64... Alex: Pow cara, vamos lá, vai ser maneiro, além de rolar filmes... Vai ter música com as gatinhas do grupo de Rap...

Marcelo: Eu sempre soube que vocês trariam uma ótima idéia. Não é à toa que eu... Nanda e Bianca: … adivinha todas as coisas! Marcelo: Vocês estão espertas hein? Então! Bora colocar esse cineclube pra frente!

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Após a aula, Marcelo vai com Nanda e Bianca conversar com a diretora da escola e chama boa parte da equipe pedagógica para apresentar a proposta, e não é difícil convencer sobre a importância do cineclube. Durante a conversa, Marcelo defende o cineclube como um instrumento importante para contribuir com o PPP62 da escola.

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Durante a semana, o papo mais comentado é o tal cineclube. Pelo menos da boca de Nanda, não sai outro assunto. Bianca também está no mesmo clima, e até Alex fala de cineclube só para dar em cima66 das meninas. E ainda tem o Rodrigo que não perde tempo em linkar67 seu blog à idéia do cineclube. O tema abordado pelo cineclube já está sendo debatido na aula de história, relatando quando, como e o porquê se comemora o Dia Internacional da Mulher. Na matemática, são apresentados dados de violência contra a mulher e estatísticas de denúncias feitas nas Delegacias68 e no Disque Denúncia 180 69. Várias matérias têm alguma contribuição para a discussão. O cheirinho de pipoca ganha a cantina, Dona Bem-Bem capricha na manteiga. Nanda chama o pessoal de fora da sala para entrar. Alex conta piadas e enche a sala de gargalhadas. Claudinho e Luciana aparecem e já vão se misturando ao clima da mostra de inauguração do cineclube. Rodrigo mexe nos equipamentos, testa o som e o DVD. Solta um rap de um grupo de meninas da comunidade, que vai se apresentar. Um grupo de adolescentes acompanhando a professora de português, se reúne no canto da sala para juntar os poemas que escreveram e que também vão fazer parte do momento cultural. Bianca vai para a cozinha arrumar as sacolas de pipocas e os copos de suco, Alex a segue, e sem ela perceber, o menino pega na sua mão. Bianca, assustada com a intimidade do garoto, deixa a bandeja de suco cair no chão.

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Dona Bem-Bem: Minha filha o que é que aconteceu? Alex: É o amor, mãe... Bianca: Se toca70 garoto... Alex: Só se for em você... Bianca: ... Enquanto o embaraço entre Bianca e Alex acontece, tem inicio a primeira sessão do cineclube. Após uma rodada de sugestões, é votado o nome, que diante de tanta empolgação de Nanda e coleg@s, não poderia ser outro: Cine Empolgação. O professor Marcelo fala da importância do “Dia Internacional da Mulher”. Antes de exibir o filme, Nanda fala um pouco sobre o novo cineclube, e em seguida convida Claudinho e Luciana para falarem da atuação do Cinenãoéshop. Logo depois o filme começa.

O filme termina, metade da turma se levanta para ir embora. Nanda, preocupada, tenta chamar as pessoas para ficarem para o debate e para o momento cultural. Mas poucos permanecem. Marcelo, Lú e Claudinho fazem coro com Nanda e convocam a todos. Nanda: Pô, logo agora que a chapa vai esquentar71 vocês saem... Marcelo: Claro que ninguém é obrigado a ficar... mas esse é o momento pra gente trocar ideias, ouvir o opinião do colega e exercitar a nossa escuta e a nossa fala... Luciana: Será que todo mundo compreendeu o filme da mesma forma? Claudinho: Só vamos saber se a galera começar a falar. E aí

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molecada72, que curtas vocês gostaram mais? Rodrigo: A maioria eu não gostei não, mostra muita injustiça que as mulheres sofrem. Marcelo: Pera lá Rodrigo...Você não gostou do filme ou das injustiças e desigualdades que ele mostra? Rodrigo: Foi mau profi...O que eu quero dizer é que o filme é bom porque nos faz pensar sobre essas maldades que as mulheres passam em suas vidas... Juninho: Eu achei mó palha aquele vídeo da Poli, menina sem-vergonha ... Ficou na maior cara-de-pau73 com três garotos.... Alex: Ah ela era gatinha, até eu pegava74... Juninho: Qual é Alex, você gosta de ficar com qualquer garota? Esse tipo de menina não vale nada véi! 75 Alex: Vale sim, e como vale... Milena: Sei... Vale, ah vale... Pra você não faz diferença mesmo né? Fica com qualquer uma... Parece até o Rafa do filme! Rodrigo: É mesmo, o Rafael parece com Você Alex... A turma cai na gargalhada. Jhonatas: Eu acho que é natural do homem tomar atitude... Agora mulher ficar chegando76 nos caras...Pô isso aê é se desvalorizar...Menina direita fica no aguardo77... pra trocar uma idéia com o cara certo e quem sabe rolar alguma coisa... Né não? Nanda: Tá... e o tal cara “certo” não está “errado” por ficar com um monte de meninas, não? Alex: Eu gosto quando as meninas chegam... Não vejo problema nenhum nisso...

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Nanda: Hein galera, porque que vocês só ficam falando da Poli? O Rafa ficou com a geral78, mas ninguém fala nada... Só porque ele é homem... Juninho: Colé meu... sai com esse papinho de moça daí … a gente tá dizendo o que ela é na real... Luciana: O que ela é na real? Livre ... Que quer se sentir bem, de forma responsável, com quem quiser e lhe interessar? Isso é o que ela é na real? Alex: Colé Lu, isso num é real não, é só um filme! Claudinho: Será que filmes não são inspirados na vida real? Vocês não conhecem nenhum caso parecido com esse no bairro ou mesmo na escola de vocês? Juninho: O garanhão79 aqui deve ter uns aí pra contar, né não Alex? Alex olha pra Bianca e dá uma piscada de olhos.

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Alex: Pow, eu até teria mais um aí, mas tá difícil meu... E olha que tô investindo80 faz tempo... Marcelo: Mas aê é massa trocar essas idéias, mas vamos voltar pros filmes... Juninho: Eu queria dizer antes do Alex ficar contando sobre seus casos amorosos que nós somos diferentes... O homem sente mais vontade mesmo, não dá pra controlar, saca? Ainda mais com as meninas dando mole 81... A gente nasce assim... Já as meninas são mais frescas 82, mais de sentimento... Jhonatas: Falô tudo. Juninho: Quando elas não querem, elas não ficam... Se ficam é por safadeza mesmo... A gente não consegue, é muita pressão... Só sendo homem pra entender isso...

