MAIS
AMOR
Editorial Por Allan Michael
NOTA
MS
Ao começar esse texto, fico me lembrando da primeira aula, onde o Felipe perguntou quais eram as expectativas com a matéria/curso. Respondi que a principal era conhecer autores LGBTs que contribuíssem com o resto da minha graduação e, consequentemente, com o meu (futuro) TCC. Agora, no final da matéria, depois da sequência de livros/artigos/textos lidos, posso ver o quão a escolha por essa matéria contribuiu muito além disso. Algo que o Felipe sempre enfatizou foi que a matéria teria o intuito de relembrar rostos/personalidades que não podiam ser esquecidas. Nomes, muitas vezes desconhecidos até mesmo pelos próprios membros da comunidade LGBT+, que mereciam, ou melhor, DEVERIAM ser lembrados e, de certa forma, eternizados. Não posso falar por todos, mas acredito que, numa perspectiva geral, esse objetivo foi alcançado por grande parte. Admito que eu não conhecia grande parte dos autores que foram trabalhados nas aulas e agora todos eles vão acabar influenciando em algo que eu faça no futuro. Nesse momento, os principais nomes que passam pela minha cabeça são o da Cassandra Rios, do Glauco Mattoso e do João Silvério Trevisan — embora esse último eu já conhecia um pouco sobre, principalmente sobre o trabalho no Lampião da Esquina. É engraçado pensar na quantidade de livros, artigos, textos que esses autores produziram/produzem e não ganha (ou ganhou) um reconhecimento midiático e acabou ficando somente em nichos específicos. Especialmente, a Cassandra, uma auReportagem Allan Michael Michael Rios Capa Camila Gardezani
FALTAS
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tora com tantas publicações ser tão ‘apagada’ da história da literatura nacional. Quando foi falado que teríamos que apresentar algo no sarau, fiquei um pouco receoso, embora não seja nem um pouco tímido, mas a ideia de algo aberto não era algo animador na minha cabeça. Depois de passado, penso que foi o ápice do curso, não só por ter a oportunidade de falar sobre algum artista/autor da comunidade que a gente admira, mas simplesmente pela liberdade, pela empatia, pelo acolhimento que todos sentiram. A construção desses espaços é sempre importante, então qualquer tentativa e execução, ainda mais tão bem sucedida, é digna de ser mencionada. Enfim, a experiência com a matéria foi incrível. Desde o momento em que descobri sobre a oferta dela (três semestres antes de finalmente conseguir) já tinha curiosidade sobre a mesma, e ela compensou em todos os níveis. Faço apenas duas críticas: uma a universidade, outra a alguns alunos. Primeiro, a “escolha” do local de aula (ao qual não culpo o Felipe e sim a universidade) por atrapalhar toda a dinâmica de conversa/debate das aulas; aproveitamento seria muito maior em uma sala menor, sem toda a imponência de um anfiteatro. Segundo, aos alunos que brigaram no Matrícula Web pela matéria e desistiram ao longo do semestre por saber que não levariam falta ou algo do tipo; vocês são péssimos e atrapalham quem, de fato, quer a matéria. Obrigado colegas, Felipe e Tatiana pelos poucos, mas ótimos, meses cercados de conhecimento LGBT+. Diagramação Michael Rios Fotografias Gustavo Cunha O Globo Michael Rios
Por Michael Rios
NOTA
SS FALTAS
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É possível transformar violência em arte. Foi essa a principal lição que tirei das aulas de Pensamento Brasileiro LGBT na Universidade de Brasília. A disciplina conseguiu surpreender, nos tirou da bolha e nos fez enxergar o país em que vivemos: aquele que mais mata LGBTs no mundo. Para quem nunca sofreu homofobia por seguir as regras e sempre olha em volta antes de poder dar as mãos ou beijar o namorado, isso é único. Literatura sempre foi um tema importante para mim, mas confesso que artistas como Cassandra Rios, Amara Moira e Glauco Mattoso dificilmente teriam me alcançado se não fosse a disciplina. Por isso quis criar essa revista, para divulgar o trabalho de mais artistas do movimento LGBT que realizam projetos incríveis. Como jornalista, a vontade de divulgar assuntos tão importantes fez surgir a MAIS AMOR - um espaço para conhecer como temos artistas fantásticos, mesmo que pouco conhecidos pela própria comunidade LGBT. Nessa edição zero conhecemos Cassandra Rios, o jornal Lampião da Esquina, o cenário teatral em Brasília e deixamos um convite para aqueles que querem participar da matéria no próximo semestre. Os agradecimentos vão ao orientador Felipe Areda por concordar com a ideia de fazermos essa revista ao invés do portfólio sugerido no início do ano letivo. A oportunidade de usarmos a escrita para unir o que aprendemos no curso de jornalismo em temas tão pouco debatido às vezes são mínimas - e devemos aproveitá-las ao máximo!
