A INFLUÊNCIA DA RELIGIOSIDADE NO PROCESSO DE SAUDE- DOENÇA DOS PACIENTES EM HEMODIÁLISE Antonísia Ribeiro da silva Julio Mauricio dos Santos
Introdução Trata-se de um estudo qualitativo com o objetivo de conhecer a importância de religiosidade no processo saúde-doença dos pacientes
em
hemodiálise. O referencial metodológico usado foi uma entrevista semi estruturada, composta por perguntas abertas e fechadas. Participaram deste estudo 134 pacientes mantidos no tratamento de hemodiálise que vêm ao presente hospital três vezes por semana, do interior e capital, todos maiores de 18 anos.
Breve histórico Vivemos em uma sociedade que cada vez mais se recusa a seguir o curso natural da existência humana, essa sociedade se recusa a aceitar a doença como parte do processo natural da existência humana. Assim, a doença é vista como uma ruptura com a saúde, que não significa a mesma coisa para todas as pessoas, “dependerá da época, do lugar, da classe social. Dependerá de valores individuais, dependerá de concepções científicas, religiosas, filosóficas”. (SCLIAR, 2007 p 30) Assim, a medicina com seus avanços tecnológicos reafirma esse pensamento ressaltando a vida a qualquer preço, e os indivíduos que compõe essa sociedade que já não tem soluções terapêuticas para seus problemas, buscam incessantemente a cura das mais diversas doenças, nos mais diversos meios religiosos. É nesse contexto que a medicina se entrelaça com a religião, muito embora essa relação perpassa ao longo dos séculos. Historicamente o conceito de saúde e doença sempre estiveram ligados, para os antigos hebreus, a doença não era necessariamente devida à ação de demônios, ou de maus espíritos, mas representava, de qualquer modo, um sinal da cólera divina, diante dos pecados humanos. “A doença era sinal de desobediência ao mandamento divino” (SCLIAR, 2007 ).
Em outras culturas era o xamã, o feiticeiro tribal, quem se encarregava de expulsar, mediante rituais, os maus espíritos que se tinham apoderado da pessoa, causando doença. O objetivo é reintegrar o doente ao universo total, do qual ele é parte. Entre os índios, o conceito de morte por causa natural ou mesmo por acidente praticamente inexiste: sempre resulta da maldição de um inimigo. Ou, então, conduta imprudente: se alguém come um animal tabu, o espírito desse animal vinga-se provocando doença e morte. A medicina grega nesse contexto histórico representa uma importante inflexão na maneira de encarar a doença. Hipócrates de Cós (460-377 a.C.), intitulado pai da medicina afirma que a doença chamada sagrada não é, em sua opinião, mais divina ou mais sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural e sua origem supostamente divina reflete a ignorância humana. Ainda assim, a medicina sofreu grande influencias com as ideias de René Descartes, com seu famoso dualismo mente-corpo, afirmando ser o corpo uma maquina perfeita. Por tanto é indispensável ressaltar que a medicina e a religião sempre caminharam juntas, e esse entrelaçamento tinha como objetivo primordial entender que a doença era o caminho para o entendimento do que é a vida e aceitação da morte. Assim segundo Roberto (2004) a medicina, desde sua remota história, intuísse a interação dos fatores espirituais na saúde, somente agora eles estão sendo estudados cientificamente e com seriedade.
Espiritualidade e Religiosidade Antes de falarmos de religião e cura, é preciso ressaltar o conceito desenvolvido por Mesquita, et al. (2013) no que diz respeito de espiritualidade e religião, que indescritivelmente não conceitos diferentes e que não põem ser confundidos. “Espiritualidade pode ser compreendida como a essência de uma pessoa, uma busca de significado e propósito na vida. Já a religião pode ser definida como uma expressão parcial da espiritualidade, praticada por meio de tradições sagradas, transmitida pelo patrimônio cultural, acompanhada de dogmas e doutrinas”.
Doença e Religiosidade A experiência do encontro com a doença é penosa, pois ameaça a ordem e o sentido de organização de vida que uma pessoa estabeleceu para si mesma. A experiência de sentir-se doente pode e na maioria das vezes é o que ocorre levar o indivíduo a se sentir frágil, desprotegido, desesperado e angustiado. Sem as promessas da ciência, há uma dependência em relação a outros meios que auxiliem na resolução de suas aflições, dores e sofrimento. É nesse momento, portanto, quando suas condições de saúde atingem uma 'situação limite', quando se encontra perante a racionalidade da medicina moderna cada vez mais técnica e menos humana, que ele passa a buscar algo 'sobrehumano', transcendente, sagrado, capaz de solucionar seu problema. Assim, segundo Corrêa (2006) o sagrado passa a ter seu potencial vinculado à recuperação. A vida da pessoa é ameaçada quando ela se depara com o sofrimento, com doença e o luto, e desse modo ela busca apoio na religião, acreditando que isso se deva ao fato de ser a medicina um complexo de pesquisas e de conhecimentos altamente especializados, um verdadeiro corpo teórico, mas desvinculado do aspecto espiritual, sem levar em consideração individualidade e a espiritualidade.