Luciana: Safadeza ou desejo? Porque que quando o homem sente vontade de ficar com mulheres é desejo e quando é a mulher que sente, é safadeza? E tem mais: será mesmo que a gente nasce assim... homens descontrolados, verdadeiros predadores e mulheres controladas? Será que a mulher não sente desejo? Bianca: Pô, eu volto no que a Nanda perguntou: por que a gente fala assim da Poli, mas sobre o Rafa e os outros meninos que ficaram com a Poli nós não falamos nada? Por que? Luciana: É isso aí Bianca! Porque esse tratamento diferente se repete dentro de casa, quando somos apenas nós responsabilizadas pelos serviços domésticos? No mercado de trabalho, quando ganhamos menores salários que dos homens? No campo político, quando ainda somos uma minoria?

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Ao final da sessão, macarrão quentinho preparado pela Bem-Bem é servido na cantina. Alex já no terceiro prato, conversa com outros meninos da turma sobre como adora comer o macarrão da mamãe. Nanda, ao passar por eles, ouve a conversa e não perde tempo em falar da deliciosa macarronada que seu pai prepara. Um dos colegas lhe pergunta quase que simultaneamente: Alex: Seu pai...cozinha? Nanda: Como assim... E o seu não?

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Parece que mais uma questão surgiu. A sessão desencadeou várias idéias, imaginações, problemas e várias interpretações sobre as relações entre homens e mulheres. As conversas não paravam e foram tomando outros rumos. Alex: Não o quê ? Nanda: Cozinha! Alex: Nâââo! Lá em casa é só a mamãe e minha irmã. Nanda: E você doido84, num faz nada não? Alex: Colé85 Garota, tá me estranhando é? Isso num é coisa de homem não... Nanda: Ahn, fala sério cara, nada vê...Você num viu falar ...nunca viu na TV chefes de cozinha, mô desligadão86 hein... Mas me diz aê: Por que homem não pode cozinhar?

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capa capĂ­tulo 6

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contra capa capítulo 6

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Alex já perdeu as contas de quantas vezes tentou conquistar Bianca, mas não quer desistir. Uma vez ele ouviu de um colega que meninas quando se fazem de difícil, no fundoquerem. Ele acha que Bianca está fazendo charme. “E que charme!”, pensa. Bianca: Que que foi menino, tá doidão é?... Alex: Hã? Bianca: Ai ai ,cada coisa... Alex: hummmm....Ei gata,

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tava pensando em você agora.... lembrando de momentos bons... até quando você vai me enrolar88 hein? Não vê que estou doidinho por você não? Bianca suspira profundamente... Bianca: Não estou me sentindo bem... Alex: Fica comigo gata, que vou fazer você se sentir melhor. Bianca: Qual foi o site de cantadas prontas que você leu? Bianca nem espera a resposta, deixa Alex falando sozinho e vai embora. Sua vontade é de desaparecer, na verdade não sabe como reagir nessas situações. Ver as amigas ficando com garotos, mas alguma coisa está diferente, precisa conversar sobre isso com alguém. Mas não é fácil ter com quem desabafar. Em casa, seus pais evitam tocar no assunto, apenas dizem algo quando sua irmã provoca. Aliás, Bianca é muito diferente de Beatriz, sua irmã que se relaciona com os meninos com muita naturalidade e sempre tem histórias pra contar. Ela também tem algumas histórias, mas não conta com o mesmo entusiasmo que a irmã. Bianca é uma das meninas mais cobiçadas da escola, metade dos garotos, dos mais variados estilos, querem ficar com ela. Até já ficou com alguns deles, mas algo está mudando dentro de si, com relação aos seus sentimentos. Ultimamente está se sentindo sufocada, pesada, às vezes até se deprimindo. Em casa, na escola, na praia, no cinema, nos passeios com os amigos, nas viagens em família, em qualquer lugar, uma angustia a invade e não sabe como lidar com este sentimento confuso.

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Alex nem percebe que Bianca havia saído, por um momento entra no mundo da imaginação e pensa em Bianca em seus braços. Poli, a personagem polêmica do

filme, ganha a sua imaginação. Ele se pregunta porque Bianca não é como a Poli. Alex não pode esperar mais por uma iniciativa de Bianca, já usou todo o seu charme, a sua lábia. Alex: hummmmmmm... Ele lembra de uma estratégia que sempre usava. Aliás estratégia era seu forte, o futebol lhe ensinara muito, lembrou que o segredo é ser próximo da melhor amiga da menina. Alex: Nanda...Ô Nanda...Minha vida depende de você, meu amor.. Nanda: Desde quando? Pára de falsidade... Alex: Desde quando minha vida depende de você ou que você seja meu amor...? Nanda: Bobão... Fala logo... Alex: Gata demais... Eu sei que você também é, mas... Eu tô falando da Bianca... Vocês são chegadas... Me dá uma força com ela cara...Diz aê, ela anda falando alguma coisa sobre mim ultimamente? Nanda: Falou que você é um cara bacana... Alex: Bacana... só bacana...? Nanda: Você é um cara popular, conversa com todo mundo, ela disse até esses dias que acha que você... Alex: Fala...eu sei que ela disse mais coisas...fala... fala.. Nanda: ...seria um ótimo … Alex: Você tá de zoação comigo, né? Fala logo. Nanda:...articulador para o nosso Cineclube...isso é bom... eu também acho isso cara, você é perfeito pra chamar geral, quem você não conhece no bairro, hã? Quem não conhece você? Você tem que ser nosso articulador... Mas não é isso que o garotão quer ouvir.

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Alex: Articulador...Articulador...No máximo o que eu sou de ARTI é um ótimo artilheiro... Nanda: E nem um pouco convencido também...colé cara! Sei que você gosta de tá junto da galera...e tem mais, é uma chance a mais pra você ficar perto da Bianca...E, num esquenta, vou trocar uma idéia com ela... O celular de Nanda toca, ela identifica a ligação, é seu pai pedindo para ir para casa lhe ajudar a preparar o jantar. Nanda: Tele Cupido boa tarde, em que posso ser útil? Nanda nem tem dúvida, ela adora preparar comidas gostosas com seu pai. Nanda: Depois a gente fala mais sobre isso, preciso ir pra casa agora... Alex: Ah não... fala rapidinho... Nanda: Não posso meu pai tá precisando de minha ajuda agora. Alex:.. Você enche a bola94 do coroa95 hein... Seu pai deve mandar muito bem né96? Nanda: sim... e como... Alex: Ó... por favor...Não vacila97 não...Não esquece de falar com a Bianca hein... Nanda liga para Bianca e lhe convida para o jantar, a amiga prontamente aceita. Já na casa da colega, Bianca, sente o cheiro do jantar... Era tudo muito diferente de sua casa... Homem na cozinha era só pra beliscar ou atrapalhar...