GRÁFICA: Central Park Conveniência Ano: 2018
Universidade de Brasília (UnB) Centro de Estudos Avançados e Multidisciplinares Pensamento Brasileiro LGBT - Turma A - 2018.1 Professor Felipe Areda
ÍNDICE
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Linha do Tempo
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JORNALISMO: LAMPIÃO DA ESQUINA
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TEATRO: Alexandre Ribondi
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LITERATURA: CASSANDRA RIOS
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RECOMENDAÇÃO: LEIA!
26 TEM MAIS
LINHA DO TEMPO LGBT 2011
1 OMS retira homossexualidade do “hall” de doenças
=
1º exemplar do jornal Lampião da Esquina passa a ocupar as prateleiras
2 1978 1990 1997 2000 2004 2004
1ª Parada do Orgulho em SP
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Benefícios do INSS são estendidos a companheiros gays
PENSAMENTO BRASILEIRO LGBT
5 Cartórios do RS passam a registrar casais gays
Sigla LGBT passa a ser utilizada
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Receita Federal autoriza reclaração de imposto conjunta de casais LGBT
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2008 2010 2011 2016 2018
1º Casamento LGBT no Brasil, em SP
10 Transexualidade deixa de ser classificada como doença mental
Decreto permite transexuais usarem nome social em órgãos federais
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JORNALISMO UM JORNAL PARA AS MINORIAS: CONHEÇA O LAMPIÃO DA ESQUINA Texto Allan Michael Fotos Gustavo Cunha
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Entre os anos 1978 e 1981, o Lampião da Esquina circulou nas bancas do país com o intuito de dar voz a minorias - homossexuais, mulheres, negros -, o jornal tinha pautas, até então, praticamente inéditas no jornalismo brasileiro: feminismo, sexualidade, aborto, racismo, drogas, etc. A equipe da revista Lótus Brasil conseguiu uma entrevista exclusiva com o jornalista Alceste Pinheiro. Na época com quase 30 anos, ele foi repórter, produtor e editor Lampião. O jornal inicialmente estava mais preocupado em retirar o “gay” da margem social. Já em sua fase final, se adaptou ao gueto e tornou-se mais ousado, contendo até mesmo ensaios sensuais e abordando temas mais polêmicos. O Lampião contou com 38 edições - incluindo a edição 0 - e chegou a 25 mil tiragens por edição. A equipe era formada por nomes como Aguinaldo Silva, João Silvério Trevisan, Edy Star, Ney Matogrosso, Celso Curi, Leci Brandão, Antonio Carlos Moreira, Winston Leyland (criador do pioneiro jornal Gay Sunshine, de San Francisco) e Alceste Pinheiro.
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ENTREVISTA .Qual o principal empecilho contra a circulação do jornal? Os mesmos que atingiam as publicações “artesanais” nesse período. Havia censura, sim, mas não tão intensa, como talvez sofressem outros jornais. Havia mais censura de costumes, porque o Lampião evitava tocar na questão política. Quando o fazia, abraçava meramente as diretrizes mais liberais. É que, nesse sentido, não havia unidade ideológica. Havia liberais, gente que tinha restrições gravíssimas à esquerda, dada a experiência dos gays em países ditos socialistas. Era um sistema pendular de produção. Quando se ia para um lado que desagradava o outro esse sistema de força e contra força funcionava e se obtinha um consenso em que os lados cediam. Essa foi uma das razões das dissenções internas que começam a ocorrer a partir do segundo ano do jornal. Claro que havia a censura de costumes. Os editores, em certa época, chegaram a ser processados e muitas vezes tiveram que comparecer à Polícia Federal para depoimentos. Em determinado momento, o Lampião foi vítima das ações contra bancas de jornal, por causa das quais muitos jornaleiros recusavam-se a receber exemplares para a venda. Mas não foi uma ação orquestrada contra o periódico, mas contra todos os que de algu-
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ma forma a direita considerava favorável à abertura política anunciada na época. Lembro que até a residência de Roberto Marinho foi vítima de atentado. . Algum de vocês sofreu repressão em um nível pessoal? A cúpula do jornal – e não é o meu caso – sofreu de ações repressoras. Tinha que comparecer à Polícia Federal e enfrentar processos. Os que dirigiam e editavam o jornal, como muito poucas exceções, entre essas o Aguinaldo Silva, o Adão Acosta e o Clóvis Marques, exerciam outras atividades. Foi nessa época, inclusive, que o Aguinaldo começou a atuar mais efetivamente em televisão.
