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Juventude negra está sendo eliminada, aponta pesquisa do Ipea
Jornal Oficial da Igreja Metodista | Novembro de 2019 | ano 133 | nº 11
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Página 8 CONSCIÊNCIA NEGRA Juventude negra está sendo eliminada, segundo pesquisa
Conscientização
No dia 20 de novembro temos uma data importante a ser lembrada – o Dia da Consciência Negra. Por trás da data, há muita história a ser contada, mas nem sempre o passado foi superado. No dia 13 de maio de 1888, foi sancionada pela Princesa Isabel a Lei Áurea, que proíbe a escravização de pessoas em todo o território brasileiro. O Brasil foi o último grande país ocidental a eliminar a escravidão e, como aconteceu na maioria dos outros países, não se criou um sistema de políticas públicas para inserir os/as escravos/as libertos/ as e seus/as descendentes na sociedade, garantindo a essa população escravagista os direitos humanos, saúde, alimentação e moradia, além do estudo formal para a conquista de posições no mercado de trabalho.
O racismo no Brasil ainda é muito forte, basta olhar a pesquisa no Atlas da Violência 2019, o qual aponta que 75% dos homicídios no Brasil são de pessoas negras. Um pastor metodista e integrante do Movimento Negro Evangélico em Salvador/
BA acredita que há uma dizimação da população negra no país. Segundo seu depoimento na entrevista publicada na página 10, “Está em andamento um extermínio da juventude negra no Brasil”. Isso é comprovado na Pesquisa do Ipea, de onde trouxemos esses dados.
Para nos aprofundar no assunto, também trouxemos na Palavra Episcopal deste mês a reflexão do Bispo Luiz Vergílio, que faz um resgate histórico das raízes libertárias do evangelho. O artigo de um historiador em culturas da África traz perguntas intrigantes sobre o papel da Igreja nesse contexto da Consciência Negra. Fechamos a edição sobre o tema na página da criança com a história contada pela Rebeca dos Aventureiros em Missão. Afinal, as crianças precisam aprender desde pequenas que somos todos/as iguais. © R Y A N J L A N E / I S T O C K P H O T O . C O M C M Y CM MY CY CMY K
Que Deus o/a abençoe nessa leitura!
Pr. José Geraldo Magalhães Editor-chefe | Expositor Cristão
PALAVRA EPISCOPAL Bispo Luiz Vergílio Batista da Rosa Presidente do Colégio Episcopal e da 2ª Região Eclesiástica
20 de novembro: um olhar na história “O Espírito do Senhor está sobre mim…” (Lucas 4.18)
Em meio à demanda de temas tão complexos, presentes no panorama cotidiano de nosso ambiente eclesiástico e da realidade político-social brasileira, o mês de novembro permite um tempo para refletirmos sobre as questões relacionadas ao racismo e todas as formas de discriminação dele decorrentes. Esse assunto, sempre recorrente nas relações sociais, pode parecer um tanto indigesto para ser tratado nos ambientes de reflexão proporcionados pela Igreja; notadamente pelo fato de que a realidade do racismo tem sido historicamente esvaziada em sua importância e, muitas vezes, negada a sua existência nos espaços evangélicos.
No entanto, a longa e contínua experiência da escravidão como modelo de organização social e de produção de riquezas fez-se pela reificação de povos originários do continente africano; arrastando-se desde a chegada dos primeiros contingentes de africanos/as escravizados/as, em 1539, até o decreto de extinção oficial da escravidão, em 1888, foram mais de três séculos de vigência deste modelo escravocrata que estabeleceu formas de relações sociais injustas e estratificando, de forma desigual, a população entre o segmento negro e pobre e a classe livre e branca, detentora de todo o poder econômico e político. Portanto, faz-se necessário considerarmos que a implantação do metodismo, em nosso País, deu-se na vigência do período da escravidão como um processo natural nas relações sociais. Os reflexos de longo e pecaminoso processo são evidentes em nossos dias, bastando um simples olhar em nosso panorama econômico-social e nos indicadores sociais da população brasileira.
