NEW Hotel Featured on Wish Casa Magazine

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GRANDE ANGULAR

Pa r í m pa r Fernando e Humberto Campana Adélia Borges

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E m j unh o de 1 9 8 9, a e xp osi ç ã o D e s c o n f o r táv e i s m ar cava e m São Paulo a estreia de F ernand o e H u m b ert o Campana no mundo do design. Na década seguinte veio o reconhecimento internacional com uma mostra no MoMA, em Nova York, e os irmãos logo viraram referência dentro e fora do Brasil com sua produção na fronteira entre design, artesanato e arte. Passados 25 anos, Wish Casa convidou Adélia Borges, a primeira jornalista a publicar uma reportagem sobre a dupla, para entrevistá-los. Leia a seguir: Adélia Borges—Um quarto de século é significativo. Em que vocês mudaram e em que permanecem iguais? Humberto Campana—O que é igual é a poesia. O mundo mudou, e hoje a gente é editado por grandes empresas, não é mais aquele estúdio pequeno. Faz dez anos que colaboramos com Grendene, Alessi, Edra. Mas o fio condutor é o mesmo, a poesia, é tentar dar alma aos objetos.

Fotografia  Fernando Laszlo / Cortesia do Estúdio Campana

Fernando Campana—Uma coisa que o Ingo Maurer falou, em nossa primeira exposição com ele no MoMA, é para ter controle sobre a sua criação, não deixá-la se perder na mão de um editor. E a gente conseguiu passar poesia para a indústria. A ideia é não seguir o que os outros fazem, e sim o que o coração fala.

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AB—A espinha dorsal é a mesma desde o início e está calcada na visão de vocês de uma brasilidade contemporânea. No entanto, a experimentação constante também é uma marca dos Campana. O paisagista Roberto Burle Marx costumava dizer que o pior plágio é o de si mesmo. O que acham disso? FC—Alguns curadores dizem que, às vezes, damos pistas falsas. Finalizamos um conceito e depois, de uma hora para outra, sai o oposto. No ano passado, começamos com a coleção Barroco Brasileiro (exposta em Londres), depois teve a Concepts (em Nova York), e a de espelhos (Ocean Collection, em Paris).

Tudo em um ano é difícil, é um risco, porque parece que você está atirando em todas as direções. HC—O nosso design é de contaminação, ele traz mensagens que são disseminadas em outros trabalhos e incentiva as pessoas a ter a mesma liberdade em outras linguagens. O conceito é muito forte em nosso trabalho. AB—Parece-me que há três cidades muito relevantes na trajetória de vocês: Brotas, São Paulo e Milão. É isso mesmo? FC—Em Milão, sinto-me em São Paulo. A comunicação entre as pessoas e o jeito de ser são os mesmos. Não é o requinte nem nada disso, é o porteiro do prédio que parece o daqui. Fora as similaridades de nossa ascendência italiana. Mas a França nos surpreende quando confia e percebe a coerência de nossos passos. O francês interpreta nosso trabalho mais facilmente que o italiano. O que é sonho, o que é fantasia, os franceses absorvem. Eles se permitem mais a extravagância. É impressionante o Museu d’Orsay ter um café com o nome Campana. Muita gente não acredita. AB—O interesse pelo design brasileiro cresceu e vocês têm um papel importante nessa visibilidade. Mas, a meu ver, muitos estrangeiros procuram aqui uma imagem estereotipada que acaba por nos deixar no nicho do país tropical, exótico e terceiro-mundista. Vocês percebem isso? FC—Cada vez mais percebo que, quando pergunto “você já foi ao Brasil?”, as pessoas respondem que foram ao Rio, mas que amam São Paulo. A estética urbana que é antiestética, o recorte urbano… A atração que São Paulo causa acaba sendo o avesso de coisas que pensamos que o turista jamais iria gostar, mas ele ama. AB—Vocês são reconhecidos em São Paulo? HC—Não. Aqui as pessoas ainda duvidam de nossa capacidade. Modéstia à parte, acho que não enxergam a dimensão de tantas portas que abrimos. No exterior somos mais respeitados. É por