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Bianca: Qual é a grande novidade? Nanda: Menina, nem te conto... Bianca: Conta sim, fala logo.

Nanda conta tudo sobre Alex e pergunta a Bianca o porquê da falta de interesse pelo garoto mais divertido e popular da escola. Bianca: Não sei... Nanda: Já sei, é outro garoto né?... Aaah por isso que você nem tá dando bola100 pro coitado do Alex. Você tá apaixonada... que lindo “miga”101! Bianca: Não... não que eu não queira estar gostando de alguém... O lance não é com o Alex, que é mesmo gatinho e mó descolado, é sério, acho ele uma gracinha. Nanda: Hum...Tá elogiando demais agora hein, sei não... Bianca: Pow, Nanda... Tô falando sério.. Ultimamente não tenho ficado muito a fim... Nanda acha que se insistir mais um pouco, Bianca conta tudo. Nanda: Tá, mas agora é sério, hein...Meninos às vezes são chatos mesmo, com suas brincadeiras bobas, mas miga, a gente já passou da idade do clube do Bolinha e da Luluzinha, esse negócio de briga de sexos, fica só nas gincanas chatas da escola...Time de meninos e time de meninas...Acho muito sem graça... Eita 102 atraso hein Bianca... Fala sério103... Bianca: Sei... Nanda: Poxa amiga, dá uma chance pra ele vai? Você até confessou que ele é gatinho, hã? Bianca: É confessei... Nanda: Então miga! Vai dizer que você não sente vontade de ficar com alguém, hã? Bianca: Sinto... Nanda: Então! Fica com ele104, fica! Fica! Fica! Bianca: Pára Nanda!

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Nanda começa a desconfiar que a colega esconde algo. Bianca: Eu acho que eu gosto... Nanda: Não é do Rodrigo não, né? Bianca: Por que? Tá preocupada ? Ah... Vai dizer que você tá gostando do Rodriguinho hein? Nanda: Não sei... Pára miga a gente tá falando de você e não de mim...Você tava dizendo que acha que gosta de alguém... Então? Bianca: Né nada não... Deixa pra lá... É viagem105 minha... Nanda continua perguntando, sabia que se insistisse mais um pouco a amiga acabaria respondendo... Bianca: Esses dias... Nanda: Hã... Bianca: Olhei para uma colega de forma diferente... Nanda: Como assim de forma diferente? Bianca: Senti algo forte...uma sensação, sei lá … Nanda: Que sensação? Bianca: Um desejo... Nanda: Desejo de quê?? Bianca: Sei lá vontade de beijar, abraçar sei lá... Nanda: Mas como assim? Bianca: Nanda... Senti vontade de ficar com uma menina! Nanda: Sério?... Credo miga, mas num era eu não, né? Bianca: Não Nanda, não era você...

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Nanda fica um pouco chocada com a fala da amiga, nunca passou pela sua cabeça que Bianca pudesse sentir alguma coisa por meninas. Era muito diferente para Nanda pensar em Bianca dessa forma. Ela já tinha visto histórias assim em filmes, pela TV e

na internet, e achava até tudo “meio normal”, mas com a amiga soava muito, muito estranho... Nanda: Mas foi só uma vez né? Bianca: Na verdade.... não... Não consigo me lembrar quando isso começou... Eu acho que já sentia isso antes de te conhecer, mas não sei dizer bem quando... Só sei que já senti outras vezes, mas eu sempre tento não sentir, evitar, sabe? Mas sei lá, por mais que eu tente, eu não consigo... É mais forte do que eu... E dessa vez foi muito forte! Nanda: Como assim? Bianca: Sei lá, o sentimento não é só de vontade de ficar sabe? Tô sentindo outras coisas, vontade de ficar por perto... Eu acho até que estou apaixonada... Nanda: Hã? E os meninos? Eu lembro que você já ficou com alguns, parecia que você gostava... ou você estava mentindo? Nanda nunca havia desconfiado de nada, até porque Bianca sempre comentava sobre alguns meninos... Na verdade... Já fazia tempo que isso não acontecia... A declaração da amiga, acabou fazendo Nanda recordar de várias situações em que a amiga olhava diferente para meninas... Bianca: Então, eu fiquei com alguns meninos porque todo mundo ficava... Lembro até que não tinha gostado muito, mas pensei que era assim mesmo, sei lá.... achei que depois melhoraria... Lembro até de você falando do Luy, que você não tinha gostado, achei que era normal... Nanda: É... o beijo do Luy era ruim mesmo, e ele era meio estabanado 106, por isso que não gostei... Nanda fica nervosa com a comparação da amiga e acaba se alterando, falando muito alto com Bianca, quase gritando... Nanda: ...E isso não significa que eu goste de meninas! Bianca: Sim, mas, sei lá, pra mim sempre foi meio sem graça, até começar a ficar

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nojento... Eu tentei insistir com os meninos, para ver se esse sentimento por meninas passava... Mas n達o est叩 funcionando... Magoada e decepcionada com a forma como a amiga a tratou, Bianca nem se despede e vai embora, os sentimentos agora s達o muito, muito grandes, t達o grandes que ela se sente sufocada, pressionada. Bianca se sente muito pequena.

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capa capĂ­tulo 7

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contra capa capítulo 7

É mais um dia de aula, no entanto Nanda não passa na casa de Bianca, quando se aproxima da rua, desvia o caminho. Fica sozinha nas primeiras aulas, durante o recreio, tenta fugir de todo mundo, tranca-se no banheiro e espera o sinal bater para retornar à sala. Permanece calada durante as aulas, sem fazer perguntas, como de costume. Na saída, senta-se no banquinho da pracinha que está vazia. Não quer ir logo para casa, pois seu pai pode perceber que ela não está bem. Não sente vontade de conversar com ninguém, nem mesmo com o pai, e permanece ali sentada no banco, enganando o tempo e os sentimentos.

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Rodrigo: Ei Nanda tudo bem?