Raízes libertárias do Evangelho
A luta contra o racismo e a discriminação sempre esteve presente ao longo de nossa história. Ela faz parte de nossa compreensão do Evangelho de Cristo que veio para trazer vida e vida em abundância. Precisamos lembrar, por dever de justiça e reconhecimento, que o Rev. Antonio Olímpio de Santana é um dos pioneiros nesta luta institucional contra o racismo e a discriminação, quer na Igreja Metodista, quer no mundo
evangélico, quer nas relações ecumênicas; sendo o inspirador para a Pastoral Nacional.
O movimento metodista teve, sob a inspiração e ação de John Wesley, uma forte tendência libertária. Seu combate contra a escravidão e o tráfico de pessoas africanas estava alicerçado em sua teologia, em sua compreensão bíblico-doutrinária de que a função do evangelho é restaurar em cada pessoa a tríade imagem de Deus: a natural, que compreende a capacidade volitiva; a imagem política, que pressupõe cuidado e mordomia para com a criação; e a imagem moral, que se manifesta de forma relacional com Deus e seus/as semelhantes 1 . Portanto, para ele, a escravidão era a maior vilania que se constituía na maior vilania que se poderia praticar contra qualquer ser humano.
Resistência e Esperança
A experiência de fé em Cristo é revolucionária, transformadora e arrebatadora, tal como o que aconteceu na Rua Aldersgate, Londres, quando o Rev. John Wesley sentiu “o coração estranhamente aquecido”. Esses elementos da experiência individual estabelecem um modo de ser cristão e cristã que não se limita a uma religiosidade que fica contida na esfera pessoal, privada, mas envolve aquilo que é pessoal e íntimo com aquilo que é comunitário e social 2 . Para Wesley, a experiência religiosa que gera amor e paz na alma transforma-se em frutos de não apenas evitar a prática do mal mas das boas obras, espalhando o bem e bem-aventuranças por onde andar e com quem estiver.
O Espírito de Deus, sobre o ministério de Jesus, define sua ação na sociedade: espalhar boas notícias a pessoas despossuídas, libertar pessoas cativas, tirar as algemas… Os traços da escravidão estão muito latentes em nossa sociedade, nas instituições, inclusive nas igrejas. Há que se vivenciar o evangelho libertador de Cristo; de denúncia e de anúncio.
Os desafios de combater o racismo no Brasil
Pr. José Geraldo Magalhães
Em 13 de maio de 1888, foi sancionada pela Princesa Isabel a Lei Áurea, que proíbe a escravização de pessoas em todo o território brasileiro. O Brasil foi o último grande país ocidental a eliminar a escravidão e, como aconteceu na maioria dos outros países, não se criou um sistema de políticas públicas para inserir os/as escravos/as libertos/as e seus/ as descendentes na sociedade, garantindo a essa população escravagista os direitos humanos, saúde, alimentação e moradia, além do estudo formal para a conquista de posições no mercado de trabalho.
Os/as recém-libertos/as foram habitar em locais onde ninguém queria morar, como os morros, na costa da Região Sudeste, formando as favelas. Sem emprego, sem moradia digna e sem condições básicas de sobrevivência, o fim do século XIX e a primeira metade do século XX do Brasil foram marcados pela miséria e sua resultante violência entre a população negra e marginalizada.
Na palavra episcopal deste mês, o Bispo Luiz Vergílio Batista da Rosa relembra as raízes libertárias do evangelho. “Precisamos lembrar, por dever de justiça e reconhecimento, que o Rev. Antonio Olímpio de Santana é um dos pioneiros nesta luta
institucional contra o racismo e a discriminação, quer na Igreja Metodista, quer no mundo evangélico, quer nas relações ecumênicas; sendo o inspirador para a Pastoral Nacional”, afirmou o bispo.
