CAMINHOS OPOSTOS
CONTOS AMAZÔNICOS
CONTATO: Email: aluiziobastosjr@gmail.com Fone: (97) 99157-5607
Este livro foi diagramado e produzido por EUCLIDES FREITAS, uma encomenda do autor que detém todos os direitos de conteúdo, comercialização, estoque e distribuição dessa obra.
CAMINHOS OPOSTOS CONTOS AMAZÔNICOS
Aluízio Bastos Júnior 1ª Edição Publicação Independente
Barcelos – Amazonas - Brasil 2016
Prefรกcio
E uma honra prefaciar uma obra tão interessante que retrata de forma irreverente o cotidiano do homem simples, esse homem que pode vir do seio da mãe natureza, do mundo ribeirinho, até mesmo de um reino animal distantes onde o modo de vida imita muito o nosso modo tradicional de ser. Nessa coletânea de contos que nos faz refletir sobre os valores da vida simples, nos leva em uma viagem por histórias que retratam a vivência de pessoas que, assim como o autor, vieram do interior e buscam incessantemente por dias melhores. Seus personagens embora fictícios mostrem a realidade da vida interiorana, ribeirinha, mostra muito mais do que uma vida de luta, mostra uma vida em que se procura por em pratica ensinamentos passados há gerações, embora muitas vezes esses ensinamentos venham através de lições de vida.
Agradecimentos Agradeço ao apoio incondicional dos meus pais Ivanilde de Almeida Bastos e Aluízio de Almeida Bastos Da minha esposa Iracema Moura Dos meus filhos Gilmara, Lia, Tamara, Jairo, Jarney e Jailson Das minhas netas e netos Das minhas irmãs Das minhas sobrinhas e sobrinhos.
A plenitude da vida é amar e ser amado. É conquistar a confiança e nunca perdê-la. É sonhar sonhos lindos e torná-los realidade. É tomar atitudes exemplares e honradas. É emitir opiniões coerentes para construir e formar uma sociedade mais justa nesse mundo tão desigual em que vivemos. Aluízio Bastos Júnior
CONTO I CAMINHOS OPOSTOS
Em uma das famílias de baixíssima renda, no interior do Amazonas, nascera na mesma época, duas lindas princesinhas, que foram criadas por seus familiares, com carinho e muito amor, numa longínqua Comunidade ribeirinha, localizada às margens de um afluente do Rio Negro, bem distante da vida moderna. Como já foi dito, as princesinhas, eram de origem humilde, família respeitadora e honesta. Ambas da mesma família. Primas de primeiro grau. DIACUÍ era filha do senhor Kaxinawá e sua esposa dona Merandolina. Nascera dois dias antes de DIANY, que era filha de dona Many, irmã de dona Merandolina, filha de pai ignorado. As duas beldades, foram criadas juntas, como se fossem irmãs. Até porque viveram desde suas tenras infâncias até o início de suas adolescências, fazendo estripulias e
peraltices de meninas criadas no interior com mais seis irmãos de DIACUÍ. Santá, Puranga, Açu, Pinima, Tapuia e Afó. Acordavam cedinho, com o pipilar das pipiras e dos bem-te-vis para mais um cotidiano de travessuras e estripulias, de trabalhos na roça, ajudando seus familiares e só depois iam estudar na Escolinha da Comunidade, com nome de político já falecido, às vezes usurpador do erário público, de segunda a sexta-feira à tarde. Os familiares de DIACUÍ e de DIANY trabalhavam na roça, no fabrico de farinha de mandiocas e de inúmeros e deliciosos derivados. Caçavam e pescavam para suas subsistências. Sua avó, dona Indiana, mãe de dona Merandolina e de dona Many, uma senhora com mais de cinqüenta anos, experiente, serena, amável, amiga e conselheira, porém firme nas suas decisões e atitudes. Contornava e com muita maestria, todas as adversidades da família e as intempéries de seus netos. Principalmente de suas netas, cuidando com esmero da casa e do almoço como ela só. Ex-aluna Salesiana da Prelazia do Rio Negro e gostava de ler bons livros. DIACUÍ, sempre fora uma menina mais comedida, mais benevolente, mais estudiosa e muito compreensiva. Sonhava com um futuro promissor pra sua vida. DIANY demonstrava desde pequena, certa inquietude no seu comportamento. Era mais sonhadora, mais impetuosa e não avaliava as consequências vindouras. Não nutria muito apego pelos estudos, vivia ela em total devaneio. Sonhava muito com sua ida para uma cidade maior, onde
pudesse deleitar-se das maravilhas da vida urbana a qualquer custo. Não importava as consequências futuras. Os comerciais das rádios e as revistas que elas sempre liam os faziam sonhar assim. Já DIACUÍ, queria sim, ir buscar uma vida melhor na cidade maior, mas com responsabilidade, com entusiasmo, calcada nos estudos e com os pés no chão. Queria crescer na vida, lutar por seu espaço no mercado de trabalho. Queria poder mais tarde ajudar sua família e a sociedade de modo geral. O tempo foi se passando, as meninas foram crescendo, crescendo e crescendo e, começaram a fazer parte dos afazeres da Comunidade. As diversões que ali existiam eram pular na água, jogar futebol à tardinha ao chegarem da escolinha e aos domingos e feriados e dias de festas, quando havia torneio, na Comunidade e das Comunidades adjacentes, às vezes não tão próximas assim. À noite, ouviam rádio e às vezes músicas na vitrola na Comunidade, contavam histórias, e depois dormiam. Ou ainda ler revistas, as quais essas últimas, as faziam sonhar com seus ídolos, com a boa vida dos personagens que aparentava nas fotonovelas e nos filmes. Criava nas suas vãs filosofias, uma expectativa de um mundo bem melhor e bem maior. Sonhavam uma vida mais divertida, mais curiosa e misteriosa sobre as coisas da cidade maior que a delas. Tudo aquilo fazia fluir, na imaginação de cada uma, como viria a ser o dia-a-dia de um povo urbano, de como seria a vida numa selva de pedras, que tamanho seria a felicidade e o conforto daquele povo da cidade maior e
se imaginavam vivenciando tudo aquilo e o que aquele mundo aparentemente bom podia lhes proporcionar. Toda essa esperança, toda essa expectativa geravam, em DIACUÍ e em DIANY, sonhos de naturezas antagônicas para cada uma delas. Mesmo tendo uma vida de privacidades, mesmo tendo uma vida regada dos sabores do convívio urbano, eram felizes no seio de seus familiares. Principalmente DIACUÍ que sempre vivia alegre e sorridente. Ao completarem doze anos, já iniciada a adolescência, concluíram o Ensino Fundamental Infantil, embora um pouco atrasadas, na questão série idade, tendo em vista em alguns casos, o descaso do Executivo Municipal de não enviar professores em tempo hábil, ou até mesmo não mandarem professores para as Comunidades, por motivos ainda não explicáveis aos comunitários. Assim as duas beldades terminaram seus estudos naquela comunidade. Como os recursos da família eram parcos, viveram ainda, na Comunidade por mais quatro longos anos, trabalhando na roça, se divertindo com o que tinham e entre um intervalo e outro, pegavam-se em devaneios, alimentando seus sonhos que por vários momentos chegavam a pensar que nunca iria realizá-los. Mas a vontade de mudanças era enorme, o desejo hercúleo de conhecerem outros horizontes inibia e coibia quaisquer pensamentos negativos que ventilassem seus ideais. DIACUÍ, o tempo que lhe restava durante o dia, mergulhava nos livros em busca de conhecimentos científicos. Muito predestinada e determinada, nascera assim. Suas expectativas
paulatinamente foram se petrificando, seus desejos foram se consolidando e minando todo e qualquer empecilho que por ventura atravessasse seus caminhos que os quatro anos se passaram como um sonho e o dia tão esperado se fizeram realidade. Chegara a hora das duas beldades DIACUÍ e DIANY, arrumarem suas malas, se despedirem dos amigos, dos familiares e rumarem, às dezessete horas, daquele tão esperado dia, em busca de novos horizontes, novas vidas e novas oportunidades e, partiram alegres, porém com uma grande dor nos seus corações da saudade que ficara. Seus coraçõezinhos batiam-lhes mais fortes, a ansiedade invadia suas almas, as reminiscências de outrora de uma infância embora sofrida, mas livre e querida iam se distanciando gradativamente daquela pequena Comunidade. Viajaram duas noites e dois dias até chegarem lá, na Cidade Maior, às dezoito horas de sábado. O barco estava bastante carregado e o Rio Negro muito seco. Aquelas duas lindas moças, já com dezesseis anos, de tez trigueira do sol escaldante amazônico, do trabalho na roça e dos banhos de rio, de cabelos lisos e negros como as penas do anum, seus rostos ovóides exaltavam seus escuros olhos cor de caçaris maduros, usavam um vestido rodado de chita, onde o material daquele tecido fino e colorido, caía-lhes bem nas curvas perfeitas e exuberantes de seus corpos, mostrando a todos presentes, momentos de tão rara belezas das caboclas amazonenses. Ao descerem, na prancha do barco do Turco, com suas malas quase vazias e subirem, ainda matutas, mas com elegância, as escadarias do porto da
Cidade Maior, ouviram-se os assobios e os psius da rapaziada Elogiando-as e exaltando-as de um encanto natural e sem igual, fazendo-as ruborizarem seus rostos, suas pernas tremerem, suas taquicardias acelerarem, seus fartos bustos ofegarem continuamente com suas respirações mais apressadas e sentiam nas suas entranhas uma avalanche de felicidades que quase sem perceberem esboçavam um lindo sorriso mostrando seus belos dentes brancos e perfeitos entre seus lábios bem carnudos.
Lá no horizonte o sol se punha por trás da selva verdejante, refletindo raios dourados contrastando com as águas do caudaloso Rio Negro que serpenteava rio abaixo a orla da Cidade Maior.
As duas beldades foram recebidas pela patroa, esposa do regatão, seu Mustafá, o Turco, que comprava toda produção agrícola e extrativista dos seus familiares e produção diversas dos demais comunitários a preço de bananas e também fornecia a mercadoria com valor inestimável a todos ribeirinhos. Para se ter uma idéia a “negociaç~o” era feita, n~o só pelo Turco n~o, mas por todos os regatões da época, através do ESCAMBO, com o valor das mercadorias altíssimas e o valor dos produtos baixíssimos. O patrão, como é chamado por aqui, subia o majestoso Rio Negro com um motor potente, para impressionar os fregueses, num casco de madeira com cobertura também de madeira e zinco, com suas prateleiras recheadas de mercadorias e novidades, com dois batelões atracados ao barco, também de madeira coberto de palha regional ou com lona e sempre vazios, quando desciam o Rio, as prateleiras vinham vazias e os dois batelões abarrotados das produções ribeirinhas. Quando as duas beldades chegaram na casa, onde iriam morar, trabalhar e estudar ficaram um pouco ressabiadas devido a casa ser grande, com vários cômodos, de alvenaria, muito diferente daquela que viveram por muito tempo, na sua Comunidade, que era feita de pau a pique, de barro batido, coberta de palhas, cercada de paxiúbas e apenas dois cômodos e, a cozinha que era uma puxadinha para trás no seguimento da casa. Tudo era novo pra elas daquele instante em diante. Foram pro quarto que passou a ser delas. Desfizeram suas quase vazias malas, com pouquíssimas roupas e se
instalaram, na nova residência. No dia seguinte a patroa, dona Rufino, foi até uma escola para conseguir vagas para as duas beldades estudarem. Como o ano letivo já havia iniciado há tempo, não foi possível matriculá-las naquele ano, mas foi conseguido matrículas já pro ano vindouro, na Educação de Jovens e Adultos EJA. Ensino Fundamental, etapa um e dois. Aquele resto de ano foi longo. Custou a passar devido a ansiedade de conquistar novos amigos na escola e conhecerem seus novos professores, que não eram tão novos assim. Durante o dia ajudavam dona Rufino nos afazeres de casa e ao cair da noite iam sentar-se ao portão para apreciarem os transeuntes que por ali passavam ou iam assistir televisão na sala de estar. Dona Rufino e seu esposo Mustafá não tinham filhos. É chegado o tão esperado ano letivo para as meninas. Na vida delas se iniciava um novo desafio. Aulas noturnas, porque só havia EJA à noite e mesmo tinham que trabalhar na casa de dona Rufino para que no fim do mês tivessem seu dinheirinho honestamente e comprassem suas roupinhas, seus sapatos e suas maquilagens. Coisas básicas e pessoais de uma mocinha pobre que luta desde cedo pelo seu sustento e seu tão pequeno luxo, mas com muita dignidade. As duas beldades, no início, iam para aula juntas e voltavam juntas toda noite. Em um determinado tempo, de idas e vindas juntas, a parceria das duas foi ficando diferente. DIACUÍ, precisamente chegava no horário na escola e saía no horário estipulado pela direção da Escola. Já DIANY, sempre inventava quaisquer desculpas
pra dizer “vai andando que eu vou aqui rapidinho” e quase toda vez chegava atrasada na escola e sempre saía mais cedo da escola, com aquela velha história de aluno que não vai muito longe aos estudos, dizendo que não estava se sentindo muito bem. No final do ano, DIACUÍ, eliminou todas as matérias da etapa inicial e DIANY não conseguiu eliminar nem Português nem Geografia e mesmo porque tinha muitas faltas. No outro ano teve que paga essas matérias antes para poder dar continuidade aos seus estudos, já com atraso em relação sua prima e os demais colegas. No ano seguinte, as duas beldades que outrora eram inseparáveis, ficaram em salas distintas. DIACUÍ já como finalista do Ensino Fundamental e DIANY tentando recuperar o ano anterior perdido. Os dias foram se passando rapidamente e cada dia que se passava DIACUÍ trilhava majestosamente em busca do seu grande objetivo de vida, mas ao contrário dela, DIANY a cada dia se distanciava paulatinamente do mundo real. Começou a chegar cada vez mais tarde na escola e em casa. Transformou-se numa pessoa ranzinza, sempre fechada, cara amarrada, não se socializava com os demais, isolando-se de todos. Era perceptível nela, uma ansiedade e uma angústia fora do normal. Certo dia, DIACUÍ resolveu sentar-se à beira da cama de DIANY e ter com ela uma conversa séria olho no olho: - Poxa mana, nós estamos na mesma casa residindo há algum tempo, viemos de uma Comunidade onde fomos criadas juntas, fazendo traquinações juntas, trabalhamos na roça, estudamos lá juntas, pulando na
água, nos divertindo e vivendo sempre uma ao lado da outra, sem segredos uma da outra, sem malícias, como se fôssemos duas irmãs. Viemos pra cá juntas. Hoje sinto uma enorme distância, um abismo gigantesco entre nós. Sinto que o amor que nós compartilhávamos, a cumplicidade que nos unia está sendo corroído pela sua indiferença. Esse seu jeito fechada está me consumindo sabe? Isso me bate um desespero, me trás insegurança. Não tenha dúvidas você é e será sempre uma pessoa muito especial para mim. Você não sabe quanto! - Deixa de besteira mana! É impressão tua. Eu continuo do mesmo jeito que antes. Nada mudou. - Não DIANY, confia em mim, conta pra mim o que está acontecendo, o que fez você ficar tão esquisita assim? Parece que a vida pra ti não tem mais sentido? Você está perdendo com isso seus verdadeiros amigos. - Ah DIACUÍ, você nunca vai me entender e nem me perdoar. Nesse momento DIACUÍ é tomada de assalto e sente que vem uma grande bomba na resposta da prima, mas recobra os ânimos, cria coragem e insiste: - Seja lá o que for mana me conta! Quem sabe eu não posso te entender e te ajudar? DIANY ajeitou os cabelos que lhe caiam na testa, se ajeitou na cama, temperou a garganta e sentando de frente pra DIACUÍ diz: - Mana da minha alma! Perdoa-me, me desculpa não me despreza não me abandona e nem conta pra ninguém nem pra dona Rufino! DIACUÍ pensou logo numa gravidez precoce.
- Conta, conta logo de uma vez mana querida! - DIACUÍ, eu, eu, eu estou envolvida com drogas. Estou consumindo drogas faz tempo, minha irmã querida. - Pelo amor de Deus! Tu ficaste sem juízo mulher? - Fala baixo! Se não a dona Rufino pode ouvir! Eu não falei que tu não ias me entender e nem me perdoar? - Não é isso, minha irmã, é que eu pensava que fosse uma gravidez e tu me vens com uma bomba atômica dessa! Tu já pensaste na reação de nossa família? Da dona Rufino? E na reação de todos que te amam? - Eu te pedi pra não contar a ninguém, não foi? - Eu sei. Mas um dia tudo isso vem à tona. Um dia a bomba vai explodir e os estilhaços vão respingar em todo mundo. Tu não vais segurar um segredo desses por muito tempo. - É verdade, mas quando isso acontecer, eu não vou está mais aqui. - Deixa de falar besteira, DIANY, parece que a droga comeu teu juízo? Pela primeira vez, na vida, as duas beldades haviam se desentendido. - Quando tudo começou? - Faz tempo, maninha. Lembra quando eu chegava atrasada na escola? E às vezes eu pedia do professor pra sair mais cedo? - Lembro sim. - Pois é, começou naquele tempo. Eu conheci um rapaz, fui me envolvendo emocionalmente com ele, cada dia que passava eu ficava mais apaixonada por ele. Ele me apresentou aos amigos como namorada, todos também
consumidores de drogas, daí fui me relacionando com eles, indo pra balada com eles e um dia numa festinha na casa do meu namorado mesmo, ele me ofereceu um cigarro, enrolado num papel de embrulho, eu experimentei, fiquei muito zonza, parecia que eu estava andando nas nuvens, provoquei e depois parece que ele ficou com medo e me deu água com açúcar e eu melhorei e, vim pra casa. Na segunda vez já foi mais fácil, depois outra vez, outra vez e outra vez, quando dei por mim, já estava viciada e apaixonada por ele. - E ele? O que faz na vida pra sobreviver e bancar estás festas e os presentes que ele te dá? Ele deve ganhar bem, não? Deve ter uma ótima renda pra te cobrir de presentes luxuosos e te dar uma vida de princesa. - Não tenho do que me queixar. - Sim DIANY, qual é o ramo de vida dele? - Ele vende. - Vende o quê mulher? - Ele vende... Ele vende... - Fala mulher! - Ele vende drogas, pronto falei. - O quê? Minha Nossa Senhora! Tu te apaixonaste e vives com um traficante de entorpecentes, mana. DIANY, presta a atenção! Tu és mulher de bandido! Ai meu Deus! Como isso foi acontecer?..... - Eu sabia que tu ias ficar assim comigo, mana! Por isso eu tinha medo de te falar e perder o teu amor que sentes por mim. - Não mana. Eu não vou nunca deixar de te amar e deixar de ser tua prima querida. Só que o choque foi
terrível, a decepção é imensurável. Qual era o nosso objetivo em vir pra cá, lembras? Onde foi parar os nossos sonhos de vencer na vida, pelos nossos méritos? Pelos nossos estudos? Pelo trabalho honesto e respeitado? Lembras dos conselhos dos nossos pais? Da vó Indiana? Eu lembro muito bem, quando disseram que iam sentir nossas faltas, iam sofrer com a distância que íamos separar, mas que um dia tudo ia ser compensado. Tais sofrimentos se transformariam em muito orgulho e bom gosto da família. DIANY não se contém e desaba a chorar convulsivamente. - Lembro ainda, que eles falaram que nós duas seríamos as duas pedras preciosas deles e, que naquele momento, estavam depositando toda confiança e esperança em nós duas. DIANY soluçando fortemente disse: - Eu sei mana. Eu lembro sim e sofro muito com isso. Mas tudo isso é mais forte que eu. - Lembra ainda que falassem a eles que um dia nós voltaríamos para a Comunidade para ajudá-los com nossos conhecimentos? Soluçando sem parar DIANY responde: - Lembro sim DIACUÍ. Condoída pelos prantos da prima irmã, DIACUÍ a toma nos braços e diz: - Calma mana, não é o fim do mundo. Nunca é tarde. Vamos reverter essa situação, vamos?
-DIACUÍ, é tarde demais minha irmã. Eu não consigo mais viver sem as drogas. Eu estou dominada pelo vício. Essa coisa, nem queira saber! É coisa do demônio! -DIANY, te juro minha prima, eu não consigo entender e nem aceitar, como que um ser humano seja tão inescrupuloso e asqueroso como esse teu namorado. Me desculpa pela sinceridade, mas é estarrecedor saber que esse cara, convive tranquilamente, sem nenhum encargo de consciência, se é que ele tem consciência, como é que ele consegue deitar a cabeça no travesseiro e dormir, tendo causado tanto mal às pessoas, destruído tantas famílias, interrompido tantas vidas e o futuro de tantos jovens incautos. Na verdade, os jovens deveriam pensar mais e melhor diante de tal situação. Os jovens deveriam ouvir as pessoas de bem, que ainda existem muitas, com bastante acuidade, antes de embarcarem nessa viagem sem volta e se manterem bem distantes desses pseudoshumanos maléficos e nocivos à sociedade. Há um silêncio sepulcral entre as duas beldades aproximadamente de vinte minutos e DIANY quebra o silêncio. - DIACUÍ, a vida pra mim não foi tão fácil assim. A vida pra mim foi uma verdadeira madrasta. Primeiro foi meu pai biológico que engravidou minha mãe e sumiu no mundo. Tem seu paradeiro ignorado. Até hoje não o conheço. Nunca no dia dos pais eu pude abraçá-lo e dizer pai eu te amo e nunca eu o ouvi dizer que me amava em nenhum momento, nunca fui amparada por ele quando mais precisei. Tive sim o carinho do tio Kaxinawá, os conselhos dele, da tia Merandolina e da vó
Indiana, pelo qual eu agradeço e me orgulho muito. Mas eu queria mais, eu queria tudo isso do meu pai verdadeiro. Quantas noites eu acordava e ficava imaginando como ele seria? Qual o seu rosto?e se ele estivesse ali comigo me faria um afago? me daria um beijo de boa noite?ia me contar uma historinha pra eu dormir?Cantaria uma musiquinha de ninar?ia me cobrir com o lençol nas noites frias e dizer dorme minha filhinha. Dorme com Deus e com os anjos da guarda, como todo pai que ama e está perto dos seus filhos diz. Não, nada disso eu tive. Quando eu perguntava da minha mãe quem seria meu pai e se um dia iria conhecê-lo, ela dizia com rispidez “vai quietar menina! Pra que tu queres saber de quem nunca ligou pra ti?” “Se ele te amasse e se fosse um homem que prestasse estaria aqui conosco” “Teu pai n~o presta, minha filha, ali|s, nunca prestou.” “É melhor tentar esquecê-lo”. Eu ficava me perguntando por que minha mãe parecia nutrir tanto ódio e tanto rancor do meu pai? Será que o amor entre eles não existira? Será que o fato de nos ter abandonado causou-lhe tanta mágoa assim? Um dia perguntei da vó Indiana sobre meu pai e ela respondeu “Ah minha filha, na época sua mãe era bem mocinha e seu pai um viajante que por aqui passou e nunca mais voltou e, também nunca mais soubemos nada sobre ele. A vó desconversou imediatamente. - DIANY, eu sei disso e sou solidária a você, mas nada justifica você seguir por caminhos tortuosos. - Espera mana, ainda tem mais. - Mais decepções?!
- Sim, ainda tem mais coisas. Lembra daquele homem que a mamãe se juntou quando eu tinha treze anos? - Sim. O quê que tem? - Pois é eu nunca fui com as fuças dele. Nunca gostei do jeitão dele. Toda vez que ele bebia tornava-se violento, agressivo e saliente. Batia na mamãe, a chamava de tudo quanto era nome feio. Nossa vida era um verdadeiro inferno. Ainda bem que ele só passava alguns dias em casa, o resto ele passava enfurnado no piaçaval vivendo que nem bicho. Vivia o tempo todo sendo explorado e humilhado pelo patrão, quando chegava aqui descontava sua fúria na gente. Uma vez ele chegou à casa muito bebida, a mamãe não estava na ocasião, tinha ido pra roça e o nojento tentou me estuprar. - O quê?! - Só não fui estuprada porque alguém bateu palmas lá fora e chamou por ele e os dois saíram novamente pra irem beber. - E tu não contaste nada pro papai e nem pra vó Indiana? - Antes de sair ele me ameaçou. “Se tu contares qualquer coisa pra alguém mato tu e tua m~e. Ouviu?” Eu fiquei sem fala, me tremendo toda e choramingando baixinho pra ninguém ouvir. - E a titia por que não contou que ele a espancava pro papai? - Simplesmente porque além de amá-lo muito, ela morria de medo dele e de certa forma não queria meter a família em confusões e, mesmo ele era muito perigoso.
- Ele também a ameaçava? Como fez contigo? - Ameaçava sim. Tu sabes que ele só andava armado de faca. Aquela que ele a batizou de “Ai na ponte Jesus no cabo”. Assim que ele ficou com a mam~e, seis meses depois, fez questão de fazer a nossa casa lá na ponta da Comunidade, bem distante de todos. Quando mudamos pra lá, dois dias depois, o safado bateu muito na mamãe a xingou de vários palavrões, inclusivo xingou a todos nós. Entrei no quarto pra ver se ele parava de brigar e bater na mamãe, assim que me viu lá no quarto com eles e viu que eu estava chorando, puxou a faca da cintura, encostou-se ao pescoço dela e a ameaçou dizendo se eu não saísse dali e não ficássemos calada nós morreríamos. Eu fiquei com as pernas trêmulas e desmaiei, quando acordei mamãe estava do meu lado dizendo pra eu não comentar nada com ninguém do que havia visto se não ele nos mataria cruelmente. - Mesmo assim você deveria ter contado. Diante de tais situações injuriosas não devemos permanecer no anonimato. - Mamãe me abraçou chorando e pediu pelo amor de Deus que eu não contasse pra ninguém e o safado não estava de brincadeira! Ainda bem, Deus que me perdoe (batendo três vezes na boca) que naquele mesmo ano ele foi pro piaçaval pegou uma malária daquela braba, quis curá-la com cachaça acabou batendo as botas e por lá mesmo ficou enterrado.
- É mesmo. Pela primeira vez que um vazo ruim se quebrou. - DIANY, como é esse rapaz que tanto te encantou? - Ah! DIACUÍ, pra mim ele é um homem bom! Trata-me muito bem, é atencioso comigo, me enche de presentes, faz tudo por mim. Só é duro com os aviões dele. - Aviões? O quê é isso? - São pessoas recrutadas por ele que passam as drogas, inclusive menores de idade, meninos e meninas, nas ruas escuras, nos becos mal iluminados e principalmente nas portas das escolas e dentro das escolas também, nos banheiros.
( FOTO REPRODUÇÃO) - E tu és conivente com tudo isso, DIANY? Não sentes remorsos não? Fazendo parte desse mundo negro, submundo das drogas? - No começo cheguei a me questionar pelo momento infortúnio sim. Juro que até me senti a escória da humanidade. Ficava pensando horas a fio durante a noite. Pedia perdão a Deus, ficava muito mal mesmo. Mas com o tempo, vendo as mazelas do mundo proporcionada pelos engomados, pelas pessoas do poder público que deveriam fazer muito pelos jovens, pela população e não os fazem por estarem envolvidos em corrupções escandalosas e deixam ou permitem que os traficantes os façam no seu lugar, o coração da gente vai endurecendo, a gente vai se embrutecendo, se distanciando dos bons costumes, da moral, dos
ensinamentos familiar e religioso, transforma até seu próprio caráter e, só ver à sua frente o dinheiro, a orgia, a curtição e o poder, mesmo que tenha que passar como um rolo compressor sobre os demais. - Poxa mana, bem que tu disseste que isso é coisa do demônio! Mas tenho fé em Deus que um dia você vai voltar a ser o que era antes aquela pessoa amável, querida e humana lá da nossa Comunidade e da nossa família. - Eu não acredito mais. Se você acredita reza por mim. Vou precisar muito.
Figura 1 (FOTO REPRODUÇÃO) Nesse instante chega da viagem seu Mustafá, o Turco, como era conhecido, na verdade ele era libanês o marido de dona Rufino, era o homem que regateava pelas plagas do Rio Negro e seus afluentes. Um homem de bom coração, mas o que mais lhe era plausível era
um bom negócio favorável a seu bolso. Seu Mustafá trazia com ele, naquela viagem, uma má notícia para as duas beldades. Um mês antes de baixar, pra Cidade Maior, a mãe de DIANY, falecera abruptamente, na Comunidade, picada por uma cobra surucucu pico de jaca, uma das cobras mais peçonhentas da Amazônia. Dona Many resistiu vinte e quatro horas. Na Comunidade não havia mais nenhuma ampola de soro anti-ofídico, remédio que combate picadas de cobras peçonhentas. Havia algum remédio caseiro, mas seu dia chegou. A notícia foi devastadora para as moças, principalmente para DIANY, que parecia não ter trégua a sua má sorte. Com seu coraçãozinho dilacerado, DIANY refugiou-se no quarto e lá numa enxurrada de lágrimas vivia mais um momento de angústia e sofrimentos desesperadores. Contava ela, naquele instante, com o apoio incondicional da prima DIACUÍ, da senhora Rufino, que era como uma mãe pra ele e pra DIACUÍ e do seu Mustafá que não tinha lá muito jeito com as palavras, mas que no momento procurou, dentro do possível, confortar a jovem moça sofredora. Mas o que lhe dava força e coragem para suportar tantas infelicidades, era o amor bandido que nutria pelo traficante, apesar dos pesares, DIANY via naquele homem seu porto seguro, via-o como sua âncora e seu refúgio. Passados alguns dias, o sofrimento já havia sido amenizado, as duas beldades, voltam a conversar no quarto. Sentam-se frente a frente em seguida deitam-se lado a lado olhando para o teto e depois de alguns
longos minutos de silêncio, DIACUÍ quebra-o, trazendo à baila lembranças de seu interior do tempo de infância. - DIANY, às vezes, lá pelas tantas da noite, pego-me a recordar e fico a divagar, sob a égide dos meus pensamentos, reminiscências do nosso tempo de criança. São recordações boas, recordações sofridas e começa a bater uma saudade doída no peito da nossa amada família. O silêncio da noite torna mais agravante essa dor do peito. Meu peito começa a apertar, parece que o coração da gente não vai mais caber nele, daí uma dor fina pontiaguda começa a crescer lá dentro como um alfinete perfurando todo nosso corpo e gradativamente vai inundando nossa alma num mesclado de tristeza e dor, fazendo transbordar em forma de lágrimas, pelos olhos que brilham na escuridão em busca dos nossos sonhos constituídos lá na Comunidade há anos atrás. É daí, desses sonhos constituídos lá, que tiro a conclusão que era feliz e não sabia. Não que tenha me arrependido de correr atrás dos meus sonhos, vindo pra cá! É que, nas condições de ser humano que sou às vezes também dou minhas fraquejadas. Mas quando estou muito pra baixo, como agora, ergo-me, recarrego minhas baterias, encho-me novamente de esperanças e faço esse desejo de vitória que venho carregando em minha alma, ressurgir como uma Fênix. Sei e acredito piamente que um dia chegarei no topo da glória. E tu também mana, deves pensar assim. - Ah! DIACUÍ, eu também, assim como você tenho meus devaneios. À noite e até mesmo durante o dia me
encontro a sonhar acordada e recordar detalhes das nossas infâncias, das nossas travessuras, das nossas pescarias, nos lagos e igarapés, de quando íamos tirar ovos de irapucas para comermos feito arabu, cozido ou moqueado e, comer a própria irapuca assada é uma delícia, desde que não se faça comércio nem dos ovos nem dos bichinhos de cascos. Poxa tempo bom. Lembra quando aquela onça nos botou pra correr daquele damiçá que fica na cabeceira do lago que sempre íamos pegar xidáua, foi divertido e adrenalina pura, deixamos para trás todas irapucas que havíamos pegado. É mana apesar de eu viver sempre com pensamento voltado para saber quem era meu pai biológico, e nunca obtive resposta nenhuma, eu também era muito feliz até a mamãe conhecer aquele homem mau, sem caráter, sem coração e que não tinha respeito e nem consideração por ninguém. A partir daquele momento minha vida mudou completamente, virou um inferno, creio eu que da mamãe também mudou, por mais que gostasse dele, que Deus a tenha junto Dele. É muito ruim prima ter que conviver com segredos que nos machucam muito por tanto tempo. Minha mãe e eu vivemos assim por vários anos. Não sei se depois da nossa partida ou depois da morte daquele monstro, ela criou coragem e desabafou com alguém. - Acho que não. Talvez pra vó Indiana. - Acho que nem pra ela. A mãe era muito fechada era demais submissa e tinha medo de tudo. Impressionante a mãe convivia com todos esses segredos mas não era uma pessoa amarga sorria pouco mas amarga não.
- É verdade. De repente alguém bate à porta do quarto das beldades. Era dona Rufino que viera chamá-las pra tomarem um cafezinho com bolachas. Prontamente as duas moças interromperam o diálogo e foram fazer companhia à patroa e ao senhor Mustafá que dentro de dois dias ia fazer sua viagem costumeira de regateio e ia passar pela Comunidade das meninas. Se propôs a levar o que elas quisessem mandar para seus familiares. Na manhã seguinte, bem cedo, DIANY chamou DIACUÍ para continuar sua conversa. - Prima, agora que está mais calmo, a tempestade maior já passou, queria ter uma conversa séria com você. Tá? - Poxa DIANY, desde quando deixei de ouvi-la? - Não é isso! Sei que sempre nos demos bem e sempre nos entendemos uma a outro né? - Então fala logo mana! - Bem, depois de tanta catástrofe, na minha pobre vida, tantos altos e baixos se fizessem uma retrospectiva dela daria um bom livro. - Sim e daí? Desenrola. - Na verdade tive sim várias pessoas que me apoiaram que me deram carinho, como meus tios, nossa vó Indiana, dona Rufino até seu Mustafá com o seu jeito de homem das cavernas me apoiou, e em especial você, minha querida prima. Todas vocês, são pessoas que marcaram minha história e pra sempre terei boas lembranças de todos pro resto da minha vida, pela qual serei eternamente grata. - Você está me deixando nervosa. Fala logo mulher!