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O garoto percebe a ausência da menina no recreio e sua mudez durante as aulas. Ao avistá-la na pracinha, vai a seu encontro. Nanda: Ei... Rodrigo: Por que você está aí sozinha? Sempre está rodeada de pessoas, colada com Bianca... Falando nela, parece que não veio hoje hein? Nanda não responde nada, na verdade não quer falar, não sabe explicar o que está sentindo. Rodrigo senta ao seu lado e encosta o braço nela, e seu

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corpo se estremece por inteiro, e o de Nanda também. Rodrigo (em tom meio nervoso): Não fica assim... Se não quiser falar nada, não precisa, quando se sentir a vontade para falar, estarei aqui do seu lado, tá? Nanda se aproxima mais de Rodrigo que toma a iniciativa e a abraça. Agora, nos braços do garoto, sente a respiração dele próxima de seus ouvidos, sua pele macia, o calor do seu corpo, o hálito doce, o coração de Nanda dispara.

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Nanda toma coragem e beija o menino, que depois de meses despercebido, passou a chamar sua atenção, depois que se aproximou do cineclube. Já para Rodrigo... Mal sabia Nanda que seus belos cachos, a cor da sua pele e sua presença cheia de negritude*, já chamavam a atenção do garoto há muito tempo... E o beijo continua, continua e continua... Nem a movimentação da escolinha de futebol consegue separá-los. Nem Dona Bem-Bem, que acaba de sair da escola e passa por alí... Bem-Bem: Ah, como o amor é lindo! Bem-Bem: Muuuuuito lindo... Bem-Bem: Lindo!... Bem-Bem: Eita beijo bom... Ah minha época de namoricos!.. Os dois saem de mãos dadas e começam a rir. Dona Bem-Bem pisca os olhos e segue para casa. Depois daquele encontro, muitos outros se sucedem, muitos abraços e beijos também. E junto várias sessões cineclubistas, agora organizadas pelo casal mais grudento da escola.

A temática escolhida para a próxima sessão é sobre questões étnicorracias*, por conta da data que se aproxima: o Dia da Consciência Negra*. A escola também se programa para a data e, é claro que, o Cine Empolgação não fica de fora das comemorações. Alex, que de início era mais empolgado com Bianca do que com o cineclube, agora está bem envolvido com a mobilização. Não que tenha desistido da menina, mas é que também gosta de investir em outras garotas, e também gosta de participar dos bate papos e das apresentações. Bianca passa a não se incomodar tanto com a presença do garoto, começa a levar as investidas do menino como se fosse uma brincadeira, acreditando que um dia ele vai se cansar. Mesmo atuando juntas nas sessões cineclubistas, estudando na mesma sala e se esbarrando vez ou outra durante o recreio, Nanda não toca na conversa que tiveram sobre os sentimentos de Bianca em relação a meninos e meninas. A amizade das duas não é mais a mesma.

Aconteceram algumas sessões com filmes brasileiros que estão tendo pouco espaço nos cinemas comerciais, a turma discutiu aspectos importantes da história do país; se identificaram com alguns comportamentos de personagens dos filmes e conheceram um pouco mais do Brasil.

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Embora não muito movimentadas, as sessões estavam cada dia mais organizadas, sempre com idéias de filmes variados que Rodrigo descobria ou trazia da internet.

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A mostra dessa vez é muito emocionante. Vários curta-metragens falando sobre a realidade dos negros e negras brasileir@s. Uns trazendo questões sobre a desigualdade racial no país, outros demonstrando a luta para a conquista de direitos. Depois que as luzes acendem, Nanda tenta esconder as lágrimas, é muita emoção, sai de fininho e vai ao banheiro lavar o rosto. Bianca percebe a emoção de Nanda e pede ao professor Marcelo para conduzir o debate.

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Marcelo: E aí pessoal, gostaram dos vídeos? Bianca: Tô comovida até agora. Adorei o curta da história invertida, é muito doido pensar uma realidade assim, em que uma menina branca sofre preconceitos na escola onde a maioria das pessoas valorizadas são negras. Rodrigo: Mas o que acontece na verdade é o inverso né Marcelo? Marcelo: Eu jogo essa pergunta é para vocês. O que que vocês acham? Juninho: Eu acho que as coisas melhoraram, pra mim não tem mais preconceito não, igual antigamente. Hoje já tem ator principal de novelas, miss universo, tem até presidente negro... Bianca: É, mas o vídeo acabou de mostrar que a maioria das pessoas que mais aparecem na TV, em filmes, jornais e tal são brancos. E ainda tem poucos presidentes negros no mundo. Aqui no Brasil mesmo nunca teve, né professor? Marcelo: Isso mesmo Bianca! Você não lembra não Juninho daqueles dados que nós pesquisamos mês passado, com a

professora de Sociologia 111? A turma não aguenta e cai na gargalhada diante da demora do colega em responder, toda a turma começa o tradicional som do Cri cri...Cri Cri... Marcelo: Pelo visto não lembra, então...quem vai ajudar o Juninho tadinho? Rodrigo: Marcelo eu lembro sim, mas falo depois pra ajudar esse desmemoriado. Só pra num esquecer o que eu tinha pensado, pra questionar o Juninho ai vai: Cara, na moral, já ouvi muita história de preconceito por aí... E não aconteceu só antigamente não, rola um montão hoje, principalmente com o pobre e negro... [1] Jhonatas: Pow, teve uma vez que minha amiga acabou esquecendo a bolsa dela dentro da minha mochila, num dia que chovia muito, para não molhar e estragar o que es-

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tava dentro dela... À noite, quando eu tava indo embora pra casa, alguns policiais me pararam no pé do morro, lá no meu bairro, tinham várias pessoas por perto, mas eu era o único negro, e revistaram apenas a minha mochila. E o que eles encontraram lá dentro? A bolsa da minha amiga...* (criar link) Bianca: E o que que aconteceu? Jhonatas: Cara, eu tive que suar a camisa pra me defender, até que eu consegui convencer eles a ligar pra ela ir lá me buscar e explicar a história. Rodrigo: E tipo, não é só com Jhonatas que isso rola não. Essa é minha opinião, claro. Alex: Doideira113... Eu nunca liguei muito para esse negócio de preconceito não... Sempre passei por cima, nunca dei pilha, nem moral para ninguém ficar me humilhando.... Claudinho: Não é questão de dar moral pra isso Alex, se a gente ficar calado, aguentar o sofrimento quieto, as coisas não mudam, não é mesmo? Rodrigo: Lembrei de que dados você falavam quando perguntou pro Juninho...Eu guardei aqui no meu caderno...Óh... Peraí...É...Quer ver? Junin: Quero, mas você tá demorando hein?...Hahahahaha.. Rodrigo, meio atrapalhado, revira as folhas do caderno de um lado para o outro, passa pelas matérias de Matemática, Português, História, Filosofia, Artes. Rodrigo: Tava aqui, eu vi esses dias, é uma pesquisa sobre a situação dos negros e das negras no Brasil...Deve tá...aqui... [1] trazer alguns dados aqui Nanda retorna a sala com as energias renovadas. Ouviu os exem-