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A cúpula do jornal – e não é o meu caso – sofreu de ações repressoras. Tinha que comparecer à Polícia Federal e enfrentar processos
”
. Como funcionava a redação do jornal? Vocês tinham um local físico fixo onde se encontravam para fazer as edições?
Os critérios eram os mesmos aplicados quase sempre e ainda hoje pela imprensa. Pensávamos na repercussão, na utilidade, no que estivesse em discussão, o que era muito determinado pela periodicidade mensal. Muita informação de onde ir. Nesse aspecto o jornal teve duas fases bem evidentes. No início era mais militante, escrito para a militância que começava a pipocar no Rio e em São Paulo. Posteriormente, sem abandonar esse viés, o jornal começou a publicar reportagens sobre a vida gay. Essa opção acabou por dividir o jornal. Os movimentos militantes passaram a combater o Lampião. Uma boa parte dos seus fundadores reduziram a colaboração ou a cessaram. Outros se afastaram formal ou informalmente. . Por qual motivo o jornal chegou ao fim? Essas desavenças se aguçaram com o tempo. Muitos dos que se afastaram contribuíam financeiramente nas inúmeras crises. Evidentemente, o jornal se sustentava com alguma precariedade. Ficou quase todo ele sob a cobertura da grana do Aguinaldo Silva. Tudo isso contribuiu para que as dissenções internas aumentassem e chegassem mesmo à ruptura de relações pessoais. Além disso, o tempo já era outro, com outras demandas. Muito pelo que o jornal lutara já havia sido conquistado.
Tínhamos, sim, um espaço físico, bem pequeno na Rua Joaquim Silva, na Lapa. Na época ainda era uma região do centro que não passara pela revitalização que viria, nos anos 1990. Hoje é muito movimentada. Era nessa sala que nos encontrávamos diariamente, nos reuníamos, pensávamos nas pautas, recebíamos pessoas e fazíamos uma ou outra entrevista, como a do Ney Matogrosso. Normalmente, as matérias eram redigidas em casa porque faltavam máquinas de escrever na redação.
. Qual o impacto do jornal, naquele momento, para a comunidade LGBTQ+?
. Qual era o critério para uma notícia se tornar pauta útil para o jornal?
Nenhum arrependimento, embora não seja daqueles que proclamam às alturas o seu tempo de Lampião. Fiz outras coisas na profissão, tornei-
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Foi um impacto grande. Pelas cartas que recebíamos e pela repercussão, percebíamos a importância que nosso trabalho tinha. Você pode imaginar o impacto que o jornal provocava na vida de gays do interior do país. . Você tem algum arrependimento daquela época? Faria algo diferente se tivesse a oportunidade?
-me professor de Jornalismo. Foi uma fase importante na minha vida, que me faria menor se não tivesse passado por ela. Não me reconheço sem ter participado dessa experiência jornalística. De jornalista, não de militância porque, de fato, não era o mais importante para mim. O principal era fazer jornalismo. . Você ainda mantêm contato com seus colegas de redação do Lampião da Esquina?
DOCUMENTÁRIO Em 2016, o jornal foi tema de um documentário, dirigido por Lívia Perez, produzido pela Doctela e com coprodução do Canal Brasil. Com pouco mais de 80 minutos, remonta a história do periódico, desde a formação inicial.