O movimento metodista, destacou o Bispo Luiz, “teve, sob a inspiração e ação de John Wesley, uma forte tendência libertária. Seu combate contra a escravidão e o tráfico de pessoas africanas estava alicerçado em sua teologia, em sua compreensão bíblico-doutrinária de que a função do evangelho é restaurar em cada pessoa a tríade imagem de Deus”.
Para o historiador e Pastor metodista José Roberto Alves Loiola, durante o processo histórico houve um movimento que prejudicou os/as negros/ as. “Através de uma lógica econômica fortemente ancorada em interpretações religiosas e filosóficas, a hegemonia branca europeia se julgou no direito de transformar pessoas africanas negras em mercadoria, propriedade privada ou em ‘coisas’. E nessa chave antropológica europeia, a pessoa negra foi despojada de sua humanidade, ou seja, o racismo anulou, obliterou, fragmentou, matou a alma do negro e da negra escravizados. Então se ‘naturalizou’ que as populações negras, por exemplo, no Brasil, não precisavam estudar, se profissionalizar, ter a sua família protegida pelo
estado ou viver. Sequer podiam ter direito a um sepultamento digno”, disse o Pastor Loiola. Ações no combate ao racismo
A Igreja Metodista brasileira vem se posicionando contra a discriminação racial no país por meio da Pastoral de Combate ao Racismo. No Concílio Geral, em 2011, foi aprovado o Programa Nacional Antirracismo da Igreja Metodista, que está disponível para download no site da Sede Nacional da instituição.
O documento trata o pecado do racismo por vários pontos de vista e sugere trabalhar com enfrentamento do problema dentro das igrejas. Um dos destaques do documento refere-se à comunidade cristã como uma organização ainda tímida para esse trabalho.
“Embora a Igreja comunique a mensagem cristã de salvação plena a todos e todas, e de igualdade perante Deus, no caso das pessoas negras, de modo geral, ela, a Igreja, tem-se omitido ou tem sido muito tímida quanto ao enfrentamento do racismo cultural e institucional que domina na sociedade e nas instituições religiosas”, afirma uma das justificativas do projeto.
O objetivo geral do documento é tornar a Igreja Metodista em um espaço de inclusão e vivência fraternal cristã entre as diferentes etnias, num ambiente de respeito e de conside
ração. Para alcançar esse feito, o programa sugere visibilizar o preconceito, capacitar a igreja sobre os temas ligados ao racismo, produzir material relacionado ao tema e empoderar os/ as oprimidos/as pelo racismo. Também é necessário monitorar a implementação das ações sugeridas por meio da Pastoral de Combate ao Racismo, para verificar o comprometimento e resultados da igreja. Todas as orientações para que esse processo se desenvolva estão organizadas no programa. Pesquisa
O Pastor na Igreja Metodista em Filadélfia no Engenho Velho da Federação (Remne) e integrante do Movimento Negro Evangélico em Salvador/BA, André Rás, acredita que há uma dizimação da população negra no país. “Está em andamento um extermínio da juventude negra no Brasil”, disse o Pastor André em entrevista publicada nesta edição.
Essa realidade apontada pelo Pastor André Rás ficou nítida no Atlas da Violência 2019, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que trouxe mais um dado assustador publicado na edição de junho deste ano: 75,5% das vítimas de homicídio no Brasil são negras, maior proporção da última década. O crescimento nos registros de as
sassinatos no país, que atingiu o maior índice em 2017, alcançou principalmente essa parcela da população, para quem a taxa de mortes chega a 43,1 por 100 mil habitantes; para os/as não negros/as, a taxa é de 16. Segundo o estudo, a proporção é a mais alta da década. Assassinato é causa de metade das mortes de jovens. De acordo com a pesquisa, somente no ano de 2017, aconteceram 65,6 mil homicídios, o que equivale a 179 casos por dia.
