Corpo Editorial Director Rui Manuel Sousa Mendes Conselho Científico Ana Maria Sarmento Coelho - Educação/Formação Maria Cláudia Perdigão Andrade - Comunicação e Ciências Empresariais Pedro Balaus Custódio - Artes e Humanidades Comissão editorial Agostinho Franklim Carvalho Carla Matos Dias (CDI) José Pacheco (CIC/NDSIM) Margarida Paiva Oliveira (CDI) Produção pré-impressão Carla Matos Dias (CDI) José Pacheco (CIC/NDSIM) edição online José Pacheco (CIC/NDSIM) logo Agostinho Franklim Carvalho/Pedro Coutinho projecto gráfico Agostinho Franklim Carvalho/José Pacheco
Ficha Técnica EXEDRA: Revista Científica Publicação electrónica semestral da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra Periodicidade: Semestral ISSN 1646-9526 versão impressa Copyright A reprodução de artigos, gráficos ou fotografias da Revista EXEDRA só é permitida com autorização escrita do Director. Contactos e endereço para correspondência e envio de artigos: EXEDRA: Revista Científica Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar 3000-329 Coimbra Portugal Tel: +351 239793120 Fax: +351 239 401461 E-mail : exedra@esec.pt www.exedrajournal.com
07 editorial 09-24 Gabriela Portugal Para o educador que queremos, que formação assegurar? 25-42 Carlos Januário/ Júlia Sousa Santos O movimento de descentralização curricular: As percepções dos professores do Agrupamento de Escolas de Atouguia da Baleia sobre a Gestão Flexível do Currículo 43-56 Catarina Morgado/Isabel Oliveira Mediação em contexto escolar: transformar o conflito em oportunidade 57-68 Isabel Sofia Calvário Correia O Parâmetro Expressão na Língua Gestual Portuguesa: Unidade Suprassegmental 69-90 António Gomes Ferreira/ Luís Mota Do Magistério Primário a Bolonha. Políticas de formação de professores do ensino primário 91-100 Pedro Cabral Mendes/ Gonçalo Dias/ Filipa Morais A(s) Ciências do Desporto e o Corpo. entre as Ciências Naturais e as Ciências Sociais 101-126 Sofia de Lurdes Rosas da Silva/ Joaquim Armando Gomes Ferreira Família e ensino superior: que relação entre dois contextos de desenvolvimento? 127-138 Vera do Vale/ João Vaz/ Anabela Panão Ramalho Experiências de Formação em Educação Especial na Escola Superior de Educação de Coimbra 139-166 Susana Gonçalves Internacionalização em casa: a experiência da ESEC 167-176 Lola Geraldes Xavier Ensino da gramática: reflexões em torno do verbo 177-195 Daniel Roque Gomes Organizational change and job satisfaction: the mediating role of organizational commitment
Missão e Objectivos A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC) assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional. A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios. Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta. A Revista EXEDRA publica números genéricos e temáticos. Forma e preparação de manuscritos Os trabalhos podem ser escritos em português, espanhol, francês e inglês no formato Word, em Arial, corpo de letra 12, com duplo espaço, não devendo ultrapassar as 40 páginas A4 (3 cm de margem). As notas, de fim de página, em Arial 10 com um espaço entre linhas, deverão figurar no final do trabalho. As figuras (em formato jpg, png, ou gif) no corpo do texto devem aparecer em numeração árabe pela ordem de apresentação do texto, com título curto na parte inferior e, a negrito, em Arial 10. Os quadros deverão ser incluídos no corpo do texto com título curto na parte superior, a negrito, em Arial 10, espaço simples e no mesmo formato das figuras. Todos os quadros e figuras devem ser colocados em páginas individuais e separadas no final do manuscrito. Os artigos devem ter um título conciso, ser acompanhados de um resumo de 1000 caracteres, incluindo espaços, em Arial 10, espaço duplo, em português e em inglês, acompanhados das respectivas palavras-chave (4 a 6). 4
Os artigos devem ainda ser acompanhados da identificação do (s) autor (es) (nome, morada, mail e filiação institucional). Na primeira página do artigo (capa) deverão constar o título do artigo, o(s) nome(s) do(s) autor(es) (excluindo graus académicos), a filiação institucional, a morada e o mail. Deve também ser indicada em qual das áreas científicas da revista o manuscrito se insere: Educação/Formação, Artes e Humanidades ou Comunicação e Ciências Empresarias. Referências bibliográficas A lista de referências bibliográficas deverá ser incluída no final do texto, em Arial 10. No caso de mais de três autores devem ser todos indicados (não utilizar a expressão “et al”). A lista deverá ser organizada por ordem alfabética dos apelidos dos autores obedecendo ao formato dos seguintes exemplos: a) Livro: Bandura, A. (1977). Social learning theory. Oxford: Prentice-Hall. b) Referências de artigos on-line: Kuhn, P.S. (1987). Alternative Paradigms. Journal of Teaching, 34 (3), 7-56. Consultado em Janeiro 2005, htpp://www.apa.org/journals/kuhn.html c) Capítulo de livro: Hughes, D. & Galinsky, E. (1988). Balancing work and family lives: Research and corporate applications. In A. E. Gottfried & A. W. Gottfried (Eds), Maternal employment and children’s development (pp. 233-268). New York: Plenum. d) Artigo: Hoyt, K. B. (1988). The changing workforce: a review of projections from 1986 to 2000. The Career Development Quarterly, 37, 31-38. Para esclarecer os casos não considerados nestes exemplos, os autores deverão consultar as normas de publicação da American Psychological Association (APA), última versão. Citações As citações deverão ser apresentadas com indicação de autor, data e localização (página). Submissão de artigos para publicação A submissão de artigos para a EXEDRA deverá ser efectuada via e-mail, anexando o ficheiro contendo o manuscrito em processador de texto Microsoft Word (*.doc) com as figuras e quadros numeradas de acordo com o formato solicitado 5
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editorial Publicar uma revista científica é uma aspiração antiga da Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC). Este projecto alicerça-se nas mais de duas décadas de actividade da Escola, tempo esse, de crescimento e maturação, que nos faculta no presente a capacidade para assumir um desafio editorial desta natureza. EXEDRA, título eleito, honra a visão, a missão e os desígnios institucionais, ao difundir o conhecimento e saber desenvolvidos por professores e investigadores e ao servir a sociedade, através da cooperação e intercâmbios científico, académico e artístico entre instituições e representantes das comunidades nacional e internacional. Idealizada com o intuito de partilhar pesquisas e opiniões, o objectivo desta publicação é criar e ampliar o espaço de interacção e discussão de saberes em multiplas áreas de estudo. Por isso, a EXEDRA adopta, espelhando o ambiente académico da sua sede, a diversidade de publicação em áreas científicas muito diferenciadas, aqui agregadas nas secções da Educação/Formação, das Artes e Humanidades e, da Comunicação e das Ciências Empresariais. Assume-se o compromisso de avançar com um projecto que enaltece a matriz da Escola. Explorando as vantagens da rapidez, do dinamismo, e sobretudo da acessibilidade que a internet como meio de comunicação a todos proporciona, edita-se a revista em versão electrónica - www.exedrajournal.com -, acreditando-se que desta forma, não só mais terão acesso à informação mas também todos poderão participar neste projecto de fomento à Investigação e ao Desenvolvimento. Rui Manuel Sousa Mendes
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Para o educador que queremos, que formação assegurar?
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Gabriela Portugal Centro de Investigação Educação e Ciências do Comportamento Departamento de Ciências da Educação - Universidade de Aveiro Resumo
Neste artigo é analisado o enquadramento legal da actividade dos educadores de infância, bem como aspectos das suas práticas pedagógicas e daquilo que pode ser considerado como indicador de qualidade. Esta análise serve de ponto de partida à reflexão sobre a formação destes profissionais.
Palavras-chave
Formação, Educação de infância, Competências
Abstract
This paper examines the legal documents that frame the labour of early childhood teachers. It then explores some central features of common and quality practices in that field and focus on the implications for the teacher education processes.
Key-words
Education, Early childhood education, Skills
Introdução Partindo-se daquilo que os documentos oficiais (que enquadram a acção do educador de infância) designam ou apontam como práticas de educação adequadas, neste texto, procura-se estabelecer um paralelo com práticas comuns no terreno da educação de infância e explicitar alguns elementos determinantes de práticas qualitativamente superiores. Estando identificado o educador desejável, a questão que se levanta é “que formação assegurar?” com vista à construção deste profissional. A partir de enunciados que enfatizam a praxis educacional como paradigma de construção de conhecimentos, pela mobilização da auto análise, reflexão e atitude investigativa, partilhar-se-á então algumas iniciativas que no domínio do desenvolvimento de competências em educação de infância, têm sido realizadas na Universidade de Aveiro. 9
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I. Enquadramento oficial do desempenho do educador de infância “Para que a educação pré-escolar possa contribuir para uma maior igualdade de oportunidades, as Orientações Curriculares acentuam a importância de uma pedagogia estruturada, o que implica uma organização intencional e sistemática do processo pedagógico, exigindo que o educador planeie o seu trabalho e avalie o processo e os seus efeitos no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças” (ME, OCEPE, 1997, p.18). Continuando com o enunciado das OCEPE (p. 25-28), a intencionalidade do processo educativo pressupõe observar, planear, agir, avaliar, comunicar e articular: planear de acordo com o que o educador sabe do grupo e de cada criança, implicando reflexão sobre intenções educativas e as formas de as concretizar/adequar ao grupo e a cada criança, procurando criar situações de desafio ainda que acautelando situações de excessiva exigência e envolvendo as crianças no próprio planeamento; agir, concretizando na acção as intenções educativas; avaliar o processo e os efeitos, envolvendo as crianças e legitimando o planeamento futuro a realizar; comunicar e articular com colegas, auxiliares, pais, agentes da comunidade, apostando no trabalho em equipa e promovendo a continuidade educativa e transição para a escolaridade obrigatória. No que remete para as competências de observação, avaliação e planificação o Perfil específico de desempenho do educador de infância (Decreto Lei nº 241/2001, de 30 de Agosto) vem acentuar o enunciado das OCEPE referindo a importância do educador conceber e desenvolver o respectivo currículo através da planificação, organização e avaliação do ambiente educativo, bem como das actividades e projectos curriculares, com vista à construção de aprendizagens integradas. Aponta ainda a importância de avaliar, numa perspectiva formativa, a sua intervenção, o ambiente e os processos educativos adoptados, bem como o desenvolvimento e aprendizagens de cada criança e do grupo. Neste processo torna-se crucial conhecer e saber utilizar procedimentos diversificados de observação, registo e avaliação, quer dos processos, quer dos efeitos (Gestão do Currículo na Educação Pré-Escolar – Circular nº 17/DSDC/DEPEB/2007). A mesma linha de pensamento se verifica no documento “Procedimentos e práticas organizativas e pedagógicas na avaliação na educação pré-escolar” (www.dgidc.minedu.pt/educação pré-escolar/avaliação). Em todo o discurso que atravessa os documentos oficiais que enquadram a acção do educador de infância, está presente a ideia de que (1) trabalhar de forma qualitativamente superior em educação de infância pressupõe que o educador seja capaz de responder adequadamente à diversidade das experiências de infância, presentes nos 10
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diferentes contextos educativos, procurando atender às circunstâncias que envolvem e caracterizam a vida da criança. Tal assumpção significa assumir nas práticas educativas uma dimensão ecológica (que no seu nível mais abrangente engloba dimensões como a cultura ou sub-cultura de uma comunidade ou família), o que traduz atenção, respeito e aceitação da diversidade de circunstâncias de vida, personalização do currículo, aceitação de outros pontos de referência. Significa selecção de objectivos e formas de intervenção considerando a cultura e ambiente natural das famílias! Significa questionamento das práticas! Significa que o educador problematize a sua própria cultura, questionando valores, aspirações, expectativas, práticas e crenças educativas; (2) trabalhar de forma qualitativamente superior pressupõe ainda que o educador de infância seja, não só um profundo conhecedor das áreas de conteúdo que aborda, mas também que utilize documentação e estratégias de avaliação que fundamentem a organização do ambiente educativo, o desenvolvimento do currículo e os processos de ensino-aprendizagem. Assim, a utilização de instrumentos de documentação e avaliação que possibilitem dar conta das especificidades e diversidades das infâncias, observáveis nos diferentes contextos educativos, sem deixar de responder ao carácter mais genérico das orientações oficiais e aos consensos científicos sobre a qualidade educativa, assume-se como algo determinante no desenvolvimento de práticas de elevada qualidade. II. Práticas comuns e práticas a desenvolver Quando observamos práticas pedagógicas comuns, como já referimos em outro lugar (Portugal, Libório e Santos, 2007), ressaltam algumas conclusões: 1. persistência de uma cultura educacional onde parece ser inexistente uma compreensão do outro-criança, sendo o currículo concebido independentemente das necessidades e interesses das crianças (perspectiva de intervenção focalizada na tarefa e na cultura do educador). Existe uma grande preocupação com as actividades oferecidas e dirigidas pelo adulto e uma desvalorização de actividades livres, rotinas, relações e diálogos, desafios criados ou emergentes na acção e comunicação das crianças; 2. pouca coerência entre princípios educacionais e teorias aprendidas durante a formação inicial e as práticas educacionais reais; 3. reflexão crítica e questionamento de práticas não suficientemente implementada (tendência para acomodação e ajustamento à cultura institucional); 4. pouco envolvimento e criatividade na resolução de problemas (raramente se assiste a inovação ou a atitudes empreendedoras). 11
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Neste contexto, quais as principais competências a desenvolver? Se a base para a progressão e alargamento dos saberes das crianças se encontra nas próprias crianças, nas suas actuais competências e desenvolvimento, ou seja, se a intencionalidade educativa preconizada nas OCEPE, “decorre do processo reflexivo de observação, planeamento, acção e avaliação, desenvolvido pelo educador, de forma a adequar a sua prática às necessidades das crianças” (ME, OCEPE, 1997, p.14), destacamos a competência de se ser centrado na criança. O que significa ou implica ser-se centrado na criança? 1. Capacidade para reconhecer e compreender a diversidade (cultura, desenvolvimento, experiência de vida...); 2. capacidade para aceder à perspectiva da criança (cognições, emoções...); 3. capacidade para articular e integrar num espaço de vida colectivo habitado por crianças e adultos, a diversidade de interesses e necessidades; 4. busca de congruência (teoria/acção) e/ou capacidade para (re)construir continuadamente o seu conhecimento sobre as crianças e sobre como aprendem. Na prossecução desta atitude, parece ser urgente estimular uma cultura de auto-avaliação, de reflexão e questionamento permanentes, tendo como ponto de referência os principais destinatários dos programas, as crianças, adoptando uma atitude experiencial – perceber o que significa para a criança viver e fazer parte de um determinado contexto educacional (experiencial porque processo de reconstrução da experiência da criança ao nível do próprio adulto educador). Tal processo não é simples. Se inicialmente a preocupação dos jovens recém licenciados em educação de infância se centra muito em si próprios (serei capaz? conseguirei ter o grupo sob controlo? os pais gostarão de mim? o que é que os colegas irão pensar de mim?), à medida que a experiência e maturidade tomam lugar, assistese a uma evolução significativa para uma prática centrada na tarefa. Agora, as questões colocam-se sobretudo ao nível do trabalho e formas de o realizar (porquê fazer, como fazer, quando, com quê?). Pelo seu pensamento e julgamento, o educador é capaz de tomar decisões, inovar, criar algo, ser eficaz, mas uma intervenção educativa verdadeira e qualitativamente superior pressupõe algo mais, pressupõe a capacidade de considerar a perspectiva dos outros, assumir que a dificuldade de alguém é o meu desafio, colocar-se na perspectiva da criança (e em consonância, ir mais devagar, dizer por outras palavras, propor outra abordagem, diversificar as actividades, etc.). Nesse momento, para além de dimensões essencialmente racionais, outras dimensões pessoais, como a empatia, intuição e autenticidade transparecem na relação. Para Laevers (1998), a intuição é um elemento crucial na qualidade do desempenho 12
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profissional, sobretudo em profissões que trabalham com o “humano”, ou naquelas em que a mera aplicação de rotinas ou técnicas deve dar lugar a interpretações. A consideração da perspectiva das crianças, em termos de bem-estar emocional e implicação (Laevers, 1995, 2003), permite a evolução de uma perspectiva técnica, centrada em si próprio ou na tarefa, para uma perspectiva centrada nos outros. Um educador acederá ao significado e motivações da criança, quando for capaz de estabelecer contacto com a criança, ganhar a sua confiança, fazendo com que esta queira partilhar os seus sentimentos, experiências e opiniões. É tarefa do educador estimular e envolver as crianças nas actividades, procurando compreender o que é que realmente as mobiliza, o que é que é realmente importante para elas, quais as suas motivações, que sentido dão às actividades. A sensibilidade do adulto implica o reconhecimento dos “sinais” que a criança emite devendo ser capaz de “ler” a expressão da criança, compreender a sua implicação nas actividades, perceber o significado dos seus actos e que questões é que se lhe levantam. É igualmente tarefa do educador, o estabelecimento de uma relação afectuosa com a criança, experienciando esta o apoio e disponibilidade do adulto. A sensibilidade necessita de ser complementada com responsividade, isto é, o educador comunica a sua atenção, respeito e compreensão da experiência da criança, tornando claro que está disponível para apoiar a criança. Este papel de apoio em que o adulto, em conjunto com a criança, cria uma zona de desenvolvimento próximo, requer a mais alta competência do adulto, como refere Janssen-Vos (2003), ao nível de: 1. concepção e planeamento de actividades no prolongamento do actual desenvolvimento e motivações da criança; 2. envolvimento das crianças na escolha dos temas e actividades e suporte às suas iniciativas e projectos; 3. participação nas actividades de modo a, em interacção com as crianças, intervir de forma estimulante, promovendo aprendizagem e desenvolvimento; 4. introdução de uma organização educativa que torne possível brincar e trabalhar com as crianças em pequenos grupos, de modo interactivo; 5. observação, reflexão e avaliação das crianças de forma a que exista informação disponível para o planeamento e apoio a actividades futuras; 6. elaboração de um ciclo permanente de concepção e planeamento do currículo, acção, reflexão e avaliação. Em suma, uma prática pedagógica adequada inclui a provisão de um ambiente lúdico e de aprendizagem estimulante, actividades escolhidas pelas crianças e um acompanhamento por parte de um educador responsivo, que apoia, informa, modela, 13
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explica, questiona, canaliza o interesse da criança para objectivos socialmente desejáveis, mas que não domina o pensamento da criança nem interfere na sua liberdade de escolha, promovendo a sua autonomia, criatividade e empreendedorismo. Sendo um importante papel do educador o de mediar a entrada da criança na cultura, algo em permanente mudança, isto requer, por um lado, respeitar a intencionalidade, os conhecimentos, o nível de compreensão da criança e, por outro lado, promover aprendizagens e actividades socialmente desejáveis. Hoje, literacia, numeracia e desenvoltura tecnológica fazem parte das competências consideradas indispensáveis na nossa sociedade. Como integrar estes aspectos da cultura contemporânea no currículo do jardim-de-infância é algo desafiante, que necessita de conjugação entre autonomia da criança e participação em actividades de numeracia e literacia, tal como necessita de conjugação a ideia de jogo e aprendizagem (Bennett, 2004). Segundo Laevers (2004a; 2004b), o estudo de contextos de qualidade em educação de infância aponta traços comuns, independentemente do modelo pedagógico assumido: respeito pela criança; espaço para autonomia e iniciativa das crianças; ambiente rico/estimulante; interacção, comunicação, diálogo; representação/ abstracção e, finalmente, ênfase na observação (e reflexão consequente, acrescentamos nós). III. Que formação assegurar Se tanto se fala aos alunos futuros educadores de infância, da importância de estratégias pedagógicas respeitadoras da criança e sua cultura, da importância de aprendizagens activas, da atenção às particularidades, necessidades e interesses dos destinatários da acção educativa… como explicar o hiato entre o trabalhado (transmitido?) na formação e muitas das práticas que se verificam no terreno da educação pré-escolar? Uma maneira de se avaliar a eficácia de uma determinada formação consiste na verificação do grau em que competências e conhecimentos se mantêm uma vez terminado o tempo de formação. É um facto que, uma vez este terminado, muitos alunos retomam padrões comportamentais pré-concebidos ou pré-existentes. Vários autores consideram que a manutenção das competências (Peters & Kostelnik, 1981) é influenciada pela maneira como o desenvolvimento das mesmas ocorreu durante o tempo de formação, se de uma forma mais superficial ou mais profunda. A forma mais superficial acontece, por exemplo, quando os alunos aderem a determinadas ideias ou propostas como forma de obtenção de determinadas recompensas extrínsecas (por exemplo, uma boa nota na cadeira). Estes alunos aderem às propostas de formação, mas 14
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têm uma visão limitada do quadro teórico apresentado, sendo capazes de demonstrar determinadas aquisições de conhecimentos ou mesmo competências apenas sob supervisão directa e/ou em situação de teste. Uma vez terminada a formação tais competências diluir-se-ão. Como salienta Giordan (1998) pode-se aprender sem forçosamente compreender. Podemos conhecer sem, forçosamente, reutilizar esse saber. Uma coisa é possuir um conteúdo, outra coisa é potencializá-lo. Um nível mais aprofundado de desenvolvimento de competências ocorre quando os alunos as adoptam por admiração ou simpatia pelo professor envolvido no seu processo de formação. Podem mesmo acreditar nessas ideias e práticas, compreender o seu enquadramento teórico, identificarem-se com elas, mas essa atitude baseia-se sobretudo numa elevada consideração por aqueles que advogam um determinado programa e não tanto por uma análise objectiva de conteúdos do programa. Este tipo de alunos tende a adoptar essa abordagem durante um certo período de tempo mas facilmente retomam ideias e práticas pré-concebidas. Continuando com Giordan (1998), aprender no seu sentido forte implica uma significativa dinâmica pessoal de elaboração e de mobilização, trazendo algo mais e novo ao indivíduo. Nesta acepção, as questões, as ideias iniciais, as formas de raciocínio habitual modificam-se quando o indivíduo aprende. Acresce dizer, como Giordan, que apenas os aprendentes podem elaborar os seus próprios significados, compatíveis com aquilo que eles são, ou seja, o aprendente aprende através daquilo que ele é e daquilo que ele sabe. Assim, a tomada em consideração de concepções e convicções do aprendente deverá constituir o ponto de partida de qualquer projecto educativo. Aprende-se a partir das próprias concepções, concepções estas que com a aprendizagem importa modificar. Nesse sentido, podemos considerar que o nível mais completo de desenvolvimento de competências, na formação de educadores ou professores, acontece quando os alunos encaram a abordagem teórico-prática a desenvolver como uma extensão dos seus próprios princípios ou valores. A formação é facilmente interiorizada, pois adquire um sentido lógico para a prossecução de objectivos e valores pessoais. As competências desenvolvidas mantêm-se porque os alunos identificam-se com um determinado projecto educativo e interiorizam-no plenamente retirando dele satisfação pessoal. É um processo que se articula bem com a ideia de Ausubel: o factor singular mais importante que influencia a aprendizagem é o que eu já sei, conheço ou sou, sendo tudo isso construído num longo processo experiencial singular e real. Como esperar que os educadores sejam capazes de desenvolver um programa de qualidade, centrado nas necessidades das crianças ou famílias, se porventura nunca conheceram e muito menos experienciaram uma 15
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situação de ensino centrada neles próprios? Em termos educativos, o processo de aprendizagem de adultos futuros educadores tem lugar quando significativas partes do processo de desenvolvimento (que é também aprendizagem) já estão integradas. A expressão “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”, traduz bem a distância que, vulgarmente, existe entre aquilo que é explicitado pelos formadores das instituições de ensino superior e as suas acções reais, sugerindo que as abordagens desenvolvidas nas instituições de formação são, por exemplo, muito pouco centradas nos estudantes. Assim, um programa de formação de adultos não pode ignorar a importância da promoção de competências de auto análise e reflexão crítica, dimensões estas, com frequência, negativamente influenciadas pelas experiências escolares prévias, nem pode limitar a formação pedagógica do educador à aquisição de conceitos e estratégias, mas deve alargar-se à exploração activa de um campo vasto de conhecimentos e à sua análise crítica, à luz das experiências reais de vida. Ou seja, deve focalizar-se no desenvolvimento de competências, naturalmente contextualizadas, assegurando a construção de saberes que se renovam pelo confronto com as questões do terreno e práticas fundadas em juízos analíticos e teorizadores da acção. Como refere Tochon (1993) o futuro profissional aprende a enquadrar e reenquadrar um problema, trabalhando-o. A progressão, quer na reflexão, quer na prática, acontece através de abordagens prático-reflexivas onde a auto-análise é fundamental, onde é pedido aos alunos a monitorização dos seus próprios progressos e reconhecimento das competências desenvolvidas. Como já escrito anteriormente (Portugal, 2001), é difícil que um programa de formação, mesmo o melhor programa de formação, assegure que todos os formandos interiorizem e desenvolvam todas as competências desejadas. Contudo, alguns aspectos de um programa de formação parecem afectar directamente o processo de desenvolvimento profissional. A relevância ou significado de um programa de formação é um deles. A relevância tem a ver com o grau de consistência da formação com as necessidades ou interesses dos formandos. É mais provável que aconteça a construção de conhecimentos quando os conteúdos e objectivos de um programa se relacionam com áreas em que os formandos têm interesse em desenvolver conhecimentos. É importante que o aluno tenha uma percepção da importância do que está a aprender para a sua prática profissional. A visibilidade da formação é uma outra variável fundamental. A formação é mais consequente quando o seu uso pode ser demonstrado. Uma forma de tornar a formação mais visível inclui demonstrações de competências, directamente na observação ou interacção com as crianças ou indirectamente, por exemplo, através de role-play ou 16
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análise de filmes ou de casos. Estreitamente relacionada com a visibilidade está a percepção relativa de vantagens. É um conceito que se refere ao que podemos fazer ou obter com as coisas aprendidas e que não conseguimos fazer com outras estratégias alternativas. A oportunidade de testemunhar e experimentar os efeitos de abordagens correctas ou incorrectas parece ser desejável. Importa, pois, que a natureza de uma intervenção e de um currículo em educação de infância seja explorada, desde os primeiros anos de formação, permitindo aos futuros educadores aprender a observar e a pensar sobre a adequabilidade de um programa para crianças. Nesse sentido, qualquer formação inicial deve incluir uma significativa dimensão de trabalho de campo que permita a observação e participação em programas para a infância nos mais diversos contextos (desde comunidade e famílias, até bibliotecas, ludotecas, hospitais pediátricos, equipas de intervenção precoce junto de famílias e crianças em risco, amas, creches e jardins de infância...), bem como incluir experiências de prática pedagógica, de responsabilização gradual por um grupo de crianças e de investigação/acção em torno de áreas importantes da actividade profissional do educador de infância. Desenvolvendo-se as crianças em contextos culturais que determinam as suas experiências, e o sentido que dão a essas experiências, torna-se importante que na sua formação os educadores possam explorar diferentes contextos culturais. Esta exploração é extremamente significativa para o conhecimento e compreensão de um educador de infância que deverá trabalhar como membro de uma equipa e em parceria com as famílias. Isto envolve observação e reflexão sobre o modo como os diferentes contextos culturais se organizam e influenciam a criança. A capacidade do estudante realizar essa exploração é limitada pelos constrangimentos que advêm do facto de as suas próprias percepções serem enviesadas pela natureza do seu próprio background cultural. Consequentemente, necessitam de desenvolver a capacidade de explorar e questionar os seus próprios valores e expectativas e as respectivas raízes sócioculturais. É assim importante que a sua formação lhes permita analisar os objectivos subjacentes a diferentes abordagens educativas, as consequências da sua adopção e a avaliação dessas consequências. Se qualquer profissional começa por ser novato e inexperiente, e se apenas um número limitado de pessoas atinge um estado de desenvolvimento elevado, acedendo àquilo que se pode considerar de “sabedoria” e excelência, independentemente do nível que os profissionais possam atingir, será impossível formar educadores definitivamente preparados, sem necessidade de actualização e melhoria nas suas práticas pedagógicas, sendo crucial a aposta na formação de um espírito crítico que 17
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desafie, coloque questões e alargue o pensamento. A formação de educadores deverá, portanto, promover uma atitude de abertura e de questionamento relativamente a diferentes perspectivas e modos de actuar. É largamente aceite hoje em dia que o grande marco na formação de profissionais de educação é promover a construção de alguém que frequentemente considera e questiona o seu trabalho e, com base em diferentes informações, ideias e opiniões é capaz de alterar e desenvolver novas formas de trabalho. Assegurar educadores reflexivos, dialogantes, abertos à mudança e à aprendizagem ao longo da vida é o principal desafio que se levanta às instituições de formação. IV. Desenvolvimento de competências, uma experiência na Universidade de Aveiro (UA) na formação de educadores Assumindo-se a importância de desenvolver estratégias de ensino coerentes com os princípios e teorias apregoadas ao longo da formação, na UA tem-se procurado desenvolver iniciativas que permitam que os estudantes vivam situações de aprendizagem próximas das que se pretendem que venham a desenvolver junto das crianças. Assim, pretende-se apresentar a experiência da UA na formação de educadores, considerando a auto-reflexão das estudantes sobre as suas experiências e o seu processo de desenvolvimento de competências tendo por base um instrumento digital de autoavaliação processual da formação em educação de infância (AAP-EI)1 (Heylen, 2003) e o SAC (sistema de acompanhamento das crianças)2. Formar educadores capazes de justificar a sua intervenção educacional e de organizar experiências significativas para as crianças, sendo centrado na criança,
considerando a implicação e o bem-estar emocional e promovendo o desenvolvimento de competências, é uma tarefa complexa e desafiadora. Considerando, na linha do já referenciado anteriormente, que os principais factores que afectam a aprendizagem são “aquilo que eu experienciei” e “aquilo que já conheço”, parece ser crucial que os futuros educadores, enquanto estudantes, reconheçam os processos e fundações da sua própria aprendizagem e desenvolvimento, considerando as suas experiências de prática pedagógica, focalizando-se no seu próprio envolvimento/implicação, bemestar emocional e desenvolvimento. Assume-se que a auto avaliação dos alunos em torno do seu bem-estar e implicação ao longo da formação e prática pedagógica em educação de infância, bem como em torno do seu desenvolvimento de competências em função do perfil de desempenho profissional do educador de infância (DecretoLei nº 240/2001) suscita uma reflexão sobre o próprio processo formativo, com um 18
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valor desenvolvimental intrínseco, permitindo ainda que os alunos cresçam para além da preocupação consigo próprios, potenciando a consideração da perspectiva dos outros. A utilização deste instrumento tem sido considerada pelas estudantes como uma estratégia de ensino e de aprendizagem interessante e estimulante. Utilizando o instrumento de auto avaliação processual em educação de infância (AAP-EI), as alunas exploram de forma activa a ideia de construção de conhecimentos, e não tanto de reprodução, partindo de situações reais/vividas de avaliação. As estudantes são convidadas a reflectir sobre “que factores contribuem para o meu bem estar e implicação no processo de aprendizagem - factores pessoais e factores contextuais?” (factores pessoais como motivação e interesse, auto-confiança e energia, atitudes perante o trabalho em equipa e/ou autónomo, qualidade da minha comunicação, etc.; factores contextuais como aspectos da vida privada, organização e funcionamento geral do curso/prática pedagógica, tipo de reuniões, trabalho em equipa, etc.), “em que medida domino as competências profissionais de um educador de infância?” (do ponto de vista da concepção e organização do contexto educativo, observação, planificação e avaliação, relação e acção educativa, desenvolvimento do currículo, participação na escola e relação com as famílias e comunidade, capacidade reflexiva, investigativa e de desenvolvimento profissional ao longo da vida). Na sua exploração, o AAP-EI confere às alunas não só a possibilidade de perceberem como poderão gerir melhor a sua vida académica, como também uma linha orientadora em relação às atitudes e competências a investir. Para além disso, a própria equipa de formadores, bem como a própria instituição UA, obtêm importante informação sobre aspectos de melhoria dos seus serviços e organização pedagógica. Em paralelo, ao longo da sua prática pedagógica, pela utilização do SAC (sistema de acompanhamento das crianças), as alunas são incentivadas a pensar sobre os factores que, no jardim-de-infância, contribuem para o bem-estar e implicação das crianças (por exemplo, considerando a qualidade da oferta educativa, o clima do grupo, o espaço para iniciativa, a organização da rotina diária, o estilo do adulto, mais ou menos caracterizado por sensibilidade, estimulação e promoção de autonomia) e que competências desenvolvem as crianças com quem interagem (sociais e emocionais, motoras, expressão, linguagem e comunicação, raciocínio e compreensão, autonomia ou auto-organização). A utilização do SAC permite a dinamização de um ciclo contínuo de observação, avaliação, reflexão e acção focalizado no bem-estar, implicação, aprendizagem e desenvolvimento das crianças, integrando a concepção e desenvolvimento de estratégias de intervenção e de organização do ambiente educativo que melhor parecem adequar-se às características do grupo em presença. 19
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Tendo como inspiração o trabalho de Laevers et al. (1997), a construção deste instrumento estrutura-se em torno do princípio de que a avaliação deve ser processual e deve tornar possível o desenvolvimento de práticas orientadas não apenas pelos futuros benefícios ou efeitos (aprendizagens e desenvolvimento de competências das crianças) mas também pela actual qualidade de vida das crianças (nomeadamente, considerando níveis de bem estar e de implicação das crianças nas actividades). No processo de observação e documentação torna-se crucial utilizar formas de registo susceptíveis de identificarem quer as forças, quer as áreas de fragilidade que necessitam de atenção e intervenção priorizadas, quer ainda as opiniões das crianças relativamente às “coisas que lhes dizem respeito”, permitindo a monitorização dos progressos subsequentes (atendendo de imediato aos processos de implicação e de bem-estar emocional experienciados pelas crianças) e a tomada de decisão sobre a intervenção. Desta forma, procura-se na UA formar futuros educadores que conheçam e saibam utilizar procedimentos diversificados de observação, registo e avaliação, quer dos processos, quer dos efeitos (Gestão do Currículo na Educação Pré-Escolar – Circular nº 17/DSDC/DEPEB/2007); “Procedimentos e práticas organizativas e pedagógicas na avaliação na educação pré-escolar” (www.dgidc.min-edu.pt/educação pré-escolar/ avaliação; OCEPE, Decreto Lei nº 241/2001, de 30 de Agosto). O ciclo de observação e reflexão inerentes ao SAC comporta diferentes fases ou momentos: (1) observação e avaliação geral de todo o grupo de crianças – considerando níveis de implicação e de bem-estar emocional das crianças, identificando desde logo aquelas que suscitam preocupação pelo facto de apresentarem níveis de implicação ou de bem-estar emocional baixos (em risco de estagnação desenvolvimental); (2)
análise e reflexão sobre a observação e avaliação geral, procurando perceber a relação entre níveis de implicação e de bem-estar e a organização do ambiente educativo, e (3) definição de objectivos e de iniciativas para o grupo em geral e para algumas crianças em particular (nomeadamente, as que evidenciam níveis mais baixos de implicação e bem-estar ou que suscitam interrogação ou preocupação), em função das análises antecedentes. Verificamos que uma vez percorrido o ciclo contínuo de observação-avaliaçãoacção, as capacidades de empatia e de consideração das perspectivas das crianças são reforçadas, bem como a capacidade para problematizar e questionar uma série de hábitos e rotinas, além de o aluno educador conhecer uma maior inspiração e orientação para tentar diferentes abordagens e inovar. Se o bem-estar e implicação das crianças aumentam, o educador sabe que está no caminho certo. Sabe que está a 20
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promover e fortalecer a auto confiança das crianças, a alimentar a sua curiosidade e ímpeto exploratório, a desenvolver os seus talentos e competências. Na nossa extensa interacção e diálogo com alunas em prática pedagógica supervisionada temos vindo a concluir, de forma consistente, sobre a utilidade dos instrumentos AAP-EI e SAC. Na utilização do SAC, as alunas aprofundam a sua compreensão em torno de conceitos chave como implicação, bem-estar emocional, currículo e áreas de conteúdo conectados com o desenvolvimento de competências das crianças, além de robustecerem práticas que integram a observação, escuta da criança, avaliação, reflexão e desenvolvimento curricular. Considerando os perfis de desempenho profissional, o SAC e AAP-EI parecem ir bem ao encontro daquilo que se preconiza ao nível das competências de concepção e organização do ambiente educativo; observação, planificação e avaliação; relação e acção educativa; desenvolvimento do currículo; trabalho de equipa e finalmente, competências ao nível da capacidade reflexiva, investigativa e de desenvolvimento profissional ao longo da vida. V. Concluindo… O desenvolvimento de projectos e de instrumentos que apoiam os estudantes no seu processo de construção, auto-análise e avaliação do desenvolvimento de competências, tem permitido uma auto-avaliação do nosso próprio processo de ensino na formação de educadores. Os dados evidenciados pelo AAP-EI tornam clara a importância de assegurar uma maior articulação do trabalho docente que acautele a pertinência científica e o seu sentido profissionalizante do ponto de vista dos destinatários, invertendo ou lutando contra a lógica atomista da formação em
que facilmente se incorre numa instituição onde a docência conta com o contributo de vários departamentos e áreas científicas. Relacionada com a visão integradora da formação e a necessidade de articulação entre docentes, evidencia-se também como crucial que os alunos conheçam e vivenciem activamente experiências de prática pedagógica desde os primeiros anos do curso, complementando abordagens científicas, pedagógicas e didácticas, concebendo processos de avaliação interdisciplinar baseados em “competências” (e não apenas na reprodução de factos ou conteúdos). Sabemos nós, professores do ensino superior, fazer isto? Ao longo de todo o processo de formação, são fundamentais momentos para experimentar e reflectir, individualmente e em grupo, de forma construtiva e aberta, sobre aspectos positivos e negativos percebidos, clarificando e comunicando com os outros, sobre o que é que funciona, como é que funciona, com que crianças,... 21
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estimulando-se a exploração e compreensão activa da realidade, a teoria elucidando a prática e a prática complexificando a teoria. Em simultâneo, a atenção ao bem-estar emocional e implicação das crianças, a consideração da perspectiva das crianças e a abertura de espaços de comunicação para a emergência da sua voz, permite a evolução de uma perspectiva técnica, centrada em si próprio ou na tarefa, para uma perspectiva centrada nos outros. A mobilização da capacidade de empatia ao nível de sentimentos, cognições e motivações, assim como a busca de estratégias que possibilitem a escuta da criança nas suas diversas linguagens, estão na base do desenvolvimento de competências observacionais, reflexivas, investigativas e de aprendizagem ao longo da vida.
Bibliografia Bennet, J. (2004). Curriculum issues in national policy making, Paris, OECD // Conferência realizada em 14th Annual Conference on Quality in Early Childhood Education, subordinada ao tema Quality Curricula: the influence of research, policy and praxis. Malta, 1-4 de Setembro de 2004. Decreto Lei nº 241/2001, de 30 de Agosto - Perfil específico de desempenho do educador de infância. Giordan, A. (1998). Apprendre ! Paris: Éditions Belin. Heylen, L. (2003). A process-oriented self-assessment instrument for students in teacher training. In F. Laevers & L. Heylen (Eds.), Involvement of children and teacher style, Insights from an international study on experiential education (pp.173-182), Studia Paedagogica 35, Leuven: University Press. Janssen-Vos, F. (2003). Basic development: developmental education for young children. In Bert van Oers (Ed.), Narratives of childhood. Amsterdan: VU University Press. Laevers, F. (1995). An exploration of the concept of involvement as an indication for quality in Early childhood care and cducation. Dundee: CIDREE Scottish. Laevers, F. (1998). Understanding the world of objects and of people: intuition as the core element of deep level learning. International Journal of Educational Research, 29, 69-86. Laevers, F. (2003). Experiential education - Making care and education more effective through well being and involvement. In F. Laevers & L. Heylen (Eds.), Involvement of children and teacher style, Insights from an International Study on Experiential Education (pp. 13-24), Studia paedagogica 35, Leuven: 22
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University Press. Laevers, F. (2004a). Competences in teacher education. Implications of a processoriented approach, Keynote presented at international conference improving quality of education, Working on basic competences in teacher education, a process oriented approach (Socrates Project 2003-0200 001-002 SO2 61OBGE) Leuven, Belgium, 18-20 November 2004. Laevers, F. (2004b). The curriculum as a means to raise the quality of ECE: a critical analysis of the impact of policy. Conferência realizada em 14th annual conference on quality in early childhood Education, subordinada ao tema Quality Curricula: the influence of research, policy and praxis. Malta, 1-4 de Setembro do 2004. Laevers, F., Vandenbussche, E., Kog, M. & Depondt, L. (1997). A process-oriented child monitoring system for young children. Experiential Education Series, nº2, Leuven: Centre for Experiential Education. Ministério da Educação (Ed.). (1997). Orientações curriculares para a educação Préescolar. Lisboa: ME. Ministério da Educação, Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (2007). Circular nº 17/DSDC/DEPEB/2007 - Gestão do currículo na Educação pré-escolar (consultado em http://sitio.dgidc.min-edu.pt/pescolar/Paginas/ default.aspx). Ministério da Educação, Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (2007). Procedimentos e práticas organizativas e pedagógicas na avaliação na educação pré-escolar (consultado em http://sitio.dgidc.min-edu.pt/pescolar/ Paginas/default.aspx). Peters, D.L. & Kostelnik, M. (1981). Current research in day care personnel preparation, Advances in Early Education and Day Care, 2, 29-60. Portugal, G (2001). Ser educador de infância: Ideias para a construção do conhecimento pedagógico. In J. Tavares e I. Brzezinski (Org.), Conhecimento profissional de professores – a práxis educacional como paradigma de construção (pp.153185). Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, Editora Plano. Portugal, G. Libório, O. e Santos, P. (2007). Combinando teoria, praxis e reflexão sobre o desenvolvimento de competências na formação de educadores, na Universidade de Aveiro. In E. C. Martins (org), Actas do VIII Congresso da SPCE “Cenários de educação/formação: novos espaços, culturas e saberes. Tochon, F.V. (1993). L’enseignant expert, Paris: Édition Nathan.
23
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1 2
http://aulanet12.cemed.ua.pt/aapei/index.asp O desenvolvimento do SAC integra-se num projecto financiado pela FCT – PTDC/CED/67633/2006
Correspondência
Gabriela Portugal Departamento de Ciências da Educação Universidade de Aveiro Centro de Investigação Educação e Ciências do Comportamento gabip@dce.ua.pt
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O movimento de descentralização curricular: as percepções dos professores do Agrupamento de Escolas de Atouguia da Baleia sobre a Gestão Flexível do Currículo z
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Carlos Januário Faculdade de Motricidade Humana - Universidade Técnica de Lisboa Júlia Sousa Santos Agrupamento de Escolas de Atouguia da Baleia
Resumo
Qual o compromisso dos professores do Agrupamento de Escolas de Atouguia da Baleia com o Projecto de Gestão Flexível do Currículo? O PGFC assumiu como focos a mudança para novas formas de gestão curricular, a criação de condições de maior sucesso escolar e o desenvolvimento profissional dos docentes, assente no trabalho colaborativo e no envolvimento da comunidade educativa na construção de projectos. Aplicou-se um questionário a todos os docentes e 4 entrevistas. Há sinais ténues e pontuais de indicadores de mudança preconizados pelo PGFC; os docentes manifestaram sentimentos contraditórios sobre as decisões curriculares tomadas a nível central e local; verificou-se a existência de trabalho colaborativo entre professores de diferentes áreas disciplinares e entre ciclos e níveis de ensino, com maior relevância para os 2º e 3º ciclos do EB; não houve nenhum factor que tivesse sido considerado de forma consensual como determinante na implementação e no sucesso do PGFC.
Palavras-chave
Currículo, Gestão curricular, Descentralização curricular, Ensino básico
Abstract
Which are the commitments of the Atouguia da Baleia Schools teachers’ about the Flexible Management Curriculum Project (FMCP)? This project focused the change on new forms of curriculum management, searching more school success and teachers professional development, hold by collaborative work and by the involvement of the school community on projects design. We applied a questionnaire to all teachers and 4 interviews. We saw a low and accidental signs of change praised by the FMCP; teachers revealed contradictory feelings about curricular decisions taking by central and local level; it was verified a collaborative work between teachers of different areas and school levels, more relevant for those of the 2nd and 3rd levels of the elementary education; no factor that had been considered consensual as determinant to the implementation and the success of the FMCP.