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plos de casos de discriminação racial e se empolga para falar sobre o assunto. Nanda: Eu sei que existe muito preconceito, mas não podemos ficar só remoendo isso. Marcelo: Como assim Nanda? Nanda: Sei lá, parece que sempre que se fala da história dos negr@s, a gente tem que falar de escravidão, de sofrimento, de tristeza. Luciana: Sim Nanda, onde é que você quer chegar? Nanda: Ah, quero dizer que a gente não é só isso, nós somos muito mais do que sofrimento, apesar de existir muitas dificuldades, nós conquistamos muito também. Marcelo: Boa Nanda, alguém aí poderia falar de alguma das conquistas? Nanda: [1] Meu pai por exemplo, ele conseguiu fazer o curso de economia e passar num concurso... Hoje ele trabalha na prefeitura e é muito respeitado por isso. E mesmo com todas as dificuldades ele conseguiu cuidar de mim sozinho... Marcelo: Muito bem lembrado Nanda. Não podemos esquecer que hoje a gente vê um número maior de negr@s nas universidades porque houve muita luta, e em muitas universidades públicas existem sistemas de cotas raciais para garantir o acesso e permanência de negros e negras. Alex: E tem as músicas professor, muita coisa boa pra gente ouvir, tipo o funk, o pagode... Marcelo: Você tá falando da nossa identidade brasileira né? É muita música boa, tem o funk e o pagode como você disse, e tem o samba, MPB, axé e muitas outras... Nanda: Mas não é só musica não né? Lembro na aula de por-

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tuguês a professora falando de um tal de Machado de Assis, um escritor negro... Marcelo: Sim, Nanda... Podemos falar de várias produções artísticas como a literatura, pinturas e outras artes em geral... Alex: Tem as comidas... Hummmm Marcelo: Isso, temos a nossa culinária... Quem nunca comeu beijú aqui? Uma delícia! E tantos outros pratos apetitosos... Diversas pessoas citam exemplos de músicas, artistas e comidas de origem africana. Nanda: Gente, não podemos esquecer também das nossas[2] aulas de história da África, onde a gente aprendeu várias coisas sobre o povo negro em suas terras de origem, nos países africanos e no nosso país. [3] A sessão desencadeia várias reflexões sobre a realidade dos afrodescendentes brasileiros. São relembrados fatos da história do povo negro, sua cultura, ciência e religião e no final do debate Rodrigo promete a Nanda que vai postar em seu blog dados que mostram a situação dos negros e negras no Brasil e de como tem ocorrido avanços. Ao final da sessão, [4] Bianca levanta, senta ao lado de Nanda, e fala bem baixinho no seu ouvido: Bianca: Eu sinto muito orgulho de você miga, pela pessoa que você é... Você é uma garota de atitude... Queria ser como você...

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capa capĂ­tulo 9

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contra capa capítulo 9

Faltam duas semanas para as férias, a turma do Cine Empolgação se prepara para a última sessão do ano. Como a escola está se organizando para as comemorações do Dia Mundial dos Direitos Humanos, a turma do cineclube quer contribuir com a programação juntando cinema, debate e apresentações artísticas, mistura costumeira do Cine Empolgação. No laboratório de informática da escola, Rodrigo aproveita os minutos livres para fazer suas pesquisas de filmes para a sessão de encerramento do cineclube. Rodrigo descobre um site* de um projeto super bacana que envolve cineclube, educação e direitos humanos.

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Rodrigo: Projeto Cine é da Hora! Cineclubismo e Educação em Direitos Humanos... Direitos humanos? Será que isso é legal? Hum, vamo ver.

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Ele continua pesquisando, assiste os vídeos produzidos e se encanta com tudo. Jovens produzindo vídeos que depois podem ser exibidos por cineclubes, escolas e projetos de todo o Brasil. Ainda tem uma cartilha escrita para estimular a desenvolver cineclubes e discutir direitos humanos. A estória se baseia em um grupo de amigos super empolgados e interessados em cinema. Empolgado Rodrigo conversa sozinho, como de costume, mas dessa vez tem alguém para lhe ouvir: seu computador. Rodrigo: Nossa que legal! É muito parecido com o que a gente faz no Cine Empolgação... Caramba! Será que um dia a gente vai produzir vídeos também? Rodrigo fica empolgado com o Cine é da Hora! e com suas possibilidades.. Encontra alguns filmes sobre a temática dos Direitos Humanos, e não vê a hora de compartilhar a idéia com a turma do cineclube, e principalmente com Nanda. Rodrigo desliga o computador e sai ao encontro da namorada.

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Nanda: me falaram...sabe sobre o que...Hum? Rodrigo: O que? Nanda: Sabe? Rodrigo: Ah... n ão, fala sério! Eu sou lá Professor Marcelo pra inventar moda de adivinhação... Nanda: Começou muito bem...Isso mesmo: Professor Marcelo, encontrei ele agorinha...Ele me falou que a diretora da escola, disse que quer conversar com a gente sobre uma mostra que gostaria que a gente realizasse durante a semana

do dia Mundial dos Direitos Humanos... Rodrigo:... Nanda: Rodrigo Rodrigo:... Nanda: Ro-dri-go? Rodrigo: Caraca...mô coincidência, eu preciso lhe mostrar um site que descobri. A sessão ganha um novo público. Alex convence sua mãe a participar da mostra, bem como alguns integrantes da escolinha de futebol do bairro; o pessoal do Cinenãoéshop traz um bocado de gente; também aparecem os amigos do Rodrigo que ajudam na divulgação acontecer nas redes sociais; e também três amigos de trabalho do pai de Nanda. Aparecem umas pessoas que ouviram sobre a mostra na rádio. Dessa vez Alex tinha superado seu poder de articulação e divulgação. Ele até aproveitou a ida à rádio para dar em cima da moça do horóscopo, não conseguiu seu telefone, mas em compensação... O Cine Empolgação ganhou um horário na grade cultural da rádio para divulgar sua programação semanal... O espaço do cineclube está cada dia mais plural e diverso com adultos, jovens, brancos, negros, tem até alguns vovôs e vovós, trazidos por estudantes da escola; professores e estudantes; a merendeira, mãe do Alex e a diretora da escola. Dessa vez, até seu Zé, porteiro da escola, participa da mostra. No dia anterior, Rodrigo o convenceu a trocar o turno com seu Armando para poder participar da sessão. Rodrigo, atento em tudo,

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descobre que o velho porteiro da escola é Presidente da Associação de Moradores do Bairro, e por isso, tem muito interesse nos filmes. O garoto prometeu lhe entregar algumas cópias de filmes. Se Zé: E os filmes que você me prometeu? Rodrigo: Calma seu Zé, rsrsrs, depois da sessão, eu passo algumas cópias dos filmes. Seu Zé: Mas isso é errado... Não é? Rodrigo: Bem, alguns produtores, agências e programadoras, permitem as exibições e algumas a reprodução, desde que quem exiba e copie não tenha fins comerciais... Tipo esses que estão com a gente, a maioria são vídeos do Projeto Cine É da Hora! E de outros produtores independentes... Dá uma olhada no site do CNC, lá tem tudo sobre cineclubismo...