Apesar de as vítimas negras serem maioria nos registros da pesquisa do Ipea e do FBSP, o dado de 2017 mostra que essa prevalência tem crescido. Em 2007, por exemplo, os/as negros/as correspondiam a 63,3% dos assassinatos, proporção que aumentou continuamente até atingir 75,5% em 2017 – foram 49,5 mil homicídios contra negros/as naquele ano e 16 mil de não negros/as.
O estudo identifica dois fenômenos no país: enquanto mais estados reduzem a taxa de letalidade violenta, há forte crescimento no Nordeste e Norte. Em 2017, as taxas de homicídios por 100 mil habitantes foram bastante heterogêneas entre as unidades da Federação, variando de 10,3 em São Paulo a 62,8 no Rio Grande do Norte. Houve diminuição no Sudeste e no Centro-Oeste, estabilidade no Sul e crescimento acentuado no Norte e no Nordeste.
Os desafios de combater o racismo no Brasil
“É como se negros/as e não negros/as vivessem em países completamente distintos” Atlas da Violência
“Homicídios foram a causa de 51,8% dos óbitos de jovens de 15 a 19 anos; de 49,4% para pessoas de 20 a 24; e de 38,6% das mortes de jovens de 25 a 29 anos” Atlas da Violência 2019
O estado com maior crescimento no número de homicídios em 2017 foi o Ceará, que registrou alta de 49,2% e atingiu o recorde histórico de 5.433 mortes violentas intencionais, causadas por armas de fogo, droga ilícita e conflitos interpessoais. No Acre, a variação foi de 42,1% em 2017, totalizando 516 homicídios – considerando- -se o período de 2007 a 2017, o número de homicídios subiu 276,6% no estado.
O número de homicídios no Amazonas praticamente dobrou em uma década, chegando a 1.674 em 2017. Na outra ponta, o estado com maior redução na taxa de homicídios em 2017 foi Rondônia (-22%), seguido por Distrito Federal (-19.7%) e São Paulo (-4,9%).
Perfil das vítimas
Homem jovem, negro e solteiro, com até sete anos de estudo e que entre às 18h e 22h nos meses mais quentes do ano esteja na rua. Esse é o perfil das pessoas com mais probabilidade de morte violenta intencional no Brasil. Os homicídios respondem por 59,1% dos óbitos de homens entre 15 e 19 anos no país.
Apenas em 2017, 35.783 jovens de 15 a 29 anos foram mortos/as, uma taxa de 69,9 homicídios para cada 100 mil jovens, recorde nos últimos dez anos. A juventude perdida é considerada um problema de primeira importância para o desenvolvimento social do país e vem aumentando numa velocidade maior nos estados do Norte. Os dados do Atlas da Violência também trazem evidências de outra tendência preocupante: o aumento, nos últimos anos, da violência letal contra públicos específicos, incluindo negros/as, população LGBTI+ e mulheres, nos casos de feminicídio.
De 2007 a 2017, a desigualdade de raça/cor nas mortes violentas acentuou-se no Brasil. A taxa de negros/as vítimas de homicídio cresceu 33,1%, enquanto a de não negros/as apresentou um aumento de 3,3%. Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídio eram pretas ou pardas. Mais uma vez, o Rio Grande do Norte está no topo do ranking, com 87 mortos/as
a cada 100 mil habitantes negros/as, mais que o dobro da taxa nacional. Os cinco estados com maiores taxas de homicídios negros estão localizados na região Nordeste.
O ano de 2017 registrou, também, um crescimento dos homicídios femininos no Brasil, chegando a 13 por dia. Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2007 – 66% delas eram negras. Entre 2007 e 2017, houve um crescimento de 30,7% nos homicídios de mulheres no Brasil. A situação foi mais grave novamente no Rio Grande do Norte, que apresentou uma variação de 214,4% em dez anos, seguido pelo Ceará (176,9%). As maiores reduções decenais ocorreram no Distrito Federal, no Espírito Santo e em São Paulo, entre 33,1% e 22,5%. Chama a atenção o caso do Espírito Santo, que era campeão da taxa de homicídios femininos no país em 2012.