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O Lampião se faz todo dia. Basta olhar as redes sociais, por exemplo, para ver que o jornal sobrevive
”
Mantenho muito pouco contato. Não os encontro nunca, só casualmente. Tenho muitos em minhas redes sociais, como o [João Silvério] Trevisan, a quem espero encontrar quando lançar aqui no Rio o novo livro dele. Preservo as relações com João Carlos Rodrigues, com quem falo sempre ao telefone e troco ideias pelo Facebook. O tempo – e lá se vão três décadas – nos levou por caminhos diferentes. . Qual sua opinião quanto aos movimento LGBTQ+ atuais? Não tenho opinião lá muito formada, mas o acho conservador. Dos que conheço, a quase totalidade procura apenas a aceitabilidade, o reconhecimento formal, a relação burguesa que muitos da própria burguesia já contestavam. Não participo de nenhum, e nem o que-
ro. Estou disposto a lutar pela justiça, contra a intolerância — uma palavra horrível e reacionária, diga-se — pelo direito, pela liberdade, sobretudo a sexual, pelo avanço nos costumes, mas não quero me enrabichar por nenhum movimento exclusivista. . Dado o atual contexto político, você acha que se faz necessário um ‘novo’ Lampião da Esquinaw? Não acho. Por vários motivos. Sobretudo porque o Lampião se faz todo dia. Basta olhar as redes sociais, como o Facebook, por exemplo, para ver que o jornal sobrevive, ainda que de outra forma e sob outra plataforma.◆
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TEATRO ESPECIALISTA EM COISA NENHUMA: INCLUSIVE TEATRO
Texto Allan Michael e Michael Rios Fotos Michael Rios
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Alexandre Ribondi é ator, escritor e diretor de teatro. Natural do Espírito Santo, chegou sozinho em Brasília em 1968, com apenas 15 anos. Tradição na família, o capixaba saiu de casa cedo e escolheu a capital como lar por conta da admiração do pai pelo quadrado. “Entrei num ônibus e vim pra Brasília”, simples assim, o criador dos espetáculos “A Mimosa” e “Virilhas” se estabeleceu e começou a estudar no Centro de Ensino Médio Elefante Branco (CEMEB) e depois na Universidade de Brasília (UnB). Ribondi fez jornalismo na UnB mas abandonou o curso por questões políticas: na época, o regime militar invadia a Universidade e estudantes estavam sendo presos. Por isso ele optou por ir embora do país junto com o companheiro, com quem casou e manteve um relacionamento por 20 anos. “Fomos estudar história da arte na França e depois acabamos voltando para cá, mas não me formei nem em jornalismo e nem em história da arte. Eu sou um perfeito jornalista: especialista em coisa nenhuma”. Por volta de 1980, Alexandre começou a fazer teatro engajado em contestações homossexuais. Um pouco antes disso, criou junto
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com amigos o Grupo Homossexual Beijo Livre de Brasília, primeiro grupo de militância gay da capital. Para ele, o fato de também ter começado a colaborar como repórter no jornal Lampião da Esquina contribuiu para que a militância LGBT refletisse em sua arte. Na companhia de colegas, começou a realmente produzir espetáculos com a temática na extinta boate Aquarius, localizada no Setor de Diversões Sul, apelidado Conic. “Era um espetáculo diferente por semana; a gente criava personagens e era algo bem político. Tinha humor, lógico, as pessoas morriam de rir, mas a gente passava uma ideia de contestação e de briga política mesmo. Fiz essa série de apresentações junto com o Marcos Bagno, que hoje é professor de linguística da UnB”, relembra.
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Fomos estudar história da arte na França e depois acabamos voltando
”
O TEATRO BRASILIENSE DA ÉPOCA Junto de Marcos Bagno, o dramaturgo conseguiu manter em cartaz por seis meses o espetáculo “Crêpe Suzette”, no antigo Teatro da ABO no fim da L2 Sul. O texto da peça foi um dos primeiros do gênero besteirol em Brasília, o qual ganhou força ao longo da década na capital.
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“Nós levantamos muitas questões, sempre com muita ironia, principalmente com a ideia de que não tinha que esperar o fim da ditadura para gozar. As brigas eram tão sérias, as pessoas eram tão sérias, a gente já estava cansado daquilo e queríamos desmunhecar e foi o que começamos a fazer’, conta, acrescentando que não foi apenas ele e Marcos que participaram do movimento, mas pessoas que queriam escapar da seriedade do momento político, tanto de direita quanto de esquerda. Os espetáculos dele nunca sofreram ataques por homofobia, mas Ribondi foi alvo de ameaças por falar sobre religião. “Fiz uma peça com segurança no palco para me proteger. Fui parar na delegacia acusado de ‘vilipendiar a fé’”.