Key-words
Curriculum, Curriculum management, Curriculum decentralization, Elementary education 25
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1. Introdução Desde os anos 80 assistimos a uma mudança de política educativa e de discurso curricular, nomeadamente no que respeita ao poder de decisão por parte das escolas e dos professores (Morgado, 2000a; Pacheco, 2000). Esta mudança é verificada não só em Portugal como também na generalidade dos países ocidentais (Vonk, 1997; Morgado, 2000b; Roldão, 2003). Traduzido no reforço da autonomia das escolas e dos poderes regionais e locais, este movimento conduz-nos a uma das questões mais debatidas no quadro das actuais políticas educativas – a descentralização dos poderes do Estado1. A descentralização implica a delegação de poderes e competências nos que estão no contexto de realização, o reconhecimento da escola como unidade básica do sistema, a valorização de modelos curriculares de aprendizagem contextualizados e a eleição do poder local e da comunidade como parceiros. Ora, o reconhecimento da escola como decisora privilegiada e a valorização de modelos curriculares de aprendizagem contextualizados leva à descentralização no campo curricular, tendo vindo a verificarse formas de “devolução de poderes não negligenciáveis” (Afonso, 1999, p.60), de que a Gestão Flexível do Currículo (GFC) é um dos primeiros exemplos. Reconhecendo que a uniformidade curricular não é consentânea com a diversidade social com que as escolas lidam, surge a necessidade de repensar o sistema escolar. Pretende-se que exista um currículo (re)construído localmente, afirmado crescentemente sobre a lógica do currículo nacional e centrado essencialmente na gestão diária do processo ensino-aprendizagem, para um ambiente de administração descentralizada, de uma escola autónoma e de uma concepção de professor construtor do currículo, e não apenas executor numa lógica top-down. É no contexto político e teórico de descentralização curricular2 que surge em 1996/97 o Projecto de Reflexão Participada sobre os Currículos do Ensino Básico (EB), iniciando o debate sobre o currículo neste nível de ensino e a sua gestão. O diagnóstico do sistema educativo revelado indicava: 1. Falta de articulação entre os diferentes ciclos do EB e destes com o Secundário; 2. Excessiva uniformização do currículo e das estratégias educativas; 3. Elevada carga horária para os alunos; 4. Programas com elevado número de disciplinas, sem contacto umas com as outras. 26
Carlos Januário • Júlia Sousa Santos • O movimento de descentralização curricular
Como foco procurava-se a gestão diferenciada dos currículos, implicando mudanças ao nível das práticas e da cultura escolar, estando subjacente a necessidade de modificar a concepção de currículo vigente (entendido genericamente “como um conjunto de normas a cumprir de modo supostamente uniforme”). O Projecto de Gestão Flexível do Currículo (PGFC) visava “promover uma mudança gradual nas práticas de gestão curricular nas escolas do ensino básico, com vista a melhorar a eficácia da resposta educativa aos problemas surgidos da diversidade dos contextos escolares” (Despacho nº 9590/99), com esperada repercussão nas aprendizagens dos alunos à saída do EB, apelando à tomada de decisão dos docentes e a formas de trabalho colegial, implicando a participação da comunidade educativa nos projectos curriculares da escola. Para concretizar estes objectivos as escolas elaboraram e implementaram projectos de GFC. No ano lectivo de 1997/98 participaram 10 escolas/ Agrupamentos, sendo 33 no ano seguinte. Na origem, este movimento de descentralização curricular tem como cenário e como propaganda a valorização do professor que toma o lugar central na tomada de decisão. No entanto, e contraditoriamente, emergem em alguns países tendências de empobrecimento do papel do professor, que Apple (2008) explica como sendo produto da conexão entre duas dinâmicas que operam nas reformas educativas de tipo neoliberal: o mercado livre e o aumento da regulação e controlo (os rankings das escolas, o foco na eficiência da gestão ou a avaliação dos professores, são apenas três exemplos à mão), usando o lema “toward a small strong state” As questões que orientaram este trabalho foram as seguintes: 1. A GFC contribuiu para alterar a concepção do professor na sua relação com o currículo? Pretendia-se perceber como os professores se posicionam em relação ao currículo, se como executores de algo determinado superiormente e a que são alheios, ou como construtores do currículo numa perspectiva de projecto (educativo, curricular e de turma). 2. Em que medida a implementação do PGFC produziu uma mudança nas representações dos professores? Quisemos perceber as alterações relacionadas com tomadas de decisão sobre o ensino e a aprendizagem, decorrentes do PGFC. 3. A implementação do PGFC produziu mudanças ao nível das representações sobre as atitudes e práticas nas relações entre professores? Pretendia-se questionar o trabalho colaborativo entre docentes e inter-áreas nas escolas e inter-ciclos e interescolas dentro do agrupamento. 4. Que tipo de constrangimentos se colocaram à escola e aos professores com o PGFC? Quisemos perceber quais as dificuldades, problemas ou questões com que os 27
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professores se depararam na sua implementação. Assim, pretendeu-se dar resposta às questões de pesquisa a partir das percepções dos professores do Agrupamento de Escolas de Atouguia da Baleia e dos seus quadros de referência às questões de concepção, gestão e implementação curricular, e pretende reflectir sobre o tipo de mudanças verificadas e sobre as percepções dos professores acerca das questões curriculares no quadro de uma maior autonomia decisional.
2. Metodologia Seguiu-se um design combinando técnicas das duas tradições – quantitativa e qualitativa, e duas fases de pesquisa. A primeira fase, de carácter extensivo, considerou a população docente do Agrupamento de Escolas de Atouguia da Baleia (incluindo a Educação Pré-escolar), com e sem componente lectiva (total de 139 docentes), e aplicou-se um questionário, apurando-se 110 questionários (79% de taxa de retorno). Na construção do questionário houve dificuldades em elaborar questões tanto para Educadores de Infância como para os docentes dos vários ciclos do EB, face a características distintas (organização curricular, pedagógica e institucional, regime de docência e filiação disciplinar). A caracterização dos respondentes ao questionário é apresentada no Quadro 1. Sobre as percepções docentes elaboram-se 36 questões fechadas, construídas a partir dos objectivos do PGFC enunciados no Despacho nº 9590/99 e das questões de partida, organizadas em cinco blocos temáticos: 1) Objectivos do PGFC; 2) Currículo; 3) Autonomia e flexibilidade curricular; 4) Atitudes e práticas do trabalho colaborativo; 5) Influência em tomada de decisões.
28
Carlos Januário • Júlia Sousa Santos • O movimento de descentralização curricular
n Quadro 1. Caracterização da população respondente ao questionário (n=110) n
%
Género
Feminino Masculino
89 21
80,9 19,1
Idade
21-25 anos 26-30 anos 31-35 anos 36-40 anos 41-45 anos + de 46 anos
7 22 19 20 16 26
6,4 20.0 17,3 18,2 14,5 23,6
Tempo de Serviço
1-5 anos 6-10 anos 11-15 anos 16-20 anos 21-25 anos + de 25 anos
23 23 11 22 11 20
20,9 20,9 10.0 20.0 10.0 18,2
Habilitações literárias
Mestrado Licenciatura Bacharelato Outra (Magistério Primário)
4 71 33 2
3,6 64,5 30.0 1,8
Situação Profissional
Contratado/Provisório Quadro Distrital de Vinculação/ Quadro de Zona Pedagógica Quadro Único/Quadro Geral/ QND
15
13,6
35 60
31,8 54,5
Pré-Escolar 1º CEB 2º CEB 3º CEB
8 46 21 35
7,3 41,8 19,1 31,8
Pré-Escolar 1º CEB Letras Ciências Humanas e Sociais Ciências Exactas e da Natureza e Tecnologias Expressões
9 42 20 6 19 14
8,2 38,2 18,2 5,5 17,3 12,7
Nível de Ensino
Grupo de Docência
Os dados obtidos foram objecto de tratamento estatístico, utilizando-se a frequência e medidas de tendência central, de dispersão e de associação. O questionário apresentou um alto valor de consistência interna (.86 de alfa de Cronbach). Na segunda fase do estudo, qualitativa e de carácter descritivo, aprofundando os dados obtidos por questionário, foi elaborado um guião de entrevista a partir das questões de maior desvio-padrão, i.e., aquelas de menor consenso de opinião. Seleccionou-se uma amostra intencional de 4 docentes (Quadro 2), recorrendo à classificação hierárquica, com cluster analysis e análise discriminante, com a preocupação de incluir docentes de vários ciclos de ensino. Fizemos a pertença dos docentes em 4 grupos para determinar elementos característicos de cada grupo; por proximidade ao centróide, do grupo 1 seleccionou-se o elemento 7; do mesmo modo 29
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seleccionou-se os elementos 73 e 54 do grupo 2; não se seleccionou o único elemento do grupo 3 por este se encontrar doente e do grupo 4 seleccionou-se o elemento 68. n Quadro 2. Caracterização da amostra da entrevista Género
Idade
Tempo de serviço
Habilitação Académica
Situação Profissional
Nível de Ensino
Grupo de Docência
Entrevista 1
F
30
1-5 anos
Licenciatura
Contratada
3º CEB
Expressões
Entrevista 2
M
37
6-10 anos
Licenciatura
QND
3º CEB
C. Exactas
Entrevista 3
F
47
+ 25 anos
Licenciatura
QND
2º CEB
Letras
Entrevista 4
F
51
+ 25 anos
Bacharelato
QG
1º CEB
-
As entrevistas foram sujeitas à técnica de análise de conteúdo, aplicando-se três sistemas de análise multidimensional: (a) Relação do professor com o currículo; (b) Projecto de Gestão Flexível do Currículo – conceitos, finalidades e factores relacionados; e (c) Atitudes e práticas de trabalho colaborativo. 3. Resultados Apresentamos, de seguida, os resultados considerados mais significativos. No que respeita aos objectivos enunciados no Despacho nº 9590/99 (Quadro 3), aparece somente como consensual o facto do PGFC ter contribuído para uma mudança gradual na organização, orientação e gestão das escolas do EB. n Quadro 3. Percepção sobre os ‘Objectivos do Projecto de Gestão Flexível do Currículo’ X±sd
Com o Projecto de Gestão Flexível do Currículo houve uma mudança gradual na organização, orientação e gestão das escolas do ensino básico.
3.85±.86
Com o Projecto de Gestão Flexível do Currículo houve a criação de condições para que os alunos realizem mais e melhores aprendizagens.
3.10±1.19
Com o Projecto de Gestão Flexível do Currículo verificou-se um melhor desenvolvimento profissional 2.90±1.13 dos docentes e da capacidade de tomada de decisões em áreas chave do currículo. Com o Projecto de Gestão Flexível do Currículo houve uma maior implicação da comunidade educativa no desenvolvimento conjunto de projectos educativos e culturais.
30
Tempo de Serviço
Coef. de contingência (valor de P)
Questões
Nível de Ensino
ns
ns
ns
.024
.046
ns
ns
ns
Carlos Januário • Júlia Sousa Santos • O movimento de descentralização curricular
Não foi consensual que o PGFC tenha criado condições para que os alunos realizem mais e melhores aprendizagens (não sendo indiferente o nível de ensino dos docentes), que se tenha promovido o desenvolvimento profissional dos docentes e da sua capacidade de tomada de decisões em áreas chave do currículo, apoiados em estruturas de trabalho colegial (não sendo indiferente o tempo de serviço dos docentes), e que tenha havido maior implicação da comunidade educativa no desenvolvimento conjunto de projectos educativos e culturais. Constatamos que os professores entendem fazer adaptação de objectivos, de competências e de conteúdos dos programas e, ainda, que deve existir um currículo nacional que define as competências básicas a adquirir pelos alunos à saída de cada nível ou ciclo de escolaridade, devendo ser o Ministério da Educação (ME) a definilo, bem como aos programas, devendo estes ser de cumprimento obrigatório. Verificamos não ser indiferente o nível de ensino dos docentes inquiridos no que respeita à introdução de novos conteúdos, objectivos e competências, para além dos estipulados nos programas, enquanto que não é indiferente o tempo de serviço dos inquiridos quanto ao estabelecimento de objectivos e competências modificados dos programas, bem como a existência de um currículo nacional comum ao nível dos objectivos e das actividades de aprendizagem que permita a igualdade de acesso à educação por parte de todos os alunos (Quadro 4)
31
exedra • 1 • Junho 2009
n Quadro 4. Percepção sobre o ‘Currículo’ X±sd
Nível de Ensino
4.66±.61
ns
ns
Compete ao Ministério da Educação definir as competências básicas a adquirir pelos alunos à saída de cada nível ou ciclo de escolaridade.
3.91±1.23
ns
ns
Os programas devem ser definidos pelo Ministério da Educação.
3.97±1.05
ns
ns
Os programas constituem uma referência vinculativa do que deve ser ensinado/aprendido.
3.76±1.02
ns
ns
Como professor, modifica e adapta os conteúdos do programa.
4.46±.57
ns
ns
Como professor, introduz conteúdos novos não existentes nos programas.
3.53±1.40
ns
.016
ns
ns
.032
ns
ns
.031
.034
ns
É importante a existência de um currículo nacional que assegure as aprendizagens básicas fundamentais à saída de cada nível ou ciclo de escolaridade de forma a garantir a igualdade no acesso e sucesso escolares.
O aluno no final do ciclo de estudos deve dominar um conjunto de objectivos e de competências 4.28±.90 previamente determinado pelo Ministério da Educação. Como professor, estabelece objectivos e competências modificados e adaptados do programa.
4.24±.70
Como professor, estabelece outros objectivos e competências que não os referenciados nos programas.
3.50±1.30
Deve existir um currículo nacional comum ao nível dos objectivos e das actividades de aprendizagem que permita a igualdade de acesso à educação por parte de todos os alunos.
4.21±1.05
Coef. de contingência (valor de P)
Tempo de Serviço
Questões
Na área ‘autonomia e flexibilidade curricular’ (Quadro 5), há grande consenso em entender o Projecto Educativo de Escola (PEE) como um instrumento importante para o Agrupamento de escolas (questão em que não é indiferente o tempo de serviço dos inquiridos), apesar de não haver concordância quanto à participação da comunidade educativa na sua elaboração (questão em que não é indiferente, quer o tempo de serviço dos docentes quer o nível de ensino), tendo sido apresentados projectos curriculares de acordo com o PEE (questão em que não é indiferente o nível de ensino dos inquiridos).
32
Carlos Januário • Júlia Sousa Santos • O movimento de descentralização curricular
n Quadro 5. Percepções sobre ‘Autonomia e flexibilidade curricular’
X±sd
Tempo de Serviço
Nível de Ensino
Na sua opinião o Projecto Educativo de Escola é definidor da identidade do Agrupamento de Escolas.
3.77±.98
.004
ns
Com a flexibilidade curricular, os professores têm a possibilidade de gerir os meios e recursos para pôr em prática as decisões que tomam na sala de aula.
3.63±1.16
.030
A escola apresentou projectos curriculares de acordo com o Projecto Educativo de Escola.
4.00±.79
ns
.000
A flexibilidade curricular favoreceu o sucesso dos alunos.
3.27±1.10
.000
.000
Os princípios subjacentes à flexibilidade curricular são os que mais se adequam à diversidade pessoal e social com que a sua escola se defronta.
3.50±.94
ns
.000
A sua escola passou a ter mais autonomia para gerir os tempos, os espaços e os recursos.
3.25±1.13
ns
.000
.007
ns
ns
.009
ns
ns
.036
.012
A flexibilidade curricular permitiu dar uma maior unidade ao Ensino Básico e atenuar a separação 3.27±1.16 entre níveis e ciclos de ensino. A formação contínua é concebida e planeada pela escola ou pelo Agrupamento de Escolas.
3.12±1.07
A sequencialidade entre níveis e ciclos de ensino é uma preocupação importante no Agrupamento 4.02±.89 de Escolas. O Agrupamento de Escolas elaborou e realizou o Projecto Educativo de Escola com a participação 3.46±.94 dos pais e elementos da comunidade.
Coef. de contingência (valor de P)
Questões
.000
Verificamos que no Agrupamento de escolas se valoriza a sequencialidade entre níveis e ciclos de ensino e que a flexibilidade curricular trouxe aos professores a possibilidade de gerir os meios e recursos para pôr em prática as decisões que tomam na sala de aula (questão em que não é indiferente nem o tempo de serviço nem o nível de ensino dos docentes inquiridos), embora não seja consensual que a escola tenha ganho autonomia para gerir tempos, espaços e recursos (questão em que não é indiferente o nível de ensino dos inquiridos). Constatamos, por outro lado, existir divergência de opinião quanto à formação contínua ser concebida e planeada pela Escola ou Agrupamento (questão em que não é indiferente o nível de ensino dos inquiridos), e que a Escola tenha ganho autonomia para gerir tempos, espaços e recursos (questão em que não é indiferente o nível de ensino dos inquiridos). 33
exedra • 1 • Junho 2009
Também não se apresenta claro para os professores que a flexibilidade curricular tenha favorecido o sucesso escolar dos alunos (questão a que não é indiferente nem o tempo de serviço nem o nível de ensino dos docentes inquiridos), que os seus princípios sejam os mais adequados à diversidade sociocultural da população escolar (questão em que não é indiferente o nível de ensino dos inquiridos) e que tenha havido maior unidade do EB, atenuando a separação entre níveis e ciclos de ensino (questão em que não é indiferente o tempo de serviço dos inquiridos). Um aspecto importante a alcançar com o PGFC prendia-se com a mudança de práticas e atitudes quanto à forma de trabalho dos professores (Quadro 6). Os professores são relativamente consensuais ao entender o trabalho colaborativo como melhor resposta à diversidade sociocultural da população escolar (não sendo indiferente o nível de ensino dos inquiridos), e que no Agrupamento de Escolas se privilegia o trabalho colaborativo inter-áreas e que não é importante que o professor na docência esteja só na sala de aula. Contudo, não é consensual que estejam contemplados nos horários tempos e espaços em comum, de forma a facilitar o trabalho colaborativo entre docentes de diferentes áreas disciplinares (não sendo indiferente para esta questão o nível de ensino dos inquiridos), bem como entre níveis e ciclos de ensino. Da mesma forma, não é consensual que no Agrupamento se trabalhe de forma colaborativa inter-níveis e ciclos de ensino e inter escolas, que as características próprias de cada nível ou ciclos de ensino dificultem a articulação entre eles (não sendo indiferente o tempo de serviço dos inquiridos) e que, com o PGFC, a Escola tenha passado a trabalhar em parceria com outras do Agrupamento.
34
Carlos Januário • Júlia Sousa Santos • O movimento de descentralização curricular
n Quadro 6. Percepção sobre ‘Atitudes e práticas de trabalho colaborativo’ X±sd
Tempo de Serviço
Nível de Ensino
O trabalho colaborativo permitiu responder melhor à diversidade sócio-cultural da população escolar.
3.69±.81
ns
.041
Estão contemplados nos horários, tempos e espaços comuns, de forma a facilitar o trabalho cooperativo entre docentes de diferentes níveis e ciclos de ensino.
3.01±1.24
ns
ns
Estão contemplados nos horários, tempos e espaços comuns, de forma a facilitar o trabalho cooperativo entre docentes de diferentes áreas disciplinares.
3.27±1.26
ns
.006
Faz parte da forma de trabalhar na escola o trabalho colaborativo inter-áreas (ou com outros professores e técnicos).
3.85±1.09
ns
ns
Faz parte da forma de trabalhar na escola o trabalho wcolaborativo inter-níveis e ciclos de ensino.
3.28±1.17
ns
ns
Faz parte da forma de trabalhar na escola o trabalho colaborativo inter-escolas
3.39±1.14
ns
ns
As características próprias de cada nível ou ciclo de ensino dificultam a articulação entre eles.
2.69±1.21
.000
ns
Para a melhoria das práticas pedagógicas houve uma maior reflexão em equipa sobre o trabalho realizado.
3.63±1.05
ns
ns
Com a implementação do Projecto de Gestão Flexível do Currículo, a escola trabalha em parceria com outras escolas do Agrupamento.
3.50±1.07
ns
ns
Coef. de contingência (valor de P)
Questões
Quisemos também perceber, na opinião dos docentes inquiridos, qual a influência na tomada de decisões das diferentes pessoas, grupos e instituições que intervêm na vida escolar (Quadro 7). Constatamos que os professores, os órgãos de gestão do Agrupamento e as estruturas do ME são as entidades consideradas como tendo maior influência na tomada de decisão, enquanto que as entidades da comunidade, o pessoal não-docente e os encarregados de educação são os de menor influência.
35
exedra • 1 • Junho 2009
n Quadro 7. Percepções sobre ‘Influência em tomadas de decisão’ X±sd
Questões
Tempo de Serviço
Nível de Ensino
ns
ns
Na vida do estabelecimento de ensino intervêm diferentes pessoas, grupos e instituições. Qual a influência das seguintes entidades nas decisões que se tomam nesta escola? 3.72±.49
a) Os professores
2.79±.82
b) Os auxiliares/funcionários d) Você pessoalmente
3.06±.81
e) Os encarregados de educação
2.93±.72
f) Os coordenadores de ano/grupo
3.19±.82 3.61±.63
g) O Conselho Executivo
3.63±.57
h) O Conselho Pedagógico
3.35±.86
i) O Ministério da Educação j) A Direcção Regional de Educação de Lisboa
3.29±.80 3.33±.77
k) O Centro da Área Educativa do Oeste
2.94±.82
l) A Assembleia de Escola
2.54±.67
m) A autarquia local
2.36±.66
n) Outras instituições da comunidade
Coef. de contingência (valor de P)
3.13±.81
c) Os alunos
ns
ns
ns
.004
ns
.000
ns
ns
.004
.000
ns
.000
.029
.000
ns
.015
ns
ns
ns
ns
ns
ns
ns
ns
ns
ns
Verificamos que, apesar de serem os professores a deter maior influência na tomada de decisão, quando o professor é inquirido individualmente, este não considera ter tanta influência quanto os docentes considerados no geral. Esta pequena discrepância sugere que o papel e as funções desempenhadas individualmente não são inteiramente coerentes com o estatuto reconhecido enquanto professor. Nestas questões, não é indiferente o tempo de serviço dos docentes inquiridos acerca da influência pessoal do inquirido, dos coordenadores de ano/grupo e do Conselho Pedagógico. Do mesmo modo, também não é indiferente o nível de ensino dos docentes inquiridos acerca da influência que consideram que os alunos têm em decisões tomadas na escola, bem como a dos inquiridos pessoalmente, dos coordenadores de ano/grupo, do Conselho Pedagógico, do Conselho Executivo e do Ministério da Educação. Acerca da influência pessoal dos professores (Quadro 8), esta parece ser maior nas decisões relativas à gestão da sua sala de aula, à avaliação dos alunos e às decisões sobre os projectos curriculares, e menor na organização do seu horário e na escolha dos órgãos de gestão. Nestas questões não é indiferente o tempo de serviço dos docentes e a sua influência pessoal na escolha dos órgãos de gestão; também não é indiferente o nível de ensino dos docentes e sua influência pessoal nas decisões tomadas na escola, 36
Carlos Januário • Júlia Sousa Santos • O movimento de descentralização curricular
no que respeita à organização do seu grupo de alunos, ao projecto curricular para o seu grupo de alunos e à participação em projectos educativos. n Quadro 8. Percepções sobre ‘Influência em tomadas de decisão’ Questões
X±sd
Tempo de Serviço
Nível de Ensino
2.49±1.02
ns
ns
ns
ns
ns
.001
.005
ns
ns
.042
ns
ns
ns
.002
a) À organização do seu horário b) À gestão da sua(s) sala(s) de aula
3.73±.47
c) À organização do grupo de alunos (turmas) que tem
3.13±1.00
d) À escolha dos órgãos de gestão
2.81±.88
e) Ao projecto curricular para o seu(s) grupo(s) de alunos
3.24±.70
f) À avaliação dos alunos
3.76±.43
g) À participação em projectos educativos (em termos gerais)
2.99±.67
Coef. de contingência (P)
Por favor avalie a influência pessoal que tem na tomada de decisões em relação:
Apresentamos, de seguida, os resultados obtidos com as entrevistas e em cada sistema de análise considerado. No tema ‘relação do professor com o currículo’, todos os docentes concordam com a existência de um currículo nacional. É também consensual que o ME deva elaborar o currículo nacional e os programas, com a definição a nível nacional de competências básicas a alcançar pelos alunos nos finais de cada nível ou ciclo de ensino, com a possibilidade da escola os poder adequar. Os professores entendem que os programas contêm demasiados conteúdos e que os objectivos e conteúdos podem ser de carácter obrigatório, de referência mínima ou facultativos, referindo a adaptação local aos objectivos e conteúdos. Acerca do conceito de GFC, os entrevistados parecem tê-lo interiorizado e estão capacitados a realizar uma gestão do currículo adequada às diferentes realidades, em ordem a uma diferenciação pedagógica. Sobre a integração curricular e a sequencialidade inter-ciclos e níveis de ensino os professores encontram-se divididos. Quanto à unidade do EB, constatamos que as características dos diferentes ciclos e níveis de ensino dificultam a sua aproximação e que esta se verifica sobretudo entre o 2º e 3º ciclos do EB. No que se refere às áreas curriculares não-disciplinares as opiniões dos docentes divergem, existindo oposição pelo carácter de obrigatoriedade (por retirar tempo às 37
exedra • 1 • Junho 2009
áreas curriculares disciplinares, especialmente Língua Portuguesa e Matemática) e de concordância por poder vir a favorecer o sucesso escolar dos alunos. O impacto percepcionado do PGFC é reduzido, quer seja considerado em geral, nos alunos ou no sucesso escolar. De entre os factores recenseados (como informação e formação, recursos humanos, recursos materiais e equipamentos, organização do tempo, dos espaços e do grupo de alunos e envolvimento da comunidade), somente o factor recursos materiais e equipamentos foi considerado como determinante no PGFC, seja pela sua presença seja, pela sua ausência. Embora as diferenças que caracterizam os diferentes ciclos de ensino tornem difícil a sua articulação, verificamos ser uma prática corrente o trabalho colaborativo inter-áreas e que se concretiza sobretudo entre o 2º e 3º ciclos do EB, dada a partilha do mesmo espaço e o mesmo regime de docência. O trabalho colaborativo afectou as práticas quotidianas dos docentes de forma diferente e, ao nível do 1º ciclo do EB, foi sentido como um aumento de burocracia. No que respeita ao trabalho colaborativo na articulação entre escolas, constatámos não haver consistência de opiniões, percebendose uma não coesão do Agrupamento. 4. Discussão
Para concluir, assinalamos quatro pontos que ressaltam da análise efectuada, à luz das questões de partida: 1 - Conflito curricular entre o nacional e o local. Há sentimentos contraditórios entre querer que as decisões curriculares sejam tomadas a nível central e defender que devam ser tomadas localmente. Neste aspecto, verificamos a divisão das opiniões dos professores que se repartem entre responsabilizar o ME pelas decisões curriculares e aqueles que entendem que compete localmente aos professores e à escola adequar, contextualizar e diferenciar o currículo. Estes resultados sugerem a existência de uma forte dependência curricular por parte dos professores em relação ao ME mas, também, que querem assumir maior autonomia no quadro das decisões locais, ao nível da intervenção no currículo. 2 - Encontramos sinais ténues e pontuais de indicadores consistentes de mudança preconizados com o PGFC. Constatamos que se começa a fazer uma gestão diferenciada do currículo (quando se faz alusão ao Projecto Curricular de Turma – ou seja, de diferenciação e de adequação curricular), verificamos mudanças ao nível do trabalho colaborativo, das tomadas de decisão sobre o Projecto Curricular e Educativo de Escola, que houve introdução de decisões quanto à gestão dos tempos, espaços e recursos, e que houve práticas reflexivas, conducentes a iniciativas de formação a 38
Carlos Januário • Júlia Sousa Santos • O movimento de descentralização curricular
desenvolver na escola. 3 - Verifica-se trabalho colaborativo entre professores das diferentes áreas disciplinares e entre ciclos e níveis de ensino, com maior incidência entre o 2º e o 3º ciclos do EB havendo, pelo menos, uma maior compreensão do papel de cada um dos ciclos, e isso poderá ser imputado ao processo de debate e discussão que envolveu o PGFC. O modo de trabalhar de forma colaborativa e articulada alterou o quotidiano dos professores, havendo menos isolacionismo, uma vez que a articulação passa pelos Departamentos Curriculares, implicando uma maior responsabilização na articulação ao nível da organização dos conteúdos e na sua abordagem e, também, maior disponibilidade de tempo e mais trabalho para os 2º e 3º ciclos do EB. Para o 1º ciclo do EB não houve alterações ao modo de trabalhar. As características e especificidades próprias de cada ciclo de ensino são factores impeditivos para que haja uma maior aproximação. Constatamos que a aproximação percepcionada entre os 2º e 3º ciclos do EB se deve mais à organização pedagógica e curricular, à partilha de espaço físico e dos órgãos de estrutura pedagógica disciplinar (os Departamentos curriculares) e que a aproximação detectada entre o 1º ciclo do EB e os seguintes é pontual e ocasional; também não se verifica aproximação do 1º ciclo do EB e do Pré-escolar. 4 - Na inventariação de pontos críticos, somente o factor recursos materiais e equipamentos foi considerado de forma consensual como determinante ou muito valorizado na implementação e no (in)sucesso do PGFC. Os recursos materiais e equipamentos foram determinantes na percepção de sucesso ou de insucesso. Já quanto aos restantes factores sinalizados (informação e formação, recursos humanos, organização dos espaços, organização do tempo, organização dos grupos e envolvimento da comunidade educativa), e pela leitura dos resultados obtidos, constatamos que há uma dificuldade real em imaginar outra forma de funcionamento, que não a existente, da escola que conhecemos.
39
exedra • 1 • Junho 2009 Bibliografia
Afonso, N. (1999). A autonomia das escolas públicas: Exercício prospectivo de análise da política educativa. Inovação, 12 (3), 45-64. Apple, M. (1999). Políticas culturais e educação. Porto: Porto Editora. Apple, M. ( 2008). Curriculum planning: content, form, and politics of accountability. In F.M. Connely (Eds.), The Sage handbook of curriculum and instruction (pp. 25-44). Los Angeles: Sage. Morgado, J.C. (2000a). Indicadores de uma política curricular integrada. In J.A. Pacheco (Org.), Políticas de integração curricular (pp.167-185). Porto: Porto Editora. Morgado, J.C. (2000b). A (des)construção da autonomia curricular. Porto: ASA. Pacheco, J.A. (2000). Políticas educativas: o neoliberalismo em educação. Porto: Porto Editora. Roldão, M.C.(2003). Diferenciação curricular revisitada: conceito, discurso e práxis. Porto: Porto Editora. Vonk, J.H.C. (1997). The changing social context of teaching in Western Europe. In B. Biddle, Th. Good, & I. Goodson (Eds.), International handbook on teachers and Teaching (pp. 985-1051). Dordrecht, Netherlands: Kluwer Press.
Notas
1 Este debate é extensivo, não só às políticas educativas, mas também à generalidade dos poderes do Estado e aos restantes sectores da administração pública, incluindo a particularidade da existência de duas Regiões Autónomas. No estudo de Vonk (1997), apenas dois países (Reino Unido e Holanda) são excepção à tendência do reforço da descentralização nas políticas educativas. No caso do Reino Unido (e só Inglaterra e Gales) é particularmente interessante analisar este movimento de recentralização curricular, após décadas de uma descentralização curricular aprofundada e emblemática.
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Carlos Januário • Júlia Sousa Santos • O movimento de descentralização curricular
2 Para alguns autores, trata-se apenas de uma característica de desconcentração ou, ainda, de aliviar a responsabilidade e o controlo que a centralização pressupõe, assinale-se; o campo das perspectivas neoliberais há-de acentuar a redução do papel do Estado neste processo (Apple, 1999), fruto da submissão da educação à economia como condição necessária para a prosperidade económica (Pacheco, 2000). Estas questões não serão aqui discutidas, mas apenas o quadro de referência da Gestão Flexível do Currículo e as respectivas orientações conceptuais dos docentes neste Agrupamento de Escolas. Correspondência
Carlos Januário Faculdade de Motricidade Humana Estrada da Costa 1495-129 Cruz Quebrada cjanuario@fmh.utl.pt
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Mediação em contexto escolar: transformar o conflito em oportunidade
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Catarina Morgado Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Isabel Oliveira JURISolve, Resolução Alternativa de Conflitos, Lda. Resumo
Actualmente, assistimos a uma cultura de violência que sobressai nos modos de interagir dos indivíduos e à qual as escolas em geral não escapam. Para inverter esta tendência das sociedades democráticas, torna-se necessário desenvolver uma educação para a convivência e para a gestão positiva dos conflitos, a fim de se construir uma cultura de paz, de cidadania e de sã convivialidade. A Educação para a Resolução de Conflitos modela e ensina, de diferentes formas, culturalmente significativas, uma variedade de processos, de práticas e de competências que ajudam a prevenir, a administrar de forma construtiva e a resolver pacificamente o conflito individual, interpessoal e institucional. Apesar de nem sempre semelhantes, ou utilizando modelos de intervenção idênticos, os programas de resolução de conflitos partilham princípios básicos. O conflito é tomado como uma dimensão natural e inevitável da existência humana que, se for conduzido eficazmente, pode constituir uma importante experiência de desenvolvimento pessoal. A aprendizagem de competências de resolução de problemas deve, assim, constituir uma oportunidade para os indivíduos construírem soluções mais positivas e mais pacíficas para os seus conflitos. Os programas de mediação de conflitos tiveram origem fora do contexto escolar mas rapidamente o modelo foi adaptado às instituições educativas. A mediação escolar abrange a resolução dos conflitos entre estudantes, entre estudantes e adultos e entre adultos. Do que se trata? A mediação é um processo flexível, de carácter voluntário e confidencial, conduzido por um terceiro imparcial – o mediador – que promove a aproximação entre as partes em litígio e que as apoia na tentativa de encontrar um acordo que permita pôr termo ao conflito. Abordar as disputas escolares através da mediação origina um contexto onde o conflito é encarado como natural, o que permite protagonismo aos intervenientes, enquanto que os valores da solidariedade, tolerância e igualdade são estimulados.
Palavras-chave
Resolução de conflitos, Educação para a paz, Violência, Disciplina, Mediação escolar
Abstract
As a culture of violence emerges in today’s society, schools do not escape to this trend, which affects its harmonious functioning. To invert this tendency on democratic societies, it became mandatory to develop education 43
exedra • 1 • Junho 2009 for an effective management of conflicts settled on a culture of peace and citizenship. The Conflict Resolution Education shapes, in different and culturally significant ways, a variety of processes and abilities that prevent conflict and manage pacifically, interpersonal and institutional disputes. Although the models of intervention are not always identical, the conflict resolutions programs share some basic principles: the conflict is a natural dimension and an inevitable part of the human being. Once driven efficiently, disputes may constitute important learning experiences. Mediation is a flexible and voluntary process, conducted by a third impartial one – the mediator – who promotes the communication among the litigations parts and attempts to find a solution that ceases the conflict. On a global program, school mediation might be used as a conflict resolution process intended to solve disputes emerging between students, students and adults and between adults. This approach to school conflicts promotes a system that faces conflict as a natural part of relationships, stimulating at the same time, values of solidarity, tolerance and equality.
Key-words
Conflict resolution education, Peace education, Violence, Discipline, School mediation
A Mediação escolar na história do movimento de resolução alternativa de conflitos (RAC) A elevada conflitualidade das sociedades modernas e o crescente recurso aos tribunais é, em parte, responsável pela crise da justiça a que se assiste desde há alguns anos e um pouco por todo o mundo. Nas últimas décadas, o reconhecimento de mais direitos e de maior exigência do cidadão no respeito por esses direitos, a par da complicada teia de relações interpessoais característica das ditas sociedades modernas, terá resultado no exponencial aumento da conflitualidade e da sua complexidade. São estes factores que levam a que se recorra cada vez mais à tutela judicial para garantia dos direitos do cidadão. Vivendo-se hoje tempos marcados pela rapidez dos acontecimentos, os tribunais tornaram-se incapazes de dar respostas adequadas em tempo útil e este tornou-se o campo propício à procura de novas formas de fazer justiça, mais próxima, mais rápida e com uma maior participação dos destinatários. Os meios alternativos de resolução de conflitos, vulgarmente designados por ADR (Alternative Dispute Resolution), surgiram na década de 70 nos Estados Unidos da América e englobam, entre outros, a mediação, a negociação, a arbitragem e a conciliação. Em Portugal estes meios, cuja implementação teve início nos anos 90, vão sendo identificados como RAC ou RAL (Resolução Alternativa de Conflitos ou Litígios). 44
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Mediação
em
contexto
escolar
Os RAC constituem uma alternativa à via judicial e trazem diversas vantagens em termos de eficácia, celeridade, simplificação, proximidade e participação dos destinatários na realização da própria justiça. Garante-se, por um lado, uma maior adequação das respostas aos interesses e necessidades do cidadão e obtém-se, por outro, menores custos quer económicos quer emocionais. Mais do que meios alternativos à via judicial, pois não substituem os tribunais, poderíamos dizer que se apresentam como meios apropriados de gestão e resolução de conflitos. Apropriados, porque em alguns tipos de conflitos serão mais eficientes na sua resolução e poderão ter um efeito preventivo na sua escalada, promovendo a utilização de métodos positivos de comunicação que visam a transformação do modo como as partes em disputa lidam entre si. Resumindo, as soluções para problemas complexos, alcançadas através desta via, preenchem as necessidades das partes em conflito e das suas comunidades, fortalecem as instituições cívicas locais, preservam as relações entre litigantes e ensinam alternativas à violência ou ao litígio na resolução de conflitos. Ajudam, desta forma, a reduzir o nível de tensão na comunidade, focando-se na prevenção e resolução de conflitos latentes, como é disso exemplo a mediação escolar. Apoiando-nos em Alzate (1999) passamos a destacar os principais momentos na história da mediação escolar. Os programas de resolução de conflitos tiveram origem fora do contexto escolar. Na década de 70, a administração do presidente Jimmy Carter impulsionou a criação de centros de Mediação Comunitária. O objectivo destes centros era oferecer uma alternativa aos tribunais, permitindo aos cidadãos reunirem-se e procurarem uma solução para a questão que ali os levava. Entretanto, assiste-se no início dos anos 80 a um marcado crescimento na utilização da mediação em disputas que envolviam crianças ou jovens, nomeadamente em contexto escolar. Mais especificamente, em 1982, os Community Boards de San Francisco iniciam uma colaboração entre os centros de mediação comunitária e os sistemas escolares. Considerando que as competências para trabalhar o conflito são essenciais numa sociedade democrática, criam o programa “Recursos de resolução de conflitos para a escola e jovens”. No ano de 1984 surge, nos Estados Unidos, a NAME, Associação Nacional de Mediação Escolar, que serviria para o estudo e implementação da mediação e, em 1985, a NAME funde-se com o NIDRF, Instituto Nacional de Resolução de Litígios, nascendo a CRENET, Rede de Resolução de Conflitos na Educação. Neste último ano, os educadores para a responsabilidade social e o Conselho de Educação da cidade de Nova Iorque, promovem a colaboração 45
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entre grupos comunitários e escolares, propiciando o surgimento do “Programa de resolução criativa de conflitos”, com os seguintes objectivos gerais: Mostrar aos jovens alternativas não violentas aos conflitos reais da sua vida; Aprender a compreender e a valorizar a própria cultura e a cultura dos restantes; Transmitir às crianças e jovens o seu papel protagonista na construção de um mundo mais pacifico. Progressivamente, os programas de resolução de conflitos e de mediação no contexto escolar estendem-se por todo o mundo e, actualmente, existem experiências maduras na Argentina, Nova Zelândia, Austrália ou Canadá; na Europa, podemos encontrar experiências desta natureza em países como a França, Grã-Bretanha, Suíça, Bélgica, Polónia, Alemanha, Espanha, entre outros. A transferência da resolução do conflito da comunidade para a escola terá, assim, partido do pressuposto de que o mesmo é parte integrante da vida social, constituindo uma oportunidade de aprendizagem e de crescimento pessoal para os participantes da vida escolar (Cohen,1995). A comunidade escolar pode, na maioria dos casos, resolver os seus conflitos com a ajuda de outros intervenientes, sendo que a mediação constitui uma forma de prevenir futuros conflitos, pois apela a um espírito de colaboração, respeito e responsabilidade e não a uma cultura de culpa e imposição de soluções.
Resolução de conflitos escolares: educação para a resolução de conflitos (ERC) A resolução de conflitos em geral, e a mediação em particular, têm desempenhado um importante papel no movimento da Educação para a Paz. A construção de uma cultura de paz assenta no respeito pela diferença e pela diversidade, na promoção das diferentes criações culturais dos indivíduos e dos povos (Jares, 2002). É com este fim que a educação para a paz visa o desenvolvimento de competências de comunicação, de construção do consenso e de sensibilidade à diversidade cultural, enquadrando-se numa perspectiva multi e intercultural, não preconceituosa, e de resolução alternativa de conflitos (Sommers, 2003 citado em Jones, 2004). Na quarta conferência do World Council for Curriculum and Instruction (Edmonton, Canadá, 1984 citado em Heredia, 2005), sugeria-se que, ainda que a educação tente não ser partidarista, não pode permanecer neutra quando enfrenta 46
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Mediação
em
contexto
escolar
problemas de justiça e injustiça, cooperação e dominação, paz ou violência. Ora, o objectivo de aprender a conviver faz parte, pelo menos de forma implícita, de todo e qualquer processo educativo, consubstanciando-se como uma necessidade inadiável de qualquer projecto educativo e uma exigência urgente nos tempos actuais em que a violência impregna todo o tecido social. Conviver não significa, porém, ausência de conflitos ou ter por objectivo eliminálos. O conflito é inevitável à condição humana, “o conflito é o estado natural do homem” (Mendel, 1974, p. 13). Embora represente uma parte construtiva da vida, em todas as suas dimensões, o conflito continua a ter uma conotação negativa na nossa sociedade. É assumido como um desvio do estado normal das atitudes e dos comportamentos e com frequência se associa a sua expressão à angústia, à dor e à violência, supondo-se que o melhor é evitá-lo ou suprimi-lo. Enfrentar desacordos e litígios não equivale, no entanto, a um processo destrutivo: “o conflito em si não é mau, embora as pessoas lhe possam dar respostas que assumem formas prejudiciais” (Pallarés, 1983, p.103). Por conseguinte, a chave não está na eliminação do conflito mas sim na sua regulação, solução justa e não violenta. Tratase de utilizar os meios adequados, enfatizando as estratégias de resolução pacifica e criativa do mesmo. A escola, com as suas especificidades de natureza organizativa, as nem sempre harmoniosas relações com as finalidades educativas da sociedade e a inevitável ressonância da conflituosidade social, é um campo propício à emergência do conflito. Daqui se depreende a necessidade de educar gerações, e todo o corpo educativo, na resolução criativa e nos benefícios da gestão construtiva dos conflitos. Enquanto instrumento desta necessidade, a Educação para a Resolução de Conflitos (ERC) “modela e ensina, de formas culturalmente significativas, uma variedade de processos, práticas e competências que ajudam a lidar com os conflitos individuais, interpessoais e institucionais e criam comunidades acolhedoras e seguras” (Association for Conflict Resolution, 2002, p.1). Os programas de educação para a resolução de conflitos dão a conhecer, aos alunos, qual a dinâmica do poder e providenciam uma compreensão básica acerca da natureza do conflito e do papel da cultura na forma como o resolvemos. As finalidades destes programas são (Jones, 2004): 1. Criação de ambientes de aprendizagem seguros: os programas que enfatizam estes objectivos incidem na diminuição da violência, redução dos conflitos entre 47
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estudantes, particularmente dos conflitos inter-grupais baseados nas diferenças étnicas e raciais; ao mesmo tempo, procuram reduzir o número de suspensões, o absentismo e o abandono escolar, frequentemente relacionados com ambientes de aprendizagem inseguros. 2. Promoção de ambientes de aprendizagem construtivos, isto é, promoção de um ambiente positivo na sala de aula, cuja gestão eficaz dos comportamentos potencie a disciplina e, simultaneamente, o respeito e afecto, necessários para que crianças e jovens se sintam confiantes na partilha de ideias e sentimentos. 3. Desenvolvimento pessoal e social dos alunos, incluindo a aprendizagem de competências de resolução de problemas; o treino das aptidões para reconhecer e lidar com as emoções; a identificação e redução das orientações agressivas e atribuições hostis; a utilização de estratégias construtivas face ao conflito nas escolas, no contexto familiar e comunitário. 4. Desenvolvimento de uma perspectiva construtiva do conflito: pretende estimularse a justiça social na comunidade, responsabilizando os seus elementos não apenas pelos problemas que nela emergem, mas também pelo sucesso das respostas sociais por eles geradas. Este princípio, de confronto e responsabilização pelo conflito, traduz a implementação dos meios de resolução alternativa de conflitos na ERC. De acordo com esta perspectiva, procura-se a participação parental e da comunidade na vida escolar, bem como a generalização à vida comunitária das competências adquiridas no âmbito da ERC, o que deverá reflectir-se na desejada diminuição da tensão e violência na comunidade. Concluindo, a introdução no sistema educativo do conceito de gestão e resolução positiva de conflitos tem a virtude de promover o desenvolvimento de capacidades e competências interpessoais e sociais, essenciais para o exercício de uma cidadania participativa. Porquê a mediação? A Mediação é uma negociação com a intervenção de um terceiro neutral, baseada nos princípios da voluntariedade das partes, da neutralidade e imparcialidade do terceiro (mediador) e na confidencialidade do processo, a fim de que as partes em litígio encontrem soluções que sejam mutuamente satisfatórias. A mediação, enquanto meio construtivo de resolução de conflitos oferece, pelo que proporciona aos envolvidos no conflito, um espaço ideal para desenvolver, quer naqueles que desempenham o papel de mediadores, quer naqueles que como mediados trabalham em conjunto para a resolução do seu problema, a capacidade 48
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Mediação
em
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de respeito mútuo, comunicação assertiva e eficaz, compreensão da visão do outro e aceitação da diferente percepção da realidade. Tratando-se de um meio de resolução de conflitos, não litigioso e baseado no consenso, é propício ao desenvolvimento de soluções criativas, preservando a relação entre as partes em conflito. Aqui, trabalhase a cooperação (para resolver um problema comum), o respeito, a identidade e o reconhecimento do outro enquanto pessoa e ser total. Por outro lado, a presença de um terceiro neutral, isto é, sem poder para impor uma solução, confere ao processo um carácter pedagógico, dado que as partes mantêm a sua capacidade de actuação e aprendizagem, com vista à obtenção de um acordo. Daí que se trate de um processo activo, não só para o mediador mas, igualmente, para os protagonistas do conflito. De acordo com Jares (2002), o processo de mediação deverá: 1. favorecer e estimular a comunicação entre as partes em conflito, o que traz consigo o controlo das interacções destrutivas; 2. levar a que ambas as partes compreendam o conflito de uma forma global e não apenas a partir da sua própria perspectiva; 3. ajudar na análise das causas do conflito, fazendo com que as partes separem os interesses dos sentimentos; 4. favorecer a conversão das diferenças em formas criativas de resolução do conflito; 5. reparar, sempre que viável, as feridas emocionais que possam existir entre as partes. Independentemente do tipo de mediação ou do papel do mediador em que nos situemos, qualquer processo de mediação deve desenrolar-se de acordo com uma série de princípios de actuação, dos quais destacamos: 1. Voluntariedade - A intervenção do mediador deve ser aceite pelas partes em conflito. A decisão de partir para uma mediação por parte dos litigantes deve, igualmente, ser um acto livre e voluntário. Este princípio implica que as partes em conflito se possam retirar “em qualquer momento e sem problemas” (Floyer, 1993, p. 43). 2. Confidencialidade - As partes deverão cumprir com este dever mantendo as sessões em segredo. No caso da mediação na área educativa, deve insistir-se no princípio de confidencialidade, quando se procede à formação dos mediadores. A garantia de confidencialidade torna ambas as partes do conflito mais disponíveis para se manifestarem acerca do conflito, para exprimir a forma como o encaram e, por conseguinte, mais aptas para propor alternativas de resolução. Este dever é igualmente importante, porque garante que tudo aquilo que for dito pelas partes “não poderá 49
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ser utilizado contra elas num futuro procedimento sobre a mesma ou outra questão.” (Singer, 1996, p. 232). 3. Imparcialidade/ Neutralidade e Independência - O mediador deve manter-se independente, tanto das partes como de qualquer outra instância. Desta forma, deve evitar as possíveis estratégias de sedução ou cumplicidade de uma ou ambas as partes, mantendo quanto possível a sua identidade e evitando tomar partido.