- Bom como já havia dito, conheci esse rapaz, que estou gostando muito e você detesta, não vou me intrigar com isso. - Também pudera né, prima? - Me deixaeu terminar. Depois faça seus comentários. - Ixe! Olha só! Lá vem bomba. - Posso? - Pode. - Como ia dizendo, esse rapaz, tem sido pra mim meu porto seguro tem sido e será minha tábua de salvação. Ele pode ser o que for na tua concepção e dos outros, mas pra mim é um homem gentil, carinhoso, atencioso, parece que gosta muito de mim e que me trata bem. Por esse motivo, depois de conversarmos bastante pesar os prós e os contras, chegamos a uma conclusão. - Que conclusão?! - Que vamos viver juntos como marido e mulher. - O quê? Ai meu Deus!Você enlouqueceu? Tu já pensaste nas péssimas consequências que isso pode te trazer, minha irmã? - Já minha mana. Já pensei em tudo. Sei dos riscos que vou correr das dificuldades que virão, mas nos amamos e ele me trata como uma princesa e estou decidida, custe o que custar. - Não é isso querida, é o fato de você daqui pra frente ser uma mulher de um bandido, de um traficante. Sem contar dos riscos que vais correr todo dia. Vão ser enormes. Tu vais ter uma vida toda de sobre assalto. Vais viver em total insegurança. Tua casa pode ser invadida ou metralhada, por policiais ou pelos próprios
comparsas dele a qualquer hora. E o futuro dos teus filhos como será? - Quem te disse que eu quero ter filhos? - Faça-me um favor DIANY toda mulher tem esse desejo, toda mulher carrega essa missão de gerar um filho pro homem que ama. O objetivo de todas é esse para poder se sentir uma verdadeira mulher e perpetuar sua espécie. - Mas eu não penso assim. Já sofri demais, eu quero é viver e curtir a minha vida antes que o mesmo passe por mim, ao lado de quem tanto amo. - Achas que vai ser tão fácil assim? Todos vão cair de pau em cima de ti quando souberem de quem se trata e o que esse teu marido de araque faz na vida pra sobreviver, se é que posso chamar isso de vida. - Ninguém precisa saber o que ele faz ou o que deixa de fazer, nem meus tios, nem nossa vó Indiana e principalmente o Turco e a dona Rufino, senão chega lá na Comunidade rapidinho. - Não vais me dizer que tenho que compartilhar com essa tua atitude insana, vai? - Não disse isso. Quero apenas que você omita a verdade. Quero que você não estrague meus sonhos e minha felicidade. Estou pedindo muito? - DIANY, tua felicidade vai me custar muito caro. O que estás pedindo vai de encontro aos nossos princípios, vai de encontro à nossa honra, à nossa moral, à nossa religião e a todos nossos aprendizados. Não sei se vou conseguir manter o silêncio, mas prometo que vou tentar.
- Eu sei minha irmã. Eu sei disso tudo, mas por favor, me deixa ser feliz. Já sofri demais e sou ainda muito jovem. - Sinceramente? Não sei se vou contribuir pra tua felicidade ou infelicidade. Você sabe muito bem que a tenho como minha irmã e a amo muito. Vou topar esse embuste em nome da sua “felicidade”, mesmo odiando esse traficante. - Esse traficante tem nome tá? - Tem é?! - Tem. Ele se chama Paissana. - Isso lá é nome de gente! - É que ele é colombiano. O nome dele de pia é Juan Escobar Carbajal. - Pelo menos o nome é bonito, mas colombiano.... - Ele também é bonito! E cuidado com a xenofobia! Isso é puro preconceito! - Mas o caráter é podre! Eu não tive intenção de discriminar os estrangeiros. - Não o trate assim, minha prima. - Por favor, não me peça pra ser amável com ele que jamais serei. - Tá bom, tá bom. Mas não precisa esculachar também. Vou te agradecer, mana, para o resto da minha vida. - Eu a amo muito minha prima irmã. As duas beldades se abraçaram bem apertadinho e foram falar com dona Rufino e seu Mustafá sobre a novidade e pedir ao regatão que as levasse até à Comunidade para que as mesmas informassem aos parentes da decisão tomada pela moça. Seu Mustafá se propôs imediatamente de levá-las e trazê-las numa
viagem só. É claro que debitou as despesas da viagem na conta do seu Kaxinawá. Seu Mustafá desmarcou a viagem de negócio que estava programada e saíram bem cedo ele dona Rufino e as duas beldades para a Comunidade delas. Viajaram mais de três dias subindo o Rio e chegaram lá de surpresa. Na viagem as duas beldades sentaram-se à proa do batelão e lá iam combinando o que dizer para seus familiares e como convencê-los a aceitar DIANY se juntar, é como se diz por aqui quando um casal vai viver sem casar oficialmente, com o Paissana sem que houvesse aquele casamento de formalidade. Juiz e Padre. Mas como a vida nem sempre é a que idealizamos... Chegando na Comunidade, ao avistarem as duas beldades, a felicidade da família e dos comunitários foi imensurável. A família parecia adivinhar, não havia saído da Comunidade. Só o terceiro irmão de DIACUÍ, o Açu, havia saído para pescar irapucas e tirar ovos nos damiçás, o chamavam de Açu porque ele era todo robusto. Muito forte o rapagão. Ao descerem do motor as meninas foram encontradas com beijos e abraços, dos familiares e dos amigos. Lágrimas rolaram em vários rostos. O sorriso era iminente em todos da Comunidade. Dona Merandolina as tomou pela mão e as levou ao encontro do seu Kaxinawá que se encontrava tecendo uns cacuris para pegar cabeçudos para seu sustento e trocá-los por gêneros de extremas necessidades. Dona Indiana, que era amante da leitura, estava deitada na sua rede de tucum, lendo ou relendo seu livro predileto,
Iracema, de José de Alencar. Na sua humilde e pequena estante havia livros de José de Alencar, Machado de Assis, Lima Barreto, Jorge Amado e algumas revistas de fotonovelas. Absorta em sua leitura não percebeu a chegada das meninas. Dona Merandolina eufórica gritou: - Kaxinawá! Olha quem chegou aqui. Virando-se abruptamente seu Kaxinawá se deparou com aquelas duas imagens sorrindo pra ele, que o fez ficar estático por alguns segundos. - Minhas filhas! Como vocês cresceram e ficaram tão bonitas! Vieram com o Turco? - Sim pai. A sua benção. - A sua benção também titio. - Que Deus as façam felizes, minhas filhas. - Alguma novidade, filhas? As duas se entreolharam, riram pra ele e disseram em uma só voz “mais ou menos”. Nesse intervalo as duas beldades levantam a vista e veem a vó lendo seu livro e vão até ela - Boa tarde dona Indiana!! - Boa, boa, boa tarde são vocês suas danadas?! - A sua benção vó. - Deus as protejam meninas. Oh! Quanta felicidade minhas filhas. - A senhora continua firme e forte né vó? – Disse DIACUÍ. - E bonita também! – falou DIANY. - São esses olhos carinhosos de netas que vêem assim. As três se abraçaram com emoção e puseram-se a rir. - Temos muito o que conversar, meninas.
- Viemos aqui pra isso vó. Nesse instante chega a notícia que Açu havia chegado com um saco de estopilha cheio de irapucas, duas centenas de ovos, cinco cabeçudos, uns aracus branco e uns pacus tiuí. As meninas correram ao encontro de Açu e rodopiavam num amplexo bem apertado e demorado para matar a saudade. Depois de matarem a saudade momentaneamente da família saíram asduas beldades a percorrerem a Comunidade, acenando, falando, abraçando um e outro e contando e ouvindo as novidades.
Foram ao cemitério, onde jazia a mãe de DIANY, rezaram um pouco no túmulo, foram à Capela da Comunidade, foram ao campo de futebol, haviam alguns curumins e cunhatãs jogando com uma bola de seringa da Amazônia e depois foram lá pra ponta à beira do
barranco ver a árvore de arabazeiro, onde nas suas infâncias, subiam nele para pularem na água e brincarem de pira e se sentavam para sonhar. Sentadas à beira do barranco, no tronco do arabazeiro, começaram a lembrar de suas estripulias e travessuras passadas do tempo de criança e adolescência. Lembravam dos momentos felizes e dos momentos tristes, lembraram das vezes que ficavam escondidas jogando torrões de barro nas canoas que passavam no rio. - Poxa DIANY, já se passaram um bom tempo desde que saímos daqui. - É verdade mana. Muitas coisas aconteceram em nossas vidas. Coisas boas, coisas tristes e aqui estamos de novo matando a saudade. - Em breve vamos fazer vinte e um anos. Estamos alcançando nossa maioridade civil e vamos ser donas do nosso nariz. - Eu te admiro muito mana, tu tens levado as coisas com seriedade. Tu és mais pé no chão. Já terminou o Ensino Médio, está se preparando para o vestibular. Tu vais fazer o que mesmo na Faculdade? - Quero fazer Faculdade de Biologia. Quero ser uma cabocla bióloga. Esse é o meu sonho estudar vidas e proteger vidas animais. Alguns minutos de silêncio e DIACUÍ pergunta: - Por que tu não voltas a estudar, mana? - Ah! DIACUÍ, parei no início do Ensino Médio e não tenho mais pique pra isso não. Perdi o estímulo.
- Devias pedi um tempo pro teu namorado ou vivendo com ele mesmo e voltar a estudar. Quem sabe nesse período tu não pensavas melhor e mudava de ideia ou conhecias outra pessoa com mais responsabilidade. - Mas tu não vais mesmo com a cara do Juan né? - Minha prima, me bate um desespero quase que incontrolável, só de pensar que tu vais viver junto com esse cara como marido e mulher. Não vejo futuro nenhum. O que sinto é um mal estar, uma agonia sei lá. - Eu só queria que tu entendesses que gosto dele, eu amo o Juan. Não importa os riscos que possa correr junto dele. Eu quero, eu preciso tentar sabe? - Além do mais, ele é muito mais, muito mais velho do que tu. - Isso não muda nada. O amor não tem idade, o amor não tem cor, o amor não tem razão social, o amor não tem preconceito, o amor de verdade não se importa nem com o tipo do sexo. - Hum! Tá muito saidinha pro meu gosto! Brincadeira mana. Eu sei que o amor é tudo isso aí mesmo. O amor é tudo isso aí que você falou e em alguns casos chega até ser cego de guia como esse teu. Não enxerga um palma diante do nariz. Além de cego é surdo não ouve ninguém. - Poxa prima já falamos sobre isso algumas vezes. Desculpas nada vai fazer eu mudar de pensamento estou decidida. Nós, eu e ele, vamos daqui há alguns meses, mudar pra Capital. Vamos morar lá ou talvez até na Colômbia na terra dele. - Quer dizer que vamos nos separar?
- Um dia ia acontecer. Já estamos adultas. É tempo de murici cada um cuida de si. Não é assim que diz o ditado popular? - E tu dizes isso assim com a maior naturalidade? Claro, eu sabia que um dia ia acontecer, mas não assim abruptamente e dessa forma. - A nossa amizade só vai acabar quando morrermos, mana. - Também sei disso e me orgulho de ser sua prima irmã. Só não queria que fosse assim desse jeito e com esse sujeito. - Deixa eu ser feliz, deixa? - Claro mana, é a coisa que mais quero é vê-la feliz. Se achas que vais ser feliz não sou eu quem vai impedi-la. Te adoro prima. Nisso vem correndo o irmão mais novo de DIACUÍ, o Afó e ofegando diz: - A mamãe e o papai tá chamando vocês. - Obrigada maninho, nós já vamos. Diz DIACUÍ dando-lhe um abraço e DIANY passa a mão sobre a cabeça do primo, fazendo-lhe um ligeiro afago.
Os pais das meninas, chamaram-nas para uma merenda especial, arabu com café, convidaram também seu Mustafá e a esposa, não para comer arabu, porque não apreciavam, mas adoravam tomar café com beiju-cica, marapatá, pé- de- moleque e macaxeira cozida e frita, que a dona Indiana havia feito um dia antes de chegarem. Mais tarde as duas foram fazer o fogo no moquém para moquear os peixes e as irapucas que seriam servidos no jantar com farinha torradinha e curadás feitos pela família. Sentaram-se em volta do moquém e esperaram assar os peixes e os quelônios. Conversavam e contavam anedotas para que o tempo passasse mais rápido porque a fome e a iguaria atiçava o apetite. Entre uma conversa e outro tomavam uma talagada de café que estava no bule e encostado ao fogo para não esfriar. De vez em quando alguém ficava de olho no fogo para não queimar o que estava assando, quando a banha caía sobre o fogo as labaredas subiam e em vez de ser um assado moqueado seria um assado queimado, alterando o sabor. Logo o moqueado ficou pronto e foi servido ali mesmo, ainda quentinho, antes de o sol se por. Esse momento foi registrado, pelo seu Mustafá que possuía uma câmera polaróide, que tirava fotos instantâneas. Terminado o jantar, seu Mustafá e a esposa, que só comeram peixes, também não comiam bichos de cascos, agradeceram aos donos da casa, pelo magnífico jantar, se despediram de todos e foram pra bordo dizendo que regressariam depois do almoço do dia seguinte e os
demais se recolheram pra suas casas. O sol já se punha no horizonte. Vermelho como brasa incandescente, sepultando o dia abrasador que fora para que renascesse uma noite gélida e prateada de lua cheia. A família de seu Kaxinawá reuniram-se após o jantar para uma longa e reveladora conversa. Todos sentados sobre um enorme e colorido tupé feito de arumã e com as bordas trabalhadas em casca de cipó ambécima e jacitara, dona Indiana abre a conversa. - Minhas netas, pela minha experiência de vida, sinto que as moças não vieram até aqui só a passeio. Vocês têm algo a revelar-nos não é? - Temos sim vó. Ou melhor a DIANY tem. - Bem, vó, tia e titio tenho sim uma coisa muito importante para lhes falar. As moças se entreolharam simultaneamente, respiraram fundo e pigarrearam como se as duas fossem falar ao mesmo tempo. - Fala minha filha. Atalhou dona Indiana, mostrando-se apreensiva. –É alguma doença grave ou uma gravidez indesejada? - Nada disso vó. Fica calma. A DIANY só não está encontrando as palavras adequadas. Ela está nervosa né, mana? - Desculpem-me, filhas, me excedi um pouco do meu normal. Não sou assim, vocês sabem disso, talvez seja o peso da idade. Vou manter a calma. - É assim, em pouco tempo, vou fazer vinte e um anos, nesse período de vivência na Cidade Maior, conheci um
rapaz, namoramos e nos gostamos muito e, resolvemos nos casar, ou melhor, vamos morar juntos como marido e mulher. - Como assim DIANY?! Morar juntos? Sem se casar? O mundo virou do avesso! Onde está o respeito à família? O respeito pelas leis da Igreja? Que absurdo! É muita modernidade pra mim, minha filha. - É vó. Hoje é assim. As pessoas se conhecem, namoram, se gostam e vão morar juntas maritalmente e daqui mais alguns anos será bem diferente. Quem viver verá! - Não precisa ir muito longe não. Existiu um casal de francês que chocou o mundo, por sinal ótimos escritores, chamados Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre, que na época eram casados e moravam em casas separadas. Interveio DIACUÍ. - DIACUÍ, você conhece esse rapaz com que sua prima quer viver juntos? Perguntou seu Kaxinawá. - Não muito bem pai. - O que ele faz na vida? Indagou dona Merandolina. - Tia, ele é comerciante. - Assim como o Turco? - Não tia o Juan vende outras coisas. É um bom rapaz. DIACUÍ estava com a garganta coçando pra falar, mas se conteve. - Por que não trouxeram ele aqui para conhecermos e conversar e saber quais são os planos pra vida ao seu lado que ele tem para o futuro? Perguntou dona Indiana. - Porque ele é um homem muito ocupado vozinha, mas me trata muito bem e é muito atencioso comigo.
- Filha, você já pensou bem? Mediu o peso da responsabilidade? Avaliou as consequências futuras? Viver a dois não é muito fácil não. No começo são flores depois são dores. E seus estudos como estão? E como vão ficar de agora em diante? -Vó ainda estou tentando terminar o Ensino Médio, mas eu gosto muito dele. - Então como é o nome dele mesmo? - Juan. - Juan de quê, filha. -Juan Escobar Carbajal. Ele é colombiano. - Vó, eu já tentei enfiar na cabeça dessa desmiolada que ela precisa terminar os estudos, precisa cursar uma Faculdade e ter sua independência financeira e ser livre. É como você diz vó, viver a dois é difícil. E quando depois das flores vierem as dores? Como vai ser? Sem estudos, sem marido, sem emprego talvez com um ou mais filhos. Não acha pai? - É verdade minha filha, concordo com sua prima. Não tenha dúvidas, considero você como minha filha, a criei desde que nasceste. O mesmo bem que quero pra sua prima quero pra você. Gostaria de coração que você estudasse, se formasse e vivesse independente da família e de marido. Desejo que todos meus filhos tenham suas próprias vidas sem depender de ninguém. - Eu também minha filha. Não sou sua mãe biológica só sou sua tia. Desde que sua mãe se foi a tenho como minha própria filha. Até porque tive só a DIACUÍ e os outros são homens. Gostaria e muito e, tenho certeza, que sua mãe onde quer que esteja, também gostaria que
você estudasse, se formasse e conquistasse seu espaço no mercado de trabalho e fosse uma mulher independente. - Vocês podem não acreditarem, mas agradeço do fundo do meu coração, o carinho, a preocupação e a dedicação que todos têm demonstrado por mim, agradeço também àquelas duas pessoas maravilhosas que estão lá a bordo, por tudo que fizeram por mim. Serei eternamente grata enquanto vida tiver, mas eu quero tentar ser feliz, eu quero construir minha vida ao lado do homem que amo. Eu só preciso mais uma vez do apoio, do consentimento e da benção de vocês para ser feliz. - Sendo assim, não vejo outra alternativa filha a não ser consentir, na qualidade de pai, com minha benção consagrar a sua felicidade. - Como sua vó, ainda tendo meu coração partido, dou meu consentimento e a abençôo e você Merandolina? - Também concordo, mãe e te abençôo DIANY, minha filha. - DIACUÍ? - Só me resta concordar e te desejar muita, muita e muita sorte mana. - E os meninos, concordam? - Concordamos sim. Afó, o irmão menor, gostava de contar as novidades estava doido pra sair bem cedo espalhando a notícia. A família se abraçou intensamente num ato de comemoração e preocupação, quando DIACUÍ lembrouse das palavras da avó e perguntou:
- A senhora havia dito vó que queria também conversar conosco, lembra? - Quero sim filhas, e é muito importante, como já está tarde deixemos para o amanhã depois do café. Deus abençoe a todos e tenham uma ótima noite. - Pra senhora também. Responderam todos e foram deitar-se. Já de madrugada, o mutum cantava do outro lado do rio, as guaribas experimentavam seus gogos bem longe, na terra firme, por trás da Comunidade. Dona Indiana, dona Merandolina e seu Kaxinawá, já estavam de pé. Dona Indiana cortava gravetos para iniciar o fogo, no fogareiro, feito de barro misturado com casca de caraipé queimada e fazer o café, em seguida todos estavam de pé, ouvindo os pipilares dos pássaros como de costume. As duas beldades começaram a reviver seus momentos de infância e foram ver o raiar do dia. Era varão e antes das seis o dia vinha raiando lentamente, os bacuraus aproveitavam os últimos minutos do resto da noite para engolir os mosquitos que ainda vagueavam pelo espaço erroneamente. O rouxinol entoava seu belo gorjeio na palha do açaizeiro anunciando um lindo e quente dia. Dona Indiana servira o café com tapioca e tucumã, um pouco de uixi liso, uns piquiás cozidos, pupunha e todos se sentaram, no tupé para saborear o farto e delicioso café da manhã. Acabado o café todos foram executar suas tarefas. Santá e Puranga foram cortar lenha, Pinima e Tapuia foram pro porto matar os cabeçudos para o almoço, Açu foi concertar seu material de pesca e Afó foi correr no campo de futebol. Dona
Indiana fez um meneio com a cabeça e todo seu Kaxinawá, dona Merandolina e as duas meninas foram para a casa de farinha terminar a conversa da noite anterior. Todos reunidos dona Indiana inicia a conversa. - Filhas, a conversa que vamos ter aqui é sobre a mãe e o pai de DIANY. - Até que enfim vou saber algo sobre meu pai. - Pois é filha é chegada a hora. Continuou dona Indiana. Apareceu por aqui um homem desconhecido, com uma conversa boa, ele e mais um outro. O primeiro era conhecido como Paulista e o outro como Mineiro. Chegaram aqui no porto de lancha, falando diferente de nós, com outro sotaque, eram alegres, festeiros e bem jovens ainda. - Qual deles era o namorado de minha mãe? E por que não casaram vó? - A questão é essa, filha. Não houve namoro e muito menos casamento. Sua mãe era uma moça nova, muito bonita, assim que nem você, só que muito mais nova, não conhecia nada da vida, inexperiente, nunca saiu daqui, uma pessoa de bom coração, acreditava nas pessoas e pensava que todas fossem boas. Veja quanta ingenuidade. - O que eles vieram fazer ou porque vieram parar aqui, vó? Indagou DIACUÍ com curiosidade. - Quando chegaram aqui, aportaram, com sua lancha, já sabe né? Todos foram ao encontro dos recém-chegados como sempre, aqui tudo é novidade, principalmente pessoas que vêm de longe é motivo de curiosidade. Cumprimentaram a todos com muito respeito e
educação, em princípio rapazes bastante simpáticos e disseram ter vindo na frente para informar e preparar os comunitários de uma visita de um barco, de pesquisas que viria fazer um estudos sobre as doenças endêmicas dos rio da Amazônia duma tal de Fio da Cruz ou Filho da Cruz, sei lá. - Não vó, é FIOCRUZ, uma antiga fundação criada por um renomado médico sanitarista, do Rio de Janeiro, chamado Osvaldo Cruz. Disse DIACUÍ. - É isso mesmo minha filha. É esse o bendito nome. Como ia dizendo, nós os recebemos muito bem, demos a eles abrigo e tratamento de gente importante. Como todos nós do interior fazemos. Justiça seja feito, o povo do interior é muito hospitaleiro e respeitador. Depois de alguns dias, o estrago já estava feito, viemos saber, através do rádio, que se tratava de dois traficantes internacionais fugitivos da Lei e estava sendo procurados pelas polícias Federal do Brasil, Interpol na França e FBI nos Estados Unidos viviam como judeus errantes de Comunidade em Comunidade. - Ai meu Deus, a história se repete outra vez! Resmungou DIACUÍ bem baixinho. - Falou alguma coisa filha? Disse seu Kaxinawá. - Não, não pai. Só pensei comigo mesma. DIANY se volta pra prima disfarçadamente, porém com um olhar fulminante.
-Afinal vó, quem era o meu pai o Paulista ou o Mineiro? - Era o Paulista, filha. - Por que se levou tanto tempo para revelar quem era meu pai? Por que era um traficante fugitivo da Lei? - Não meu tesouro. É porque você foi concebida de uma formal anormal e ficou difícil contar pra você. Não tínhamos experiência e nem preparo pra tanto. - Como foi vozinha? - O Paulista, vivia se insinuando pra sua mãe e sua mãe não queria nada com ele e não o suportava. Aí o salafrário armou pra ela. Todo dia, sua mãe ou sua tia, vinham buscar água ou xibé, pra nós que estávamos no roçado. Poderia ter sido com sua tia a tragédia, mas foi
com sua mãe. Ele ficou de tocaia, no caminho, eram aproximadamente nove horas da manhã, mais ou menos, sua mãe vinha entretida e cantarolando, quando o Paulista a surpreendeu pulando em sua frente. Com um revólver em punho, agarrou-a e a conduziu para fora do caminho. Passados alguns minutos, Many não retornou. Mandamos sua tia vir até em casa pra saber por que sua mãe estava demorando e o que havia acontecido no caminho. Em poucos minutos sua tia voltou correndo e assustada dizendo que sua mãe não havia se quer chegado em casa e nem a encontrou pelo caminho. Saímos todos em disparada e desesperados, pensando que alguma onça a tivesse devorada. Ao chegarmos na Comunidade, o alvoroço foi medonho, a notícia se espalhou como pólvora e logo todos se habilitaram a procurá-la. Cada um pegou sua espingarda e nos reunimos no campo de futebol. Nisso, demos falta dos dois forasteiros. Corremos pro porto o avuador não estava mais lá. O pensamento foi unânime. Os dois poderiam ter raptado Many! “Só Deus sabe o que vai acontecer com ela”, eu pensei. Foi quando seu Jacinto, um senhor bem idoso, que morava num batelão, disse que havia visto os dois embarcando apressados na lancha e saíram a toda velocidade, mas só os dois. Aí o pânico tomou conta de todos. Voltamos pra terra e formamos dois grupos de pessoas a procura de minha filha. Um grupo para cima e outro para baixo, de canoa. Nós ficamos aqui mesmo, naquele tempo moravam poucas pessoas, na Comunidade. Procuramos por todo o dia e nada. Quando já de tarde, bem tarde mesmo, o
pessoal ainda não havia voltado, o cachorro que seu tio criava começou a latir lá pro caminho da roça, bem distante de casa e afastado do caminho. Latia com veemência e rosnava até que Kaxinawá foi lá ver. Tirou o rumo do latido e foi pé ante pé, em se aproximando, do local, o cãozinho veio ao encontro do seu tio, abanando o rabinho e voltou pra onde estava latindo. Chegando perto do local, conseguiu ver por trás da sapopema aquele corpo quase desnudo, com suas vestes em farrapos e pensou “foi onça” de repente ouviu-a gemer chegou bem perto e viu que ela estava com os pés e as mãos amarrados e amordaçada com sua peça íntima e o nó apertado. Seu tio, já com o coração em disparada e apertado e os olhos cheio de lágrimas vendo que estava viva desamarrou-a com rapidez tomou-a nos braços e a trouxe correndo e gritando que um bicho a havia atacada no caminho, mas ela conseguiu se desvencilhar do bicho e se perdeu na hora de voltar. Many já havia contado toda a história pro seu tio, movido pela vergonha e indignação omitiu o ocorrido pros demais, só contou pra mim e sua tia. Fora o incidente e as escoriações das formigas, tudo estava bem. “o desgraçado do Paulista, minha filha, violentou sua mãe no meio do mato, amarrou, amordaçou e deixou-a a mercê dos bichos. Graças a Deus que sobreviveu. - Quer dizer que sou fruto de um estupro? - Infelizmente sim filha. Disse seu Kaxinawá.
- É por isso que guardamos esse segredo a sete chaves por longos anos e esperamos você completar sua maioridade para revelá-lo. - E como conseguiram manter esse segredo dos vizinhos? Perguntou DIACUÍ. - Você se refere à gravidez? - Principalmente a gravidez. Dona Merandolina explica a situação. - Ora filha, no final do mês, começou os festejos do Padroeiro, vieram pra cá ,como é até hoje, muita gente, sua tia flertou com um rapaz, que veio da Capital e foi embora e nunca mais soubemos dele. Todos pensavam que eras filha dele. Pra nós na época, foi um escândalo menor e foi isso que aconteceu. -Quando penso que já sofri as mais variadas desilusões, na vida, vem à tona, minha triste e trágica história. - DIANY, isso não a faz pior e nem melhor do que ninguém, minha neta querida. Quero que saiba que a amamos intensamente e que esse episódio é passado e nos deu de presente essa pessoa maravilhosa que és. - Pode acreditar minha filha, sua tia e eu amamos muito você e a temos como nossa filha, irmã de DIACUÍ e dos meninos. - Eu também te amo muito mana! Disse DIACUÍ. Todos se abraçaram soluçando por um longo período num ato de solidariedade e depois de acalmarem-se os ânimos foram chamar seu Mustafá e a esposa para servirem o almoço que já estava na hora e logo as duas beldades iriam partir de volta pra a Cidade Maior.
É chegada a hora das meninas retornarem. Todos a bordo depois de muitas despedidas e chororós e tristezas. As pessoas, como é costumeiro, apostas na beira do barranco para verem o motor zarpar. As duas se alojaram na popa do barco e acenavam, com um lencinho branco e com as mãos simultaneamente, a medida que o motor se distanciava do porto. Com os olhos marejados e vermelhos pela saudade que já se instala naqueles coraçõezinhos e que acabara de sofrer fortes emoções com o relato de dona Indiana cujo segredo perdurou por muito tempo sobre seu domínio. As duas beldades, sentadas à popa do barco iam se deleitando, embora tristes, ao contemplarem a exuberante paisagem amazônica composta de fauna, flora densa, bastante água e lindas praias quilométricas.
ÁGUA E LINDAS PRAIAS QUILOMÉTRICAS. (FOTO REPRODUÇÃO)
Passados vários minutos observando as águas que passavam pela lateral do barco, DIACUÍ, preocupada sempre com o meio ambiente abre um diálogo com DIANY, para o tempo passar mais rápido. - Sabia DIANY, que somos donos de um quinto de água potável do mundo? - É verdade?! - É sim. E isso poderá, mais tarde, despertar um interesse internacional e ambição pelo nosso líquido precioso. - Como mana? - Ora DIANY, estive lendo numa revista, que na Europa há pouca água, no Oriente médio nem se fala, e isso não é bom pra nós. Essa centralização de água potável no nosso território poderá mais tarde, desencadear uma guerra no futuro, principalmente com o nosso ambicioso vizinho. Os Estados Unidos da América, que costumam se meter em tudo para espionar e manipular o mundo. - Ah, isso é uma grande verdade. Pense num povo que gosta de meter o bedelho em qualquer parte do mundo, principalmente nos países que detêm riquezas naturais. -Nós amazonenses, precisamos urgente-mente de achar uma solução para preservar o nosso riquíssimo Meio Ambiente sem recorrer à intervenção alheia. Temos que preservar nossa floresta, nossa extraordinária fauna e indubitavelmente esse mundaréu de água doce que ainda é potável. -Vai ser um tanto difícil, mas não impossível, fazer a cabeça desse povo e mudar sua cultura, ou melhor, reformular a cultura dos amazônidas.
- Disseste muito bem, reformular e não mudar a cultura, mudar sem interferir nos seus usos e costumes, porque mudar a cultura de um povo, seria um processo de aculturação deles. Se preservarmos e aproveitarmos os recursos que temos, e que não são poucos, com idéias novas que virão, vamos está ajudando e muito o Meio Ambiente, contribuindo para um progresso menos devastador. Na Europa, em grande parte dela, e da América Central, a floresta de lá praticamente foi dizimada. Tudo em nome de um progresso ambicioso e sem um estudo prévio, proporcionado pelo sistema capitalista selvagem dos países ricos que não enxergam os seres humanos dos países subdesenvolvidos, onde o poder, o lucro e ambição desmedida fala mais alto. Com esse desrespeito infame à sociedade mais humilde e à natureza é quem sofrem. Sempre são os menos favorecidos, que são explorados inescrupulosamente e o Meio Ambiente com sua degradação descontrolada que pagam caro. Essas precauções deveram ter com o nosso ecossistema, já que temos em vista o mal exemplo deles. Lá pra eles, as árvores e alguns animais, já se foram e aqui temos muito mais coisas a serem preservadas. Olhamos agora, nós matamos a vontade de comer ovos de irapuca, matamos a vontade de comer os próprios bichos de cascos, não foi? - Foi sim e como é bom!
Para os biólogos e os ambientalistas, isso é o início de um desastre ecológico já para nossa cultura, isso é mais do que normal e aceitável porque estamos aqui no interior. No meu ponto de vista, o que não é aceitável em hipótese alguma, é a comercialização indiscriminada desses animais. É estarrecedor, quando chega a época do verão, existem pessoas que vendem milhares e milhares de ovos de bichos de cascos e vendem o próprio bicho de casco de várias espécies. Isso sim precisa acabar de uma vez por todas e urgente! Mas se vendem é porque tem quem compra e pagam bem e, sem dúvidas a fiscalização é branda. O pior é que essa hecatombe vem de muitos tempos atrás. Antigamente as barcaças vinham de Portugal via Grão Pará para tirarem banha do peixe azeite, espécie de peixe boi, num afluente do Rio Jufari, Igarapé do Barubaru, nos lagos
do Rei e da Rainha, havia muito deles lá, e banha de tartarugas para usarem nas suas luminárias e o nosso povo ribeirinho antigo, iam às praias e damiçás, retiravam os ovos dos bichinhos de casco, colocavam numa gamela ou numa canoa velha, pisoteavam os ovos e expunham ao sol para extrair o óleo de cozinha muito apreciado na culinária, desde ao tempero da comida à frituras. J| pensou se essa “moda” de devastaç~o ambiental perdurasse até os dias de hoje? Como estaria o Meio Ambiente? Temos ainda uma outra preocupação, não menos degradante, a retirada de madeiras, também de forma perigosa. As nossas árvores frondosas, de onde são retiradas as madeiras, como por exemplo, o angelim rajado e o comum, a saboarana, a itaúba preta, a itaúba surubim, a amarela e outras, o tento, a sucupira preta, o cedro, o louro e várias outras árvores valiosas, da nossa imensa floresta, além de bonitas são árvores centenárias. Se retirarmos aleatoriamente, não haverá um tempo hábil para recompô-las. A recuperação dessas árvores é muito lenta. O manejo delas é quase impossível, pelo tempo que levam a chegarem à fase adulta. O perigo maior seria uma invasão desses capitalistas selvagens ávidos por madeira e lucro. - Deus nos livre de tal acontecimento. Seria um verdadeiro desastre ecológico, mas já houve um governo aloprado que fechou ou tentou fechar um contrato de exportação de toras de madeira do Amazonas para China. - Houve sim e não faz muito tempo. Quanto ao desastre ecológico seria horrível mana. Com o desmatamento a
temperatura do Planeta tende a aumentar. As árvores nos dá acima de tudo, um puro oxigênio e sombra. Abrigo aos animais que se alimentam delas, nelas se reproduzem e semeiam suas sementes mundo a fora, e, que esses também de carona seriam extintos. A temperatura nossa de cada dia ficaria mais alta e com o calor exorbitante, as geleiras das Cordilheiras dos Andes se aqueceriam e derreteriam, causando assim inundações devastadoras nos nossos rios e consequentemente as secas dos rios, lagos e igarapés seriam cada vez mais catastróficas. Pensando nisso minha prima, é hora de cada um começar a fazer sua parte para não só salvar o Amazonas, mas o Planeta. - Tu tens uma visão de mundo enorme, mana! Plagiando a vó Indiana, tu pensas como gente grande. - Quando se vai pra uma escola, não se vai somente aprender a ler, a escrever e a contar, é necessário, e primordialmente, que aprendamos a pensar. Com essas quatro situações de aprendizagem, você começa a enxergar o mundo por uma ótica diferente, daí você passa a ter uma leitura de mundo, que é muito importante ao cidadão, passa também a ter ideias de mudanças no cotidiano. Quer mudança de governos, quer mudanças estruturais, na educação, na saúde, na segurança, mudanças nos projetos sociais e em mudanças comportamentais e pessoais enquanto cidadão politizado. Você começa a se sentir uma pessoa útil à sociedade. - Te admiro muito prima. Eu a tenho como uma pessoal especial. Tu aprendeste rápido. Também a montanha de
livros que você ler por ano! Todo tempinho que tu tens estás mergulhada na leitura. - Isso é ruim? - Não!! Lógico que não! O exemplo está aí! Tu sabes se expressar, conheces palavras novas, hoje tu tens um conhecimento extraordinário de mundo e de vida, mana. - É estou me preparando com afinco pro vestibular que se aproxima. Quero ir pra Capital, preparada para fazer a Faculdade Federal em Biologia. Quero ser um dia, uma bióloga renomada e trabalhar numa dessas ONG’s, mas que seja uma ONG séria, pelas Comunidades ribeirinhas. Quero levar conhecimento à população, não privá-los dos seus direitos, dos seus costumes alimentares, das suas crenças e seus usos, mas conscientizá-los que é preciso evitar uma depredação da fauna, é preciso evitar uma devastação da nossa floresta e à degradação do Meio Ambiente, ou seja, quero fazer com que eles retirem seus alimentos e seus sustentos sem que a natureza seja agredida, e melhor, que aprendam a ajudar o meio em que vivem recompondo-o de uma certa forma. Quero também conscientizá-los para que defendam uma sociedade mais justa, uma sociedade mais humana e mais empenhada com o Planeta hoje, amanhã e sempre, para que nossos filhos e nossos netos, tenham da natureza, tudo o que nós temos hoje de mais belo na fauna e na flora amazonense. DIANY, tenho bons planos pra minha vida, prima. Repentinamente DIANY muda de assunto e começa a pensar no seu plano de vida que a aguardava.