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Fui parar na delegacia acusado de ‘vilipendiar a fé’
A última produção de Alexandre foi “A Mimosa”, em que atuou tanto como diretor quanto como protagonista. O texto retrata a velhice de um homossexual e seus dilemas, rompendo mitos sobre a questão. A peça teve a última apresentação em maio deste ano. RECEPTIVIDADE Quanto à receptividade do público brasiliense ao teatro LGBT, ele indica que “o tema de A Mimosa não chamou muito atenção. Em compensação, tenho uma peça chamada Virilhas, sobre um casal que briga e trepa o tempo todo. Os atores ficavam nus e teve bastante público. Lógico que a gente sabe que 90% está lá para ver os pintos dos atores”. Alexandre se diverte com a recepção da plateia ao espetáculo Virilhas, encerrado em novembro de 2017, e diz que as reações em certas cenas são previsíveis. “Primeiro tem aquele choque por estarem
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vendo um pênis, depois há o alvoroço pelos dois atores em cena se beijarem e pegarem um no pau do outro, mas as pessoas se acalmam um pouco porque a discussão da peça é séria. Após alguns minutos o povo esquece que os atores estão nus e prestam mais atenção à história. E isso é incrível porque é o que queremos provocar”, conclui. Sobre a possibilidade de viver de arte em Brasília, ele considera o feito impossível. “Você tem que matar um leão por dia ao amanhecer e já estar de olho em outro por meio da tarte. É difícil e complicado. Depois de mais de 40 anos de teatro consigo pagar as contas, isso é garantido; agora o resto como um vinho ou restaurante mais caro é necessário muito mais trabalho”. FORÇA LGBT O público heterossexual também está presente na plateia das apresentações de Alexandre, porém em menor número. “Sempre brinco que tem que haver a cota de 99% de viados na plateia, o resto é para completar. Geralmente, o público hétero presente é a mulher que leva o namorado ou marido — que inicialmente vai obrigado, mas depois se diverte”, acrescenta. Para ele, o ideal é que não existisse a distinção entre o teatro LGBT e o teatro hétero. ◆
FIQUE DE OLHO! Espetáculo "A chinelada Turca", dias 4, 5 e 6 de julho, às 20h. Informações: (61) 3263-2167/ 98425-6885 Local: Casa dos 4; sclrn 708, loja 42 Adaptado e dirigido por Alexexandre Ribondi
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SAÚDE CONHEÇA A PREP: MEDICAMENTO DE PREVENÇÃO AO HIV Texto Allan Michael
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Depois da França e África do Sul, o Brasil tornou-se o terceiro país do mundo — e o primeiro do continente americano — a oferecer de forma gratuita a PrEP, medicamento usado na prevenção ao vírus HIV. A Profilaxia Pré-Exposição, ou simplesmente PrEP, é recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2012 para auxiliar a prevenir contra a infecção ao vírus da imunodeficiência humana. Nacionalmente, a distribuição do medicamento começou em 2018 e é feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas somente para a população que preencha os requisitos para adquirir a medicação. Os critérios adotados são baseados no nível de risco de exposição em relação ao vírus. Por exemplo, se a pessoa faz uso de drogas onde ela faça compartilhamento de seringas, ela tem mais chances de ser exposto ao HIV.