isso que preciso viajar, para pegar essa força, esse reconhecimento que me leva para cima. Mas outros brasileiros não são reconhecidos. Há tantos arquitetos bons no Brasil e não vemos obras públicas deles. Paulo Mendes da Rocha e Isay Weinfeld não foram chamados para fazer um estádio da Copa, é uma pena. AB—Na esfera pública, a obra mais conhecida de vocês aqui em São Paulo é o café do Teatro Municipal, não é? FC—Sim. A gente entrou naquela sala quando o teatro estava em restauração. No fim, gostei muito do resultado. Foi uma doação à cidade, não teve custos. AB—Vocês frequentemente ressaltam a inventividade brasileira, a capacidade de driblar situações difíceis e fazer da carência o motor para a criação. Quais designers ou artistas populares mais admiram? Fernando e Humberto—O Espedito Seleiro, do Ceará; o Getúlio Damado, de Santa Teresa, lá no Rio de Janeiro; o Moacir, da Chapada dos Veadeiros... FC—Eles têm muitas coisas que lembram minha infância. A gente ia a sítios em Brotas, e sempre tinha um balanço, feitos só de corda e um pedaço de pau. Eu prestava muita atenção nos detalhes de um sítio pro outro. Nosso pai era agrônomo e a gente o acompanhava. HC—Gosto dos objetos dos índios. Tem uma loja na Rua Augusta em que, todo domingo, quando vou ao cinema, passo para ver as novidades. Acho lindo. AB—Qual é o desejo mais forte de vocês para os próximos 25 anos? FC—No Brasil, um trabalho mais voltado ao social, como a gente já tem tentado, usando ONGs para inclusão social. HC—Trabalhar mais com a natureza, com paisagismo. Gosto muito de jardim. Esse retorno de estar em contato com a natureza é uma volta a nossas origens. Colaborou  Ivi Brasil 51


g rande angu lar   f er n a n do e h um b erto ca m pa n a

A Habitarte, 2016 Entre as duas torres que compõem o empreendimento, no Brooklin, em São Paulo, está uma escultura dos irmãos Campana com mais de 50 metros de altura. A obra traz um diferencial para o projeto, que busca integrar arte, arquitetura e urbanismo B Firma Casa, 2011 Com concepção artística e conceito paisagístico dos Campana e projeto de arquitetura do SuperLimão Studio, a loja de design, em São Paulo, tem a fachada revestida com 2.500 vasos de alumínio, os quais acomodam plantas da espécie espada-de-são-jorge

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D Poltrona Favela, 1991 Com mais de 20 anos, a poltrona foi um marco na carreira dos designers. Os pequenos fragmentos de madeira cravados na base de metal formam uma estrutura assimétrica que se assemelha à estética de uma favela

“O mundo mudou, e hoje a gente é editado por grandes empresas, não é mais aquele estúdio pequeno. Mas o fio condutor é o mesmo, a poesia, é tentar dar alma aos objetos”

K La Gloriette, 2010 Localizada no Hotel du Marc, La Gloriette celebra o champanhe Veuve Clicquot em uma estrutura que representa o crescimento de vinhas. Nela, há um nicho criado para colocar um balde com a bebida

A TODO VAPOR—Fernando e Humberto Campana comemoram 25 anos de carreira com uma agenda agitada. Entre outras coisas, preparam, no momento, um projeto para Detroit, nos EUA, onde a decadência da indústria automobilística deixou rastros de destruição e abandono sobre os quais ele vão trabalhar; em Paris, participam da revitalização de um quarteirão no bairro de Marais, ao lado de nomes como Jasper Morrison e Patricia Urquiola. O reconhecimento internacional é crescente – mas no Brasil, segundo eles, ainda deixa a desejar. campanas.com.br

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F G Café de l’Horloge, 2011 O projeto do café do Museu D’Orsay, foi inspirado no Art Nouveau. As cadeiras de poliuretano azulceleste e as paredes com painéis plastificados e espelhados levam o cliente para uma atmosfera marítima

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Fotografias Divulgação

F Iniala Beach House Spa, 2013 O Iniala Beach House, na Tailândia, tem cinema, jardim, spa e sala de estar projetados pelos Campana. O living é o ambiente que mais remete ao estilo dos irmãos, com paredes de porcelanas tailandesas azuis e brancas 52

J Catedral de Bambu, 2013 Inspirada pela natureza exuberante do hotel Fazenda Catuçaba, em São Luiz do Paraitinga, a catedral é constituída somente de bambus em formato oval e ocupa parte do terreno da propriedade

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C Camper, 2010 A loja Camper, em Nova York, é praticamente revestida de fibras naturais com materiais plásticos e sintéticos. O conceito valoriza o slow design e a mão de obra artesanal

E Sofá Bastardo, 2014 Estofado com penas de ganso e forrado de tecido ou couro, o sofá Bastardo pode ser considerado uma peça iconoclasta. Sua disposição permite a composição livre dos encostos, rompendo com a estrutura dos modelos convencionais

H—I NEW Hotel, 2011 O NEW Hotel, em Atenas, foi feito em parceria com 20 alunos de arquitetura da Universidade de Tessália. Cadeiras, pratos e luminárias foram feitos à mão e o restaurante tem ambientação inspirada na cadeira Favela

L Poltrona Vermelha, 1993-1998 A estrutura de aço inoxidável enrolada por uma corda vermelha foi a primeira obra dos Campana a ser industrializada. Ícone do design brasileiro, a peça une arte e design M Stedelijk Museum’s-Hertogenbosch, 2013 Após uma reforma, o museu holandês de arte contemporânea teve a área da recepção, o auditório e a loja projetados pelos designers, que criaram também uma escultura monumental de madeira para o saguão interno 53


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