- Estou doida pra chegar e encontrar o Juan. Matar a saudade e viajar pra Capital e correr o mundo com ele. DIACUÍ, eu ainda não fiz planos pra vida. Por enquanto quero é viver, curtir e badalar. Não sei quando vou morrer. Depois dos meus vinte e cinco anos é que vou começar a pensar num plano pra minha vida se eu chegar até lá. - Tu és maluca, prima. Tiraste a palavra da minha boca. Tenho muito medo que com esse teu jeito estabanado me faças sofrer. Te gosto muito e te entendo. Torço pela tua felicidade e pelo teu sucesso. Quero de coração que tu enxergues um dia o mundo como eu o vejo. Quando as duas beldades deram por si, o sol já cansado do longo dia de verão, se entregava majestosamente à noite que se aproximava. Os papagaios ueús e curicas revoavam, atravessando os rios, em busca dos seus poleiros, os patos voavam apressados em busca dos seus e as araras vermelhas e amarelas voavam bem alto para irem se apoleirar nas árvores frondosas de terras firmes. As duas beldades foram esquentar o que sobrou do almoço para jantarem e dormir para que a viagem enfadonha ficasse mais curta. Na manhã seguinte seu Mustafá parou o barco numa praia, tiraram alguns ovos de bichos de cascos e alguns de gaivotas para cozinhar e servir no café da manhã. O dia foi abrasador, um sol escaldante, a viagem tornou-se fatídica, ao amanhecer no dia seguinte, ainda era madrugada aportaram na Cidade Maior. Cansados foram pra terra e tomar o café da manhã com dona Rufino e o Turco em terra firme.
Lá na Comunidade, a família reunida conversava enquanto saboreava o café da manhã regado a beiju, farinha de tapioca, farofa de mixira de anta e piracuí de traíra. Dona Indiana fica por alguns instantes pensativa e comenta esboçando saudades: -O que estão fazendo asminhas netas queridas agora? Será que já chegaram lá? -Se daqui pra lá não houve nenhum empecilho e pelo tempo que já se passou, chegaram sim. -Respondeu com convicção seu Kaxinawá. -Tomara Deus tenham feito uma ótima viagem. Disse dona Merandolina suspirando. Dona Indiana afagando a cabeça de Afó diz: - Deus te ouça, minha filha! Seu Kaxinawá, pede licenças dos demais e se levanta com entusiasmo e convoca a todos ao trabalho. - Bem, o dia já começou, os passarinhos que não devem nada a ninguém, já estão acordados e cantando alegremente. Vamos trabalhar? Essa viagem inesperada, das meninas, nos deixou com o beiço no anzol em dívidas com o Turco. Temos um enorme compromisso a sanar. Santá, Puranga e Tapuia vão pra roça arrancar uns paneiros de mandioca e carregá-los para a gareira. Açu vai pescar e Pinima vai caçar. Tentem conseguir bastante comida, porque não vamos ter tempo pra nada nessa farinhada. Sua mãe e eu vamos tecer os paneiros, concertar as peneiras, o cumatá e os tipitis. Afó, acompanhe sua vó para o que ela precisar. Vão com Deus.
- Tá bom papai. Disse Afó. - Esse é meu parceiro velho de guerra! Disse dona Indiana com alegria e carinho. Quando ficaram a sós o curumim começa um pequeno diálogo. - Vó eu gosto muito da senhora, mas estou com saudades daquelas duas. - Já meu filho?! - Eu também, meu pequeno. -Elas passavam o tempo todo me chamando pra lá e pra cá e me mandavam fazer isso e aquilo pra elas, mas mesmo assim gosto delas e estou com um aperto no coração. Isso é saudade? - É sim meu filho. Isso é normal. É característico do ser humano e de alguns animais, que a Ciência insiste em chamá-los de irracionais. - O que é característico? - É uma qualidade ou defeito que o ser humano tem dentro do seu coração ou na sua razão. Resumindo é tudo aquilo de bom ou de ruim que uma pessoa tem. No seu caso, é tudo de bom porque você é um ótimo menino e tem esse coraçãozinho de ouro por isso é que eu o admiro e amo muito. - Obrigado vozinha! Já ganhei o meu dia hoje! Lá no roçado, os três irmãos capinando e arrancando mandioca conversam entre si, coisas dos seus sonhos. Santá diz: - Vocês já pensaram o que vão ser quando forem independentes e donos dos seus próprios narizes? - Eu tenho vontade de ser mecânico de motores. Acho bonito andar todo sujo de graxa e óleo. Disse Puranga.
- E você Tapuia? Perguntou Santá. - Ah! Eu quero trabalhar em construções de casas de alvenaria ou quem sabe até construir prédios altos. - E tu mano? Perguntaram os dois mais moços. -Bem eu quero ser um grande comerciante! Assim ou maior do que seu Mustafá. Fico sempre apreciando do barranco, cheio de alegria e sonhando, quando vejo o Turco subindo o rio com várias proas, dentro dos barcos atarracado de mercadorias e novidades pra vender, e quando desce o rio, vem cheio de produtos. Quero conhecer pessoas, garotas e principalmente as Comunidades da nossa região. Nós também queremos conhecer garotas! Retrucaram os dois. - Eu sei disso. É que quando penso nisso, eu viajo mesmo. Mas isso só vai acontecer depois que o pai e a mãe tiverem uma garantia de vida. A vó já está aposentada pelo Funrural. Vamos trabalhar juntos primeiro pra organizar a vida dos nossos pais. Precisamos conversar com os outros três meninos pra juntos comprarmos uma casa, na Cidade Maior, pro pai, a mãe e vovó. Só depois vamos bater nossas asas, sem nunca esquecer de ajudar nossos velhos de ouro. Parecia transmissão de pensamentos. Na Cidade Maior as duas meninas conversavam preocupadas e com saudades. - DIANY, estou preocupada. - Com o que, mulher? - Com a mãe, a vó e o pai. - Ora, ora eles estão bem.
- Não é uma preocupação corriqueira é com o futuro deles. - O futuro só a Deus pertence. Disse DIANY sorrindo. - Sim, mas precisamos fazer nossa parte. Você já parou pra pensar a vó já está aposentada, mas a mãe e o pai não e já estão ficando velhos. Nós estamos pra cá com pensamentos de alçarmos voos em busca de nossos sonhos. Os meninos logo, logo vão casar e ter suas próprias famílias. E quando os velhos não tiverem mais forças para trabalharem, na roça? Como vai ser? - Isso é verdade. - Mesmo de longe, vamos ter que nos unirmos para ajudá-los, tratando das aposentadorias deles, assim que completarem a idade e vamos lutar juntos aos meninos para conseguirmos uma moradia digna, pra eles, na Cidade Maior, onde estivermos. - Concordo mana, não tenha dúvidas. Na Comunidade, já de tarde, os meninos acabaram de arrancar mandioca e colocaram-na de molho na gareira. Assim que acabaram de chegar na barraca, chegou o caçador muito eufórico, trazendo dentro do jamaxi, dois queixadas grandes para o rancho da semana. Mais tarde chegou o Açu, com bastante peixes para moquear e alguns bichos de cascos. Depois do almoço; feito com carinho, pela dona Indiana, os cinco irmãos mais velhos foram sentar-se debaixo da mangueira, onde o vento soprava sem parar, que fazia até o mais tosco dos seres humanos, entrar em devaneios e filosofar. Foi quando Santá, o mais velho
dos irmãos, interpelou os irmãos Pinima e Açu. Antes lhes contara da conversa que havia tido com os irmãos na roça pela manhã. - Que planos vocês têm pra suas vidas quando forem maiores manos? - Planos? Como assim mano? Disseram os dois juntos. - Deixa eu me expressar melhor. O que você tem em mente, Pinima, quando for de maior? O que você quer pra sua vida? - Mano, eu pretendo ficar por aqui mesmo. Cuidando do nosso terreno. Não como agricultor de farinha! Nada contra! Mas pretendo ser um agricultor de algo melhor, mais lucrativo e que seja mais rápido. Quero cultivar a terra para outro tipo de agricultura. Farinha da muito trabalho e pouco lucro. Daqui pra lá vou encontrar um meio melhor para cultivar a terra e permanecer sempre perto dos velhos.
(FOTO REPRODUÇÃO)
- E você Açu, tem algum plano pro futuro? - Tenho sim, meus irmãos. Pretendo também ficar por aqui. Vou equipar um barco de pesca, viver nesse ramo e cuidar dos velhos. Ajudá-los na velhice. - Então vamos trabalhar unidos. Nossa meta de vida daqui pra frente vai ser essa, primeiro vamos deixar os velhos bem estabilizados depois colocaremos nossos planos em prática. Mais tarde os cinco irmãos reunidos conversam e Santá inicia a conversa: - Sobre a conversa que tivemos hoje, manos, talvez todos estejam se perguntando, e as meninas? Bom as meninas certamente vão se casar e cuidar dos seus maridos, ou melhor viverem em função deles. É sempre assim que acontece com as mulheres. Mas nada impede que elas possam contribuir com nossos pais e a vovó. Quanto ao Afó, ainda é muito curumim, sabemos que se ele estudar será um bom locutor de rádio ou até mesmo televisão, do jeito que gosta de falar, principalmente na beira do campo, no mínimo um comentarista, mas vamos deixar por conta dele, quando ficar maiorzinho um pouco. Na Cidade maior, as duas beldades, deitadas, na cama, olhando para o teto da casa, cabeça com cabeça, à tarde após o almoço, dão continuidade à conversa que tiveram pela manhã. - DIACUÍ, estive pensando no que falaste de manhã. Tens razão. No final do mês, vou morar com o Juan, na Capital, ou quem sabe onde, mas onde estiver, vou ajudar nossos pais no que for possível. Você também vai pra Capital,
no final do ano, cursar uma Faculdade. De que mesmo é a faculdade que vais fazer? - De Biologia. Se Deus quiser, vou ser uma grande bióloga, ajudar a proteger a fauna, a flora e as pessoas desse caudaloso Rio Negro com suas lindas praias brancas como algodão, que a Natureza nos presenteou. Finalmente é chegado o final do mês de novembro. DIANY se prepara para ir embora com seu grande amor bandido, Paissana, em busca de seus sonhos, em busca de sua felicidade, mesmo trilhando Por Caminhos Opostos, sem se quer pensar no que poderia lhe acontecer, sem avaliar as consequências vindouras, ou melhor, sem saber, sem se importar com qual futuro se defrontaria a partir daquela decisão que no fundo , no fundo a família não aprovava. Mas o amor que sentia por aquele homem fora da Lei, sua ambição desmedida, o desejo de correr e conhecer o mundo ao lado de Juan Escobar Carbajal, não conhecia limites, nem preço e nem consequências, mesmo sendo desastrosa e evidente aos olhos de quem tem juízo. Juan Escobar, o Paissana, chegou à casa, onde moravam as duas beldades, um homem maduro, experimentado, viajado, fisionomia ameríndia, aparentemente fino e educado e uma boa conversa, cumprimentou seu Mustafá e dona Rufino, com toda cordialidade, que é peculiar ao bom malandro, cumprimentou DIACUÍ, essa com estômago embrulhando, disfarçou muito bem, retribuindo-lhe educadamente, cumprimentando-o estendendo-lhe a mão. Juan virou-se para DIANY, chamando-a de “minha princesinha do Rio Negro”,
abraçando-a fortemente e demorado, sussurrando a seu ouvido, que a partir daquele momento ela teria uma vida de princesa, ao seu lado, que a faria a mulher mais feliz do mundo e colocaria o mundo inteiro aos seus pés. DIANY, não cabia dentro de si, com tanta felicidade e uma grande expectativa que dali por diante seria a dona da sua vida e ter seu próprio lar. Naquele momento o céu era seu limite em felicidades e sonhos. Pois até então, aquele homem, só havia lhe proporcionado, carinho, amor, conforto,um mundo de sonhos e fantasias. Um pouco afastada dos dois, ouvindo aquelas melosas palavras, DIACUÍ, com suas entranhas a embrulhar, num misto de ódio e desespero, ao ver sua prima irmã, cair nas mãos daquela ave de rapina, daquela arapuca armada por Paissana, que a pobre coitada não via e ainda sorria para o mundo ver, como se estive prestes a conhecer o paraíso. Juan, com sua larga experiência e malícia, percebeu, pelo semblante de DIACUÍ, sua insatisfação a grande preocupação que lhe afligia e estava a lhe consumir, e, com um tom irônico dirigiu-se a ela perguntando sarcasticamente: - A prima parece que está triste ou está insatisfeita com a nossa felicidade? DIACUÍ, virou-se rapidamente pra ele, com um olhar fulminante e com a resposta na ponta da língua, esboçou falar algo, mas logo foi interrompida por DIANY, que inteligentemente percebeu a gravidade daquela resposta e que rumo poderia tomar aquele apimentado diálogo. Atalhou dizendo: - Não liga não mana! Juan é assim mesmo brincalhão.
DIACUÍ conteve-se e disfarçou que estava tudo bem. DIANY agradeceu ao casal da casa, onde viveu alguns anos de sua vida, abraçou-os e se desculpou como é de praxe, virou-se para sua prima, com os olhos marejados e seu coraçãozinho pulsando mais forte, a outra também estava mais aflita e preocupada, envolveram-se no abraço demorado. DIACUÍ conteve-se implodindo suas lágrimas e seu soluço para não mostrar fracasso ao Juan. Juan cavalheiramente apanhou a mala da futura esposa, estendeu seu braço a ela, que entrelaçou-os ao seu, num surto eufórico de felicidades e foram para o seu carro, um Opala azul metálico, e de lá acenou a todos que com tristeza responderam juntos. Nesse exato momento bateu um mal pressentimento em DIACUÍ, que esse poderia ser o último adeus de suas vidas ou que as duas nunca mais pudessem se ver novamente reunidas com sua família. Tudo na cabecinha dela era incerto naquele instante. A ponto de explodir por dentro, não suportando aquela ocasião tão difícil, saiu correndo, dona Rufino fez que ia segui-la, mas seu Mustafá meneou a cabeça em sinal que a deixasse sozinha, a garota precisava desabafar. Entrou e se trancou no quarto que outrora fora ocupada por duas almas gêmeas, duas pessoas que pareciam inseparáveis, mas que no momento, ali, só se ouvia uma única respiração, só havia um coração batendo sofrido e angustiado com tanta dor. DIACUÍ caíra sobre a cama, numa enxurrada de lágrimas e soluços que antes fora reprimidos. Suas reminiscências, desde a infância, desde a adolescência e
até a pequena fase adulta, fluíam em sua mente como um filme ou uma novela reprisados. Do seu nascimento até então jamais haviam se separadas uma da outra. Durante suas vidas, aconteceram vários desentendimentos entre ambas, sem deixar sequelas, mas aquela dor era sufocante, aquela dor era imensurável, que a deixou completamente transtornada. Passados algumas horas de sofrimento, as lágrimas já não vertiam mais tão fortes, a moça foi se controlando e se refazendo aos poucos. Revirou-se na cama e deitou-se de frente para o teto e, começaram a vir lembranças da sua Comunidade, suas vindas pra Cidade Maior, o envolvimento de DIANY com o traficante, o retorno à Comunidade, a descoberta da triste história dos pais de DIANY e por último, veio-lhe a lembrança de como juntas ficavam deitadas, na cama, cabeça com cabeça, olhando para o teto, contando confidências e discutindo assuntos de família e assuntos do dia-a-dia. E agora? Agora só restava a ela dor, naquela mesma posição permaneceu por um bom tempo com a alma sofrida e o coração dilacerado pela partida de sua prima irmã, talvez partissem para sempre. DIACUÍ voltou a chorar. Chorava e soluçava bem alto querendo amenizar seu sofrimento. Dona Rufino, da cozinha, ouviu seus prantos e levou até ela um calmante com chá e a fez tomar. Pegou-a nos braços e a colocou no seu colo e acariciando seu rosto, afagando seus cabelos a fez adormecer e acordar só no outro dia. DIANY saiu da casa de dona Rufino foi direto pro porto, cujo barco já aguardava para partirem com destino à Capital. Viajaram mais de trinta
horas e aportaram ao entardecer. Tudo pra ela era novidades, naquela cidade, as casas de palafitas ao se aproximarem do porto, casas de alvenaria, os prédios altos, movimentos de carros e ônibus, os transeuntes, pessoas de toda natureza, as lojas, tudo lhe causava plena admiração. Sua adrenalina foi lá pras alturas. Seu coração disparou acelerado quando um caminhão passou em alta velocidade e buzinou forte pedindo passagem. Agarrou com força às mãos do seu amor bandido. Sua mão suava frio, mas soube conter disfarçadamente suas fortes emoções, de marinheira de primeira viagem. Um Landau já está na esquina a espera do casal recém-chegado. Dali foram se hospedar, na conhecida Pensão Maranhense. Ali na Eduardo Ribeiro. Passaram uma semana lá e voaram para Bogotá, capital da Colômbia, terra de Juan. Lá ficaram por uma boa temporada. Na Cidade Maior, DIACUÍ, já com suas forças recobradas, mergulhou de cabeça, nos seus estudos, se preparando para o vestibular, que seria em dezembro, na Capital. Na Comunidade, a vida transcorria normalmente, no seu cotidiano costumeiro. Depois de longos dias e longas noites de preparo para o vestibular, DIACUÍ, estava pronta e ansiosa para encarar as provas. Saíram, ela e dona Rufino, que a acompanhou, com muito orgulho, como se fosse sua própria filha, era final do mês de novembro, mais de trinta horas de viagem, aportaram, na praia de São Raimundo. DIACUÍ, assim como sua prima irmã, ficou maravilhada, com tudo novo que via. Subiram a pé, dona Rufino contratou
um estivador, daqueles que viviam pela beira da praia a procura de serviços, para conduzir suas bagagens pessoais, depois vieram buscar, de carro, os restos das coisas, farinha, bananas, o rancho que trouxeram. A casa de dona Rufino e seu Mustafá, ficava logo ali, na rua da Sede. Na época, uma das casas mais bonitas da rua. Toda em alvenaria, com ladrilhos coloridos, na frente, com laje e toda na cerâmica. Três dias depois começaram os exames do vestibular, apesar do nervosismo, a moça se preparou bem para as provas, foi muito produtivo os exames e em seguida retornaram para a Cidade Maior. Na bagagem, vários presentes para seus familiares, porque o Natal e o Ano Novo se aproximavam. Além da ansiedade, a esperança e alegria de um bom resultado seguiram juntos com elas. Dona Rufino, deixou uma vizinha sua incumbida de pegar o resultado e colocar um aviso pela Rádio Difusora do Amazonas, fundada pelo grande cronista e político Josué Claudio de Souza, bem ali no centro da Capital, na rua Joaquim Sarmento, onde os avisos eram ouvidos à noite, na voz marcante e inconfundível do extraordinário locutor, Jota Nunes. Naquela época, a comunicação, a distância, era feita por telegrama, cartas e o meio mais rápido e eficaz era o aviso pelas rádios do Amazonas, que chegavam aos mais longínquos rincões do Estado. Na Comunidade, seu Kaxinawá e os filhos, já haviam pago as contas ao seu Mustafá e estavam a espera de DIACUÍ para passarem juntos o Natal e o Réveillon e,
pela primeira vez sem a presença de DIANY, que lá em Bogotá, também se preparava para passar os festejos de final de ano, pela primeira vez longe de seus familiares e festejar junto ao seu grande amor bandido. DIACUÍ , dona Rufino e seu Mustafá, chegaram à Comunidade, depois de uma viagem longa e estafante, no dia vinte e três de dezembro, pela manhã. DIACUÍ foi logo perguntando aos pais se havia, nesse período de tempo, saído algum aviso, pela Difusora, sobre o resultado do vestibular dela. Os pais, também ansiosos, disseram que não. Nenhum aviso direcionado a ela, teria saído pela Rádio esses dias, a não ser os avisos normais e rotineiros de todo dia. À noite reuniram-se para tomar café com marapatá, beiju-cica, pé-de-moleque e macaxeira cozida. Aproveitaram o momento para ficar na escuta dos avisos, no rádio de pilhas, Transglobo, da família, com sua caixaria toda trabalhada em madeira de lei polida. Após o café, sintonizaram o rádio, tiraram toda chiadeira, ajeitando a antena externa, às dezenove e trinta minutos, os avisos começaram e no décimo segundo aviso, Jota Nunes, pigarreou, tomou um gole de |gua e mandou. “Atenç~o senhorita DIACUÍ e família, na Comunidade, na Calha do Rio Negro, sua vizinha avisa que o resultado do vestibular da Faculdade Federal do Amazonas, saiu ontem às dezessete horas, não avisou antes por motivo de força maior. Você foi aprovada, na terceira colocação, para cursar a Faculdade de Biologia, abraços e boa sorte.” Jotinha como era conhecido popularmente, aproveitou a oportunidade a parabenizou pelo grande feito. Aos pulos de
contentamento, a beldade, era abraçada e reverenciada por todos, que ali estavam e aos poucos foram chegando mais pessoas para prestigiarem a ilustre caloura da Universidade. A alegria e a euforia contagiaram aquela pequena e humilde Comunidade. Seu Mustafá levantouse orgulhosamente, abraçando a moça bradou bem alto: “hoje a festa é por minha conta!” coisa rara de acontecer. Só um momento inusitado como esse para causar um colapso econômico como esse. O Turco não costumava abrir a carteira tão fácil assim, mas a ocasião era muito especial. O momento era ímpar! Mandou subir pra terra três garrafões de vinho tinto e uma grade de guaraná. A festa varou a madrugada. As mulheres tomando guaraná e os homens, inclusive os irmãos mais velhos da moça, de vez enquanto tomavam uma lapingochada de vinho e tiravam o gosto com uma lasquinha do colchão de queixada moqueado. Lá pelas tantas da madrugada, cada um foi para os seus aposentos e dormiram até o dia clarear, menos dona Indiana, que cedo acordara e fizera o café e se aquentava à beira do fogão a lenha. Mais tarde, em meio a uma ressaca de sono e vinho, começaram os preparativos para a ceia natalina com muita festa e alegria. Lá em Bogotá, DIANY, participava pela primeira vez, dos festejos natalinos, bem longe de sua Terra e seus familiares. Com o coração transbordando de saudades, País desconhecido, idioma diferente, comida, cultura, usos e costumes que não eram os seus, bateu-lhe uma dor insuportável no peito. A saudade era tamanha que ela parecia não suportar e não suportou mesmo,
lágrimas rolaram no seu rosto, mas o amor que nutria por Paissana, falava sempre mais forte, chegava a anular todo e quaisquer desconforto emocional que sentira. Foi justamente, neste Natal, que a beldade, teve sua primeira decepção com o seu amor bandido. Vivendo praticamente sozinha, em um hotel da cidade. Hotel de luxo sim, porém só e abandonada completamente. Juan vivia de “negócios”, negócios escusos é claro. Não podia ou não queria lhe dar atenção. Sempre rodeado de pessoas, homens e mulheres, carrões e wiscks importados. Não sobrava muito ou quase nenhum tempo pra ela. Foi quando logo após os fogos da meia noite, Paissana, chegou muito agitado, parecia que estava, fugindo de algo ou alguém, dirigiu-se rispidamente para ela e perguntou: - Porque estás com a cara amarrada? Não estás gostando de nada? Se arrependeu de morar comigo? O que te faltas? - Estou triste por viver aqui nesse mundo estranho, longe da minha família e sozinha, Juan. - Você não está satisfeita? Te tirei daquele inferno de vida que vivias, praticamente de uma vida indigente, bebendo água de rio, morando em choupana, trabalhando na roça, para dar-te uma vida de riquezas, uma vida que jamais sonhaste de ter, hoje vives neste mundo de luxo, neste mundo civilizado e ainda reclamas, mulher? Quantas não gostariam de estar no teu lugar? Te preocupas não. Dentro em breve, vais correr o mundo comigo, conhecer países e cidades
mundo a fora. Vais conhecer meus amigos internacionais. - Conhecer como? Socada num apartamento, sozinha enquanto tu ficas com teus amigos e amigas na maior orgia? - Ora mulher, tu sabes que preciso cuidar dos meus negócios. Tenho que mantê-los sempre em dias, preciso controlar o fornecimento ali na risca, com muita propriedade e bastante cuidado. Neste tipo de negócios é imprescindível dormir com um olho aberto e outro fechado, ou às vezes até mesmo não dormir. - Sei disso, mas estou, no momento, precisando de carinho, de mais atenção, de uma companhia e só você pode me dar tudo isso, afinal estou longe dos meus familiares. Será que não da pra ti largar um pouquinho desse trabalho nojento e ficar um pouco mais comigo? Paissana virou-se pra ela impetuosamente e a esbofeteou várias vezes, no rosto, agarrou-a pelos pulsos fortemente e a socou na cama, tomado pelo ódio, rasgou suas vestes e como um monstro a possuiu com violência e brutalidade, deixando-a prostrada na cama, desnuda e em prantos, dizendo, com um sorriso cheio de sarcasmo: - Era disso que estavas precisando, muchacha? Aquele homem polido, delicado e cuidadoso, que DIANY conhecera de outrora, lá na Cidade Maior, não existia mais. Transformou-se num homem estúpido, grosseiro e cruel. Era um verdadeiro poço de violência e detinha um poder de fogo impiedoso sobre as pessoas que o cercavam. DIANY, ainda em prantos, puxou o lençol para
cobrir seu corpo e suas vergonhas, encolheu-se na cabeceira da cama e em soluços derramou seus prantos a cântaros. Aos poucos foi deixando seu corpinho escorregar na cama e de peito para cima deitou-se olhando para o teto. Como fazia sempre com sua prima, cabeça com cabeça, mergulhando nos seus pensamentos, começou a relembrar as conversas que tinham sempre, quando estavam juntas e com dificuldades. Lembrou das palavras de alerta, dos conselhos que DIACUÍ havia lhe dado e que por várias vezes chegaram até se indispor uma com a outra e que agora só lhes serviam como consolo pra sua alma e orgulhos feridos. Lá na Comunidade, era só festa e alegria, mas cá sentada, num banco de madeira, dona Indiana, em meio tanta euforia, sentia seu coração apertando e sufocandoa, hora sim hora não. O coração de mãe e vó queriam lhe dizer algo. No dia seguinte, era vinte cinco, Natal, o almoço foi servido para todos. Haviam várias iguarias: Quinha pira, guisado de mutum e uma tartarugada com inúmeros pratos. Muito vinho e guaraná. Como era final de ano a festa se estendeu com a chegada de alguns piaçaveiros, seringueiros, pescadores, madeireiros e agricultores de outras Comunidades para participarem de torneios de futebol, canoagem e outras modalidades esportivas e cada um que chegava, ia logo cumprimentar DIACUÍ e sua família, pelo feito inédito de uma cabocla, oriunda do interior do Rio Negro, de ter superado todas as barreiras de uma jovem de família humilde e interiorana, numa competição desigual que é passar
num vestibular de uma Faculdade Pública Federal e, conquistar com seus próprios méritos, de igual pra igual, diante de uma sociedade com um farto poder econômico, de famílias bem estruturadas e preparadas, uma vaga para elevar seus conhecimentos acadêmicos em busca de uma boa formação para por em prática, quando formada, sua sabedoria em prol da sociedade e do Meio Ambiente. DIACUÍ, naquele momento, foi o centro das atenções e motivo de orgulho, não só da família, mas de todos que ali estavam festejando o Natal e o Ano Novo e principalmente comemorando sua chegada triunfal à Universidade Federal do Amazonas. Dia dois de janeiro, a vizinha, lá da rua da Sede, passara outro aviso, informando o mês e o dia da matrícula. Seu Mustafá e dona Rufino, que já haviam pensado em tudo, reuniu com os familiares da moça, dia três bem cedinho. A preocupação da família era iminente, onde e como a moça ia ficar para concluir seus estudos? Com que recurso? Mas o casal de patrões, que não tinham filhos e gostava muito de DIACUÍ, abriu a conversa dizendo: - Dona Indiana, seu Kaxinawá e esposa, ao longo desses anos, DIACUÍ tem mostrado (os dois a pegaram pela mão) ser uma moça responsável, estudiosa, determinada e que sabe o que quer. Tem passado para dona Rufino e pra mim, uma segurança, uma confiança no que ela faz e no que ela busca na vida. O exemplo maior está aí. Passou num vestibular público de uma Universidade mais disputada do Estado em que a maioria dos ricos de famílias tradicionais consegue.
- Valorizando esses atributos, que lhe é peculiar. Mustafá e eu vamos lhe dar um presente. É com muito orgulho, DIACUÍ, que concordamos que você more naquela casa lá da Capital. Com uma condição! Todos se entreolharam e ficaram imaginando mil e uma coisa. Gostaríamos que os senhores dessem permissão para um dos seus filhos, morar com ela para lhe fazer companhia como é do conhecimento de todos, na Capital, uma moça não pode e nem deve viver sozinha num casarão daqueles. Dona Indiana pigarreou e com um largo sorriso nos lábios disse: - Dona Rufino e seu Mustafá, somos muito gratos aos senhores. Os senhores têm demonstrado um carinho fantástico por DIACUÍ e por toda nossa família. Temos pelos senhores hoje muito respeito e uma dívida de gratidão infinita e indubitavelmente, nos orgulhamos em ser seus amigos. Estão aqui presentes os cinco irmãos mais velhos de minha neta. Vamos resolver essa questão como manda o figurino, democraticamente. Primeiro preciso ouvir a opinião de minha filha e de meu genro. - Concordamos e respeitamos com toda e qualquer decisão, sem restrições. - Pois bem, já que vocês concordam comigo, vamos ao veredicto. Quem dos irmãos presentes gostaria de acompanhar DIACUÍ, nessa jornada à Capital? Pelo um bom tempo o silêncio era sepulcral, ninguém se manifestou e dona Indiana tornou a interrogar com mais veemência.
- Vamos meninos, nossas famílias precisam dessa decisão! Se houver mais de um candidato ao cargo, vamos partir para a votação dos demais. Depois de um longo silêncio, e várias trocas de olhares, alguém levanta a mão timidamente. Era Puranga, o segundo irmão mais velho e seu Kaxinawá lhe pergunta: - Você Puranga? Tens ciência da enorme responsabilidade que vais assumir? Não que eu duvide de você! - Tenho sim pai. Estou preparado também. Com os mestres que tive em toda minha vida, não tenho dúvidas, estou pronto para uma nova etapa da vida. Ao entardecer, dona Rufino, seu Mustafá e os dois meninos, levantaram âncora do porto da Comunidade rumo à Cidade Maior e à Capital, deixando ficar a saudade de sua família e dos comunitários e o grande orgulho que sentiam por DIACUÍ, que naquele instante, era a pessoa mais importante dentre eles. Longe dali, na Colômbia, DIANY tinha luxo e riqueza, menos carinho e atenção do seu grande amor bandido. Infelicidade total da sua vida sentia-se escrava e prisioneira do seu próprio destino. Deitada na cama olhando para o teto era o que fazia com frequência, remexia nos arquivos de suas reminiscências vividas ao lado de sua família e por último com sua prima irmã, certificou-se de que era feliz e não sabia, na sua humilde Comunidade, mesmo sendo pobre. Lá ela era livre, vivia em contato com a natureza, tomando banho no rio, subindo nas árvores, correndo pelo campo de futebol e pelo caminho da roça, pescando nos lagos e melhor,
tinha o amor e o carinho incondicional de sua família. Antes Juan, era um pequeno traficante, hoje já estava ficando conhecido internacionalmente no submundo das drogas. Seus contatos, seus fornecimentos, já começavam a atravessar fronteiras. Já havia distribuições do “produto infame” em v|rias localidades do mundo, tanto nas Américas como na Europa. Seus sectários do tráfico das drogas, fiéis escudeiros e que dariam suas próprias vidas pelo seu chefe, estavam espalhados mundo a fora. Envaidecido pelo dinheiro e pelo poder, Juan Carbajal, o Paissana, começou a cometer desatinos. Fluiu nele, um homem cruel e sem alma. Todos que atravessavam seu caminhos e que lhes ofereciam transtornos e perigos eram exterminados sumariamente da face da Terra. Ninguém podia contrariá-lo. Aliás, Paissana veio para o Brasil, em especial para o interior do Amazonas, fugido do seu país de origem e estava só dando um longo tempo esperando a poeira baixar lá em Bogotá. Paissana, era braço direito de um grande traficante na Colômbia, e o traiu na tentativa de dar um golpe e assumir o comando do tráfico. Com o fracassado golpe, o titular da “pasta” virou uma fera e foi com tudo à caça do traidor e falso “amigo”, com isso as coisas foram ficando cada vez mais complicada para Juan, tornando-o fugitivo do seu próprio país se refugiando pra cá até a situação amenizar. Com a morte do comandante do trafico, morto pela Interpol, polícia francesa, agora o caminho estava livre e Juan assumiu com mão de ferro, primeiro mandou matar os homens de confiança do rival que não
quiseram seguir seus comandos e depois ditou suas próprias “regras”. Na Comunidade, a família de DIACUÍ, estava reunida, na casa de farinha, uma semana depois da partida dela, em tom de brincadeira, mas havia um fundo de verdade, Afó disse: - Nossa família está diminuindo cada vez mais. Dona Indiana suspirou fundo e disse: - É verdade meu filho querido, mas é por uma boa causa. Logo, logo vão estar de volta e em breve estaremos todos juntos novamente. Virou para a filha e o genro e sussurrando bem baixinho no ouvido deles disse: - Sinto meu coração tão apertado quando penso nisso, meus filhos. Alguma coisa não vai bem com um dos nossos. Não sei o que é, mas que algo está dando errado pra alguém está. Seu Kaxinawá quis amenizar o coração angustiado da sogra dizendo: - Que nada minha sogra, é apenas saudade dos meninos que a faz pensar assim. Dona Indiana retrucou: - Meu filho, coração de mãe e de vó nunca se engana. Na Cidade Maior, os dois irmãos, se preparavam ansiosos para viajar. DIACUÍ, ansiosa com a matrícula e de como seria seu primeiro dia de aulas, na Faculdade de Biologia em meio a tantas pessoas diferentes. Como seria recebida? Como iria se enturmar num universo tão adverso. Puranga, estava aflito para conhecer a Capital e constatar tudo que sua irmã havia lhe contado.