A introdução da mediação no contexto escolar Para se levar a cabo a transformação do conflito no contexto educativo através da mediação, e na sequência do exposto, é necessário alterar comportamentos e a comunicação interpessoal e, simultaneamente, desenvolver capacidades e competências para a gestão e resolução de conflitos. Neste sentido, o sucesso de um projecto de mediação na escola depende do envolvimento de todos os “actores” do contexto escolar. A escola deve desenvolver um contexto de significação congruente com a mediação. De pouco servirá que as crianças e os jovens estudantes sejam sensibilizados e treinados para uma cultura de diálogo, de escuta e de pacificação das relações interpessoais, se o discurso de educadores e docentes for incoerente com esta postura. De facto, a evidência empírica revela que, ainda que a mediação entre pares se mostre bastante eficaz na promoção de competências relacionadas com a resolução do conflito e melhoria do ambiente escolar (Burrell, Zirbel & Allen, 2003; Jones, 2004), os benefícios para os alunos são francamente maiores quando a mediação inclui não só crianças e jovens, como pais, educadores e restante pessoal escolar e da comunidade (Jones & Kmitta, 2000). Em síntese, nas escolas a mediação deve ser utilizada em todos os âmbitos da vida escolar e com todos sectores da comunidade educativa. O projecto de implementação da mediação escolar exige, para que seja compatível com a aprendizagem dos seus jovens, uma intervenção organizacional ao nível dos conflitos existentes na escola: relação professores/direcção, relação professores/professores, relação professores/ alunos, relação professores/pais; bem como, no contexto da sala de aula: relação professores/alunos, relação dos alunos entre si e relação professores/pais. Uma vez que todos os elementos da comunidade educativa (direcção da escola, docentes, pessoal auxiliar e administrativo, estudantes e pais) podem intervir de modo a serem ouvidos, numa mudança de cultura e de hábitos de resolução de conflitos, a implementação de um projecto de mediação escolar deve ser o mais abrangente. 50
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Esta perspectiva é defendida por Ramón Alzate (2005) quando fala de “enfoque escolar global de transformação de conflitos” e refere a inclusão simultânea das seguintes áreas: o sistema disciplinar (os programas de mediação permitem abordar construtivamente conflitos que se revelam difíceis de resolver); o currículo (o conceito e as técnicas utilizadas no processo de mediação podem ser incluídas no conteúdo curricular); a pedagogia (a utilização de jogos cooperativos, de debates, de workshops temáticos); a cultura escolar (a formação em mediação deve abranger toda a comunidade escolar – docentes e não docentes, pais e alunos, direcção da escola, de modo a que todos tenham contacto e aprendam técnicas de resolução de conflitos); o lar e a comunidade (é importante abrir o projecto à comunidade, pois muitos dos conflitos que os alunos trazem para a escola têm a sua origem na comunidade envolvente). O trabalho a realizar na implementação da mediação escolar passará necessariamente pela organização de uma equipa multidisciplinar de mediadores, devidamente capacitados em mediação de conflitos, com formação nas áreas de psicologia, sociologia, serviço social, pedagogia, entre outras, de modo a desenvolver um conjunto de acções que permitam a concretização dos objectivos do projecto. Diferentes programas, como o “Programa Nacional de Mediación Escolar”, da Argentina, apontam as seguintes fases necessárias para a implementação de um projecto de mediação de conflitos (Garcia Costoya, 2004): A) Diagnóstico de necessidades - Avaliação e diagnóstico das necessidades da Escola, reconhecimento da área envolvente, onde a escola se encontra inserida, geográfica e socialmente. B) Acções de sensibilização - Para implementar o projecto é necessário sensibilizar todos aqueles que, de uma forma ou de outra, irão ser por ele afectados, sendo da maior importância o seu envolvimento no projecto, a sua motivação e compromisso com os seus objectivos. C) Criação de uma equipa de apoio - Para facilitar a integração e implementação do projecto poderá ser criada uma “Equipa de Apoio” dentro da escola, que poderá envolver docentes e não docentes, pais e alunos, com as seguintes competências: 1. acompanhamento do projecto; 2. coordenação com a equipa externa multidisciplinar de técnicos/ mediadores; 3. monitorização e apoio nas diversas fases do projecto; 4. participação na capacitação dos alunos e na sensibilização de todos os sectores intervenientes; 5. apoio aos mediadores, reunir com eles para rever dificuldades e propor soluções; 6. proposta de ajustes que considere necessários para o desenvolvimento do 51
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projecto. D) Formação e capacitação - A aquisição de capacidades para lidar com o conflito aplicando técnicas de mediação favorece o clima organizacional, já que, quer docentes, quer não docentes, poderão utilizar estas técnicas na resolução de conflitos com outros elementos do contexto escolar (com docentes, alunos e pais), proporcionando uma alteração visível da cultura institucional. E) Selecção e formação de alunos mediadores - Nesta fase, poderão levantar-se algumas questões sobre o modo de fazer esta selecção. No âmbito da apresentação do projecto, consideramos ser aconselhável que o grupo de mediadores a formar seja um grupo estável com representação equilibrada dos diferentes grupos, quer a nível multicultural, quer de género e idades. F) Implementação e monitorização do projecto - De modo a monitorizar o projecto, a Equipa de Técnicos – Mediadores externos e a Equipas de Apoio reunirse-ão regularmente para: 1. coordenar em conjunto a Equipa de Alunos Mediadores; 2. monitorizar as reuniões periódicas entre a Equipa de Apoio e o grupo de Alunos Mediadores; 3. analisar os problemas e as dificuldades encontrados na prática da mediação. G) Avaliação do projecto - Por fim, a proposta poderá apresentar a possibilidade de manter uma monitorização periódica do projecto, de modo a verificar o cumprimento de objectivos e a adequação da planificação à realidade da comunidade educativa, que poderá ser feita através de reuniões periódicas entre a Equipa de Apoio e a Equipa de Técnicos-Mediadores . Implementado o projecto e após um período experimental, este deverá ser avaliado. A avaliação será feita através de inquérito, promovendo a análise da mudança de comportamentos e da tipologia dos conflitos, bem como do grau de satisfação face mediação no que respeita à gestão e resolução de conflitos escolares.
Conclusão A resolução de conflitos na escola é um tema que está na ordem do dia, gera debate e põe em causa fortes convicções sobre como agir no contexto escolar, quando os problemas passam pela autoridade e pela disciplina, pela violência e pela intolerância, pela falta de comunicação ou comunicação negativa. Procuram-se respostas à questão: “o que fazer e como o fazer?” Este artigo propõe a mediação como uma forma de intervenção no contexto escolar, partindo do pressuposto de que os princípios que sustentam o processo de 52
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mediação funcionam como verdadeiros catalizadores da mudança. A voluntariedade e a confidencialidade do processo, aliadas à neutralidade e imparcialidade do mediador (que não impõe soluções) contribuem para o empowerment das partes em conflito. A mediação tem por base a convicção de que todos somos capazes de adquirir competências e desenvolver capacidades para a resolução de problemas, de uma forma positiva e criativa, através do diálogo. Ao trabalhar com valores como o reconhecimento e a responsabilidade, ao permitir a legitimação e a resolução de problemas com base na cooperação, diminuindo os níveis de tensão produzidos com o conflito, a autoridade não é ameaçada mas antes legitimada e reconhecida. Propõe-se, ainda, uma abordagem abrangente do contexto escolar, que tenha em conta as necessidades específicas da instituição educativa na qual se vai implementar a mediação, a comunidade em que esta se insere e que permita a participação de todos os envolvidos no processo educativo. Neste sentido, apresenta-se um projecto de implementação da mediação escolar que passa por diferentes fases: diagnóstico de necessidades; acções de sensibilização; criação de uma equipa de apoio; formação e capacitação; selecção e formação de alunos mediadores; implementação e monitorização do projecto; avaliação do projecto. Estas etapas exigem, para a sua concretização, o trabalho de uma equipa de mediadores capacitados em mediação de conflitos, que possa garantir a transmissão de saberes e práticas inerentes ao exercício da mediação. Partimos do princípio de que desenvolver uma cultura de mediação na escola implica a formação para a democracia, a educação para a paz e os direitos humanos, a prevenção da violência e a criação de um clima pacífico e saudável que favoreça uma boa convivência escolar. Os jovens estudantes são dotados de ferramentas que permitem a resolução pacífica e cooperativa dos conflitos, tendo em vista a introdução da mediação no contexto escolar. O processo de transformação e resolução de litígios proporciona aos alunos um conjunto de aptidões para que possam enfrentar de forma positiva e eficaz, no futuro, as situações e desafios da vida quotidiana. Aprender a gerir e a resolver conflitos através da mediação ajuda a desenvolver a capacidade de tomar decisões, de comunicar de forma positiva e eficaz, de gerar empatia, de estabelecer e manter relações interpessoais, de utilizar as emoções de forma adequada, de utilizar o pensamento crítico e criativo na resolução de problemas.
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Catarina Morgado Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar 3000-329 Coimbra, Portugal catarinamorgado@esec.pt Isabel Oliveira JURISolve, Resolução Alternativa de Conflitos, Lda. R. Pdr. Estêvão Cabral, 79, sl 205 3000-317 Coimbra, Portugal isabel.oliveira@jurisolve.com
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O parâmetro expressão na Língua Gestual Portuguesa: unidade suprassegmental
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Isabel Sofia Calvário Correia Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Resumo
O presente artigo pretende abordar um dos componentes não manuais da produção do gesto em Língua Gestual Portuguesa1. Partindo de uma abordagem comparatista entre a LGP e a Língua Portuguesa procurar-se-á reflectir sobre o valor da expressão, não como ferramenta de apoio à comunicação, mas sim como traço pertinente na distinção de significados. Vamos igualmente tentar perceber em que medida esse parâmetro se revela essencial na produção, compreensão e ensino de LGP, assumindo-se como parte integrante do sentido do gesto. Para que possamos encetar esta breve reflexão, será conveniente atentar em alguns conceitos fundamentais pertencentes ao domínio da Língua e da Linguística, privilegiando-se o subdomínio da LGP
Palavras-chave
Língua gestual portuguesa, Fonologia, Expressão facial
Abstract
Which are the commitments of the Atouguia da Baleia SchThis paper intends to present briefly the role of Facial Expression in Portuguese Sign Language. We will look at this linguistic feature considering its relation with gesture production, mainly its function as superarticulatory unit. Our main purpose is to question Portuguese Sign Language Structure in what concerns to its phonological organization at the level of prosody. Thus we will deal with concepts from General Linguistics, Portuguese and Portuguese Sign Language Linguistics and we will make, briefly, some didactical considerations. We will depart from a comparatist methodology, contrasting and comparing Portuguese language and Portuguese Sign Language.
Key-words
Portuguese sign language, Phonology, Facial expression
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1. A Língua gestual portuguesa: Língua natural, Língua materna, Língua segunda É bastante comum associar-se língua e linguagem, encarando estes termos como pertencentes ao mesmo campo semântico2. Se tal acepção não é errada, carece de precisão, podendo até induzir quem os profere em alguns equívocos. De facto, por Linguagem entende-se a capacidade inata, localizada sensivelmente no hemisfério esquerdo, que o ser humano tem em utilizar e compreender uma língua, sistema organizados de signos arbitrários e convencionais partilhados por uma comunidade (Fromkin & Rodman, 1993). Assim, o primeiro dos conceitos depende de capacidades neurológicas e estímulos sociais, enquanto que o segundo resulta de uma construção humana variável de acordo com parâmetros culturais, históricos e condicionada pelo grupo que a utiliza. È também frequente distinguirem-se os dois vocábulos atribuindo-se ao primeiro uma função mais vaga3, muitas vezes de suporte não verbal, e ao segundo uma característica de maior formalidade associada à fala e à escrita. Esta concepção leva a que se considere a LGP como linguagem e não como língua, atribuindo-lhe um carácter de inferioridade face à “língua” falada, provavelmente devido ao seu meio de expressão ser espacio-visual e ao facto de o sistema de escrita ser ainda embrionário. Contudo, tal associação está longe de ser verdadeira. A linguagem gestual deve ser encarada como elemento paralinguístico, sendo mormente utilizada como instrumento de apoio à comunicação oral, contribuindo para um grau de maior ou menor expressividade do emissor que deve ser relativizado pois pode depender do ponto de vista do receptor e da situação comunicacional. As Línguas Gestuais devem ser encaradas como línguas humanas, na medida em que obedecem a parâmetros linguísticos universais, como a arbitrariedade, a convencionalidade, a recursividade e a criatividade. Não há uma língua gestual universal, mas sim diversas línguas gestuais, de acordo com as comunidades que as utilizam. Assim, percebe-se que obedece ao critério de arbitrariedade, sendo um mesmo conceito expresso de formas distintas, não havendo relação directa entre o objecto e a sua representação linguística. Contudo, não podemos esquecer que estamos perante uma língua espacio-visual onde a representação do mundo se faz através do gesto descodificado pela visão. Desta forma, é possível que, por vezes, sobretudo devido a motivações histórico-sociais que estiveram na base da criação do gesto, haja um grau de iconicidade entre a palavra e aquilo que esta representa. Os designados gestos icónicos (Amaral M.A.; Coutinho, A.; Delgado Martins, M.R, 1994) são aqueles que apresentam semelhanças, na maior parte das vezes respeitantes à relação com a configuração geométrica do representado, com o 58
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objecto que codificam. A existência destas representações poderá estar na origem do preconceito de que muitas vezes são alvo as línguas gestuais, associando-as não a um sistema complexo de signos, mas a uma forma de expressão mímica. Todavia, como o comprovam diversos estudos (Amaral M.A.; Coutinho, A.; Delgado Martins, M.R, 1994; Quadros & Karnopp, 2004) ainda que estes gestos possam ser compreendidos por indivíduos que não dominem uma língua gestual, a existência de gestos “semiicónicos ou interpretativos” e gestos arbitrários4 torna impossível a compreensão de um texto numa língua gestual por parte de quem não a compreenda enquanto sistema organizado. Pelo que temos vindo a constatar, as línguas gestuais assumem características exclusivas que as distinguem, havendo, como no caso das línguas orais, uma pluralidade de idiomas. Prova disso, são a convencionalidade dos gestos, definidos e variáveis consoante as comunidades a que pertencem e a arbitrariedade que os caracteriza e que torna impossível a dedução de frases numa língua gestual apenas por comparação com representações mímicas da realidade. Resta-nos ainda acrescentar que as línguas gestuais reflectem a capacidade criadora das línguas humanas, visto que novos vocábulos vão surgindo à medida que a necessidade de exprimir conceitos e novas realidades se impõem. Da mesma forma, é igualmente possível aumentar frases, através da recursividade patente por exemplo, como nas línguas orais, no uso da adjectivação5. Todavia, pese embora a existência de vários estudos linguísticos que atestam estas afirmações, desde os pioneiros trabalhos de Stokoe (1965) até, mais recentemente, ao completo estudo sobre Língua Gestual Americana (American Sign Language) de Sandler & Lillo-Martin (2006) o reconhecimento da validade social e cultural destas línguas ainda está a dar os seus primeiros passos em alguns países, mais concretamente, no caso da LGP. Só recentemente esta língua foi considerada como ferramenta essencial para o pleno acesso ao conhecimento por parte das crianças surdas, mas não é ainda considerada como língua minoritária oficial de Portugal mesmo que haja recomendações nesse sentido e uma efectiva luta de algumas associações de surdos com o fim de obter esse reconhecimento6. É frequente que este meio de comunicação seja ainda encarado por parte dos ouvintes como rudimentar ou icónica, não sendo entendida como língua e expressão de uma comunidade. Tais equívocos prendem-se, a nosso ver, não apenas com o desconhecimento deste sistema linguístico, mas também na dificuldade em compreender pacificamente certos termos que definem a relação da língua com a comunidade a que pertence. Referimo-nos aos conceitos de Língua Materna, Primeira Língua, Língua Segunda, Língua Estrangeira 59
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e Língua Natural. Como demonstra Spinassé (2006) há divergências na definição e delimitação do significado e alcance destes vocábulos. Contudo, não sendo objectivo deste breve artigo reflectir, problematizando, as fronteiras que separam os sentidos destas palavras, procuraremos apenas de forma sucinta aplicá-los à LGP7, uma vez que a sua relação com o individuo surdo assume contornos particulares. Uma criança portuguesa, filha de pais portugueses e residente em território nacional, terá como Língua Materna aquela que adquiriu, por processo natural e estímulo social, no seio da sua comunidade familiar, o Português. Se nos reportarmos a uma criança surda que partilhe as mesmas condições, sublinhando-se o facto de os seus pais e comunidade familiar não dominarem a LGP, mas sim a Língua Portuguesa, a sua Língua Materna será a mesma da criança ouvinte, ou seja, o português. Todavia, como é do conhecimento geral, a língua portuguesa assenta num código fónico, vedado a uma criança com deficiência do espectro auditivo. Assim, ainda que neste contexto ela consiga falar, produzir palavras usando os articuladores característicos do aparelho fonador8, o domínio que tem do português será sempre deficitário, logo o seu acesso ao conhecimento poderá estar comprometido. Isto acontece porque embora uma língua oral possa ser a Língua Materna do surdo, ela não é a sua Língua Natural, ou seja, aquela que está fisiologicamente predisposto para adquirir e produzir. Não se entenda com esta nossa afirmação que defendemos uma imersão exclusiva na LGP. Se é certo que esta é a sua Língua Natural, podendo ser a sua Língua Materna se estiver presente no contexto familiar, a verdade é que o cidadão surdo que viva em Portugal deve dominar de forma mais proficiente possível o português. Esta é a sua Língua Segunda, ou seja, aquela de que necessita para comunicar numa comunidade mais alargada e para ter acesso ao conhecimento escrito. Assim, é fulcral que desde cedo a criança surda seja estimulada a compreender o português, nomeadamente a sua estrutura, para uma inclusão plena na sociedade. A nosso ver, para um melhor ensino do português e da LGP é fundamental conhecer a organização destas línguas para que se conduza o aprendente a reflectir sobre elas. Conhecer uma língua implica perceber como esta se estrutura, não apenas produzi-la com maior ou menor correcção. É importante que se entenda a fonologia, morfologia, sintaxe e semântica da língua de modo a poder usá-la com acuidade e, sobretudo, de maneira a poder transmiti-la numa situação de ensino formal. O contributo que nos propomos dar para um melhor conhecimento reflexivo da LGP centra-se nos seus aspectos fonológicos e suprassegmentais resultando, essencialmente, do contacto que temos vindo a efectuar com a língua quer como seus aprendentes na óptica de língua estrangeira, quer como ferramenta de comunicação e de estudo linguístico que temos 60
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vindo a aplicar na ESEC há já alguns anos. 2. Fonologia da LGP: contra-senso e legitimidade Abordar a estrutura fonológica da LGP é um desafio complexo, sobretudo pela escassez de estudos nesta área do saber. O problema coloca-se logo na terminologia a utilizar. Como sabemos, a palavra fonologia tem raízes no grego, sendo composta por “phonos” (=som/voz) e “logos” (conhecimento/palavra). Como não será difícil constatar, o primeiro destes elementos pode levantar algumas reservas quando aplicado a uma língua que não usa o som como entidade pertinente, seja no âmbito da produção ou da percepção, mas sim o gesto e a visão. William Stokoe, um dos primeiros linguísticas que se dedicou ao estudo da estrutura da ASL nos anos 60 e 70, terá sido sensível a esta contradição terminológica, tendo proposto uma nomenclatura distinta para o ramo da linguística da língua gestual que se dedicava ao estudo dos segmentos na LGP. Considerando a mão enquanto elemento central da produção do gesto, este estudioso americano propôs que o estudo das unidades discretas da LGP se chamasse quirologia (do grego khiros=mão) e as unidades significantes distintivas da LGP seriam designadas por queremas. Todavia, esta designação nem sempre é aquela que se prefere, continuando a usar-se o termo fonologia. Esta opção justificase, segundo Amaral (1994, p. 59) “por uma questão de facilitação de terminologia e também para por em evidência o carácter linguístico deste sistema, passou-se a adoptar a terminologia da linguística para o estudo da língua gestual”. Não é propósito deste artigo reflectir sobre escolhas terminológicas. Contudo, ainda que compreendamos a necessidade de se ajustar a terminologia de modo a que esta seja o mais universal possível no que respeita ao estudo das línguas humanas, o facto de se estruturar, definir e nomear uma língua visual recorrendo a léxico pertencente ao campo semântico do som é estranho ou até algo bizarro. No nosso entender, é necessário entender a LGP enquanto língua com propriedades comuns a outras línguas, mas também nos parece pertinente considerá-la na enquanto expressão que não recorre ao som. Não cremos que se lhe retire estatuto ou dignidade se nos ativermos a esta distinção que se prende com o maior ou menor destaque que damos à raiz etimológica dos conceitos. Porém, como já o dissemos, não é este o objectivo desta reflexão. Mais relevante, a nosso ver, do que discorrer sobre critérios de terminologia, é perceber a estrutura fonológica ou quirológica deste sistema linguístico. William Stokoe terá sido dos primeiros linguistas a afirmar que o signo gestual não tinha um carácter holístico, isto é, não deveria ser encarado como um todo, mas sim à semelhança do que se considera para as línguas orais, ou seja, constituído por partes 61
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discretas e arbitrárias que se combinam para formar a palavra (STOKOE, 1965 referido por Amaral M.A.; Coutinho, A.; Delgado Martins, M.R 1994). Tentemos ilustrar esta ideia através de dois exemplos. Assim, em português, consideramos que a palavra “gato” é composta por quatro fonemas /g/ /a/ /t/ /u/. Estas unidades mínimas podem combinar-se com outras e formar novas palavras. A ausência, presença ou alteração de uma delas é suficiente para a diferença entre diversos vocábulos. Se mudar o primeiro fonema desta palavra por outro, por exemplo, /p/ obtenho o vocábulo “pato”, que se distancia do anterior pela mudança de um único segmento. Em LGP o gesto é também composto por diversas unidades discretas que determinam o significado global do gesto, são elas, de acordo com o esquema proposto por Stokoe, a localização, o movimento e a configuração da mão9. Assim, se mudássemos qualquer uma delas obteríamos uma palavra diferente o que se constata, por exemplo, nos pares CINCO e SAPATO representados pela mesma configuração de mão, partilhando a localização espacio-corporal, mas alterando o parâmetro movimento, ausente no gesto CINCO, presente no gesto SAPATO10. Trabalhos posteriores a Stokoe, como os de Battison (1974, 1978, referido por Sandler e Lillo-Martin, 2006) adicionaram ainda dois outros parâmetros, considerados essenciais na estrutura da LGP, a orientação da mão e os aspectos não-manuais, como a expressão facial. O que nos parece importante nestas investigações, e em todas os que se têm vindo a desenvolver neste âmbito, é que eles dão conta de um Universal Linguístico que caracteriza a LGP, o da dupla articulação. Tal como na Língua portuguesa, também na LGP se encontram dois níveis: o do significado, constituído pela imagem mental dos conceitos e o do significante de que fazem parte as unidades mínimas com carácter distintivo. De acordo com o que afirmámos até aqui, o parâmetro expressão parece ser um destes constituintes geradores de significados que são determinados pela sua ausência, presença ou alteração na constituição do gesto. Observemos de perto o uso deste parâmetro na LGP para nos ajudar a refinar esta nossa hipótese. 3. A expressão na LGP: elemento fonológico À semelhança do que acontece com os vocábulos “Língua” e “Linguagem”, também o termo “Expressão”, pelo seu uso, se encontra muitas vezes afastado do significado linguístico que pode comportar. Geralmente, esta palavra associa-se à postura corporal, ao maior ou menor uso de linguagem gestual, à expressividade física das emoções, não sendo, à primeira vista, reconhecido o seu valor enquanto unidade pertinente de um sistema linguístico. A vulgarização deste conceito acontece, a nosso ver, pelo facto de se perspectivar a língua como manifestação oral. Uma correcta 62
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postura, um uso adequado de gestos expressivos e auxiliares do discurso são factores que contribuem para uma mais eficaz comunicação oral. Além disso, a expressividade com contornos linguísticos, isto é, enquanto elemento pertinente na formação de sentidos, está reservada ao uso da entoação. A entoação é uma flutuação da curva da frequência fundamental ao nível da frase que é responsável em Português pela distinção de intenções comunicativas e expressivas (Delgado-Martins,1992). Assim, a nossa curva entoacional varia consoante queiramos exprimir interrogações, exclamações ou até manifestar dúvidas, certezas e outras reacções inerentes ao discurso. Esta unidade suprassegmental, assim designada porque condiciona os segmentos e está acima deles, é fundamental na modelação de significados em português. A frase hoje vamos jantar fora pode constituir-se como interrogação, exclamação dependendo apenas da curva entoacional que a define. Desta forma, a entoação é do domínio fonológico, mais concretamente do âmbito da prosódia que estuda a dimensão suprassegmental da fala. Na LGP a expressão11 adquire funções semelhantes às que acabámos de descrever para a entoação. Estudiosos como Liddell (1986) consideram a expressão apenas como uma reflexão da sintaxe. Para estes linguistas, o uso da expressão facial marcaria o fim de uma frase e o seu tipo. No nosso entender, pela observação que temos vindo a fazer em relação à LGP, concordamos com Sandler & Lillo-Martin (2006) que afirmam que “facial expression corresponds to intonation” (p.257). Na Língua portuguesa, a entoação depende exclusivamente das cordas vocais, na medida em que estas são responsáveis pela variação do tom de voz, ou seja, na variação em torno da Frequência Fundamental (F0). Na LGP, ao contrário do que acontece nas línguas orais, as variações suprassegmentais relacionam-se com vários articuladores, como as sobrancelhas, as pestanas, as faces e os lábios, sendo que podem ocorrer em simultâneo ou independentemente, desempenhando uma ou várias funções. A expressão é um elemento passível de criar sentidos distintos dependendo do contexto em que se insere. Não se trata apenas de mera reflexão das emoções do indivíduo ou de auxiliar de comunicação, mas contribui efectivamente para a compreensão da globalidade do texto produzido. Há diversas maneiras, mais ou menos enfáticas, de expressar tristeza, zanga, descontentamento, entre outras emoções ou estados, mas isso deve ser tratado enquanto elemento paralinguístico. O uso da expressão para representar uma pergunta ou uma admiração independe da “expressividade” natural do emissor ou do seu estado de espírito. Sandler e Lillo-Martin (2006) constatam que “signers use facial expression in both non-linguistic and linguistic ways, another parallel with intonation in spoken languages” (p.263). 63
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Procuremos ilustrar estas afirmações com exemplos das línguas em análise. Em português a frase afirmativa, “passei no exame” pode ser dita com maior ou menor efusividade, como neutralidade ou, dependendo do falante e do contexto, com algum descontentamento. O mesmo se passa em LGP para afirmação idêntica. Todavia, não se esperaria que o falante português dissesse essa frase acompanhada de uma curva entoacional ascendente, típica das estruturas interrogativas, sendo necessário que usasse a frequência correspondente às frases declarativas, independentemente do seu estado de espírito. O mesmo acontece em LGP. Quando o gestuante pretende afirmar algo não é expectável que acompanhe o discurso com movimentos típicos de interrogações como o arquear das sobrancelhas. Assim, a expressão facial assumese enquanto unidade prosódica codificada contribuindo para o ritmo significativo do enunciado. Atentemos ainda num outro exemplo que ilustra o valor da expressão em LGP como elemento gerador de significados distintos. Consideremos os advérbios interrogativos “porque” e “porquê”. Em Português, estas palavras constituem um par mínimo pois distinguem-se apenas num segmento, a vogal final. No primeiro caso, a palavra termina na vogal fechada posterior [ɨ] e no segundo da vogal média anterior [e]12. A primeira é sempre átona enquanto a segunda, no caso em apreço, constitui a sílaba tónica. Assim, a entoação não se afigura como elemento pertinente para distinguir os diferentes sentidos e usos destes vocábulos. Em LGP os gestos para PORQUE e PORQUÊ são idênticos no que diz respeito ao movimento, configuração, localização e orientação. Contudo, distinguem-se pela expressão que acompanha cada um deles, no primeiro caso de neutralidade e no segundo de interrogação. A nosso ver, este exemplo coloca questões interessantes, nomeadamente o facto de este parâmetro poder ocorrer como unidade constituinte do gesto, logo ao nível do fonema na Língua Portuguesa. Assim, o grau de vozeamento e o ponto de articulação que distingue as duas vogais das palavras em apreço seria aqui representado pela ausência/presença de expressão facial. Todavia, como sabemos, a palavra “porquê” ocorre apenas em contextos interrogativos pelo que requer contornos entoacionais/expressivos específicos, sendo por isso difícil perceber se o uso da expressão facial na produção desta palavra se reporta à curva do enunciado ou forma parte integrante do gesto. Além disso, devido à estrutura sintáctica da LGP, o uso de “porque” como interrogativo não é pertinente, como acontece em Português, uma vez que não é utilizado como introdutor de frase, mas, de forma geral, como marca final:
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4. Língua portuguesa: Porque faltaste à aula? LGP: faltar à aula porquê Como se vê, há uma assimilação de um vocábulo por outro pelo que não é produtivo enquanto termo de comparação. A questão do lugar da expressão na estrutura fonológica/quirológica da LGP ainda levanta muitas questões. Contudo, supomos que é indubitável o seu valor prosódico e pertinência linguística. Vários exemplos demonstram a sua existência enquanto elemento equivalente à curva entoacional na língua portuguesa. Este pequeno contributo visa apenas sublinhar o estatuto da LGP enquanto sistema linguístico com parâmetros específicos, mas passíveis de serem perspectivados de acordo com os Universais Linguísticos que caracterizam as línguas humanas. A expressão é um dos traços da LGP que ilustra como a sua estrutura assenta em complexas relações de âmbito fonológico. Resta-nos apenas concluir este artigo deixando uma nótula sobre a pertinência deste traço distintivo no ensino da LGP. 5. A expressão e o ensino da LGP Ensinar uma língua implica, como dissemos no início deste trabalho, reflectir sobre ela, compreender a sua estrutura, procurando transmitir as suas características intrínsecas. A perspectiva de abordagem de uma língua no ensino formal difere quando esta é língua materna, primeira língua, língua segunda ou língua estrangeira. Conforme verificámos no ponto um deste artigo, esta distinção assume contornos complexos quando se trata da LGP. Essa complexidade pode ainda vir a ser acentuada se considerarmos o público a que se destina o ensino desta língua. Se os alunos forem crianças surdas, com língua Materna LGP, ou adultos surdos que reúnam essa condição, então, a nosso ver, deve procurar-se chamar a atenção para os diversos parâmetros desta língua, conduzindo os alunos a reflectir na importância da Expressão enquanto elemento suprassegmental. Alguns estudos (Reilly e Bellugi, 1996 referido por Sandler e Lillo-Martin (2006) demonstram que aquisição do parâmetro expressão enquanto elemento linguístico distintivo faz parte do processo de aquisição da LGP pelas crianças surdas. Todavia, a nosso ver, o facto deste traço fazer parte do conhecimento implícito dos discentes não implica que seja descurado na sala de aula. As crianças ouvintes revelam muitas vezes um uso deficiente da entoação como unidade potenciadora de sentidos distintos, havendo a necessidade de se realizarem exercícios que as conduzam à utilização eficaz desse parâmetro. Supomos que o mesmo é válido para as crianças surdas em relação à expressão. Da mesma forma, se os alunos de LGP forem adultos, com LGP enquanto língua 65
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materna ou mesmo com conhecimentos sólidos em LGP, que facilmente adquirem por ser a sua língua natural, uma abordagem reflexiva parece-nos essencial. Os discentes devem estar conscientes da estrutura interna da língua, devendo ser capazes de reflectir sobre ela, interrogando a sua organização. Não pretendemos com esta afirmação sugerir que se conduza os estudantes, como dissemos para o caso das crianças, a usar adequadamente a expressão, mas sim que se sublinhe a necessidade de nos abstrairmos do conteúdo imediato do discurso, para analisarmos os seus constituintes linguísticos sejam do domínio do significado, sejam do âmbito do significante. Caso o ensino de LGP seja dirigido a estudantes ouvintes, será pertinente abordar a expressão em contraste com a entoação que caracteriza a sua língua materna, enfatizando que este parâmetro não corresponde a nenhuma mímica ou teatralidade hiperbólica do enunciado, mas é, sim, um elemento essencial para uma produção e compreensão efectivas do discurso. O recurso a observação directa (pelo contacto com colegas surdos, por exemplo), em vídeo e a comparação com outras línguas gestuais será importante para entender a expressão como unidade linguística comum às línguas espacio-visuais e não como mero espelho de emoções. Em suma, encarar a LGP como sistema de signos característico de uma comunidade implica estudá-la na sua profundidade o que, pelo menos no que nos diz respeito, se afigura como um desafio complexo, mas estimulante. Terminamos este artigo com uma citação de Sandler & Lillo-Martin (2006) que sublinha o nosso principal propósito, entender a LGP como língua autónoma, mas não descurando as suas relações com o a Língua Portuguesa que importa conhecer com a maior precisão possível para se inferirem, comparativamente, as semelhanças e as, por vezes, profundas diferenças que as caracterizam: This enterprise is valid to the extent that It is approached with the right balance of two elements: knowledge about spoken language and open-mindedness about the possibility of significant modality differences ( Sandler & Lillo-Martin 2006, p.114).
Bibliografia Amaral, M.A., Coutinho, A. & Delgado Martins, M.R. (1994). Para uma gramática da língua gestual portuguesa. Lisboa: Caminho. Correia, I. (2008). Os surdos e a educação no ensino superior: estratégias de ensino66
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aprendizagem, Orientações Pedagógicas para Docentes do Ensino Superior, consultado em Julho, 2009, http://ndsim.esec.pt/pagina/opdes/brochuras/04. pdf. Delgado-Martins, M.R. (1992). Ouvir falar: introdução à fonética do português, Lisboa: Caminho. Dicionário Houaiss da língua portuguesa (2002). Lisboa: Círculo de Leitores. Duarte, I. (2000). Língua portuguesa. instrumentos de análise. Lisboa: Universidade Aberta. Fromkin, V. & R. Rodman, (1993). Introdução à linguagem. Coimbra: Livraria Almedina. Klima, E. & Bellugi, U. (1979). The signs of language. Cambridge MA: Harvard University Press. Quadros, R, M. & Karnopp, L. Becker (2004). Língua de sinais brasileira. Estudos Linguísticos. São Paulo: Artmed. Sandler, W & Lillo-Martin (2006). Sign language and linguistic universals. Cambridge: University Press.
Notas 1 Adiante designada LGP. 2 Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2003) uma das definições de Linguagem é “qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos através de signos convencionais, sonoros, gráficos, gestuais, etc”(p.2285). Para o termo Língua podemos ler no mesmo dicionário “sistema de representação constituído por palavras e por regras que as combinam em frases que os indivíduos de uma comunidade linguística usam como meio de comunicação e de expressão, falado ou escrito” (p.2283). No mesmo dicionário, na definição de Linguagem, pode ler-se “ o mesmo que língua” (p.2285), sendo notória a proximidade destes termos. 3 Linguagem pode ser entendida também como qualquer sistema de símbolos ou objectos constituídos como signos, por exemplo, linguagem das cores ou ainda enquanto “sistema secundário de sinais ou símbolos criados a partir de uma dada língua” Houaiss (2003, p.2285). Talvez seja a segunda acepção que citámos que se relacione com o “pré-conceito” que se tem da LGP, acreditando que ela se limita a mimar o real, recorrendo, de forma limitada, ao apoio da Língua Portuguesa para construir a sua expressão. Como esperamos demonstrar ao longo deste trabalho, esta ideia não é só preconceituosa, como também carece de argumentos válidos, sendo facilmente rebatida através de estudos linguísticos. 4 Designamos por gestos “semi-icónicos” ou interpretativos todos aqueles que representam um objecto recorrendo à sinédoque ou a elementos caracterizadores e /ou relacionáveis com o objecto ou acção. São exemplo deste tipo de gestos na LGP o gesto para REI cuja configuração e localização remete para um objecto associado à realeza, a coroa, e o gesto para DIA que consiste no movimento da mão em frente ao rosto, do queixo até à zona da 67
exedra • 1 • Junho 2009 testa, representando o movimento do nascer e elevar do sol. Gestos arbitrários são todos aqueles que não encontram qualquer motivação explicável por associação ou interpretação (dedutível) da realidade. Alguns exemplos em LGP são os gestos de Leite que consiste na localização da mão aberta, com o polegar, junto à têmpora direita, com um movimento progressivo de fechamento dos quatro dedos da mão. Para mais exemplos veja-se Amaral et al, (1993); para uma distinção mais pormenorizada no tipo de gestos característico das línguas gestuais veja-se Klima e Bellugi (1979) 5 Convém notar, porém, que a LGP se caracteriza pelo uso do recurso, também este universal, à economia linguística, parecendo aproximar-se mais das línguas sintéticas do que das analíticas. 6 Constituição da República, artigo 74,h. Além disso há uma advertência do Parlamento Europeu “na Resolução sobre as Línguas Gestuais recomenda que os governos tomem em consideração a concessão de plenos direitos às línguas gestuais como línguas oficiais e ofereçam verdadeira educação bilingue e serviços públicos prestados às pessoas surdas” in Carmo, H et al (2007), p.6. 7 Sobre estes conceitos e a LGP veja-se o que dizemos em Correia (2008) 8 Isto será possível, se houver estimulo e se a criança tiver apenas incapacidade auditiva, pertencente aos mecanismos de percepção fonética, e não manifestar problemas ao nível do aparelho fonador, mecanismo responsável pela articulação de palavras. Pode, contudo, haver alterações na Frequência Fundamental (tom de voz). 9 Sobre as diversas configurações da mão veja-se Amaral, (1994, pp.69-77) 10 Ambas as palavras se representam pela configuração designada <b>, localizam-se na zona do rosto/busto, mas na palavra CINCO o polegar, flectido e levantado, está imóvel enquanto que no outro lexema, o polegar flecte várias vezes. 11 À semelhança de outros autores como Amaral, (1994) e Sandler e Lillo Martin (2006) quando referimos a Expressão não consideramos as configurações da boca que acompanham obrigatoriamente certos gestos. A articulação da boca será pertinente no âmbito da morfologia, uma vez que são constituintes do gesto podendo até, em alguns casos, adquirir significado gramatical. 12 Para uma classificação das vogais do português veja-se, por exemplo, Duarte, I (2000). Correspondência
Isabel Sofia Calvário Correia Escola Superior de Educação de Coimbra, Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 COIMBRA icorreia@esec.pt
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Do Magistério Primário a Bolonha. Políticas de formação de professores do ensino primário
z António Gomes Ferreira
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação - Universidade de Coimbra
z Luís Mota
Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX - Universidade de Coimbra
Resumo
Neste artigo apresentamos uma perspectiva sobre os modelos de formação de professores do ensino primário em Portugal, desde o magistério primário aos cursos de educação básica, criados no âmbito do processo de Bolonha. Concebendo o modelo como representação simplificada da realidade, para efeitos meramente analíticos, colocamos o enfoque em três variáveis, a formação científica no domínio da especialidade, a preparação científica do âmbito psicopedagógico e a prática de ensino.
Palavras-chave
Formação de professores, Processo de Bolonha, Magistério primário, Ensino normal, Escolas superiores de educação
Abstract
In this article we present a perspective on teacher’s formation models of primary education in Portugal. The range of this analysis begins in primary teaching to the basic education courses, created in the scope of the process of Bologna. Conceiving the model as a simplified representation of the reality, for mere analytical effect, the approach is centered in three variables: the scientific formation, in the domain of the specialty, the scientific preparation in a psychological and pedagogical view, and the practical one of education.
Key-words
Teacher’s training, Bologna process, Primary teaching, Normal education, College of education
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Neste artigo pretendemos apresentar uma perspectiva sobre os projectos de formação de professores do ensino primário em Portugal, de 1942 à actualidade, considerando, desde logo, que qualquer modelo de formação articula três componentes: a formação científica no domínio da especialidade, a preparação científica do âmbito psicopedagógico e a prática de ensino. No âmbito da formação de professores do ensino primário a organização das componentes de formação, seguiu uma articulação que tem sido dominada de integrada, ainda que de 1942 até à década de sessenta se possa questionar o seu grau de integração. Focalizaremos a nossa atenção sobre a estrutura orgânica, nomeadamente, os objectivos, as componentes de formação, a duração e o funcionamento – intervenientes, competências e atribuições e avaliação. Adoptando uma perspectiva sociohistórica, analisaremos o curso do Magistério Primário, em funcionamento nas Escolas do Magistério Primário, em 1978, sem perder de vista a génese e o processo histórico do curso, o bacharelato em Ensino, o projecto das Escolas Superiores de Educação, posteriormente transformado em licenciatura e, finalmente, encerramos o nosso excurso com uma reflexão sobre o projecto nascido com o processo de Bolonha.