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O termo utilizado pelo Ministério da Saúde para classificar essas pessoas com maior vulnerabilidade é de “população-chave”. Estão incluídas nesse grupo indivíduos que fazem uso de álcool e outras drogas, pessoas trans, homens que fazem sexo com homens, a po-
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pulação jovem, a população negra, população indígena, trabalhadores do sexo, pessoas em situação de rua e pessoas privadas da liberdade, como presidiários. O Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais apontou que em testes feitos entre homens que fazem sexo com outros homens que disseram ter tomado a maioria dos medicamentos diariamente, a PrEP reduziu o risco de infecção pelo HIV em 73%, alguns casos chegando a 92%, dependendo da adesão ao medicamento. Entre aqueles que disseram ter tomado a maioria dos comprimidos diários, a PrEP reduziu o risco de infecção em até 90%. Em casais sorodiferentes — de homens e mulheres onde apenas um dos parceiros é infectado — os que receberam PrEP tiveram 75% menos chance de serem infectados pelo companheiro. NÃO DEIXE A CAMISINHA DE LADO Uma das principais críticas ao uso da PrEP é que ela poderia causar uma diminuição no uso de outras formas de se prevenir, como a camisinha. Sérgio D’Ávila, gerente de Infecções Sexualmente Transmissíveis da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF), é oposto a esse tipo de julgamento. Para ele, o medicamento traz mais uma alternativa de precaução ao vírus e não deve descartar outras formas de prevenção. “O que tem que ser feito é uma combinação dessas estratégias; quanto mais alternativas você tiver e a pessoa tiver mais chance de fazer uso delas, menores vão ser as chances dela se infectar”, contou Sérgio. Vale destacar que a eficácia do medicamento varia da adesão do usuário. Quanto mais regrada a pessoa for, maior é a eficácia. Entre as pessoas que fazem uso da medicação, também existe um consenso de que a PrEP não substitui a camisinha. O antropólogo Felipe Areda faz uso do medicamento a cerca de quatro meses e afirma que “todos que conheço, que
fazem uso da PrEP, têm uma consciência muito maior desses processos de prevenção e fazem um acompanhamento da sua saúde total e sexual de uma forma mais constante do que pessoas que não fazem o uso da PrEP”. A alternativa de prevenção vem em boa hora. Segundo o Boletim Epidemiológico de HIV/ AIDS 2017, referente ao ano de 2016, no Brasil, 830 mil pessoas convivem com o vírus do HIV, mas somente 694 mil são diagnosticados, ou seja, 136 mil têm o vírus, mas não sabem, consequentemente não iniciam tratamento. EFEITOS COLATERAIS O motivo do Brasil ser o primeiro da América a oferecer de graça a PREP é porque a política de implantação de medicamentos aqui é mais rápida. Além do mais, o país tem uma política de prevenção forte em relação ao HIV/AIDS. Logo, formas de auxílio nessa política é implantada mais rapidamente. Os efeitos colaterais do medicamento podem variar entre gases, inchaços, diarreia branda ou náuseas, mas costumam ser leves e passam depois do primeiro mês de uso. As dicas para diminuir o desconforto em relação os efeitos são tomar o comprimido antes de dormir e tomar o comprimido com comida. Não esquecendo, lógico, de falar com o médico sobre qualquer efeito ou incômodo maior.
No Brasil, 830 mil pessoas convivem com o vírus do HIV, mas somente 694 mil são diagnosticados ONDE ENCONTRO A PREP? Para que se consiga o medicamento, o interes-
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sado precisa passar por uma entrevista com um médico para que o mesmo possa entender qual o nível de exposição desse indivíduo ao vírus. Uma vez que se consiga iniciar o tratamento, a pessoa precisa fazer um acompanhamento — mensal ou trimestral — junto ao médico, mantendo os exames em dia. Isso porque o remédio pode causar alterações em órgãos como o fígado. A PrEP precisa ser tomada todos os dias para que possa fazer efeito, caso contrário pode não haver concentração suficiente do medicamento em sua corrente sanguínea para bloquear o vírus. A medicação começa a fazer efeito com 7 dias de uso para relação anal e 20 dias de uso para relação vaginal. Um outro medicamento, também preventivo, ao HIV é a PEP. Mas não vá se confundir. O PrEP é a Profilaxia Pré-Exposição, ou seja, antes de uma possível exposição ao vírus. Já a PEP é a Profilaxia Pós-Exposição utilizada quando o indivíduo já se envolveu em uma situação de risco (transou sem camisinha, por exemplo). Ambos os medicamentos podem ser encontrados em postos de saúde. Em Brasília, o único local que faz a distribuição do medicamento é o Centro de Saúde Hospital Dia, na Asa Sul. A meta do governo é aumentar esses pontos de distribuição, mas por estar em fase inicial o medicamento ainda é encontrado em poucos locais. Porém, existem 9 locais no DF que realizam acompanhamento psicosocial do paciente que tenha HIV/AIDS (lembrando que a PrEP é para quem não tem o vírus ou a doença). ◆