Jhonatas: Acho que não tem nada a ver não professor... Marcelo: Por que? Jhonatas: Por que Ninguém falou em bandido e cadeia... Milena: Bandido? Hiiiii.... Já vem esse pessoal com esse papo de defender bandido! Meu avô me falou que defender direitos humanos é passar a mão na cabeça de marginal, fessô! Marcelo: Nem sempre quando falamos em Direitos Humanos estamos falando em presídios e direitos dos presos... Também é, mas... Alex: Pow... Eu pensei que a gente ia assistir filmes sobre a época da ditadura militar, pois acho maneiro... Marcelo: Calma Gente! Direitos Humanos esteve e ainda está muito associado com a defesa de pessoas que de alguma maneira tiveram seus direitos desrespeitados durante perío-

Seu Zé: Entendi...sem querer ganhar dinheiro pode...Então tá tudo bem...Faz as cópias que eu quero. “Eita menino inteligente” pensava o porteiro... Grafismo 6: O porteiro Nanda acena para lembrar ao garoto da sessão, Rodrigo percebe que o bate papo da mostra está começando e chama o seu Zé para participar. Rodrigo: Putz Seu Zé, vamos ficar mais perto, pois a galera tá começando a conversar sobre os filmes...

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Marcelo: E aí ! O que vocês acham que esses vídeos tem a ver com direitos humanos?

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do da Ditadura Militar... Rodrigo: Os que sofreram torturas, os desaparecidos políticos... Marcelo: Sim Rodrigo... Mas temos muito mais coisas para falar sobre direitos humanos...Precisamos compreender o que são, para que existem e como existem. É só pensar nos vídeos que vimos... O que eles nos falam? Com excessão de Nanda, Rodrigo, Bianca e Alex, que ficaram um pouco mais inteirados do tema por conta da pesquisa de vídeos para a sessão, ninguém tinha pensado que Direitos Humanos pudesse ser outra coisa, para além do que já tinham ouvido até então.

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Rodrigo: Bom professor, eu percebi que os vídeos falam de muita coisa que a gente já discutiu em outras sessões. Marcelo: Tipo o quê? Rodrigo: Tipo... Ser respeitado, professor? Quando falo em direitos humanos, também falo de respeito? Bianca: Ah, por exemplo, sobre os direitos dos negros serem respeitados, de não sofrerem preconceitos. Alex: As mulheres também, o direito das mulheres, a igualdade... Lembra da Poli? Isso tem a ver com direitos humanos, né? Marcelo: Sim, mas... Nanda: Não é só isso... A mulher tem que ter o direito de ter salário igual ao dos homens, e trabalhar no que quiser e gostar, se quiser ser caminhoneira ela tem que ser respeitada por isso... E a não ser a única pessoa que cuida da casa... Né Alex?

Alex: Ai ai Nanda.... Eu sei disso... Tô até ajudando em casa... Nanda: É verdade Bem-Bem? Bem-Bem: Menina, num é verdade mesmo... As vezes ele até se mete na cozinha... Nanda olha em direção a Bianca e comenta. Nanda: O direito das pessoas serem diferentes e amarem quem elas quiserem, isso também é direitos humanos?

Jhonatas: Você tá falando de que? Nanda: Tô falando de homens e mulheres amarem quem quiserem... Tipo, se uma menina quiser ficar com outra menina, ela tem que ser respeitada por isso. Rodrigo passa a mão nos cabelos de Nanda. Rodrigo: Do mesmo jeito que respeitamos quando um menino e uma menina ficam. Milena: Professor, mas o que isso tem a ver com os direitos humanos? Marcelo: Quem pode nos ajudar a responder a pergunta da Milena? Rodrigo se dispõe, tinha pesquisado muito sobre direitos humanos, e quer compartilhar as informações que pesquisou. Rodrigo: Então... Eu li num site*119 esses dias que os direitos humanos são direitos que todos os seres humanos tem para viverem bem e felizes... Acho que é isso... Marcelo: Certo Rodrigo, você tá falando de dignidade, é isso

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aí! Os Direitos Humanos asseguram a todos os seres humanos igualmente sem discriminação, aos homens e mulheres, heterossexuais*120 ou homossexuais*121, negros indígenas, brancos, brasileiros, estrangeiros, crianças, jovens, adultos ou idosos, o direito a terem suas vidas protegidas e preservadas. Alex: Tá, mas eu não preciso disso não... Eu sei me virar sozinho... Marcelo: Pois é Alex, quando falamos de direito a preservação e proteção da vida , estamos falando de todas as condições para todos continuarmos vivendo...E dificilmente conseguimos dar conta disso tudo sozinhos... Alex: Disso tudo o quê? Marcelo: Eu que lhe pergunto: Tudo o quê? Alex responde meio sem jeito, que para continuar vivo precisa com certeza de alimentação, saúde, moradia, roupas e... Antes de terminar, Dona Bem Bem, até então quietinha o interrompe: Bem Bem: Precisa de mim também, né filhinho, bebezinho da mamãe... O garoto fica todo corado de vergonha mas continua respondendo ao professor, antes porém Alex pensa, “Bebezinho, ela tinha que me chamar logo aqui de bebezinho da Mamãe...lá em casa tudo bem ”... e continua... -