É chegado o dia tão esperado, a viagem pra Capital, DIACUÍ com os nervos à flor da pele, as malas já estavam prontas há quase um mês antes, tanto as dela como as do irmão para que nada desse errado. Embarcaram bem cedo, desatracaram o motor e lá se iam rumo à Capital. Viagem longa, mais de vinte e quatro horas, passando pela Baia do Boi Açu o vento soprava forte, na correnteza do estreito do Tatu o banzeiro quase que atrapalha os viajantes, Puranga, vinha sentado na proa do barco, desde a Ponta do Arara, conversando com o prático até a chegada, na praia de São Raimundo. Vinha fazendo perguntas ao prático a cada ponto que lhe chamava atenção, se admirou com a praia do Tupé, o rio Tarumã, a praia da Ponta Negra, a Ponta do Ismael até aportarem. Maravilhado com esses pontos, cada um que passava, virava-se pro comandante e queria saber detalhes por detalhes. E pacientemente, o prático ia lhes
explicando todos os pormenores da trajetória àquele jovem mancebo ainda imberbe que curiosamente e admirado lhe interrogava. A cada resposta que lhe vinha, a contento, sua curiosidade e sua aflição, iam dando lugar à felicidade e ao contentamento que não cabiam em sua alma juvenil. Ao avistar, no ancoradouro do Rodwoei uma gaiola descarregando, com seus enormes guindastes, deu um salto e se pôs de pé, quase caindo na água, com os olhos querendo sair das órbitas, perguntou a seu cicerone: “o que é aquilo ali enorme?” O prático com toda sua experiência, sorrindo lhe respondeu que se tratava de um Gaiola pequeno navio de poucos conveses, que assim como o motor do seu Mustafá, servia também para transportar cargas e passageiros. Mais espantado ainda o jovem falou: “Puxa se esse aí é um pequeno navio, imagine os grandes!” Aí foram só risos. Admirado com as casas de palafitas, a cervejaria Miranda Correia, a quantidade de casas, uma pertinho da outra, as ruas cheias de gente, pra lá e pra cá, o movimento de carros, caminhões e ônibus davam-lhes uma felicidade que não tinha tamanho. Puranga nunca havia tido tanta felicidade e alegria numa hora só e parecia um quati mandingueiro espantado e todo serelepe pulando para um lado e para o outro. Por alguns instante, esqueceu do seu mundo anterior e vivia intensamente aquele novo mundo que estava diante de seus olhos. Longe dali, DIANY, vivia seu triste conto de fada e gata borralheira. Desde aquele fatídico dia que Paissana a
espancou pela primeira vez, sua vida mudou drasticamente. Tudo ficou muito difícil. Daquela data em diante, seu cotidiano era entre rosas e espinhos, mais espinhos do que rosas. Juan Carbajal, de tanto só lidar com bandidos, com mentiras e com o submundo do narcotráfico, tornara-se um homem seco, um homem sem alma e sem nenhum escrúpulo. O dinheiro sujo e o poder a qualquer preço, transformou-o em um homem nefasto, insano e perigoso. O coraçãozinho de DIANY, entrara em conflitos, numa mistura de amor, sofrimento e desilusão. Sua alma lânguida borboleteava pelas nuvens a procura de um porto seguro que ficara para trás, lá no interior do Amazonas. Que teria DIANY feito, na vida para tão jovem sofrer tanta desilusões? Estaria ela passando por provações? Estaria ela pagando dívidas de outras vidas? Para algumas religiões seria castigo Divino, para outras seria seu Carma e ainda para outras estaria DIANY, passando por um processo de materialização e cumprir uma sofrida vida terrena para mais tarde alcançar um plano Superior ou, ainda seria o destino que lhe colocou às mãos tão árdua tarefa? Nenhuma explicação lhe era plausível na atual conjuntura. Deitada na cama do hotel, onde estava agora, com os olhos fitando o teto do apartamento, absorta em seus pensamentos, punha-se a relembrar da sua infância e sua família no interior, quando ela e a prima, sonhavam com seus futuros promissores. DIACUÍ, sonhava em estudar, se formar e trabalhar em prol da sociedade e do Meio Ambiente e ela, sonhava em conhecer pessoas, viajar mundo a fora sem
compromisso sério e agora estava ali imersa nos seus devaneios em meio as lágrimas se perguntando: Que sonhos são esses? Que vida é essa? Que hoje se transformou em pesadelos. Quanta mágoa, tristeza e amargura carregam no peito hoje. Como estão os meus nesse momento? O que estão fazendo agora vó Indiana, DIACUÍ, tio Kaxinawá, a titia e os meninos, lá na Comunidade? Dona Rufino e seu Mustafá, como estão? Será que se descobrissem a verdade sobre minha vida com o desgraçado do Juan, me perdoariam? A DIACUÍ sabe de tudo, mais os demais não coitados. Como eu tive coragem de...? Como fui boba, ingênua? Como gostaria que minha família soubesse que amo todos eles! DIACUÍ, minha prima irmã de ouro! Já começaste a fazer tua Faculdade? Tu mereces mais do que ninguém. Te amo mana querida. Começaram a fluir boas lembranças de sua infância e com isso DIANY adormeceu. Na Comunidade, a família das beldades, tocava a vida, vivendo a cada dia intensamente com muita liberdade, sem violência, com muito trabalho e muita festa, onde se reuniam para orações, novenas, festas dançantes e esportes. Lá é comum a cada temporada de trabalho, as famílias se reúnem, são poucas, porém numerosas, para festejar o Santo Padroeiro, cada família tem sua noite para rezar a novena, servir o café da manhã e o almoço no dia seguinte. O café era com iguarias regionais, o almoço todo de animais silvestres e as bebidas eram desde o caxiri a cawin pura, para as mulheres era servido vinho com água e açúcar, mas nada impedia que
uma mulher adulta tomasse uma talagada de algo mais forte, só era proibido com rigor às crianças. Seu Kaxinawá e sua família fizeram uma ótima safra e estavam bastante felizes, mas dona Indiana aqui e acolá sentia seu coração de mãe e vó apertarem entre uma e outra felicidade. Na Capital, DIACUÍ, já havia começado a estudar e começara a abrir seu leque de conhecimentos e de amizades novas. As portas do mundo começaram a se abrirem para ela. Puranga começou a trabalhar numa oficina de veículos e à noite fazia um curso de mecânica. Alguns anos depois, DIANY e Juan, já haviam percorrido grande parte da Europa. Paissana, não podia mais viver muito tempo em um só lugar, passaram a viver como judeu errante, as Polícias Federal e até as Polícias Internacionais e uma legião de inimigos, estavam em seu encalço. Esses queriam o Paissana, vivo ou morto. Nesse período, DIANY e seu amor bandido, estiveram fugindo da morte, em Roma na Itália, em Berna na Suíça, em Paris na França, em Bruxelas na Bélgica e em Amsterdã na Holanda, neste último demoraram mais tempo, passados alguns meses, tomaram o avião e foram passar uma temporada em Madri na Espanha. Tiveram no decorrer do tempo, uma vida atípica. Todo esse tempo, DIANY, estava proibida de abrir portas e principalmente atender telefonemas, nem conversar com ninguém que não fosse do conhecimento do seu amor bandido. Viviam eles, uma vida temerosa, viviam desconfiados com sua própria sombra. As festas que participavam, eram feitas em recintos fechados, com
seguranças escolhidos a dedo pelos homens de confiança de Paissana. Ou seja, DIANY, esteve em todos esses Países e suas capitais, mas não conheceu e nem usufruiu o lado bom da vida, apesar de terem bastante dinheiro, estarem em hotéis de luxo, não viveram quase nada de suas vidas, bem melhor dizendo, a prisioneira do amor bandido DIANY não conheceu e nem viveu por onde passou, a não ser a indesejável convivência com os amigos trogloditas de Juan e a sua estupidez sem limites, quando algo não saia como ele queria. DIANY já começara a sentir arrependimento desde a Colômbia em ter tomado aquele caminho tão oposto ao de sua prima irmã. As palavras de alertas de DIACUÍ começaram a ecoar com frequência, na sua cabeça e com muita veemência. Deitada sobre a cama de um hotel de Madri, olhando para o teto, se perguntava, mais uma vez: “O que teria feito de sua pobre vida?” “Como foi t~o difícil atender aos apelos de sua prima irm~?” “Por que teria ela caído em tantas arapucas da vida?” “Oh!, m~ezinha querida, onde estás que n~o me acodes?” “Vó Indiana, tio Kaxinawá, tia Merandolina, DIACUÍ e os meninos, onde vocês estiverem, me escutem!, me socorram! Pobre de mim! Como sou tão infeliz, me perdoem pela estupidez que fiz em não ouvi-los minha vida foi e é tão atribulada....Hoje estou aqui enclausurada nesse luxuoso apartamento, tendo tudo que quiser, menos a liberdade que tinha antes, menos o carinho e a compreensão da pessoa amada e da minha família” L|grimas rolaram em seu rosto, o coração comprimido dentro do peito, quase não batia mais. Aquela dor, no momento, era tão grande
e insuportável, que bateu forte em sua alma, um desejo mórbido de calar-se para sempre. DIANY teria coragem de ceifar sua própria vida? Realmente o fardo estava pesado demais. Havia debaixo do travesseiro sobre a cama, de propriedade e uso de Juan, um revólver Taurus, cabo de madrepérola, calibre trinta e oito, carregado de balas dondon. DIANY é tentada outra vez, chora convulsivamente e começam a escorregar suas mãos trêmulas, por cima da cama e encontra a arma debaixo do travesseiro e apanha-a, sua cabeça está para explodir, sua alma atormentada não se governa mais, ela olha para arma e começa a chorar mais forte ainda, vem na lembrança, como ela conheceu Juan e quando lhe ofereceu drogas pela primeira vez o estado em que ficou quando a consumiu. Lembrou também das outras vezes, que juntos com os falsos amigos de Juan, ainda na Cidade Maior, quando estudava e matava aulas para consumir a maldita da droga, analisou minuciosamente o quanto ela teria desperdiçado sua vida, o quanto destruiu impensadamente seu futuro, tomada por sonhos mirabolantes e pela ilusão das drogas. A moça desesperada não via outra saída a não ser exterminar sua própria vida e acabar com o sofrimento de uma vez por todas. Sozinha, naquele quarto de hotel, longe dos seus entes queridos, desiludida do amor bandido que nutria por Paissana, decidiu sua sentença. Consigo mesma e disse: “É DIANY, tua jornada, tua história termina aqui em Madri. Seu coração começa a pulsar freneticamente, sua adrenalina foi a mil, sua mão trêmula levanta a arma, ela
agarra-a fortemente com as duas mãos, engatilha-a, abriu sua boca e colocou o cano do Taurus dentro da boca até encostar em sua garganta, fechou os olhinhos cheios de lágrimas, ficou estática por uns três minutos e de repente alguém bate à porta do quarto desesperada e com um tom de voz alterado. “Senhora DIANY, senhora DIANY, abra por favor”. Mais que depressa a moça desengatilhou e recolheu a arma e guardou-a no mesmo lugar. Enxugando suas lágrimas saiu correndo para abrir a porta. Era a camareira do hotel. Uma das muitas e muitas aliadas de confiança de Juan. Em quase todos os hotéis que passavam a saída era sempre assim às carreiras. A camareira, uma jovem espanhola de olhos azuis como duas safiras, cabelos castanhos escuros, de um metro e sessenta e oito de altura, corpo delineado, educadamente a agarrou pelos braços e lhe entregou uma sacola com roupas e uma peruca loira dentro dizendo bem baixinho. “Seu Juan j| partiu. A coisa vai ficar muito difícil por aqui dentro de alguns minutos. Vamos, vamos, “fuja r|pido”! DIANY retrucou dizendo que já estava cansada de fugir pelo mundo a fora e não queria mais essa vida. Mas a moça espanhola, educadamente a agarrou pelos braços novamente e insistiu. “Aqui est~o suas passagens e seu passaporte. Saia rápido do hotel pela área de serviços. Lá embaixo há um carro preto com um motorista lhe aguardando. Ah! Ia “esquecendo, seu Juan disse que vai lhe esperar no aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, no Brasil.” Dito isto, DIANY encheu-se de esperanças e sem pensar duas vezes, abraçou a jovem camareira se despediu
entusiasmada e ao sair disse: “Você hoje foi o meu anjo da guarda! Nunca vou esquecê-la enquanto vida tiver.”Techau! Saiu correndo pegou o elevador de serviços explodindo de felicidades e novas esperanças. Embarcou no carro preto e foi para o aeroporto de Madri. Qualquer disfarce para ela servia, vivia numa verdadeira masmorra enclausurada por onde andava. Não era tão conhecida assim, nem pelos policias. Talvez Juan a mantivesse o tempo todo isolada apenas por um capricho ou quem sabe tinha receio de que ela soubesse ou revelasse algo comprometedor a seu respeito, afinal a vida dele já estava por um fio. Cedo ou mais tarde o inevitável iria acontecer. No submundo do crime só existem dois caminhos com retas de chegadas. A penitenciária ou um túmulo no cemitério.
Chegando no Brasil, no aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, já havia um outro carro preto, com vidro fumê a espera de DIANY. Foram direto para um hotel em Copacabana. Lá voltou à clausura novamente, não podia sair pra canto nenhum. Só quando Juan chegava das viagens de negócios. As viagens dele eram constantes e as saídas com a moça eram esporadicamente e quando saiam para as festas saiam às escondidas e mesmo DIANY não se sentia a vontade nessas festas do Juan com os amigos dele. DIANY, com muito esforço e milagrosamente, havia se livrado das drogas, talvez nunca tenha sido viciada apenas consumia por impulso dos outros, euforia da turma quem sabe? A partir de antão, bebia socialmente, se é que isso é possível, algumas lapadas de Whisky Importado, com isso conseguiu manter distância das drogas. Juan também não era viciado em drogas. Era um traficante nato. Diante tanto sofrimentos, tanta solidão, DIANY, foi tomando como lição, que aquele não era seu caminho, sua vida realmente não era aquela e de algum tempo atrás abandonou as drogas e para afogar suas mágoas, passou a ingerir algumas doses de Whisky, Juan consumia bastante e nunca ficava sem o tal. Com o tempo DIANY foi ficando mais madura tomava sim moderadamente, mesmo por quer estando no meios de muitas pessoas conversando entre elas e o som naquelas alturas, sentia-se um peixinho fora da água, nunca conseguiu se enturmar. Vivia com seus pensamentos borboleteando lá na sua Comunidade de origem e de seus familiares. Sua vontade era voltar pra
casa, pra sua família, pra sua vida pacata, mas não tinha se quer idéia como fazer isso. Pedir ao Juan nem pensar! Mas estava no Brasil, sua terra, sua língua, seus costumes, a forte esperança amainava o sofrimento de sua alma.
Na Capital, DIACUÍ, já havia concluído seu curso de Biologia. Estava se preparando para o mestrado que seria em Portugal, na Universidade de Coimbra, uma da mais antiga Universidade do Mundo. Já havia feito a prova e a entrevista e foi aprovada em primeiro lugar. Estava apenas resolvendo os problemas burocráticos de documentação. Passou um aviso, pela Rádio Difusora do Amazonas, informando aos seus pais e familiares da sua formatura, informou também do mestrado que iria fazer e onde ia fazer, já que por motivo de força maior seus
pais não puderam ir à sua formatura. No aviso pedia a seus pais que mandassem o Afó para morar junto com seu irmão Puranga, que já havia terminado o curso de mecânico e continuava trabalhando na mesma oficina. Só que agora com um ganho bem maior. O menino Afó, agora já crescido, viera para morar com o irmão e também para continuar seus estudos. Depois que cresceu mais um pouco, descobriu sua vocação, queria ser radialista. Narrador ou comentarista de futebol. Toda vez que as Comunidades se reuniam para fazerem eventos esportivos, lá estava ele, à beira do campo, narrando as partidas. Era a atração local. O menino chamava a atenção pela rapidez como falava, pela desenvoltura com as palavras e com que habilidade que se comunicava. Os outros meninos, já adultos, todos trabalhando em busca de seus objetivos. Dona Indiana, o peso da idade, não lhe permitia mais executar todos os serviços de dona de casa. Aos poucos ia passando seus dotes culinários à sua filha Merandolina que paulatinamente ia incorporado com maestria o ofício de sua mãe. Seu Kaxinawá levava sua vida rotineira. Comandando a sobrevivência da família juntos com os filhos. Todos eram felizes, mas um assunto começou a preocupar a família, em especial a dona Indiana. A falta de notícias de DIANY. Desde que começou a viajar pela Europa, não mais se comunicara com a família e nem com sua prima. Falando em DIACUÍ, sua tão esperada viagem para fazer o mestrado chegou tudo estava pronto, a moça ia fazer seu mestrado em Biologia, na Universidade mais antiga
de Portugal. A Universidade de Coimbra UC, foi fundada em Lisboa, no século XIII depois transferida definitivamente para Coimbra em 1537. Viajou DIACUÍ, mais uma vez para um mundo desconhecido, desta vez em busca de uma especialização acadêmica, deixando mais uma vez seu mundo pacato mais distante, levou consigo, a dor da saudade de seus familiares, principalmente de DIANY que há anos não mantinham contato uma coma outra. Por onde andava sua prima irmã querida? Onde se metera por tanto tempo? Em que mundo ela vivia agora? Qual distância separava seus corpos? Já que suas almas eram gêmeas, eram inseparáveis. Assim ia pensando DIACUÍ durante seu vôo a Portugal, cidade de Coimbra. Parecia de novo transmissão de pensamentos, DIANY, no hotel de Copacabana, pensava sobre seus familiares, na varanda, lá no décimo segundo andar, observando as ondas do mar se quebrarem na praia, com seu binóculos de alto alcance. Vinha em sua mente tão agitada e solitária, como estariam todos agora? Como estaria sua prima querida? Será que a família ainda se mantinha unida? Ou se pelo menos estavam tendo contato um com os outros? Ali, naquele instante pra ela tudo era incerto. O sofrimento, a angústia o desejo de no mínimo saber sobre sua família atormentavam sua alma e a fez inundar seus olhos de saudades. Como dizia dona Indiana, “quando a saudade n~o cabe no peito, transborda nos olhos”. Ao anoitecer, Juan havia chegado, como sempre aborrecido com tudo e com todos,
tratando-a com aspereza nem a cumprimentou e nem se quer a olhou. Entrou pro quarto e foi tomar um banho demorado e não queria ser incomodado por ninguém, logo mais teria uma outra reunião de negócios muito importante, não queria se atrasar e nem chegar de cabeça quente. Com a mesma arrogância e autoritarismo de sempre. DIANY, do jeito que estava, ali mesmo permaneceu, passados alguns minutos, quando de repente, pela penumbra da janela, que estava aberta, e bem próximo a ela, viu três vultos encapuzados, descendo por cordas, do andar superior, e num piscar de olhos, os três homens, empunhando cada um uma pistola potente de grosso calibre, e com silenciadores, saltaram na varanda que ela estava, sem falar nada, partiram pra cima dela, a moça saiu em disparada correndo pra se esconder no outro banheiro, não havia tempo de avisar ninguém e não havia mesmo, assim que deu algumas passadas foi atingida por três balaços e tombou por trás da cortina do banheiro, deixando a cortina manchada em vermelho e seu corpo estendido sobre o piso, junto ao vaso sanitário, esvaindo-se em sangue. Juan estava imerso na banheira de espumas, com o som ligado, nada ouviu, quando emergiu da espuma, os três homens encapuzados, estavam com suas armas em punho apontando para ele, disseram bem baixinho numa só voz, tua hora chegou seu crápula. Pensavas que eras imortal? Em seguida as três armas cuspiram balas até descarregarem seus pentes. Foram mais de vinte tiros. O corpo de Paisana imergiu na banheira com mais de
vinte perfurações. Logo, logo água e espumas tingiramse de vermelho e a vida de orgias, a vida de truculência, dinheiro e poder acabara repentinamente, aquele homem sem escrúpulos sem honra, sem consciência, um verdadeiro câncer da sociedade, que tantas famílias destruiu, que tantos jovens iludiu chegara ao fim. Sua fortaleza, seus fiéis escudeiros, haviam falhados desta vez. No submundo do crime, não há fidelidade plena, no meio de tantos seres humanos há sempre um que é corruptível. A camareira que viera trocar as roupas de cama e banho, do apartamento, deparou com os três mascarados fugindo pela janela, pendurados nas cordas. Ficou em pânico, mas logo recobrou as forças e ao entrar, nos banheiros, viu o corpo de DIANY, lavado de sangue e no outro banheiro, o corpo do bandido, ainda estava imerso na banheira, voltou imediatamente, desceu apressada ao encontro de sua governanta chefa e a comunicou dos fatos, que imediatamente avisou seu gerente de plantão e esse acionou a polícia. Os policiais levaram mais de meia hora pra chegar, como sempre, fazendo aquela cena cinematográfica, de armas em punhos, um dando cobertura ao outro e gritando ninguém entra e ninguém sai. Adentraram no apartamento, encontraram primeiro o corpo de Paisana, na banheira e em seguida, encontraram o corpo da moça, caído debruço lavado em sangue e que ainda com muita dificuldade respirava esboçando baixinho alguns gemidos. Logo foi acionada a equipe de para médicos em seguida a moça foi levada ao hospital público mais próximo dali. Chegando lá, os policiais informaram o
ocorrido e o local do incidente e pediram aos médicos e enfermeiros, que fizessem o possível para salvá-la, pois precisavam do depoimento da moça. Eles já sabiam que se tratava de uma mulher de um traficante internacional e perigoso e ela era a única sobrevivente da suposta quadrilha de traficantes e poderia saber algo que o ajudasse a elucidação do assassinato e até mesmo pudesse conduzi-los à rede de tráfico que tanto intrigava os policiais e que havia feito tanto mal à juventude do mundo inteiro. DIANY, foi examinada por uma equipe médica do governo, com recomendações da Polícia Federal e como havia perdido muito sangue, se fazia necessário urgentemente a presença do banco de sangue para que os médicos repusessem seu sangue perdido. O difícil era naquele instante achar um sangue compatível com o dela. Depois dos exames realizados, os médicos se reuniram com os policiais, e disseram que a paciente estava muito debilitada, teria apenas cinco por cento de chance pra sobreviver, a operação seria de um risco desesperador. Dois dos três balaços que a atingiram, estavam alojados muito próximos de órgãos vitais. Por isso toda e qualquer imperícia dos médicos seria fatal. A moça foi anestesiada em seguida levada à mesa de operação às 22 horas. A operação durou 4 horas. A equipe médica e a moça foram vitoriosas. DIANY foi uma guerreira, havia resistido a melindrosa operação, mas estava em coma profundo. Como os policiais pensavam que a moça fosse uma das comparsas de Juan, montaram uma equipe de elite para guarnecer a paciente em coma. Segurança maior só de
estadista! DIANY, guerreira amazonense, por ser jovem e muito forte, saiu do coma após 22 dias. Foi levada, acompanhada dos policiais, para a enfermaria, mas foi recomendada pelos médicos que ainda não estava em condições de se submeter a interrogatórios. Os médicos conheciam os métodos de interrogatórios dos policiais brasileiros. Dois meses depois, DIANY, já estava curada, fora de perigo de vida. Por ser uma jovem, bonita, humilde, delicada e muito amável os médicos e enfermeiras passaram a gostar e acreditar na inocência dela. Quando foi levada à polícia, os médicos foram enfáticos, a moça está curada, mas não pode sofrer quaisquer tipo de castigo físico. A polícia, na iminência que a moça fazia parte do esquema do tráfico, começou a interrogá-la, fazendo pressões psicológicas e várias perguntas pra ver se a moça caia em contradições, mas a vontade mesmo dos policiais era chegar junto pra ver se a coitada abria o bico, como eles dizem. Depois de tantas tentativas, com policiais experientes e psicólogos, DIANY nada tinha pra dizer, não sabia de nada mesmo. Após longos dias de interrogatórios “Leves”, os policiais começaram a usar o castigo físico, começaram a torturá-la com crueldade, começava ali seu novo calvário. Foram seguidos vários dias de interrogatórios com torturas físicas e psicológicas, nada podia sair daquela boca que já não tinha mais nem forças pra falar. Não podia dizer nada porque não sabia de nada. Mais uma vez aquele pobre corpo, aquela pobre alma desejou a morte. Virou para os policiais e com muito esforço balbuciou algo que mal
puderam entender: “Matem-me por favor. Já não aguento mais tanta dor, tanto sofrimento desde que nasci, lá no meu interior minha vida é sofrer, quando aquele desgraçado morreu pensei que minha vida fosse melhorar e pudesse voltar para o seio de minha família. Matem-me! Aliviem a minha dor porque nada sei do que os senhores querem saber”. Dizendo isso a moça caiu num desmaio. Não conseguindo arranca a confissão da moça que nada tinha a confessar, largaram-na ali mesmo no chão desmaiada e deram ordem aos subordinados que a levassem à Cadeia Público para apodrecer lá. Palavras dos homens da LEI. Paisana, mesmo depois de morte, trazia grandes sofrimentos à DIANY. Na Comunidade, a vida ia de vento em popa, os meninos juntos, produziam cada vez mais e foram melhorando de vida, só dona Indiana que sentia sempre seu coração apertar com saudades das duas beldades, principalmente por DIANY, que há muito não dava sinal de vida. Em Coimbra, DIACUÍ já estava em fase de conclusão do mestrado, já havia preparado sua defesa e no final do mês em curso, seria o enfrentamento da bancada para sua defesa. DIACUÍ, teve como orientador do seu mestrado, um ótimo professor doutor, da Faculdade de Coimbra, o português, natural da cidade de Porto, Manoel Soares, quarentão solteiro, olhos verdes cor de safiras, um metro e oitenta, corpo atlético, bem sucedido, pelo qual se apaixonou completamente e ele por ela. Durante o curso, foram se conhecendo e se
aproximando cada vez mais, ambos de ideologias ambientalistas, pensamentos e posturas iguais, não podia acabar diferente. No dia da defesa, Manoel era seu porto seguro, embora com um friozinho na barriga, cada instante que olhava pra ele, sentia que seu olhar a encorajava e sentia um ar de aprovação a cada palavra proferida por ela. Ao final da defesa, mesmo cansada a moça sentia-se confiante. O resultado não deu outro, DIACUÍ se saiu muito bem em sua defesa, dentre os demais foi a melhor elogiada e aplaudida por toda bancada, quanto orgulho não cabia dentro de si e do namorado português! Sua defesa era voltada para a conservação e preservação do Meio Ambiente e que se transformou no seu primeiro livro de muitos que viriam na sua vida. De volta ao Brasil, a mestra DIACUÍ, e o professor doutor, Manoel Soares, foram até a Comunidade, visitar sua família e oficializar o noivado. Meses depois a cerimônia matrimonial foi realizada, na Cidade Maior, no Cartório e na Igreja, juntamente com sua família, menos DIANY, que ainda se encontrava com paradeiro ignorado, e, claro a presença indispensável de dona Rufino e seu Mustafá. O casal foi passar suas noites de núpcias, uma semana, num hotel, próximo a Praia de Iracema, no Ceará. No mês posterior teriam que assumir suas cátedras, na Universidade do Amazonas.
Já se passara quase dois anos, DIANY continuava na Cadeia Pública do Rio de Janeiro. Nesse período, passou por todo tipo de humilhação possível e sofrimentos que se possam imaginar, desde revistas fora de hora, espancamento pelas colegas de cela, pelos carcereiros, armações das detentas para incriminá-la perante aos carcereiros sem contar com a falta de higiene do presídio. Cadeia Pública, no Brasil, só pra monstros! A fragilidade feminina, a sua beleza de mulher indígena, sua humildade de moça do interior, atraia bons e maus fluídos, tornando-a feliz e as vezes muito infeliz. Diante tantos sofrimentos e humilhações, DIANY, foi conquistando, mesmo sem saber, a admiração de Antonhona, mulher macho sim senhor, líder das presidiárias, na sua ala, mantinha uma ligação
muito forte com os carcereiros. Antonhona se apaixonou perdidamente pela moça frágil, bonita e delicada. DIANY já havia vivido um amor bandido que a levou ao cárcere porque não viver outro amor bandido que pudesse, quem sabe levá-la de volta à liberdade? Vendo-se coagida e desprotegida, naquela indústria de marginais, sentiu-se obrigada a viver maritalmente com Antonhona e sob sua proteção. Antonhona casava e batizava dentro do presídio. Ninguém ousava contrariá-la e ai de quem fizesse mal ou olhasse com os olhos atravessados para DIANY ou para ela! A vida da moça mudou pra melhor, se é que dentro de um presídio tenha algo melhor pra si viver, todos a tratavam com respeito, justiça seja feita, era considerada a primeira dama da ala do presídio, mas DIANY queria algo bem melhor, queria e precisava sair dali. DIANY queria de primeira mão sua liberdade, queria voltar para sua casa, para o seio da sua família, para sua vida de outrora, na Comunidade. Aquilo ali não é lugar pra seres humanos. Aquilo ali é um verdadeiro inferno. Ninguém no mundo é feliz sem ter sua liberdade, seja ela qual for, mas seja livre. A liberdade não tem preço e só se dar valor quando a perdemos. No presídio, com sua inteligência e experiências vividas e sofridas, na vida, decidiu voltar a estudar. Fez o Supletivo e concluiu o Ensino Médio. Longe dali, em Copacabana, num requintado bar, em frente ao hotel da tragédia, dois renomados juristas, bem sucedidos na profissão, jogando conversa fora e tomando whisky, de repente o assunto era sobre suas
experiências nas tribunas dos Tribunais. Depois de vários goles um virou pro hotel e perguntou ao amigo:
- Tu já estavas aqui, no Rio, quando nesse hotel, crivaram um traficante colombiano de balas e balearam a mulher dele? - Não, não tenho conhecimento desse episódio, faz tempo? - Faz alguns anos. Rapaz, foi coisa cinematográfica! Os caras desceram encapuzados, pendurados em cordas, entraram pela janela do décimo segundo andar, onde estava o meliante e alvejaram todos dois. O cara levou pra mais de vinte tiros e a moça só levou três. - E a moça também morreu? - Não, ela escapou e está puxando uns anos na Cadeia Pública do Rio. - Quantos anos ela pegou?
- Não sei. Acho que nem foi julgada ainda. Não tem ninguém por ela, estava envolvida com traficantes, tu já sabes né? Há ela não é daqui. É lá da tua terra. - Sério!? Como é o nome dela, tu sabes? - O nome dela eu li no jornal, O Globo, o nome dela é...é um nome exótico. É original de lá. Lembrei! É DIANY! - É bem exótico mesmo e bem mais fácil de achar. - O quê? - Não, nada não, só estava pensando alto. - A coitada parece que não tinha culpa e não sabia de nada. Era só uma das mulheres do vagabundo. Apanhou muito da polícia a pobre coitada. - Não me diz que era o tal Paissana, aquele traficante internacional, de origem colombiana. Foi aqui foi? - Foi aqui sim. Foi aqui que o famoso Juan Escobar Carbajal, o Paissana, levou a breca e quase leva tua conterrânea. Aquela história ficou martelando na cabeça do jurista amazonense. Martelou, martelou e martelou até que ele comovido com a tragédia da conterrânea, resolveu procurar a tal moça, na Cadeia Pública do Rio de Janeiro. Queria conhecê-la, queria ficar inteirado dos fatos e precisava fazer alguma coisa para provar a inocência daquela jovem, que nem se quer a conhecia. Quando a viu pela primeira vez, ficou impressionado com tão rara beleza e humildade da moça. O que fizera uma moça tão bonita, uma moça tão meiga vir parar naquele antro de perdição? Teria ela sofrido uma terrível injustiça da sociedade? Ou teria mesmo ela cometido um delito grave e parar com os costados naquela Universidade do
crime? Não aparentava nada disso, mas as aparências enganam. Não, seu semblante é de uma jovem linda e honesta. Aparentava sim um semblante de uma jovem sofrida, angustiada e bastante amedrontada com tudo que estava acontecendo em sua volta. Assim que a carcereira os deixou a sós, o jurista amazonense se identificou e lhe fez uma proposta. Ajudaria, no processo, se ela confiasse nele e contasse a verdade para ele, desde o momento que conheceu o seu amor bandido até a morte dele em Copacabana. Mesmo desconfiada e sem nunca ter visto aquele homem em sua vida, DIANY, viu uma chance, viu uma luz no fim do túnel de sair daquele lugar horrível. Pensou... o empecilho é só a Antonhona, mas isso agora era o de menos, passou a relatar todos os fatos, sem deixar um pormenor para trás. Durante a conversa o jurista revelou que também era amazonense e ia fazer de tudo para livrá-la daquele trágico incômodo. DIANY, ficou num estado de alegria tão grande, mais tão grande como há tempo não sentia e desabou a chorar em soluços convulsivos dizendo: “Senhor é o segundo anjo que aparece na minha vida” ele abraçou e confortando-a ainda mais nos seus braços disse-lhe que em breve estaria livre. Dentro de seis meses aproximadamente, o jurista amazonense, consegui provar a inocência de DIANY e a pôs em liberdade, mas ante de sair daquela fétida e tenebrosa clausura, teve que fazer juras de amor e fidelidade e que esperaria por Antonhona lá fora. Antonhona garantiu-lhe com todas as letras, que dentro
de no máximo, dois meses estaria fora do presídio para amá-la de verdade. Antonhona, havia arquitetado um plano infalível de fuga. O jurista levou DIANY pro seu apartamento no Leblon e dentro de uma semana comprou as duas passagens e voaram para a Capital amazonense. Durante o vôo, DIANY, teve a grande surpresa de sua vida. O jurista amazonense, fez juras de amor e a pediu em casamento há mais de cinco mil pés de altura do solo. Enternecida nas alturas, a moça não resistiu a tão inusitado pedido e disse sim, não por gratidão, porque em seu coração já brotava um amor puro e verdadeiro pelo grande e renomado jurista amazonense. Porém com uma ressalva, que os dois fossem à Comunidade e comunicassem os fatos aos familiares dela e que o cerimonial dos nubentes, fosse na Cidade Maior, na presença de toda sua família, inclusive dona Rufino e seu Mustafá. O jurista não pestanejou e concordou imediatamente com o pedido da moça. Chegando na Capital, foram procurar a casa lá da rua da Sede, para alegria total da moça e a grande surpresa de DIACUÍ, seu marido e seus dois irmãos. A felicidade foi enorme, já se passara vários longos anos, sem que as duas beldades tivessem notícias uma da outra e nem seus familiares nada sabiam do paradeiro de DIANY. O resto do dia e os outros dois dias foram poucos para colocarem seus assuntos atualizados. DIANY contou toda sua triste história para a prima, pediu desculpas por não concordar, na época, com suas opiniões sobre o Paissana, depois de muitas lágrimas derramadas as
duas beldades abraçaram-se por um bom momento, entre lágrimas, agora de felicidades e muitas perspectivas para o futuro. Uma semana mais tarde, os seis alugaram um barco e foram para a Comunidade sem avisar ninguém. Lá a surpresa foi ainda maior e a festa foi inevitável. Tudo esclarecido pelas duas moças, sobre o calvário de DIANY, todos foram para a Cidade Maior, feita as proclamas do casamento, foi efetivado o enlace matrimonial de DIANY com o jurista amazonense. A família era pura felicidade, inclusive dona Indiana teve em fim seu coração acelerado de alegrias. Após alguns dias, DIANY voltou para a Capital com seu marido. O marido da moça precisava voltar a trabalhar, no seu escritório, na Capital e queria que sua esposa fizesse uma Faculdade. DIANY, se preparou bem para prestar o vestibular, passou e foi uma das dez primeiras colocadas para a Faculdade de Assistência Social. Depois de ter passado o que passou na vida, envolvimento com drogas, vivenciou, na pela, o tráfico de entorpecentes, sua passagem pelo presídio e de ver tantos jovens se perdendo na vida sob o domínio do álcool e narcotráfico, era a coisa que mais queria fazer. Ser assistente social e trabalhar pela sociedade mais carente, principalmente pelos jovens da periferia, que não precisam ser punidos e sim precisam de carinho, atenção e uma boa escola para se tornarem verdadeiros cidadãos.