O Curso do Magistério Primário Prolegómenos O curso do magistério primário, enquanto único curso que permitia a aquisição de habilitação profissional para o magistério primário, percorreu quatro décadas, desde a reentrada em funcionamento em 1942 até ao final da década de oitenta do século passado, meio século, se considerarmos a data da sua criação, 1930. A natureza e características do curso surgem marcadas pelos momentos chave da formação social portuguesa no século XX e a consequente orientação da política educativa. A construção nacionalista da educação, entre 1936 e 1947, moldou a reabertura do curso. O contributo da educação para o desenvolvimento económico, entre 1947 e 1974, que podemos resumir na emergência dos conceitos, primeiro, de generalização, e, depois, de democratização, teve um impacto muito ténue. Agosto de 1974 marca o regresso expressivo da ideologia, tempo da acentuação política da educação e da ideologia democratizante, tempo de dignificação profissional docente, consolidada pelo salto qualitativo da formação oferecida pelo curso do magistério primário. Por último, entre 1976 e 1986, época da normalização, em que vigora uma definição 70
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jurídica da educação e se vai afirmando a ideologia da modernização, é o momento em que o curso do magistério primário retoma a sua tradição republicana (Mota, 2006), consolidando um ensino que deixou marcas na história da formação de professores do ensino primário. O curso do magistério primário que reabre em 1942, surge norteado por dois eixos estruturantes, redução e controlo, traduzidos na retórica oficial por efectividade, eficácia, economia de tempo e aproveitamento de recursos, e terá a duração de três semestres (art.º 11º do Decreto-lei n.º 32.243, de 5 de Setembro de 1942) – a redução aumenta a eficiência – mais um de estágio (art.º 34º a 36º do Decreto-lei n.º 32.243). O novo diploma conserva as disciplinas de cultura pedagógica, devidamente expurgadas e outras devidamente adaptadas, articuladas com um conjunto de outras que se poderiam incluir na designação de expressões e um terceiro grupo de vincada preocupação com a inculcação ideológica. A metafísica e os sistemas filosóficos que as doutrinas pedagógicas encerram estão, na perspectiva do Estado Novo, para além da compreensão dos alunos-mestres, emergindo uma perspectiva da pedagogia como sinónimo de metodologia, tendo como preocupação central as técnicas e as estratégias de ensino (Nóvoa, 1989). O controlo moral e ideológico moldou-se retirando à formação de professores as suas bases científicas de referência que possibilitavam a elaboração de uma ideia do ensino como profissão e dos(as) professores(as) como profissionais (Nóvoa, 1989). O 25 de Abril e a eclosão de um movimento social popular compaginado com fraquezas e contradições do aparelho de Estado (Santos, 1998) contribuíram para a profunda alteração da letargia que marcara, até então, a existência do curso do magistério primário. A escola está no centro do debate político, subordinando o contributo da educação para a formação da democracia à construção da educação democrática, permeável às lógicas próprias das escolas e às circunstâncias locais. A explosão da escolarização durante a crise revolucionária legitimou-se, por um lado, no assegurar da igualdade de oportunidades e, por outro, numa maior implicação da educação no local, fomentando mesmo, dinâmicas educativas não escolarizadas (Correia, 2000). consubstanciando uma leitura das realidades portuguesas atravessada por duas estratégias para a condução do processo de transformação, a do poder popular que destacava, em substituição do poder do ministério, o papel da escola socialista e acentuava a importância da iniciativa local e, por outro lado, a da alfabetização, que apostava em processos centralizados de mobilização (Stoer, 1986). É sob a acção da corrente da alfabetização que ensino primário e, muito particularmente, o ensino normal primário, se vão transformar (Stoer; Barbieri, 1999). 71
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A reforma do curso do magistério primário, face às transformações de Abril que geraram uma nova concepção da vida e do mundo, pretendia preparar os futuros professores para participarem activamente no processo, em curso, de afirmação social e autonomização dos trabalhadores (Pinto, 1976). Desfascizar planos de estudos e programas, por um lado, e, por outro, a substituição de recursos humanos, com a colocação de quadros empenhados na criação de escolas dotadas de uma pedagogia progressista, onde teoria e prática se articulassem e se esbatesse a diferença entre o trabalho intelectual e o manual, contribuindo, assim, para o bem da comunidade e da sua transformação (Pinto, 1977), constituíam as prioridades da política desses anos. A principal preocupação era fornecer uma preparação científica compatível com a profissão, compaginando a informação científica e a análise da realidade, com recurso a uma metodologia que implicasse a auto-organização em torno de problemas concretos e a criação de esquemas de organização com entidades do meio. A metodologia proporcionaria o alargamento da experiência pessoal e a resolução de situações que interessassem à comunidade. Pretendia-se que o professor do ensino primário fosse um agente da transformação social (Matos, 1978). As alterações serão endógenas, numa lógica da periferia para o centro, tratando-se de uma construção colectiva que incorporou as experiências válidas e articulou a participação e os contributos dos diferentes actores, tendo por base o processo de construção ocorrido quotidianamente nas escolas do magistério primário (Stoer; Barbieri, 1999). O plano de estudos organiza as disciplinas por actividades e áreas (Stoer; Barbieri, 1999), tendo como horizonte o novo papel cometido ao professor, cidadão pleno e consciente do dever de intervenção cívica e da realidade social do seu país e da necessidade da sua acção transformadora. Paradigmático, o novo currículo institui as Actividades de Contacto – resultado de uma experiência fecunda (Fernandes, 1977), realizada pela Escola do Magistério Primário de Coimbra e depois alargada a outras escolas (Pinto, 1977) – inclui disciplinas de Ciências Sociais, com o objectivo da realização de uma leitura científica da realidade e compreensão da sua densidade histórica e uma abordagem a temas e problemas da actualidade nacional e consagra a abertura das escolas do magistério primário à comunidade e seus problemas, nomeadamente a comunidade profissional (Pinto, 1977), sem perder de vista, os programas mais ligados ao saber profissional do ser professor, o de Psicologia, de raiz piagetiana, e de Pedagogia, com base na Escola Nova e seus pressupostos (Pinto, 1977), bem como em concepções não-directivas. Com a escola, e a sua vida interna, implicada no debate político, as transformações na orientação da crise revolucionária teriam necessariamente reflexos na evolução 72
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da educação e do ensino, em geral, e do ensino normal e das escolas do magistério, em particular. O 25 de Novembro de 1975 é, simbolicamente, o princípio do fim da crise revolucionária e de um determinado confronto ideológico-político na sociedade portuguesa, com a legitimidade revolucionária substituída, de forma exagerada e acelerada, para uns, e de um modo excessivamente lento e parcimonioso, para outros, pela legitimidade eleitoral, com carácter decisivo e definitivo, em que a definição política da educação cedia o passo e o espaço à ideologia democrática e à definição jurídica da educação, que se caracteriza por um conjunto de referenciais préestabelecidos subordinando: 1. as subjectividades à codificação jurídica das colectividades, isto é, os seres educativos só o são quando criados e autorizados por um acto; 2. o educativo ao escolar, sendo este último estabelecido por referência a uma ordem educativa com figuras possuidoras de propriedades jurídicas; 3. as individualidades às entidades jurídicas, a cidade educativa – a escola contextualizada – subordina-se à cidade democrática – interesses assumidos pelo Estado (Correia, 2000). O curso do magistério primário em época de normalização (1978) Não era fácil o acesso ao curso do magistério primário. Para a candidatura à frequência do referido curso era necessário possuir nacionalidade portuguesa e uma idade que, no último lustro da década de setenta, era definida pelo tempo necessário para aquisição das habilitações exigidas para ingresso sendo o limite superior estabelecido, com base numa construção conjugando um conjunto de parâmetros, os 52 anos de idade, a 1 de Outubro do ano em que tivessem lugar os exames de admissão (Decreto-lei n.º 66/77, de 24 de Fevereiro). Mas tudo isto se juntava ao apuramento da nota de candidatura, na medida em que a frequência do curso estava sujeita a numerus clausus. As habilitações de acesso passaram a ser em 1977 e 1981, respectivamente, o curso complementar dos liceus (Despacho 44/77, de 3 de Maio ) e o 11º ano (Despacho 43/81, de 19 de Agosto ), consagrando-se, em 1977, 14 anos de escolaridade para os professores do ensino primário, num curso que, desde 1975, tinha a duração de 3 anos (Fernandes, 1977). As alterações introduzidas nas habilitações de acesso – o curso complementar dos liceus – e a experiência adquirida, impõem a reformulação curricular. As modificações introduzidas passam pela inclusão ou supressão de disciplinas e pela reformulação dos conteúdos de outras. É nos programas – que agora são compostos por introdução, objectivos, conteúdos, orientações metodológicas, avaliação e bibliografia – e não 73
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ao nível do plano de estudos, que se encontram referências à importância de uma formação de professores norteada pelo respeito aos valores constitucionais que deveriam consolidar um ensino básico, universal, obrigatório e gratuito (Escolas do Magistério Primário, Programas, 1977). Na verdade tratava-se de um passo na afirmação, pelo Estado, da construção de uma ideologia democrática da educação, colocando a ênfase na desideologização dos currículos (Correia, 2000), e em imperativos de universalidade cognitiva, política e das regras de um debate racional (Correia, 2000). No ano de 1978 é publicado o último plano de estudos (Despacho n.º 157/78 de 30.06.1978), para as escolas do magistério primário, que consubstancia ligeiras alterações, nomeadamente, numa rearrumação das disciplinas por áreas e em outras provenientes de desdobramentos. As disciplinas surgem distribuídas por três áreas, as Ciências da Educação, as de Expressão e Comunicação e as da Experiência (ver quadro 1), passando a integrar em si, uma didáctica específica. A componente de Ciências da Educação representa 22% da carga lectiva, enquanto a prática pedagógica, no seu todo, 32%, 11% nos 1 e 2º ano do curso e 23%, no estágio. No âmbito do 3º ano, a funcionar pela primeira vez no ano lectivo de 1977-1978, foi objecto de especial atenção ao nível das orientações para as escolas e visava colmatar lacunas de aprendizagens anteriores – nas disciplinas curriculares ou em áreas disciplinares não abordadas ao longo do curso – e criar condições para uma formação prática imbricada com o estágio, fornecendo uma preparação teórica que implicasse uma abordagem crítica de situações vividas e processos utilizados (Mogarro, 2001).
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Plano de estudos do 1º Ano das Escolas do Magistério Primário (1978-1979) Horas semanais
Área
Disciplinas 1º Ano
Metodologia e Técnicas Pedagógicas Ciências da Educação
2º Ano
3º Ano
2
1
Pedagogia
3
3
2
Psicologia do Desenvolvimento
4
2
1
Saúde
2
Deontologia, Organização e Administração Escolar e Legislação
Expressão e da Comunicação
Experiência
1
Educação Física e Desportiva
3
2
Expressão Musical - Movimento, Música e Drama
2
2
Comunicação e Expressão Verbal
3
2
Literatura Infantil
2
Movimento e Drama
2
1
Português
4
2
Antropologia Cultural
2
Ciências da Natureza
3
2
História Moderna e Contemporânea da Sociedade Portuguesa2
2
Matemática
2
Prática
Nível 1
4
Pedagógica
Nível 2
Actividades complementares
1
2 6
Actividades Técnicas
22 2
Moral (facultativa)
(1)
Total
32
32
30
No início da década de 80, em face das críticas ao seu funcionamento (Mota, 2006), e conferindo alguma autonomia às escolas, sugere-se que o plano de organização da responsabilidade de cada escola, respeite a intervenção coordenada, numa perspectiva interdisciplinar, de todos os professores, e que esse apoio deve resultar das observações concretas – na planificação ou execução, numa perspectiva de continuidade da prática (Despacho n.º 282/80, de 22 de Agosto). As escolas do magistério readquirem o estatuto de escolas de formação profissional e a reintrodução da didáctica específica nas ciências da especialidade do professor primário e a implicação de todos os professores na prática pedagógica, é o retomar da tradição republicana (Baptista, 2004). O estágio pedagógico tem praticamente setenta anos, remonta ao processo de emergência de recrutamento de professores e, apesar das actualizações de que foi alvo ao longo do último século, trata-se de um instituto legal ímpar pela sua 75
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longevidade. Em 1977-1978, iniciou-se pela primeira vez um 3º Ano, insistindose, fundamentalmente, no desempenho da prática para preparação futura, daí que se centrasse na planificação, execução e na reflexão e análise de situações compaginada com a exploração e fundamentação dos programas do ensino primário. Tinha lugar ao longo de um ano lectivo, nas escolas de aplicação anexas ou anexadas às do magistério primário, orientada por um professor do ensino primário, em exercício de funções. A prática devia ter lugar em turmas de alunos dos diferentes níveis e, num certo espaço de tempo, deveria concentrar-se no mesmo grupo, permitindo ao estagiário acompanhar o desenvolvimento cognitivo, psicológico e afectivo das crianças, o que lhe facultava a recolha de dados cujo tratamento lhe permitiria a aproximação da prática à teoria (Mogarro, 2001). Em 1980, a legislação publicada (Despacho n.º 282/80, de 22 de Agosto) sublinhava o carácter de continuidade a conferir à prática pedagógica, indicando a sua realização em três dias consecutivos, permitindo uma efectiva integração no processo de aprendizagem. A prática pedagógica constituía uma articulação complexa e interdisciplinar em que ao professor orientador competia acompanhar e orientar os alunos, na sua sala de aula, com o grupo de crianças, ao coordenador de metodologia estava-lhe cometida a tarefa de coordenar os trabalhos dos grupos da sua turma e representar a escola do magistério nas sessões de prática pedagógica e ambos se responsabilizavam pela orientação das metodologias e técnicas pedagógicas, coadjuvados de forma programada pelos restantes docentes. A estes últimos, pertencentes às áreas disciplinares envolvidas, determinava-se que intervinham numa perspectiva interdisciplinar e com o sentido de esclarecer e aprofundar as questões suscitadas pela prática. Definiram-se as horas semanais distribuídas aos diferentes professores, o Horário de intervenção total de professores por turma do 3º Ano, que cada escola teria a responsabilidade de gerir, repartindo pelas diferentes actividades. As escolas sublinharam em diversas ocasiões a dignidade deste trabalho, procurando obter a dedicação a tempo inteiro dos seus docentes, dirimindo a questão com o poder central, argumentando que o apoio à prática pedagógica compaginava a assistência às aulas práticas dos alunos-mestres e as sessões de reflexão e planificação (Despacho n.º 282/80).
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Horas de intervenção total de professores por turma do 3º Ano
Professor de Área/disciplina
Hora/ semana
Coordenador de Metodologia
18H20/22H
Ciências da Educação
8
Português
4
Matemática
4
Meio Físico e Social
6
A atribuir a um ou mais professores de: Ciências da Natureza, História Social e Saúde.
8
A atribuir a um ou mais professores: Expressão Musical, Expressão Visual, Educação Física e Movimento e Drama.
2
A coordenação era responsabilidade de um/ uma professor.
Expressões
Actividades Técnicas Legislação
Observações
A atribuir a um ou mais professores de: Pedagogia /Psicologia; Psicopedagogia.
P d C M
C
P M
M
1
E O bacharelato em ensino no ensino superior politécnico O período da normalização fica marcado por uma forte resistência à afirmação da legitimidade eleitoral e às suas opções para a sociedade portuguesa, num quadro de dificuldades da economia portuguesa, resolvidas com sucesso, através do recurso ao apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), a que não será alheio o acréscimo de legitimidade que trouxe à aplicação de medidas particularmente impopulares. No plano da educação, assiste-se à emergência da formação de nível superior do professor do ensino primário, através da figura do ensino superior de curta duração (Decreto-lei n.º 427-B/77, de 14 de Outubro de 1977), legitimada sob patrocínio internacional, através do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), também conhecido por Banco Mundial (BM). A preocupação com a racionalização da Formação de Professores Primários e Preparatórios em Portugal, sustenta-se, pelo menos em parte, na promoção, no plano nacional, da crença do BIRD/BM, que sustentava a necessidade de aumentar a produtividade da força do trabalho e melhorar a preparação das pessoas que entravam no mercado de trabalho, bem como na ausência, em Portugal, de técnicos de nível médio e superior (Stoer, 1980). Em 1979 o ensino de curta duração passa a designar-se por ensino superior politécnico, de tónica vincadamente profissionalizante e ditado por razões de eficiência e articulação à estrutura económica (Decreto-lei n.º 513-T/79, de 26 de Dezembro de 1979), numa lógica de educação liberal e meritocrática (Stoer, 1980). O ensino superior politécnico vêem-lhe ser cometidas quatro finalidades, para além da formação de técnicos, como sejam a promoção da investigação e do desenvolvimento 77
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experimental, apoiar pedagogicamente os organismos de ensino e educação permanente, colaborar no desenvolvimento cultural das regiões e prestar serviço à comunidade. Os cursos e os planos de estudos a organizar no seu âmbito serão objecto de publicação por Portaria do Ministério da Educação (Decreto-lei n.º 303/80, de 16 de Agosto de 1980), mediante proposta dos conselhos científicos, ouvidos os conselhos pedagógicos respectivos (Decreto-lei n.º 316/83, de 2 de Julho de 1983). As escolas superiores de educação adquirem capacidade legal, para além do definido anteriormente, formarem professores para todo o ensino básico – do 1º ao 6º ano de escolaridade, e realizarem a reconversão dos professores no activo. Na perspectiva dos seus promotores, a medida justifica-se como apoio ao efectivo alargamento da escolaridade, bem como uma tentativa para evitar a passagem brusca do ensino de classe para o de disciplina. A rede escolar distrital de escolas superiores de educação terá três excepções, onde se prevê a criação de Centros Integrados de Formação de Professores (CIFOP), no âmbito de outros tantos centros universitários, em Aveiro – já em funcionamento àquela data, em Braga e Évora (Decreto-lei n.º 513-T/79). A instalação das Escolas Superiores de Educação (ESE) fica marcada por vicissitudes de vária ordem, daí resultando o atraso no início do seu funcionamento, cujo arranque se consubstancia com a ESE de Viseu, a primeira a entrar em funcionamento, em 1983. A legislação de referência da actividade das escolas superiores de educação (Decretolei n.º 59/86, de 21 de Março de 1986; Portaria n.º 352/86, de 8 de Julho de 1986) e a regulamentação de cursos, graus académicos e diplomas só dois anos depois seria publicado e, no caso da escola superior de Viseu, a funcionar desde o 2º semestre do ano lectivo de 1982-1983, só em Setembro de 1986 veria os seus cursos legalizados (Portaria n.º 535/86, de 19 de Setembro de 1986; Decreto-lei n.º 298/86, de 19 de Setembro de 1986), enquanto a prática pedagógica dos cursos de formação inicial esperariam mais dois anos para a sua regulamentação (Portaria n.º 336/88, de 28 de Maio de 1988). O referencial genérico de actividades das escolas superiores de educação procura compaginar a situação vivida pelo sistema educativo à data da sua publicação, finais da década de oitenta, com as expectativas de evolução. Neste quadro prevêse a formação das ESE a partir de dois bacharelatos, educação de infância e ensino primário, e a possibilidade de uma formação complementar com vista à docência de uma área curricular do ensino preparatório – respeitando a estrutura organizativa dos grupos de docentes do ensino preparatório (Despacho n.º 78/MEC/86, de 3 de Abril de 1986), com a duração de, respectivamente, seis e oito semestres (Decreto-lei n.º 59/86). 78
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O bacharelato em ensino primário, confere o diploma de professor do ensino primário, terá a duração de seis semestres, com a duração mínima de 15 semanas cada um, prevê um plano de estudos com uma carga horária total – incluindo disciplinas, seminários e actividades – entre as 2250 e as 2500 horas. O plano de estudos deverá incluir a componente de ciências da educação, que representará entre 15 a 20% do total da carga horária, sem incluir metodologias específicas, e 20 a 25%, consagrada à prática pedagógica. Estabelece-se, ainda, que o primeiro ano de exercício profissional autónomo será objecto de acções de acompanhamento e apoio que se consubstanciam em resposta a consultas formuladas, apreciação de questões enunciadas, difusão de documentação produzida e encontros conjuntos para permuta de experiências (Portaria n.º 352/86). A prática pedagógica tem como objectivos fundamentais a aquisição e desenvolvimento de competências ao nível do conhecimento da escola e da comunidade educativa, a aplicação integrada e interdisciplinar dos conhecimentos adquiridos e o domínio de métodos e técnicas, relativos ao processo ensino-aprendizagem, ao trabalho em equipa, à organização da escola e à investigação educacional. A concretização da prática pedagógica realiza-se através de actividades diferenciadas, em períodos de duração crescente e de atribuição de responsabilidade acrescida, em dimensões de observação – análise, cooperação – intervenção e responsabilização pela docência, integrando de forma coordenada os docentes da ESE e os professores das escolas primárias seleccionadas segundo critérios definidos (n.º 3, do artigo 8º da Portaria n.º 336/88), sendo cometida aos primeiros a sua coordenação (Portaria n.º 336/88). As alterações introduzidas na lei de bases do sistema educativo com modificação das habilitações para a docência no 1º ciclo do ensino básico consagram, pela primeira vez, a licenciatura como a habilitação mínima para o exercício da docência no ensino primário, desde 1990, 1º ciclo do ensino básico, colocando em condições de igualdade, ao nível de habilitações profissionais, todos os educadores e professores do ensino não superior em Portugal (Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro de 1997). As ESE vão reestruturar os seus cursos de bacharelato, de professores do 1º ciclo do ensino básico, em licenciatura, contudo, no que se refere às suas componentes e ao respectivo peso, o curso não sofre alterações na passagem de três para quatro anos de duração, com excepção do aumento da carga lectiva global, pelo acréscimo de mais um ano de duração da formação (Decreto-lei n.º 413-E/98, de 17 de Julho de 1998).
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A formação de professores articula-se ao Processo de Bolonha. O processo de aprofundamento da unidade europeia, de algum modo acentuado em 1999, tornaria necessárias alterações de fundo no sistema de formação de professores do 1º ciclo do ensino básico. A 19 de Junho, os ministros de vinte e nove estados europeus subscreveram a declaração de Bolonha, cujo objectivo primordial consistia na criação, até 2010, do espaço europeu de ensino superior que pretendia que o conhecimento, a mobilidade e a empregabilidade dos seus diplomados constituíssem factor de coesão europeia. A declaração consubstancia uma mudança de paradigma de formação, ao nível do ensino superior, centrando-a na globalidade da actividade e nas competências que os jovens devem adquirir, articuladas com a evolução do conhecimento e dos interesses dos indivíduos e da comunidade(s). A assunção dos princípios da declaração, em Portugal, remonta a 2005, com a publicação dos princípios reguladores de instrumentos para a criação do espaço europeu de ensino superior (Decreto-lei n.º 42/2005, de 22 de Fevereiro de 2005) e com a segunda alteração à lei de bases do sistema educativo. Esta última, entre outros aspectos, redesenha os objectivos do ensino superior, especifica as orientações dos dois subsistemas de ensino superior – definindo que tanto as instituições universitárias e politécnicas conferem os graus de licenciado e de mestre, reservando à primeira o grau de doutor, em qualquer caso, salvaguardando a existência de recursos docentes qualificados –, estabelece princípios para o acesso ao ensino superior de maiores de 23 anos e de portadores de qualificações pós-secundárias, bem como, consagra o sistema europeu de créditos curriculares (ECTS – European Credit Transfer and Acumulation System), baseado no trabalho dos estudantes (Decreto-lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto de 2005). A sua regulamentação, sob a forma de decreto-lei, constitui o regime jurídico dos graus e diplomas do ensino superior, debruça-se, depois de clarificar conceitos, sobre graus académicos e diplomas, a acreditação e entrada em funcionamento dos ciclos de estudos, bem como, da sua adequação, estabelecendo as disposições para os novos ciclos de estudos e as normas transitórias (Decreto-lei n.º 74/2006, de 24 de Março de 2006). Em termos de conceitos importa esclarecer que o trabalho do estudante é medido em horas estimadas de todas as formas de trabalho, designadamente, as de contacto, as dedicadas a estágios, projectos, trabalhos no terreno, estudo e avaliação. O trabalho realizado num ano curricular estima-se entre as 1500 e as 1680 horas e é cumprido num período de 36 a 40 semanas. O número de créditos correspondentes a um ano curricular, realizado a tempo inteiro, é de 60 (Decreto-lei n.º 42/2005). Pela primeira vez em Portugal se aborda a formação de professores, do ensino não 80
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superior, de uma forma integrada e articulada, não pretendendo nós com isto, afirmar que as instituições tenham tomado a iniciativa de se articularem aquando da adequação das suas licenciaturas. As alterações surgem justificadas pela necessidade de maior qualificação dos portugueses, seja pelo combate ao insucesso e abandono escolares ou pela definição do ensino secundário como referencial de formação dos portugueses, que impõe a urgência num corpo docente de qualidade, mais qualificado e estável, tanto mais que os resultados de aprendizagem andam associados à qualificação do corpo docente. Nesta perspectiva, o Estado determina a reformulação dos domínios de habilitação profissional, através de uma maior abrangência de níveis e ciclos de ensino, possibilitando a mobilidade de docentes entre os mesmos. De acordo com o legislador, esta mobilidade permite aos professores acompanhar os alunos por um maior período de tempo e flexibiliza a gestão dos recursos humanos e as trajectórias profissionais. Nesta perspectiva, alargam-se os domínios de habilitação do docente generalista que passa a incluir habilitação conjunta para a educação pré-escolar e 1º ciclo do ensino básico ou habilitação conjunta para os dois primeiros ciclos do ensino básico. Com a estruturação do ensino superior em três ciclos, a habilitação profissional para todos os docentes passa a ser o mestrado, um acréscimo, pelo menos, no título académico. A titularidade da habilitação profissional para a docência generalista, na educação pré-escolar e nos 1º e 2º ciclos do ensino básico é conferida a quem obtiver uma licenciatura em Educação Básica e um mestrado em Ensino. O novo sistema pretende valorizar as dimensões do conhecimento disciplinar, a fundamentação da prática de ensino na investigação e a iniciação à prática profissional, considerando o domínio da Língua Portuguesa, oral e escrito, como uma dimensão comum da qualificação do corpo docente. O diploma legal sublinha, ainda, que o domínio da profissão docente exige o domínio do conteúdo científico, humanístico, tecnológico ou artístico das disciplinas curriculares de docência (Decreto-lei n.º 43/2007, de 22 de Fevereiro de 2007). Por outro lado, coloca o acento tónico na área das metodologias de investigação educacional na medida em que se pretende que: “[…] o desempenho dos educadores e professores seja cada vez menos o de um mero funcionário ou técnico e cada vez mais o de um profissional capaz de se adaptar às características e desafios das situações singulares em função das especificidades dos alunos e dos contextos escolares e sociais” (Decreto-lei n.º 43/2007, de 22 de Fevereiro de 2007). O novo regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário considera o perfil, geral e específico, definido para educadores de infância e professor dos ensinos básico e secundário, na 81
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proposta de princípios gerais de organização curricular da formação para habilitação profissional para a docência. As componentes de formação, fundamentadas na investigação existente, incluem a(s) componente(s) de: 1. formação educacional geral que abrange os conhecimentos, capacidades, atitudes e competências no âmbito da educação e com importância no desempenho na sala de aula, estabelecimento de ensino, na relação com a comunidade e na participação crítica no desenvolvimento de políticas educativas e de metodologias de ensino; 2. didácticas específicas que incluem os conhecimentos, capacidades, atitudes e competências no quadro do ensino nas áreas curriculares ou disciplinas e nos níveis e ciclos de ensino respectivos; 3. actividades da iniciação à prática profissional que deverão incluir a observação e colaboração em situações de educação e ensino, a prática supervisionada na sala de aula e na escola, experiências de planificação, ensino e avaliação e a realização em diferentes grupos ou turmas dos diferentes níveis e ciclos de educação e ensino; 4. formação cultural, social e ética que deverá promover a sensibilização para os grandes problemas do mundo contemporâneo, o alargamento a outras áreas do saber e cultura e preparar para as áreas curriculares não disciplinares e a reflexão sobre as dimensões ética e cívica da actividade docente; 5. formação em metodologias de investigação educacional procurando capacitar os futuros docentes a adoptarem uma atitude investigativa no desempenho profissional; 6. formação na área da docência garantindo uma formação académica adequada às exigências da docência nas áreas curriculares ou disciplinas (Decreto-lei n.º 43/2007, de 22 de Fevereiro de 2007). A estrutura do ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado em Educação Básica é composto de 180 créditos, com a duração de seis semestres, e distribuídos pela formação educacional geral, as didácticas específicas e a iniciação à prática profissional, no intervalo dos 15 a 20 créditos cada componente e incluem as componentes de formação cultural, social e ética e a de formação em metodologias de investigação educacional. A componente de formação na área da docência situa-se entre 120 a 135 créditos, sendo no mínimo, 30 créditos para cada uma das vertentes, o Estudo do Meio – compreende as Ciências da Natureza e História e Geografia de Portugal –, as Expressões, a Matemática e o Português. Os ciclos de estudos conducentes ao grau de mestre subdividem-se em quatro domínios de habilitação para a docência: educador de infância, professor do 1º ciclo do ensino básico, educador de infância e professor do 1º ciclo do ensino básico e, por fim, professor dos 1º e do 2º ciclos do ensino básico, abrangendo, neste último caso, todas as áreas do 1º ciclo do ensino 82
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básico e Ciências da Natureza, História e Geografia de Portugal, Matemática e Língua Portuguesa do 2º ciclo do ensino básico. Assim, o grau de mestre será atribuído na especialidade de educação pré-escolar, ensino do 1º ciclo do ensino básico, educação pré-escolar e ensino do 1º ciclo do ensino básico e, por último, ensino dos 1º e do 2º ciclos do ensino básico (Decreto-lei n.º 43/2007, de 22 de Fevereiro de 2007). Nos dois primeiros casos, o número de créditos é de 60, isto é, um ano curricular, distribuídos pelas seguintes componentes: 1. formação educacional geral – 5 a 10 unidades de crédito; 2. didácticas específicas – 15 a 20 unidades de crédito; 3. prática de ensino supervisionada – 30 a 35 unidades de crédito. O curso de mestrado na especialidade de educação pré-escolar e ensino do 1º ciclo do ensino básico, terá 90 créditos, assim distribuídos: 4. formação educacional geral – 5 a 10 unidades de crédito; 5. didácticas específicas – 25 a 30 unidades de crédito; 6. prática de ensino supervisionada – 40 a 45 unidades de crédito. 7. formação na área da docência – 0 a 5 créditos. O intervalo entre 90 e 120 créditos é o previsto para o mestrado na especialidade de ensino do 1º e do 2º ciclo do ensino básico, atribuindo-se a seguinte percentagem às diferentes componentes: 1. formação educacional geral – 5%; 2. didácticas específicas – 20%; 3. prática de ensino supervisionada – 45%. 4. formação na área da docência – 25%. O novo regime jurídico de habilitação profissional para a docência entrou em vigor no ano lectivo de 2007-2008, cabendo ao Ministério da Educação e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior elaborar um relatório de acompanhamento da sua aplicação, bianual, e do qual se esperam recomendações para a promoção da qualidade do sistema (Decreto-lei n.º 43/2007, de 22 de Fevereiro de 2007). Conclusão A emergência do ensino normal primário constitui uma etapa do processo de profissionalização da actividade docente e conhece, no quadro do Estado, dois grandes ciclos, o primeiro, que se inicia no século XIX e vai até ao final da 1ª República e, um outro, que vai do segundo lustro da década de trinta do século XX até ao século XXI. Apesar das medidas iniciais algo contraditórias, a crescente clarificação política da ditadura militar pós 28 de Maio, expressa-se numa legitimidade política 83
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racionalizadora que se traduziu na educação, nomeadamente no ensino normal, num consenso em torno de duas ideias, simplificação e redução, não sem que existissem algumas interrogações sobre as estratégias a adoptar na sua aplicação. Durante a década de trinta do século passado, reafirma-se uma certa visão técnica da aprendizagem e do exercício da profissão, que se atesta pela crescente desvalorização da exigência pedagógica profissão docente, especialmente visível na criação dos postos de ensino e na figura dos regentes, no encerramento do curso do magistério primário, em 1936, e nos recrutamentos de emergência, através da realização de exames e um estágio, relembrando os exames de habilitação do século XIX. A reabertura do curso, em 1942, ocorre enquadrada numa lógica de controlo moral, político e ideológico, com exames de estado e redução do ensino a uma aquisição de técnicas e de estratégias de ensino, bem patente nos programas então publicados. Na verdade, sobre a ideia de eficácia, existia um pressuposto de economia de recursos e de pragmatismo sujeito a uma lógica pedagógica reprodutora das aprendizagens, por sua vez, envolto num quotidiano hegemonizado (ou quase) pela doutrina católica, sublinhado por uma perspectiva burocrática da função do professor que não sofrerá alterações de monta até Abril de 1974. Com o 25 de Abril, o curso do magistério primário vai conhecer um período de renovação pedagógica muito marcado por uma perspectiva de desarticulação da formação arquitectada pelo Estado Novo e por uma militância que buscava a construção de uma escola democrática em Portugal, em que a formação de professores passou pela envolvência dos futuros professores em dinâmicas de intervenção cultural e política mas dependentes das conjunturas verificadas em cada Escola do Magistério. Este período marca o crescimento qualitativo do nível da formação, com profunda e radical transformação do plano de estudos bem como conhece um aumento do número de anos do curso. Simultaneamente os cursos vêem ser ampliado o seu âmbito ao passarem a realizar a formação para educação de infância. O sentido (e o processo) da renovação será truncado com o desfecho do confronto político-ideológico pelo controlo do Estado favorável à legitimidade eleitoral, abrindo-se espaço à afirmação da ideologia democrática com a consequente “desideologização” curricular e, em nome duma formação mais cientificizante e consensual, a crescente juridificação da educação, que se traduzirá ao nível do plano de estudos e da preocupação com os princípios de universalidade que legitimaram a acção do Estado e mesmo na imposição de um modelo igual para todas as escolas, sem prejuízo da crescente exigência de formação académica na admissão ao ensino normal primário, bem como, do aprofundar da formação, tanto ao nível da componente das ciências da especialidade e da formação geral e ao nível das Ciências da Educação. 84
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Num último fôlego do século XX e sob o patrocínio internacional, que funcionou, quiçá, como um acréscimo de legitimidade política, ocorre o encerramento das Escolas do Magistério Primário, substituídas pela criação das Escolas Superiores de Educação, enquadradas no ensino superior politécnico, reperspectivando-se o ensino normal, com os professores do ensino primário a alcandorarem-se a uma formação superior, ao nível do bacharelato, primeiro e, mais tarde, à licenciatura. Estava, assim, consubstanciada uma formação de ensino superior e idêntica para todos os professores do ensino não superior. O segundo lustro da primeira década do século XXI, por força de dinâmicas transnacionais, justificadas com o aprofundamento da unidade europeia e com a competitividade deste espaço económico e político, viu avançar uma reforma do ensino superior, designada como Processo de Bolonha, que redesenhou um novo modelo de formação de professores para os primeiros anos seis anos do Ensino Básico. Agora é organizada uma formação onde o 1ºciclo é pensado como charneira de um processo que vai do pré-escolar ao 2º ciclo do Ensino Básico, com os professores a concluírem a sua formação inicial com o grau de mestre. Mas, apesar de já serem evidentes incongruências e desequilíbrios, ainda é cedo para vermos todas as consequências deste novo modelo de formação para a docência no ensino pré-escolar e nos dois ciclos subsequentes. Para encerrarmos o nosso excurso sublinhem-se algumas dimensões transversais, desde que foi institucionalizado o ensino normal. Na sua base, a crença na existência de um corpo de conhecimentos e de técnicas específicas do ser professor; a presença mais ou menos explícita, em alguns períodos claramente intencional, de conteúdos fortemente ideológicos, tanto no âmbito da concepção de professor, bem como, na estrutura da sua formação; a forma de organização em classes, a distribuição dos saberes em estrutura disciplinar e as componentes de ciências da especialidade, formação geral, ciências da educação, prática (embora com designações e tempos diferentes), nos planos de estudos. Mas o que parece mais evidente na formação de professores para os primeiros anos de escolaridade foi preocupação com o exercício prático, ainda que a articulação entre a teoria e a prática tivesse conhecido soluções de geometria variável. Na verdade, este aspecto, ainda hoje é matéria controversa quando se equaciona o tempo e forma que deve estipular-se para as diferentes componentes. Por último, uma simples referência à sempre difícil articulação entre formação e mercado de trabalho, que umas vezes pecou por defeito e outras por excesso, tendo mesmo, em outros tempos justificado o encerramento temporário de estabelecimentos de ensino normal face ao elevado desemprego. Como é evidente, este é um problema que volta a estar em discussão e que obriga a equacionar as questões a montante e 85
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a jusante, ou seja, por um lado, o sobredimensionamento da rede escolar de ensino normal, por outro, a questão da procura social da educação. Mas o mais importante da análise deste percurso da formação de professores dos primeiros anos de escolaridade é compreender em que medida ele traduz a modernidade e o que isso significa em termos de mais-valia para a promoção de uma educação capaz de dar resposta às exigências duma sociedade em transformação.
Bibliografia Abreu, M. V. de (1974). Acerca da formação psicopedagógica dos professores do ensino secundário. Revista Portuguesa de Pedagogia VIII. Baptista, M. I. (2004). O ensino normal primário. Currículo, práticas e políticas de formação. Lisboa: Educa. Correia, J. A. (2000). As ideologias educativas em Portugal nos últimos 25 anos (pp. 5-9). Porto: Edições ASA, Escolas do Magistério Primário, Programas (1977). Lisboa: Ministério da Educação e Investigação Científica/Direcção-Geral do Ensino Básico. Fernandes, R. (1977). Educação: uma frente de luta (p. 135). Lisboa: Livros Horizonte, Ferreira, A. G. (2003). A inevitável Espanha em narrativas de textos escolares no tempo do Estado Novo, Revista de Pensamento do Eixo Atlântico (“A mirada do outro” – Para uma Historia da Educación na Península), 4, Janeiro-Junho, 2003, 211-229. Ferreira, A. G. e Seixas, A. M. (2006). Dimensões ideológicas em discursos políticoeducativos produzidos em Portugal nas duas últimas décadas do século XX,
Revista Estudos do Século XX. A Educação Contemporânea. Ideologia e Dinâmica Social, Coimbra, Ceis20. Matos, M. (1978). Escolas do Magistério Primário – Uma experiência apunhalada I. O Professor, 5, 39-44. Mogarro, M. J. (2001). A formação de professores no Portugal contemporâneo. A Escola do Magistério Primário de Portalegre. S. l.: Instituto de Ciencias de Educación da Universidad de Extremadura. Tesis doctoral. Mota, L. (2006). A Escola do Magistério Primário de Coimbra. Entre ideologia, memória e história. Tomo I. Coimbra. Dissertação de doutoramento. Nóvoa, A. (1987). Le temps des professeurs, 2 vols. Lisboa: INIC. Nóvoa, A. (1989). Os professores: quem são? Donde vêm? Para onde vão? (p. 101). Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa/Instituto Superior de Educação Física, 86
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Notas 1 Cf. Plano de Estudos das Escolas do Magistério Primário 1978-1979. Lisboa: Ministério da Educação e Cultura/Secretaria de Estado do Ensino Básico e Secundário/Direcção-Geral do Ensino Básico. 2 Pelo Despacho n.º 84/78, de 12-10-78, Diário da República, II Série, n.º 249, de 12 de Outubro de 1978, passou a designar-se História Social e Cultural de Portugal. 3
Fonte: Anexo I ao Despacho n.º 282/80, […].
Correspondência
António Gomes Ferreira Rua do Colégio Novo, apartado 6153 3001-802 Coimbra antónio@fpce.uc.pt
Luís Carlos Martins de Almeida Mota Praça Heróis do Ultramar - Solum 3030-329 Coimbra lmota@esec.pt
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A(s) Ciências do Desporto e o corpo: entre as Ciências Naturais e as Ciências Sociais
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Pedro Cabral Mendes Gonçalo Dias Filipa Morais Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra
Resumo
O discurso epistemológico que enaltece o estatuto de cientificidade das Ciências Naturais e Ciências Sociais tem sido motivo de particular atenção por parte de vários investigadores (Bachelard 1958; Kuhn, 1962, Castro, 1976, Piaget, 1980; Nunes 1982; Sayer, 1984, Santos, 1989; Popper 1989; Boudon, 1990, Silva & Pinto, 1990 e 1999). A Ciência do Desporto debate-se com a necessidade de se afirmar como uma teoria integrativa de carácter interdisciplinar, capaz de partilhar as contribuições de outras áreas “ciências-mãe” (Marques, 1990; Bento & Marques, 1993, Gaya, 2001). Neste contexto, o desenvolvimento do Desporto e da Ciência do Desporto parece seguir uma nova orientação centrada na emergência do “estudo do corpo” enquanto fenómeno global (Dunning, 1992; Knop, Engsbom, Skirestad & Weiss, 1996; Andrieu, 2004; Reid, Stewart & Thorne, 2004; Bento, 2007; Lippi, Gudi, Nevill & Boreham, 2008). O presente trabalho teve como objectivo principal apresentar os motivos que estão subjacentes à tensão latente que existe nestas áreas de saber. Os objectos de estudo, a esfera de acção, bem como os factores de convergência e divergência são elementos a considerar neste artigo. Conclui-se que a Ciência do Desporto enquanto “estudo do corpo”, nas suas mais diversas vertentes, deverá assumir uma atitude aberta e cooperante no seio das Ciências Naturais e das Ciências Sociais. A interdisciplinaridade que resulta destas ciências aponta para a utilização de abordagens múltiplas direccionadas para a actividade prática de intervenção e transformação da sociedade.
Palavras-chave
Ciência, Corpo, Interdisciplinaridade
Abstract
The epistemological speech praising the scientific status of Natural Sciences and Social Sciences has been the focus of particular attention by several researchers (Bachelard 1958; Kuhn, 1962, Castro, 1976, Piaget, 1980, Nunes 1982; Sayer, 1984, Santos, 1989, Popper 1989; Boudon, 1990, Silva & Pinto, 1990 and 1999). The Science of Sport is faced with the need to assert itself as an integrative theory of 91
exedra • 1 • Junho 2009 interdisciplinary character that is able to share the contributions of other areas, “mother-sciences” (Marques, 1990, Bento & Marques, 1993, Gaya, 2001). In this context, the development of Sport and Sport Science seems to follow a new direction focused on the emergence of the “study of the body” as a global phenomenon (Dunning, 1992; Knop, Engsbom, Skirestad & Weiss, 1996; Andrieu, 2004; Reid Stewart & Thorne, 2004, Bento, 2007; Lippi, Gudi, Nevill & Boreham, 2008). This study aimed to present the main reasons that cause the underlying tension that exists in these areas of knowledge. The objects of study, scope, and the factors of convergence and divergence are factors that have been considered in this article. We conclude that the Science of Sport as a “study of the body”, in its various aspects, should take an open attitude and cooperative spirit within the natural sciences and social sciences. The resulting interdisciplinary science points to the use of multiple approaches aimed at the business practice of intervention and transformation of society.