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Alex: E também de uma graninha para sair com as meninas, quer dizer, nesse caso quem garante é a minha mãe né? Eu mesmo só no futuro... Bianca: Sua mãe...? Ahn a mãe do bebezinho... Marcelo: Deixa o menino Bianca... Ele tá certíssimo... Agora é hora de estudar, brincar, praticar esportes, desenvolver o corpo e a mente, esse é o momento... E sabia Alex, que você é um menino privilegiado? Que muitas crianças e jovens no Brasil estudam e ainda trabalham desde muito cedo para ajudar em casa? Outras ainda que não tem essa oportunidade de ter uma família como você tem? Nanda: Ai Marcelo, o Rodrigo imprimiu um texto da internet que eu acho que

tem a ver com isso que vocês estão falando. Marcelo: Lê aí pra gente Rodrigo... Rodrigo: I. “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade” Marcelo: Obrigado Rodrigão, mas conte de onde você tirou isso. Sem demora, mas sem pressa, o menino diz que é parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos e que o artigo demonstra que todas as pessoas, são iguais e livres pelo simples fato de serem humanas, e não pode haver desigualdades. A diretora se surpreende com o empenho e o nível de organização da turma. Diretora: Nossa, estou muito feliz com toda essa sessão! Vejo que estamos exercitando uma educação em direitos humanos na escola, parabéns a tod@s. Não era só a diretora que estava gostando da sessão. Dona Bem-Bem também se encantava com a conversa. A forma descontraída como o debate acontecia deixava a merendeira bem a vontade, até para questionar o professor Marcelo. Bem-Bem: Ô seu Marcelo, eu queria falar uma coisa: Que dignidade é essa que essa tal declaração fala? Se a gente tem que trabalhar e ganhar um salário de fome122? Seu Zé: É mesmo professor... Além de ganhar mal, a gente tem que andar de ônibus lotado. E olha que a passagem custa os olhos da cara. Pai da Nanda: Esperar meses na fila para ser atendida por um médico, quando a gente tá doente? Bem-Bem: E quando algumas pessoas olham de nariz empinado

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para mim só porque sou cozinheira da escola? Muito mentirosa essa tal declaração... Não acredito nisso...Ela só existe no papel, mesmo. O professor Marcelo explica a mãe de Alex que apesar de ainda existirem injustiças, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um documento muito importante, e a diretora da escola e até mesmo outros professores e professoras ajudaram nas explicações sobre esta temática, diversas informações foram sendo debatidas, explicadas e tudo foi ficando mais simples. Bem-Bem: Se é tão importante assim essa Declaração por que ela não é respeitada por todos? Por que os governos não faz a coisa sair do papel?

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Marcelo: Dona Bem-Bem os direitos humanos como já explicamos agora a pouco são conquistas de vários movimentos pressionando governos de vários países do mundo para encontrarem soluções para injustiças, desmandos, desrespeitos, torturas, violações. Bem-Bem: ‘Divagarinho’ eu tô entendendo, nós temos que cobrar dos governos que cumpram o que está na lei. Seu Zé: Que elegância dona Bem-Bem, falou pouco mas falou bonito. Concordo com a senhora: temos que ir a luta. Por isso, aproveito para chamar todos aqui presentes para participarem das atividades da associação e assim contribuirem com a vida da comunidade... Bem-Bem: Eita Seu Zé falador... falô tanto que chegou até a mudar de assunto... Seu Zé: Com respeito a senhora e toda essa sua elegância. Não mudei de assunto não, as atividades da associação de moradores tem tudo a ver com os Direitos Humanos, que é

defender os direitos dos moradores, que são todos humanos, certo ou errado? Bem-Bem: Tá, eu tenho que concordar com o senhor, mas mesmo assim eu fiquei sem tirar uma dúvida. Então lá vai.... Professor Marcelo falou e falou, achei muito bonito e tudo... Alex, cê tem que se espelhar nele viu?...Mas vem cá professor, eu queria falar sobre uma parte do vídeo que ninguém falou ainda... Marcelo: Fala aí Bem-Bem? Bem-Bem: Como no filme podem falar uma hora que a gente, seres humanos, somos iguais e depois diz que a gente é tudo diferente um dos outros? Ou é uma coisa ou outra... Ou é igual ou é diferente, né não? Nanda levanta a mão e satisfaz a dúvida daquela merendeira adorável, responsável pelos recreios mais apetitosos e cheirosos da escola. Nanda: Somos Diferentes e ao mesmo tempo Iguais. Diferentes quando curtimos alguma coisa que muita gente não curte. Por exemplo, Alex curte Funk, Rodrigo Rock, eu Axé e Bianca Pop, e a senhora? Deve gostar de um forrozinho arretado de bom, né? Iguais por termos nós TODOS, um ESTILO, diferentes, mas todos somos iguais quando aprendemos a curtir um RITMO comum que consegue fazer todo mundo dançar, mesmo que com passos diferentes. Alguns rápidos, mais apressados, outros lentos, quase parando, seguindo a mesma batida, o mesmo som.

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capa capĂ­tulo 10

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contra capa capítulo 4

O cineclube trouxe muitas novidades, um montão de ideias, o ano letivo já está acabando, e a maioria do pessoal envolvido no Cine Empolgação certamente vai estudar em outra escola. A noticia que circula é que o pai da Bianca vai ser transferido no emprego, Bianca vai morar e estudar em outra cidade. Quando Nanda sabe da triste novidade, sai correndo atrás de Bianca, preocupada, para confirmar. Nanda: Fiquei sabendo... Bianca: Sobre o quê? Nanda: Que você vai se mudar...

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Nanda se sente bem arrependida pela forma como agiu com Bianca. Percebe que foi imatura e faltou sensibilidade. Uma amizade tão bonita pode não mais existir. Foi necessário passar um

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bom tempo para Nanda perceber que seu afastamento de Bianca, motivado aparentemente pelos segredos não contados pela amiga, refletiu uma atitude preconceituosa de sua parte, indo de encontro ao que o seu pai desde a infância lhe ensinou: a necessidade de respeitar as diferenças e de lutar pela igualdade. Nanda: Eu quero me desculpar pelo que fiz. Bianca: Desculpar? Nanda: É... pela forma como te tratei, nesses últimos tempos... Bianca: Não liga não... Nanda: Ligo sim, e muito... Bianca: Sério? Nanda: Hahã... Eu me culpo muito miga por ter feito você sofrer de alguma forma... Me perdoa! Bianca: Eu acho que sofri mais por não ter tido você por perto... Nanda: Eu também, senti muita falta de sua amizade. Aconteceu tanta coisa comigo e sem você por perto para eu conversar. As duas amigas se abraçam, e tudo vai voltando ao normal. Quase tudo, se não fosse a ida de Bianca para outra cidade.