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LITERATURA CASSANDRA RIOS: LITERATURA LÉSBICA NA DITADURA
Texto Michael Rios Foto Arquivo O Globo
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A cada 19 horas um LGBT é assassinado ou se suicida vítima da LGTfobia no Brasil, tornando o país campeão mundial desse tipo de crime. Os dados são do levantamento feito pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) em 2017 e revela um cenário aterrador para os gays e lésbicas do Brasil. O país se tornou o campeão mundial desse tipo de crime, mas a cultura da sociedade de colocar a vida do homossexual em segundo plano vem de antes - na época da ditadura, ser gay ou lésbica era motivo de prisão ou morte. É justamente no contexto da ditadura que temos a presença da escritora lésbica que trouxe popularidade para histórias que põe em questão temas sobre a homossexualidade feminina, sem deixar de levantar debates polêmicos para o contexto social da época. Cassandra Rios, o pseudônimo da paulista Odete Rios, foi uma escritora brasileira de livros que traziam um conteúdo crítico com relação ao país e colocavam tabus na literatura. Presente em peso nas bancas de revistas da época, Cassandra foi a primeira mulher a vender um milhão de exemplares no país e sofreu com a censura militar na década de 1970. Foram 36 livros
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A ESCRITORA censurados e inúmeras brigas judiciais que chegaram a fazer com que algumas das obras da autora fossem proibidas e apreendidas. Cassandra publicou seu primeiro livro, "A Volúpia do Pecado", aos 16 anos de idade bancada pela mãe, uma imigrante espanhola, em 1948. Pode-se dizer que foi a primeira escritora brasileira a mostrar a mulher como um ser sexual e, mais ainda, a primeira a ter coragem de retratar as homossexuais. Seu livro de estreia a transformou numa das autoras mais vendidas da história da literatura brasileira. Cassandra falava às claras sobre o prazer feminino e talvez por isso tenha sido uma das personalidades mais censuradas. Fazia uma literatura assumidamente popular. Eram livros baratos. Havia desenhos provocantes nas capas: moças oferecidas em poses sutilmente sensuais. Ao longo da carreira foram mais de quarenta
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romances que lidavam com o tema da homossexualidade. Em 1969 foi convidada a se candidatar a deputada pelo PDT durante uim programa de rápido, porém não se elegeu. Em 1970 tornou-se a primeira brasileira a atingir a marca de 1 milhões de exemplares vendidos, chegando ao patamar de Paulo Coelho. Lésbica assumida, Cassandra Rios chegou a vender 300 mil exemplares por ano, chegando a rivalidade com Paulo Coelho, outro escritor que bate recorde de vendas. Cassandra morreu em 2002, de câncer, aos 69 anos. Hoje, a maioria dos livros dela está fora de catálogo e muitos do meio LGBT não conhecem as obras da autora. Sobe a sua carreira, afirmou em uma entrevista à revista TPM: “O que mais me incomodou foi me encararem como personagem de livro. Então não tenho capacidade para ser escritora?!?”
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DOCUMENTÁRIO Com direção de Hanna Korich, o documentário Cassandra Rios – A Safo de Perdizes (Perdizes, é um bairro muito antigo de São Paulo, onde nasceu e foi criada a autora) vai atrás de pessoas do círculo de amizades de Cassandra Rios para falarem sobre a importância dela no cenário literário homessexual no Brasil na época da ditadura.
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O que mais me incomodou foi me encararem como personagem de livro. Então não tenho capacidade para ser escritora?!?
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Amigos, estudiosos, familiares, leitores e colegas falam sobre Cassandra Rios e prestam tributo à sua coragem e pioneirismo. O depoimento de Nicole Puzzi, atriz que participou de dois longas baseados nos livros da escritora, Ariella (1980) e Tessa, a Gata (1982), conta que “Cassandra nunca negou ser lésbica, mas, na época da ditadura, era muito difícil assumir publicamente”. ◆
DOCUMENTÁRIO Título: Cassandra Rios - A Safo de Perdizes Direção: Hanna Korich Um produto simples e custa R$ 5 reais pelo e-mail editoramalagueta.com.br. Vale a pena para conhecer um pouco mais sobre essa figura da literatura brasileira que enfrentou o preconceito e a ditadura.