Key-words
Science, Body, Interdisciplinarity
1. Introdução Distinguindo-se a ciência de outros tipos de conhecimento pela procura de rigor, validade e objectividade, o debate epistemológico incide sobre as condições da produção desse conhecimento. A epistemologia é então indissociável da metodologia uma vez que o estudo da ciência é também o estudo dos seus métodos. Lalande (1972) considera difícil fazer um estudo crítico do valor e alcance dos princípios das várias ciências (epistemologia) sem questionar a natureza e o valor dos processos pelos quais as ciências se constroem e chegam a um conhecimento com valor objectivo – o estudo dos métodos científicos (metodologia). Da epistemologia, para a metodologia, os métodos e técnicas de investigação científica tendem a seguir um percurso do geral para o particular, do abstracto para o concreto. Na concepção de Bachelard (1978), do racional ao real, do teórico para o empírico, que é o caminho da própria ciência, iniciado por uma ruptura epistemológica e percorrido por cada investigador, em cada trabalho de investigação científica, e cujo resultado é novo conhecimento científico. Neste contexto, Popper (1992) assinala que a ciência constitui uma aproximação, uma busca inacabada e permanente pela verdade - que avança através de tentativa e erro, conjecturas e refutações. Esta nova concepção da ciência como construção permanentemente inacabada irá marcar a epistemologia ao longo do séc. XX – a prática da investigação científica é vista como um trabalho de progressiva aproximação à verdade e não a sua posse definitiva. A concepção de ciência que vem pôr em causa o modelo positivista e o 92
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determinismo, vem também contestar um discurso epistemológico que enaltece o modelo experimental de investigação científica (herdado do Positivismo) que, consequentemente, estabelece um estatuto de superioridade das Ciências Naturais relativamente às Ciências Sociais. A contestação do modelo Positivista representa, pois, também a possibilidade de afirmação de novas abordagens científicas para além da ciência de base experimental, razão pela qual (neste contexto) no séc. XX, se assiste à afirmação de uma diversidade de metodologias científicas e das próprias Ciências Sociais relativamente às Ciências Naturais. A Ciência desenvolveu-se pela necessidade de um método de conhecimento que oferecesse mais confiança e segurança do que os métodos desprovidos de controlo, que tivesse como finalidade a objectividade e, assim, superar o senso-comum; ela representa a busca por uma abordagem apta a receber informação válida e fidedigna sobre fenómenos complexos (ultrapassando a ideologia, as explicações absolutistas, metafísicas desses fenómenos); é pela busca da objectividade (e não pela posse da verdade) que a ciência se distingue de outros tipos de conhecimento e, em função desta, que se desenvolve a metodologia da investigação científica (Almeida Pinto, 1995; Lakatos e Marconi, 1992). Enquanto característica distintiva do conhecimento científico, a objectividade supõe que as perspectivas teóricas sejam testadas empiricamente – confronto com os factos. Da mesma forma que uma teoria não testada não tem validade científica, a observação ou experiência só faz sentido quando realizada para o teste de proposições teóricas, pois se não partir da teoria partirá do senso-comum (Lakatos e Marconi, 1992; Popper, 1992; Almeida e Pinto, 1995; Silva e Pinto 1986). Assim, construção teórica e verificação empírica não constituem abordagens metodológicas alternativas, mas diferentes momentos de uma investigação. Nas palavras de Bachelard (1978), o facto científico é conquistado, construído e constatado; ruptura epistemológica, construção teórica e verificação empírica são elementos fundamentais do procedimento científico. Permanece um debate entre o discurso que enaltece a experimentação como via para o conhecimento científico e coloca as Ciências Naturais num patamar superior de «cientificidade» relativamente às Ciências Sociais e ao discurso que rejeita os procedimentos relativos à experimentação como garantia de objectividade/rigor absoluto do conhecimento. Contesta-se, também, o carácter universal/necessário das leis científicas e a concepção de que a questão da relação sujeito-objecto de conhecimento (e os problemas de neutralidade v/s subjectividade do conhecimento) como problema exclusivo das Ciências Sociais. O presente trabalho tem como objectivo principal apresentar e contextualizar os 93
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motivos que estão subjacentes à tensão latente que existe entre as Ciências Sociais e as Ciências Naturais, procurando perceber qual o papel que ocupa as Ciência(s) do Desporto e o corpo neste debate epistemológico. Para tal, a esfera de acção, bem como os factores de convergência e divergência destas ciências serão debatidos no âmbito desta temática. 2. Um discurso epistemológico sobre o corpo Manuel Sérgio (2008) reforça a ideia de que uma linguagem da motricidade humana não se reduz ao simples movimento e assume-se como um movimento intencional de transcendência. Segundo o mesmo autor, o desporto, só à luz das ciências humanas é possível estudá-lo, apesar de beneficiar do enorme contributo das ciências naturais (medicina desportiva, fisiologia, biomecânica, etc.). O desenvolvimento do Desporto parece seguir uma nova orientação, onde um desporto “mais humano” aponta para um novo paradigma, centrado na pesquisa científica, no ensino, nas implicações éticas do desporto e, principalmente, na emergência de uma nova filosofia, a do “estudo do corpo” (Dunning, 1992; Knop, Engsbom, Skirestad & Weiss, 1996; Ferrando & Marivoet, 2002; Andrieu, 2004, Reid, Stewart & Thorne, 2004; Bento, 2007a; Bento, 2007b; Lippi, Gudi, Nevill & Boreham, 2008). O corpo enquanto dimensão global é um dos temas mais debatidos no mundo contemporâneo, sendo um objecto de estudo com particular relevância no domínio das Ciências Sociais (Crespo, 1990). Debruçarmo-nos sobre o estudo do corpo é descrever a própria história da sociedade que está minuciosamente retratada através da literatura, da medicina, da fotografia e da pintura, perdurando no tempo as características que compõem a sua identidade, cultura e, principalmente, o culto exacerbado da aparência (Adorno, 1994). Igualmente merece a nossa atenção o facto dos novos percursos fenomenológicos se terem fortalecido, no contexto de uma ponderação do papel do corpo, no que continua a ser uma análise da estrutura própria do aparecer e das condições de possibilidade de uma “ida até às coisas” (Umbelino, 2007). Para Merleau-Ponty (1999) o corpo não é coisa, nem ideia, o corpo é movimento, sensibilidade e expressão criadora. Tal concepção de corpo opõem-se à perspectiva mecanicista da Filosofia e da Ciência tradicional, mostrando-nos uma nova compreensão do corpo e do movimento humano, que se baseia na compreensão das relações corpo-mente como unidade e não como integração de partes distintas. Os discursos dominantes sobre o corpo científico têm o corpo sem interior, totalmente exterior. Aqui, distingue-se claramente a alma do corpo, res cogitans, 94
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como puro pensamento, distinto da ordem dos sentidos, da res extensa (Sérgio, 2008). Esta cisura cartesiana, que Descartes construiu laboriosamente, proporcionou ao corpo a sua capacidade de ser intervencionado laboratorialmente. “O corpo máquina”, um radicalismo do corpo-objecto de Descartes, …é aqui lubrificado, rentabilizado, aperfeiçoado, num processo em que se tem a ilusão de se fabricar a si próprio, fabricando o seu corpo como uma mais valia feita de músculos, de articulações, de peças sincronizadas ao serviço de um projecto de auto-transcendência que se perde na auto-imanência das suas próprias funções (André, 2002,pp.13-14). Para Biran, não pensamos sem corpo, não temos consciência sem corpo, refuta inequivocamente o dualismo, corpo-mente (Umbelino, 2007). Os discursos do corpo ideal defendem o regresso a um equilíbrio natural, a partir de um estilo de vida saudável e a repulsa de tudo que “contamine o corpo”. Para a prossecução deste corpo ideal, Cunha e silva (2007, pp.364) reportando-se ao contexto desportivo, fala de uma “religião do corpo”, …a musculação e o culturismo transformam o corpo numa religião em que deus é o próprio corpo e o espelho o altar à volta do qual se celebram todas as liturgias. No desporto há o corpo-próprio, o corpo que o atleta intui como sendo seu, mas também há um corpo reflexo, o corpo que os outros vêm como sendo o corpo do atleta. E, ainda, o corpo ideal, o corpo sublime, o corpo teatral. Para José Gil (2001), não há um corpo único, mas múltiplos corpos. Cunha e Silva (2007, pp.360) considera que o corpo contemporâneo vai para além de uma construção simbólica, é de facto uma evidência. Há corpos por todos os lados. Não há como evitá-lo, não há como fugir-lhe. Que corpo o desporto reivindicaria neste espectro de corpos? Sérgio (2008) fala do triunfo do corpo-sujeito sobre o corpo-objecto, o declínio do mecanicismo e do determinismo. O facto de existirmos supõe o corpo próprio, o corpo-sujeito e não tanto o corpo-objecto (Gallimard, 1958). Merleau-Ponty acentua que, …é a através do mundo que eu conheço o meu corpo, …o sujeito e objecto misturam-se, subvertem-se. Para este autor o ser corpo é estar preso ao espaço. Numa clara analogia ao desporto, quanto mais intimamente o atleta desposar o espaço, melhor desempenho terá. MerleuPonty referindo-se a Cézanne, …queria pintar o mundo, convertê-lo completamente em espectáculo, fazer ver como ele nos toca. As ciências do desporto têm um papel preponderante no estudo do corpo interagindo com outras áreas ciências-mãe, nomeadamente, Medicina, Psicologia, Fisiologia, Biomecânica e a Sociologia. A evolução do conceito de Ciências do Desporto para a de Ciência do Desporto, tem-se feito acompanhar pela transição de uma atitude estática, na explicação parcial dos problemas confinados ao objecto de estudo de cada “ciência 95
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do desporto”, para uma atitude aberta e de cooperação, transcendendo o objecto delimitado de cada “ciência”. Por este motivo, a Ciência do Desporto tem procurado afirmar-se como uma teoria integrativa de carácter interdisciplinar (Marques, 1990; Bento & Marques, 1990, 1993; Gaya, 2000, 2007). Enquanto que as Ciências naturais e as Ciências Sociais parecem beneficiar da integração entre diferentes aspectos das diferentes ciências (Altenberger, 1991), as Ciências do Desporto ainda não efectuaram uma ruptura com as disciplinas científicas de origem que lhe garanta uma verdadeira autonomia (Gaya, 1994). Carvalhal (2000) refere que o facto de se utilizarem diferentes terminologias e pela falta de cooperação e coordenação das diferentes disciplinas da(s) Ciência(s) do Desporto, a investigação realizada nesta área não se tem preocupado em realizar uma auto-reflexão e avaliação sobre a sua actuação presente e futura. Por isso, tem sido muito escassa ou diminuta a investigação fundamental na procura e definição de uma teoria, de uma matriz teórica, de um objecto de estudo, todos eles elementos essenciais para a constituição de uma verdadeira ciência. Para o mesmo autor (2000), a Ciência do Desporto perspectiva-se, decididamente, como o paradigma de uma nova Era da investigação científica, mas que apenas tomará lugar quando cada uma das disciplinas da ciência do desporto partilhar o mesmo problema, especializando-se no desporto e nas suas diversas áreas de actuação, tendo por base as ciências puras, as “ciências-mãe”. A perspectiva pluri e multidisciplinar da(s) Ciência(s) do Desporto, numa lógica de abordagem do tipo comissão técnica, reunindo os especialistas que tratam do desporto, mas incapazes de interagir entre si, é combatida por Marques e Gaya. Santos (2007) alerta para o perigo do determinismo mecanicista, uma vez que a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que dividimos para observar e medir. Também no desporto se vive uma excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico. Convém referir que o problema não está na concepção de conhecimento especializado, mas está na ideia de que o conhecimento especializado possa expressar a complexidade do real. É a ilusão de que se possa interpretar a complexidade do fenómeno desportivo a partir de uma visão disciplinar, seja essa disciplina a fisiologia, a biomecânica, a psicologia, a antropologia, a sociologia…(Gaya, 2007, pp.215). 3. Considerações finais A tendência na ciência, no campo das metodologias de pesquisa, aponta para a utilização de abordagens múltiplas. A literatura sustenta que tanto o paradigma positivista quanto o paradigma interpretativo não têm conseguido, de forma evidente, 96
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oferecer respostas concretas para as várias questões de natureza científica. A visão extrema e oposta entre “quantitativo e qualitativo” pode vir a tornar-se nefasta para ambos os paradigmas e, principalmente, para o bom e normal avanço da ciência. A interdisciplinaridade representa uma atitude favorável à formação de um conhecimento global acerca dos fenómenos sociais. As explicações fornecidas por uma qualquer disciplina sobre esses fenómenos podem vir a constituir avanços científicos. Todavia, também não é menos verdade que tais explicações apenas possibilitam visões parcelares e incompletas. O modelo de Homem que tem guiado a civilização, desde o início dos tempos até aos nossos dias, demonstra que o Desporto tende a ser um investimento no progresso corporal, gestual e comportamental das pessoas, onde o culto do corpo, da aparência e da exacerbação parecem ser a tendência dominante (Bento, 2007). O Desporto não resolve todos os problemas sociais nem é a solução milagrosa para todos os males do corpo e da alma. Este constitui um fenómeno multifacetado e complexo que necessita de ser mais investigado nas suas diversas vertentes e dimensões. Face ao exposto, conclui-se que a Ciência do Desporto enquanto “estudo do corpo”, nas suas mais diversas vertentes, deverá assumir uma atitude aberta e cooperante no seio das Ciências Naturais e das Ciências Sociais. A interdisciplinaridade que resulta destas ciências aponta para a utilização de abordagens múltiplas direccionadas para a actividade prática de intervenção e transformação da sociedade. Bibliografia Adorno, T. W. (1994). A indústria cultural (pp. 92-99). São Paulo : Ática Almeida, J. Pinto, J. (1995). A investigação nas ciências sociais. Lisboa: Editorial Presença. Altenberger, H. (1991). Prinzipien einer berufsethik fuer sportwissenschaftler. Sportwissenschaft, 3, 307-309. André, J. (2002). As artes do corpo e o corpo como arte. Philosophica, 19-20, 7-26 Andrieu, B. (2004). A nova filosofia do corpo. Lisboa : Edições Piaget. Bachelard, G. (1978). Le nouvel esprit scientifique. Paris: PUF. Bento, J.O. (2007). Em defesa do desporto. In J.O. Bento, J. M. Constantino (eds.). Em defesa do desporto (pp.9-55). Coimbra: Edições Almedina. Bento, J.O., Marques, A. (1991). As ciências do desporto e a prática desportiva no espaço da língua portuguesa. Porto: Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física. 97
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Correspondência
Escola Superior de Educação de Coimbra, Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 COIMBRA Pedro Mendes pmendes@esec.pt Gonçalo Dias cajma@sapo.pt Filipa Morais fmorais@esec.pt
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Família e ensino superior: que relação entre dois contextos de desenvolvimento?
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Sofia de Lurdes Rosas da Silva Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Joaquim Armando Gomes Ferreira Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação - Universidade de Coimbra
Resumo
O presente artigo explora, através de uma revisão da literatura, os contributos do contexto familiar para o desenvolvimento psicossocial do indivíduo e o seu ajustamento aos contextos de vida, com especial relevo para o jovem adulto em contexto de ensino superior. A análise dos estudos permite identificar características familiares que se constituem em facilitadores ou entraves aos processos de desenvolvimento psicossocial e aos processos adaptativos dos indivíduos ao contexto do ensino superior.
Palavras-chave
Família, Desenvolvimento psicossocial, Adaptação, Ensino superior
Abstract
The purpose of the present paper is to explore the main contributions of family contexts to individual’s psychosocial development as well as to his/her adjustment to other life contexts, such as young adult’s development and adjustment to college. An extensive review of the literature allowed us to pinpoint family characteristics that can be considered facilitators or obstacles to college student’s psychosocial development as well as to their adjustment to college.
Key-words
Family, Psychosocial development, Adjustment, Higher education
1. Introdução A transição para e a frequência do ensino superior representa, para o jovem adulto, um período de desenvolvimento psicossocial repleto de tarefas e desafios. O seu 101
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crescimento direcciona-se para uma maior complexidade, com quadros de referência mais alargados e diferenciados em várias dimensões: sentido de competência, desenvolvimento e integração das emoções, autonomia, relações interpessoais, aquisição da identidade, desenvolvimento da integridade e de um sentido de vida (Chickering e Reisser, 1993). Por outro lado, certas características institucionais do ensino superior associadas a características pessoais e familiares do estudante parecem afectar a qualidade do seu desenvolvimento. Existe um corpo teórico crescente que advoga que o meio ambiente tem um papel determinante no ajustamento, no desenvolvimento e na aprendizagem, através da natureza e intensidade dos estímulos académicos e sociais que proporciona. Investigadores desta linha de pensamento como Astin (1997) e Pascarella e Terenzini (1991, 2005) partem do pressuposto que o ambiente formal e informal da instituição de ensino superior, em articulação com as características pessoais e familiares do estudante, acrescido do seu envolvimento em actividades académicas e sociais, contribuem para o seu ajustamento académico e social. Estas teorias apontam um conjunto de factores que promovem o ajustamento e o desenvolvimento do jovem adulto: o ambiente institucional, as experiências dos estudantes (nos diversos contextos de vida, incluindo a família) e as interacções com os agentes socializadores. Os novos contextos de vida podem ser percepcionados pelo estudante de modo positivo, significativo, estimulante e desafiador ou, pelo contrário, de modo negativo. Essa percepção parece depender da conjugação dinâmica dos planos pessoal, familiar e social. Assim, o ambiente do ensino superior pode produzir um crescimento positivo se os desafios e os apoios (familiares, relacionais e institucionais), dentro dos contextos sociais, forem adequados aos níveis de desenvolvimento do estudante. A par deste reconhecimento, constata-se a emergência de algumas investigações que se centram na compreensão do papel da família nesta transição. A maioria dos estudos encontrados centra-se nas questões da vinculação/ individuação, e do ambiente psicossocial familiar/ suporte social. 2. A família como organismo vivo: a família numa perspectiva sistémica Durante as últimas décadas, mediante o reconhecimento crescente que a família é o contexto de vida mais significativo do ser humano, os investigadores direccionaram a atenção para a sua influência no desenvolvimento psicossocial e nos comportamentos adaptativos do indivíduo (Bradley e Corwin, 2000; Devrets, Benton e Bradley, 1996; Fontaine, Campos e Musitu, 1992; Gonçalves, 1997; Hoffman, 1991; Jaycox e Repetti, 1993; Kenny e Donaldson, 1991; Kurdek e Sinclair, 1988; Lee, Hamman e 102
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Lee, 2007; Ryan, Solberg e Brown, 1996; Perosa, Perosa e Tam, 1996; Repetti, Taylor e Seeman, 2002; Schultheiss e Blustein, 1994; Strage, 1998). Este reconhecimento surge da constatação de que a família assegura a continuidade do ser humano de geração em geração, é um contexto de transmissão de vida, cultura e desenvolvimento e é o primeiro contexto de socialização do indivíduo promovendo, deste modo, um processo progressivo de individuação e socialização (Gonçalves, 1997; Musitu, Román e Gutiérrez, 1996). O interesse pela questão da família veio, porém, evidenciar o problema da sua definição. A palavra família é uma unidade complexa e cheia de significados e as suas múltiplas perspectivas e dimensões de análise reforçam essa ambiguidade e imprecisão. Como salienta Gonçalves (1997), a família é uma realidade complexa a nível psicológico, sociológico, cultural, económico, religioso e político, na sua mutabilidade e continuidade. Todos temos a noção do que deve ser uma família. Todos pensamos nela como um lugar de partilha de afectos, cuidados, responsabilidades. Ainda se pensa numa família tradicional, idealizada, constituída por um homem e uma mulher, legalmente unidos, e filho(s). Esta concepção, apoiada pela sociedade, reflecte crenças tradicionais, morais e sociais com consequências ao nível da investigação, na medida em que grande parte dos estudos tem-se desenvolvido em torno deste conceito de família nuclear2. No entanto, mesmo a família nuclear revela uma diversidade de formas que nada têm a ver com a definição comummente partilhada, complexidade que se torna ainda mais evidente quando se consideram na sua definição as variações histórico-sociais, culturais, económicas e as formas alternativas de família (famílias adoptivas, famílias recasadas, etc.) (Goldenberg e Goldenberg, 1980). Assim, torna-se evidente que as definições de família não são uniformes nem universais, variando conforme a tónica dada por este ou por aquele investigador. Entre um conjunto amplo de teorias, modelos ou quadros conceptuais, encontram-se as concepções sistémicas, que tomam como conceito básico a ideia de que a família é semelhante a um sistema orgânico que procura manter o equilíbrio perante as pressões internas e externas. Nesta conjuntura existem algumas nuances que se apresentam de seguida. 2.1. Família: uma perspectiva desenvolvimentista A teoria do desenvolvimento familiar tem procurado compreender os processos de mudança nas famílias, ao longo do seu ciclo de vida. De acordo com esta perspectiva sistémica, as famílias atravessam uma sequência previsível de estádios ao longo 103
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do seu ciclo vital, marcados por transições ou mudanças que são precipitadas pelas necessidades biológicas, sociais e psicológicas dos seus membros (Goldenberg e Goldenberg, 1980). As transições são mudanças de um estádio familiar para outro. As mudanças que resultam das transições entre estádios podem dar lugar a crises, pois tais mudanças requerem alterações significativas dos papéis3 familiares, assim como reorganizações da família. Os períodos de desordem que acompanham estas mudanças de papéis denominam-se crises normais ou transições normativas. Cada estádio de desenvolvimento familiar contém tarefas de desenvolvimento, que a família deve alcançar e cumprir para passar com sucesso ao estádio seguinte e para manter o equilíbrio familiar. A teoria desenvolvimentista reconhece que os contextos sociais e históricos também desempenham um papel importante no desenvolvimento da família (Nock, 1982). Por exemplo, o papel dos pais está rodeado por expectativas sociais e, por isso, podemos esperar que a interacção pais/filho seja o reflexo da influência de processos não só internos, mas também externos. Um comportamento que parece socialmente apropriado para com uma criança pode não o ser para com um jovem adulto. Este modelo de ciclo vital tem sido alvo de críticas e comentários. A primeira é que muitos autores foram acusados de utilizar estes modelos como teorias normativas quando, de facto, deveriam ter sido vistos como quadros conceptuais ou instrumentos de análise na compreensão do desenvolvimento familiar (Fuster e Musitu, 2000; Nock, 1982; Relvas, 1996). Esta crítica reside no facto de tais categorizações dizerem respeito a uma suposta família típica e intacta que, no contexto da realidade, não corresponde a todos os tipos de famílias existentes. Na opinião de Relvas (1996), estes critérios só podem ser relativizados e flexibilizados conforme a situação, uma vez que não contemplam a variedade de famílias existentes e o impacto das mudanças históricas, económicas e sociais, cada vez mais rápidas e frequentes. Outro comentário que se pode tecer direcciona-se para a suposta evolução linear, organizada e ininterrupta de estádio para estádio (Fuster e Musitu, 2000; Relvas, 1996). Como alerta Relvas (1996), não podemos esquecer que pode haver sobreposições de estádios numa família, nem podemos esquecer a sua individualidade. Não existem duas famílias iguais. Apesar das críticas e reparos que têm sido dirigidos a estas categorizações, importa referir que esta conceptualização não deixa de ser valiosa para a compreensão da família “ao centrar-se na evolução temporal das interacções” (Relvas, 1996, p. 25).
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2.2. A família à luz da teoria de sistemas Segundo Fuster e Musitu (2000, pp. 149-150), uma família pode ser conceptualizada como um sistema porque possui as seguintes características: (1) os elementos de uma família consideram-se partes interdependentes de uma totalidade mais ampla, ou seja, a conduta de cada membro da família afecta todos os outros membros da família; (2) para se adaptarem, os sistemas humanos incorporam informação, tomam decisões acerca das alternativas distintas, tratam de responder, obter feedback acerca do seu sucesso e modificar o comportamento, se necessário; (3) as famílias têm limites permeáveis que as distinguem de outros grupos sociais; (4) tal como outras organizações sociais, as famílias devem cumprir certas tarefas para sobreviver, tais como a manutenção física e a económica, a reprodução de membros da família (novos nascimentos ou adopção), a socialização dos papéis familiares e laborais e o cuidado emocional. Além disso, certas facetas diferenciam-na de outros sistemas sociais, pois cada sistema individual familiar está configurado pelas suas próprias facetas estruturais particulares (tamanho, complexidade, composição, estádio vital), pelas características psicobiológicas dos seus membros individuais (idade, género, fertilidade, saúde, temperamento, etc.) e pela sua posição sociocultural e histórica. Por outro lado, como sistemas abertos e hierarquizados, estão inseridos no meio com o qual decorrem trocas permanentes (supra-sistema), sendo integrados por sub-totalidades autónomas (subsistemas), funcionando como partes de sistemas mais vastos ou como totalidade de sistemas mais restritos (Relvas, 2000). De acordo com esta definição, as famílias não podem ser descritas em termos estáticos, uma vez que as suas partes se encontram dinamicamente relacionadas entre si e com o meio. Centra-se, por isso, nos processos relacionais (traduzidos nas normas, estruturas e interacção familiares) e na sua dimensão temporal (desenvolvimento, evolução, continuidade). Outra qualidade que define as famílias como sistemas abertos e dinâmicos é a sua organização em padrões regulares e repetitivos que podem ser observados no tempo. A partir destas redundâncias observáveis podem deduzir-se as regras que governam o sistema, regras que se estruturam hierarquicamente (Goldenberg e Goldenberg, 1980). Estas também incluem um conjunto de normas para manter e regular as relações entre os elementos que fazem parte do sistema, assim como para manter e regular as relações do sistema com o seu meio. Todas as famílias têm regras na divisão do trabalho, poder, etc. Às vezes, elas são estabelecidas abertamente. Outras vezes são 105
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implícitas, mas todos os membros do sistema as compreendem (Minuchin e Fishman, 1981). A teoria dos sistemas familiares enfatiza, deste modo, a totalidade da família mais do que o indivíduo dentro do sistema. Os sistemas familiares também estão interconectados com sistemas mais amplos ou suprasistemas. Estes incluem a rede de relações familiares mais extensas, o âmbito laboral, a instituição de ensino superior, etc. A conceptualização das famílias como sistemas implica a existência de limites que definem os elementos que pertencem ao sistema e aqueles que pertencem ao seu ambiente. Os limites definem o sistema e representam o ponto de contacto com o seu exterior imediato (outros sistemas externos à família e em transacção com ela), afectando o fluxo de informação entre o ambiente e o sistema. Os limites de um sistema particular podem caracterizar-se como mais ou menos fechados em função da sua relativa permeabilidade, isto é, na medida em que permitem ou impedem o fluxo de matéria, energia ou informação entre si e o seu meio ambiente. Uma vez que todo o sistema tem um certo grau de transacção com o seu meio imediato, todos os sistemas familiares são abertos (Goldenberg e Goldenberg, 1980). Ainda que possam diferir no nível de abertura, os subsistemas familiares também são definidos por limites. Os membros da família no contexto de interacções repetidas devem aprender as regras para se relacionarem entre si, quer dentro quer como entre subsistemas4. O feedback é outro conceito fundamental na teoria sistémica e refere-se ao controlo cibernético dos sistemas sociais, isto é, define-se como um circuito fechado que devolve ao sistema parte do seu output em forma de input. O sistema mantém um padrão de conduta determinado por um de dois tipos possíveis de feedback: positivo ou negativo. O feedback negativo é um mecanismo que opera para restaurar ou manter um estado conhecido como homeastase, isto é, para manter a estabilidade do sistema e corrigir qualquer desvio (de origem interna ou externa) dos comportamentos. O feedback positivo, pelo contrário, é um mecanismo que amplifica o desvio, conduz à perda de estabilidade ou equilíbrio e, por isso, conduz à mudança. Um conceito relacionado com a mudança nos sistemas é a morfogénese (literalmente, criação de novas formas ou estruturas). A morfogénese refere-se aos processos que, mediante mecanismos de feedback positivo, permitem que os sistemas sociais cresçam e se inovem. Um exemplo deste processo nas famílias seria a capacidade de inovar ou criar novas estratégias de resolução de problemas perante situações novas ou problemáticas, como a entrada de um elemento do sistema para o ensino superior. Os sistemas dominados por 106
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mecanismos de feedback positivos demonstram uma maior variabilidade, ainda que possam ser mais instáveis. Assim, para assegurar a sobrevivência do sistema, as forças morfogénicas do feedback positivo devem confrontar-se com as forças homeostáticas do feedback negativo. 2.3. A família na perspectiva ecológica do desenvolvimento humano Dentro desta perspectiva, o desenvolvimento humano é conceptualizado como o produto de um processo co-extensivo ao ciclo de vida, de compromissos entre o indivíduo e o ambiente (Bronfenbrenner, 1993). O crescimento e o desenvolvimento saudável do indivíduo resultam do balanço dinâmico entre forças internas e forças externas que podem produzir mudança. Assim, o desenvolvimento ocorre quando os seres humanos encontram novas exigências ambientais tais como novas expectativas, novos papéis, novas responsabilidades. Se os indivíduos encontrarem uma sequência ordenada de desafios cada vez mais complexos e compatíveis com as suas capacidades de coping, serão capazes de lidar com tais desafios e, em consequência, crescerão. Dentro de uma perspectiva ecológica sublinha-se a necessidade de reconhecer a influência que o contexto social exerce na vida familiar. A família não existe como uma unidade independente de outras organizações sociais. A relação do sistema familiar com o seu meio é mútua: as condições do meio influenciam a vida familiar e as mudanças que ocorrem na família facilitam as trocas com o meio, tratando este de se ajustar aos novos padrões familiares. Neste sentido, estabelece-se entre a família e os sistemas extrafamiliares um processo contínuo de adaptação mútua. O desenvolvimento individual, de acordo com Bronfenbrenner (1979; 1986; 1993), deve entender-se no contexto do ecossistema. Assim, um indivíduo cresce e adapta-se através de intercâmbios com o seu ecossistema imediato (a família) e ambientes mais distantes (como o ensino superior). A família, de acordo com esta perspectiva, pode conceptualizar-se como um ecossistema que, sob condições normais, manter-se-á num estado de equilíbrio dinâmico, caracterizado pelo balanço adequado entre os seus recursos e os níveis de stresse. No entanto, quando se produzem mudanças no exterior da família, combinadas com mudanças no seio da família, pode produzir-se um estado de instabilidade ecológica, cujos níveis de estresse excedem a disponibilidade de recursos pessoais e familiares, sendo mais provável que ocorram, na perspectiva deste autor, o conflito e a violência. Para Bronfenbrenner (1979), a ecologia do desenvolvimento humano é composta por quatro sistemas ou contextos distintos, mas inter-relacionados entre si. Estes sistemas ou contextos diferenciam-se com base no imediato em relação à pessoa que 107
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se desenvolve: micro, meso-, exo- e macrosistema. O microssistema define-se como o conjunto de relações entre a pessoa em desenvolvimento e o meio circundante imediato que contém a pessoa (Bronfenbrenner, 1979; 1993). A família seria o principal microsistema onde tem lugar o desenvolvimento e inclui as interacções entre os filhos, os pais e irmãos. Outro microsistema relevante para o desenvolvimento do indivíduo seria a escola/instituição de ensino superior e englobaria as interacções com os professores e com os pares. O segundo estrato ecológico, mesosistema, contempla as relações entre microssistemas. Bronfenbrenner (1993, p. 15) define-o como a inter-relação entre os principais cenários que contêm a pessoa em desenvolvimento num momento particular da sua vida. Um exemplo seria as inter-relações e influências mútuas entre a família e a instituição de ensino superior (o que ocorre no ensino superior pode afectar a família e vice-versa). O exosistema define-se como uma extensão do mesosistema. Representa as estruturas sociais quer formais como informais (por exemplo, o mundo do trabalho, as redes de relações sociais, a distribuição de bens e serviços), que não contêm em si mesmas a pessoa em desenvolvimento, ainda que a rodeie e afecte o contexto imediato em que se encontra e, por isso, influencia, delimita e até determina o que ali acontece (Bronfenbrenner, 1986; 1993). Deste modo, o que ocorre no microsistema (interacção pais/filho em contexto familiar) pode ser influenciado pelo que acontece noutros sistemas nos quais a criança/ jovem/ jovem adulto não desempenha nenhum papel. O macrosistema representa os valores culturais, sistemas de crenças e acontecimentos históricos que podem afectar outros sistemas ecológicos (Bronfenbrenner, 1979; 1986; 1993). Assim, por exemplo, as atitudes, os valores e as crenças sociais relativas ao jovem adulto e ao papel parental na educação dos filhos podem ter importantes influências na forma como se é socialmente tratado e valorizado. Bronfenbrenner (1986) propôs um sistema adicional a que chamou de cronosistema e que se refere à possibilidade do seu modelo examinar a influência do meio envolvente no desenvolvimento, à luz do momento temporal particular em que este ocorre. 3. Família: contextos de desenvolvimento Os anos de infância, passados tradicionalmente na família, são vistos por muitos investigadores como particularmente importantes para o desenvolvimento psicossocial do indivíduo. A partilha desta ideia deu lugar a uma proliferação de investigações que procuraram estabelecer relações entre características parentais e familiares e o 108
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desenvolvimento comportamental, emocional e cognitivo da criança. Estes estudos partem de dois princípios. Por um lado, neste período de vida, parece haver especial apetência para influenciar o desenvolvimento do indivíduo e, por outro lado, postula-se que o desenvolvimento subsequente se constrói no precedente. Assim, esta influência inicial afectaria a pessoa e o modo como interpreta e experiencia outros ambientes ao longo do seu ciclo de vida5 (Frome e Eccles, 1998). Nos primeiros anos de infância, a família é responsável pelo cuidado e desenvolvimento saudável da criança. Em ambientes familiares saudáveis as crianças aprendem que podem contar com o ambiente para obterem segurança emocional, física e bem-estar, e adquirem comportamentos que lhes permitirão, eventualmente, manter a sua saúde física e emocional independente da das figuras parentais (Repetti, Taylor e Seeman, 2002). Nesta linha tem havido interesse em compreender se o relacionamento pais/ adolescentes é de facto assim tão conflituoso e se o processo de individuação implica, imperativamente, uma ruptura com os laços familiares tal como postulavam as teorias iniciais do desenvolvimento. Porém, a investigação tem indicado que os indivíduos que mantêm um relacionamento próximo com os pais ao longo da adolescência demonstram mais auto-confiança e independência do que aqueles que relatam maior distância emocional (Eccles et al., 1993; Schultheiss e Blustein, 1994). Ao contrário do que se pensa, a maior parte dos adolescentes parece manter com os pais um relacionamento caloroso, positivo, baseado no respeito mútuo, durante o período da adolescência e de jovem adultez (Schultheiss e Blustein, 1994). O processo de independência dos adolescentes implica, assim, uma transformação e não uma ruptura ou deterioração das relações familiares, pelo que a rejeição tempestiva dos laços parentais não é requisito para alcançar o estatuto de adulto competente, especialmente no desenvolvimento de relações interpessoais maturas (Chickering e Reisser, 1993). Outra área de investigação que tem suscitado interesse é a do ambiente ou clima familiar. Moos (1976, citado por Shulman e Prechter, 1989, p.441) introduziu o conceito para se referir às percepções que os indivíduos têm do seu meio familiar. Para este autor, o ambiente familiar apresenta três dimensões conceptuais. A dimensão da relação refere-se ao nível de compromisso e coesão existente entre os membros da família e à expressividade aberta dos seus sentimentos positivos ou negativos. O crescimento pessoal pretende compreender até que ponto os membros familiares são assertivos, auto-suficientes, tomam as suas próprias decisões, se as suas actividades são orientadas para o rendimento, qual o seu interesse numa vida social, intelectual e cultural e até que ponto participam em actividades sociais e recreativas. A manutenção 109
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do sistema refere-se à organização e estruturação da vida da família, à extensão com que são enfatizadas regras e procedimentos claros. São vários os estudos que defendem a existência de uma forte relação entre o tipo de interacção familiar e o desenvolvimento de comportamentos desviantes nos filhos. Parece haver reconhecimento de que as interacções coercivas/conflituosas entre pais/ filhos podem dar lugar ao desenvolvimento de comportamentos agressivos e anti-sociais noutros contextos e, por essa razão, o ambiente familiar é considerado um importante regulador do comportamento da criança, do adolescente e do adulto. A investigação sugere consistentemente que famílias com certas características relacionais (conflito familiar, episódios frequentes de agressão, cuidados deficientes ou negligentes, relacionamentos familiares frios, que não apoiam) prejudicam o desenvolvimento psicossocial e físico das crianças, com efeitos que se estendem e perduram na sua vida de adultos. São apontados défices no domínio e expressão de emoções e na competência social (Repetti, Taylor e Seeman, 2002), défices na utilização de estratégias de coping (Holahan e Moos, 1987), dificuldades de adaptação aos novos ambientes, dificuldades em estabelecer comportamentos pró-sociais e em sentir afecto ou preocupação para com os demais (Arboleda, 1999), comportamentos desviantes como a delinquência (Pike et al., 1996), comportamentos auto-destrutivos como o consumo de drogas (Repetti, Taylor e Seeman, 2002), efeitos nocivos no bem-estar psicológico e adaptação a novos contextos de vida (Jaycox e Repetti, 1993; Wright, Crawford e Darren, 2009), depressão no adolescente e jovem adulto (Shulman e Prechter, 1989; Wright, Crawford e Darren, 2009) e efeitos inibidores dos comportamentos de exploração e investimento vocacional (Gonçalves, 1997; Lopez, 1989). Por outro lado, em termos gerais, os factores contextuais de apoio (receptividade e apoio familiar) promovem o desenvolvimento da competência e a adaptação da criança, jovem e adulto em diferentes contextos. As crianças e jovens que beneficiam de relações de apoio por parte dos seus pais, em adultos, adaptam-se mais favoravelmente a novos ambientes sociais, onde mostram possuir competências sociais com os adultos e com os pares (Arboleda, 1999; Colarossi e Eccles, 2000; Lee, Douglas e Lee, 2007; Shulman e Prechter, 1989; Wise e King, 2008) e competências de aprendizagem auto-regulada (Lee, Hamman e Lee, 2007). As formas de controlo parental sobre os filhos e os seus efeitos no desenvolvimento também têm suscitado interesse nos investigadores. O controlo6 reflecte-se no número de decisões que os pais tomam, na quantidade de supervisão que exercitam e no número de regras que impõem aos filhos. Esta forma de controlo ensina às crianças e 110
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jovens que a sociedade é governada por regras e estruturas, que eles devem observar para serem reconhecidas como pessoas socialmente competentes (Barber, Olsen e Shagle, 1994). Um certo controlo, quando particularmente combinado com níveis de apoio parental elevados, está associado a uma auto-estima e competência elevadas na criança. Parece que o reforço consistente e claro de regras permite à criança interiorizar um conjunto de padrões que facilitam a auto-regulação do seu comportamento e, deste modo, o desenvolvimento da competência. Em síntese, as teorias do desenvolvimento infantil e juvenil salientam a importância de um relacionamento de qualidade com os pais para a aquisição de competências necessárias para o desenvolvimento salutar do indivíduo, ao longo do seu ciclo de vida. Pais compreensivos e carinhosos proporcionam uma base segura a partir da qual a criança pode explorar o ambiente sem ansiedade (Ainsworth, 1989). Um relacionamento seguro com as figuras parentais facilita a exploração, a descoberta, a aquisição de competências e o desenvolvimento de esquemas de autopercepção pessoal positivos (auto-valorização e auto-eficácia elevadas) e do que pode ser esperado nos relacionamentos com os outros (a crença de que os outros são de confiança e estão disponíveis) (Pierce, Saranson e Saranson, 1990, citados por Cutrona et al., 1994, p. 369). 4. Família: que ligação entre estes dois contextos de desenvolvimento? As transições de vida, como a entrada para o ensino superior, podem promover o desenvolvimento de novas aptidões cognitivas e interpessoais, assim como a abertura para valores e crenças pessoais, pelas oportunidades de exploração e de investimento que proporcionam. Durante estes períodos não podemos esquecer os
contributos desempenhados por um conjunto de variáveis pessoais e contextuais. A família, enquanto variável contextual, parece desempenhar um papel crucial no modo como o jovem adulto percepciona e vivencia os novos contextos de desenvolvimento. No entanto, até recentemente, parece ter sido dada pouca atenção à clarificação da relação entre as dinâmicas do funcionamento familiar, o desenvolvimento do jovem adulto e o ajustamento ao ensino superior. Como referem Lopez, Campbell e Watkins (1988, p. 402), esta lacuna é surpreendente uma vez que é reconhecido que a família representa um contexto susceptível de influenciar o desenvolvimento psicológico, social e emocional dos seus membros, ao longo do ciclo de vida. A família constitui-se o primeiro contexto de desenvolvimento e de socialização do indivíduo promovendo, ou não, pelas suas características relacionais, de crescimento e de manutenção, o processo de desenvolvimento psicossocial e de socialização (Gonçalves, 1997). 111
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À luz das concepções sistémicas, a família é perspectivada como um sistema vivo que procura manter o equilíbrio perante as pressões internas e externas de mudança. A transição do estudante para o ensino superior é encarada como uma tarefa de desenvolvimento familiar, com exigências ao nível das novas tarefas que todos os membros da família terão que enfrentar, no sentido da promoção do funcionamento e do bem-estar sistémico e pessoal de cada membro. Quando o estudante sai de casa para frequentar uma instituição de ensino superior, todos os membros da família têm que se reorganizar. A tarefa familiar, neste período de transição, parece estar relacionada com a disponibilidade para apoiar a adaptação ao novo contexto de vida e com a facilitação do processo de separação/individuação. No entanto, o crescimento do estudante para uma autonomia crescente e um maior investimento nas relações interpessoais extra-familiares não pode ocorrer sem os ajustamentos familiares que apoiam estas iniciativas de desenvolvimento. Quando o sistema familiar se mostra intolerante à mudança, caracterizado pela existência de regras rígidas e controlo excessivo, podem surgir comportamentos de inadaptação, não só a nível intrafamiliar como ao nível do seu relacionamento com outros sistemas. A este respeito, Bronfenbrenner (1993) referiu que a família é um ecossistema que procura estabelecer um equilíbrio dinâmico entre os seus recursos internos e as mudanças no seu exterior, apontando, teoricamente, a existência, ao nível do mesosistema, de inter-relações e influências mútuas entre família e o ensino superior. Por conseguinte, afectam-se e modificam-se segundo uma relação de interdependência. Como referido anteriormente, os anos que se passam no ensino superior são vistos como um período de oportunidades de desenvolvimento psicossocial, durante o qual os estudantes: desenvolvem a competência académica e social, aprendem a lidar com as emoções e a expressá-las adequadamente, adquirem a autonomia, desenvolvem relações interpessoais maturas, desenvolvem a identidade, a integridade e um sentido de vida (Chickering e Reisser, 1993). Estes ganhos ocorrem à medida que a intensidade do controlo parental diminui e os pais passam a exercer menos influência nas atitudes e comportamentos dos jovens adultos, sem que haja uma ruptura dos laços afectivos e de apoio (Ainsworth, 1989; Chickering e Reisser, 1993). Esta ideia deu origem a uma série de estudos que pretenderam compreender o funcionamento do processo de vinculação e o seu papel no processo de individuação e no ajustamento académico, social e emocional do jovem adulto em contexto de ensino superior (Ferreira, 2003; Lapsley, Rice e Shadid, 1989; Holmbeck e Wandrei, 1993; Kenny, 1987; Kenny e Donaldson, 1991; Lopez, Campbell e Watkins, 1988; Schultheiss 112
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e Blustein, 1994; Rice, Cole e Lapsley, 1990; Soucy e Larose, 2000). O ponto comum a todas estas investigações reside no reconhecimento de que tanto a vinculação7 como a individuação são cruciais para o funcionamento dos comportamentos adaptativos. O processo de separação/individuação, tarefa de desenvolvimento iniciada na adolescência (Blos, 1979, citado por Rice, Cole e Lapsley, 1990, p. 195), é visto como uma tentativa de transcender as representações infantis impostas pelos pais, que resultam na reformulação do Self e na aquisição e consolidação da identidade. Para tal é necessário que o adolescente se autonomize em relação às influências parentais interiorizadas. Inicialmente, alguns teóricos conceptualizaram a transição para a fase adulta como um período marcado pelo conflito e estresse, na medida em que os adolescentes lutavam para se desvincularem psicologicamente do tratamento infantilizado por parte dos pais e, assim, reformulavam um sentimento do seu Eu como independente (Erikson, 1982). Mais recentemente veio mostrar-se que o jovem adulto não abandona ou repudia os seus pais como condição necessária para o seu desenvolvimento. Em vez disso, um desenvolvimento psicológico saudável é promovido dentro do contexto de uma redefinição progressiva mútua da relação pais/adolescente/jovem adulto, uma relação que continua no sentido da união emocional (Chickering e Reisser, 1993; Grotevant e Cooper, 1986). Reconhece-se a importância da ligação afectiva e do apoio parental para o desenvolvimento da autonomia e da individuação, para a promoção do desenvolvimento pessoal e para a adaptação a novos contextos de vida (Ainsworth, 1989; Grotevant e Cooper, 1986). Para Ainsworth (1989), os pais que proporcionam uma base segura de apoio promovem comportamentos de exploração activa do
ambiente e o desenvolvimento das competências intelectuais e sociais. A capacidade para manter laços afectivos próximos com os pais enquanto negoceiam a transição para o ensino superior apresenta, por isso, consequências ao nível da sua adaptação (Schultheiss e Blustein, 1994). Kenny (1987) mostrou interesse no estudo do processo de separação/individuação durante a transição para a universidade. Sugeriu que a disponibilidade parental pode apoiar o desenvolvimento da autonomia e da competência aquando da saída de casa para frequentar uma instituição de ensino superior. As características de uma vinculação segura (afecto positivo, promoção da autonomia por parte dos pais, perspectivação dos pais como um suporte emocional) parecem, para a autora, estar associadas a comportamentos adaptativos (competência social). Outros investigadores reconheceram que as variações nos estilos de vinculação 113
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são predictoras do ajustamento em situações de transição. De acordo com a taxonomia de Bartholomew e Horowitz (1991), inspirada na teoria de Bowlby (1982), os jovens adultos podem ser classificados num dos quatro grupos de estilos de vinculação (estilo seguro8, estilo desligado9, estilo preocupado10 e estilo receoso11) em função das valências relativas (positivas ou negativas) dos modelos correspondentes ao Self e aos outros. Segundo esta teoria, os adolescentes vinculados aos pais no estilo seguro negociarão mais facilmente o processo de individuação e ajustar-se-ão mais facilmente a novas situações. Com base nestes estilos de vinculação, Lopez e Gormley (2002) efectuaram um estudo, onde concluíram que os estudantes que têm e mantêm um estilo de vinculação seguro ao longo do primeiro ano de universidade, são mais auto-confiantes nas suas capacidades para atrair e ter parceiros românticos do que os menos seguros e os inseguros. Os estudantes inseguros parecem ter auto-percepções menos favoráveis da sua competência interpessoal, mecanismos de coping menos adequados ao ajustamento e mais propensão para comportamentos depressivos. Outro foco de interesse sobre o processo de vinculação/individualização centra-se nas diferenças de género. Investigadores como Ferreira (2003), Holmbeck e Wandrei (1993), Kenny (1987), Kenny e Donaldson (1991) e Schultheiss e Blustein (1994) verificaram que as estudantes se descrevem como estando mais emocionalmente ligadas aos pais, comparativamente com os colegas do sexo masculino (mais autónomos e emocionalmente independentes). Kenny (1987) e Kenny e Donaldson (1991) revelam que as mulheres que se descreveram como mais ligadas aos pais mostraram níveis mais elevados de competência social, bem-estar psicológico e ajustamento académico, pessoal e social. Estes dados sugerem que os relacionamentos emocionalmente próximos parecem ser mais importantes para o desenvolvimento psicológico das mulheres e facilitadores da sua adaptação na transição para o contexto do ensino superior. A crescente popularidade das teorias sistémicas da família veio salientar a importância de se ver o indivíduo no contexto familiar e de se reconhecer que o comportamento de inadaptação individual é sintoma de um sistema familiar disfuncional. Os sistémicos referem, à semelhança dos teóricos da separação/ individuação, que as pessoas se devem diferenciar da família, por um lado, e reter o sentimento de proximidade, por outro. Segundo Minuchin (1979), uma família saudável proporciona aos seus membros sentimentos de pertença e de diferenciação, sendo caracterizada por limites interpessoais claros e por uma relação ou aliança marital forte e unida. 114
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Relacionamentos excessivamente próximos ou demasiado independentes e a presença de conflito conjugal são vistos como disfuncionais, impeditivos do processo de separação/individuação e com impacto negativo no ajustamento do indivíduo (Lopez, Campbell e Watkins, 1988). Com base nos princípios assumidos pela teoria sistémica podemos afirmar que o confronto com novas tarefas de desenvolvimento introduz novas necessidades dentro do sistema familiar. O ajustamento é feito em sistema e não apenas por um elemento. O movimento do estudante para uma maior autonomia e maior investimento nos relacionamentos extra-familiares implica ajustamentos familiares. Para Lopez, Campbell e Watkins (1988), a resposta afectiva à separação (positiva ou negativa) está fortemente relacionada com a adaptação ao novo contexto (ensino superior). Os seus resultados revelaram que os estudantes com sentimentos positivos de separação se mostraram bem ajustados à vida universitária, enquanto os estudantes com sentimentos negativos (ressentimento, angústia) mostraram mais dificuldades na adaptação. Além disso, os estudos revelam que o processo de separação/individuação é mediado por outras características do relacionamento familiar, nomeadamente a coesão e o conflito. Por exemplo, Cooper (1988, citado por Holmbeck e Wandrei, 1993, p. 73) refere que as respostas parentais à transformação na vinculação e autonomia parecem ser moderadas pela coesão da família. O estudo de Holmbeck e Wandrei (1993) revelou que a qualidade da vinculação familiar e a coesão jogam um papel determinante no nível de ajustamento dos estudantes do ensino superior. Um domínio de investigação que tem sido alvo de alguma investigação apoiase no modelo do ambiente psicossocial familiar proposto por Moos e Moos (1986). O modelo conceptual destes investigadores, apoiado na perspectiva sistémica, tenta explicar o relacionamento existente entre o ambiente psicossocial familiar e a adaptação do jovem. O autor sugere que o ambiente familiar afecta a adaptação dos seus elementos a novas situações e vice-versa, sendo estabelecida uma relação recíproca entre estas duas variáveis (Timko e Moos, 1996). As características pessoais, as competências de coping, o bem-estar de cada elemento, a ênfase colocada nos objectivos de crescimento pessoal e a concentração nas regras de manutenção do sistema influenciam a qualidade dos relacionamentos. Por outro lado, os acontecimentos que ocorrem fora da família - emprego e universidade - também interferem no clima familiar, mais especificamente, nos recursos utilizados pelos membros da família quando lidam com situações potenciadoras de estresse. Uma família coesa determina positivamente o funcionamento do indivíduo, 115
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a utilização das estratégias de coping, a percepção em termos de autoconceito e autoconfiança e o desenvolvimento ao nível dos sistemas cognitivo e emocional. Um ambiente familiar adequado, através da sua função protectora, pode reduzir a acção estressante dos factores externos e promover o desenvolvimento dos recursos sociais associados aos factores extra-familiares. Por conseguinte, a adaptação do jovem adulto é influenciada pelo funcionamento familiar. Certas características relacionais, como o conflito, parecem estar associados ao desenvolvimento de comportamentos de inadaptação (défices na competência social, no controlo e expressão das emoções e na utilização de estratégias de coping), aquando das exigências e desafios colocados pelos novos contextos de vida. Estas variáveis, negativamente afectadas pelo conflito familiar, têm sido extremamente valorizadas na adaptação ao ensino superior. Senão, vejamos. Os investigadores que têm abordado as questões do desenvolvimento do estudante universitário, segundo as várias perspectivas teóricas, sublinham a necessidade do estudante possuir e desenvolver competências pessoais e sociais, essenciais ao estabelecimento e desenvolvimento de relacionamentos maturos e autênticos, relevantes para a consolidação da identidade (Chickering e Reisser, 1993). Pascarella e Terenzini (1991; 2005) e Astin (1997) valorizam o relacionamento interpessoal com os agentes socializadores, sendo considerado, por conseguinte, um indicador de ajustamento. Então, para que o estudante universitário se ajuste mais facilmente, deverá ter percepções de si, positivas, moderadoras de comportamentos pró-sociais. A coesão familiar, ao contrário do conflito, parece promover o desenvolvimento dessas competências, consideradas essenciais ao ajustamento académico e social, ao permitir oportunidades de desenvolvimento. Através do relacionamento seguro que proporciona, a família facilita comportamentos de exploração (de valores, ideologias, gostos, relações interpessoais, vocacionais), de descoberta, de investimento e de compromisso com as escolhas efectuadas. Permite, assim, a aquisição e o desenvolvimento das competências necessárias para percorrer as possibilidades e oportunidades de crescimento. Num estudo que tinha como objectivo compreender a relação entre o suporte parental e o ajustamento em jovens universitários durante os dois primeiros anos, Holahan, Valentiner e Moos (1987) concluíram que o suporte parental (níveis elevados de coesão e expressividade de sentimentos) e a ausência de conflito no relacionamento com ambas as figuras parentais revelaram-se directa e indirectamente relevantes para a adaptação na transição para a universidade, através da disposição para a sociabilização por parte dos estudantes, ao longo dos dois primeiros anos. Na 116
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discussão dos resultados do seu estudo os investigadores especulam que a ligação entre o apoio parental e a disposição para a sociabilização no jovem adulto opera através das representações das vinculações construídas na relação pais/criança durante a infância. Numa revisão extensiva de estudos sobre o suporte social, Barrera e Li (1996) chegaram à conclusão que os pais são uma fonte considerável de apoio social com influência ao nível das decisões em relação às metas educacionais e vocacionais. Os autores também apontam que o alcoolismo, a depressão e o conflito parental afectam de modo negativo as provisões de apoio parental. Por conseguinte, um apoio parental adequado, com níveis elevados de coesão familiar, parece revelar-se de crucial importância no bem-estar e no desenvolvimento psicossocial do indivíduo, constituindo-se como factor promotor de ajustamento a novos contextos de vida (Silva, 2003). Em consequência, um suporte familiar pobre tem sido associado a comportamentos anti-sociais e de desajustamento, abuso de álcool e drogas no jovem adulto. Outra variável que pode influenciar o ajustamento psicossocial do jovem adulto relaciona-se com o controlo parental. Baseando-se no modelo de controlo (psicológico e comportamental) de Barber, Olsen e Shagle (1994), Soucy e Larose (2000), numa investigação com estudantes universitários, concluíram que o controlo psicológico e comportamental exercido pelos pais era predictor do ajustamento à universidade. O controlo psicológico estava negativamente associado ao ajustamento, enquanto o controlo comportamental se revelou positivamente associado. As autoras adiantam a explicação de que o controlo comportamental por parte dos pais facilita o ajustamento social do estudante universitário e o compromisso para com a instituição, ao promover a regulação do comportamento. O controlo psicológico é considerado, pelas investigadoras, um precursor de problemas sociais e emocionais bem como da ausência de compromisso para com a instituição. Ainda em relação a esta dimensão do ambiente familiar, Silva (2003) observou que as percepções de controlo familiar dos estudantes do quarto ano eram significativamente inferiores às dos estudantes do primeiro ano. De facto, os investigadores apontam como uma das grandes tarefas de desenvolvimento psicossocial, o desenvolvimento da autonomia, que coincide, em parte, com o início da frequência de uma instituição de ensino superior, com a saída de casa, acrescida de novos desafios e responsabilidades (Chickering e Reisser, 1993). Estes anos de ensino superior são vistos como um período durante o qual os estudantes conquistam autonomia e adquirem uma certa independência da família de origem. É por essa razão natural que o estudante 117
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percepcione uma diminuição do controlo familiar. 5. Conclusão A adaptação às exigências e desafios colocados pelos contextos de ensino superior é um processo complexo, dinâmico e envolve uma multiplicidade de factores, quer de natureza pessoal, quer de natureza contextual (Astin, 1997; Chickering e Reisser, 1993; Pascarella e Terenzini, 1991, 2005). Partindo desta ideia, o presente artigo explorou os contributos do contexto familiar para o desenvolvimento psicossocial do indivíduo e em especial do jovem adulto e o seu ajustamento ao contexto do ensino superior. Partindo de um breve enquadramento teórico do contexto familiar, assente nas teorias sistémicas, e de uma revisão de investigações, que vão da infância ao período adulto, foram exploradas as ligações entre estes dois contextos de desenvolvimento: família e ensino superior. A análise dos estudos sobre o funcionamento familiar (ao nível da vinculação, suporte social e ambiente familiar) permite identificar características familiares que se constituem em facilitadores ou entraves aos processos de desenvolvimento psicossocial e aos processos adaptativos dos indivíduos, da infância à vida adulta, face aos novos contextos de vida. Ao nível do ensino superior, de um modo geral, os estudos sobre os contributos da família indiciam o papel positivo exercido pelos laços afectivos, pela coesão e expressividade, pelo suporte parental e pela facilitação do processo de separação/ individuação para o desenvolvimento e integração do indivíduo. Por outro lado, o conflito, a ausência de apoio e a vinculação disfuncional parecem estar associados a comportamentos de inadaptação do jovem adulto e a dificuldades ao nível do seu desenvolvimento psicossocial.