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Bianca: Não se preocupe Nanda, não é tão longe assim. Eu sempre vou dar um jeito de vir aqui te ver, e participar do Cine Empolgação. E você também poderá ir me ver né? Nanda (meio chorosa): Sim miga. Bianca: E sabe de uma coisa? Eu pensei que talvez articule um cineclube nesta escola que eu vou estudar, Claro, se não

existir nenhum por lá né... Mas se tiver eu vou querer participar! Nanda fica muito empolgada com a possibilidade. Vê nos olhos da amiga a mesma vontade que sentiu, lá no início do ano, quando conheceu o Cinenãoéshop e quando a história do Cine Empolgação começou. As duas aprenderam muito uma com a outra, sobre cineclubismo, direitos humanos e amizade. Muitas sessões e debates aconteceram, Nanda e Bianca presenciaram tudo de pertinho. A discussão sobre sexualidade e relações de gênero* ficou marcada na Mostra sobre o Dia Internacional da Mulher. A personagem Poli, que parecia ter virado mais uma estudante da escola, deu no que falar. A Mostra sobre o Dia da Consciência Negra também não deixou a desejar. Muitos participantes, sensibilizados com as estórias apresentadas na tela do cineclube, abriram suas vidas e junto com ela suas vivências, angústias e casos de discriminações raciais. Os dados colocavam @s afrodescendentes como @s mais desrespeitad@s e segregad@s* social, econômico, politica, esteticamente*...Segundo a pesquisa, a maioria dos desempregados, presos, sujeitos em situação de miséria, analfabetos, dentre tantas condições indignas são negros e negras... Outra mostra que não deu para esquecer foi a que discutiu o Dia Mundial de Direitos Humanos. Sessão lotada, muito polêmica e cheia de informações. Foi certamente nessa sessão que muit@s perceberam que os vários debates de outras sessões eram dis-

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cussões de Direitos Humanos, pois falavam sobre a necessidade de garantirmos liberdade, dignidade, respeito. A luta pelo tratamento igualitário entre mulher e homem; índio, negro e branco; homossexual e heterossexual; idoso, criança, jovem e adulto; e tantas outras relações desiguais; tinha algo comum entre elas: Para ter direitos humanos, basta ser. Outras mostras e sessões também aconteceram no Cine Empolgação falando sobre os mais variados temas, definidos nas enquetes do blog do Rodrigo ou nas enquetes coladas em forma de cartazes pelas paredes da escola: diversidade sexual, gravidez na adolescência, DST´s/AIDS, violência, drogas, diversidade religiosa, e outros filmes brasileiros que apresentaram aspectos históricos e sociais bem como a diversidade cultural do país. Todos os temas envolveram de alguma forma a escola, tanto durante os momentos de bate-papo, quanto nos momentos lúdicos*124, trazendo aprendizados e riquíssimas experiências entre cinema, música, literatura, poesia, grafitti entre outras artes. Com a certeza de que a escola vai investir recursos no Cine Empolgação, Nanda, Bianca, Rodrigo e Alex ficam mais aliviados com os rumos do cineclube. Mesmo que alguns deles possivelmente estejam indo para outra série, turno ou escola, a proposta irá continuar sobrevivendo.

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Com o início das férias, o pessoal da escola fica meio sumido, muitos viajaram, outros ficaram por ali. Nanda e Rodrigo não se desgrudam nem um pouquinho. Numa das andanças encontram Alex,

que lhes informam que Seu Zé, está convidando os integrantes do Cine Empolgação para uma conversa. Nanda: Como você sabe disso? Rodrigo: Você passou lá na escola? Alex: Não, Seu Zé tem ido lá em casa ultimamente, e tem ido bastante. Nanda: Sua mãe anda participando da associação de moradores né?... Alex: Hiiiii..., nem é isso, outro lance. Nanda: Mas, o que o Seu Zé quer conversar com a gente? Alex: Ele falou que tá querendo ver uma tal parceria com a gente...É sobre filmes para um evento na comunidade, perto da Associação... Naquele mesmo dia ligaram para Bianca, e a informaram que uma sessão aconteceria nas férias, uma oportunidade para a turma se reencontrar, e querem realizar antes de Bianca viajar, e dessa vez não vai ser na escola. Por convite da Associação de Moradores, o Cine Empolgação participará de uma atividade na comunidade. Convite feito, compromisso aceito, o Cine Empolgação faz sua primeira exibição itinerante125. Estava todo mundo por lá, em frente a sede da Associação de Moradores. A rua ficou pequena para tanta gente: moradores, principalmente as crianças, os cineclubistas Luciana, Claudinho, Toninho... Rodrigo trouxe os colegas do skate, o pai de Nanda sempre bem vestido em estilo de Rei Negro... Parecia até que todos os personagens dos filmes exibidos durante o ano no cineclube passavam por alí... Alex teve a impressão que viu a Poli, não perdeu

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tempo, o Don Juan foi á conquista, é claro... Bianca chega acompanhada de uma amiga nova. Seu Zé chama a atenção dos presentes, fala ao microfone. Agradece a presença de todos. Seu Zé: Quanta felicidade ver essa sessão lotada, acontecendo bem aqui na nossa rua, onde muitos cresceram, brincaram, fizeram amizades... O porteiro, líder comunitário, faz seu discurso agradecendo todos que o ajudaram a realizar a sessão, os integrantes do Cine Empolgação e do Cinenãoéshop. Logo depois é iniciada uma apresentação cultural, uma roda de capoeira conduzida pelo mestre Cléber, pai de Nanda. Nanda: Lindo! Nanda fica muito orgulhosa pelo pai. Seu Zé e Dona Bem-Bem somem, e a participante mais atenta de todos, Nanda, avista os dois conversando dentro da associação. A menina olha surpresa para a situação e comenta com Rodrigo.

Zé e Bem-Bem, um casal bonito de ver. Parece que o Cine Empolgação além de juntar pessoas em torno de filmes, debates, conhecimentos, entendimento do mundo, também forma casais. O Cine Movimento está prestes a começar. Esse foi o nome sugerido para o Cineclube da Associação de Moradores, que agora será coordenado provisoriamente pelo pessoal do Cine Empolgação e do CineNãoéShop. Seu Zé: O Play...O filme precisa começar...Quem é o responsável? Ô Rodrigo ajuda aê, quem é o cara do play? Rodrigo: É o Tonho... Tonho: ... Seu Zé: Pô Tonho, sei que cineclube também é convivência, mas sem filmes não dá né? Simbora meu... Seu Zé, Alex, Bianca , Nanda, Rodrigo, e a turma que estava por perto do microfone, loucos pelo início do filme, gritam: Toninho? Dá o play!!

Nanda: Cê Viu? Rodrigo: O quê? Nanda: O beijo que o Seu Zé deu na Bem-Bem? Que gracinha!

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