Chegando à Capital, o jurista amazonense, foi com sua esposa para sua luxuosa residência, que ficava bem ali, na rua Leopoldo Peres, em Educandos. DIACUÍ, voltou mais tarde da Comunidade e junto com seu marido, compraram uma linda casa, na rua Duque de Caxias, na Praça Catorze. Os meninos, foram ainda morar na casa do seu Mustafá, na Rua da Sede. Cinco meses mais tarde, o jurista carioca, informou ao jurista amazonense, que houve uma tentativa de fuga, na ala feminina, da Cadeia Pública do Rio de Janeiro, onde a Antonhona, ao tentar escapa do presídio, foi impiedosamente metralhada e veio a óbitos. Acabara de uma vez com o sofrimento e o medo de DIANY.
EPÍLOGO
Passaram-se alguns longos anos, na vida da família de DIACUÍ e DIANY e mudanças boas vieram, as conquista almejadas aconteceram, os objetivos foram alcançados e aos poucos a vida foi fluindo com naturalidade. Dona Indiana, a matriarca da família, tornou-se uma anciã de muito respeito. Era considerada e respeitada por todos, da família e da Comunidade. Suas palpitações dissiparam com a chegada da neta DIANY. Apesar da idade, dona Indiana ainda estava bem lúcida e toda tarde se reunia com as crianças e adolescentes, na sede da Comunidade, para contar e ler historinhas infantis e repassar seus conhecimentos empíricos. Seu Kaxinawá e dona Merandolina, ambos aposentados, como agricultores, viviam agora de cultivar o sítio em torno de sua casa, eram aldeões natos. Foram sempre pessoas de respeito e respeitadas por todos. Cumpriram rigorosamente suas obrigações de chefes de família, lutaram sempre pelos seus direitos e cumpriram com seus deveres. Tornaram-se líderes comunitários e eram reverenciados por onde passassem. Dona Rufino e seu Mustafá, apesar da fama do seu Mustafá, o Turco, de ser bom de negócios, quando lhe favorecia o bolso, foram grandes parceiros, na Comunidade e na família das duas beldades. Parou de viajar, montou um comércio de redes e lençóis, depois de vender seus barcos. Santá, irmão mais velho de DIACUÍ, trabalhou honestamente, juntou um bom dinheiro e realizou seu sonho. Comprou um motor de 60 HPs, assentado num casco, de madeira de itaúba, de dezesseis metros, com
passadisso. Comprou três batelões, motor de popa de 40 HPs e um bote de alumínio. Virou um forte comerciante do Rio Negro, comprando produtos regionais e vendendo mercadorias variadas. Casou-se com uma linda moça da Cidade Maior. Puranga, segundo irmão, depois que veio para a Capital com sua irmã, foi logo trabalhar numa oficina mecânica de motores marítimos. Fez um curso de mecânica, no SENAI, ganhou dinheiro comprou uma casa e montou sua oficina, ali no Educandos, pertinho da Baixada Égua, era solteiro, gostava de se divertir, comprou um carro do ano e vivia sua vida como gostava. Açu, terceiro irmão, bom pescador, com muito esforço, comprou um motor de 45 HPs num casco de madeira de quinze metros e o equipou para pesca. Pescava nos afluentes do Rio Negro, gelando peixe e abastecendo feiras e mercado da Cidade Maior, ficou noivo da filha de um forte comerciante. Pinima, quarto irmão, não saiu da Comunidade, estudou pouco, fez um curso por correspondência, pelo rádio à noite. Curso que ensinava algumas técnicas básicas em agriculturas. Assumiu a direção da agricultura da família, casou-se com uma moça da Comunidade, que além de esposa era uma mulher aguerrida e parceira na lavoura, tomava conta das criações de aves e da horta, junto com o marido. Pinima cuidava mais das plantações frutíferas e juntos foram grandes produtores de hortifrutigranjeiro. Possuíam um possante barco e um motor de popa.
Tapuia, quinto irmão, ao alcançar maioridade, pediu permissão dos pais e da avó, para correr atrás dos seus sonhos. Foi com muito pesar, que seus pais e sua avó permitiram que o moço deixasse a Comunidade. Apesar de seus responsáveis não terem muitos estudos, sabiam dizer não e dizer sim, na hora exata, respeitando o espaço democrático de cada um. Tapuia, foi para a Cidade Maior, lá trabalhou como servente de pedreiro por alguns meses, mas pra ele aquilo era pouco, o jovem mancebo queria mais. Voltou para a Comunidade com um outropropósito. Pedir permissão para alçar voos mais longe. Permissão concedida, era um jovem equilibrado de confiança, não havia motivo para dizer não àquele jovem sonhador. O rapaz foi à Capital, começou a trabalhar como servente de pedreiro numa grande construção. O capataz da obra, senhor de bom coração e experiente no ramo, observando o serviço do moço, viu que o rapaz levava jeito pro ramo, o colocou para sentar tijolos, daí em diante sua carreira de pedreiro de mão cheia deslanchou. Rapaz honesto, responsável pontual e trabalhador. Agora é mestre de obras da construtora, comprou uma casa no Alvorada um, rua quatro, tem um carro popular do ano, casou-se com uma moça da Capital e tem um filhinho. Afó, o sexto irmão, depois que veio para a Capital, fez um curso de radialista, era pura atração e muito dedicado naquilo que fazia, conseguiu uma vaga de radialista esportivo numa rádio da Capital, cobriu vários eventos esportivos, no Parque Amazonense, no Estádio Ismael Benigno, O Tufão da Colina, ganhou prestígio no
Estado, principalmente no meio esportivo, ainda mora na rua da Sede na casa do seu Mustafá. Solteiro, faroleiro como ele só, quando vinha em férias, para a Comunidade, narrava até canoagem, era a atração dos familiares e amigos. Amado e querido por todos. DIACUÍ, depois que se graduou e pós-graduou, casou-se com o professor doutor, foram morar na Capital e trabalhar na Universidade do Amazonas, ministrando aulas. Alguns tempo mais tarde, criaram uma ONG e foram trabalhar a sociedade ribeirinha, mostrando a todos, a importância e a necessidade da preservação e conservação do Meio Ambiente. Em cada palestra proferida pelo casal, eles lhes mostravam por meios de slaides e panfletos, conscientizando-os da importância e a função desempenhada por cada serzinho vivente no reino animal, desde o minúsculo ao ser de grande porte. O trabalho do casal foi ganhando credibilidade e proporcionalidade, no Meio Ambiente, no meio social e governamental que chegou a atravessar os limítrofes brasileiros e ganharam as fronteiras do mundo. É claro que o casal sofreu grandes represálias dos empresários capitalistas, no setor madeireiro, dos pescadores e caçadores ilegais, de quelônios, pirarucus, peixes-bois, dos traficantes de animais silvestres, dos exploradores das mineradoras que indiscriminadamente agridem ao Meio Ambiente.
Numa ocasião, em Paris, na França, num encontro de ambientalistas, DIACUÍ, com toda sua experiência e já, na época, dominava três idioma, além do português, o inglês, o francês e o espanhol, foi a penúltima inscrita a falar, no seminário, ao subir no púlpito, depois das apresentações e abordar muito bem o assunto, desabafou: “Sou cabocla do interior do Amazonas, o maior em território do Brasil, é bem maior de que alguns Países da Europa, localizado na Região Norte, esquecido pelas autoridades e cobiçado pelo mundo e que em tempos remotos, no período áureo da borracha, foi palco de grandes atrações internacionais. Lá a ganância exacerbada dos capitalistas, visando apenas o
lucro sem limites, tem nos causado muita indignação. Pasmem senhores, lá no meu torrão, a caça predatória de animais silvestres é uma coisa absurda. Os animais têm suas vidas ceifadas somente para serem retiradas suas peles e comercializadas clandestinamente, suas carnes são jogadas para apodrecerem. Os quelônios pescados e ovos retirados, são comercializados e consumidos inescrupulosamente. Há alguns tolos, que abrem a boca e dizem irresponsavelmente. “N~o sei porque tanto assombro! Essa é a nossa cultura” N~o!! Pelo contrário, até aceitaria como cultura, se o cidadão ainda vivesse como ribeirinho e só fizesse consumir lá sem comercializá-los. Mas a partir do instante que o cidadão passa a morar, na cidade, passa a ser um homem urbano e passa a comprar a caça, os quelônios e os ovos para consumir, esse cidadão esta praticando um ato infame e contribuindo para o comércio ilegal dos animais e está cometendo um crime ambiental. No jargão policial, só existe ladrão porque há receptadores, não é? Então, só existe pescador predador e traficantes dos animais, porque há consumidores inveterados que se escondem atrás dos seus costumes e culturas demodê. A falta de conhecimento, a falta de uma leitura de mundo faz com que essas pessoas cometam desatinos de tamanha proporção. Anteriormente, os extrativistas da Amazônia, ao retirar o leite da sorva (seiva), onde depois de cozido produz a goma elástica, para ser comercializada, derrubavam a árvore da sorveira para extrair o líquido e com um utensílio chamado de rasqueta, cortavam seu caule todinho em
forma de anéis, até deixar cair sua última gota de seiva, quando vieram pensar em preservá-las vivas, o estrago já estava feito. E assim será com os filhotes de animais silvestres quando o traficante pegá-los para traficar. Assim será com as nossas árvores centenárias do Amazonas inclusive as castanheiras da Amazônia, árvore frondosa e histórica, que quando o serrador vem com sua motosserra ensurdecedora aniquilando-a e fazendo tombar num grito uníssono com os bichos pedindo socorro. O impacto daquele gigante no chão, faz a terra estremecer, faz o coração mais duro doer e a alma mais incrédula sofrer” dito isto DIACUÍ se emocionou, abaixou a cabeça e foi ovacionada por todos de pé. Dali então a menina vinda lá da Comunidade ficou reconhecida internacionalmente. DIANY, por ter tomado Caminhos Opostos, sofreu, apanhou da vida por onde passou, desde o nascimento até a aparição do seu segundo anjo na sua vida. Soube reconhecer seus erros, bateu a poeira e deu a volta por cima. Formou-se em Assistente Social, passou a trabalhar na periferia da Capital e também nas Cidades Maiores do Estado, dando palestras nas Escolas Públicas para os jovens em dificuldades na família e na sociedade, sempre com o apoio do marido. Daí então dedicou sua vida a orientar jovens e adolescentes a não entrarem em contato com as dragas. Espelhando-se, na sua história e experiência de vida que a fez sofrer muito, mas que também a fez aprender muito com o sofrimento por ser uma moça inteligente e sentia-se com autoridade para abordar qualquer jovem com
dificuldade na vida. Desempenhando um grande papel junto à sociedade. A saga dessas duas lindas moças interioranas, trás ao nosso cotidiano a mais dura realidade existencial. Essa família, assim como todas as outras, tinha suas divergências, tinha seus desentendimentos, mas a cada final de ano, juntavam-se, hora na Cidade Maior, hora na Capital e até mesmo na Comunidade para se confraternizarem, se perdoarem se desejarem, em todo Reveillon, paz, saúde e harmonia pra todos.FIM
CONTO II CEARÁ DÉCADA DE QUARENTA O SONHO QUE SE TORNOU REALIDADE
Numa pequena área de terra no Sertão do Ceará, bem longe da vida urbana, vivia por lá uma numerosa família. Mãe, pai e mais dez filhos. Quatro homens e seis mulheres. Família muito pobre, sempre o sol a castigava, secas prolongadas e vivia com bastante dificuldades. Possuíam quatro cabeças de gado bovino, só pele e osso, onde no meio deles, havia uma vaquinha malhada, que pedia a Deus que o mundo se acabasse pra ela ir na fumaça. Cinco cabeças de cabras, com seus chocalhos pendurados no pescoço para não se perderem no sertão, quando andavam, o balangar dos chocalhos iam fazendo um barulhinho perturbador. Havia também uns bicos de galinhas caipiras que o peito das danadas pareciam cutelos de tão magras que eram. Vivia ali, naquele lugar maldito, esquecido por todas as autoridades, se duvidar talvez até mesmo por Deus, onde há anos o sol castigava, aquela família de doze pessoas, não eram doze tribos, eram doze pessoas mesmo. A terra seca e esturricada, o capim murcho e amarelado, as plantações e os arbustos já haviam morridos todos. A alimentação era escarça, esporadicamente se comia carne seca com alguns fiapos de macaxeira e farinha e isso tudo bem regrado, às vezes caçavam um teiú açu ou um tatu bola que se transformava em um grande banquete. As únicas coisas verdes, daquele lugar, eram os olhos daquela família de cearibas que teimosamente, insistiam e resistiam àquele mundo cruel. A água era disputada a tapas com os animais, num poço da natureza, pela manhã tinha uma coloração esverdeada e à tardinha ficava cor de tijolos.
Só existia aquele poço para atender à demanda, mais lama do que propriamente água. Dali a água era retira, com muito cuidado para não toldá-la, depois coada, num pano, para ser consumida, lavando as coisas, para o asseio pessoal e para saciar a sede. Justiça seja feita, na família, sem exceção, todos eram trabalhadores. Não havia hora nem momento, quando o patriarca da família, reunia os filhos e delegava qualquer tarefa a ser feita, cedo, bem cedo todos estavam apostos, prontos para pegar no batente, meninas e meninos. Principalmente quando iam pra caatinga, procurar mandacaru, um vegetal característico do nordeste, com o tronco grosso e ramificado, que dão flores enormes e alvas e se abrem durante à noite. Plantas essas que servem de alimentos para o gado durante as longas secas de terras rachadas. Numa família numerosa como essa, seja no sertão ou em qualquer lugar, sempre tem um filho mais auspicioso, mais serelepe, mais prosador e que se destaca entre os demais. Nessa família, lá do sertão cearense, era o Zeca Antão. Zeca Antão, desde menino, foi muito levado e esperto. Gostava de chamar a atenção de todos. Era um garoto sonhador, tanto acordado como dormindo por isso as pessoas não davam crédito no que ele falava. Mas falando em sonhos, Zeca Antão, sempre falava, ao amanhecer, que várias noites havia sonhado com um homem que lhe dizia: “Tua riqueza, Zeca, est| l| no Amazonas”, e, quando falava nisso, ninguém acreditava. Sempre fora um falastrão, era ditoso de natureza não
dava pra lhe levar a sério. Todos pensavam isso é mais uma das inúmeras fantasias do Zeca Antão. Seu pai, um homem sério, era tão sério que seria mais fácil chover a cântaros no sertão do que vê-lo se rindo. Um exímio jogador de cacete. Lá no nordeste, em especial no sertão, todo cabra que se preza, sabe jogar cacete ou lutar com cacete como queiram. O cacete é feito de uma madeira muito forte, chamado jucá ou popularmente pau-ferro de tão duro que o bicho é. Num determinado dia vinha os dois, pela estrada, após uma bem sucedida caçada, pai e o filho fanfarrão. Conversa vai e conversa vem de repente o filho vira-se para o pai e pergunta: - Meu pai, o senhor me ensina a jogar cacete? - Ora meu filho, isso não é tão fácil assim como você pensa. - Mas pai, todo cabra macho do sertão tem que saber jogar cacete, certo? - Eu sei filho, mas é que... - É o quê pai? O senhor tá querendo dizer que não sou macho, pai? - Não filhão! Não é isso! É que você teria que se dedicar bastante pra ser um cabra bom de jogar cacete como deseja. - Se for só isso, pode deixar que vou dar tudo de mim pra ser um jogador igual ou melhor do que o senhor. Só depende do senhor. O velho esboçou um sorriso, coisa difícil de se presenciar, mas o Zeca Antão era mesmo hilário. - Ocê tá falando sério cabra?
- Como nunca falei na minha vida, pai! - Tá querendo voar cedo cabra? - Nunca se sabe né, pai? - É verdade filho. Nunca se sabe. - Então, vai me ensinar? - Pois bem. Vou pedir ao seu irmão que me tire dois bons cacetes de jucá pra mode lhe ensinar, tá bom? - Eu mesmo tiro os cacetes e o senhor aperfeiçoam tá? - Tá certo então filho, se prepare! - Já tou preparado, pai. O velho, pai de Zeca Antão, além de ser um homem sério, era um homem calmo, sereno, falava manso e pausadamente. Dali pra frente começou a ensinar o filho a jogar cacete. Logo nos primeiros dias viu que o filho levava jeito pro ofício. Empolgado com o desempenho do filho farofeiro, se dedicou ao máximo para ensiná-lo. Passado um bom tempo, o menino, já homem crescido, estava pronto, já estava deveras preparado para correr o mundo como sonhava consigo mesmo. Sentados debaixo de uma pequena árvore de jucá, que ficava defronte sua casa, onde a vaquinha malhada, todo meio dia, deitava em sua sombra pra ruminar, os dois conversavam, pai e filho, depois do treino mais acirrado que tiveram. - Filho, me diga uma coisa. Você está pensando mesmo em correr o mundo? - Pai, não sei se lá onde quero ir, posso chamar de mundo, não conheço nem tenho idéia como é lá, mas eu quero ir sim pra lá com sua permissão é claro. Quero ir pro Amazonas. Eu continuo ouvindo aquela voz, nos
meus sonhos, que a minha riqueza estar lá e é pra lá que eu vou. - Ora, ora meu filho! Você vai atrás de sonhos! Ou melhor, dizendo, você vai atrás de vozes de sonhos?! Você não acha que isso é uma grande pantomima? - Não pai! A voz é verdadeira mesmo! Já faz tempo que isso acontece comigo. - Se é assim que você quer. Vamos combinar com sua mãe e seus irmãos pra você ir pro Amazonas. Depois de alguns minutos de silêncio, Zeca Antão mostrava-se inquieto, queria saber do pai se já estava realmente preparado para voar mais longe de casa. Balançou as pernas várias vezes, levantou, sentou, respirou fundo e até que criou coragem para perguntar. - Me diga uma coisa meu pai, eu estou pronto para me virar sozinho na vida, estou? - Como assim filho? - Quero saber se eu já posso me considerar um bom jogador de cacete assim como o senhor e se estou preparado para me defender se for preciso? - Já sim, filho. Você está preparado pro que der e vier. Só está lhe faltando o ponto mestre. - Esse tal ponto mestre o senhor vai me ensinar hoje? - Nem hoje nem nunca filho. Isso você só vai aprender com a vida, quando precisar defendê-la. O rapaz ficou pensativo e curioso querendo saber qual seria o tal ponto mestre. O velho se levantou e foi pra casa e o cabra ficou ali macuricando com a mão no queixo. Eu vou descobrir e aprender esse tão sovinado ponto mestre um dia. Custe o que custar. O menino, hoje
um rapaz, era farofeiro, mas quando precisava era bem determinado. Um dia, soube que num Município mais próximo, estavam inscrevendo jovens para ser soldado da borracha e servir no Amazonas. À noite, no escarço jantar, falou para seu pai e sua mãe, que bem cedo iria se alistar para ser soldado da borracha no tão sonhado Amazonas. Foi com muito pesar que todos concordaram com o pedido do jovem mancebo. Bem cedo ele saiu e foi fazer seu alistamento militar, no exército da borracha. Conseguiu se alistar e a viagem foi marcada dentro de três meses. A segunda grande guerra mundial havia tomado proporções maiores e a necessidade desses produtos, extraídos o látex, da seringueira (Hevea Brasiliensis), se tornou indispensável e só havia na Amazônia. Chegando em casa todo eufórico, todo serelepe como ele só, deu a noticia à sua família que a recebeu com entusiasmo, embora triste pensando na distância que os ia separálos. Acalmada a euforia, Zeca Antão, põe à baila, sua lembrança e curiosidade imediatamente ainda maior em descobrir o tal ponto mestre que seu pai havia falado, até por quer os três meses iriam se passar rápido como o vento do nordeste. Mas tinha que descobrir um jeito de aprendê-lo. Um certo dia, já se aproximando sua viagem ao Amazonas, o seu velho pai saiu para ir a uma comunidade vizinha, há algumas léguas de distância, visitar seu compadre, padrinho de pia de Zeca Antão, e avisou a todos de casa que só iria voltar à boca da noite e que o esperassem para o parco jantar. De volta à noite,
seu pai vinha vindo a pé na poeirenta estrada, apreciando o luar que parecia um dia. Ao entardecer, Zeca Antão teve a ideia e disse consigo mesmo, é hoje! É hoje que descubro esse tal ponto mestre. Lá pras plagas do sertão, como é de praxe, todos andam com seu cacete de jucá a tira colo. O velho pai de Zeca Antão, não era diferente, para onde ia seu cacete de jucá bem trabalhado e bem polido o acompanhava. À boca da noite, Zeca Antão, preparou uma máscara de meio velha e foi esperar o velho pai, com seu cacete de jucá também polido e bem trabalhado, na encruzilhada de um outro ramal. Ao avançar da noite, o rapaz ainda matutando, para achar um esconderijo, não demorou apontou um vulto minúsculo, longe no estirão da estrada de barro batido e poeirento da famigerada seca do sertão. A prosa com seu compadre pareceu boa. O velho vinha assobiando bem baixinho Asa Branca, de Luiz Gonzaga, com seus passos lentos e balouçando seu corpo pra lá e pra cá, como se fosse uma onça suçuarana. Aproximando-se de uns trinta metros, o moço não teve dúvidas, era seu velho pai mesmo. Escondido por trás de um Xique-Xique do sertão, grande cactos, planta com sua folha de forma achatada e grossa, espinhosa e muito suculenta, esperou pacientemente o velho se aproximar de uns cinco metros, colocou a máscara e de repente num piscar de olhos, pulou na frente do velho com seu cacete de jucá em punho, bailando pra lá e pra cá, como um pêndulo de um relógio, diante de seu oponente. Mais que depressa, o velho puxou também seu cacete de jucá das costas e o empunhou de forma correta e se pôs
também a bailar pra lá e pra cá diante do seu desafiante sob o forte luar prateado. (o cacete tem um padrão de tamanho). A medida é você pegar o cacete com as duas mãos, no meio dele, eleva-o à altura do seu peito e as duas extremidades têm que passar no mínimo dois dedos do cotovelo. Depois que passaram alguns minutos se estudando e fazendo aquele ritual de gingados, o menino decidiu investir contra o oponente. O menino sabia com quem estava lidando e sabia que seu oponente não era fácil, o velho estava ali pra se defender do ataque inesperado. O menino deu dois passos pra frente e sentou o cacete pra cima com vontade. O velho se defendia e contra-atacava. Os dois pulavam que nem cabritos ariscos da caatinga pra lá e pra cá e o couro, ou melhor o cacete comendo no centro. Era cacete embaixo, era cacete em cima, não havia trégua. Depois de uns trinta minutos de peleja, a resistência do velho não era mais a mesma, percebendo, não por falta de habilidade, mas por falta de resistência mesmo, viu que poderia ser vencido pelo oponente sem nem se quer desconfiar que se tratava de seu próprio pupilo. Na verdade os dois já estavam cansados, mas o velho sentiu o peso da idade, então esperou com cautela e atenção a nova investida do garoto, já crescido e preparado para o mundo, defendeu-se veementemente, pulou de banda e desembestou na carreira. O menino também muito cansado e espantado com a atitude do pai, sentou-se, ofegante, num tronco de pau à beira da estrada e ficou olhando o velho sumir estrada a dentro, no rumo de casa. Ainda bastante ofegante, o menino se
levantou, saiu andando e pensando: “É Zeca Ant~o, n~o foi desta vez que você descobriu o tal ponto mestre e teu tempo já está acabando. Na manhã seguinte, estavam todos reunidos para o de jejum, um pouco de leite de cabra, bolo de fubá, um pouquinho de macaxeira cozida, antes de saírem para a lida. Antes de repartir as tarefas de cada um, o pai dos meninos, dirigiu-se à esposa e disse: - Mulher, ontem quando eu vinha voltando da prosa que tive mais o compadre, encontrei um cabra mascarado, que jogava cacete como ninguém. O condenado era ligeiro que nem azougue. Não dava tempo nem de pensar para atacar o bicho. - Era um cabra ou um bicho marido? - Arre égua! Ou mulher complicada da gota serena! Era um cabra macho, mulher. O danado pulava pro lado, pulava pro outro e pulava de costas. Que cabra bom! Me lembrei de quando era novo, pelejamos quase que meia hora e nem um nem outro. Mas devido a idade eu já estava me sentido cansado. Quando vi que ia perder a briga, recorri ao ponto mestre. Não tive saída. Por isso estou aqui agora contando o causo. O jovem mancebo, que estava tomando seu de jejum de cabeça baixa, mas ouvindo tudo com muita atenção, pensou baixinho: - Filho de uma égua! Desculpas minha vó desculpas, onde a senhora estiver e desculpe meu pai também. Então é esse o tal ponto mestre. Desembestar na carreira no rumo de casa. Ah velho danado! Conseguiu me engabelar esse tempo todo. Sim senhor! Ora e veja,
isso quer dizer que estou pronto pro que der e vier. Não preciso mais me preocupar com nada. Só com os castigos de Deus. Agora vou correr o mundo com mais segurança e mais coragem. Passados os noventa dias, Zeca Antão, tomou seu primeiro pau-de-arara que passou e foi em busca dos seus sonhos mirabolantes, no Estado do Amazonas. Chegando em Belém do Pará, passou pelo mercado Ver o Peso e em seguida embarcou numa Chata movida a vapor para Manaus. Quando entrou no Rio Amazonas e viu aquele mundaréu de água, como nunca havia visto tanta água, perguntou quando o barco ia sair do mar e pegar o Amazonas? Alguém do seu lado lhe disse que já estavam no Amazonas há horas. O jovem rapaz quase entra em p}nico e disse: “Arre égua! Tomara que o barco n~o afunde, n~o vejo nem terra do outro lado”. No início era só céu e água.
ENCONTRO DO RIO NEGRO E SOLIMÕES Admirado e maravilhado com tudo aquilo, não parava de pensar no seu sertão e cá com seus botões dizia: “Aqui o cabra pode morrer afogado mas de sede n~o”. Proseando com alguns marujos da chata para disfarçar o enjôo provocado pelo balanço do banzeiro, ouviu falar que bem ali pertinho, acontecia um grande fenômeno amazônico. A famosa Pororoca, ou Macaréu ou ainda a Onda de Arrebentação ocasionando fortes estrondos e poder de destruição devastadora. Esse fenômeno ocorre. Na foz do Rio Amazonas em situação oposta à correnteza dos rios vindas do mar. Viajaram vários dias e várias noites, sempre que estava acordado, se fosse de dia fica a contemplar as maravilhas amazônidas e se fosse a noite ficava imaginando o que havia além daquela escuridão. Quando passaram pelo Encontro das Águas, outro fenômeno natural amazônico, era de dia, ficou encantado ao ver as águas, na confluência dos
caudalosos Rio Solimões e Rio Negro e formar o Amazonas, levarem quilômetros para se misturarem com as águas do majestoso Rio Negro. Desciam as águas estourando aqui e acolá rebojos mesclados de águas brancas e negras. Quando mais se aproximavam de Manaus, a separação das águas ia ficando cada vez mais nítidas. Aportaram em Manaus, à tardinha, no seu porto histórico, no Rodowae. Subiram imediatamente para a Praça da Matriz, Igreja Nossa Senhora da Conceição. Os patrões, assim são chamados os donos de propriedades extrativistas e comerciais por aqui, nesse caso, os donos dos seringas, já estavam a espera dos soldados da borracha.
IGREJA NOSSA SENHORA DA
Zeca Antão, fora recrutado por um patrão da calha do Rio Negro, que era dono de seringais no Rio Unini, afluente da margem direita do Rio Negro e foi logo aviado com suas mercadorias, paga suas passagens, chegou e já saiu devendo pro patrão, em seguida levado para sua colocação de seringa, no Corocoró, no alto Anamari, um igarapé, afluente da margem esquerda do Rio Unini. A primeira vez, que o Arigó, assim eram chamados os nordestinos que vinham para o Amazonas, embarcou numa montaria amazonense, foi ao fundo, se alagou, molhando todo seu rancho e sua rede. O peste era acostumado a pisar no estribo para subi no jegue, no burro ou no cavalo, era a montaria que conhecia, lá no seu sertão. Pisou na beira da canoa logo bem cedo tomou um banho inesperado de água fria de igarapé. Primeiro ano de trabalho, o Arigó ainda estava brabo, não conhecia o serviço, não produziu quase nada. Só fez se endividar mais ainda. A produção de borracha foi pouca, mas a esperança de sonhar novamente e o cabra do seu sonho, contar onde estava sua riqueza, no Amazonas, mantivera de pé. No segundo ano, o Arigó, produziu o bastante para saldar suas dívidas. Zeca Antão, era muito farofeira, mas era um homem trabalhador e destemido. Era um cearense da gema. Enquanto não cortava seringa, esse é o termo que se usa para extrair o látex, da madeira, começou a cultivar a terra, numa pequena comunidade, às margens do Rio Unini, nesse período, conheceu uma bela moça, filha de uma nativa com um pernambucano e começaram um relacionamento amoroso, com o consentimento dos
pais, é claro. No terceiro ano, o Zeca Antão, o Arigó, já estava bem mais experiente, no ofício, foi para o fábrico de seringa e desta vez, produziu bastante que tirou um gordo saldo e pediu a mão da moça em casamento. Como o Arigó, era um homem trabalhador, não bebia, não gostava de farras, apesar de ser muito jovem, era bastante garantido, nas horas precisas e caprichoso em tudo que fazia, na vida. O pai e a mãe da moça, logo concederam a mão da moça e abençoaram o casamento. No final do ano, o cerimonial, aconteceu, na Vila de Moura, nos festejos de Santa Rita, seu antigo nome era Itarendawa, que quer dizer, lugar de pedras, lá haviam muitos desenhos rupestres milenares, cravados nas pedras, de granito róseo os mais conhecidos eram: “A Velha Negra, a Pedra do Veado, a Pedra do Gavião e outros e outros que por lá haviam, e que deveriam ser Tombados para serem um Patrimônio Histórico do Amazonas.
A felicidade era total ia bem na produção de borracha, agora ao lado de sua amada, mas faltava-lhe algo que ainda não havia encontrado nas terras das Amazonas. O homem que aparecia no seu sonho, não havia mais aparecido, seus sonhos atuais só eram cortando seringa, defumando borracha, tirando cavaco de maçaranduba, juntando coquinho de inajá para queimar na fornalha e defumar sua borracha e pior, Zeca Antão, não confiava em ninguém para comentar sobre seus sonhos lá do nordeste, mas agora tinha sua esposa, será que ela era confiável? Numa noite de sábado, deitados em sua rede, de varandas, trazida de sua terra, perguntou à sua jovem e linda esposa de cor trigueira e olhos agateados, a cor da pele herdara da mãe e a cor dos olhos herdara do pai: - Mulher, tu acreditas em sonhos? - Às vezes sim e às vezes não. - Como assim mulher? - Ah, sei lá! Tem sonho que dar certo tem sonho que não. Falando em sonhos o meu avô é que tem uns sonhos malucos. - Maluco como? - Ora ele passou a vida inteira contando pra gente que no sonho dele, aparecia um homem e dizia pra ele que a riqueza dele estava lá na tua terra, no Ceará. Zeca Antão deu um pulo da rede, voltou e sentou-se agoniado pensando: “Ser| que esse filho de uma égua que aparece no meu sonho é o mesmo que aparece pro avô dela? Será que esse cabra tá mentindo pra nós dois? Fez eu vir para aqui onde judas perdeu as botas?” - Mulher, tu sabes contar como era o sonho do teu avô?
- Vixi! Sei de cor e salteado! Passei a vida toda ouvindo isso do meu avô! - Conta pra mim com detalhes por favor, conta? - Tu parece que está agoniado? Tu está bem? Tá passando mal? - É que esse negócio de sonho me deixa muito curioso. - Tá bom eu conto, mas deixa eu passar um café pra nós, tá? - Tá certo, eu espero, mas não se esquece de nada, viu? Depois do café pronto a esposa o serviu, num caneco de esmalte, sentou-se à beira da rede com ele e começou a contar os sonhos mirabolantes de seu avô. - Meu avô contava pra nós, quando éramos pequenos e a vida toda, que no sonho dele, aparecia um homem e dizia pra ele que a riqueza dele estava lá no Ceará. - Conta mais, conta mais! - Calma homem pra que tanta sangria desatada? Que aflição! É que eu quero saber se o sonho do seu avô é igual ao meu. - Que sonho? - Depois eu conto, fala do seu, ou melhor, fala do sonho de seu avô. - Como ia dizendo, no sonho do meu avô, o homem falava que lá, no sertão do Ceará, havia uma família bastante numerosa e que lutava com muita dificuldade com a seca e com a miséria que lá existe. Existe isso mesmo lá? - Existe sim e muito.
- Bem essa família, tinha uma casinha feita de taipa e era muito pequena pra eles. A cerca dessa casa era feita de pau a pique e que eles possuíam umas quatro cabeças de gado bovino bem magrinho, cinco cabeças de cabras e umas galinhas caipiras esqueléticas. Sim! Ia esquecendo, na frente dessa casa, tem uma árvore, onde uma vaquinha malhada, todo meio dia vai deitar-se debaixo dela, na sombra para ruim... ruina...,não! - Para ruminar. - É isso mesmo! Lá onde essa vaquinha se deita é que tem um pote de ouro enterrado! Mais que de pressa ele se levantou e a abraçou gritando bem alto. - Deu certo meu sonho, estamos ricos mulher! Essa casa que teu avô fala é a minha lá no Ceará. Vamos lá buscar nossa riqueza, nosso pote de ouro e voltar com toda minha família para cá. É verdade aqui vim buscar minha riqueza e é aqui que vamos viver! Aqui é que é terra pra se viver! E assim foi feito, Zeca Antão foi buscar sua riqueza e sua família e se transformou num grande comerciante de redes de dormir.
FIM
CONTO III HOJE É DIA DE SOLDO
MANAUS DÉCADA DE 50 MANDUQUINHA
Dia de soldo, na caserna, é dia de muita farra, dia de azaração e muita bronca. Um grupo de recrutas, todo dia de pagamento, saia as ruas de Manaus para farrear e aprontar poucas e boas. Toba de Vaca, era o mais falastrão e o mais prosa deles. Às vezes ele era cômico e às vezes era motivo de chacota de todos. Falcão, nordestino, cabra da peste, era o mais malvado de todos. Os outros os acompanhavam formando um grupo de amigos. Toda vez que aquele grupo se reunia para sair e badalar, no outro dia o comentário era geral, mas ninguém sabia ou não queria precisar os autores da façanha. Nos Randevous, casavam e batizavam. Qualquer confusão que havia, dentro do
salão, a muvuca corria frouxa. Enquanto a pancadaria comia lá no salão, Falcão corria para a porta de saída do salão, se escorava num dos portais, enfiava uma cortiça na ponta do punhal, que trouxera lá de sua terra, deixava sair mais ou menos uma polegada da cortiça e cada pessoa que passava pela porta do recinto, fugindo apressado da balbúrdia que se instalara, tinha seu traseiro espetado pela ponta do punhal de Falcão, quando sentiam a picada do ferro, pulavam lá pra fora rápidos como um gato e lá fora, longe da penumbra do salão, já na luz clara, quando passavam a mão, na parte que doía e viam o sangue tingir sua mão, o alvoroço era infernal. Haviam alguns mais escandalosos que chegavam a rolar no ch~o gritando, “tô furado, tô furado, chamem a ambulância se não vou morrer. Polícia, polícia existe um assassino aí dentro. Prendam, prendam”! depois do causo passado, se juntavam novamente e iam todos à praça Heliodoro Balbi, popular praça da polícia. Lá sentados nos bancos da praça, comentavam os acontecidos e riam escandalosamente do episódio. Toba de Vaca, homem das anedotas, ficava incumbido de transformar os acontecidos em piadas. Às vezes, ele dava uma apimentada de sarcasmo para se divertirem melhor. Seguiam aquela rotina todo dia de pagamento, do soldo. Passado algum tempo, o soldo passou a ser bem mais, as coisas ficaram mais sofisticadas, o grupo já fumava até charutos cubanos. Mesmo sendo todos soldados rasos, gostavam de se exibirem, mostravam certa imponência aos outros, principalmente às garotas.