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controlo comportamental. O controlo psicológico, considerado fundamental para o desenvolvimento da identidade, refere-se aos padrões da interacção familiar que inibem ou promovem os processos de individualização da criança ou, também, o nível de distância psicológica que a criança experimenta relativamente aos seus pais. As crianças que percebem de maneira consistente que os seus pais estão sempre a manipulá-las, mediante a ameaça de quebra do vínculo afectivo (excesso de controlo psicológico), experimentarão mais dificuldades no reconhecimento da sua individualidade e no desenvolvimento da capacidade para confiar nas suas próprias ideias por medo de perder a relação com os pais. O controlo psicológico, para estes autores, diminui a competência necessária para estabelecer relações sociais, originando problemas de isolamento ou depressão. A inexistência ou escassez de controlo comportamental (excessiva autonomia, ausência de regras e de restrições e o desconhecimento do comportamento quotidiano da criança) são interacções com ausência de regulação dos comportamentos da criança. 7 De acordo com a teoria da vinculação, a criança exibe desde o nascimento comportamentos de vinculação que são activados em situações de angústia física e psicológica, com o objectivo de manter uma proximidade física ou emocional com os pais. De um modo geral, a figura de vinculação é considerada uma base segura a partir da qual a criança pode explorar o meio ambiente sem medos promovendo, deste modo, o desenvolvimento da sua competência social. Uma figura de vinculação segura detecta a angústia da criança e responde-lhe. Pelo contrário, uma figura de vinculação insegura não responde aos sinais enviados pela criança e se o faz é de modo inconsistente (Ainsworth, 1989). 8 Os adultos com um estilo seguro interiorizaram um modelo positivo do seu Self e dos outros, não temendo nem o abandono nem a intimidade emocional. 9 As pessoas com um estilo desligado incorporaram um modelo positivo do Self e um negativo dos outros. Em consequência desta configuração, os indivíduos sentem-se desconfortáveis com a proximidade e intimidade, preferindo manter níveis elevados de separação nos seus relacionamentos íntimos. 10 As pessoas com um estilo preocupado interiorizaram, pelo contrário, um modelo negativo do Self e um positivo dos outros. Assim sendo, este estilo predispõe para a grande necessidade de relacionamentos íntimos e de correspondência e o medo de rejeição por parte dos outros com quem se relacionam. 11 Os adultos com o estilo receoso apresentam modelos de si e dos outros negativos. Assim, têm medo de relacionamentos de proximidade, por um lado, e de serem rejeitados, por outro. Este receio leva-os a evitar o contacto social. 124
Sofia de Lurdes Rosas da Silva • Joaquim Armando Gomes Ferreira • Família e ensino superior
Correspondência
Sofia de Lurdes Rosas da Silva Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 Coimbra sofiace@esec.pt
Joaquim Armando Gomes Ferreira Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra Rua do Colégio Novo Apartado 6153 3001-802 Coimbra jferreira@fpce.uc.pt
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Experiências de formação em Educação Especial na Escola Superior de Educação de Coimbra
zVera do Vale zJoão Vaz
zAnabela Panão Ramalho
Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Resumo
Desde que iniciou o seu projecto de formação, que a ESEC privilegia, quer na filosofia, quer na estrutura curricular dos seus cursos, conhecimentos sobre a especificidade da inclusão dos alunos diferentes no contexto escolar, atenta à concretização do princípio da “Educação para Todos”. Neste sentido, começou por abordar a temática da diferença – em particular do aluno portador de limitações – nos cursos de formação inicial, havendo, no início dos anos 90, criado um Curso de Formação Especializada em Educação Especial (CESE), do qual veio a fazer várias edições. No final dessa década, e face às novas possibilidades legais de formação, a ESEC passou a ministrar cursos de formação especializada e pós-graduada, os quais têm vindo a responder à elevada procura de professores que trabalham ou pretendem trabalhar especificamente na Educação Especial, bem como dos docentes que sentem a necessidade de se prepararem ou actualizarem de modo a dar resposta aos alunos problemáticos que surgem integrados nas suas classes regulares. Como corolário natural do percurso descrito, enquanto aspiração permanente da ESEC e respondendo às expectativas de muitos dos seus ex-alunos, deu-se início, no corrente ano lectivo, ao funcionamento do Curso de Mestrado em Educação Especial. É deste percurso que daremos conta no presente artigo, enfatizando a caracterização do perfil dos candidatos ao mestrado neste domínio.
Palavras-chave
Formação, Inclusão, Educação especial
Abstract
Since ESEC began its training project the principle of “Education for All” has been regarded, either in philosophy or in the curriculum structure of their courses. In this article the authors present a retrospective of the two last decades of the teachers training in special needs. A particular focus on the recent course of Masters in Special Education is also presented, emphasizing the profile of candidates.
Key-words
Teacher training, Inclusion, Special education 127
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Introdução Tendo começado a desenvolver formação inicial de educadores e professores no
ano lectivo de 1987/88, a Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC) desde logo teve a preocupação de proporcionar aos futuros profissionais uma formação que lhes permitisse encarar e responder aos desafios colocados pelos alunos portadores de Necessidades Educativa Especiais (NEE) integrados na escola regular, numa época em que a integração plena constituía a grande linha de força da política educativa neste domínio particular. Até então a generalidade dos cursos de formação inicial de docentes não incluía qualquer abordagem continuada das problemáticas inerentes ao atendimento de alunos diferentes – nomeadamente dos portadores de deficiências – apesar de muitos deles estarem já a frequentar turmas de ensino regular, na linha da política de integração que entretanto se generalizava e a que a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) veio impulsionar, ao conseguir um amplo acordo para os princípios propostos. 1. Formação inicial Desde os primeiros cursos de formação inicial de educadores e professores, que a ESEC incluiu nos seus planos de estudo unidades curriculares específicas dedicadas à abordagem das problemáticas inerentes ao aluno diferente, ou, quando tal não foi contemplado, teve o cuidado de orientar algumas disciplinas do âmbito da psicologia de forma a permitir perspectivar a abordagem da diferença a partir da análise das competências esperadas para o sujeito comum e, deste modo, contribuir para o conhecimento e a compreensão da diversidade. A primeira unidade curricular oferecida neste âmbito designava-se “Prevenção e Despiste de Dificuldades de Aprendizagem”. A partir do início dos anos 90, a ESEC integrou nos Planos de Estudos da Formação Inicial de Educadores/Professores, uma unidade curricular designada “Introdução às Necessidades Educativas Especiais”, com o objectivo de sensibilizar e habilitar os futuros Professores/Educadores para as novas políticas de inclusão e enquadramento legal decorrentes do Decreto Lei 319/91 de 23 de Agosto, com competências básicas para dar resposta às problemáticas da integração. Estas Unidades Curriculares continuam a fazer parte dos Planos de Estudo 128
Vera do Vale • João Vaz • Anabela P. Ramalho • Experiências de Formação em Educação Especial
dos actuais cursos na área da educação, Formação de Educadores/Professores, tendo vindo a ser actualizadas, enriquecidas e alargadas a outras licenciaturas desta escola: Desporto e Lazer, Animação Sócio Educativa e Língua Gestual Portuguesa. 2. Curso de Estudos Superiores Especializados (CESE) Em 1992 a ESEC propôs a criação de um Curso de Estudos Superiores Especializados (CESE), em Educação Especial, nas opções de “Dificuldades de Aprendizagem” e de “Problemas Graves da Motricidade e Cognição”. Desta forma procurou-se responder às exigências específicas de centenas de professores e educadores de infância profissionalmente ligados a estruturas oficiais e particulares de apoio e ensino de crianças com NEE´s da Região Centro que desenvolvendo a sua actividade no apoio de crianças deficientes, com dificuldades de aprendizagem e com insucesso na escola, na sua maioria, não tinha qualquer formação específica na área da Educação Especial. Aprovado pela Portaria nº 962/92 de 8 de Outubro, este CESE tinha como públicoalvo Professores / Educadores profissionalizados, bacharéis, com pelo menos dois anos de serviço lectivo completos, tendo entrado em funcionamento no ano lectivo de 1993 /1994, com 31 alunos. Nos anos 1994/1995, 1996 /1997 e 1997 /1998 o curso teve novas edições, abrangendo na totalidade 151 alunos (gráfico 1). O plano curricular englobava dois anos lectivos com a carga horária de 645 horas no 1º ano, e de 490 horas no 2º ano, num total de 1135 horas, sendo, nos primeiros anos, frequentado com dispensa integral de serviço lectivo.
60 50 40 30 20 10 0
1994/95
1995/96
1996/97
1997/98
Figura 1. Nº de formandos do CESE em Educação Especial
129
1998/99
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3. Curso de complemento da formação Cientifico-Pedagógica Com a publicação do Decreto-Lei nº 255/98 de 11 Agosto (que estabelece as condições de aquisição do grau académico de licenciado através de cursos de complemento da formação científica e pedagógica ou de qualificação para o exercício de outras funções educativas) a ESEC vem a iniciar a realização de Cursos de Complemento da Formação Científica e Pedagógica. A criação destes Cursos visava a dignificação e valorização do estatuto profissional dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, enquanto aspecto relevante no processo de desenvolvimento do sistema educativo e da construção de escolas autónomas de qualidade, conforme consta do preâmbulo daquele documento legal. Aproveitando a experiência de formação neste domínio e procurando contribuir para a melhoria da formação de recursos no domínio da Educação Especial, o primeiro curso de Complemento de Formação realizado centrouse no domínio específico da Educação Especial / Apoios Educativos. Este curso foi leccionado nos anos lectivos de 1999/2001, e foi frequentado por 60 professores. 4. Formação especializada e pós-graduada A regulamentação da formação especializada (Decreto-Lei nº 95/97 de 23 de Abril), enquanto modalidade de formação do pessoal docente, a par da formação inicial e da formação contínua, veio criar um novo quadro de qualificação dos docentes para o desempenho de funções ou actividades educativas especializadas e cometer às instituições de ensino superior a responsabilidade pela sua concretização. Segundo aquele documento legal, a formação especializada dos docentes deverá traduzir-se na aquisição de competências e de conhecimentos científicos, pedagógicos e técnicos, bem como no desenvolvimento de capacidades e atitudes de análise crítica, de inovação e de investigação em domínio específico das ciências da educação (artº 2º). Neste contexto, a Educação Especial surge como uma das áreas especializadas de formação, visando qualificar para o exercício de funções de apoio, de acompanhamento e de integração sócio-educativa de indivíduos com necessidades educativas especiais (artº 3º, nº 1). Perante este novo enquadramento, a ESEC iniciou a formação especializada em Educação Especial em 1998/1999, tendo realizado os dois primeiros cursos, segundo este modelo, nas áreas de Perturbações do Comportamento (24 formandos) e de Problemas Comunicação (15 formandos). Depois destas duas primeiras edições, e devido ao envolvimento de grande número de docentes em processos de doutoramento, só em 2004/2005 se retomou, agora com maior arrojo, a formação 130
Vera do Vale • João Vaz • Anabela P. Ramalho • Experiências de Formação em Educação Especial
nesta área e segundo este modelo. A partir desse ano lectivo iniciou-se, então, um novo ciclo de formação em Educação Especial, que continua actualmente a funcionar e a tentar responder à elevada procura de que é alvo. Especificando, apresentam-se a seguir alguns dados descritivos referentes à formação realizada, bem como ao número de formandos inscritos por curso e ano (Figura 2.). Atendendo às exigências de tempo de serviço colocadas pela legislação para acesso à formação especializada – cinco anos de serviço docente à data de admissão (artº 4º, nº 2 do DL 95/97 de 23 de Abril) – e à elevada procura de formação por candidatos que não reuniam essa condição, entendeu a ESEC, a partir de 2005/2006, criar cursos de pós-graduação para licenciados, tendo como referência próxima os planos de estudo da formação especializada. Desde essa data, e até ao ano lectivo corrente, inscreveram-se nos Cursos de Formação Pós-Graduada em Educação Especial, 107 formandos. Na Figura 2 são igualmente apresentados valores relativos ao número de alunos, por ano lectivo, que frequentaram as referidas pós-graduações. 120 100 80 60
F. Especializada
40
F. Pós-Graduada
20
20 08 /0 9
20 07 /0 8
20 06 /0 7
20 05 /0 6
20 04 /0 5
19 98 /9 9
0
Figura 2. Cursos de Formação Especializada e Pós-Graduada em Educação Especial
5. Licenciatura em Língua Gestual Portuguesa Fruto da experiência acumulada pela ESEC na formação em Língua Gestual Portuguesa (LGP), desde 1997 sendo pioneira na leccionação de Cursos Livres neste domínio na Região Centro e como consequência do progressivo reconhecimento do estatuto concedido à LGP, enquanto primeira língua da comunidade surda, respondendo assim às necessidades apresentadas pelo sistema educativo, em 131
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2005/2006, esta escola alargou o leque de oferta formativas no âmbito da Educação Especial criando uma licenciatura em Língua Gestual Portuguesa com dois ramos de especialização: Leccionação e Interpretação. Este curso, que no seu primeiro ano de funcionamento teve 16 alunos, todos eles ouvintes, passou a ser procurado por um número crescente de candidatos (Figura 3), sendo significativo o número de surdos no ramo de leccionação (Figura 4). 50 45 40 35 30 25
nº Alunos por ano
20 15 10 5 0
2005/06
2006/07
2007/08
2008/09
Figura 3. Alunos matriculados na licenciatura de LGP, por ano lectivo
25 20 15
Aluno surdos Alunos ouvintes
10 5 0
1º ano
2º ano
3º ano
Figura 4. Alunos da licenciatura em LGP – ramo leccionação – ano lectivo 2008/2009 132
Vera do Vale • João Vaz • Anabela P. Ramalho • Experiências de Formação em Educação Especial
6. Outras formações Na sequência do novo enquadramento legal definido pelo Decreto-Lei nº 3/2008 de 7 de Janeiro, o Ministério da Educação, através da DGIDC, solicitou à ESEC a realização de acções de formação contínua em diversos domínios da Educação Especial, destinados a educadores / professores de todos os níveis de ensino a exercer actividade nessa área. Estes cursos decorreram nos anos lectivos de 2007/2008 e 2008/2009 havendo sido abrangidos 60 formandos. 7. Mestrado em Educação Especial Enquanto aspiração permanente desta Escola e respondendo às expectativas de muitos dos nossos ex-alunos, iniciou-se no presente ano lectivo o Curso de Mestrado em Educação Especial, na área de especialização de Cognição e Motricidade, publicado através do despacho nº 31162/2008 no DR nº 234, II Série de 3 de Dezembro. A estrutura deste curso distribui-se por dois anos lectivos, procurando desenvolver o leque de competências abaixo referidas: 1. competências relacionadas com o conhecimento das grandes opções que fazem o enquadramento filosófico, organizativo e educativo das respostas educativas a crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE); 2. competências para a identificação dos factores relacionados com os alunos e com a forma de estruturar e intervir na área dos problemas de cognição e motricidade; 3. competências relacionadas com o conhecimento de estratégias de avaliação dos diferentes níveis de tomada de decisão no processo de adaptação curricular e estratégias de avaliação do progresso do aluno; 4. competências relacionadas com a aprendizagem ao longo da vida; (Da Proposta de Plano de Estudos do Mestrado em Educação Especial ESEC, 2007) Este mestrado está a ser frequentado por uma turma de mestrandos seleccionados de entre um leque de 154 candidatos. Destes 154, 28,6% (44 sujeitos) fizeram a sua licenciatura na ESEC, sendo maioritariamente provenientes das licenciaturas em 1º CEB e Educação de Infância. Candidataram-se também alguns licenciados em Animação Socioeducativa, em Educação Musical do Ensino Básico, e em Ensino Básico, nas variantes de Português/Francês, Educação Física e Educação Visual e Tecnológica. Além destes, apresentaram-se ainda candidatos habilitados com CESE’s em Educação Especial realizados nesta escola. Os restantes 95 candidatos (61,6%), embora tendo feito a formação inicial noutras 133
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instituições, frequentaram na ESEC cursos de formação especializada ou pós-graduada em Educação Especial, o que significa que 90,2% dos candidatos foram alunos que procuraram de novo a ESEC para prosseguirem a sua formação. A figura 5. dá conta dos cursos de formação pós-inicial realizados nesta escola, e as respectivas datas.
18 16 14 12 10
CESEs
8
Especializada
6 4
Pós-Graduada
2
19 94 /9 6 19 96 /9 8 19 98 /9 9 19 97 /9 9 20 04 /0 5 20 04 /0 6 20 06 /0 7 20 07 /0 8
0
Figura 5. Cursos de formação pós-inicial frequentados na ESEC pelos candidatos A Figura 6. sintetiza a totalidade dos dados acabados de mencionar, sendo claro que a esmagadora maioria do total dos candidatos havia já frequentado, pelo menos, um curso de formação na ESEC.
Formação na ESEC Formação noutras Instituições
Figura 6. Formação de origem dos candidatos ao mestrado 134
Vera do Vale • João Vaz • Anabela P. Ramalho • Experiências de Formação em Educação Especial
Feita esta apreciação ao total de candidatos ao curso, passamos, de seguida, à análise do perfil dos trinta mestrandos que ingressaram no 1º ano do curso em 2008/2009. 7.1. Perfil dos mestrandos 7.1.1. Formação de Base A formação de base dos sujeitos em análise reparte-se maioritariamente entre Educadores de Infância e professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, sendo a restante formação inicial distribuída por cursos na área das Humanidades. O quadro 1 apresenta os elementos referidos. Constatou-se ainda que 47% dos mestrandos fizeram a sua formação inicial na ESEC. n Quadro 1. formação de base dos mestrandos Área de Formação Inicial
Nº de Formandos
1- Educação de Infância
5
2-Professores do Ensino Básico (c/variantes)
10
3- Geografia
4
4- História
1
5 -Complementos de Formação Científico Pedagógica
2
6- Filosofia
2
7- Línguas Literaturas Modernas
5
8-Serviço Social
1
7.1.2. Cursos formação pós-inicial Neste item apresentamos os elementos curriculares relativos a Cursos de Estudos Superiores Especializados (CESE’s), Cursos de Formação Pós-Graduada e Cursos de Formação Especializada frequentados pelos mestrandos. A análise dos dados revela que todos os sujeitos possuem já algum tipo de formação no domínio da Educação Especial. Concretizando, 37% realizara um curso de formação; 60% realizara dois cursos e 3%, três cursos. Apresentamos no quadro 2 os domínios específicos da formação realizada.
135
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n Quadro 2. Domínios dos cursos pós-formação inicial Nº de Formandos por tipo de curso Domínio da Educação Especial
CESE
Pós graduada
Especializada
Problemas de Motricidade e Cognição
3
1
20
Deficiência Auditiva
1
0
11
Multideficiência
3
0
2
Perturbações do Comportamento
0
0
4
Dificuldades de Aprendizagem
0
0
1
Educação Especial
0
0
1
Animação
1
0
0
Administração Escolar
2
0
0
10
1
39
Outros Domínios de Formação
Total:
Refira-se ainda que, desta formação, 51% foi realizada na ESEC, sendo os restantes 49% realizados noutras instituições. Finalmente, e dentro da caracterização dos trinta mestrandos admitidos, refira-se que a média de idades é 42 anos, com um máximo de 52 e um mínimo de 31. Vinte e nove dos mestrandos são do género feminino e um é do género masculino. Quanto ao tempo de serviço, o valor médio é de 17 anos, com um máximo de 24 e um mínimo de 7. Analisando o tempo de serviço em Educação Especial, verifica-se que o tempo médio se situa nos 8 anos, com um máximo de 20 e um mínimo de 3. Apenas dois dos sujeitos não possuem tempo de serviço no âmbito da Educação Especial.
Reflexão final A terminar esta análise, gostaríamos de salientar algumas ideias que os elementos apresentados nos permitem afirmar: 1. que ao apostar na formação no domínio da Educação Especial, a ESEC elegeu uma área que se tem revelado um contributo válido para sustentabilidade institucional; 2. que ao oferecer uma oportunidade de qualificação no âmbito da Educação Especial, a ESEC está a responder a uma solicitação efectiva do Sistema Educativo - com efeito, a elevada afluência de candidatos é disso prova; 136
Vera do Vale • João Vaz • Anabela P. Ramalho • Experiências de Formação em Educação Especial
3. que o regresso continuado à instituição pode ser visto como um indicador, não só da satisfação com o padrão de qualidade da formação em si, mas também do clima institucional que envolve essa formação e que será um possível factor de atractividade; 4. que o nível anterior de formação dos candidatos, associado à experiência concreta que uma grande maioria deles já detém, permite um elevado enriquecimento da formação, traduzida numa aprendizagem interpares. Os dados em análise não conseguem, contudo, representar nem todo o processo, nem todo o envolvimento da instituição neste percurso que tem levado à construção de um saber a cada dia erigido e partilhado por formandos e formadores, na procura de uma resposta efectiva à concretização dos ideais da inclusão. Nesta construção, tem sido relevante o contributo e a experiência trazida pelos formadores externos (alguns deles formados pela ESEC) que, diariamente, enfrentam na sala de aula os desafios da escola real. Podemos, assim, afirmar que, nesta área do saber, a ESEC apresenta pois uma formação consolidada, traduzida em diferentes cursos, em vários domínios de especialização, em trabalho de pesquisa, na produção cientifica e na divulgação, na respostas à comunidade e ainda na inclusão escolar e profissional de alunos e docentes.
Bibliografia ESEC (1994). Curso de Estudos Superiores Especializados em Educação Especial. Áreas de especialidade de problemas graves de motricidade e cognição / Dificuldades de aprendizagem. Coimbra: Escola Superior de Educação de Coimbra. (Documento policopiado) ESEC (2007). Proposta de mestrado em educação especial: Área de especialização de cognição e motricidade. Coimbra: Escola Superior de Educação de Coimbra. (Documento policopiado) UNESCO (1994). Conferência mundial sobre necessidades educativas especiais: ecesso e qualidade. Paris: Unesco; Madrid: Ministério da Educação e Ciência Legislação: Decreto-Lei nº 95/97 de 23 de Abril Decreto-Lei nº 319/91 de 23 de Agosto Decreto-Lei nº 3/2008 de 7 de Janeiro Despacho nº 31162/2008, DR nº 234, II Série de 3 de Dezembro 137
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Decreto-Lei nº 255/98 de 11 Agosto Portaria nº 962/92 de 8 de Outubro Correspondência
Escola Superior de Educação de Coimbra, Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 COIMBRA Vera do Vale vvale@esec.pt João Vaz jovaz@esec.pt Anabela Panão aramalho@esec.pt
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Internacionalização em casa: a experiência da ESEC
z
Susana Gonçalves Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Resumo
O artigo está centrado na importância da internacionalização para as instituições de ensino superior e foca, em concreto, a internacionalização doméstica. Uma vez definidos e fundamentados os conceitos de internacionalização e internacionalização em casa, será apresentado o caso da ESEC e identificadas as estratégia de internacionalização adoptada por esta escola. Serão apresentados exemplos de algumas das facetas da internacionalização em casa (Semana Internacional, actividades de Peer tutoring, Integração dos estudantes Erasmus e CPLP e Mobilidade de docentes incoming) e discutido o seu interesse e valor para o sucesso da internacionalização da ESEC.
Palavras-chave
Internacionalização, Ensino superior, Internacionalização em casa (IeC), ESEC
Abstract
The article discusses the relevance of internationalization for higher education institutions and focuses, in special, internationalization at home (IaH). Concepts are defined and according to such concepts a study case is presented: ESEC’s measures and strategies concerning domestic internationalization. Amongst such programmes the example of Internacional weeks, Peer tutoring activities, welcoming and integration of international students and teaching staff will be presented and evaluated in their role of key international activities for for the success of ESEC’s internationalization.
Key-words
Internationalization, Higher education, Internationalization at home (IaH), ESEC
139
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Knight definiu a internacionalização académica como “o processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural e/ou global nos objectivos, funções e ofertas da educação pós-secundaria” (2004, p. 11). Trata-se de uma definição simples, clara e abrangente, amplamente aceite e difundida. Inclui a mobilidade académica de estudantes e professores, a investigação e o desenvolvimento de projectos em equipas internacionais, a internacionalização do currículo, o alinhamento de procedimentos, estruturas e sistemas de avaliação, a certificação e uso de critérios comuns de qualidade e o recrutamento de estudantes e docentes estrangeiros (Bartell, 2003; Knight, 2004; OCDE, 1996; Gonçalves, 2009; Varela, 2005). Apesar da simplicidade da definição, o conceito é complexo e multifacetado. No presente artigo tomo por base esta definição, embora me mantenha centrada apenas na faceta da internacionalização a que se convencionou designar por internacionalização doméstica (IaH – internationalization at home), ou seja, as actividades académicas internacionais que se traduzem em novas oportunidades educativas sem que se exija a mobilidade de docentes ou estudantes nacionais para o estrangeiro (Crowther et al., 2000; IAU, 2007). Focarei, em especial, as estratégias de internacionalização desenvolvidas pela ESEC nos anos recentes e procurarei identificar das linhas de intervenção futura que melhor contribuirão para consolidar o trabalho que esta escola tem vindo a desenvolver para se internacionalizar. As dificuldades, os riscos e os desafios da internacionalização são expressivos e a resposta que lhes é dada pelas instituições é de importância crucial para o seu rumo futuro. Dispenso-me de enunciar tais riscos e desafios no contexto do presente artigo (para aprofundamento veja-se Gonçalves, 2009), mas não será demais repetir que a internacionalização é um fenómeno global (que se vem acentuado desde os anos oitenta) que, na actualidade, funciona como barómetro da adaptação e sobrevivência económica, social, cultural e académica das instituições de ensino superior em qualquer ponto do planeta. Como sugere Varela (2005), as funções da educação superior são mais facilmente reequacionadas quando analisamos a dimensão educativa deste fenómeno, especialmente na sua relação com sociedades multiculturais. A homeostasia e a coesão social nestas sociedades são difíceis de manter se as competências interculturais dos cidadãos e das instituições não forem reforçadas. Por via da internacionalização e de acções de educação intercultural, o ensino superior pode desempenhar um papel fundamental nessa educação social para a convivência e a cooperação internacional e intercultural.
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Susana
Gonçalves
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Internacionalização
em
casa:
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Internacionalização em casa (IaH): um modelo transformativo A EAIE (European Association for International Education) e a ACA (Academic Cooperation Association) definem Internacionalização em casa (IaH) com elegante simplicidade: qualquer actividade que possua uma dimensão internacional, à excepção das actividades que implicação a mobilidade para o estrangeiro de estudantes e docentes nacionais (“any internationally related activity with the exception of outbound student and staff mobility”, Crowther et all., 2000). Embora simples, esta definição refere-se a um fenómeno pouco simples, que afecta profundamente a vida das instituições de ensino superior e em especial, a eficácia do ensino (Nainby, Warren, and Bollinger, 2003): o ensino superior (ou qualquer outro nível de ensino) precisa, para ser eficaz, democrático, inclusivo e promotor do sucesso de todos, de se ajustar aos desafios da diversidade e ser concebido e praticado com essa diversidade em mente. Bartell (2003) fala da internacionalização como um contínuo que começa por ser um processo simbólico, dirigido por considerações materiais – como o recrutamento de estudantes, certificação de cursos, competitividade institucional – e de alguma forma permeado por um certo grau de colonialismo conceptual e uma visão regionalista ou pouco cosmopolita, para se tornar aos poucos num processo “transformativo”, que passa a orientar-se pelo internacionalismo cooperativo, pelo dialogo e abertura a visões recíprocas e pelo interesse a apetência pela participação em comunidades internacionais. O nível mais evoluído do processo de internacionalização é mantido pelo envolvimento e compromisso efectivo do pessoal docente e não docente e pela visibilidade positiva das acções de internacionalização. Bond e Scott (1999, ref. In Hanson & Johnson, 2006), defensores de um modelo transformativo, propõem as seguintes medidas para que atingir este nível: 1. infusão de dimensão internacional no currículo; 2. uso de abordagens interdisciplinares para explorar os conteúdos curriculares; 3. ênfase à aprendizagem activa e experiencial; 4. integração das actividades curriculares com as actividades internacionais promovidas na instituição; 5. proposta de leituras e bibliografias enriquecidas com materiais de várias proveniências que promovam análises comparativas; 6. alargamento do conhecimento transmitido/ valorizado a, pelo menos, outro país ou cultura para além da nacional; 7. encorajamento de reflexões sobre a cultura própria e a forma como esta influencia os modos de pensar. Trata-se de acções de IaH de extrema importância que funcionam de um modo 141
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subtil, associando as actividades de internacionalização, a educação e comunicação intercultural, o desenvolvimento curricular e a concretização de uma pedagogia activa, crítica e centrada no estudante. A internacionalização em casa pressupõe tanto as actividades extracurriculares e os processos ligados ao recrutamento de estudantes e docentes como as actividades curriculares. A internacionalização do currículo é uma dimensão essencial da IaH e caracteriza-se pela existência de currículos com uma “orientação internacional presente nos conteúdos, tendo em vista preparar os estudantes para um desempenho (profissional/social) em contextos internacionais e multiculturais e sendo planeado tanto para estudantes nacionais como internacionais” (OCDE, 1996, p. 36). As boas práticas em matéria de internacionalização dos currículos (ver recomendações e de McTaggart, 2003; Whalley, 1997) contribuem para que os estudantes compreendam melhor os contexto nacionais e internacionais, a diversidade e o multiculturalismo e para que desenvolvam mais rapidamente a competência intercultural necessária para a adaptação a estes contexto e para o sucesso futuro em circunstâncias de trabalho em equipas internacionais e interculturais (Odgers & Giroux, 2006; Oten, 2003; Schuerholz-Lehr & van Gyn, 2006; Whalley, 1997). A educação internacionalizada prepara os estudantes para viverem e trabalharem em sociedades multilingues e multiculturais, ajudando-os não só a utilizar e produzir conhecimento disciplinar, mas também a tornarem-se cidadãos activos e responsáveis no mundo globalizado, aptos para comunicar além das fronteiras disciplinares, linguísticas e culturais (Liddicoat, 2004). A educação intercultural e a promoção da competência intercultural são, por isso, uma vertente indissociável dos objectivos do ensino superior, como temos vindo a defender (Gonçalves, 2008b; 2009) e, em consequência, um são também um dos principais motes e metas da internacionalização. A internacionalização do currículo é, em suma, uma das mais relevantes dimensões da IaH. Mas há actividades institucionais extracurriculares que são também excelentes oportunidades educativas e que incluem (Gonçalves, 2008a): 1. experiências de aprendizagem interculturais e internacionais (e.g., semanas internacionais); 2. debates, exposições e ciclos temáticos multi e interculturais (cinema e outras artes, colóquios, eventos literários…); 3. comunidades de prática e projectos conjuntos entre estudantes nacionais e internacionais; 4. peer tutoring e serviço voluntário que promova a cooperação entre estudantes nacionais e internacionais; 142
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5. promover o uso das TIC para facilitar a mobilidade virtual; 6. fomentar a aprendizagem de línguas estrangeiras; 7. formação livre sobre outras culturas; 8. formação em Comunicação intercultural. De seguida passo a apresentar algumas medidas de internacionalização doméstica que têm vindo a ser ensaiadas pela ESEC, sob minha coordenação ou iniciativa, das quais algumas já bastante testadas e outras ainda em fase de arranque ou consolidação. Pela sua natureza e resultados considero que merecem ser conhecidas e divulgadas e, eventualmente, tomadas como exemplo de práticas a seguir por outros docentes e instituições. Exemplos da internacionalização doméstica na ESEC A breve reflexão e o estudo de caso que pretendo efectuar de seguida vai estar mais focada do acolhimento de estudantes e docentes estrangeiros, mas esta opção não significa que estes aspectos sejam mais importantes que outras facetas, porventura menos visíveis, da internacionalização em casa. Não se pode falar do acolhimento sem se ter em conta as competências linguísticas, interculturais e pedagógicas dos docentes; não se pode falar da internacionalização do currículo sem se ter em conta as politicas e filosofias educativas subjacentes à missão definida por uma escola; não se pode falar de práticas pedagógicas sem se ter em conta o valor dos financiamentos destinados à internacionalização (incluindo as verbas proporcionalmente atribuídas a gabinetes de relações internacionais, salários de pessoal adstrito a actividades internacionais, apetência pelo financiamento de projectos de internacionalização, gastos com traduções, investigação e estudos aplicados ou formação de docentes). Dito isto passarei a descrever algumas medidas em uso na ESEC que merecem, em minha opinião ser, conhecidas e divulgadas como exemplos de boas práticas de internacionalização doméstica. 1. A Semana Internacional da ESEC/ IWE (International Week of ESEC) A Escola Superior de Educação de Coimbra organiza semanas internacionais desde o ano lectivo 2001-2002, tendo concretizado a sexta edição em Março de 2009. Incluindo actualmente importantes facetas científicas, culturais e interculturais, este é o acontecimento que maior visibilidade regional, nacional e internacional dá à escola. Gradualmente, a Semana Internacional foi ganhando expressão, visibilidade e prestígio e, enquanto conceito, expandiu-se a áreas e dimensão não previstas quando, em Novembro de 2002, a ESEC reuniu pela primeira vez um pequeno grupo de 143
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docentes europeus que se deslocaram a Coimbra no âmbito do programa Erasmus. Este é um exemplo de sucesso em internacionalização que merece ser divulgado. O conceito de semana internacional é sobejamente conhecimento e são muitas as instituições de ensino superior que organizam iniciativas similares. Há vários modelos em uso e cada instituição acaba por adequar o evento às suas necessidades, recursos e objectivos próprios. Não existem fórmulas universais para o sucesso da internacionalização: esta deve fazer-se de acordo com a história, missão, finalidades, recurso e contingências próprias de cada instituição, como, de resto, é sublinhado por muitos autores (Bond, 2006; Knight, 2004; Schoorman, 1999). Na Europa, o mais comum, no entanto, é integrar na semana internacional um programa académico de aulas, sendo os professores estrangeiros recebidos por um dos professores locais para leccionar uma ou mais aulas aos seus estudantes. Geralmente, este tipo de eventos inclui também um programa cultural, que facilita o conhecimento mútuo entre os docentes da instituição de acolhimento e os docentes estrangeiros, incluindo actividades sociais e culturais como, por exemplo, um passeio cultural pela cidade ou região. Porém, ao longo dos anos, a ESEC foi desenvolvendo um conceito próprio que distingue a IWE do que é comum encontrar-se noutras instituições. Iniciada como estratégia para gerir com mais eficácia o acolhimento de teaching staff que visitava a ESEC no âmbito do programa Erasmus, a iniciativa depressa revelou ter maior potencial. Embora mantendo esta dimensão estratégica e continuando a ser vista como oportunidade para promover a cooperação internacional futura (projectos de I&D e de intervenção pedagógica), hoje a IWE é também uma acção de internacionalização transformativa privilegiada, através da qual se procura garantir o acesso de todos os docentes e estudantes da ESEC a perspectivas e abordagens internacionais, envolvendo a escola como um todo e não apenas um gabinete de relações internacionais e alguns docentes e estudantes. Ao mesmo tempo que evoluiu de objectivos exclusivamente pedagógicos e científicos, passou também a dedicar especial atenção às manifestações culturais, artísticas, sociais e interculturais que a ocasião favorece, devido à quantidade e diversidade de subprojectos que lhe passaram a estar associados. Foi-se tornando cada vez mais importante e visível o envolvimento directo dos estudantes como actores (não apenas como receptores) da produção de acções e conhecimentos. A implicação da comunidade externa, através de várias parcerias e iniciativas conjuntas, tornou-se um facto incontornável, fazendo jus à vocação politécnica da ESEC e à missão de criar sinergias com a comunidade e promover o desenvolvimento local e regional. A internacionalização não é uma premissa incompatível com esta orientação regional, 144
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pelo contrário, facilita a sua concretização. A ESEC conseguiu fazer da IWE não apenas uma semana de intercâmbio e mobilidade docente ao abrigo de programas de cooperação internacional, como o Erasmus (o que foi a essência das primeiras semanas internacionais da ESEC), mas também, um verdadeiro congresso (students congress), um fórum de debate internacional entre docentes e investigadores da ESEC e de universidades e organizações europeias, norte-americanas, africanas e do Médio Oriente. Além disso, já estão lançadas as bases para futuras iniciativas de expressão mais alargada que envolvem a cidade e suas instituições e cidadãos e que não se esgotam no espaço intramuros da ESEC, antes se expandem pela cidade e por outros centros da vida social, cultural, política e económica da cidade. Estas possibilidades emergentes resultam em grande medida do estabelecimento de parcerias institucionais com empresas e organismos municipais e do benefício mútuo confirmado e reconhecido. Quais são, então, as características distintivas da IWE e onde reside o segredo do seu sucesso? Qual a imagem de marca deste evento e quais as características do conceito que esta comunidade académica (cerca de 2000 pessoas) foi criando ao longo de meia dúzia de anos? Em minha opinião o segredo é óbvio e reside nos valores que estão por detrás do conceito: inclusão, co-responsabilização, complexidade, diversidade, interdisciplinaridade e rigor. Os valores são abstracções, mas é possível vê-los concretizados. O quadro anexo revela a sua concretização com a IWE2009. Pela sua expressão e visibilidade, esta iniciativa já é tomada em várias universidades europeias como referência e modelo para iniciativas similares, dado o sucesso e carácter inovador dos eventos organizados nos anos anteriores. Têm sido várias as universidades europeias, que, inspiradas pela ESEC, passaram a organizar semanas internacionais, com maior ou menor variação no modelo implementado e há casos de profissionais que nos têm visitado para observação in loco da semana internacional. 2. Peer tutoring: conversation partners programme e estudante-tutor Nos programas de peer tutoring os estudantes aplicam as suas competências em contextos colaborativos e solidários, desempenhando um papel de apoio e de ensino informal a colegas ou outros indivíduos que possam beneficiar dessa ajuda. Na ESEC têm vindo a ser testados dois programas de cooperação entre pares, o programa de conversação e o programa de estudantes-tutores. Passo a apresentar estes programas. 2.1 O programa de conversação A ESEC desenvolve, desde há dois anos, o Programa de Conversação e 145
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Comunicação Intercultural/ Conversation Partners Program, actualmente em fase de aperfeiçoamento. A iniciativa foi adaptada de um programa existente na Ohio State University e de que tive conhecimento por altura de uma visita de estudo ao campus dessa universidade em Columbus. O programa baseia-se numa fórmula e em premissas simples, a saber: 1. aprende-se mais facilmente uma língua se tivermos necessidade de a usar (princípio utilitarista e motivacional); 2. a integração social e cultural dos estudantes internacionais é facilitada ou reduzida em função do seu domínio da língua local; 3. a integração dos estudantes internacionais nos grupos de pares é uma condição importante para o sucesso académico e para a imersão cultural no país de acolhimento (papel securizante da pertença ao grupo); 4. a conversação em registo informal entre jovens estudantes facilita a aprendizagem da cultura e da língua e promove interacções sociais emocionalmente benéficas para o estudante internacional (a aprendizagem ocorre mais facilmente em contextos reais/ naturais do que em contexto artificiais); 5. os estudantes nacionais envolvidos em interacções sociais com colegas estrangeiros desenvolvem competências interculturais importantes (e.g., sensibilidade intercultural, conhecimentos acerca de outras culturas, horizontes culturais e cognitivos mais alargados, maior versatilidade emocional e intelectual para lidar com o choque intercultural; redução do preconceito e da exclusão). Os estudos nesta área são unânimes em reconhecer a validade destas premissas. A investigação também mostra que o contacto diário em contextos escolares entre grupos étnicos diferentes conduz com frequência à exclusão e ao evitamento dos estudantes de grupos diferentes (Dixon, Durrheim & Tredoux, 2007). A presença da diversidade cultural não é um factor promotor da interacção social entre membros de grupos étnicos distintos, como poderia supor-se. Allport (1954) demonstrou que para que a hipótese do contacto inter-étnico (considerada por muito tempo como a condição ideal para a harmonia intercultural e a resolução de conflitos inter-étnicos) é insuficiente só por si. Para que funcione é necessário que haja igualdade de estatuto, interdependência cooperativa e um contexto (normas) de suporte e segurança que favoreça o contacto entre os grupos. O estudo de Liebkind e McAlister (1997), pró sua vez, mostra que a observação de relações próximas equilibradas e agradáveis entre membros do grupo cultural de pertença e do grupo de comparação é uma experiência que promove atitudes intergrupais mais positivas o que facilita a redução de estereótipos e preconceito. O apoio social e institucional é importante para que o 146
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clima social seja favorável ao contacto intergrupal e para que este seja bem sucedido, gerando relações de confiança, amizade e bem-estar pessoal e social. O programa de conversação tem em conta o que acabamos de dizer e corresponde a uma estratégia de muito fácil aplicação e enormes ganhos, multilaterais e significativos para todos os envolvidos. Nos últimos dois anos, este programa já foi testado e usado no âmbito de duas unidades curriculares (Relações Interpessoais e curso de Língua portuguesa para Erasmus), tendo implicado a colaboração de alguns docentes e do Gabinete de Relações Internacionais. O programa pode ser adoptado de formas variadas, mas apresento aqui (ver anexo 2), partes do protocolo em uso na ESEC. Como se pode ver, são dados temas de conversação aos estudantes (o protocolo é apresentado em versão bilingue, português e inglês), mas a intenção é que funcionam como ilustração e quebra-gelo para os primeiros encontros, pois quando os estudantes desenvolvem um certo grau de empatia a conversa acaba por fluir, seguindo o rumo imprimido pela relação estabelecida e pelas necessidades, interesses e grau de amizade que os estudantes vão desenvolvendo. O sucesso do programa depende bastante do grau de envolvimento dos estudantes, da empatia que conseguem criar e do apoio que lhes é dado. Há que melhorar as condições de implementação, em especial distinguir melhor as formas de participação, responsabilidades mútuas e resultados esperados consoante o envolvimento dos estudantes é de natureza curricular (a actividade contribui para avaliação académica) ou extracurricular (a actividade é de voluntariado e pode ser registada no suplemento ao diploma). Também é necessário o suporte aos estudantes nacionais para que o seu nível de motivação não seja reduzido por causa de obstáculos como horários desfasados, dificuldades de comunicação ou choque cultural. Este programa pode funcionar como um dos mais poderoso esquemas de promoção do contacto intercultural. Embora haja aspectos a melhorar, os estudantes (especialmente os internacionais) têm-se referido ao programa como algo que a ESEC deve manter e proporcionar a mais pessoas, pois além de ser uma experiência útil e inesquecível é também uma boa oportunidade para conhecer e ajudar o outro e quebrar barreiras culturais. 2.2 Estudante–tutor A integração dos estudantes internacionais pode ser facilitada por mecanismos de apoio social que façam uso da tutoria entre pares (buddy system). Este tipo de programas é especialmente eficaz nos primeiros tempos da mobilidade internacional, quando as barreiras da língua e cultura e os problemas de orientação e logística são 147
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mais notórios e prementes. A ESEC desenvolveu, através do seu Gabinete de Relações Internacionais, um destes programas de apoio pelos pares. Com a antecedência de um ou dois meses relativamente à chegada dos estudantes estrangeiros, é lançado um convite aos estudantes da ESEC para a inscrição como estudante-tutor. As actividades a desenvolver são muito simples: 1. logística – ajudar a procurar quarto, tratar de documentação, adquirir bens necessários… 2. orientação na cidade - localização de correios, farmácia, centro de saúde, paragens de autocarro… monumentos e locais de interesse histórico e cultural; 3. integração na vida estudantil – centros da vida estudantil e jovem: cantinas, bibliotecas, cafés e discotecas… 4. integração académica – informação sobre os cursos e disciplinas, docentes, gabinetes e serviços da escola, procedimentos, sistema de avaliação… A ocupação dos estudantes nacionais envolvidos neste programa varia muito com as solicitações e circunstâncias especiais dos seus colegas estrangeiros, mas o mais habitual é que a necessidade deste tipo de apoio se esgote nas primeiras duas semanas, findas as quais o estudante internacional inicia a sua agenda de actividades académicas e começa a estabelecer a sua própria rede social e amizades. A partir do momento em que possui já um mapa mental mais ou menos claro sobre as circunstâncias deste período de vida que acaba de iniciar, o estudante internacional vê melhorada a sua autonomia e deixa e ser necessária a colaboração que o estudante-tutor lhe pode prestar. Mas fica, muitas vezes, a amizade e o apoio emocional que lhe está inerente. Por vezes a relação entre os estudantes nacionais e estrangeiros estreita-se e desenvolvem-se amizades, mas dada a natureza temporária e utilitária deste programa nem sempre se verifica essa evolução. Apesar disso, já houve estudantes Erasmus a referir-me que a ajuda do seu colega português nos primeiros tempos em Coimbra tinha sido decisiva para superar as dificuldades logísticas, burocráticas e administrativas e facilitar a “sobrevivência”no meio estranho, ajudando a lidar com o stress (e por vezes também a angústia e a solidão) dos primeiros tempos e a adaptar-se mais depressa. Este é um programa que deve ser mantido e desenvolvido, pois os professores e técnicos, por muito interessados que estejam em ajudar o estudante, não poderão ser tão úteis na integração na vida estudantil da cidade e na criação de redes sociais entre pares, quer pelo afastamento desses contextos quer pelas próprias barreiras e expectativas que são impostas com a diferença de estatutos.