A pesquisa aponta discrepância na violência letal contra negros/as e contra brancos/as no Brasil. O estudo usa a definição do IBGE para definir pessoas negras como as que se classificam como pardas ou pretas. Os/as não negros/as são os/ as brancos/as, amarelos/as ou indígenas. “Proporcionalmente às respectivas populações, para cada indivíduo não negro que sofreu homicídio em 2017,
aproximadamente 2,7 negros/as foram mortos/as”, apontam os/ as pesquisadores/as.
O documento mostra que no período de uma década (2007 a 2017), a taxa de negros/as assassinados/as cresceu 33,1%, já a de não negros/as apresentou um pequeno crescimento de 3,3%. “Analisando apenas a variação no último ano, enquanto a taxa de mortes de não negros/ as apresentou relativa estabilidade, com redução de 0,3%, a de negros/as cresceu 7,2%”, descreve o estudo.
Os cinco estados com maiores taxas de homicídios de negros/as estão localizados na região Nordeste. Em 2017, o Rio Grande do Norte apresentou a taxa mais alta, com 87 mortos/as a cada 100 mil habitantes negros/as, mais do que o dobro da taxa nacional, seguido por Ceará (75,6), Pernambuco (73,2), Sergipe (68,8) e Alagoas (67,9).
Já os estados que possuem menores taxas de homicídio de negros/as foram São Paulo, com 12,6 negros/as a cada 100 mil habitantes deste segmento; Paraná, com 19; e Piauí, com 21,5. Referência no combate ao racismo
Uma das mais reconhecidas militantes da luta contra o racismo em todo o mundo, a professora Angela Davis palestrou pela primeira vez em São Paulo/SP no dia 19 de
outubro. O evento de lançamento de sua autobiografia, “A liberdade é uma luta constante”, publicada pela editora Boitempo, reuniu cerca de mil pessoas no auditório do Sesc Pinheiros. Davis falou de sua trajetória pessoal, abordou de forma crítica as principais correntes do pensamento feminista atual e narrou a contribuição da luta das mulheres negras pela construção de sociedades mais justas e pela consolidação da democracia. A professora emérita do departamento de estudos feministas da Universidade da Califórnia e ex-Pantera Negra ressaltou os feminismos negros do Brasil, e citou nomes como Marielle Franco, Luiza Bairros, Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus. Também ressaltou que ela não precisa ser a referência do feminismo negro brasileiro, pois aprendeu muito com as feministas negras do país.
“Eu me sinto estranha quando percebo que estou sendo escolhida para representar o feminismo negro. E por que aqui no Brasil vocês precisam buscar essa referência nos Estados Unidos? Eu acho que aprendo mais com Lelia Gonzales do que vocês poderiam aprender comigo”, argumentou Davis.
Juventude negra no Brasil está sendo eliminada, segundo Atlas da Violência
Pr. José Geraldo Magalhães
Odia 20 de novembro não é apenas um feriado nacional, mas o dia da Consciência Negra. Trouxemos nesta edição alguns artigos e reflexões a respeito do assunto. Na entrevista deste mês, conversamos com o Pastor na Igreja Metodista em Filadélfia no Engenho Velho da Federação (Remne) e integrante do Movimento Negro Evangélico em Salvador/BA, André Rás. Ele explicou como a Igreja Metodista enfrenta o pecado do racismo e destacou que “está em andamento um extermínio da juventude negra no Brasil” conforme aponta dados da pesquisa na página anterior. Na entrevista abaixo, você vai conferir também algumas ações sugeridas por ele que podem ser aplicadas nas igrejas locais.