Peripécias aqui, peripécias acolá, um determinado dia, Toba de Vaca, se ver perdidamente apaixonado por uma linda garota, que morava na Matinha. A garota, não queria nada com o apaixonado e pra completar o infortúnio do nosso Dom Juan, o pai da garota era um coronel reformado da polícia, daqueles bem caxias e não suportava, não se sabe por quer, soldados rasos. O coronel mantinha bons planos para sua princesinha, era filha única, bem prendada, educada e era o seu mais valioso tesouro. Sem querer diminuir, o nosso Dom Juan, mas Toba de Vaca, era desses soldados relaxados, era um glutão acima do peso normal e era que nem Che Guevara, não era amante de banhos, os bolsos de sua gandola, sempre estavam sujos de gorduras de tanto roubar bifes e pão com manteiga do rancho do quartel e escondê-los dentro dos mesmos. Toba de Vaca, não era mais o mesmo depois da repentina e devastadora paixão. O moço realmente estava sofrendo do “mal do amor”. Também pudera, a beldade era filha única do casal, uma princesinha, morena, corpo escultural, olhos verdes esmeralda e estava cursando o último ano da Faculdade de Direito do Amazonas. Já estava se aproximando o final do ano e os soldados iam dar baixa, no próximo mês. O apaixonado Dom Juan, ainda não havia encontrado uma forma ou não havia criado coragem de enfrentar a fera e pedir a mão da belíssima princesinha em namoro, mesmo sabendo que a moça não lhe tinha dado nenhuma esperança, nenhum sinal de cumplicidade naquela paixão desastrosa, que
lhe fosse favorável e lhe desse coragem para tal atitude. Vivia ele pensando numa majestosa saída, embora astuto, era muito ingênuo no quesito amor, não havia tido nenhuma experiência no assunto. Um dia, incentivado pelos amigos que se sentiam condoídos pelo sofrimento do amigo e que os mesmo queriam tirar proveito da situação, até para tentar tirar o amigo daquele estado de penúria, mesmo sabendo que o Dom Juan não tinha chance nenhuma. Toba de Vaca resolveu fazer uma serenata debaixo da janela, de sua amada. Assim que receberam seus soldos, fizeram uma vaquinha para comprar uma caixa de charutos cubanos e muita bebida. Dois levaram os violões, um no pandeiro e o Dom Juan apaixonado no gogó e saíram, depois de alguns goles da malvada, goela abaixo, chegaram à casa do coronel reformado, pelas quatro da madrugada, chegando lá, já movidos pelos efeitos etílicos, como dizia um amigo, todos vinham cercando frango, deram início à seresta. Toba de Vaca, além de ser desengonçado era também muito desafinado, pigarreou aquecendo o gogó e abriu o berreiro aquelas horas da matina. “Abre a janela formosa mulher....., mais ou menos na segunda estrofe da música os vizinhos já estavam se acordando e o coronel também ao ouvir tão desafinada voz de bêbado, a cada verso que cantava, o cantor olhava pra janela na esperança de vê-la se abrir e nada, quando de repente em vez da janela se abrir, o que se abriu em meio à escuridão foi o portão da casa do coronel reformado. Na penumbra, viu-se através do reflexo da luz do poste, o coronel de pijamas, empunhando o trinta
e oito e em seguida seguiram-se os estampidos. Foram cinco tiros ininterruptos, o efeito etílico quase que dissipou de suas cabeças, todos desembestaram em debandada, salve-se quem puder. O coronel era deveras perigoso e valente. O apelido do homem era “Magarefe de Cristo”. Depois que correram uns cem metros, Toba de Vaca, foi ficando para trás, quando que de súbito foi ao solo com as mãos no peito esquerdo dizendo já com uma voz trêmula e rouca, “fui alvejado no coraç~o”. “Sei que sou um homem morto! Minha amada, quero que saiba pelos meus amigos, que morri por você! Morri por amá-la perdidamente. Meus amigos digam isso a ela. É meu último pedido como moribundo aqui estendido nesse ch~o que em breve devorara minha carne”. Todos se voltaram para o amigo, no chão, aturdidos pelo seu clamor, se aproximaram pedindo calma e que iam fazer de tudo para salvá-lo, mas o amigo moribundo ali estendido no chão disse-lhes: “N~o adianta fazer mais nada amigos, sinto o sangue jorrar dentro do meu peito. Estou com uma forte hemorragia interna”. Nisso uns dos amigos, pega o fósforo para ver em que situação estava o orifício da bala e a gravidade do acidente, quando ia riscar o fósforo, o carro da Manduquinha ia passando naquela hora, todos se contiveram em não fazer barulho e nem acender o palito de fósforo para não chamar a atenção dos policias. Assim que o carro passou, resolveram carregar o companheiro moribundo, que não era muito leve, até a próxima esquina, onde havia mais claridade. Chegando lá, puseram o companheiro no chão, forraram o chão com suas gandolas e foram
verificar o ferimento. Alguém mais agoniado perguntou. “Ser| que ele ainda est| respirando?” Um outro respondeu para o alívio de todos. “T| sim, graças a Deus”. Abriram a gandola desesperadamente e o moribundo ofegando com dificuldade, quando riscaram o palito de fósforo, viram no peito esquerdo do Toba de Vaca, uma enorme bolha de ar e a vermelhidão. O charuto cubano, havia caído, dentro do bolso da gandola, queimou o bolso e fez uma grande bolha no peito do nosso Dom Juan apaixonado. Isso foi motivo de gozação pra mais de um mês para os amigos do então comediante da turma Toba de Vaca.
CONTO IV TODO CASTIGO PRA PEDÓFILO É POUCO
A PEDOFILIA, também chamada de PAEDOPHILIA ERÓTICA ou PEDOSEXUALIDADE, é a perversão, na qual a atração ou desejo sexual de um indivíduo adulto ou adolescente está direcionado à criança pré-púbere ou no início da puberdade. Segundo o critério da OMS (Organização Mundial de Saúde), adolescente de 16 ou 17 anos, também pode ser classificado como pedófilo, se eles tiverem uma preferência sexual persistente ou predominante por crianças pré-púberes pelo menos cinco anos mais jovens do que eles. A Pedofilia é classificada como uma desordem mental e de personalidade do adulto, e também como um desvio sexual, pela OMS. Os atos sexuais entre adultos e crianças, resultante em coito ou não, são crimes na legislação de inúmeros países. Muitas culturas reconhecem pessoas como tornando-se adultos em variadas idades. Por exemplo, a tradição judaica considera como adultos, membros da sociedade, as mulheres aos 12 anos e os homens aos 13 anos de idade, sendo a cerimônia de transição chamada BAT MITZUAH para as garotas e BAR MITZUAH para os garotos. No antigo Egito, o Faraó TUTANCÃMON, casouse quando tinha 10 anos de idade com ANCHSENPAATON, que tinha a mesma idade talvez um pouco, mas velha e assumiu o trono com cerca de 12 anos. No Japão, a passagem para a idade adulta é celebrada pelo SEIJIN SHIKI. (Ou “cerimônia adulta” em tradução literal). No ritual de puberdade feminina dos
Índios NAMBIQUARA, logo que tem a sua primeira menstruaç~o, a menina púbere (WA’YONTÃDU “menina menstruada”) deve permanecer em reclus~o em uma casa construída pelos seus pais especialmente para esse fim. Lá a menina deverá permanecer de um a três meses, ao final será feita uma grande festa e os convidados de outras aldeias NAMBQUERA, virão retirá-la da reclusão. A menina (WEKWAINDU, “menina moça”) passar| daí então, a ser considerada uma mulher formada. A relação sexual entre adultos e adolescentes é regulada pelas Leis de cada país, referente à idade de consentimento. Alguns países permitem o relacionamento, desse tipo, a partir de uma idade mínima estipulada de acordo com suas leis e costumes. Por exemplo: (12 anos em Angola, Filipinas e México; 13 anos na Espanha e Japão; 14 anos Brasil, Portugal, Itália, Alemanha, Áustria China; 15 anos na França, Suécia, Dinamarca e Grécia e com 16 anos em Noruega, Reino Unido e Holanda) O Brasil é o quarto colocado, no Rank da Pedofilia. Que vergonha! Obs. Dados estes e relatos, retirados da INTERNETE. As Leis de alguns países permitem o relacionamento sexual de maiores com alguns menores de idade, quando esse se torna oficial, mas quando passa a ser um relacionamento persistente e direcionado à menores de idade é crime e tem que haver punição! No Brasil, de acordo com o nosso arcaico Código Penal, se enquadra juridicamente no Crime de Estupro de Vulnerável, Artigo 217-A, com pena de 8 a 15 anos de reclusão, e é
considerado Crime Hediondo. Difícil, nesse País chamado Brasil, é punir os culpados, a maioria dos pedófilos brasileiro e estrangeiros que vêm fazer o “turismo”, em nossa terrinha, s~o homens poderosos e facilmente conseguem calar quem deveria e poderia puni-los. Mas como toda regra tem sua exceção, um empresário brasileiro teve deveras sua punição. Aqui vamos tratá-lo de PEDOSHAROV, apenas um nome fictício, nada de xenofobia! Nascido em berço de ouro, no Brasil, filho único de pais bem sucedido, criado sem regras, sem ser contrariado em nada, tinha tudo a tempo e a hora, Pedosharov, desde sua adolescência, mostrava suas preferências libidinosas por garotas pré-púberes e jovens meninas que estavam no início de sua puberdade. Detentor de um grande poder aquisitivo e quem tem muito dinheiro nesse País trás consigo o estigma de posso tudo, faço tudo e nada me acontece. Sem contar que a Lei de Gerson serve de regras para a maioria dos brasileiros. Infelizmente a lei da propina é bem aceita e está virando cultura. Pedosharov, o playboyzinho, cresceu assim, escolado pelo pai, que tinha uma ligação muito forte com os políticos e o poder judiciário. Seu pai era dona de várias empreiteiras que prestavam serviços, nas grandes obras públicas do país. O menino cresceu, no meio dos amigos do pai e quando se reuniam para saborear Whisky importados, e ligavam para os seus cupinchas, cafetões, às gargalhadas comentavam que adoravam curtir uma ninfeta. Era como o pai e os amigos do menino chamavam as garotinhas incautas
que lhes eram ofertadas pelos cafetões inescrupulosos. Aos 15 anos, começou a sair para as baladas com os amigos e para os aniversários dos filhos dos amigos dos pais. O menino Pedosharov, cedo começou a assediar as menininhas, principalmente as mais humildes quando visitava a periferia. Não podia dar em outra coisa, vindo de uma escola de pedófilos, tanto real como virtual, pois tinha desde pequeno, acesso à internet até altas horas da noite. Vendo que no meio de todos os seguimentos da sociedade a pedofilia corria solta e nenhuma autoridade tomava providências, sentiu-se mais poderoso e confiante que nada lhe aconteceria. Tornou-se um pedófilo de carteirinha. Tornara-se um homem adulto. Já com quase cinquenta anos, herdara as empresas do pai e resolveu casar-se para fazer seu herdeiro. O herdeiro não veio. Veio uma linda herdeira. Sua vida de pedófilo continuou. Agora como senhor empresário, dono do poder, tinha um lacaio, que seu trabalho era abordar, com uma boa proposta, menores, de preferência virgens, nas portas das boates, escolas públicas e particulares e principalmente aquelas da periferia que estavam preste a completarem quinze anos. Para estas últimas, eram oferecidas inúmeras vantagens como bons presentes, que para sua família era impossível de comprar, festas de aniversários pomposas para as debutantes pobres das famílias excluídas dos bairros humildes, tudo isso para amainar os instintos libertinos do patrão. Agora com mais de sessenta anos, já não detinha o poder de fogo que antes, as suas escapadas com as ninfetas tornara-se mais
esporádicas, mas com o surgimento do azulzinho, viu seus instintos lascivos fluírem novamente e a caça às pré-púberes voltaram com mas veemência. Sua filha, para os olhos do outros, já se tornara também uma linda ninfeta. Já começara a despertar a libido dos homens que nem seu pai. A linda ninfeta agora vivendo só com sua mãe, porque a doença sexual ou desvio sexual do pai, como queiram nominá-las, casou a separação do casal. Pedosharov, exigia que sua ex-esposa a vigiasse 24 horas por dia. Que não a deixasse sozinha. Como se isso adiantasse. É como diz o dito popular: “Quem disso cuida, disso usa”, “Prendam suas cabras que meus cabritos estão soltos” “Pimenta nos olhos dos outros são refrescos nos meus”. A moça tinha uma ama que lhe acompanhava pra todo lugar com o motorista particular de sua mãe, pago pelo seu pai “cuidadoso”. Que as levava para a escola e para passear e por algumas vezes, devido ao trânsito, o motorista particular de sua mãe atrasou. No portão, enquanto esperava o motorista, a ninfeta conheceu um belo rapaz, bem educado, simpático, conduzia uma esplêndida limusine muito luxuosa. Na terceira vez, a ninfeta havia saído mais cedo por falta de energia, na escola e com mais uma boa conversa, o educado rapaz e jeitoso com as palavras, conseguiu convencer a moça a dar uma volta naquele carrão magistral. No caminho, o rapaz deu um jeito de convencê-la a conhecer “seu luxuoso apartamento”, impressionada com tanto luxo, apesar de ser bastante rica, assim como ele fazia com as outras, para levá-las ao seu patrão, a jovem moça cedeu
aos encantos e aceitou conhecer o tal apartamento. O motorista sedutor não titubiou, levou a moça pro apartamento luxuoso do pai dela, onde eram “abatidas” as outras ninfetas pelo seu próprio pai. Chegando lá, com toda ritualidade que lhe era peculiar de um bom malandro, deflorou a jovem moça que ainda ia fazer 14 anos de idade, sem saber que era filha única de seu patrão Pedófilo. Depois do fato consumado, a menininha, embebida de champanhe adormeceu nos braços do seu algoz. Seu patrão, que tanto tentara entrar em contato com seu motorista e não conseguiu, porque a telefonia móvel desse país é de amargar, resolveu ir ao seu luxuoso apartamento para descansar e esperar a sua próxima vítima. Chegando lá, abriu o apartamento e encontrou os dois corpos desnudos, bem agarradinho e adormecidos sobre sua cama que tanto foi palco de sua famigerada devassidão. Ao reconhecer, sua única filha, naqueles trajes com seu motorista de confiança, seu lacaio e cúmplice das suas inúmeras travessuras pedófilas, indignado, ultrajado, vendo seu ego vilipendiado pelo seu homem de confiança e cheio de ódio, não gritou, mas rugiu que nem um leão bravio, amaldiçoando até a última geração daquele infeliz paumandado. Sacou do seu revólver, que trazia em sua pasta de negócios, para descarregá-lo todo no peito do desgraçado, mas antes de puxar o gatilho, tombou e foi beijar o piso do seu luxuoso apartamento com um forte AVC que lhe deixou por longos dez anos, prostrado numa cama com seu corpo totalmente inerte, porém
com sua mente em pleno funcionamento atĂŠ seu Ăşltimo suspiro. FIM
CONTO V O PESCADOR QUE VIROU ALCAIDE
PESCADOR QUE VIROU PREFEITO Num pequeno Reino animal, cravado no coração da selva tropical africana, às margens do segundo rio mais importante do Reino da África e o sétimo maior do Planeta, Rio Congo, bem distante do Reino Geral dos animais. Sua população bem eclética, sonhava com dias melhores, após suportar por longos e sofridos anos, um governo ditatorial. Embora um Reino bastante antigo, pacato até certo tempo, lá residiam dois amigos pescadores, Ariramba e Cauré, que desde jovens se preocupavam com o desenvolvimento do seu pequeno Reino e o bem estar de todo Reinado. Era o que ambos aparentavam aos olhos e ouvidos da bicharada que lá
residiam, ao ouvir os discursos e presenciar as atitudes dos dois amigos pescadores, quando chegavam de suas enfadonhas pescarias e iam se juntar aos amigos do Reino para conversarem sobre: esportes, pescarias, festas vivenciadas, garotas e principalmente sobre o destino político daquele Pequeno Reino. Os dois amigos, já crescidos, tornaram-se compadres de fogueira. Ariramba assim como Cauré, não tinham muito estudos. Ariramba havia estudado um pouquinho mais do que Cauré porque ficara um ano a mais no internato dos animais, mas apreciava uma boa leitura e no decorrer de vários anos leu bons livros, revistas e jornais. Como Ariramba era um autodidata tornou-se bastante sábio. Cauré, também era inteligente, mas gostava de levar vantagens sempre sobre os demais. Os dois amigos, assim que podiam, se reuniam com os outros amigos para discutirem assuntos de políticas e sonhar com programas que amenizassem os problemas sociais que atormentavam seu Pequeno Reino. Cauré, não era muito de falar, talvez por não ser muito dado à leitura. Era uma avezinha de poucas palavras. Parecia viver o tempo todo arquitetando algo que ninguém sabia bem o que pensava. Compadre Ariramba, onde estava, parecia um Uirapuru. Tinha boa conversa, se expressava muito bem, tinha boas idéias e era bastante transparente e correto no que falava. Ariramba sabiamente atraia a confiança e a curiosidade de todos os bichos do Reino. Era um líder nato embora não admitisse tal rótulo.
Os dois amigos passarinhos, saiam juntos para pescarem e chegavam sempre juntos da pescaria. Sua amizade começara desde sua infância, quando eram alunos de um internato do Reino. Desde lá compadre Cauré já demonstrava seus comportamentos murinos. Há um velho ditado dos antigos animais, que diz assim: “O espinho quando tem que furar, j| traz a ponta” “É de pequeno que se torce o pepino”. Pois é! Nada disso fizeram com o nosso amigo Cauré. Nem quebraram a ponta do espinho e nem torceram o pepino. O filhote de ave de rapina, desde pequeno já era astuto como uma raposa. Nos eventos festivos, no internato, a avezinha de natureza aquilina, sempre se dava bem sobre seus incautos coleguinhas. Trocando ou vendendo sua própria merenda ou negociando algo que ganhara de outrem ilicitamente. Ariramba, seu colega, uma avezinha de caráter probo, puro e honrado, não gostava e nem aprovava o comportamento e atitude do amigo Cauré. Sempre chamava-lhe a atenção tentando corrigilo. Nunca concordara com nada disso, mas era seu amigo de infância e de internato. Fazer o quê? Fora do internato, já bastante crescidos, precisavam trabalhar para o seu próprio sustento. Como não avançaram nos estudos viraram pescadores artesanais. Dividiam as despesas e o lucro de cada viagem que faziam. Aqui e acolá o compadre Cauré sempre simulando uma brincadeira de mal gosto, diga-se de passagem, queria passar a perna no compadre Ariramba. Como já se conheciam de longas datas e o compadre Ariramba era probo e não bobo tudo
terminava em gargalhadas, devido a sólida amizade que já perdurara há anos. Mas em se tratando do compadre Cauré, não se podia dormir no ponto. Tinha era que ter o sono de quero-quero e dormir como o dito cujo. Em pé e numa perna só para não ferrar no sono. Caso contrário, compadre Cauré era capaz de dar bolo de palmatória em rato maneta. Certo dia, parados na cabeça de uma ilha, assando uns peixes brancos para saboreá-los com limão e pimenta, após uma frutífera pescaria e gelando os peixes, na caixa de isopor, conversando sobre o cotidiano do Pequeno Reino, compadre Ariramba faz um comentário para o compadre Cauré: -É compadre, nós aqui enfrentando todos os perigos dos rios, dos igapós e dos lagos, pescando com sacrifício para sobreviver e sustentar nossa família, você não, que não tem um pinto pra dar água, mas eu tenho, nos expondo aos ferozes ataques de animais mais forte que nós, sem contar com o insuportável cauixi dos rios e lagos. Sofremos mais do que sovaco de aleijado, quando voltamos para o Reino com o pescado, é uma dificuldade para vendermos nossa produção. Os bichos sem recursos para comprar, chorando miséria, não se ouve um samba compadre é só choro. Levamos tanto tempo para vender o pescado que as vezes o apurado não cobre nem as despesas de viagem. -É verdade mesmo compadre! Tanto sacrifício para quase nada. Mas um dia meu compadre de guerra, nosso sacrifício vai acabar.
-Compadre Cauré, sinceramente, não tenho muita esperança não. Nosso pequeno Reino agora de quatro em quatro anos vai trocar de administrador e nada de novo vai acontecer. Quando um fizer um pouquinho, mesmo se beneficiando, logo vem outro que nada faz a não ser se beneficiar, beneficiar seus familiares e seus amigos mais chegados. Olha agora, assim que o Cabeçudo assumiu a administração, colocou seus familiares no barco, pegou o recurso que havia em caixa e foi fazer um belo turismo rio acima. Pode isso?! -Poder não pode né? Compadre, mas é difícil resistir a tanta facilidade em meter a mão no erário público com a grande impunidade que hoje existe e que sempre existiu. O nosso poder judiciário, desde a primeira instância até a última instância do Reino Geral, sempre abranda a situação para os políticos corruptos. Morde e assopra, morde e assopra é assim desde sempre. -Isso é um absurdo! Tá na hora de dar um basta nisso e colocar ordem no curral. Nossos companheiros é como jacaré, não sabe a força que tem. Ainda mais agora que reconquistamos o direito de escolher diretamente os nossos representantes. Foi dado o pontapé inicial do processo democrático nesse vasto Reino, meu compadre. Só precisamos é nos preparar e ter muita cautela nas escolhas dos nossos futuros representantes políticos. Analisando minuciosamente e com responsabilidade quem realmente tem bons projetos para a bicharada, principalmente para a classe mais pobre e oprimida pelo rolo compressor do capitalismo selvagem que impera. Ver a que partido eles pertencem
e quem estar por trás deles financiando os pretensos candidatos ao cargo público. Mesmo assim, ainda corremos sérios riscos de sermos enganados! -Ora compadre, os bichos do Reino não querem saber nada disso. Infelizmente os bichos desse Reino, só querem saber de quem os ajuda naquela hora. -É meu compadre, infelizmente é mesmo. Não são todos, mas a maioria dos bichos não estão preparados para o processo democrático. Os bichos acostumaram hoje, tanto os políticos como os eleitores no toma lá da cá. Vivem ainda, na famigerada política inescrupulosa do império romano. “A política de p~o e circo”. E vou ainda mas longe! Os políticos de todo nosso Reino, com exceção de alguns e muito poucos, incorporaram muito bem a Oraç~o de S~o Francisco de Assis. “É dando que se recebe”. Compadre Cauré, pouquíssimos bichos, nesse Reino, têm consciência que o voto não tem preço. O voto tem consequências. -Meu compadre, parece que o senhor nesses últimos tempos, andou lendo muitos escritos dos camaradas bichos comunistas? -É compadre. Andei sim. Durante a ditadura dos Felinos, li bastante sobre os camaradas bichos pensadores com idéias comunistas e socialistas dos outros Reinos mais evoluídos. Eu precisava e queria entender o porquê de tanta violência e tanto desespero dos ditadores Felinos em manter a “ordem” { força, com suas atitudes desastrosas e esdrúxulas dentro do nosso Reino. - Que conclusão você chegou, compadre?
- Ora meu compadre Cauré, foi tudo uma manobra política dos detentores do poder econômico para manter o status quo. Forjaram uma falsa revolução para dar um golpe de Reino. Com isso impediram à força, que o poder dessa continuidade nas mãos do socialismo, onde todos teriam tratamento igualitário. Os bichos oprimidos teriam dignidade e seriam respeitados como os demais. É lógico, a burguesia, a elite, com esse sistema de governo, teriam que repartir o pão igualmente com os menos favorecidos e isso eles não querem e jamais admitiriam. Eu até queria entender esse gesto exagerado dos poderosos de zelarem pelos seus bens. Mas como eles ficaram tão ricos? Quantos ficaram chorando para que isso acontecesse? Muitos não sabem o que aconteceu. Mas houve uma grande negociação por debaixo dos panos entre os poderosos. E com o apoio de peso dos demais, apoio político econômico dos Pumas e dos Chacais do Reino Unido das Américas, a desgraça se consumou e lá se foram mais de vinte anos de repressão política, torturas, perseguições, mortes e desaparecimentos de quem enxergava o verdadeiro sentido da Ditadura e de quem estava por trás disso tudo. Ai de quem ousasse contrariá-los. Uma avezinha, chamada Curió, por sinal muito inteligente, no continente americano, numa letra de suas inúmeras músicas dizia assim: “Amigos presos, amigos sumidos assim, pra nunca mais” esse trecho da música retrata bem o nosso dilema sofrido aqui, no continente africano. Quantos jovens estudantes amigos sumiram pra nunca
mais? Quantas pessoas desaparecidas pra nunca mais?Um outro bicho, não menos inteligente, foi praticamente estropiado e torturado pela ditadura dos famigerados Felinos em razão da sua linda música que dizia: “Vem vamos embora que esperar n~o é saber/Quem sabe faz a hora, n~o espera acontecer” -É compadre não foi fácil mesmo, mas eu não ligo muito pra essas coisas. Eu vou vivendo como Deus quer. Mas tenho certeza que um dia vai chover no meu roçado. -Quem sabe compadre? Quem sabe? Já dizia um velho amigo meu: “O mundo além de dar muitas voltas, também é uma grande revelaç~o”. Quem sabe numa dessas voltas que o mundo dá, você não se torna uma grande revelação dele. -É só esperar e ver pra crer compadre. Os dois compadres acabaram de gelar todo peixe, comeram os que estavam assados no moquém, com pimenta murupi e bateram em retirada, em suas canoas para o seu Pequeno Reino, vender sua produção. Já era bem de tarde, logo, logo a noite caíra e vinham os dois pescadores, como se diz por aqui, de bubuia, remando e parando descendo rio abaixo, aproveitando a correnteza e apreciando o lindo luar. Ao surgir a madrugada, aportaram no Pequeno Reino e após o desjejum, já no raiar do dia, começaram a vender seus peixes, depois foram cada um pra suas casas. À tarde, o sol se punha majestosamente no horizonte, Ariramba e Cauré, se encontraram na praça para prosear e admirar o serpentear das águas, na orla daquele pequeno Reino.
Sentados no banco da praça que ficava próximo à margem do rio, chapéu de palha na cabeça, Cauré abre o diálogo. -Compadre Ariramba, após aquela conversa de ontem que tivemos, lá na paragem, gelando o nosso pescado, ficou um grilinho martelando na minha cabeça, como aquele que canta toda madrugada antes de amanhecer o dia. -O que está lhe atormentando meu compadre? -Ora compadre, vivenciando o nosso sacrifício todo dia, o sofrimento dos bichos desse Reino. Assistindo de camarote o descaso das autoridades bate uma inquietação sem tamanho. A vontade que tenho é de fazermos juntos alguma coisa pelo nosso tão sofrido Reino. Juntando a minha vontade e o seu conhecimento, juntos podemos mudar essa história. -O senhor está pensando em pleitear um cargo político majoritário na próxima eleição? -O senhor acha impossível? -Não! Impossível não compadre! Mas, acho muito difícil os nossos conterrâneos bichos acreditarem num outro bicho pobre do Reino. Eles preferem os ricos e aqueles que falam difícil, embora sejam mentirosos. Existiu um ser humano, no Reino da França, estudioso e muito inteligente por sinal,e dizia que lá havia três categorias de humanos. -Lá vem você com suas citações compadre. -Não compadre! Deixa eu falar. -Então fale compadre.
-Esse ser humano chamava-se Jean Lavoisier. Ele dizia que: “No mundo, existem três categorias de pessoas. Aqueles que apenas recebem, assim como o rei, os nobres, os padres e outros privilegiados; aqueles que se tornam, sabiamente, instrumentos dessas pessoas servindo-as, mas compartilhando de sua boa vida e de suas riquezas; e aqueles que nasceram apenas e somente para pagar, para trabalhar e sustentar os outros que não fazem nada. Essa última categoria comumente, é chamada de povo” que justamente somos nós, meu amigo e compadre Cauré. -Mas se tivermos um bom apoio de um dos bichos importante do nosso Reino Maior e reunirmos nossos amigos? Podemos chegar lá, não é mesmo? -É bem verdade compadre Cauré. Sabe compadre, admiro sua coragem e lhe digo mais. O mundo é feito de desafios e os desafios surgem para serem superados por animais corajosos e determinados como você. Você tem esse bicho importante no Reino Maior? -Olha amigo, importante, importante não vou dizer, mas ele tem uma certa influência no Reinado sim. Só me falta você confirmar seu apoio, que me é muito importante. Disso eu não tenho dúvidas. Compadre Ariramba dar uma gargalhada e olha bem no fundo dos olhos de Cauré e diz: -Sinceridade compadre? -É a coisa que mais prezo, na vida, é a sinceridade compadre!
-Caro amigo Cauré, quando me lembro das suas travessuras de menino, no internato, quem tem bastante dúvidas sou eu. -Ora compadre Ariramba, aquilo foram travessuras de infância. Nada sério. Disse-lhe isso, sorrindo e dando um tapinha nas asas do amigo. -Já que estas decidido amigo, vamos pensar num programa de governo sério, voltado para o social, vamos formular uma estratégia política, consolidá-la e vamos ver no que vai dar. Mesmo sabendo que os bichos desse Reino hoje, têm pronta e acabada uma concepção política arcaica e perniciosa. Me faz lembrar aqui as palavras sábias de um grande amigo, que dizia assim: “Construir uma concepç~o política crítica, n~o é tarefa difícil, difícil é mudar uma concepção política já construída, mesmo sendo uma concepção ultrapassada e errônea àquela classe social” -Compadre Ariramba, o que nós precisamos mesmo, e com urgência, é de boa estratégia de campanha e um ótimo financiamento. Porque política se ganha é na véspera da eleição. O resto vem depois. -Assim você me assusta compadre Cauré! Você está pensando em se eleger comprando votos? Lembre-se compadre! “Voto n~o tem preço. Voto tem consequências” -Não compadre! É que infelizmente, nesse Reino, é preciso ter muito recurso e gastar bastante para se eleger.
-Se for assim compadre, estou fora!!! Quero que faças uma campanha com boas propostas, com projetos executáveis e que beneficie todos os bichos carentes do nosso Reino. Quero participar indubitavelmente de uma campanha limpa. -Não compadre! Isso jamais acontecerá, quando me refiro em recursos, meu pensamento está voltado somente para as despesas de campanha, até porque para onde quer que possamos ir à caça de votos, precisamos de recursos para os custeios de viagens e outras coisas. E não esqueça amigo seu apoio é indispensável pra mim. -Tá certo, tá certo compadre, estarei ao seu lado nessa empreitada. Já enfrentamos tantas dificuldades juntos. Porque não enfrentamos mais uma? E com o propósito de mudanças melhores pro nosso Reino e para os nossos amigos necessitados. -Compadre, muito obrigado pelo apoio e pela confiança. Se Deus quiser vou ganhar esse pleito e Ele há de querer. Assim que eu estiver lá, na Administração, o senhor pode me procurar. Não precisa nem formalidade. É só chegar lá e dizer que é o meu compadre velho de guerra que será atendido na hora. -Espero que não seja necessário compadre, mas se precisar estarei lá sim com certeza, não para que eu seja beneficiado e sim pelo bem da coletividade. Quero aproveitar o momento para adiantar ao amigo que eu já estava mesmo com planos de passar uma temporada fora daqui e mesmo voltar a pescar sem você não teria mais importância como antes. Nossa amizade é muito
sólida e difícil de ser abalada, só um Tsunami muito forte a abalaria. Mas prometo-lhe. Vou mergulhar nessa de corpo e alma. Quero ajudar e ver o amigo chegar lá no poder e trabalhar pelos nossos companheiros. Quando eu voltar um dia, caro amigo, quero ver nosso Pequeno Reino, como uma linda menina. Com os problemas sociais amenizados, a cidade cheia de vida e prosperidade porque acabar com os problemas sociais desse Reino e de qualquer outro, é impossível. Quero ver os bichos felizes e trabalhando, pois é disso que estamos precisando compadre Cauré. É hora de colocarmos um dos nossos no poder. Um bicho amigo, que seja justo, honesto e trabalhador para governar esse tão pequeno e valioso Reino. É isso compadre, que toda fauna quer e espera de você e tenho certeza que você não nos desapontará, não é mesmo? -Claro compadre Ariramba, jamais vou decepcionar você e os demais amigos do nosso Reino. Quero e devo fazer, toda essa fauna feliz e torná-la justa, haja vista já sofrerem além da conta. -Isso é uma grande verdade compadre! O sofrimento dos nossos companheiros, e nosso também, nos tem causado bastante dor e de certa forma uma enorme ansiedade, mas você terá em suas mãos a faca e o queijo oportunamente para torná-los livres de quaisquer privações dos seus direitos e para que vivam dignamente como merecem. Dito isto, Ariramba se afasta um pouco e fica pensativo amparando o bico com a pontinha de sua asa e o olhar
voltado pro horizonte, durante alguns minutos, e logo é interrompido pelo amigo. -Compadre Ariramba, em que estás pensando tão absorto assim? -Nada de tão importante compadre. Só estava com meus botões analisando o que estou prestes a fazer. Que é me envolver com a política partidária e apoiar alguém. Só você compadre foi capaz de me colocar numa situação dessas e por cima de tudo acreditar que vais fazer alguma coisa por nós. Porque não sou de acreditar muito em alguém não, amigo. Com essa minha idade já vi e vivenciei muitos bichos mentirosos e corruptos, na política. Na política existem tanto cara de pau que não conseguem passar perto de um cupinzeiro! Estava eu aqui pensando nas palavras de um outro amigo pescador que você não teve a satisfação de conhecê-lo. Ele foi um pescador sério, honesto e muito honrado e sempre quando falávamos em política costumava dizer: “Amigos, a política é como uma lama perfumada, por cima cheira muito bem, ao remexê-la o odor pútrido vem a baila e não há ser no mundo que suporte. Nem o próprio urubu. Houve ali, um momento de silêncio e os dois se olharam e começaram a rir-se um com o outro e, depois se abraçaram longamente e, finalmente o compadre Cauré toma a dianteira dizendo feliz da vida: -Então estamos combinados, compadre Ariramba? -Estamos combinados, compadre Cauré.