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LEIA
EU SOU
TRECHO DA OBRA: Naquele tempo, as mulheres aproveitavam o carnaval para usar suas calças compridas, camisas, gravatas, caracterizando-se de homem para melhor serem identificadas pelas outras mulheres, as "passivas". O carnaval nos clubes marcava momentos grandiosos na vida das lésbicas, que se fantasiavam de Zorro, de caubói, usavam máscaras, cortavam os cabelos rente na nuca, riscavam bigodes com lápis de sobrancelhas e até costeletas. Era a liberdade. O diabo soltava-as pelas ruas e elas invadiam os salões. A
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orquestra atacava os sambas e marchas, as serpentinas riscavam o ar, confetes atapetavam o chão, e as lésbicas confinavam-se no toalete. E para lá iam, atraídas, as que tinham tendências para eclodir durante os três maravilhosos dias festivos. (...) E o fato se deu. Consegui. Em dado momento, o olhar da que já estava escolhida para rainha caiu sobre mim. Meu olhar grudou nela, segurou seu olhar; hipnotizei-a, com a força do meu pensamento, da minha intenção ou do meu charme e jeito especial atuando sobre ela. (...) ◆
Autora: Cassandra Rios Ano da edição: 2006 Editora: Azougue Páginas: 143 R$ 26, 70
POESIA O CUPIDO
Texto Michael Rios
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Passei a observar todos aqueles corpos Até enxergar dois com feições semelhantes. Um frente ao outro, se encontrando e assumindo novas posturas. Talvez estivessem perdidos Talvez estivessem à procura Mas pareceu uma boa ideia continuar por perto. Deixei que descobrissem um o nome do outro Que vissem qualidades e defeitos Que trocassem carícias
Outros corpos surgiram e se depararam com o que fiz Gritaram, brigaram e se horrorizaram. Quando quebraram a flecha que unia as mãos, implorei para que parassem Quando retalharam os lábios para afastá-los, me encolhi e esperei que terminassem Os dois corpos caíram, em choque pela separação Por piedade, atirei uma flecha unindo os corações Os matei, na frente da multidão E segui para longe, Para o mais distante e destoante horizonte Voltei a observar novos corpos Até enxergar dois com feições semelhantes Pareceu uma boa ideia continuar por perto ◆
Fui cuidadoso, lento demais talvez Saquei uma flecha da aljava e os atingi Quando uniram as mãos, acertei o lado oposto às palmas Para que não se desgrudassem mais Quando se beijaram, outra flecha atingiu seus lábios Para que as bocas não se afastassem uma da outra. Pareceu uma boa ideia continuar por perto . Não foi.
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MÚSICA ROLOU NO SARAU DA DISCIPLINA: DEU MERDA, CAEU
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Texto Allan Michael, Michael Rios e Eduardo de Paula Letra Liniker e os Caramelows
Você fez merda ao dizer Que não me ama Depois da transa que eu dei pra você Tá tão fácil, cowboy, recusar um amor Só eu sei o quanto me dói Não quis saber Mas minha solidão quis segurar você Pra deixar Você deixou oh, oh, oh Dava tanta coisa, dava nó de nós De nós, de eu Não deu para segurar os eus Nem deu para evitar dizer Mas você vai implorar, Vai pedir para me ver, Confessar que não vive sem mim... Vou apenas te olhar e dizer: Fui até o ponto que eu Achei que deu Cá eu Vou apenas te olhar e dizer: Meu bem, eu sei! ◆
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REFERÊNCIAS QUER SABER UM POUCO MAIS SOBRE OS TEMAS DA REVISTA? ACESSE AÍ!
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Morre em SP a escritora Cassandra Rios - Estadão: www.goo.gl/2GzJra Documentário registra a vida e a carreira de escritora lesbica: www.goo.gl/Sn4hFr Vídeo sobre Cassandra Rios: www.editoramalagueta.com.br/video-sobre-cassandra-rios Matrícula Web: www.matrículaweb.com.br Facebook: www.facebook.com/acasadosquatro Alexandre Ribondi: www.lupa.ativist.com/alexandre-ribondi Informe-se - Aids: www.aids.gov.br Lampião da Esquina - Trailer: www.youtube.com/watch?v=lSr-MplZwzc Eu sou uma lésbica: www.saraiva.com.br/eu-sou-uma-lesbica-col-devassa-1562245.html◆
MAIS AMOR
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CURTA!
AH, TEM MAIS. VEM CÁ!
A
A disciplina Pensamento Brasileiro LGBT é ofertada todo semestre pelo Matrícula Web, mas se faz parte do público externo da UnB e quer participar, basta procurar o professor responsável no início do semestre. Informações pelo Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM) no telefone (61) 3107-5911.
Este material foi produzido para fins acadêmicos. Está permitida sua reprodução mediante autorização. Universidade de Brasília - 2018
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