Expositor Cristão - Como avaliar o trabalho da Igreja Metodista junto ao enfrentamento de desigualdades raciais? ANDRÉ RÁS - A Igreja Metodista do Brasil é uma grande referência no combate ao pecado do racismo, basta visitarmos o site nacional que vamos identificar muitos materiais de qualidade que abordam de forma muito corajosa a questão do pecado do racismo. Temos um posicionamento firme do Colégio Episcopal e uma Carta Pastoral que aponta caminhos, teológicos e bíblicos, os quais ajudam as igrejas locais na elaboração de ações concretas. Em relação às outras igrejas, temos visto que existe certa dificuldade em tratar o tema do racismo e seus desdobramentos na sociedade. Devemos nos lembrar de que o racismo é muito sutil; muitas vezes esse pecado é negado com base em discursos permeados de senso comum. Hoje isso se agrava com uma notória negação da História e dos fatos que aprofundam as desigualdades raciais no Brasil. Sem dúvidas, quando olhamos para o que acontece no cotidiano, percebemos que existe sim uma distância muito grande da igreja evangélica no Brasil em relação ao sofrimento do povo preto neste país. Não nos assustamos com o tratamento destinado ao povo afrodescendente, não ficamos escandalizados/as com o lugar de subalternidade reservado aos
rajamento das igrejas locais no combate ao pecado do racismo. Faço um apelo aos bispos e bispas: que fortaleçam a pastoral de combate ao racismo em suas regiões eclesiásticas.
pretos e pretas. Ligamos a televisão e parece que estamos na Europa, não num país que tem uma expressiva presença afrodescendente, e não temos indignação diante disso. EC - É visível, muitas das vezes, os preconceitos raciais dentro da igreja? AR -Não podemos nos esquecer de que o pecado do racismo acontece de forma muito silenciosa. A igreja reflete as contradições da sociedade, e obviamente ela reproduz o racismo de forma potente e brutal. Um exemplo disso é quando não citamos a participação positiva do povo preto nas escrituras. Atribuímos ao povo africano o lugar da maldição e do feitiço. Também podemos perceber a manifestação de racismo quando os pretos e pretas assumem sua estética preta e a forma como isso choca as pessoas. Ninguém se sente agredido ou agredida com uma pessoa preta com o cabelo alisado, ou com implantes de cabelo não negro. Ninguém se ofende com um homem preto de cabelo raspado, mas as pessoas se sentem agredidas com os homens pretos que usam o cabelo black power ou tranças africanas. Quando as mulheres pretas assumem sua estética preta e deixam seus cabelos crespos crescerem de forma natural, isso assusta. Não deveria ser assim, mas o racismo impôs uma beleza hegemônica a partir da estética branca e tudo que se distancia dessa estética branca é desqualificada e invisibilizada.
Em nossas leituras bíblicas nunca imaginamos um cenário
afro-asiático, tanto é que não ficamos indignados/as com as representações de personagens bíblicos nas novelas das emissoras notadamente de orientação cristã. Como saída precisamos sinalizar a diversidade existente no corpo de Cristo e que Deus nos ama como somos; não precisamos ser parecidos/as com o/a branco/a para ser aceito/a ou amado/a. Sou amado por Deus e a minha negritude é uma bênção no Senhor. Acredito que precisamos acolher com muita abertura de coração as pessoas que falam sobre suas dores provocadas pelo pecado do racismo. Os pastores e pastoras são desafiados/as no aprimoramento da escuta para localizar na comunidade de fé os sofrimentos relacionados ao racismo e tratar com coragem, e não negando que existe racismo no Brasil. A igreja pode criar meios para fortalecer a autoestima do povo afrodescendente, trazendo para o cotidiano da comunidade de fé celebrações sobre o dia da consciência negra. E juntamente com uma liturgia bem amadurecida criar conexões da resistência do povo preto com os gestos concretos de liberdade através dos evangelhos. EC - Em sua percepção, o que a igreja ainda pode fazer? AR - A Igreja Metodista do Brasil tem um grande testemunho de combate ao pecado do racismo. Sempre que tenho oportunidade eu leio um documento de reflexão sobre o documento vida e missão publicado em 1983, e lá tem um lindo texto