Nascia ali, naquele instante, no pequeno Reino congolês de animais, uma forte alternativa política com muitas expectativas de mudanças. De um lado, mesmo não aparentando, a esperança de chegar e deter o poder por longo tempo em suas mãos e de um outro lado, renasciam fortes esperanças, embora com algumas dúvidas, que martelavam a cabeça de Ariramba sobre a idoneidade de seu compadre, de ver um animal de origem humilde chegar ao poder e zelar pelo bem estar dos mais oprimidos daquele Reino. O tempo voou numa rapidez estupenda e logo chegou o ano da eleição dos pequenos Reino do Reino Gerais, que se dividia em Reinos Maiores e milhares de Pequenos Reinos. No nosso Reino maior disputaria a eleição 62 pequenos Reino. Cauré, como toda ave de rapina, estava todo entusiasmado e serelepe para galgar o tão desejado poder. Já havia se filiado no partido do governo do Reino Maior, e, naquele momento, com o apoio do representante do Reino Maior, com o apoio do seu amigo Peixe-boi, que detinha o poder do paço executivo, que era amigo do representante do Reino Maior e com o apoio incondicional de outros amigos e o apoio do compadre Ariramba, foi dado o início da campanha de Cauré, rumo ao Paço, daquele Pequeno Reino de animais incautos. Cauré, esperto como ele só, formou sua chapa com a amiga Coruja como sua vice. Foi um feito inédito para aquele Pequeno Reino. Coruja, trazia em sua bagagem política várias prerrogativas, que beneficiavam Cauré, era uma figura
bastante conhecida, respeitada pelos demais, honesta e muito querida naquele Reino. A disputa ocorreu polarizada. Dois pretendentes se dispuseram a pleitear o cargo. Cauré com muito apoio e o outro pretendente, compadre Cabeçudo com pouquíssimo apoio. Não deu outra. Deu Cauré na cabeça. A ave astuta, matreira e pequenina, mas astuciosa como ninguém venceu o pleito. Após as comemorações, com muitas festas regadas a comidas e bebidas, Cauré começou a montar sua equipe de governo, com a ajuda do amigo Peixe-boi, para governar no seu primeiro mandato outorgado confiantemente pela bicharada daquele Reino. Compadre Ariramba, que não era de comemorar antes do feito e dizia que na política devia se come-morar só depois do término do mandato, não participou dos festejos. Ariramba era uma ave pescadora muito recatada e bastante ressabiada com a política, comedida e assaz cautelosa nas suas decisões. Como já havia informado, começou a arrumar suas bagagens para ir pousar em outro Reino, também pequeno, ficava próximo dali num outro Reino Maior. O Reino Geral era composto de 27 Reinos Maiores, que esses, se dividiam em grandes e pequenos Reinos de animas. Num deles ficava a sede do Reino Geral. Onde funcionavam os seus três poderes que decidiam o destino do grande Reino Geral. O Executivo, Legislativo e o Judiciário. Lá sim! A farra com os recursos de todo Reino era uma verdadeira imoralidade! A falta de vergonha e de respeito pelos três poderes, com os recursos do Reino que eram pagos pelos pobres
bichinhos contribuintes era uma verdadeira calamidade pública porque os bichinhos mais abastados além de sonegarem seus impostos vivem sempre burlando a Lei do Reino. O Executivo é formado pelo seu chefe maior, do Reino Geral, que é eleito através de conchavos e barganhas políticas, na eleição majoritária, para poder formar seus ministros e fazer maioria no Congresso e ter liberdade para governar. O Legislativo, esse sim tem muitas histórias mirabolantes. Chamado de Congresso do Governo Geral se divide em Assembléia dos Debutados. A palavra é debutada mesmo, um neologismo de debutantes, que são mais de quinhentos representantes dos bichos de cada Reino Maior que vão para lá pousar de debutantes se deleitarem com o erário público e o Sonhado que são mais de oitenta. Não se assustem com outro neologismo. A palavra vem de Sonhador porque são bichinhos que já perderam o prazo de validade e vivem sonhando nas suas poltronas e usufruindo também do erário do povo. O Congresso é formado por vários bichinhos como Murinos de toda espécie, Gaviões, Raposas, Lobos, Abutres, Tubarões e alguns Símios. Esses animaizinhos, juntos, das duas esferas, para aprovar alguma Lei ou Projetos que sirva para beneficiar a fauna de modo geral, principalmente o que tange a classe dos bichinhos trabalhadores e verdadeiros contribuinte do Reino, é um Deu nos acuda, levavam meses engavetando e retirando das gavetas por inúmeras seções. Tudo isso visando uma seção extraordinária para aumentar seus
fartos ganhos. Vendo que os cofres públicos são fáceis de abrirem e que suas torneirinhas inesgotáveis, abriam-lhe o apetite voraz pelo dinheirinho sofrido do público, escancararam de vez. Primeiro foi criado o tal cala-boca, os jetons e até o famigerado mensalão, que começou há bem mais tempo do que se pensa. O Judiciário, formado por bichos mais letrados como Raposas, Lobos, Hienas e Águias e com mais idade, porém não menos perigosos. Bom, tudo isso é briga de cachorro grande. Vamos nos reportar à nossa pequena ave de rapina, compadre Cauré. Também não menos perigosa. Compadre Cauré, montou sua equipe de transição e ao assumir sua equipe de trabalho, foi logo mostrando para que veio. Compadre Ariramba se despediu do compadre eleito e foi fazer sua viagem por um bom tempo. Nosso amigo Cauré, recém-eleito, agora era autoridade máxima do Pequeno Reino do Continente Africano. Daí então foi se preparando para uma longa temporada no poder. Na sua equipe de trabalho havia muitos bichos importantes do Reino como: Surucucu de Fogo, Maracajá, Onça Suçuarana, Bode Velho, Veado da Campina, Mandubé e outros bichinhos que os auxiliavam. Cauré governou sem nenhum planejamento, sem nenhum controle de economia, fez um tipo bonachão, despreparado para o cargo, fez um péssimo governo, baseado no paternalismo e no assistencialismo. Vendo a ingenuidade dos bichos mais sofridos e a esperteza de alguns, usando sua visão
falconídea e seus instintos murinos, que lhes eram peculiares, sentiu-se o próprio rei da cocada preta. Com sua vasta malícia, conquistou a confiança dos bichos mais humildes e de seus apaniguados do Reino e gradativamente foi conquistando a confiança das autoridades mais importantes de todos os Reinos que comungavam com seus pensamentos e suas atitudes nefastas. Cauré além de esperto, contava com o fator sorte. Havia tramitando, há tempo, no Congresso do Reino, uma proposta de reeleição, para favorecer o atual Governo do Reino Geral e os demais governos dos Reinos Maiores e dos Pequenos Reinos. Nosso amigo Cauré estava governo justamente nesse período. Para favorecer a todos que estava no poder, o partido do Governo Geral, juntos com seus aliados da base governista, criaram o abominável mensalão e consolidaram a Lei da reeleição para todas as esferas do Reino sem pestanejar. Foi nesse Governo Geral, que nasceu o temível mensalão, que em seguida, o outro Governo Geral o adotou como recursos políticos para aprovar vários projetos de cunho sociais que tanto beneficiou os bichos mais carentes, os bichinhos mas necessitados do Reino animal. O mensalão era recursos oriundos da contribuição de todos do Reino e de recursos injetados maliciosamente, nas mãos dos partidos da base aliada pelos empreiteiros e empresários do Reino para pagar os debutados e sonhadores e autoridades judiciárias com a finalidade do Governo Geral em aprovar suas propostas, seja de interesse pessoal, partidário e ou social. De qualquer
forma não deixa de ser um câncer pernicioso ao contribuinte. Com a aprovação dessa Lei, nosso astucioso compadre Cauré, vibrou de alegria e entusiasmo, haja vista em tão pouco tempo de escola política, aprendera rapidamente todos os meandros da política nefanda para se reeleger e se perpetuar no poder daquele Pequeno Reino. Logo chegou o período de eleição e o nosso amigo Cauré conseguiu se reeleger detinha em suas mãos o poder por mais quatro anos e o Pequeno Reino aos poucos foi se transformando num antro de corrupção. A corrupção é um cancro que não vem só, traz no seu bojo muitas consequências negativas. A prostituição infantil aumentou desavergonhadamente, o consumo do narcotráfico invadiu o Reino e até as escolas, as praças viraram palco de confrontos violentos de animais jovens, aumentou o número de assassinatos, de suicídios e todo tipo de infortúnio que se possa imaginar. Aquele Reino, que outrora fora tão pacato tão tranquilo de se viver não era mais o mesmo. Onde sempre as famílias costumavam se reunirem para conversar e ver seus filhos brincando e correndo pela praça, também já não era mais assim. Só restavam reminiscências saudosas daquele memorial inesquecível. Os animais mais antigos quando se encontravam punham-se a comentar com saudades, entre elas, o quanto eram felizes e não sabiam. A situação foi ficando cada vez mais melindrosa. Compadre Cauré se perpetuou mesmo no poder,
enraizou como um tumor maligno naquele Reino. Aquele tão promissor Reino caíra nas mãos erradas e ninguém ousara reagir contra. Decorreram quase que uma década e meia e aquele Pequeno Reino, entrou em total falência. Não havia remédios na selva, não havia mais curandeiros no Reino nem autoridades. Compadre Cauré praticamente não resida mais no Pequeno Reino. Compadre Cauré tornara-se um dos bichos mais ricos e influentes do Reino “milagrosamente”. Aquela pequena ave algoz, com visão aquilina e instintos murinos, conseguiu não se sabe até hoje como, a façanha de enriquecer de tal forma que não perdia mais uma eleição se quer. Ganhava todas. Era capaz de eleger quem quer que o apoiasse para lhe “substituir” no comando do Reino. Assim o fez. Elegeu sua amiga Coruja para lhe suceder. Foi um mandato conturbado, não pela Coruja, que era uma avezinha dócil, ingênua e honesta. É que o danado do Cauré ficou na retaguarda comandando tudo. Manipulava com facilidade os bichinhos manipuláveis e arregimentou um grupo de séquitos que eram fiéis aos seus pensamentos e suas atitudes inescrupulosas. Com exceção de dona Coruja, que sempre fora uma ave honesta, honrada e de boa índole. Se alguém ousar dizer que dona Coruja desviou algum níquel do erário do Reino, está mentindo. Mas Cauré e seus fiéis escudeiros fizeram isso por ela. Depois dos altos e baixos do governo de dona Coruja, compadre Cauré retoma o poder, tendo como seu vice o amigo Tuiuiú.
Compadre Ariramba, distante dali, nada sabia, no seu entender, seu Pequeno Reino, vivia um verdadeiro mar de rosas, ledo engano caro amigo. Um verdadeiro Tsunami de corrupção havia devastado impiedosamente aquele Pequeno Reino. A violência de um modo geral se instalara naquele Reino de animais pacato. A pobreza tornou-se iminente a todos que por lá passavam. A saúde dos bichos do Reino estava em coma. A educação não saiu da alfabetização, salvo alguns casos isolados, aqueles bichos predeterminados e a maioria dos filhos de seus apaziguados lograram êxitos. Passaram-se mais quatro anos e surge outra eleição para o Pequeno Reino, no caso do nosso amigo, seria outra reeleição. Só que desta vez, compadre Cauré, vendo que o barco estava preste a naufragar, propõe alianças com os pretensos candidatos, coloca para escanteio seu amigo Tuiuiú e toma como seu vice o Avestruz e conta com o apoio do Tatu-Canastra que dizia a todos que nunca, jamais se aliaria a tal figura. Mas vai entender a cabeça desses bichos políticos. Um Crocodilo, do Reino maior, já dizia que na política vale tudo só não vale perder e a Hiena do Deserto de Calarari, discípulo de Crocodilo, também dizia que para ganhar um pleito, se fosse preciso vender a mãe, que vendesse embora depois não a entregasse para o comprador, ambos foram preceptores de Cauré imaginem! Mais uma vez compadre Cauré leva a bicharada no bico e se fortalece, na campanha. Com o seu novo vice o Avestruz, vai pra disputa, mais uma vez polarizada, com o nosso amigo Macaco Prego. Desta vez
adivinhem quem ganhou? O nosso velho amigo e compadre Cauré com uma larga vantagem de votos. Compadre Ariramba, levava uma vida simplória, no Reino vizinho, mas contudo, levava uma vida justa, honesta e honrada como sempre fora. Filho daquelas Arirambas que nidificam, nas margens dos rios, nos barrancos, conhecidas também por Matracas. Um animal predador ictiófago muito respeitados pelos outros onde quer que estivesse, pela sua postura, pelo seu modo de conduzir a vida com sabedoria e muito respeito aos direitos e às coisas alheia. Mas ficava indignado quando alguém lhe dizia que seuPequeno Reino estava passando por tais situações de melindres, nas mão de seu velho compadre Cauré. Não acreditava ou não queria acreditar, pois desde sua tenra infância, sabia que seu compadre Cauré não era confiável, mas lera um livro de um humanóide, chamado Lavoisier, do Reino Franco, bem distante dali, que dizia: “Na natureza, nada se acaba tudo se transforma”. Quem sabe que compadre Cauré não teria se transformado numa avezinha justa e honesta? Como já estava se aproximando sua aposentadoria, compadre Ariramba, retorna ao seu torrão natal, para comprovar a situação vexatória que se instalara em seu Reino. Chegando lá, a decepção foi inevitável e desagradável, quando compadre Ariramba viu o estado de penúria em que se encontrava seu velho e Pequeno Reino, não conteve suas lágrimas. Bateu-lhe uma enorme tristeza e um grande remorso por ter, de uma certa forma, contribuído para aquele caos babilônio que se instalara
em seu Reino. Velhos amigos seu e filhos dos seus velhos amigos haviam se suicidados e sido assassinados, filhos de amigos seus tornaram-se marginais e assassinos e outros foram embora para nunca mais voltar. Compadre Ariramba parou diante do Paço governamental com seu coração dilacerado e sangrando em ódio. Indignado e bastante acabrunhado, mais uma vez, não se conteve. Rolaram lágrimas a cântaros no seu enrugado rosto. As lagrimas vertiam de arrependimento, de vergonha, de tristeza e indignação por ter ajudado a delegar poderes ao seu maldito compadre Cauré, que a partir daquele instante havia ultrajado e imaculado sua alma de uma boa Ariramba. Se afastando dali, sentou-se no banco da praça, com seu pensamento a divagar pelo horizonte, aos poucos foi se recompondo e voltou ao normal e começou a pensar calculadamente no que ia dizer ao seu compadre Cauré, quando tivesse oportunidade de estar frente a frente com ele. A ave de rapina agora era uma autoridade e por sinal autoridade máxima do Reino, era necessário agendar uma hora para poder receber seu velho amigo compadre de outrora. No outro dia, compadre Ariramba, saiu rumo ao Paço governamental, para ter com seu compadre Cauré uma conversa tete a tete como se diz e ouvir suas explicações sobre o caos que se encontrava seu Pequeno Reino, se é que isso tem explicação. Chegando lá, na recepção, foi recebido por uma linda jovem Columbina, que o recebeu com muita educação e em seguida o interrogou dizendo
o que o trazia àquele órgão e de onde teria vindo. Com o olhar distante e sofrido disse que queria uma audiência com o seu compadre Cauré. A jovem elegante ao andar, como uma girafa, nas passarelas, levantou-se e foi anunciar ao Cauré, a chegada do seu amigo compadre de longas datas. Retornou dizendo que a agenda da autoridade máxima estava lotada, pedindo-lhe desculpas delicadamente pediu-lhe que passasse um outro dia. Pacientemente compadre Ariramba foi embora se despedindo da jovem e bela Columbina. No outro dia, lá estava compadre Ariramba, com toda sua paciência e sabedoria que lhe acompanhavam. A jovem Columbina o recebeu delicadamente e quando a jovem se levanta para anunciá-lo ao alcaide, Ariramba pediu-lhe que dissesse ao Cauré, que quem estava querendo falar com ele, era seu velho amigo e compadre pescador de longas datas e que foi o mesmo que o ajudou a chegar no poder há anos. Minutos depois a jovem volta dizendo que Cauré havia dito que não tinha nenhum compadre e principalmente pescador que o ajudara a chegar no poder e que a conquista do poder teria sido exclusivamente dele. Diante de tal disparate Ariramba quase perde as estribeiras, mas sabiamente contornou seus ímpetos e respirando fundo disse à jovem: “Por favor, minha filha, diga {quele infeliz que quem está aqui é o compadre Ariramba e que eu não vou arredar o pé daqui enquanto ele não me receber. A jovem foi num pé e voltou num outro e disse, já meio assustada, que o doutor Cauré o ia receber assim que se livrasse de uma pilha de documentos que tinha para
assinar. Ariramba esboçou um sorriso irônico pelo doutor e meneio a cabeça em sinal de desaprovação da palavra. Quase duas horas depois de chá de cadeira, na recepção, compadre Cauré aparece e diz: -Quem quer falar comigo? Sou muito atarefado e não posso perder tempo! Ariramba levanta o dedo e diz: -Sou eu doutor! -Eu quem? -Seu velho compadre. -Compadre? Que compadre? -O seu amigo compadre Ariramba e amigo de pesca. -Não me lembro de nenhum compadre, ainda mais pescador. Ariramba já próximo de perder a paciência se põe de pé e abre os braços dizendo ironicamente: -Não lembra de mim compadre Cauré? Cauré vendo que não tinha escolha e conhecia a reação do compadre quando enfurecido, tenta fazer uma brincadeira para disfarçar o abuso. -Ah sim compadre Ariramba! Também o senhor metido nessa indumentária tá mais pra uma Zebra do que uma Ariramba!? Compadre Ariramba, mesmo explodindo de raiva e indignação, respirou fundo e educadamente sapecou: -Qual nada compadre! Quem sou eu para ser comparado a uma Zebra. Zebra é seu pai, sua mãe e toda sua família seu filho de uma Égua. -O que é isso compadre?! Não precisa ofender! Afinal somos amigos e compadre de longos tempos.
-Éramos amigos! Vim aqui para ouvir explicações suas pelo caos em que se encontra nosso Pequeno Reino. Mas pelo visto perdi mais uma vez meu tão precioso e honesto tempo. Sua falta de caráter, sua falta de honestidade e sua ironia explica tudo. Quanto arrependimento carrego comigo, quanta vergonha e tristeza levarei para meu túmulo. O senhor não só acabou com o Reino, mas acabou também com a dignidade de todos e a razão de viver de muitos é por isso que o suicídio tem se acirrado em nosso reino. Para poder ir embora com um pouco de orgulho que me resta, vou repetir a frase de um dos bichos muito inteligentes, lá do Reino das Américas. Não me recordo o nome dele, mas a frase sim. Ele dizia que: “O último refúgio de um canalha é a política”. O velho amigo de todos, compadre Ariramba, se foi pra nunca mais voltar, porém com sua alma lavada e pensando.“Se quiseres conhecer bem um homem delegue poderes a ele”. FIM
CONTO VI MENINO PERALTA, HOMEM RESPONSÁVEL.
Desde sua tenra idade, entre suas peraltices e brincadeiras de menino, já demonstrava seu caráter forte, sua personalidade firme, seu coração bondosos e aos poucos se configurava, naquele menino, o destino de um grande homem. Filho de seu José um cearense afobado como ele só. Seu José era nascido de mãe alagoana e pai sergipano. Seu filho Caramuru era filho de uma mestiça, morena dos cabelos cacheados muito bonita chamada Iaci. Caramuru, era seu nome de pia, como todo menino do interior, gostava de andar com seu estilingue nas mãos (baladeira). Só não pendurava no pescoço e nem balava urubu porque era danado para puir e quebrar a baladeira. Era um exímio balador, (atirava bem com o estilingue) quando estava no interior, balava alguns passarinhos para comê-los assados ou para fazer iscas e pescar peixes saborosos. Mas quando passava uma temporada na cidade, principalmente na capital, fazia das suas travessuras, balando as lâmpadas dos postes das ruas e empinava papagaio de papel. Os manduquinhas, (polícia de patrulha na época) eram os que mais se incomodavam com as peripécias do menino, mas o danado do menino sempre dava um jeito de ludibriar os policiais e sair em disparadas. Havia nele um grande defeito! Não gostava de ir para a escola. Sempre no caminho para a escola, aparecia um infeliz para lhe fazer mudar de rota. Chamando-o para brincar de bolinha de gude, ou de pião, ou de estilingue para
depredarem as lâmpadas, ou então para dar uma ligeira (briga), como ele mesmo chamava. Haja vista que o menino Caramuru, nunca levou desaforo para casa. Sempre resolvia suas pendengas na hora. Era um garoto decidido e resolvido. Porém, nunca procurou uma confusão com ninguém. Mas sempre tomava as dores dos mais fracos. Desde muito jovem não gostava de injustiça e nem admitia que alguém humilhasse outra pessoa em sua frente. Seu lema era: “Seja sempre uma pessoa humilde, mas humilhada jamais”. Já quase alcançando a pré-adolescência, resolveu seu pai, levá-lo da cidade para o interior novamente para ajudá-lo na extração dos produtos nativos que havia com abundância em suas terras. Logo de início, Caramuru, foi trabalhar na extração de seringa verdadeira (hévea brasiliense), dessa árvore, era retirado o látex, seiva de cor branca, chamada por aqui de leite de seringa e depois era defumado e transformado em pele de borracha. Caramuru contava na época, uns dez anos de idade, hoje seria amparado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) mas seu pai seu José, que era um homem trabalhador, honesto e cumpridor dos seus deveres, porém muito severo, na criação e na educação dos seus filhos, que não eram poucos, cerca de meia dúzia e depois chegou aos nove filhos, juntando os dois casamentos, precisava no momento, daquele filho até porque não queria estudar.
Caramuru, como foi dito, era ainda um menino, mas que cedo bem cedinho, antes do dia clarear, tinha que cair naquela selva, molhada pelo orvalho da noite fria e gélida de verão, mesmo no escuro ia trilhando, caminhando pela quilométrica estrada de seringas e cortando (sangrar) a madeira da árvore leitosa com um objeto chamado de “rasqueta” faca de seringueiro, várias árvores da hévea brasiliense por dia para extrair o látex. Por ser pequeno demais, o menino nutria um enorme temor (medo) de andar pela estrada de seringa, àquelas horas da madrugada, tendo em vista ali haver vários tipos de animais ferozes e animais peçonhentos. Por isso abdicou de sua baladeira e passou a usar “como sua proteç~o”, uma faca peixeira de seis polegadas. Como na época não havia lanternas, nem de pilhas, nem de baterias recarregáveis e nem de LED, Caramuru,
usava como instrumento para alumiar sua trajetória de madrugada, um artefato caseiro chamado PORONGA. Era feito de uma metade de lata de óleo comestível ou óleo lubrificante ou até mesmo uma lata de leite e tinha como suporte uma pequena tábua, com um cabo e um recipiente com o nome de lamparina, com um pavio interno de pano ou estopa, com uma ínfima saliência alimentada por querosene branco ou gordura de animal era colocada na cabeça ou era segura com as mãos pelo cabo. Seu grande amigo e companheiro era um cachorrinho vira-lata, que atendia pelo nome de chocolate devido sua cor marrom-escura. Que para poder acompanhá-lo, na difícil jornada, o menino Caramuru, tinha que conduzi-lo dentro de uma sarrapilha ou estopilha como é conhecido por aqui. O receptáculo era feito de sacos de estopa ou de pano que vinha dentro café em grãos e açúcar. Ambos com uma lista em verde e amarela representando as cores da bandeira do Brasil que às vezes serviam até de indumentária para os seringueiros e suas respectivas famílias. O problema maior, era que o animalzinho, tinha que ser carregado por um período, ou seja por uma boa e longa distância da barraca do seringueiro (casa) e só então o bichinho manhoso, era colocado ao chão para não sair desembestado na carreira de volta sem o seu dono rumo ao tapiri (casa). Mas o problema maior ainda, surgia, quando o chocolate se defrontava com um córrego ou uma poça de água que precisava molhar suas patinhas para alcançar o outro lado. Todo seringal, por mais que
a extração do látex, seja no período do verão, aqui acolá você vai precisar molhar os pés numa poça de água ou num pequeno igarapé que sempre existe. O cãozinho, parecia que desde pequeno já sofria de hidrofobia, quando se deparava com qualquer poça de água, àquelas horas da madrugada, abria o berreiro a uivar a todo pulmão. Como grunhido de porco, cantar de galo e uivar de cachorro chama onças a distância era um Deus nos acuda. O sofrimento do garoto redobrava. O medo era tamanho que invadia sua alma. Mais que depressa o garoto voltava correndo para pegar o chocolate no colo e com muito carinho o conduzia ao outro lado da água. Isso companheiros, era a rotina de todo santo dia ou melhor de toda santa madrugada daquele menino herói. É como diz um grande narrador de futebol da televisão: “Haja coraç~o”!!! O menino foi crescendo, crescendo e tempo foi se passando e cada fábrico vencido a cada jornada cumprida o nosso herói já acima dos doze anos, ia se tornando cada vez mais independente do seu pai. No início de cada fábrico, é como se chama por aqui a dura jornada de trabalho do mato, na extração de produtos, seja na seringa ou na empreitada de castanha do Brasil ou ainda qualquer outra atividade, do caboclo ribeirinho. O menino fazia seu aviamento, seu rancho debitado em sua conta e no final dos trabalhos, o menino ladino, pagava sua conta e tirava saldo. Com esse saldo, às vezes suado e muito sofrimento, noites mal dormidas e cansaços físicos, o garoto, todo feliz comprava suas roupas, seu calçado, sustentava seu
infame vício que era o cigarro de tabaco e aqui e acolá tomava uma talagada de cocal com seu preferido tiragosto de caju. Caramuru, já com quatorze anos, tirou um gordo saldo, conversou com seu pai e com o consentimento do mesmo, foi passar uma temporada na capital. Reencontrou seu grande amigo de estripulias que junto com seu pai, tinham uma relojoaria e ourivesaria, que o chamou para trabalhar junto a eles. Caramuru não pensou duas vezes e inteligente como ele era, logo, logo foi tomando gosto pelo ofício e aprendendo a lidar com o material aurífero, confeccionando anéis, alianças e outros similares. Trabalho novo, vida nova, agora na selva de pedras, sem os perigos da Hileia Amazônica, o jovem mancebo ainda imberbe, começara a fazer planos para o seu futuro e sonhar com a vida urbana e as maravilhas que a grande cidade lhe proporcionava. Nada de resolver estudar infelizmente. Com seus quinze anos, já gostava de sair para as baladas com os amigos e as garotas chamadas de “vida f|cil” para curtir a noitada. Como era de menor, cobria, com tinta escura, seu lábio superior para que parecesse um bigode e com isso conseguia burlar os homens da portaria dos salões de danças. Caramuru, devido a sua miscigenação, era um rapaz moreno alto, magro, cabeleira que nem a de Álvaro Maia (antigo governador do Amazonas), ostentava traços dos jovens do Oriente Médio e acima de tudo era um verdadeiro péde-valsa. Quando chegava nas festas, o mulheril o cercavam e adoravam dançar com aquele dançarino das
noites. Fazendo com que o grande pé-de-valsa suasse sua camisa. Mas como tudo que é bom dura pouco, a boa vida daquele jovem não durou muito. Mais uma vez seu pai precisou do seu trabalho lá no interior. Após uma longa conversa entre seu pai e ele. O pedido daquele sangue que lhe corria nas veias o convenceu a voltar àquela vida de selva outra vez, mesmo a contra gosto do seu amigo e do pai do seu amigo ourives. Ficaram para trás seus amigos, garotas, boa vida e um trabalho promissor, já que os estudos não o atraia, e aceitou para ajudar seu pai, que no momento precisava muito de sua ajuda e o rapaz fora se embrenhar na selva para tornarse um seringueiro e um castanheiro na selva amazônica, não que isso deprecie alguém, longe disso! Todo trabalho honesto é nobre seja ele qual for! Caramuru, no verão era seringueiro e no inverno castanheiro, sempre nas terras de seu pai. Era início de agosto, a água não havia baixado muito. As embarcações atracadas com fortes cabos de piaçava subiam rio acima. O rio ainda estava muito cheio, mas já se via acentuadamente os tombos das duas cachoeiras ao passar por cima delas rumo às colocações do seringal. Eram entre quatorze a dezesseis homens trabalhadores incluindo aí, Caramuru e seu pai. A maioria dos homens eram casados e levavam sua esposas e alguns já tinham filhas moças e filhos rapazes. Em cada ponto de parada, conhecido como paragem, já em suas canoas de tolda de palha, movidas a remo e voga, juntavam-se tantos os casados como os solteiros, depois do jantar, menos as crianças, para fazerem suas
cantorias (seresta). Eram bastante animados, mesmo em meio àquela selva exuberante. Havia no grupo, um cabra bom de cavaquinho, outro fazia quase que chorar um violão de três quartos, um outro dava espetáculo no pandeiro e nenhum passou por uma escola de música e outros se revezavam no gogo incluindo Caramuru. Aí o coro comia (a festa) até algumas horas da noite. Aqui acolá atendiam a um pedido especial, quando as mulheres solicitavam suas músicas preferidas e quando era final de semana, a seresta ia até altas horas da noite. Depois cada um tratava de atar suas redes, nas árvores e iam descansar para no outro dia continuar a jornada de viagem. Às cinco horas da manhã já estavam todos de pé, faziam o café, que era torrado e moído em casa e logo após o de jejum geralmente era uma farofa de carne, de paio ou peixe assado, cada qual embarcava em sua canoa, usando remos vogas ou varejão, esse último era uma vara forte comprida que servia para impulsionar com rapidez, as canoas, com suas extremidades, nos locais mais rasos. Essa peleja levava vários dias de sacrifícios exaustivos para chegarem aos seus destinos. Ao chegarem nas colocações iam se dispersando, aos poucos. Iam ficando um, dois até três seringueiros, dependendo da colocação, até chegar na última colocação. Logo que chegavam, no seu local de trabalho, iam cuidar de fazer seu tapiri, fazer o defumador (a fornalha), limpar as estradas e entigelar as seringueiras (recipiente que apara o látex chamada de tigela que era colocada bem próximas às seringueiras). Só depois começavam a labuta pra valer.
DEFUMADOR (A FORNALHA) Caramuru e seu pai seu José, foram ficar na última colocação, numa ponta de terra que fazia confluência com outro igarapezinho. Foi lá onde o Judas perdeu as botas, que os dois, pai e filhos ficaram. Se acamparam e fizeram todo aquele processo que tem que ser feito, antes de começarem a retirar o látex das seringueiras e transformá-los em pele de borracha. Os dois, pai e filho, tinham um ponto em comum. Nutriam em si, uma opinião de competição, no trabalho e não gostavam e nem admitiam produzir menos que seus companheiros. Apesar de serem os donos do seringal. Caramuru, já com dezesseis anos nas costas, trabalhava e produzia que nem homem grande, de igual pra igual. A competição era amistosa e honesta. Todo dia saiam pai e filho, porém por estradas diferentes, muito antes do
alvorecer, às vezes no início da madrugada, com sua faca de seringueiro (rasqueta), sua poronga na cabeça ou na mão e seu balde, que assim como as tigelas e as lamparinas eram feitos de folha-de-flandres. Ao cortar ou sangrar a seringueira, as tigelas eram embutidas no final do corte para aparar o látex que lentamente escorria de cima para baixo. O balde era um recipiente, dependendo do tamanho pegava de um a dois frascos, onde o leite era conduzido para o tapiri. A espingarda ou rifle, eram gêneros de primeira necessidade, mas tornava-se um grande incômodo conduzi-lo durante o trabalho. Só em estrema necessidade que era levado junto com as tralhas do seringueiro. Por isso que além de todos esses apetrechos de trabalho, o seringueiro tinha muita fé em Deus. A rotina desses homens, produtores de borracha, não era nada fácil. Saiam pela madrugada e voltavam, dependendo da cada estrada, já com o sol a pino ou mais. Quando chegavam no tapiri, colocavam o látex numa enorme bacia de alumínio, colocavam uma dose de amoníaco para não coalhar o leite e iam tirar cavaco de madeira bem resistente e dura, com machado, ou iam catar coquinho de inajá para serem usados como combustível na defumação do látex. Quando tinham o que comer tudo bem, caso contrário, isso já com o entardecer bem adiantado, iam procurar pegar uns peixes (traíras, carás e outros peixes miúdos) ou tentar capturar uma caça. Não tento êxito, voltavam para a barraca, com mais fome ainda, e na boquinha da noite saiam para zagaiar peixes ou matar uma paca quem
sabe. Se essa última alternativa falhasse, aí sim, era o jeito fazer um mingau de farinha de mandioca com sal ou um café bem forte para tomar com farinha. Caramuru já dizia que todo seringueiro que chegava ao final da temporada de seringa estivesse rechonchudo, não havia produzido nada. Só fez comer e dormir, pois, todo seringueiro que produzia e tirava saldo, voltava da temporada esquálido, só cabeça, osso e olho. Num desses dias ou madrugada, a sorte não acompanhou nosso amigo Caramuru. Saíra do tapiri bem cedo como de costume, fora para mais um dia de árdua labuta. Seu pai também saiu para outra estrada. Caramuru, agora tão cheio de sonhos, muito vigor, entusiasmo e perseverança, ia assobiando alegremente, rasquetando uma seringueira ali outra acolá e o resto da noite se dissipou rapidamente, dando lugar ao alvorecer de um novo dia. O sol já subia majestosamente entre as árvores, o vento do forte verão açoitava com veemência as variadas folhas verdes da selva intocável, produzindo um farfalhar ensurdecedor aos ouvidos dos que ali estavam fazendo assim uma sonora harmonia com o pipilar dos surucuãs, dos bicos-de-brasas e o aterrorizante cantar do pássaro balateiro que já fez muitos cabras correrem e se tremerem de medo, sem ver o quê. Mas, nosso garoto fora criado tanto na cidade como no interior e conhecia todos os sons dos bichos da selva e, além do mais, era forte, corajoso e destemido, porém, tanta euforia, tanto entusiasmo e tanta coragem, fez com que o moço, por uma fração de segundos, não enxergasse embaixo de uma palha seca de ubim-açu
(tipo de palha que serve para cobertura de casas) lá estava enroscada, dormindo um sono profundo, uma das maiores e mais peçonhentas cobras assassinas de parte da América do Sul e América Central. A surucucupico-de-jaca, que ao sentir os pés daquele rapaz pressionar seu corpo, desferiu uma picada violenta, inoculando em seu sangue, com suas presas injetoras, todo seu líquido venerífero.