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3. Integração académica e promoção do sucesso dos estudantes Erasmus 3.1 Professor-tutor Referimos que há zonas da vida estudantil em que os professores não podem auxiliar os estudantes internacionais; obviamente, há também outras zonas que são melhor exploradas com a ajuda de professores. A integração académica do estudante internacional beneficia com o apoio de colegas mas também carece de uma apoio especial e especializado por parte de professores preparados para comunicar ao estudante expectativas positivas acerca do seu período de estudos e que os preparem para uma estadia academicamente bem sucedida. Os professores-tutores podem ajudar a compreender o sistema de ensino e aprendizagem em uso, as normas e regulamentos académicos, os modelos e práticas de avaliação e, acima de tudo, a definir (ou corrigir) o plano de estudos que irão prosseguir na instituição do e acolhimento. Muitas vezes, estes estudantes trazem expectativas e ideias desajustadas á realidade académica local, o que se traduz em mal-entendidos, acções inapropriadas e erros de decisão. Isto é especialmente visível na definição de planos de estudos. Com falta de informação ou informação desadequada, estes programas de estudos individualizados podem ser mal estruturados e tornar-se incompatíveis com as necessidades, prérequisitos e interesses do estudante e do seu curso e instituição de origem. Estes desajustamentos são facilmente evitados ou corrigidos em sessões de aconselhamento com um professor-tutor designado de entre os docentes do curso ou área científica do estudante. A ESEC tem em vigor um sistema de tutoria e aconselhamento académico, curricular e pedagógico no qual qualquer docente pode participar. A atribuição de um professor-tutor a cada estudante internacional é uma medida sensata e eficaz para evitar os problemas identificados, o que se verifica na experiência institucional com este programa que conta já com cerca de seis anos. Muitos dos problemas pedagógicos e académicos com que os estudantes e confrontavam anteriormente são agora antecipados e evitados o que é uma importante mais-valia para o sucesso do período de estudos e para a satisfação das instituição de envio com o acolhimento que a ESEC dá aos seus estudantes. 3.2 Semana de orientação O Gabinete de Relações Internacionais da ESEC organiza desde há alguns anos uma semana de orientação que decorre antes do início de cada semestre e se destina a facilitar a integração dos estudantes Erasmus. A iniciativa favorece a chegada dos estudantes na mesma data e o acesso simultâneo a informação sobre a escola e permite que se organizem sessões de informação colectivas, que decorrem ao longo da semana 149
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e se destinam a: 1. apresentar a escola, serviços e pessoal, 2. apresentar os estudantes-tutores e professores-toutores e definir os seus momentos de encontro 3. esclarecer procedimentos e normas regulamentares do programa Erasmus; 4. iniciar a formação linguística 5. fazer um passeio de reconhecimento cultural pela cidade, 6. promover o convívio e conhecimento mútuo 7. proceder às acções inerentes ao processo académico do estudante, em especial no que respeita aos aspectos administrativos e á validação/correcção do plano de estudos. Esta prática tem-se revelado importante para a integração dos estudantes Erasmus, que se conhecer num contexto facilitador e acabam por criar vínculos afectivos e emocionais, funcionando provisoriamente como uma espécie de “turma”, ou melhor, como uma “proto-comunidade” que desempenha as funções próprias dos grupos de suporte. A semana de orientação, porque é organizada com duas semanas de antecedência em relação a início das aulas tem também a virtude de facilitar a agenda para as reuniões com estes estudantes, proporcionar uma formação linguística intensiva e, ao mesmo tempo, assegurar que o seu plano de estudo está definido quando as aulas começam e os estudantes podem definir o seu horário e iniciar os estudos sem percalços. 4. Integração dos estudantes lusófonos (CPLP) Desde há muitos a ESEC tem vindo a receber estudantes de países lusófonos, cuja presença na ESEC resulta em grande parte do estabelecimento de protocolos intergovernamentais e interinstitucionais entre Portugal e os países de origem. Em muitos casos, no entanto, trata-se de uma escolha individual isolada, não dependente de apoios governamentais, tratando-se de casos de admissão ao abrigo dos contingentes especiais para estudantes estrangeiros. No ano lectivo 2008/2009 estudavam na ESEC 36 alunos estrangeiros (Não Erasmus) dos quais 32 oriundos da CPLP (maioritariamente de Cabo Verde e Brasil), 16 matriculados pela primeira vez neste ano lectivo. O curso de Turismo é aquele em que estão matriculados mis estudantes lusófonos estrangeiro (t=13), seguido de Comunicação Social (t=7) e Comunicação Organizacional (t=4) (dados cedidos pelos Serviços Académicos da ESEC). Estes não parecem números muito expressivos, mas a tendência é para que os estudantes internacional de países lusófonos continuem a escolher Portugal 150
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para estudos superiores, quer de forma individual quer ao abrigo de programas de cooperação. A ESEC não deverá estar fora dessa tendência e para que o sucesso destes estudantes seja promovido é necessário encará-los na sua diferença e, apesar da língua comum, vê-los como estudantes internacionais, com necessidade de um tratamento condizente com esse estatuto e condição. Outro aspecto a ter em conta é o facto de que estes números excluem vários estudantes nascidos e criados em países estrangeiros e com identidades culturais não autóctones (por exemplo, timorenses) pois obtiveram a nacionalidade portuguesa estando matriculados como portugueses. Apesar das marcações culturais e étnicas que diferenciam estes estudantes dos seus pares nacionais, eles são o grupo da população estudantil mais “invisível”: falam a mesma língua e há com eles um passado comum, vinculado à ainda recente história colonial. Ao contrário dos estudantes Erasmus, cuja presença é temporária (na maioria ficam apenas por um semestre) estes estudantes vieram para fazer o curso e a sua presença por ser familiar e banalizar-se. São destituídos do apelo do exotismo que, apesar de tudo, ainda está associado aos estudantes Europeus Erasmus. Os erasmus chegam e permanecem em estado encantatório. Comunicam com clara dificuldade, já que raramente conhecem a língua portuguesa, mas a seu favor têm a imagem (sustentada pelos estudos) de que representam o grupo dos estudantes com maior sentido crítico, abertura intelectual e coragem. São aventureiros, curiosos, interessantes. A sua presença cativa pela oportunidade de contacto intercultural. Na sua maioria, regressam ao país com as unidades curriculares em que se inscreveram feitas e com boas classificações. Em contrapartida, os estudantes lusófonos estrangeiros, em especial os africanos, catalogados de uma forma generalista como palops estão no grupo de risco académico e são mais facilmente sujeitos ao fracasso e reprovação. Alguns chegam a prolongar as matrículas por cinco, seis ou mais anos. Falam a língua, mas não a falam como nós. Conhecem o país, mas o seu conhecimento é marcado pelos erros da visão à distância; interessa-lhes fazer o curso, mas os assuntos tratados são tantas vezes alheios aos seus interesses anteriores e expectativas de futuro! Aprendem sobre regiões, países, costumes, conceitos, teorias de que nada sabiam á partida e que pouco relevo parecem ter para a qualificação profissional que esperavam obter quando decidiram tornar-se estudantes-emigrantes. Ao chegar a Portugal, o encantamento e a lua de mel inicial na fase de adaptação existem também, como no caso dos estudantes Erasmus, mas a estadia prolongada torna mais visíveis as agruras administrativas e burocráticas e acaba por desmascarar os falsos brandos costumes e tolerância com que o povo português gosta de se catalogar. 151
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O racismo subtil, a discriminação velada e a exclusão vão ganhando terreno. Uma estudante angolana disse-me uma vez: “não compreendo. Quando os portugueses chegam a Angola nós damos-lhe tudo o que temos de melhor, tratamo-los como reis e rainhas, queremos que se sintam bem. Lá gostamos dos portugueses, não pensamos no colonialismo, o passado lá vai. Mas aqui… Sinto que sou tratada como se fosse de segunda categoria. Sinto o racismo todos os dias” (citação de memória). Merece a pena reflectir sobre o que será que marca a diferença no sucesso académico destes dois grupos de estudantes internacionais. A minha reflexão pessoal leva-me sempre a concluir que a diferença está no modo como os vemos. Ou melhor, como não os vemos. Aparentemente, os estudantes dos países lusófonos pertencem, por razão da língua comum, a uma mesma comunidade, mas esta identidade partilhada é superficial e enganosa, pois há mais mundo para lá da língua que se fala e da história colectiva comum. Estes jovens foram ensinados em sistemas de ensino formalmente diferentes do português, trazem consigo uma bagagem cultural substancialmente diferente da que possuem os seus pares nacionais; o seu capital intelectual é marcado por um historial educativo que privilegia conceitos, conhecimentos, saberes e aptidões diferentes dos que são privilegiados em Portugal; além disso, estes estudantes estão fragilizados por milhares de quilómetros de distância da família, amigos e contextos de vida familiares: é muito diferente caminhar numa rua de Coimbra ou de Luanda, viver na cidade da Praia ou nas vielas de uma aldeia de Timor-Leste, conviver com as culturas do Nordeste brasileiro ou as da Beiral Litoral. Assim escrito parece óbvio, mas as coisas óbvias passam despercebidas no dia-a-dia da rotina académica e os estudantes não-erasmus acabam por ser todos tratados por igual, como se o seu passado, presente ou futuro fosse igual. O tratamento igual é frequentemente o mais desigual e injusto, pois suspende a individualidade e a premência das necessidades e expectativas de cada estudante. A lição maior que aprendi a este propósito foi-me dada por um dos meus estudantes, um jovem santomense que comparecia sempre às aulas e sempre me pareceu motivado e atento. No final do ano lectivo, na altura das avaliações recíprocas, pedi, como sempre, que falassem sobre o que havia sido a disciplina. Porque estavam inscritos alguns estudantes Erasmus, usei frequentemente como exemplo as suas culturas e nacionalidades e dediquei-lhes atenção visível, quer através dos projectos que propus à turma, quer através dos recursos que usei nas aulas (por exemplo, apresentações de suporte a exposições com texto em português e inglês). Sentia-me bem com o esforço que tinha desenvolvido para que todos se sentissem incluídos e esse esforço, eu sabia, era notado pelos estudantes, os nacionais e os Erasmus. De facto, os slides 152
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bilingues resultaram da sugestão de um deles… O estudante santomense disseme na última aula que tinha gostado e tinha aprendido. Que apreciara o ambiente intercultural. Que percebia a minha vontade em acolher bem os estrangeiros. Mas, por outro lado, eu tinha tido um estudante africano e ao longo do semestre, podia ter-lhe pedido um contributo, podia ter trazido África para as aulas e não o tinha feito. Com o embate desta verdade, acho que fiquei a olhar para ele sem dizer nada por muito tempo. Eu, pura e simplesmente, não tinha reparado. Ele estava atento, fazia perguntas em português, não me incomodava com perguntas para que explicasse melhor: era dos nossos, não exigia esforço maior! E afinal, eu tinha-o excluído durante todo o semestre. “A língua devia unir-nos, mas parece que nos separa”, disse esse jovem mais tarde, parafraseando muito bem George Bernard Shaw1. Este incidente faz-me compreender porque razão estes estudantes parecem dar-se apenas entre si (é raro vê-los misturados nos grupos informais, durante os intervalos de aulas) e a mágoa de se sentirem tratados como se fossem de segunda classe. Porque razão nós organizamos semanas de acolhimento para os Europeus? Porque os levamos a passear na cidade nos primeiros dias e lhes fazemos festas de natal? Porque traduzimos slides para eles? E porque não fazemos nada de especial para os africanos, brasileiros, timorenses, angolanos? Trata-se de uma forma subtil de discriminação, pois só damos conta dela através de um olhar e de uma voz emprestados. Um grupo de docentes e técnicos da ESEC têm vindo, no entanto, a desenvolver um projecto de apoio à integração destes estudantes, tendo em vista o seu bem-estar psicológico, o sucesso académico, a integração e inclusão social. O projecto incide tanto nos estudantes estrangeiros lusófonos (com ênfase, por uma questão numérica, nos africanos) como nos seus pares e procura estimular a comunicação intercultural e o conhecimento mútuo. São estas as acções já empreendidas: - Reuniões com estes estudantes para conhecer os seus pontos de vista, dificuldades e sugestões específicas (as reuniões, organizadas no 1º semestre do ano lectivo 20092010, contaram com a presença de vários docentes, estudantes, técnicos e estudantes, sendo dinamizadas por mim própria, na dupla qualidade de coordenadora do gabinete de relações internacionais e dinamizadora do projecto cultures@esec de que adiante darei conta); - Dinamização de sessões de apoio ao sucesso académico e desenvolvimento de competências de estudo (com a colaboração e orientação do Núcleo de Apoio ao Aluno da ESEC); - Elaboração de um website, que irá estar associado ao site do GRI/ESEC, intitulado
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LUSOFONIA, orientado quer para o apoio aos estudantes internacionais wlusófonos (antes da chegada e durante a estadia no país) quer para dar a conhecer aos estudantes e docentes nacionais as suas culturas e países de origem. Pretende-se que este site ajude a quebrar as barreiras de dupla orientação á integração destes estudantes e favoreça o conhecimento e sensibilização cultural requeridos para que a boa convivência e o sucesso sejam viáveis e reais. Pretende-se, também, que o site supere a lacuna existente no apoio a estes estudantes e contribua para que o seu estatuto de estudantes internacional seja reconhecido e, daí, se passe a adoptar as medidas razoáveis para um tratamento não discricionário e mais atento à especificidade do seu estatuto. - Desenvolvimento do cultures@esec, um projecto de turma (3º ano de Animação socioeducativa) que envolveu ao longo de um semestre todos os estudantes desta turma. Foram efectuados sete subprojectos destinados a promover a comunicação intercultural com os estudantes CPLP, a sua visibilidade positiva e o conhecimento mútuo. O projecto cumpriu os objectivos e foi uma excelente oportunidade para que os estudantes interagissem, cooperassem, aprendessem uns sobre os outros. A um momento inicial de formação sobre os países, culturas e povos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que incluiu a presença de vários testemunhos vivos e a apresentação de documentários e recursos ilustrativos, seguiu-se o trabalho de projecto dinamizado pelos estudantes no qual foram usadas várias formas de animação (gastronomia africana na cantina, música e dança, feira de artesanato, teatro e poesia, uma campanha de sensibilização, uma exposição, um ciclo de cinema de África, uma conferência). Pesem embora alguns contratempos a que o projecto esteve sujeito, e a sua classificação como “apenas um primeiro passo”, no final o projecto foi avaliado como positivo. Os passos dados para garantir uma melhor integração dos estudantes internacionais da CPLP apenas percorreram o início do caminho, mas alguns frutos são já visíveis, entre os quais a decisão de duas estudantes finalistas (uma, do curso de Turismo, que é angolana e participou indirectas em algumas actividades do projecto cultures@ esec; a outra, do curso de ASE, que esteve directamente envolvida) de continuarem a desenvolver este trabalho como estagiárias do GRI. Outros passos estão a ser dados como seja o aperfeiçoamento do modelo de sessões de apoio ao estudo ou a possibilidade de os estudantes CPLP beneficiarem dos programas de conversação e estudante-tutor no início da estadia na escola, etc.). Este grupo de estudantes tem sido frequentemente chamado a colaborar em projectos internacionais, tal como a semana internacional o que, por um lado, tem ajudado a melhorar a sua auto-confiança e apreço pela instituição e, por outro lado, 154
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tem contribuído para melhorar a sua imagem perante docentes e colegas. Finalmente, são já muitos os professores que aceitam que estes estudantes têm necessidades de formação específicas e que encaram a sua presença em Portugal como uma presença temporária. Os países de que estes jovens são originários precisam deles e isso deve estar presente na forma como os ensinamos, para que não sejamos nós, por distracção, mentores do brain drain ou fuga de cérebros, de um dos maiores flagelos dos países em desenvolvimento (Gonçalves, 2008b). 5. Mobilidade de docentes Erasmus estrangeiros para a ESEC A Semana Internacional, que já mencionámos, é o acontecimento que mais contribui para a mobilidade de docentes estrangeiros que visitam a ESEC. No entanto, ao longo de todo o ano são recebidos docentes estrangeiros, em especial no âmbito do programa Erasmus. Para além das oportunidades de investigação e desenvolvimento de projectos de intervenção internacionais que se criam com os contactos efectuados durante a sua estadia, estas visitas académicas de professores estrangeiros são uma das melhores oportunidades para a internacionalização do currículo, especialmente quando incluem uma missão de ensino e contacto directo com estudantes. O ensino de qualquer tema varia com as orientações teóricas, experiências, competências e intenções dos docentes. Também os factores individuais, como a personalidade, estado emocional ou grau de motivação contribuem para distinguir as aulas dadas por diferentes professores. A nacionalidade, a cultura de origem e a língua materna são também factores a ter em conta e estes são factores preponderantes quando se trata de professores internacionais. Ao ser exposto a esta diversidade o estudante aprende não apenas sobre os conteúdos que estão a ser leccionado, mas também sobre a pessoa e a cultura que personifica. Uma aula com um professor estrangeiro é mais uma porta aberta para o desenvolvimento cultural da competência intercultural do estudante. Os métodos e recursos audiovisuais e multimédia escolhidos, os exemplos dados, os autores, teorias e livros propostos, tudo contribui para que o estudante alargue os seus horizontes intelectuais e culturais. A continuidade é importante no ensino. Uma mesma disciplina só ganha a sua devida coerência e sentido quando todas as aulas foram dadas, os recursos de aprendizagem utilizados e a avaliação feita. Só nesse momento o estudante obtém um quadro completo daquilo que o professor lhe quis facultar. Por isso, é importante um certo grau de monodocência dentro de cada unidade curricular. No entanto, a abertura da sala de aula (ou de qualquer outro espaço de aprendizagem) a outras propostas é muito salutar. Habitualmente, os professores que defendem esta perspectiva desenvolvem o hábito de complementar 155
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as suas lições com convidados que apresentam testemunhos, dinamizam exercícios ou debates, expõem temas e problemas nas suas aulas. Trata-se de aceitar o desafio da flexibilidade criativa no ensino. Ao agir desta forma, o professor troca parte da segurança de conteúdos curriculares rígidos e algum do seu controlo sobre os acontecimentos da aula, pela dádiva aos estudantes de experiência de contacto real com a diversidade de pensamento. O que acabo de dizer aplica-se, naturalmente, à presença e intervenção de docentes estrangeiros, com a vantagem de que um ensino, ainda que pontual, ministrado por docentes de origem nacionais diversas, contribui para colmatar a desvantagem dos estudantes que não tiveram a oportunidade de viajar e beneficiar da experiência de estudar por algum tempo no estrangeiro. A recepção de docentes internacionais é um dos aspectos mais importantes da IaH, se a analisarmos do ponto de vista dos estudantes nacionais. Também é importante em termos institucionais como forma de revigorar as práticas de ensino e a abertura do próprio corpo docente à internacionalização. O contacto com colegas de universidades estrangeiras é um bom antídoto para ideias acerca do ensino superior de base nacionalista e veladamente xenófoba. As convicções estereotipadas que fomos desenvolvendo acerca da qualidade do ensino em certos países (uns sobreavaliados, outros subvalorizados) diluem-se e são postas à prova nestes encontros. Quanto mais oportunidades tivermos para observar o ensino e métodos usados por outros colegas; quanto melhor conhecermos as suas competências e as virmos ser aplicadas; quanto mais pudermos debater problemas e estratégias de solução, quanto mais pudermos reflectir em conjunto, mais inseguras se tornam essas convicções generalistas e mais apurada se torna a nossa capacidade de análise e avaliação crítica.
Um dos efeitos mais saudáveis e rápidos que tenho observado nos encontros interculturais entre académicos é a suavização desses estereótipos que resulta da inevitável comparação. É assim que interpreto as comuns constatações de que “afinal o trabalho deles tem qualidade. São melhores do que eu pensava”, ou o veredicto de que “andava enganado. Isto também sou capaz de fazer!” e a tradução aliviada na ideia de que “afinal lá não são assim tão bons e cá não somos assim tão maus”. São ainda, é claro, ideias de superfície e generalizações, mas a revisão dos estereótipos é sempre um bom começo para que se ultrapassem. Santo Agostinho terá dito que “o mundo é como um livro e aquele que não viaja é como se apenas lesse a primeira página”. Acrescento que se pode viajar em casa. Basta abrir a porta e convidar o estrangeiro para entrar. Ele nos dará a ler algumas páginas mais dessa experiência sublime que é a aprendizagem intercultural. 156
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Conclusão Se tivermos em conta os indicadores e medidas do grau de internacionalização que são propostas para as instituições de ensino superior por Brandenburg & Federkeil (2007) e Paige (2005), os primeiros autores a partir de uma perspectiva europeia, o segundo a partir de uma perspectiva norte americana, rapidamente nos apercebemos que falta à ESEC percorrer um longo caminho para atingir a sua plena internacionalização. E embora possa dizer, de acordo com a minha experiência, que é uma das ESEs mais internacionalizadas, contribuindo grandemente para que também o IPC seja um dos institutos politécnicos nacionais mais internacionalizados, o certo é que apenas foram dados os primeiros passos, os passos mais visíveis: estabelecimento de acordos de cooperação internacionais2, à mobilidade efectiva de docentes e estudantes e à integração em redes e associações académicas internacionais. O trabalho menos visível, mas mais impactante a longo prazo, a IaH, que implica a internacionalização dos currículos, o recrutamento de docentes e estudantes no estrangeiro, ao estabelecimento de estruturas de apoio à internacionalização, a atribuição de fundos claros para a internacionalização, a associação da internacionalização ao desenvolvido da competência intercultural de docentes, staff não docente e estudantes, a oferta de diplomas conjuntos com universidades estrangeiras, a publicação de revistas cientificas de carácter internacional, etc. Embora não seja de todo um tema inovador no ensino superior, em Portugal e em especial na instituição a que a ESEC pertence, o Instituto Politécnico de Coimbra, este terreno da internacionalização doméstica, sobretudo ao nível das práticas de internacionalização transformativas, está ainda grandemente por desbravar, como facilmente concluímos quando aplicamos os critérios internacionais sugeridos por Brandenburg & Federkeil, 2007 ou Paige (2005). Defendo a internacionalização mas não a todo o custo e, embora reconheça a sua dimensão económica, creio que deve prevalecer uma internacionalização responsável, orientada por valores humanistas e pela intenção de promover o contacto, a aprendizagem e a cooperação intercultural. É um desafio para o ensino superior porque é um desafio para a sociedade multicultural. Aceitar esse desafio é uma responsabilidade institucional e passa enormemente pelas políticas de gestão. Mas é, acima de tudo, um desafio individual a cada um dos membros da comunidade escolar e muito especialmente aos do corpo docente. Nenhuma instituição se move sozinha ou por decreto e não avança de todo se não forem as pessoas a fazê-la mover-se com a energia do seu trabalho e com o seu esforço. O rumo da internacionalização de qualquer escola depende também, por
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isso, do esforço de cada um dos seus professores para se internacionalizarem a si mesmos e para oferecerem um ensino de qualidade internacional aos seus estudantes. Da matemática à ética, das tecnologias à língua, dos estudos sociais às artes, todos os domínios de formação superior podem e devem ser de horizonte alargado. Não há disciplinas ou conteúdos privilegiados para a internacionalização do currículo, dos professores e dos cursos. A capacidade de olhar melhor e mais longe foi sempre o que levou à ascensão das civilizações. Também foi sempre a miopia cultural, o medo do estrangeiro e a endogamia aquilo que as levou à queda e destruição. No ensino superior contemporâneo, a vocação cosmopolita, intercultural e internacionalista não é uma opção, é uma necessidade.
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n Anexo 1. Semana internacional da ESEC (IWE): conceitos e acções Acções para a concretização do conceito: inclusão ° Comunicação com a cidade e região – envolvimento de empresas e organismos locais e regionais como parceiros; maior projecção na cidade; °
Envolvimento de entidades externas como parceiras do projecto.
°
Estatuto de Year’s Partner e uso do logótipo do Ano Europeu 2009 Criatividade e Inovação;
°
Envolvimento de estudantes internacionais (Erasmus e lusófonos) que habitualmente estão na margem dos acontecimentos académicos
°
Maior visibilidade ao trabalho dos estudantes e áreas cientificas;
°
Investimento nas actividades práticas (workshops e sessões práticas)
°
Conferências com tradução simultânea (Port.–ing. e Port.-Língua Gestual Portuguesa)
°
Invocação do capital intelectual e competências do corpo docente, não docente e discente
Acções para a concretização do conceito: co-responsabilização °
Envolvimento de estudantes na organização do programa
°
Desenvolvimento de inúmeros projectos de aprendizagem (estudantes supervisionados por docentes) em articulação com os cursos e projectos de intervenção [Projecto de gastronomia criativa (IWE2009): os estudantes trabalharam com professores, integrando o projecto nas suas disciplinas; houve alunos (IWE2008 e IWE200)) a dinamizar, em regime autónomo, oficinas práticas]
°
Implicação de todos os cursos da ESEC e envolvimento significativo dos docentes; Actividades da IWE integradas em estágios profissionais de estudantes finalistas
°
Envolvimento de pessoal não docente, todos os gabinetes técnicos e maioria dos serviços da ESEC e em activida des de organização do evento
Acções para a concretização do conceito: complexidade, diversidade e interdisciplinaridade °
Adopção de um tema aglutinador com projecção interna (relevante para cursos da ESEC) e externa (interesse mediático, atraindo o olhar público para os projectos desenvolvidos pela ESEC e para contribuições dos convidados e participantes na IWE [2008: Identidade, Diversidade e diálogo Intercultural; 2009: Criatividade e Inovação; 2010: Sustentabilidade]
°
Conferências e actividades de acesso livre, lado a lado com workshops de pré-Inscrição e aulas tradicionais
°
Fortalecimento do programa cultural e criação de ambiente internacional, cultural e intercultural: [Mostras de arte e exposições de estudantes, docentes e artistas exteriores à ESEC; animação cultural associada ao programa social e académico (e.g., workshops de dança e música, bailarico nocturno; Inclusão de diferentes áreas de expressão artística (ciclo de cinema de qualidade, vídeo-arte/ vídeo-animação, arte digital, teatro e artes cénicas, conto oral/ histórias populares, literatura e escrita criativa, fotografia, escultura, artes decorativas, artes plásticas, pintura, design e artes visuais, ilustração, música, dança e várias manifestações de fusão entre linguagens artísticas] 161
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Reforço da dimensão cientifica, cultural e internacional; Extenso programa de actividades científicas (conferências plenárias, seminários, painéis, workshops) e agenda cultural com manifestações culturais e artísticas relevantes
°
Derivação do evento em projectos de médio e longo prazo e produtos materiais perenes
°
Publicação do livro Criatividade e Inovação – memória científica da IWE2009.
°
Publicação de programa-catálogo, com design gráfico de designers finalistas da ESEC – memória cultural da IWE2009.
Acções para a concretização do conceito: rigor °
Qualidade nas conferências plenárias; Convite a individualidades e especialistas de prestígio nacional e internacional para proferirem conferências ou participarem em outras actividades do evento
°
Organização do evento num registo profissional
°
Elaboração de cadernos de encargos, relatórios, gestão orçamental; desenvolvimento de estratégias de marketing e comunicação com os media;
°
Divulgação intensiva através de meios diversos e alternativos (cartazes, dossier de imprensa, website oficial, trailer de animação multimédia, catálogo/ agenda, Reportagem televisiva…
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n Anexo 2. Protocolo do programa de conversação em uso (versão simplificada e parcial, com exclusão de imagens e alteração da formatação) Objectivos: o programa destina-se a promover a aprendizagem da língua e cultura portuguesa por parte do Estudante Erasmus e desenvolver a competência intercultural por parte do estudante português. Os conteúdos da conversa são livres. As conversas devem ser espontâneas, informais e tratar tudo o que os estudantes estejam interessados em conversar. Não é o conteúdo que importa, mas sim o desenvolvimento da capacidade de comunicação através da fronteira linguística e cultural. O diálogo poderá começar por fazer-se com recurso a mais do que uma língua, mas o objectivo é que a língua portuguesa se torne progressivamente a língua preferencial de comunicação. Descrição: Consiste em acordar com um dos estudantes Erasmus estrangeiros recebidos durante o semestre um programa de encontros e conversação em língua portuguesa. Poderão participar no grupo um estudante estrangeiro e de um até três estudantes portugueses. Os estudantes deverão acordar um horário e local para conversarem durante, pelo menos, uma hora, ao longo de pelo menos um mês. Vantagens para o estudante Erasmus - Aprende mais rapidamente a língua e a cultura portuguesa, o que facilita a sua integração - Sentir-se-á apoiado e bem-vindo. Estar sozinho num país diferente é uma experiência fascinante mas difícil. O apoio de um colega que ajude a ultrapassar as dificuldades é algo inesquecível. Vantagens para o estudante português - Estabelece uma relação intercultural real; Diverte-se e pode fazer novos amigos - Aprende sobre outro país e cultura; Aprende normas e símbolos de outra cultura; Desenvolve o apreço pela diversidade - Aprende a identificar semelhanças e diferenças entre a sua cultura e a do colega estrangeiro - Tem oportunidade de ser útil a outra pessoa, ao mesmo tempo que aprende e se desenvolve com esta relação. Registo e avaliação da experiência: Os estudantes envolvidos (nacionais e estrangeiros) devem registar o seu compromisso, preenchendo um boletim que lhes será entregue no GRI. No final deverão entregar uma ficha com as impressões sobre a participação na experiência. Orientações para as sessões de conversação Este guia foi criado para facilitar os encontros e a conversação. Os temas são meras sugestões, mas foram escolhidos entre temáticas de interesse para a integração 163
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cultural dos estudantes e para aumentar os seus conhecimentos sobre as culturas e países de origem. Espera-se que contribuam para gerar experiências de aprendizagem mutuamente benéficas. O programa complementa eventuais aulas de língua portuguesa (de carácter mais formal, as aulas centram-se no vocabulário, fonética e gramática) dando ênfase à troca de informação informal entre os estudantes e permite que os estudantes envolvidos aprendam algo sobre a cultura do seu parceiro de conversação, desenvolvam a sua sensibilidade intercultural e, eventualmente, criem laços de amizade e internacional. Para aproveitar o máximo desta experiência procure saber o mais possível sobre a cultura e país de origem do seu colega estrangeiro, procure ser sensível e respeitar as convicções políticas e crenças religiosas, faça os possíveis para que se encontrem o mais possível, mantenha a mente aberta e pense de forma positiva. O mais importante é que ambos sintam gosto e prazer em conversar, que se divirtam enquanto aprendem e que se respeitem mutuamente. Nunca deixe de pensar que ambos estão a aprender e que esta actividade beneficia tanto o estudante estrangeiro como o nacional. *** Nota. De seguida apresentam-se aos estudantes orientações práticas sobre como conduzir as sessões de conversação. São dados treze temas de conversa e formas de os explorar, indicando o objectivo e formas de preparação para que a conversa seja produtiva. Não reproduzimos o guia, dada a sua extensão, mas indicamos os temas, para que se tenha uma ideia da sua natureza: FERIADOS – Aprender sobre dias especiais ao longo do ano e como são celebrados. VIAGENS E TRANSPORTES – Aprender sobre a geografia e turismo no país. ALIMENTAÇÃO – Aprender sobre a alimentação e refeições típicas do dia-a-dia e de ocasiões festivas; eventualmente, experimentar pratos típicos/especiais e trocar receitas FAMÍLIA – Aprender sobre estruturas familiares (família nuclear e alargada), valores e estilos de vida em família. RITUAIS – Aprender sobre usos e costumes para comemorar momentos importantes. USOS E COSTUMES – Aprender sobre comportamentos, etiquetas, normas, crenças e provérbios interessantes. EDUCAÇÃO – Aprender sobre os sistemas educativos e métodos de ensino. EMPREGO – Aprender sobre oportunidades de emprego na cidade e sobre empregos em part-time, durante o curso. 164
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COMUNICAÇÃO – Aprender sobre linguagem, expressões, gestos e estilos de comunicação. SISTEMAS NUMÉRICOS – Aprender sobre as diferenças em termos de moeda e sistemas de medida (temperatura, distância numeração nas roupas e calçado…). DESPORTOS E LAZER – Aprender sobre os hobbies um do outro e sobre desportos e passatempos em cada país. ARTE E ENTRETENIMENTO – Aprender sobre actividades de lazer e valores culturais ASSUNTOS SOCIAIS – Aprender sobre aspectos socioeconómicos, religiosos e políticos Orientações e temas adaptados por Susana Gonçalves, a partir do guia desenvolvido por Edna Bautista (Professora de Comunicação Intercultural, Dept. de Comunicação, Rutgers, The State University of New Jersey
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Notas 1 “England and America are two countries separated by a common language” (frase atribuída a G. Bernard Shaw); Oscar Wilde escreveu algo semelhante, em O fantasma de Canterville, referindo-se também aos EUA e à Inglaterra: “We have really everything in common with America nowadays except, of course, language”. 2 ���������������������������������������������������������������������� É de registar que a ESEC tem 102 acordos Erasmus firmados com 87 departamentos/ faculdades/escolas de 74 instituições de ensino superior de 22 países europeus e mais alguns convénios de cooperação académica com países terceiros, em especial o Brasil. Correspondência
Susana Gonçalves Escola Superior de Educação de Coimbra, Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 COIMBRA susana@esec.pt 166
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Ensino da gramática: reflexões em torno do verbo
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Lola Geraldes Xavier Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra
Resumo
O objectivo deste artigo é abordar a importância comunicacional do conhecimento da gramática, mais precisamente do verbo. A partir de enunciados produzidos, conclui-se que há problemas linguísticos de vária ordem nos estudantes do 1º ano da Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC).
Palavras-chave
Verbo, Níveis de ensino, Intuição linguística, Competência linguística
Abstract
The aim of this article is to approach the importance of communication skills concerning the grammatical knowledge, more precisely the verb. From some sentences produced, we conclude that there are some linguistics problems concerning the language used by ESEC students in the first year.
Key-words
Verb, Levels of education, Linguistic intuition, Linguistic competence
— Agora iremos visitar o Campo de Marte onde vivem acampados os VERBOS, uma espécie muito curiosa de palavras. Depois dos Substantivos são os Verbos as palavras mais importantes da língua. Só com um Nome e um Verbo já podem os homens exprimir uma idéia. (…) Monteiro Lobato, Emília no País da Gramática. 167
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O objectivo deste artigo é reflectir sobre a importância do domínio verbal da língua, apresentando-se alguns problemas linguísticos relacionados com o uso do verbo pelos falantes de língua portuguesa, sobretudo pelos estudantes que chegam ao ensino superior. Para isso, apresentaremos umas breves reflexões teóricas em torno do ensino da língua (I), conclusões sobre problemas na classificação morfológica do verbo (II) evidenciados, grosso modo, pelos alunos do 1º ano de cursos em que temos leccionado de 2001 a 2008 (Comunicação Organizacional, 1º Ciclo do Ensino Básico, Educação de Infância, Comunicação e Design Multimédia), bem como a sistematização dos problemas linguísticos presentes em enunciados orais e escritos produzidos por esses estudantes (IV). Alertamos, desde já, para o facto de os erros originados pelos estudantes poderem, não raras vezes, ser encontrados em enunciados de outros falantes de língua portuguesa. Abordamos também o estudo do verbo ao longo do percurso escolar, com destaque para as provas de aferição do 4º e 6º anos (III). I. No ensino da gramática, assiste-se geralmente a três perspectivas: prescritivanormativa, descritiva e explicativa. A primeira perspectiva está reservada sobretudo aos ensinos básico e secundário, convivendo com as perspectivas descritiva e explicativa do ensino da gramática no ensino superior. O verbo, quer na língua materna, quer nas línguas estrangeiras, é considerado «o centro, o sol da frase» (Nery, 1993, p.33), pois todas as palavras se organizam à sua volta. É através dele que nos situamos uns em relação aos outros e que estabelecemos uma relação temporal com a realidade linguística e extralinguística. A língua materna é inerente ao sujeito falante, o que torna menos fácil uma atitude de análise objectiva da gramática dessa língua enquanto código e sistema de signos. Para isso, é necessário dessubjectivizar e assumir uma atitude crítica de distanciamento em relação à língua. Neste sentido, para o ensino formal da língua materna ou língua primeira é necessário ter em consideração quatro fases metodológicas. Primeiramente, deve terse em consideração a Observação de diferentes enunciados que atestam a actividade verbal. Estes enunciados terão em consideração critérios de ordem sociolinguística e o valor pedagógico de textos (orais e escritos) da autoria dos falantes da língua. Passa-se, de seguida, à fase da Descrição dos enunciados escolhidos na fase anterior, com vista à organização sistemática e progressiva do estudo dos mecanismos de funcionamento do sistema linguístico. Deverá ter-se sempre em atenção que o conhecimento das estruturas linguísticas não é um fim em si mesmo, mas, antes, um meio de se alcançar a coesão e a coerência exigidas para o sucesso em situações de 168
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comunicação. A terceira fase consiste na Interpretação de enunciados distintos no que concerne à sua origem, características e finalidades. Para isso, deverá ter-se em atenção o estatuto do sujeito de enunciação, o público-alvo e o quadro espácio-temporal em que os enunciados são produzidos. Nesta fase desempenham importância os aspectos formais e semânticos, o grau de maior ou menor gramaticalidade, a intuição e a competência linguísticas do falante. Finalmente, a fase de Produção de textos orais e escritos que pressupõe a manipulação de estruturas de comutação, de permuta, de substituição, de transformação, etc. Através destes exercícios visa-se alcançar o desenvolvimento de uma consciência reflectida sobre os valores instrumentais, culturais e epistemológicos da língua, de forma a se dominar essa língua no sentido da afirmação individual e da integração social. II. Verifica-se que nem sempre este objectivo fundamental da afirmação individual e da integração social através do domínio da língua é alcançado. De facto, no que diz respeito ao uso verbal, é indiscutível que, no geral, os estudantes têm a intuição linguística para utilizarem correctamente, enquanto falantes de Língua Portuguesa, os vários tempos e modos verbais. No entanto, quando se faz apelo à sua competência gramatical e, nomeadamente, à classificação morfológica, deparamo-nos com lacunas significativas. Pelo menos é o que nos indica a experiência em sala de aula e em actividades de aplicação de conhecimentos, bem como o estudo sistemático que fizemos a esse propósito1. Assim, tem-se vindo a constatar que, quando solicitados, a maioria dos estudantes não consegue identificar metade das formas verbais presentes num excerto. Para além disso, muitos não referem o modo, confundem o futuro do pretérito (condicional) com o pretérito-mais-que-perfeito do indicativo, com o futuro (indicativo e conjuntivo) ou com o pretérito imperfeito; o pretérito imperfeito com o pretérito-mais-que-perfeito do indicativo. Mais flagrante ainda é a troca do pretérito perfeito pelo pretérito imperfeito do indicativo ou vice-versa, ou do pretérito perfeito pelo presente do indicativo. Por sua vez, quando se pedem conjugações de verbos em tempos compostos ou simples, mas no modo conjuntivo, a maioria não consegue responder. Se os leigos em gramática podem desvalorizar estas questões, por se tratar de classificações, já não parece desvalorizável o facto de os alunos mostrarem dificuldades na transposição de tempos verbais em diferentes tipos de discursos. De facto, os estudantes mostram dificuldades no uso gramatical do verbo. O exemplo mais flagrante é o da transposição 169
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do discurso indirecto para discurso directo e vice-versa, sobretudo se a isso se juntar a pronominalização com os tempos do futuro e do condicional. É exemplo disso a transposição do futuro do pretérito com formas pronominais («te faria», «te sopraria») em futuro do presente do indicativo (‘far-te-ei’, ‘soprar-te-ei’). III. A questão que se pode colocar é: onde falha o ensino para que os estudantes quando chegam ao ensino superior tragam tantas lacunas a nível gramatical? Geralmente, insiste-se no ensino do verbo no 1º e 2º ciclos do ensino básico, para quase não voltar a ser estudado. Todo o documento programático para os 10º, 11º e 12º anos não dá, no geral, relevância à morfologia; é a gramática do texto que adquire particular relevância nesse nível de ensino (Coelho, 2002, pp.25-26). Numa perspectiva do conhecimento vertical e transversal das aprendizagens, o ensino superior, sobretudo quando forma futuros professores, deverá ter um papel relevante na actualização de conhecimentos, defendem Inês Sim-Sim, Inês Duarte e Maria José Ferraz (1997, p.105). Tomemos novamente como base de reflexão os conhecimentos previstos para o 1º e 2º ciclos do ensino básico e vejamos, agora, como é que eles são testados nas últimas provas de aferição de Língua Portuguesa, realizadas nos 4º e 6º anos (anos lectivos 2005-2009). Os textos apresentados para leitura nas provas de aferição do 4º ano, para além dos tempos simples do indicativo, apresentam formas verbais compostas, como o pretérito perfeito composto (2005) e várias formas do conjuntivo, como o presente (2005, 2007), o pretérito imperfeito (2005, 2007) e o futuro (2007). Apresentam ainda o uso do imperativo (2007) e do condicional (2005, 2008). No entanto, os exercícios de conhecimento explícito da língua, para aplicação dos conhecimentos verbais, são mais básicos, incidindo no uso do indicativo: pretérito perfeito e pretérito imperfeito (2005), presente (2006), ou imperativo (2008). Na prova de aferição de 2007 já se utilizam as formas verbais numa perspectiva ortográfica, na distinção que se exige entre a forma pronominalizada do presente do indicativo («pode-se», «esconde-se») e a forma de pretérito imperfeito do conjuntivo («pudesse» e «escondesse»). Na prova de 2009, apenas se solicita a aplicação do pretérito imperfeito do indicativo, num exercício demasiado elementar. Na prova de aferição do 6º ano, no que diz respeito ao conhecimento explícito da língua, continua a exigir-se o conhecimento dos tempos simples do indicativo, a que se junta o presente do conjuntivo (2006), o pretérito imperfeito composto do indicativo na passagem do discurso directo para o discurso indirecto (2007) e o 170
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pretérito imperfeito do conjuntivo (2009) − mas explicitamente pedido no enunciado, sem que o aluno chegue a essa conclusão pelo contexto. Esta transformação do discurso directo em discurso indirecto das provas de aferição do 2º ciclo (2005, 2007) continua a verificar-se nos exames do 9º ano. Neste caso, já se requer o uso do conjuntivo (2006, 1ª chamada). No entanto, no geral, quer no que diz respeito aos textos que as provas apresentam, quer no que diz respeito ao conhecimento explícito da língua, é sobretudo o uso dos tempos simples do indicativo que é mais solicitado nestes exames do 9º ano. Daqui se pode concluir não se verificar uma progressão coerente nem significativa no domínio do uso do verbo do 4º para o 9º ano. Os tempos compostos, tão usuais no quotidiano e no discurso directo, são igualmente negligenciados nos vários níveis de ensino. Junte-se à falta desta progressão de conhecimentos gramaticais ao nível do verbo2 as dificuldades que os alunos sentem a nível gramatical. Se tomarmos como referência os resultados da prova de aferição de 2007, «só 11% dos alunos do 6.º ano responderam correctamente às questões relacionadas com o “conhecimento explícito” da Língua Portuguesa»3. Face a este rápido panorama francamente preocupante, propomos que os professores dos vários níveis de ensino não se demitam da responsabilidade de ensinar estes conteúdos morfológicos. A importância do estudo do verbo tem repercussões a nível da escrita, da concordância verbal e da mestria da utilização/interpretação dos valores verbais, com implicações na análise textual. O conhecimento metalinguístico dos alunos terá reflexos na expressão escrita e oral, na análise de enunciados. Manipular eficazmente as estruturas linguísticas, nomeadamente as morfológicas, permitirá um maior sucesso na utilização de mecanismos de coesão e de coerência textuais. Para os professores, às vezes, é preciso ousar. Ousar comunicar, ousar gramaticalizar, ousar ensinar o verbo, numa perspectiva comunicacional, é certo, mas sem deixar de recorrer às gramáticas, aos dicionários de verbos, aos dicionários de preposições que regem os verbos, a exercícios escritos e orais de consolidação verbal. IV. Para além das questões técnicas relacionadas com o verbo, que se prendem com a sua classificação, dê-se relevo às questões práticas de utilização da língua materna. Ambas estão relacionadas e o estudante deveria dominá-las antes de chegar ao ensino superior (o que regra geral não acontece) para se poder estudar/usar a língua numa perspectiva descritiva e criativa. Vejamos alguns enunciados produzidos pelos nossos alunos que evidenciam problemas que advêm da falta de competência gramatical, 171
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nomeadamente do domínio do verbo. Falta de concordância verbal: a) * «Até na mercearia ainda se comentava baixinho que o pai da rapariga tinha ficado maluco depois que a rapariga desapareceu.»4 Observamos que falta coerência ao exemplo a), pois para marcar a anterioridade de uma acção em relação ao pretérito-mais-que-perfeito composto do indicativo («tinha ficado»), o tempo exigido só poderá ser também um pretérito-mais-que-perfeito simples ou composto («desaparecera» ou «tinha desaparecido»). Pronominalização: b) * «Ela faria-o bem depressa se lhe tivessem explicado.» Não é raro assistir-se ao uso da ênclise («faria-o») em vez da mesóclise («fá-loia») nas formas de futuro do indicativo e do condicional. Mas a pronominalização levanta outros problemas, alguns da ordem da oralidade, que não é impossível que se verifiquem no registo escrito. É o caso de: c) * «Eles fizeram-o bem.» d) * «Traze-o tu.» Nestas situações o que se verifica é que a pronominalização é feita de forma incorrecta, em vez de: c’) «Eles fizeram-no bem» e d’) «Trá-lo tu», como acontece com as formas verbais terminadas por consoante nasal e com as formas terminadas em vibrante ou fricativa, respectivamente. Por outro lado, verifica-se o desconhecimento de formas que exigem a anteposição do pronome em relação ao verbo, como nas frases negativas; nas orações iniciadas com pronomes e advérbios interrogativos; nas situações em que o verbo vem antecedido de certos advérbios como «bem», «mal», «ainda», «já», «só», «talvez»; quando o sujeito da oração, anteposto ao verbo, contém o numeral «ambos» ou algum dos pronomes indefinidos «tudo», «todo», «alguém», «qualquer», «outro»; nas orações alternativas; nas frases enfáticas; nas frases começadas por palavras exclamativas, nas orações subordinadas, etc. Assim, assistimos a enunciados em que não se produz a próclise como seria desejável: e) * «Ambos questionavam-se sobre a pertinência do voto» em vez de «Ambos se questionavam sobre a pertinência do voto». Conjugação de 2ª pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo Não é raro ouvir formas verbais como «* tu quisestes», em vez de «tu quiseste». 172
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Uma vez que as segundas pessoas do singular e do plural do pretérito perfeito do indicativo não têm os mesmos sufixos flexionais que as formas homólogas dos restantes tempos verbais, verifica-se a tendência de acrescentar erradamente um <-s> final na segunda pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo por analogia linguística com o <-s> das restantes formas verbais na mesma pessoa. Ortografia A utilização da hifenização em formas verbais que não a requerem é demasiadas vezes fruto de erros: f) * «Como te sentis-te na altura?» g) * «Escolhe-mos um livro para ler-mos e depois comentar-mos.» Assiste-se, pois, a erros que incidem sobre a ortografia da segunda pessoa do singular (f), bem como da primeira pessoa do plural do presente e/ou do pretérito perfeito do indicativo e do infinitivo pessoal (g) em que se confunde a terminação de pessoa com a contracção do pronome pessoal, forma de complemento indirecto («me»), com o pronome pessoal, forma de complemento directo («os»). A confusão entre a forma de 3ª pessoa do singular do presente do indicativo do verbo «trazer» («traz») e a preposição «trás» são igualmente fonte de equívocos. Conjugação de verbos derivados A conjugação errada de verbos derivados é comum: h) * «Se nós não intervimos, o curso perde credibilidade.» Ora, sendo o verbo «intervir» um composto de «vir», o futuro do conjuntivo terá de ser «interviermos». Regência preposicional Em relação a questões que se prendem com a regência preposicional, podemos encontrar várias situações. Por um lado, podemos assistir ao uso da preposição incorrecta, como no exemplo seguinte: i) * «A Ana pegou no telefone e ligou para alguém que se encontrava dentro das instalações.» O verbo «ligar» pede a preposição «a» quando é seguido do complemento indirecto, quando se trata de pessoas, e «para» quando é seguido do complemento circunstancial de lugar, quando se trata de locais. No entanto, na perspectiva descritiva da língua, e porque a língua actualiza-se no uso que os falantes fazem dela, esta importação do Português do Brasil está a afirmar-se, verificando-se actualmente um fenómeno de 173
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polissincronia na convivência entre as duas preposições para o mesmo contexto. Por outro lado, assiste-se à falta do uso da preposição «de»: j) * «Esclareço-o que a instituição é alheia à sua situação.» Mas se por um lado, por uma questão de economia linguística, os falantes cortam no uso desta preposição, por outro, através do fenómeno de hipercorrecção, introduzem a preposição «de» quando não é necessária: k)* «O João julga de que vai passar no exame.» Uso do particípio passado Assiste-se à utilização de formas que importam as terminações dos particípios de verbos irregulares para verbos regulares, que têm bem definidos os particípios passados: l) * «Tenho ouvisto por aí.» Por sua vez, não é raro também o desaparecimento de alguns particípios passados regulares, mais uma vez devido a fenómenos de hipercorrecção e de economia linguística que vão tornando, pelo uso da língua, algumas formas «estranhas» a quem não domina as regras. Na verdade, o uso dos particípios duplos leva cada vez mais a que a regra inicial não seja cumprida com a desculpa de que «não soa bem». «Não soa bem», porque a generalidade dos falantes vai abandonando a norma e actualizando a língua. Assim, o correcto, segundo uma perspectiva perscritiva-normativa, seria: m) «Temos ganhado muitos jogos» e «Foram ganhos muitos jogos.» n) «Temos gastado muito dinheiro» e «Foi gasto muito dinheiro», uma vez que nos particípios duplos a forma mais longa (regular) é usada com os auxiliares «ter» e «haver», e a forma contraída (irregular), com os verbos «ser» e «estar». O verbo «haver» Finalmente, para além de questões que se prendem com a conjugação errada de formas deste verbo, é frequente a produção de enunciados como: o) * «Vão haver limitações de trânsito.» p) * «Houveram muitos acidentes.» Como o verbo «haver» no sentido de «existir», não tem plural, deve utilizar-se na terceira pessoa do singular. No sentido de «existir», o verbo «haver» é utilizado sempre na 3.ª pessoa do singular, independentemente de se lhe seguir uma palavra no plural. Assim, diremos/escreveremos «há limitações»; «houve acidentes». Se estiver conjugado com um auxiliar, a regra mantém-se: «vai haver limitações»; «vai haver acidentes». 174
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Concluindo, abordámos aqui sumariamente apenas parte dos problemas relacionados com o domínio do uso verbal. Alguns advêm de razões e explicações sociolinguísticas, mas todos têm repercussões na competência comunicativa dos falantes de língua portuguesa. Confrontados, em sala de aula, com o enunciado «* A semana passada tenho ido a Lisboa todos os dias», os estudantes têm a intuição linguística para emitir juízos sobre a gramaticalidade da sequência. Não sabem, no entanto, explicar a nãogramaticalidade, nem classificar a forma verbal como sendo um pretérito perfeito composto do indicativo, nem tão-pouco explicar a falta de coerência da frase. A este uso intuitivo da língua exige-se o uso competente da língua. Não falamos apenas da importância da competência linguística para os futuros profissionais de educação, mas para todos os que trabalharem com a língua como profissionais de comunicação e todos os que queiram ser cidadãos que possam exercer a sua acção sobre a realidade – porque viver em sociedade implica comunicar bem. A importância do estudo do verbo possibilita o desenvolvimento de aptidões, capacidades e atitudes. Ensinar gramática não pode deixar de passar pela planificação de actividades que levem ao conhecimento das regras/normas da língua (função normalizadora), mas significa igualmente preparar para o domínio de competências que o estudante pode explorar numa perspectiva original (função criativa). Resumindo, o ideal é aliar o conhecimento empírico da língua com a consciência crítica sobre a mesma, por forma a perceber que a linguagem é acção, e que deve ser cada vez mais correcta, adequada e fluente.
Bibliografia Coelho, M. C. (coord.) (2002). Programa de língua portuguesa, 10.º, 11º e 12º anos, Cursos gerais e cursos tecnológicos. Lisboa: Ministério da Educação, Departamento do Ensino Secundário. Cunha, C. & Cintra, L. (1989). Nova gramática do português contemporâneo. Lisboa: Sá da Costa. Marques, A. (2006). Tento na língua!... Lisboa: Plátano Editora. Mateus, M. H. & Brito, A. M., Duarte, I., Faria, I. H. (1994). Gramática da língua portuguesa. Lisboa: Caminho. Nery, J.(1993). Na casa da língua moram as palavras. Porto: Edições Asa. Sim-Sim, I., Duarte, Inês, Ferraz, M. J. (1997). A Língua materna na educação básica. 175
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Competências nucleares e níveis de desempenho. Lisboa: Departamento da Educação Básica. Vilela, M. (1999). Gramática da língua portuguesa. Coimbra: Almedina.
Notas 1 Cf. Lola Geraldes Xavier, comunicação apresentada no “III Colóquio sobre a Gramática”, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (18-20 de Abril de 2002): «O verbo e os estudantes ou os estudantes sem rumo (verbo): para uma breve perspectiva do ensino do verbo em Portugal» (texto policopiado). 2 A proposta de Março de 2008, da Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, sobre as «Orientações Didácticas para o trabalho do Funcionamento da Língua em sala de aula» para os ensinos básico e secundário vem sistematizar os conteúdos a trabalhar por ciclo/nível de ensino de uma forma mais clara e coerente. Resta saber como essa actualização vai ser feita na prática. 3 http://www.educare.pt/educare/Actualidade.Noticia.aspx?contentid=3E471 BA7DCF23BF0E04400144F16FAAE&opsel=1&channelid=0.Consultado em Maio de 2008. 4 Todos os enunciados com * estão gramaticalmente errados, numa perspectiva prescritiva-normativa. Correspondência
Lola Geraldes Xavier Escola Superior de Educação de Coimbra, Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 COIMBRA lola@esec.pt
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Organizational change and job satisfaction: the mediating role of organizational commitment
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Daniel Roque Gomes Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra Resumo
A mudança organizacional é uma área de acção de crescente preponderância para o desenvolvimento estratégico das organizações. Gerir eficazmente processos de mudança organizacional representa um imperativo de sucesso para organizações competitivas, bem como uma solução de resposta aos constrangimentos internos e externos que lhes são impostas. O presente estudo pretende averiguar em que medida a eficácia percebida na gestão dos processos de mudança organizacional se encontra associada à satisfação com o trabalho, e de que forma a implicação organizacional actua nesta relação. Participaram neste estudo 152 colaboradores de uma organização do sector hoteleiro, que responderam voluntariamente a um questionário composto por medidas de implicação organizacional, percepção de eficácia na gestão de processos de mudança e satisfação com o trabalho. Os resultados evidenciam que a implicação afectiva exerce um efeito mediador na relação entre a percepção de eficácia na gestão de processos de mudança e a satisfação com o trabalho. Conclui-se que a eficácia na forma como os processos de mudança organizacional são geridos influenciam positivamente o vínculo afectivo com a organização, o que, por seu turno, conduz a uma maior satisfação com o trabalho. A importância destes resultados e destas conclusões é discutida e interpretada sob o ponto de vista das mais-valias associadas à gestão da mudança para o desenvolvimento das organizações e ao papel dos recursos humanos neste contexto.
Palavras-chave:
Mudança organizacional, Implicação de colaboradores, Satisfação com o trabalho
Abstract
Organizational change is a growing area of importance for modern organizations’ strategic development. Managing effective organizational change processes represents an imperative of success for competitive organizations. This study intends to clarify the relation between perceived efficacy of organizational change processes and job satisfaction, and also, the role of organizational commitment in this relation. Participants of this study were 153 workers of the hotel business industry, which voluntarily responded to a questionnaire composed of measures of organizational commitment, perceived efficacy of organizational change processes and job satisfaction. Main results showed that organizational commitment exerts a mediational effect in the 177
exedra â&#x20AC;˘ 1 â&#x20AC;˘ Junho 2009 relation between perceived efficacy of organizational change processes and job satisfaction. Main conclusion is that the way the organizational change processes are perceived to be effective lead to an affective bond with the organization, which in turn, leads to job satisfaction. The relevance of the results and conclusions are interpreted focusing the impact of organizational change on relevant organizational behaviour dimensions, such as commitment and job satisfaction. The role of organizational communication and human resources management in these contexts are also discussed.
Key-words
Organizational change, Commitment, Job satisfaction
Introduction In the present market structures, organizations are strongly interested in implementing decision making processes that allow improving their internal and external functioning (Caetano, 1999). Competitive market dynamics have been pressuring organizations to develop a series of actions in order to stimulate their strategic development. This fact has been leading organizations to be focused on developing learning capabilities, in order to deal with all the complexity, diversity and challenges that describe the environments where they act (Ulrich, 1998). Managers have already concluded that knowing how to change and when to change has become critical for survival in modern economies. Managing organizational change processes is a strong challenge for organizations, as it represents a path in which they can build up structured courses of action in order to become more effective (Robbins, 1999). Identifying the reasons for developing a change process is just as critical as accompanying the change and evaluating it. Managing organizational change processes raises key issues that need to be understood and controlled, notably, the ones allied to the perceived consequents of a change process. To understand its effects on workers relation with the organization is an important question. Following this line of reasoning, it is relevant to consider that an organizational change process, regardless of its intentions, generates a perceived efficacy by the workers. This fact may be responsible for generating important organizational behavior indicators, such as organizational commitment and job satisfaction. This study aims to explore the relation between the perceived efficacy of a organization change process and organizational commitment, and also with job satisfaction.
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Understanding organizational change Defining organizational change is a difficult task, given the plethora of meanings that are available in literature. We can understand organizational change as any structural, strategic, cultural, human or technological transformation, capable of generating impact in an organization (Wood, 2000). We can also view organizational change as a set of scientific theories, values, strategies and techniques which aim to change the work environment in order to stimulate the organizationâ&#x20AC;&#x2122;s development (Porras & Robertson, 1992). Despite the heterogeneity of definitions available to characterize organizational change, we can overall define it as a process that is activated by an organization in order to respond to a resolute need for development. Given that current economies and markets are characterized as being competitive and turbulent, the prospective ranges of actions and demands for change that organizations face are very wide. Managing organizational change is still a challenge for many managers, despite being an area of research that has generated significant amount of knowledge over the years (eg. Bartlett & Ghoshal, 1994; Palmer & Dunford, 1996; Tsoukas & Chia, 2002). This fact is directly related with the need for efficacy in all steps of a change process, when dealing with all the emerging complexity and demands involved in it. This embraces a clear need for having a mind-set of understanding what type of organizational changes may exist and how they can be best understood. A simple way of clearing some of these doubts is to understand that not all changes have the same degree of deepness or nature. It is in this perspective that the literature fluently mentions a first and second degree of organizational changes, as well as planned and unplanned changes (eg. Van de Ven, & Poole, 1995; Weick, 2000). While a first degree organizational change is superficial and incremental, a second degree organizational change is a deeper one. We can define a first degree change as being linear and continuous, involving adjustments in the characteristics of the organizationâ&#x20AC;&#x2122;s systems that can occur on a day-to-day basis (Weick & Quinn, 1999). A second degree change is a multidimensional one, as it can be multileveled, and have radical characteristics, which clearly aims at ending an existing organizational paradigm, while giving place to a new one (Porras & Robertson, 1992). Concerning the nature of organizational change, the literature also characterizes organizational change as being able to be planned or unplanned. Within this perspective, a planned change assumes that a change process is developed in order to guarantee that the organization becomes more adjusted to the demands it faces (Van de Ven & Poole, 1995). It assumes that it is a type of change that can be programmed and 179
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managed, as it has a certain degree of rationality involved in it. Kurt Lewin’s frame for reasoning organizational change has had strong applicability in this type of change over the years, stimulating several proposals for managing organizational change processes (Lewin, 1965; Schein, 1987). On the other hand, an unplanned change demands another kind of framing, as it is characterized as a result of an adaptation for contingencies in the absence of a pre-established plan of action (Bulgerman, 1991). It assumes that change is unlikely to be captured holistically by the organization, and therefore, it is difficult to be predicted by managers (Weick, 2000). From the managers’ point of view, the consequents of these processes are clearly focused on updating, renewing or re-structuring an organization, in order for them to become more prepared to deal with external and internal complexity (Robbins, 1999). Involving the employees in these types of processes is a good strategy, as the employees’ resistance to change is a critical variable to be controlled (eg. Hannan & Freeman, 1989; Nutt & Backoff, 2001). Managers’ major concern is effectiveness with change, and choosing the right steps towards it. From the employees’ point of view, however, the concerns are different. Uncertainties with the consequents of change and with the impact of change on their work are common concerns. Perceiving in what way the change process will benefit them or not in the organization, or if the usefulness of their jobs will be maintained after the change process are other common issues (Nanda, 1999). Following this line of reasoning, it is important to understand the relation between the perceived effectiveness of change processes and relevant organizational behaviour indicators. Consequently, this study’s primary goal is to explore and to understand in what way perceived effectiveness of organizational change processes affects organizational commitment and job satisfaction. The reason for electing commitment and job satisfaction variables for this exploratory study is that they consist of variables that are commonly claimed by literature as being nuclear in organizational behaviour (eg. Locke & Latham, 1990; Schappe, 1998; Jayaratne, 1993; Brief, 1998). Understanding organizational commitment and job satisfaction Organizational Commitment has received considerable attention in literature, regarding not only the evaluation of its determinants, but also its consequents. The reason for this interest provided by literature is due to the fact that commitment has been associated with several relevant organizational indicators, such as organizational citizenship behaviours (e.g. Schappe, 1998), job characteristics (e.g. Lin e Hsieh, 2002), organizational trust (e.g. Korsgaard, Schweiger & Sapienza, 1995). The 180
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existing empirical evidence has led to consider the relevance of this indicator has an important variable for organizational behavior analysis. This construct can be defined as a psychological attachment between an individual and an organization (Kuehn & Al-Busaidi, 2002). It can also be defined as the existing strength of identification between an individual and an organization (Schappe, 1998). Several theoretical debates have occurred in the literature on the subject of the sense of organizational commitment, has it has been conceptualized as an attitude (e.g. O´Reilly & Chatman, 1986), and also as a behavior (e.g., Hullin, 1990). The attitudinal view of organizational commitment gained a significant amount of followers throughout the time. Meyer and Allenâ&#x20AC;&#x2122;s Organizational Commitment Model (1997) follows the attitudinal view of this construct, and is regarded has a highly influential model in this area of research (e.g. Tavares, 2000; Gomes, 2006). The model proposes three components of commitment: affective (willingness to maintain in an organization due to an existing affection); continuance (willingness to maintain in an organization due to a belief that it is advisable to do so); normative (willingness to maintain in an organization as it is the moral and ethical option). Affective organizational commitment is described by the literature as the most important component for the purpose of understanding organizational behavior, as most research efforts have been made in order to clarify its mains predictors and consequents (Tavares, 2000). This component is clearly defined as the emotional attachment of identification and involvement, established between workers and an organization (Meyer & Allen 1997). Workers who are affectively committed to an organization, maintain in it because they like the organization and have the willingness of continuing in the organization. This type of commitment is highly characterized with a great understanding and match of values between the individual goals and the organizational goals. Affectively committed workers are in the disposition of exerting considerable efforts for benefiting the organization, as well as having strong intention of maintaining in it (Lillian, Freeman, Rush & Lance, 1999). According to Meyer and Allen (1997), affectively committed workers are expected to have a set of positive reactions and behaviours in workplaces, as well as willingness to contribute for the organization purposes. The effects of affective organizational commitment have been a clear focus of literature, especially regarding its consequences on workers performances. Following this line of reasoning, the literature has been relating affective organizational commitment with absenteeism (eg. Hackett, Bycio, & Hausdorf, 1994), turnover intentions (eg. Somers, 1995), organizational citizenship behaviours (Meyer e Allen, 1997), organizational perception of justice (eg. Randall 181
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& Mueller, 1995; Viswesvaran & Ones, 2002), and job satisfaction (eg. Rue & Byars, 2005; Chen, 2007). Just like organizational commitment, job satisfaction is regarded as one of the most representative dimensions of organizational behavior (Ghazzawi, 2008). It is defined as positive feelings about one’s job based on one’s evaluation of the characteristics of the job (Robbins & Judge, 2007). It can be also be defined as a positive emotional state that results from the evaluation of the experiences given by the job (Locke, 1976), or as a set of feelings and beliefs that a person has about his job (George & Jones, 1999). The interest of literature in studying job satisfaction is strongly related with the fact that job satisfaction has the potential “to affect a wide range of behaviors in organizations and contribute to employees’ levels of wellbeing” (George & Jones, 2008, p. 84). It is also related to the assumption that more satisfied workers are also more productive. This direct relation, however, has been proving to be non-existing, contradicting this popular and intuitive supposition (Staw, 1986). Existing research has been pointing to the existence of four main general factors that may lead to job satisfaction: the worker’s personality; the worker’s values; the social influence; the work situation itself (Ghazzawi, 2008). The worker’s personality affects how he thinks about a job, either being more positive or more negative. For example, a person high on extraversion personality trait is more likely to have a higher level of job satisfaction, when compared with a worker who is low on that same trait (George & Jones, 2008). The basic conclusion is that a person’s disposition affects the job attitudes, which will reflect on job satisfaction (Ghazzawi, 2008). Literature also points out that job satisfaction is related with the convictions that a person has about the job. The values are important factors for understanding job satisfaction, as it is well-established that intrinsic (valuing the job itself) or extrinsic (valuing the outcomes of the job) orientation work values relate differently to job satisfaction (eg. George & Jones, 2005; Ellickson, 2002). The basic conclusion is that a worker who has intrinsic orientation of work values is more likely to be satisfied with it, when compared to a worker with extrinsic orientation (George & Jones, 2005). The social influence is also an important factor to account for, in order to understand job satisfaction. It is related with the influence that individuals or groups have in the evaluation of the job. Literature has been providing evidence of the relation between social influence factors and job satisfaction (George & Jones, 2008). The work situation is one of the most important determinants of job satisfaction. The degree of challenges, the type of tasks and responsibilities, or the types of interactions that a person might have on a day-to-day work are the commonly used 182
Daniel
Gomes
â&#x20AC;˘
Organizational
change
and
job
satisfaction
predictors of job satisfaction (eg. Huselid, 1995; Yazel, 2001). Within this line of reasoning, these types of predictors relate with the core of some organizational change processes. Many organizational changes occur based on dealing with changes in the responsibilities of workers, theirs tasks and with the re-structuring of workplaces. Understanding the relation between organizational change and job satisfaction is logic to explore. The role of affective organizational commitment should also be considered in the context of this relation, as the bond between the individual and the organization may play a key-role in this relation. Hypotheses and model of analysis According to Cohen (1999), organizational changes may occur in every area of an organization. Introduction of new technologies, workforce rearrangements, job designing, downsizings, are typical organizational changes in current competitive markets. The literature is clear in stating that the way how the process of change is managed affects directly the behavior of the workforces of the organization (Cohen, 1999). As a result, it seems important and logic to realize in what way the perceived evaluation of change affects the relation between the individual and the organization. This studyâ&#x20AC;&#x2122;s primary goal is to understand the relation between perceived organizational change efficacy and two important organizational behavior constructs: organizational commitment and job satisfaction. The relation between perceived organizational change efficacy and job satisfaction should be positive and meaningful. The reason for this assumption is that perceived efficacy of change is positioned on the level of work situation determinants of job satisfaction, as it is related with the perceived impact of the changes in the workplace. As referred earlier, the work situation determinants are the main predictors of job satisfaction (George & Jones, 2008). The first hypothesis of this study is that organizational change perceived efficacy is related with job satisfaction. As referred to earlier, affective organizational commitment refers to a bond between an individual and an organization (Kuehn & Al-Busaidi, 2002). The way how the workers understand a change process and regard it as being useful should increase organizational affective commitment, because it is being perceived as favoring the organization, and consequently its workforces. Also, an effective change process should be grounded on the involvement of the workers in it, and thus, it is logical to assume that positive perceptions of change efficacy should increase affective organizational commitment. Following this sense of reasoning, this studyâ&#x20AC;&#x2122;s second hypothesis is that organizational change perceived efficacy is related with affective 183
exedra â&#x20AC;˘ 1 â&#x20AC;˘ Junho 2009
organizational commitment. Also, affective organizational commitment and job satisfaction are commonly regarded by literature as being positively related (eg. Liu & Norcio, 2008). The proposal of this exploratory study is to question if affective commitment is a part of a process that starts in change perceived efficacy and leads to job satisfaction. Following this sense of reasoning, the third hypothesis is that affective organizational commitment mediates the relation between organizational change perceived efficacy and job satisfaction. The reason for this mediation hypothesis is the assumption that the way how a worker perceives efficacy of a change process will contribute to generating a bond with the organization, which in turn, will lead to job satisfaction. The question of causal order between commitment and job satisfaction has been debated in literature (Bluedorn, 1982; Johnston, Charles, Pasuranaman & Sager, 1988). Despite the literature appearing to favor the causal precedence of job satisfaction in the relation with affective commitment (Reichers, 1985), having perceived change efficacy as a predictor, for this exploratory study, it seems more logical to understand the relation with job satisfaction as the criteria variable, and to understand if organizational commitment is a mediator of this process. Figure I shows the simplified model of analysis considered for this study.
H2
Affective Organizational Commitment
H3
H3 Organizational Change Perceived Efficacy
H1 Job Satisfaction
Figure I. Model of Analysis
Method Sample and procedure 153 workers of an organization of the hotel business industry voluntarily participated in this study. This sample had predominantly male participants (55%), and integrated all the work areas of the organization (5 work areas of the hotel business industry). Education degrees varied from basic instruction (30%), mandatory graduation (50,7%) to higher education and master degree (19,3%). 184
Daniel
Gomes
•
Organizational
change
and
job
satisfaction
Each participant responded to a questionnaire that contained the measures of the study variables in a hotel room, specifically prepared for the data collection. The instructions informed that they were participating in a study that was designed to understand how they evaluate their organization. The construction of the instrument observed to several criteria in order to minimize and control the impact of potential systematic errors (Podsakoff, Mackenzie, Lee & Podsakoff 2003). Major concerns were focused on controlling errors derived from: (1) items characteristics (item adaptation had in consideration the need to be clear and specific; a seven point scale was used in order to have metric gains as the equidistance between all points of the scale were assured (Foddy, 1993; Moreira, 2004); some items were reversed in order to avoid acquiescence error); (2) context of the items (the instrument dimension was optimized in order to exclusively accomplish the study purposes; combinations of items of different constructs in the same sections of the questionnaire). Measures Organizational change perceived efficacy. Two items were built for accessing this variable. Sample item includes: “In this organization, change processes are implemented with efficacy”. The items were measured using a seven point scale from 1 (Strongly Disagree) to 5 (Strongly Agree). Affective organizational commitment. Six items were taken from Meyer and Allen (1997), and Caetano and Vala (1999) were used to build this measure. Sample item includes: “I feel myself affectively bonded to this organization”. Items were measured using a seven point scale from 1 (Strongly Disagree) to 7 (Strongly Agree). Job satisfaction. Two items were taken from Alcobia (2001). Sample item includes: “I am highly satisfied with my work conditions”. All items were measured using a seven point scale from 1 (Strongly Disagree) to 7 (Strongly Agree).
Results The Harman test was performed in order to assure that the collected data do not account for a significative amount of common method bias (Podsakoff, Mackenzie, Lee & Podsakoff, 2003). Subsequently, an exploratory factorial analysis (EFA) with varimax rotation was conducted including all the items of the variables of the model of analysis. This procedure was performed in order to assure the dimensionality of the questionnaire and to guarantee that each variable constitutes an independent construct for this sample. All severe outliers were deleted. Table 1 shows the results of the 185
exedra • 1 • Junho 2009
EFA performed, with ten items loaded, which resulted in a three factor structure, corresponding to the study variables, and accounting for 66% of the common variance. Composite variables were built based on the factorial weights (items with factorial weights above .40 (meaning that the items are relevant for interpreting the factor in reference (Hair, Anderson, Tatham and Black, 1998) were admitted in the corresponding factor). Content criteria for items positioning in accordance with the factors of this study were also applied. n Table 1. Factor analysis of the variables included in the study (varimax rotation) Factorial Weights 1 2 3
Affective Organizational Commitment I feel myself affectively bonded to this organization I don´t feel I belong to this organization* Even if I was offered a better pay job, I would maintain in this organization I am proud of working for this organization I don’t feel the problems of this organizations as my own problems* This organization has great personal meaning for me Organizational Change Perceived Efficacy In this organization, change processes are implemented with low efficacy* In this organization, adaptation problems related to change are resolved with efficacy Job Satisfaction I am highly satisfied with my work conditions When considering all aspects of my work, my degree of satisfaction is high Extraction Method: ACP Rotation Method: Varimax with Kaiser Normalization.
,848
,175
,025
-,786
,013
,149
,762
,113
,069 ,400
,648
,066
-,631
,495
,236
,628
,235
,062
,123
-,819
,110
,161
,813
,089
,116
,040
,876
,148
,209
,824
* Inverted items in the original scales KMO: .834
Table 2 shows the means, standard deviations, inter-item correlations, and reliabilities for all variables. The multi-item scales reliability and item-correlations (for variables composed with only two items) were all good and correlated at p ≤.01. It is possible to verify that organizational change perceived efficacy is positively and meaningfully correlated with affective organizational commitment (r = ,36), as well as with job satisfaction (r = ,25). As expected, these evidence provides support for the study’s first and second hypotheses. 186
Daniel
Gomes
•
Organizational
change
and
job
satisfaction
n Table 2. Descriptive statistics and correlations Variables
Means
Standard Deviation
1
1. Organizational Change Perceived Efficacy
3,2 b
0,87
.48 c
2. Affective Organizational Commitment
5,0 a
1,25
.36
3. Job Satisfaction
5,1 a
1,13
.25
2
3
.32
.48 c
All variables intercorrelated at p ≤.01 a. 7 points Likert scales; b. 5 points Likert scales; c Inter-Item Correlation; Cronbach Alpha reported in parentheses
In order to test the mediation effects proposed on this study’s fourth hypothesis, we followed Baron and Kenny’s (1986) linear regression method1. According to the authors guidelines, to verify the existence of a mediation effect, the following conditions should be assured: (1) the predictor variable should affect the mediator variable in the first regression equation; (2) the predictor variable should be affected by the dependent variable in the second equation; (3) the mediator variable should affect the dependent variable in the third regression equation. Following the steps of the mediation procedure, it was verified that organizational commitment and organizational change perceived efficacy (step one) were positively related (β=,120; p<.01) (Table III). n Table 3. Regression of the mediator on the predictor Unstandardized Coefficients Model
1 Affective organizational commitment
B
Standardized Coefficients
Std. Error
,246
,053
Beta
t
Sig.
,355
4,630
,000
Dependent Variable: Organizational change perceived efficacy
Then, it was verified that organizational change perceived efficacy and job satisfaction (step two) revealed also positive relation (β=,253; p<.01; R2 Adjust.=,058) (Table IV). n Table 4. Regression of the predictor variable on the criteria Unstandardized Coefficients Std. B Error
Model
1
Organizational Change Perceived Efficacy
,332
Dependent Variable: Job satisfaction
187
,106
Standardized Coefficients Beta
t
Sig.
,253
3,141
,002
exedra • 1 • Junho 2009
When controlling affective organizational commitment (table V) the relation between organizational change perceived efficacy and job satisfaction (step three), became non-significant (β=,157; p>.05), and the effect of affective organizational commitment in job satisfaction was positive and significant (β=,263; p<.01; R2 Adjust.=,112), revealing a full mediation of affective organizational commitment in this relation. n Table 5. Regression of the predictor variable on the criteria, controlling the mediator
Model 2
Organizational Change Perceived Efficacy Affective organizational commitment
Unstandardized Coefficients B Std. Error
Standardized Coefficients Beta t
Sig.
,206
,110
,157
1,869
,064
,240
,076
,263
3,134
,002
Dependent Variable: Job satisfaction
According to these results, when controlling affective organizational commitment, the effect between Organizational Change Perceived Efficacy and Affective organizational commitment is non-significative. In addition, we further tested the present model using Sobel Test (Sobel, 1982). The purpose of this test is to verify whether a mediator carries the influence of an independent variable to a dependant variable. This test proposes the following equation for estimating indirect effects: Z-value = a*b/SQRT(b2*sa2 + a2*sb2). The reason for complementing this analysis with this methodology is that it permits evaluating more directly the indirect effects, and may be regarded as a complementary analysis of the mediation steps proposed by Baron and Kenny (1986). Sobel Test is also characterized as being a restrictive test, and as so, assures that the verified results are not derived from colinearity issues. In the present study, the test value verified was Z= 3.07816579; p=0.002. Figure II shows the simplified results of the proposed model. Z= 3.07816579; p=0.002
β =.355
Organizational Change Perceived Efficacy
Affective Organizational Commitment
β =.263
Job Satisfaction
β = .253; β = n.s.
Figure II. Simplified results of the proposed model
These results points out that the way how organizational change processes are perceived to be effective lead to an affective bond with the organization, which in turn, leads to job 188
Daniel
Gomes
â&#x20AC;˘
Organizational
change
and
job
satisfaction
satisfaction. This result has important consequences both for human resources management and organizational communication practices that will be discussed. Discussion and conclusions As previously stated, understanding the consequents of perceived change efficacy is a relevant issue for organizational behaviour, notably in clarifying the established relation with important organizational indicators such as affective organizational commitment and job satisfaction. The main goal of this study was to clarify the relation between organizational change perceived efficacy and affective organizational commitment, and also with job satisfaction. It was proposed a mediational model for explaining the path between perceived change efficacy and job satisfaction. Main results have confirmed the proposed model of analysis, pointing that affective organizational commitment is a mediator of the process between perceived change efficacy and job satisfaction. These results are consistent with some clues retrieved in literature, and also with some results that pointed the importance of evaluating the relevance of job satisfaction and affective organizational commitment as consequents of perceived change efficacy, and also regarding the relation between affective organizational commitment and job satisfaction (eg. Johnston, Charles, Pasuranaman & Sager, 1988; Nutt & Backoff, 2001; Liu & Norcio, 2008). Main results of this study point to empirical and practical implication that should be made clear, both to human resource and organizational communication managers. From the empirical point of view, this study proves the impact of organizational change on important organizational dimensions, such as affective organizational commitment and job satisfaction. These dimensions are strongly associated with
important outcomes for any organization, such as absenteeism (eg. Hackett, Bycio, & Hausdorf, 1994), turnover intentions (eg. Somers, 1995), organizational citizenship behaviors (Meyer e Allen, 1997). This study has additionally demonstrated that, with perceived organizational change efficacy as a predictor of organizational commitment and job satisfaction, the causal order between commitment and job satisfaction evidenced the causal precedence of affective commitment, which contradicts some literature trends (eg. Reichers, 1985). This study regarded and justified this causal precedence based on the logic that perceiving effective organizational change efficacy stimulates the development of an affective bond with the organization, as workers may realize that change benefits them, and thus, was developed considering the workers as a criterion for change. Also, perceiving change efficacy clearly invites reasoning the importance of involving the workers with change, and thus, job satisfaction should 189
exedra â&#x20AC;˘ 1 â&#x20AC;˘ Junho 2009
arise as a consequence of the relation between perceived change efficacy and affective organizational commitment. From a practical point of view, this study brings important ideas, both for human resources as to organizational communication managers. Human resources managers should be aware that developing change processes affects the bond between organization and workers. In addition, change processes affect indirectly the relation with job satisfaction. Developing change processes should be performed with the criteria of involving the workers in it, as its impact on workers performance is evident. Organizational communication managers should be aware that organizational change processes should be accompanied with the concern of informing, involving and integrating the workers in the change process. Informing the workers of all consequences and expectations with the change seems to be an adjusted strategy. Planning internal communication practices should be made with the concern of maximizing the potentialities of the organization to inform and to include the workers in the change process. Planning internal communication practices through using diversified communication channels for approaching the workers with the organization seems to be also an adjusted internal communication strategy. Study limitations The main conclusions as well as the theoretical, empirical and practical implications of this study should be read with some conditionings. Regarding the internal validity, this study is not immune to some potential systematic common method errors, notably, errors inserted by the measure context, despite all procedures and efforts to minimize and control them. In what relates to the external validity, the obtained results may not be generalized to other cases beyond the hotel business industry. Its generalization potential advises some restriction to this sector, as it is guided by specific rules, notably the characteristic of standardization of procedures as a privileged job coordination method. For future research, we suggest the replication of this study within another business industry, as it is pertinent to verify if these results maintain their stability among industries with different characteristics.
190
Daniel
Gomes
•
Organizational
change
and
job
satisfaction
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Gomes
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Organizational
change
and
job
satisfaction
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Daniel
Gomes
•
Organizational
change
and
job
satisfaction
Notes 1 All previous tests for validating the following regression model were fulfilled, notably: linearity of the study phenomenon; randomized residual variables with null expected value; inexistence of multicolinearity; homocedasticity; normal distribution of the randomized variables; independency of the residual randomized variables. Regression analyses were performed with centered variables, as the initial variables had different scales. Correspondência Daniel Roque Gomes Escola Superior de Educação de Coimbra, Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 COIMBRA drmgomes@esec.pt
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exedra • 1 • Junho 2009
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