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titulado “Clamor de um pastor metodista negro aos metodistas brasileiros e latino-americanos de todas as raças”, escrito pelo reverendo, hoje aposentado, Antônio Olímpio Sant’Ana, que fez uma linda e poderosa reflexão sobre o povo preto na Igreja Metodista do Brasil e a tarefa da Igreja em fortalecer a luta antirracista. Temos o testemunho de mulheres como Maria da Fé Vianna (Fezinha), Eva Romão, Diná Branquinni e muitas pessoas que lutam até hoje no combate ao racismo através da Igreja Metodista do Brasil. Isso é motivo de orgulho para o povo metodista. Temos um programa nacional antirracista que aponta muitos caminhos interessantes para o enfrentamento do pecado do racismo. O combate ao pecado do racismo é uma realidade no metodismo brasileiro. A pastoral de combate ao racismo desempenha um ótimo trabalho de testemunho e resistência. Acredito que o próximo passo é animar pastorais de combate ao racismo em todas as Regiões Eclesiásticas e fortalecer as pastorais que já existem. A irmã Juliana de Souza, nossa referência nacional de combate ao racismo, tem realizado um ótimo trabalho. Eu acredito que as regiões eclesiásticas possuem um papel estratégico no enco
EC - Segundo o Atlas da Violência de 2019, 75% das vítimas de homicídio são negras. Como se explica essa realidade? AR - Está em andamento um extermínio da juventude negra no Brasil. Os movimentos sociais pretos falam de um genocídio do povo preto no Brasil por entender que os assassinatos são desdobramentos de um contexto de exclusão e subalternidade de uma população específica e marcada de sujeitos específicos. A juventude preta é a que mais morre neste cenário, às vezes por envolvimento com o crime e muitas vezes como alvo de confrontos policiais em territórios empobrecidos nas grandes capitais do país. Precisamos repensar seriamente a política de segurança pública deste país. Não é possível que naturalizemos a morte de pessoas pretas e pobres como um reflexo de sucesso de combate ao crime organizado. Necessitamos de um sistema nacional de segurança pública capaz de trabalhar com meios eficazes de desmontar o mercado de atacado de drogas e armas. Sabemos que as armas e as drogas que estão nas comunidades empobrecidas não caem do céu. É responsabilidade do Estado atuar de forma preventiva e usar outros meios para enfraquecer essa lógica sanguinária do confronto. Nós como igreja precisamos ter coragem para denunciar essa política de segurança pública como incapaz de resolver os problemas e ajudar a sociedade a pensar em outra saída. EC - Que tipos de ações podem ser feitas nas igrejas locais? AR - Quero aqui desafiar você que é metodista de coração aquecido ao engajamento do combate ao pecado do racismo. Organize em sua igreja uma atividade de reflexão sobre o pecado do racismo e faça download da carta pastoral, organize campanhas de oração pela justiça contra o pecado do racismo. Lembre-se de que você e eu somos agentes do reino de Deus e não podemos fechar os olhos diante do que temos visto. Que Deus nos abençoe! Paz e bem!
Obviedades em torno do Dia da Consciência Negra
As palavras que virão na sequência são de domínio público, pelo menos dos negros e negras. Sobre o dia da consciência negra, não há novidades, só obviedades.
Parece óbvia a afirmação de que o ser humano não é só um espírito ou uma alma. Somos “espíritos ou almas viventes”. Isso significa que também somos seres integrais, seres corpóreos providos de inúmeras características, de várias necessidades, possibilidades e muito diferentes entre nós. Não somos um conceito de “humanidade”, somos substância humana em vários tons étnicos, culturais etc., e conquanto sejamos diferentes, todos/as fomos feitos/as “à ima
nunca leu essas coisas, ou não tem estômago para abordar essa temática, convido você para o diálogo, mas pare com discursos generalistas, falsamente piedosos e aprenda com os próprios negros e negras, pessoas como Maria da Fé (Fezinha), Rev. Antônio Sant’Ana, Diná da Silva Branchini, Bispo Luiz Vergílio Rosa, Revda. Kaká Omowalê e tantos/as outros/as. Leia seus textos, ouça suas histórias doidas. A propósito, dê uma olhada no mapa da violência do Brasil e descubra como um estado branco tem sistematicamente promovido o apagamento da consciência negra.