SURUCUCU-PICO-DE-JACA Sua peçonha tem uma toxina que rapidamente se alastra pela corrente sanguínea abalando todo sistema nervoso da vítima, desestruturando todo movimento corpóreo. Primeiro ataca a visão, ficando turva, depois a vítima começa a sangrar pelos fios capilares e em seguida a coordenação motora começa a ser afetada. Se não houver, logo um socorro médico, dentro de poucas horas, o paciente chega a óbito rapidamente. Mas a
distância que o separava de um socorro médico, era de centenas de quilômetros e o meio de transporte eram canoas movida a voga e remos e, levava dias até chegar numa comunidade mais próxima, onde existiam pequenos barcos movidos a diesel. Teriam que enfrentar duas fortes cachoeiras para pegar outro barco maior e mais rápido ou um avião da FAB, se tivesse sorte, para chegar à capital. Nosso amigo mancebo, ao sentir o impacto numa de suas pernas, olhou para baixo e viu ligeiramente aquele enorme e asqueroso animal peçonhento, se enroscando e se preparando para dar outro bote. Caramuru, mais que depressa reconheceu aquele animal e recuou, com cuidado, um passo atrás e saiu andando de costas, mas logo sentiu sua visão ficando opaca, passou a mão pelos cabelos e percebeu que estavam minando sangue e logo sentiu seus músculos se contraindo. Para sua sorte, se é que podemos falar assim, o grande animal de peçonha, se recolheu se enroscou e voltou ao seu pesado sono debaixo da palha seca de ubim. Caramuru, saiu caminhando com dificuldade, fazendo um esforço hercúleo para ficar de pé, cambaleando por entre as árvores conseguiu andar uns dez metros e caiu sem sentidos no chão coberto por folhas secas. A cobra só não foi procurá-lo porque ela sabia que não podia engoli-lo como alimento. Tendo em vista que a cobra com sua língua bífida, consegue ouvir, medir o tamanho e a distância de suas vítimas, mesmo tendo pouca visão e pouca audição.
Após alguns minutos caídos no solo, nosso garoto começa a recobrar gradativamente os sentidos. Sentouse por alguns minutos e em seguida lembrou-se de gritar por seu pai. Gritou, gritou e gritou por várias vezes seguidas. Qual nada! A distância era longe demais para que o grito humano rompesse aquela densa hileia amazônica. Foi aí que vendo a morte rondando em sua volta, começou a bater-lhe um desespero quase que incontrolável. Aquele menino peralta que tanta estripulia fizera em sua vida, relutava com toda suas forças para sobreviver. Aquela toxina que inundara seu sangue aos poucos ia dominando seus músculos e sua alma. Mas como sempre fora um menino, hoje já quase um homem adulto, decidido, destemido e determinado e nunca havia se quer levado desaforo para casa, fincou os pés no chão e começou a gritar outra vez por seu pai a todo pulmão, vendo que não houvera resultado, saiu andando roboticamente a procura de uma sapopema. Por sorte logo a encontrou. Com sua faquinha peixeira de seis polegadas cortou um forte cacete e com toda força de sua alma e o espírito de sobrevivência golpeou a sapopema, fazendo-a a ecoar por centenas de metros de distância. Havia entre eles, os seringueiros, um código de batidas para se fazer entender na comunicação. Incluindo nas situações de perigos e emergências. Num período curto de tempo a outra sapopema ecoou naquele ermo de meu Deus. Era seu pai afobado como ele só, em resposta ao apelo de seu filho. Daí em diante a comunicação fora ficando cada vez mais próxima. A medida que os minutos se passavam, que
pareciam horas, seu velho pai vinha rompendo mata, espinhos e cipoal como um louco para socorrer seu rebento, pois as batidas lhes informara que o mesmo estava em sérios perigos. Logo, logo os dois se avistaram, pai e filho, em meio àquela densa selva. O pai chegou mais morto do que vivo de tanto correr. Ofegante e sem condições nenhuma de falar ou esboçar quaisquer reação. Seu filho já um pouco mais calmo, ainda sentindo bastante dores pelo corpo, pediu para o pai se acalmar e conter seus ânimos. Ânimos controlados e o cansaço amenizado, o seu José perguntou ao filho o que haveria acontecido? O filho com muita dificuldade, esticou o braço direito e apontou com seu indicador a touceira de ubim-açu e disse para aquele homem angustiado ir com deveras cuidado e reparar debaixo da folha seca caída, que lá estava a surucucu que o mordera. Dito isso, o homem quase entra em pânico. O susto foi devastador, pois aquele simplório homem do interior, mesmo não tendo nenhum conhecimento científico sobre a toxina daquela cruel peçonha inoculada em seu filho, mas sabia do poder destruidor daquele terrível animal e ao perceber que pelo toco do cabelo e pela gengiva do rapaz fluíam sangue vivo esbravejou “maldita”!!! O desespero, o ódio, a fúria inundou seu corpo e sua alma. Parecia coincidência, mas não foi, nesse dia seu pai havia levado seu rifle papo amarelo, pegou o rifle com muita determinação, colocou a bala na agulha e foi com imenso cuidado e ódio do animal, não era pra menos, foi até a touceira de ubim-açu e lá estava a fera
dormindo como se nada tivesse acontecido, debaixo da folha seca. Sem titubear seu José, apeou cinco balaço no bicho, esfacelando sua cabeça e deixando seu corpo se contorcendo no chão. Me perdoem os protetores de animais silvestres, mas numa hora dessas é difícil um homem, por mais racional que seja, conter seu ímpeto. De volta ao local, onde seu filho estava, com bastante dores e pensamentos nebulosos que não paravam de lhe atormentar, seu José, com sua alma lavada e seu coração transbordando de preocupação devido aquele momento de melindre, improvisou uma muleta ao filho e saíram aos trancos e barrancos em direção ao tapiri. Chegando lá, no tapiri, não havia nada para comerem, mas quem é que pensa em comida nessas horas? Já era muito tarde e de comida só tinha uma fêmea de jabuti e, segundo a tradição dos antigos, jabuti e outros animais fazem mal às mulheres paridas, pessoas acidentadas ou quem tem qualquer tipo de enfermidade, principalmente picada de cobras venenosas, não se pode comer esses bichos porque é reimoso. Agrava a situação do paciente. A longa caminhada, cambaleando e numa perna só, tornou-se um martírio e enfadonha. Os ânimos e os nervos estavam em frangalhos. Seu pai, só tinha em mente, buscar urgentemente recursos humanos para ajudar a transportar seu filho para onde tivesse socorros médicos o mais rápido possível porque lá não havia nada de primeiro socorros e cada vez mais que as horas se passavam, seu filho agonizava moribundo no fundo de uma rede e o risco de perder a perna ou chegar a óbito se agigantava.
Seu José, chamou seu filho Caramuru que parecia dormir, conversou com ele, explicando que havia necessidade de ir atrás de pessoas para ajudá-lo. O filho meneou a cabeça que sim concordando. O homem fez as devidas recomendações do que o filho podia e o que não podia fazer, principalmente comer algo reimoso ou se molhar. De canoa fazia muitas voltas lhe custaria tempo, por terra havia um atalho que encurtava bastante o caminho. Optou pelo último, se despediu do filho com coração dilacerado pela dor de deixá-lo ali enfermo e sozinho e se foi, dizendo que antes do anoitecer estaria de volta com seus companheiros da colocação vizinha, que eram dois homens destemidos, para ajudar na condução do mesmo e descerem o igarapé em busca de recursos. O sol já se punha por sobre as frondosas árvores de terra firme. Pegou seu rifle e seu terçadinho quinhentos e saiu mais afobado do que já era. O filho, embora adormecido, deixava escapar alguns gemidos bem baixinho. A pressa de chegar era tamanha, que o pai do garoto, foi fazer o atalho costumeiro do caminho e se variou, chegando a se perder e ficar sem rumo de chegada. Mais afobado ainda, seu José, começou a tirar rumos para ver se saia daquela enrascada e cada rumo que tirava, só andava em círculos e saia sempre no mesmo lugar. Se fosse supersticioso, poderia imaginar que estava sendo atraído por uma grande jiboia ou estaria ele sofrendo mais uma das travessuras do Curumim-do-mato, o Curupira. Mas isso nem lhe passou pela cabeça. O
nervosismo com o filho que deixara deveras enfermo, a ansiedade em conseguir ajuda que lhe consumia a cada instante não permitiu quaisquer pensamento dessa natureza. Depois de rodopiar por vários rumos mal sucedidos, o sol já se declinavaem meio a selva fechada e o dia ia aos poucos se esvaindo, dando lugar à noite que logo, logo ocuparia seu espaço. Antes que aquela mata fechada ficasse totalmente enegrecida, procurou um galho grosso de uma árvore bem alto do chão para se apoleirar e passar a noite. Dormir era impossível! Lá pelas tantas da madrugada desabou um pé d’agua daqueles torrenciais! Um toró dos que fazem jabuti ficar preso nos galhos mais altos. A chuva foi forte até às cinco da matina. O frio no seu corpo, era como longos espinhos de marajás lhes furando a pele, a carne e os ossos, causando-lhe um frenesi incontrolável. Seus músculos e nervos, de tanto ficarem encolhidos, estavam enrijecidos. O dia já raiara. A chuva amenizou, mas n~o passou. O igarapé e os baixões d’|gua transbordavam com folhas secas e paus bubuiando. Com muito esforço, aquele lânguido homem, quase se desesperando, desceu da árvore, esticou-se todo para amolecer os nervos e os músculos para dar continuidade o que se propusera fazer. Seu semblante era de um homem funéreo. Passara a noite pensando no filho prostrado no fundo de uma rede. Já não tinha mais certeza se o rapaz estava vivo ou morto. Mas tinha que continuar em busca de socorro para o seu filho. Isso o mantivera firme e determinado.
Quando o dia clareou bem. O homem, agora afobado e angustiado, retomou sua busca por recursos humanos para seu filho moribundo. Hora andava, hora corria e assim ia seu José e sua via crucis. Lá pelas dez da manhã, parou um pouco de caminhar. Sentou-se numa enorme raiz triste e pensativo. Os pés abarrotados de espinhos de marajás. Sua vestes dilaceradas e seus membros inferiores e superiores todos retalhados pelo navalhão. Grande capim da família das ciperáceas, também conhecido como navalha-de-macaco, com serrilhas nas laterais e cortantes. Cansado e com muita fome, com as mãos apoiando o queixo, pensava no seu querido filho. Pensava como e quando iria sair daquele grande marasmo em que se metera. Sem norte, sem rumo a tomar e o estômago ardendo de fome. Mas como sempre fora um homem resoluto, persistente, determinado e um bom pai de família, instintivamente pôs-se de pé. Olhou em sua volta e viu algumas palmeiras. Retirou uns palmitos e fez sua primeira refeição já com mais de vinte e quatro horas da última. Seu pensamento foi direto no filho que lá estava enfermo, com fome e sozinho. O coração começou a não caber dentro da caixa toráx e os olhos ficaram marejados. Pensou, pensou e aos poucos foi recobrando sua razão. Olhando para seu terçadinho quinhentos, fincado no chão, viu a sombra do lado oposto do terçado e descobriu a real posição do sol. Cheio de esperanças e agora já confiante em si, tirou outro rumo, sabendo que naquela direção sairia às margens do igarapé. Só não sabia a que distância ou altura do igarapé estava e ou se já havia ultrapassada a
colocação dos companheiros que ia buscar, mas que ia sair em algum lugar da margem sabia! Andou mais de uma hora naquela direção sem parar e mudar de rumo. De repente ouviu um grunhido estranho ou um grito não soube identificar no momento, mas como vinha do mesmo rumo que estava seguindo, continuou a caminhar, aguçando seus ouvidos. Ao se aproximar do barulho estranho, percebeu que a terra ia se tornando declive cada vez mais. Andou mais um pouco e viu um baixão e muita água e o barulho misterioso vinha do outro lado do baixão. Não pensou mais que duas vezes. Meteu os peitos n’|gua e foi nadando naquele rumo, em se aproximando da outra margem viu que era um bando (vara) de porcos do mato (queixadas), fuçando e chafurdando, procurando o que comer. Se aproximou mais um pouquinho daqueles animais selvagens, com a água até os joelhos, pegou seu rifle, deu um tiro para o alto e gritou para afugentá-los. Ledo engano. Os bichos ficaram revoltados e se agruparam e marcharam juntos para atacá-lo. Correram em sua direção batendo os queixos, fazendo um barulho ensurdecedor. Sem alternativa o homem recuou e teve que nadar todo tempo pelo meio do baix~o d’|gua. Nadou uns cem metros água abaixo, correndo perigo de ser abocanhado por um enorme jacaré açu ou por uma não pequena sucuri que lá havia muito. Quando não ouvia mais o barulho dos porcos, tirou pra margem para não perder de novo o rumo que tomara antes. Chegando à margem saiu em silêncio, desceu beirando a água uns vinte metros ou mais. Encontrou uma sapopema e sapecou-
lhe as batidas necessárias para dizer a longa distância que precisava urgentemente de ajuda. Com um espaço de cinco minutos ouviu a resposta que precisava de seus companheiros em outra sapopema. A esperança, a felicidade e a alegria fizeram aquele lânguido homem se agigantar de todas as formas. Bateu na sapopema mais uma vez com mais força ainda para se certificar e tirar o rumo certo. A resposta veio imediatamente. Agradeceu aos céus e á Santa Rita, de quem era devoto, e correu desesperadamente. Nessa hora, a chuva já havia passado. O sol estava a pino. Depois de quase meia hora de corrida agitada naquele rumo, com seus amigos a cada dez minutos batendo na sapopema, parou ofegante a um clarão. Recobrou o fôlego. Encheu os pulmões de ar e gritou com alma. Seus companheiros logo ali estavam e lhes responderam. Estavam à margem da estrada de seringa com seus baldes já abastecidos do látex esperando o amigo, seu José, fumando um cigarro de tabaco de corda e muito apreensivos, pois sabiam que boas notícias não eram pelas batidas na sapopema. Assim que ambos se avistaram, o homem desesperado e muito afobado foi logo perguntando se estavam longe da barraca? Os dois em uma só voz os responderam que não estavam muito longe não e foram imediatamente interpelando-o querendo saber o que acontecera de tão grave? A resposta foi na bucha mesmo ofegante. O homem conseguiu falar, dizendo que seu filho e companheiro de barraca, havia sido picado por uma enorme surucucu-pico-de-jaca pela manhã do dia anterior, que saíra imediatamente em busca de socorro,
que se perdera inexplicavelmente e que não tinha mais certeza se o filho ainda estava vivo. Os dois amigos disseram: “Ent~o vamos, sem demora, voltar para a nossa barraca, pegar a canoa e subir agora para sua colocação, socorrer o nosso jovem guerreiro que com a graça de Deus ainda esta vivo nos esperando senhor”. E assim foi feito. Chegaram no tapiri, embarcaram na canoa com tolda de palha, cortaram uns cambitos (vara com ganchos) para engatá-los nos ramos mais fortes e andarem mais rápido. Mesmo porque todo igarapé enxurrado corre por demais. Ao adentrar da noite, cuidadosamente foram se aproximando do tapiri, onde estava o jovem mancebo acidentado, tentando ouvirem algum barulho que o denunciasse que ainda estava vivo. O jovem adormecera de tanto esperar pelo socorro, mas aqui acolá deixava escapar um tímido gemido proporcionado pela aquela dor insuportável. Quando aportaram sem fazer barulho. O pai ouviu o gemido do seu filho Caramuru e não se conteve. Mesmo sendo um homem forte de espírito e durão, com a voz embargada e lágrimas no olhos gritara bem alto: “Com os poderes de Deus e de Santa Rita de Cássia, meu filho ainda está vivo”. Ouvindo a voz trêmula do pai, que parecia distante, também não se conteve, deixara gotas de lágrimas rolarem em seu rosto. Incomodado pela demora de seu pai, chegara a pensar, que algo de ruim havia acontecido com seu pai e que seu fim, aos dezesseis anos, seria ali, naquele lugar inóspito, longe de todos e de tudo que mesmo com sua pouca idade já havia vivido altos e baixos.
Assim, que os socorristas subiram o barranco, seu pai e os dois amigos, foram imediatamente preparando o retorno, não havia muito tempo a perder. Teriam que enfrentar a corredeira daquele igarapé enfurecido pela enxurrada com bastante habilidade. Seu pai como sempre afobado, que era sua característica, começou a pegar as coisas que iriam precisar. Só o básico mesmo. Quando sentiu um forte odor de carne já em estado de putrefação que exalava com a brisa noturna, dentro do tapiri e mais que incomodado, interpelou o filho, mesmo temendo ouvir uma resposta assustadora, o que seria aquele mal cheiro tão forte? O filho, embora sentindo ainda muitas dores, esboçou um sorriso desconfiado e respondeu que era da fêmea do jabuti que matara para comer o fígado assado porque a dor da fome também estava sendo insuportável. Com medo do efeito colateral do animal, que segundo a superstição é muito reimoso. Virou-se para o filho retrucando-lhe: “Meu filho! Você não tem medo de morrer comendo esse animal reimoso?” O filho com outro sorriso nos l|bios respondeu-lhe que: “Entre morrer com fome, meu pai! É preferível morrer de barriga cheia”. Os quatro se entreolharam e os dois, pai e filho, começaram a rir e se abraçarame, os dois companheiros, também não contiveram aquele momento de descontração puseramse a rir-se. Passado aquele momento inesperado de euforia, às pressas começaram a se arrumarem para zarpar igarapé abaixo. Seu José foi na frente para esgotar a canoa, (secar a água do porão) pois o cuidado era grande para que o rapaz não se molhasse. Nem os
pés podiam ser molhados! Porque, segundo a tradição, faz mal ter contato com água quem é picado por animais peçonhentos. Os dois amigos cortaram um tronco de árvore comprido e resistente, ataram os punhos da rede, cada um na extremidade do tronco, assim como os escravos carregavam antigamente os seus senhores, desceram o barranco e puseram-no no estrado da canoa, forrado com redes e lençóis, e o embrulharam com seu cobertor, de algodão. O garoto, ainda gemendo de dor, partiram os quatro homens. Um na proa da canoa e o outro na popa para pilotá-la. Tendo em vista que esse tipo de transporte e dada as circunstâncias do igarapé era necessário muita habilidade para conduzir o veículo principalmente o piloteiro. Até porque a bordo vinha um paciente picado por cobra e não podia nem se quer molhar os pés! Seu pai sentou-se no banco do meio da canoa, com a poronga na cabeça para clarear o caminho, com uma mão ia desviando os matinhos molhados que roçavam na beirada da canoa e respingava água para dentro e com a outra empunhava uma cuia para secar o barco que cada instante balroava nos troncos e a água caia para dentro da canoa, do banzeiro que fazia. Seu José sempre cobrava mais perícia dos amigos canoeiros. A maior preocupação era pra não molhar o paciente! Nem os pés! Por vários momentos a canoa quase vai a pique. Seu José só faltava colocar o coração pela boca. Mas lá pelas tantas da madrugada a quilha da canoa, prendeu a uma jacitara (espécie de palmeiras de caule alongado, imitando um cipó, com pontiagudos espinhos e muito resistente) e inesperadamente a canoa
emborcou, a poronga apagou e todos foram parar no fundo do igarapé, quando seu José quis segurar seu filho moribundo, a correnteza já o havia levado igarapé abaixo. Á sua frente só via uma cortina negra e se ouvia o barulho das águas que desciam entre os troncos. Perderam tudo. Apavorado e muito afobado, seu José, começou a gritar pelo filho, junto com os outros e agarrados no jacitaral (porção de jacitaras). As mãos eram só espinhos. Quando ouviram a uns sessenta metros de distância em meio a escuridão o rapaz responder “Estou aqui”!! Os três, largaram-se do jacitaral e juntos foram descendo, de bubuia, até chegarem próximo do rapaz. Seguraram-no pelos braços, sempre todos agarrados em algum galho. Sabiam pra onde estavam as margens do igarapé, mas não sabiam qual estava mais perto deles. Em meio aquele momento babilônico, de repente um casal de pacas no cio, começaram a correr e emitir sons. Foi quando perceberam que estavam a uns cinco metros de distância da margem esquerda. Fizeram, naquela escuridão, uma fila indiana e foram se puxando pelas ramas das árvores e logo alcançaram a terra com os pés. Subiram na terra. Juntaram-se um de costas para os outros para se aquecerem e esperarem o dia clarear. Na atual conjuntura perderam até a noção do tempo, não sabiam as horas. A água desse igarapé é fria de doer os dentes! Principalmente quando estava de repiquete! Quando o dia amanheceu, o sol foi logo esquentando. Os dois amigos foram procurar a canoa e acharam-na
emborcada presa na jacitara, sem a tolda e o estrado. Esgotaram-na e foram procurar os remos, que são feitos de madeiras flutuantes, e, estavam logo ali, numa enseada, onde passaram o resto da noite, aí é que foram perceber que estavam a uns cem metros de distância do penúltimo tapiri e logo a frente estava a última colocação. Remaram mais algumas horas e saíram na foz do igarapé. Ficaram ali uns dois dias esperando um barco maior para continuar viagem. O vento geral, que as vezes leva até três dias para se acalmar, estava muito forte e a canoa não suportava o banzeiro. Assim que o vento geral foi amenizando viram lá no estirão do rio, um ponto branco, era um regatão, amigo do pai de Caramuru e os socorreu imediatamente, levando-os para mais próximo da primeira cachoeira e esperar outro barco que os passassem pelo tombo que estava muito agitado e os levassem à foz do rio. Depois de esperarem por mais alguns dias, sem nenhuma medicação, passou outro barco mais potente, também, o dono do barco, era conhecido de seu pai e os deu carona, passando pelos dois tombos das cacheiras perigosamente, mas não havia outra alternativa, viajaram, viajaram e viajaram até chegarem a foz rio e lá ficaram esperando outro barco passar para levá-los à capital. Mas dias de espera. Já completara o décimo quarto dia, sem sequer ser medicado ou tomar qualquer tipo de medicação. No décimo quinto dia, ao amanhecer, o outro barco passou e os levou até Manaus, chegando lá, depois do meio dia, seu pai tomou um taxi e só então o rapaz foi atendido por um médico no hospital. Ao
examiná-lo minuciosamente o médico meneando a cabeça negativamente, chamou o pai de Caramuru ao particular e disse que o mesmo corria sérios riscos de perder a perna e se demorassem mais algumas horas perderia a vida pois a perna do rapaz já estava necrosando. Foi um burburinho medonho. O pandemônio se instalara naquele hospital. Seu afobado pai quase tem um enfarto, mas com muito profissionalismo o médico conteve os ânimos do pai do garoto. Ordem instalada, no ambiente hospitalar, o pai voltou a se calmar e o médico pode continuar a explicação e concluiu seu diagnóstico, voltando ao paciente pediu para iniciar o tratamento. Em seguida voltou com a receita, onde prescrevera vinte e cinco injeções de penicilina para tomá-las todo dia até a última. Passados alguns meses, nosso amigo mancebo, já estava completamente restabelecido. Totalmente curado. Passando-se mais ou menos dois meses de repouso o rapaz voltou em seguida a seu ofício rotineiro na selva. No verão extração do látex das seringueiras e no inverno extração de castanha do Brasil. Completando dezoito anos alistou-se no Exército Brasileiro e foi servir à Pátria. Aquele menino peralta, se tornara um homem, deixou suas peraltices infantis, mas ainda continuava não levando desaforo para casa e sempre, sempre defendendo os mais fracos. Talvez fosse esse o grande receio de seu pai em não deixá-lo morando na capital, longe do seu domínio e do seu controle. Mas agora
estava crescido, estava ganhando maioridade e estava servindo a Nação Brasileira. Aquele uniforme verdeoliva dava-lhe um certo respeito e de quebra era um grande atrativo do mulheril. Como o rapaz não teve muito tempo pra se divertir, na sua infância e nem na sua adolescência, nada mais justo do que viver aquele grande momento que a vida lhe proporcionava. Nunca gostou de ser humilhado, aliás ninguém gosta, e nem de ver ninguém sendo humilhado. Seu lema era: “Seja sempre humilde e nunca humilhado”. Aqui e acol| vivia sempre envolvido em confusões, não que as procurasse, mas sempre em defesa de um amigo ou de alguém mais fraco que estava sendo oprimido por outro. Primeiro tentava o diálogo para contornar a situação, não havendo saída, aí sim decidia no braço e resolvia a situação de conflito. Um dia estava praticando esporte depois do almoço, no quartel, quando um sargento exaltado e abusado pelas três divisas de terceiro sargento, que ostentava o braço, começou a usar e abusar de sua autoridade, no campo de futebol, para humilhar um recruta que nada havia feito. Foi quando Caramuru se aproximou dos dois, os outros soldados em volta rindo e debochadamente da situação, ninguém se atrevia contrariar o sargento porque o bicho era vingativo e metido a arroz com casca, Caramuru foi se aproximando, se aproximando e ao pedir encarecidamente para aquele algoz parar de humilhar aquele pobre de espírito e humilde recruta que estava “aceitando” tudo passivamente. O sargento com toda sua empáfia, que lhe era peculiar, vendo que
se tratava de um outro recruta, tentou fazer a mesma coisa que havia feito ao outro e depois o ordenou que ficasse calado e que Caramuru o tratasse como superior se não a coisa ia ficar difícil pra ele. Caramuru retrucou dizendo que todo homem merecia respeito seja ele qual fosse. O abusado sargento disse que não estava vendo nenhum homem à sua frente. Caramuru disse que estava apenas pedindo que parasse de humilhar o rapaz. O sargento usando de sua “autoridade” esbravejou dizendo se ele não se calasse a coisa ia piorar pro lado dele. Foi quando Caramuru disse que a porrada que dava num recruta era a mesma que dava em um sargento folgado se fosse possível. O sargento cheio de fúria disse se Caramuru fosse homem e se tivesse coragem como fala, que desse a porrada nele. Caramuru não esperou a segunda ordem. Plantou a mão no pé do ouvido do abusado sargento que foi parar no chão quase surdo. O sargento levantou mais abusado ainda e valente. Partiu pra cima de Caramuru com os dentes trincados. Caramuru recuou um passo atrás e segurou com mais força ainda e bem certeiro que o cabra caiu no chão outra vez com o pescoço dolorido que não voltou mais pra buscar outra. Da feita que levantou saiu de mansinho e foi buscar a PE para prender o soldado. Caramuru não resistiu a prisão e acompanhou de PÉS até o xadrez do Exército. Passados alguns dias, o nosso passarinho lá na gaiola, quando veio a lista de soltura dos que iam ficar livres. O cabo do dia foi lendo os nomes até acabar e o nome de Caramuru não constava na lista. O capitão que o
acompanhava perguntou ao cabo se o nome daquele soldado que restou não estava na lista. Perguntou do soldado como era seu nome o que fizera pra esta ali há v|rios dias? O soldado se identificou dizendo: “Soldado Caramuru 905 senhor e estou aqui porque deu dois tapas num sargento senhor”. Indignado com o acontecido o oficial disse que o mesmo merecia passar mais alguns dias na gaiola para respeitar seus superiores e deu meia volta e saiu. Mas o cabo que sabia do acontecido e não ia também com as fuças do sargento, apressou o passo, se aproximou do capitão, pediu permissão para falar-lhe e disse qual era o sargento que havia apanhado. O capitão abriu um sorriso, deu meia volta volver e se aproximou das grades do xadrez e disse: “Você est| solto 905. Só quero saber depois os detalhes da ocorrência. O soldado intrigado com a situação perguntou porque estava solto? Ora, ora ainda perguntas? Você foi o único que teve coragem de enfrentar e quebrar a crista daquele sargento imbecil. O Capitão intrigado com a situação perguntou porque o havia agredido? 905 respondeu-lhe: “Capit~o, quando eu entrei aqui, fui informado para obedecer as ordens dos meus superiores. O sargento ordenou que eu o batesse e eu cumpri a ordem”. O Capitão fez um esforço enorme para não rir-se diante do soldado, mas que foi hilário foi.Longe de mim querer julgar alguém, mas aquele sargento era insuportável mesmo. Caramuru, agora livre continuou sua vida rotineira. Quartel, casa e suas baladas nos salões de festas da
cidade, da época. Sempre com seus amigos e aprontando aqui e acolá das suas travessuras. Numa ocasião, junto com seus colegas de rua, não estava de serviço, diga-se de passagem, amarrou cem foguetinhos, ateou fogo e jogou pela janela do ônibus de madeira, no horário de rush. O veículo estava lotado. A medida que os explosivos iam estourando simultaneamente, os passageiros gritavam e corriam, mesmo imprensados, de um lado para o outro. O motorista teve que fazer um esforço hercúleo para que o automóvel não capotasse e com muita habilidade conseguiu estacionar o carro e controlar os passageiros depois que os explosivos acabaram. Dentre essas e outras, foram muitas as peripécias de Caramuru. Mas já dizia Lavousier: “Na Natureza nada se acaba tudo se transforma”. É verdade! Incluindo o ser humano. Caramuru, depois de tantas peripécias, tantas farras e tantas noitadas resolveu mudar de vida. Mas isso só foi possível quando conheceu uma linda moça de família. Pertencente às famílias de classe média, na época. Bem criada por sua tia e seu esposo, um grande homem, um ótimo jornalista policial e conhecido por toda sociedade da capital. Essa linda moça de origem russa, Ivanova era seu nome. Moça fina, bem educada, inteligente, séria, honesta e bem prendada. Foi uma paixão avassaladora a primeira vista, de ambas as partes, que se transformou em um grande e eterno amor. Os dois se conheceram e em seguida começaram a namorar. Mesmo à revelia dos familiares da moça. Ivanova, resolveu viver aquele único e eterno amor. Sua família tentou impedir de todas as
formas que aquele amor se desenvolvesse e frutificasse. Não era para menos, chegou aos ouvidos de seus familiares, uma péssima reputação daquele rapaz. Para piorar a situação, ainda sentava praça. Haja vista que mulher de soldado não era bem vista no seio da sociedade de classe média em diante. Quanta hipocrisia! Além do mais era um rapaz interiorano e não tinha muito poder aquisitivo para dar a essa linda jovem o conforto e vida que ela ostentava. Sempre fora uma moça que vivera a vida toda na cidade e daí ir morar no interior, era demais para aquela família de classe média. Como já foi dito, contrariando a tudo e todas, de sua família, Ivanova e Caramuru, enfrentaram as adversidades da vida e da sociedade, deram continuidade àquele namoro proibido e resolveram se casar. Na Igreja e no Civil. Já casados, Ivanova e Caramuru, não tendo recursos e nem apoio dos familiares dela, mesmo se tivesse seu marido não aceitaria, o rapaz levou sua linda princesinha para habitarem no interior, nas terras de seu pai. Caramuru fora trabalhar com seu pai na extração dos produtos naturais e construir sua vida ao lado do seu grande amor. Logo de início, aquela linda e refinada moça, estranhou a nova vida, as mudanças foram bruscas, não conhecia nada do interior. Sua vida fora sempre estudar, ler bons livros, ir ao cinema e assistir ótimos filmes,participar de aniversário e jantares com a família. Mas o amor que nutriam um pelo outro era forte como uma rocha. Seu alicerce e suas pilastras eram feitos de amor pétreo.
Viviam naquele momento uma felicidade impar e extremos abençoados pela mão Divina. As diferenças sociais e a barreira imposta pela sociedade que pareciam intransponível, fora habilmente vencidas pela cumplicidade de um amor puro, eterno e verdadeiro. Foi através desse amor tão especial e uma dedicação exclusiva àquele homem, que também a amava muito, e aquele rapaz que outrora fora peralta quando garoto e que não levava desaforo para casa, que Ivanova gradativamente foi conseguindo transformá-lo em um grande homem, um excelente marido e um ótimo pai. Ela, ótima esposa e mãe dedicada. Por isso é que se diz sempre: “Ao lado de um grande homem existe uma excelente mulher”. Tiveram sim suas divergências, seus alto e baixo como todo casal tem. Mas sempre fora suplantado pelo grande amor que os uniam. Ivanova costumava dizer que: “Quando um n~o quer dois n~o brigam”. Caramuru trabalhou, trabalhou muito como nunca para não decepcionar sua amada e para dar um conforto, não como o tinha antes, pois seu recursos eram parcos, mas conseguiram viver com dignidade. Essa grande mulher, o fez ver e sentir um mundo diferente do que o via antes. Ivanova costumava ler muito para seu marido. Isso a ajudou fazer o homem que depois fora. Um homem calmo, justo e conselheiros dos filhos e netos.
JARARACA-AÇU (BOTHROPS JARARACA) Caramuru ainda fora picado por mais duas cobras. Duas jararacas açus num espaço de poucos dias. Sobreviveu a todas. A primeira picada foi tão terrível quanto a da surucucu, mas menos perigosa, até porque já trazia sempre no seu estojo de primeiros socorros um aparelho de aplicar injeção e soro anti-ofídico. A segunda já não fez tanto dano como a primeira. Nem dor sentiu. Não se sabe porque. Caramuru trabalhou sempre ao lado de seu pai. Nunca o abandonou. Conseguiu comprar um barco e foi viver e dirigir seu próprio negócio. Dedicou a pescaria, mas não abandonou seu velho pai. Com esse novo trabalho, conseguiu se equilibrar economicamente. Garantindo o sustento de sua família. Sua linda esposa e quatro filhos. Sempre que podia ajudava seus companheiros de luta. Era adepto do socialismo. Caramuru, não era muito íntimo com as letras, mas tinha consigo, uma leitura de mundo inconfundível.
Prestava atenção com muita habilidade tudo que se passava em torno de si sem fronteiras. Aprendeu com seus sofrimentos e dedicação memorável e sábia da sua linda esposa. Aprendeu que o ser humano vem a esse vasto mundo de meu Deus para sempre fazer o bem não importa a quem. Aprendeu a pensar, aprendeu a perdoar e a ser tolerante com seus semelhantes. Aprendeu acima de tudo a dar conselhos a todos que o cercavam. Muitas vezes, sentado ou deitado, na proa de seu barco, observando as estrelas ou a lua surgindo lá no horizonte, conversando com sua amada esposa, seus filhos ou os amigos próximos costumava dizer: “O mundo dar muitas voltas e numa dessas voltas você reconhece os valores da família, os valores da sociedade e a importância de cada um ser vivo desse mundo, principalmente minha gente, os valores humanos, porque esse mundo, é uma grande revelaç~o”. E, quando queria brincar um pouco e arrancar sorrisos de seus familiares e amigos bem próximos, gostava de citar, boêmio como fora, a célebre frase de Noel Rosas: “J| fui louco, resolvi tomar juízo. A velhice vem chegando é preciso”. FIM
Aluízio Bastos Júnior O autor, Aluízio Bastos Júnior, é funcionário Público Estadual, graduado em Pedagogia pela Universidade federal do Amazonas-UFAM. Homens de vida simples que aprendeu desde cedo com seus pais o valor da vivência e procurou passar para nós seus filhos essas lições, e agora passa para seus leitores essas histórias que nos fazem conhecer um pouco desse modo de vida. Por ser sua filha sinto-me honrada em participar desse momento em que meu pai se lança na literatura, desde cedo acompanhei as diferentes formas dele se expressar através de seus manuscritos, seus poemas, seus manifestos, que de certa forma me incentivaram e me introduziram no mundo da leitura e me fez apaixonar pelo universo literário e agora tenho o privilégio de acompanhar a leitura de uma obra tão completa. Desde um mundo de sonhos de duas ribeirinhas, de um nordestino que veio em busca de sua riqueza no Amazonas, de pedófilos que não se dão bem como muitos que conhecemos de soldados em festa, de um nefasto mundo político de um reino animal até as peraltices de um jovem que aprendeu desde cedo o valor da honestidade, podemos perceber a semelhança, que até pode não ser mera coincidência, com o nosso
cotidiano real, onde o interesse pessoal muitas vezes acaba sobrepujando o interesse da coletividade e deixando pra traz valores tão necessitados hoje em dia de se ver. Então vamos embarcar nessa viajem ao mundo dos contos e nos divertir com essas intrigantes historias! Lia Bastos Gonçalves Pereira