Religiosidade e Cura Muitas pesquisas tem sido realizadas em todo o mundo abordando espiritualidade e saúde, principalmente sobre a influência da fé, oração, meditação,
mentalização,
imposição
de
mãos,
estados
alterados
de
consciência, experiência de quase-morte, interferência de entidades espirituais, reencarnação, perdão, no diagnóstico e tratamento das doenças. Essas pesquisas têm apontado para uma influencia significativa entre a religião e alguns fatores como: cura de enfermidades graves, altas hospitalares, doenças cardiovasculares e imunológicas. Trazendo o
conceito de religião:
(SANTOS, KOLLER E PEREIRA,
2004) ressaltam que a “religião expressa uma busca de vinculação da pessoa ao divino”. A religiosidade permite à pessoa compreender os significados dos eventos como parte de um propósito ou projeto mais amplo, mediante a crença
de que nada ocorre por acaso e de que acontecimentos da vida são determinados por uma força superior. Segundo Bousso, Serafim e Misko (2010) a religião possibilita, ainda, a crença de que tais eventos podem levar ao crescimento pessoal como sabedoria, equilíbrio e maturidade. A religião é um recurso comum, com efeitos benéficos ao ajustamento à doença e crenças importantes para a pessoa, que a faz sentir menor culpa e necessita de menor número de informações. Assim o construto Espiritualidade teria um valor intrínseco para avaliação em saúde ao oferecer um referencial de significados para o enfrentamento da condição de doença.
Metodologia Para responder ao objetivo proposto neste estudo, utilizou-se a abordagem qualitativa. O método qualitativo é recomendado quando se conhece pouco a respeito de um fenômeno ou se pretende descrevê-lo de acordo com o ponto de vista do sujeito, aplicando-se, portanto, à questão que norteia esta pesquisa. Considerando a natureza deste estudo, e acreditando na importância de se estudar os fenômenos sob a perspectiva das próprias pessoas, em seus contextos de vida, optou-se, aqui, por uma entrevista semiestruturada seguido de um questionário com vinte e sete perguntas abertas e fechadas.
Resultados Foram entrevistados 134 pacientes dos 03 turnos, todos maiores de 18 anos,
entre homens e mulheres, do interior e da capital,
que estão em
tratamento substitutivo de hemodiálise no presente hospital. Tabela 01 _______________________________________________________________ Estado civil
Sexo
Solteiro 27,61% Casado 50% Viúvo 7,46% Divorciado 7,46% União estável 7,46%
Renda familiar
Masculino 53% Feminino 47%
Até 500 7,46% 500 a 1000 66,41% Acima de 1000 26,11%
Beneficio
Sim 74, 62% Não 25,37%
Total = 134 entrevistados
Na tabela acima, identificamos que, 53% desses pacientes são do sexo masculino, 50% deles são casados, 66,41% recebem em media um salário mínimo e 74,62% recebem o benéfico social. Tabela 02 Religião
Tempo de religião
Mudou de religião
Praticante
_______________________________________________________________ Católico 56% Evangélico 35,07% Adventista 2,23% Espírita 2,23% Outros 4,47%
1 ano 1 a 3 anos 3 a 5 anos + de 5 anos
6,71% 10,44% 5,22% 60,44%
Sim 37,31% Não 62,68%
Sim Não
68,65% 31,34%
Total = 134 entrevistados
Na tabela acima, 56% dos entrevistados afirmaram que são católicos, 68,65% disseram que pratica sua religião, 60,44% frequentam suas igrejas a mais de cinco anos, e que 62,68% afirmaram que nunca mudaram de religião.
Tabela 03 Reside com: Filhos
Nº de pessoas
Acompanhante
60,44%
Esposo (a)
10,44%
Irmão (a)
53%
2 a 6 pessoas
89,55%
Sozinho
6%
+ 6 pessoas
4,47%
Outros
1 pessoa
6%
Sim 57,46% Não 42,53%
25,37%
Total = 134 entrevistados
Na tabela acima, 60,44% dos entrevistados afirmaram residir com seus filhos, 89,55% relatam viver em suas residências com mais de duas pessoas, 57,46% afirmaram que vem realizar o tratamento acompanhados. Tabela 04 Parentesco com acompanhante Filhos Esposo (a) Irmão (a) Sozinho (a) Outros
Relacionamento com acompanhante
27,61% 29,86% 11,94% 22,38% 8,20%
Ótimo Bom Regular
52,23% 47,76% 0%
Total = 134 entrevistados
Na
tabela
04,
os
entrevistados
afirmaram
que
29,86%
dos
acompanhantes são seus esposos (a), 27,61% afirmaram que são seus filhos os acompanhantes, 22,38% afirmaram que vem realizar o tratamento sozinhos e
52,23%
afirmam
acompanhantes.
que
tem
um
ótimo
relacionamento
com
seus
Tabela 05 Tempo de tratamento Nº fistulas Nº cateteres _______________________________________________________________ Até 1 anos 36,56% 1 a 5 anos 41% 5 a 10 anos 13,43% Acima de 10 anos 8,95%
1 2 3 +3
64,20% 20,89% 11,19% 3%
1 2 3 +3
58,20% 23,88% 8,20% 9,70%
Total = 134 entrevistados
Na tabela 05, 41% dos entrevistados afirmaram que realizam o tratamento de hemodiálise a mais de um ano, 8,95 deles estão no tratamento a mais de 10 anos, 64,20% só confeccionaram uma fistula artério venosa e 58,20% deles implantaram um cateter. Tabela 06 _______________________________________________________________ Informações sobre a informação sobre o Relação com a Doença Tratamento Doença Bom Regular Ruim
77,61% 19,40% 3%
Bom Regular Ruim
78,35% 19,40% 2,23%
Bom Regular Ruim
63,43% 31,34% 5,22%
Total = 134 entrevistados
Na tabela 06, 77,61% dos entrevistados afirmaram que tem boas informações sobre a doença, 78,35% disseram que tem boas informações sobre o tratamento e 63,43% deles afirmaram que tem um bom relacionamento com a doença. Tabela 07 Estado frente a doença Negação Revolta Depressão Aceitação
20,14% 4,47% 5,22% 70,14%
Temperamento Introvertido 37,31% Extrovertido 62,68%
Postura Biófila 98,50% Necrófila 1,49%
Total = 134 entrevistados
Na tabela 07, 70,14% dos entrevistados afirmaram que aceitam a doença e sua condição atual de vida, 62,68% deles apresentaram um comportamento extrovertido e 98,50% deles tem uma postura biofila perante a vida.
CONCLUSÃO Os resultados deste estudo apontam para uma significativa estabilidade dos pacientes que apresentam uma religião mantida, cerca de 91% deles tem uma religião, 68,65% disseram que a praticam, 60,44% afirmaram que praticam a mais de 5 anos e 62,68% afirmaram que nunca mudaram de religião. Assim, 41% dos entrevistados afirmaram que realizam o tratamento de hemodiálise entre 1 e 5 anos, 64,20% confeccionaram 01 fistula e 58,20% deles implantaram 01 cateter. 63,43% apontaram que têm um bom relacionamento com a doença, já 31,34% afirmam ser regular esse relacionamento. 70,14% dos pacientes afirmam aceitar a doença e sua condição de vida atual, 62,68% apresentou temperamento extrovertido e 98,50% deles apresentam ter uma postura confiante perante a vida. O presente estudo traz a ideia da importância das crenças religiosas não só para facilitar o processo de aderência ao tratamento hemodialitico, como também, para enfrentar a morte da melhor maneira possível, já que a fé traz uma sensação de tranquilidade. O trabalho contribuiu para que possamos ver e compreender o mundo de diferentes formas, sempre buscando entender esse ser que adoece levando em consideração os fatores biológicos, psicológicos, sociais, ambientais e espirituais.
Referencias CORRÊA, Darci Aparecida Martins. Religião e saúde: um estudo sobre as representações do fiel carismático sobre os processos de recuperação de enfermidades nos grupos de oração da rcc em maringá, pr. 2006 Acesso em: 19/09/2013 Disponivel em: <http://eduemojs.uem.br/ojs/index.php/CiencCuidSaude/article/view/5179> BOUSSO, R. S; SERAFIM,T. S; MISKO, M.D; Histórias de vida de familiares de crianças com doenças graves: relação entre religião, doença e morte. 2010 Acesso em: 16/09/2013 Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlae/v18n2/pt_03.pdf> MESQUITA,
Ana
Cláudia
et
al.
A utilização
do
enfrentamento
religioso/espiritual por pacientes com câncer em tratamento quimioterápico. 2013 Acesso em: 15/09/2013 Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlae/v21n2/pt_0104-1169-rlae-21-020539.pdf> ROBERTO, Gilson Luís. Espiritualidade e saúde, Espiritualidade e Qualidade de Vida, Pontifícia Universidade Católica, porto alegre. 2004 Acesso em: 20/09/2013 Disponível
em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/digitalizacao/article/viewFile/1 0479/7391> SANTOS,E. C; KOLLER S. H; PEREIRA, M. T. L. N. Religião, Saúde e Cura: um Estudo entre Neopentecostais. 2004 Acesso em: 18/09/2013 Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S141498932004000300011&script=sci_arttext>
SCLIAR, MOACYR. História do Conceito de Saúde. 2007 Acesso em: 18/09/2013 Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/physis/v17n1/v17n1a03.pdf>