Portanto, leitor/a, ao reafirmarmos “o dia da consciência negra”, lembramos que em
dos grilhões da escravatura, assim como o genocídio atual da população negra que nos obriga a ouvir novamente os gemidos dos negros e negras enforcados/ as nas florestas, torturados/as e fuzilados/as pelos capitães do mato. Parafraseando Walter Benjamim, indignar-se é fazer zumbir, ressuscitar!
Outra obviedade é a inércia das igrejas protestantes como um todo no combate ao racismo, incluindo a Metodista, com raríssimas exceções de algumas ações por algumas pessoas conscientes. Essa paralisação das instituições religiosas evangélicas perante o testemunho profético contra o racismo se dá por dois motivos: o primeiro é o fato de o protestantismo bra
mulher, preconceito étnico- -racial, escravagismo, entre outros. A propósito, a igreja metodista brasileira, sob a pressão de negros e negras metodistas, conseguiu dar um passo muito importante a partir das pastorais e designação de pessoal de referência em algumas regiões eclesiásticas e principalmente na criação de um programa antirracismo.
Contudo, se fizermos uma análise do escopo geral desse programa e pontuarmos algumas ações, o que está funcionando de fato? Por exemplo, na minha região ainda não tem uma pessoa referência do “combate ao racismo”; será que há outras regiões eclesiásticas sem essa referência? Quem está efetivamente visitando as igrejas locais e elaborando levantamentos de ações para enviar aos/às bispos/as e lideranças
regionais, via Pastorais Regionais? Quantos cursos foram elaborados e realizados desde o 19º Concílio Geral sobre a questão racial nas regiões? Já foi formado o grupo de negros/ as escritores/as? Onde? O que a Rede Metodista da Educação pode apresentar sobre bolsas de estudo em escolas metodistas e bolsas para estudo no exterior para negras/os, indígenas e grupos oprimidos pelo racismo estrutural e pela discriminação étnico-racial? E, finalmente, quem está monitorando as ações da Igreja Metodista, em torno das comemorações do Dia 20 de novembro – Dia da Consciência Negra?
José Roberto Alves Loiola Pastor na congregação Metodista do Recanto das Emas/DF Especialista em História e Cultura da África
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Demonstrar o AMOR cristão
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ueremos lembrar o dever de todos e todas na construção de uma sociedade sem discriminação, tendo uma preocupação coletiva. Discriminar é ação de diferenciar, segregar, marginalizar ou separar alguém devido às suas diferenças.
Infelizmente, a discriminação ainda existe em diversas partes da sociedade, é inaceitável que desigualdades surjam ainda hoje com tanta evolução do ser humano. Precisamos de uma sociedade mais justa, que inclua as pessoas, respeite e tenha equidade, percebendo as diversidades.
O Dia da Consciência Negra é comemorado no mês novembro e isso não é
uma ação exclusiva do movimento negro, precisamos pensar e agir no combate das desigualdades raciais, atuar para neutralizar os efeitos da discriminação, de raça ou cor da pele. Para ajudar a erradicar completamente qualquer tipo de preconceito, temos que demonstrar o AMOR cristão que vem de DEUS.
Precisamos ensinar desde cedo nossas crianças que somos TODOS e TODAS iguais perante DEUS e que temos que agir assim com nosso próximo, tendo respeito e igualdade nas diversidades.
Como está escrito em Gálatas 3.28, "Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus."