Catadores de lixo

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Ministério da Educação Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco – CEFET-PE Gerência Educacional de Ensino Superior Curso Superior de Tecnologia em Sistema de Gestão Ambiental

Certidão de Identidade: o catador de lixo, sob os conceitos de cidadania e política ambiental

Recife 2005


Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco Curso Superior de Tecnologia em Sistema de Gestão Ambiental

Natália De’ Carli da Costa Lima

Certidão de Identidade: o catador de lixo, sob os conceitos de cidadania e política ambiental

Recife 2005

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Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco Curso Superior de Tecnologia em Sistema de Gestão Ambiental

Natália De’ Carli da Costa Lima

Certidão de Identidade: o catador de lixo, sob os conceitos de cidadania e política ambiental

Recife 2005

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Natália De’ Carli da Costa Lima

Certidão de Identidade: o catador de lixo, sob os conceitos de cidadania e política ambiental

Monografia apresentada como requisito final do Trabalho de Conclusão do Curso Superior de Tecnologia em Sistema de Gestão Ambiental do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco – CEFET-PE, para obtenção do título de Tecnólogo em Sistema de Gestão Ambiental.

Orientador: Edilene Rocha Guimarães

Recife 2005

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Natália De’ Carli da Costa Lima

Certidão de Identidade: o catador de lixo, sob os conceitos de cidadania e política ambiental

Monografia apresentada como requisitos finais do Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Tecnólogo em Sistema de Gestão Ambiental ao término do Curso Superior de Tecnologia Sistema de Gestão Ambiental do Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco – CEFET-PE.

________________________________________ Nome do membro da banca ________________________________________ Nome do membro da banca ________________________________________ Nome do membro da banca

Recife 01, de Abril 2005

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AGRADECIMENTOS A minha orientadora, Prof. Edilene Guimarães e ao Prof. Marcos Valença por todo incentivo, confiança e sabedoria sem os quais não seria possível a realização desse trabalho. Ao Centro de Educação Tecnológica de Pernambuco pelo apoio necessário para realização deste trabalho. Em especial: À Beloto, amigo e exemplo vivo na construção de um mundo melhor, o maior incentivador deste trabalho e de tantos outros que estão por vir. À Bertrand, fonte de inspiração, de conhecimento. Orientou nos questionamentos e concepções mais profundas. Admiração por sua visão prática e atuação na transformação da sociedade. Aos meus queridos amigos, Lalinha, Xuxu, Sávio, André, Pedro, Lia e Clarinha, confidentes companheiros não só de estudos e trabalhos mais de crenças num mundo mais digno e mais humano, construído na verdade e no respeito as diferenças; nunca me deixaram desistir, encorajando-me sempre a buscar mais e fazer melhor. As minhas duas grandes inspirações de vida, Luiz Jordão e Mari Moreira, eternos amigos aos quais me espelho e admiro as posturas, as visões de mundo, a ânsia de não se acomodar e querer mudar. E muito mais. As minhas tias Itália, Albânia e Gena, mulheres modelos: inspiração. Aos meus primos, a quem eu poderia chamar de irmãos, Marcelo, Caetano, Deco, Júlia (minha fotografa ajudante) e Diana. A minha mãe, eterno orgulho, eterno amor. Sempre me ensinou que toda aprendizagem é válida e não está apenas nos livros, e sim na vida que nos cerca. Da mesma forma, a meu pai, nem sabe ele que me ensinou a questionar sempre, grandiosíssima inspiração de vida e olhar de mundo. Juntos, ensinaram-me a nunca desistir, olhar para frente e fazer o bem, não se acomodando nunca e lutando pelo que se acredita, com honestidade e profissionalismo, sem os quais não teria conseguido chegar até aqui. Agradeço a confiança, o incentivo e o suporte necessário. Não podia deixar de agradecer a minha querida irmã Tamara, por me ensinar e apoiar em todas as horas, outra inspiração. Por fim, a todos aqueles que por falta de espaço não pude citar aqui, mais que contribuem diariamente para eu ser o que sou.

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“Só é possível transformar-se na medida em que já se é” Friedrich Von Novalis Alemanha [1772-1801]

Dedico essa monografia a todos aqueles que acreditam que um novo mundo é possível e assim, tentam transformá-lo diariamente com seus projetos e ações.

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SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS........................................................................................................ 09 CAPÍTULO I

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1.1 ENTENDENDO O OBJETO DE ESTUDO.............................................................

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1.1.1 Introdução...............................................................................................................

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1.1.2 Justificativa .............................................................................................................. 12 1.2.OBJETIVO................................................................................................................... 13 1.3. ÁREA E ESTUDO...................................................................................................... 14 1.4. PROBLEMATIZAÇÃO DO OBJETO....................................................................

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1.5. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA............................................................................

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CAPÍTULO II

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2.1 METODOLOGIA......................................................................................................

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2.1.1 Natureza do estudo..............................................................................................

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2.1.2 Definição de Amostragem...................................................................................

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2.1.3. Coleta de Dados ................................................................................................. 30 2.1.3.1 Observações................................................................................................. 30 2.1.3.2 Entrevistas................. .................................................................................... 30 2.1.4 Organização e Análise de Dados........................................................................

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CAPÍTULO III

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3.1 RESULTADOS E DISCUSSÃO...............................................................................

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3.1.1 Mapeamento dos dados.......................................................................................

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3.1.2 Interpretação dos dados......................................................................................

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3.2 CONCLUSÕES FINAIS................................................................................................ 44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01. Área de abrangência do bairro de Brasilit ........................................................ 14 Figura 02. Depósito No 1 Brasilit, Recife-PE...................................................................

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Figura 03. Deposito No 2 Brasilit, Recife-PE..................................................................

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Figura 04. Depósito No 3 Brasilit, Recife-PE...................................................................

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Figura 05. Depósito No 4 Brasilit, Recife-PE...................................................................

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Figura 06. Método não programado de pesquisa: conforto e liberdade de expressão........ 31

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CAPÍTULO I 1. ENTENDENDO O OBJETO DE ESTUDO 1.1.1 Introdução O objeto a ser desenvolvido nessa pesquisa – de que forma o catador de lixo se vê e como ele entende que a sociedade o vê - insere-se em outros estudos e análises mais gerais que dizem respeito ao entendimento mais aprofundado do ser humano, suas representações, crenças, ideais, costumes, tradições e símbolos coletivos, somados ao estudo exploratório descritivo e analítico para melhor construir a realidade do sujeito em questão e do meio que o cerca. Na medida em que se aprofundam os estudos acerca do ser humano, compreende-se que cada indivíduo traz em si uma sociedade (NOVALIS apud GIANETTI, 2003), portanto, é importante tentar compreendê-lo. Acrescenta-se a isso, uma tentativa de entendimento do meio ambiente que cerca estes homens. Desta vez, não mais sendo referenciado àquele caráter arcaico e reducionista, da soma de todos os recursos naturais do planeta. Sendo, portanto, desmistificado e estudado de maneira mais ampla e complexa, associando àquele conceito o homem, com suas questões sociais, econômicas, políticas e culturais. Dessa forma: A noção de meio ambiente engloba, ao mesmo tempo, o meio cósmico, geográfico, físico e o meio social, com suas instituições, sua cultura, seus valores. Esse conjunto constitui um sistema de forças que exerce sobre o indivíduo e nas quais ele reage de forma particular, segundo os seus interesses e suas capacidades. (SILLIAMY, 1980 apud REIGOTA, 2004. p.13)

Da mesma forma, para Vieira (1998) o meio ambiente é um bem coletivo, um bem de uso do povo, que não deve ser destruído para atender interesses econômicos privados, os quais se chocam com o interesse público da coletividade. Portanto, pesquisar unicamente o ser humano, sem relacioná-lo a essas questões, seria negar a vida em sociedade e todas as relações que se estabelecem num determinado espaço social, entendido aqui como meio ambiente. Dessa forma, o objetivo principal da pesquisa é analisar o catador de lixo e sua visão sobre a sociedade, segundo os conceitos de cidadania e política sócio-ambiental, afim de não excluir fatores determinantes para um estudo de representação social. As contribuições desse estudo para sociedade são referentes à conscientização da importância do papel do catador na sociedade e a conseqüente modificação da forma que são vistos por ela. Pretendeu-se desmistificar a forma como o catador é visto pela sociedade. 10


Para o CEFET-PE, a contribuição estende-se no campo disciplinar. Onde existe uma lacuna quanto à abordagem humana (sociológica, antropológica, psicológica, etc), enfatizando-se a visão prática e técnica na resolução de problemas. Entretanto, é preciso inserir discussões mais humanas, subjetivas e teóricas para aliar-se a essas visões práticas e técnicas. Esta pesquisa tenta contribuir para a ampliação desse outro enfoque humano dentro do curso de Sistema de Gestão Ambiental, muito embora tenha sido este curso que tenha incentivado e proporcionado a busca e pesquisa sobre o tema.

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1.1.2 Justificativa Sendo então todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediata e imediatamente, e todas se relacionando por um vínculo natural e sensível que liga as mais afastadas e as diferentes, creio ser tão impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, como conhecer o todo sem conhecer as partes. (PASCAL apud MINAYO, 2004, p.71)

Assim, a principal justificativa desse trabalho está relacionada a um entendimento mais humano das questões referentes aos sujeitos que participam catando o lixo, no processo de Coleta Seletiva, mesmo sem serem considerados parte desse processo. Ainda assim, compreender esses indivíduos - seus anseios, desejos, visão de mundo, expectativas, medos – que compõe o todo. Esse estudo justifica-se ainda por tentar aproximar as práticas do Sistema de Gestão Ambiental a outras ciências mais abstratas e complexas, como a Antropologia e a Sociologia, a fim de tentar compreender, mais profundamente, o universo desses trapeiros. Com esse trabalho pretende desmistificar alguns dos estigmas sociais que pesam sobre os ombros desses cidadãos e lançar luz à inserção deles na economia, já que a partir do conhecimento aprofundado de suas origens, reproduções e representações e, mais praticamente, observando as contribuições desses sujeitos no processo de limpeza urbana da cidade pode-se concretizar projetos e ações mais justas e eficientes.

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1.2 OBJETIVOS

Objetivo Geral

Analisar o catador de lixo e sua visão sobre a sociedade, segundo os aspectos da política sócio-ambiental e conceito de cidadania.

Objetivos Específicos

- Identificar as representações sociais dos catadores de lixo sobre aspectos da política sócioambiental e o conceito de cidadania; - Analisar as formas de organização desses indivíduos e a possibilidade de formulação de proposta de cooperativa de catadores de lixo, tendo em vista a inclusão social.

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1.3 ÁREA DA PESQUISA

Fig 01. Área de abrangência do bairro de Brasilit – Recife-PE. Área de Abrangência do Bairro de Brasilit – Recife-PE. Depósitos de lixo existentes no bairro Zona Especial de Interesse Social

Embora seja impreciso falar da abrangência do bairro de Brasilit – Recife-PE, esse se limita ao Norte pela Av. Caxangá, ao Oeste pelo Rio Capibaribe bem como pelo bairro da Várzea, ao Sul pelo Campus da Universidade Federal de Pernambuco e ao Leste pela continuação da BR-101 (Av. Prof. Moraes Rego). Mesmo apresentando características muito familiares aos bairros vizinhos (Várzea e Cidade Universitária) essa área se caracteriza principalmente pela existência da Fábrica Brasilit Industria e Comércio Ltda, que dá nome ao bairro e que é responsável pela produção de telhas e caixas d’águas.

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Essa região apresenta também duas Zonas Especiais de Interesse Social e está localizada na Zona Preferencial de Urbanização 1 (http://www.recife.pe.gov.br_acessado em 02 jan.2005) Para FERNANDES (2000) o conceito de ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) é a "Flexibilização dos parâmetros urbanísticos quanto ao uso, ocupação e parcelamento do solo, a partir do reconhecimento das tipicidades locais, para facilitação da regularização fundiária do assentamento". Ou seja, é um instrumento urbanístico que apresenta fortes mecanismos distributivos e geram influências diretas sobre o mercado tanto fundiário como imobiliário urbano. A escolha da área se justifica pelo enorme aparecimento de depósito de lixos recentemente constatados na região. Essa nova realidade está transformando as características do bairro, e aumentando o trânsito, cada vez maior, de carroceiros em busca da venda de produtos. Assim, pode-se encontrar uma grande quantidade de catadores de lixo que transitam diariamente com suas carroças, repletas de materiais recicláveis, a procura de um dinheiro imediato. Contatos anteriores à pesquisa foram feitos com o bairro, bem como, com alguns moradores que demonstraram total interesse em criar uma cooperativa de catadores, aproveitando essa nova característica do bairro, a fim de capacitar esses sujeitos, aumentar a qualidade de vida desses moradores e, conseqüentemente, transformar a realidade do bairro.

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Fig02. Dep贸sito 01- Brasilit, Recife-PE

Fig 02. Dep贸sito 01- Brasilit, Recife-PE

Fig03. Dep贸sito 02- Brasilit, Recife-PE

Fig 03. Dep贸sito 02- Brasilit, Recife-PE

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1.4 PROBLEMATIZAÇÃO DO OBJETO

O Guia da Coleta Seletiva de Lixo, material publicado pela ONG CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem – em 2002, estima-se que exista atualmente no Brasil cerca de 500 mil catadores de rua (autônomos e em cooperativas), responsáveis pela coleta de vários tipos de materiais. JUNCÁ (2001 apud BARROS & CORRÊA, 2002. p.1) argumenta que esses trabalhadores são “indivíduos que supostamente expulsos do mercado de trabalho ‘tradicional’, recuperam valores de uso e de troca perdidos, atribuindo um novo sentido ao material que foi jogado fora por alguém (...)”. Assim, estudos relacionados às diferentes formas de organização desses indivíduos, suas origens, reproduções e representações sociais, vêm sendo realizados no campo acadêmico, bem como no terceiro setor. MALHEIROS & TEIXEIRA (2004) procuraram demonstrar em seu estudo a importância das cooperativas na elevação da condição econômica e social desses indivíduos, realizando uma pesquisa sobre essas formas de organização coletiva e a importância da reciclagem para a gestão ambiental. Diferentemente, BARROS & CORRÊA (2002) tinham como objetivo principal de sua pesquisa conhecer e analisar o trabalho dos catadores de lixo dentro dos aterros sanitários, assim como a sua concepção acerca do resíduo sólido, utilizando-se como área de estudo o aterro sanitário do Aura-PA, situado na comunidade Santana do Aura, no limite entre os municípios de Belém e Ananindeua. Ainda assim, questionamentos como Quem é este trabalhador? A que condições de trabalho estão submetidos? E, Que tipo de relação estabelecem com o lixo? Também fizeram parte de seu estudo. Por outro lado, em estudo intitulado “Contribuição teórica à Problemática dos Catadores de Lixo na RMR” realizado por Ricardo Leite e Bertrand Sampaio (1994), tinham como objetivo de estudo três aspectos distintos. O primeiro, referente ao estudo da relação político-institucional - as concepções do Estado para o setor de resíduos sólidos - o segundo, referente às políticas para o setor e por último, as relações que se estabelecem entre os diferentes sujeitos envolvidos no processo, desde o descarte até a venda e reciclagem do material. Acrescenta-se a esse estudo, a tentativa de formulação dos conceitos acerca de representação e reprodução social, bem como o papel da política pública neste processo. Ainda no ano de 1994, a pesquisa-ação denominada – O serviço social no lixão da Muribeca 17


(BARROSO & SAMPAIO, 1994), analisa as diferentes relações existentes dentro do Lixão da Muribeca e dos sujeitos que dependem dele para a sobrevivência. São apresentados nesse estudo relatos de sete meses de atividades de assistência social que foram prestadas aos trapeiros nesse local. Estudos que tentam mostrar a realidade dos catadores de lixo, bem como suas origens e representações, não são temas comuns, tanto pela complexidade de tais estudos, quanto pelas diferentes formas de interpretação da realidade desses indivíduos. Idalina Farias Costa (1986), em sua pesquisa intitulada – Do lixo também se vive – consegue mostrar a origem e a reprodução de duas categorias ligadas ao processo de coleta e de comercialização de produtos do lixo. Uma tentativa de construção de realidades bem aproximadas desses dois sujeitos, Comerciantes e Catadores, a partir de representações e indicadores tais como – local de nascimento, cidades onde moraram, composição de renda familiar, motivos que os fizeram trabalhar neste ramo – o que segundo a autora, são essenciais para definir a realidade desses indivíduos. Portanto, é impossível analisar unicamente o indivíduo catador de lixo sem relacionálo a suas divisões sociais, estrutura política, econômica, ambiental, cultural ao quais ele pertence. Assim, “Uma sociedade não cessa de trabalhar suas divisões e diferenças internas, e está sempre aberta à ampliação dos direitos existentes e à criação de novos direitos” (CHAUÍ, 1995 apud VIEIRA, 1998. p 35) É nesse sentido que essa pesquisa analisará, através dos conceitos de política ambiental e cidadania, as distintas relações existentes entre um determinado ator social e o seu entorno, contextualizando os processos do desenvolvimento capitalista, e principalmente, as lacunas existentes entre uma e outra parcela da sociedade, as quais são evidenciadas pela desigualdade social, pela má distribuição de renda e pela perda de direitos. O problema escolhido para estudo – de que forma o catador de lixo se vê e como ele entende que a sociedade o vê – relaciona-se de forma direta e indireta com as questões de representação social. O entendimento de crenças, ideais, costumes, tradições e símbolos coletivos somam-se ao estudo exploratório descritivo e analítico para melhor construir a realidade do sujeito em questão. O intuito deste trabalho é analisar a sociedade que cerca os catadores não por ela enquanto sujeito de análise, mas, concedendo aos sujeitos da pesquisa, a possibilidade deles mesmos construírem sua própria realidade, através de suas visões e interpretações de mundo. 18


Sendo assim, a pesquisa relatará as informações de observações dos sujeitos, seus olhares e concepções de mundo e tentará relacioná-las a conceitos estudados e referenciados na fundamentação teórica. As Ciências Sociais, no entanto, possuem instrumentos e teorias capazes de fazer uma aproximação da suntuosidade que é a vida dos seres humanos em sociedade, ainda que de forma incompleta, imperfeita e insatisfatória. Para isso, ela aborda o conjunto de expressões humanas constantes nas estruturas, nos processos, nos sujeitos, nos significados e nas representações. (DESLANDES in MINAYO, 1994. p. 57)

A pesquisa limita-se a um único grupo de indivíduos desta localidade, suas visões de mundo, suas compreensões acerca da humanidade, motivação, mobilização, posturas e conceitos, bem como, sua forma de observar outros sujeitos sociais que os cercam. O cruzamento entre informações advindas do quadro teórico e fundamentadas na pesquisa histórica dos conceitos da política ambiental e cidadania, com observações e descrições exploratórias recolhidas da realidade desses catadores, é que nortearão a problematização deste estudo. A fim de que, nesta inter-relação de informações, se possa construir a realidade deste universo e propor soluções práticas à vida destes indivíduos.

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1.5 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Na tentativa de aproximar a fundamentação teórica à prática da pesquisa, sugere-se que se trabalhe com categorias, onde o termo “categoria” possui uma conotação classificatória (MINAYO, 2004.). Assim, segundo MINAYO (op.cit), esse conceito refere-se ao agrupamento em classes e/ou séries de elementos que abrangem determinado sentido comum. “As categorias são representações essencialmente coletivas que traduzem situações do grupo; dependem de como este é constituído e organizado”. (DURKHEIM, 1978. p.79) Este trabalho escolhe como categoria geral de estudo a ‘Representação Social’, e outras duas categorias analíticas que fazem parte deste universo maior e que serão estudadas mais profundamente: cidadania e política sócio-ambiental. O conceito de representação social inicialmente foi desenvolvido por estudos na área da psicologia social por Moscovici, Jodelet, Abric e outros, que consideram a representação como uma forma de saber prático que permite ao homem a apreensão, a apropriação e a atribuição de significados a objetos do real. Ou seja, a representação é sempre vinculada a um objeto preciso, embora sua significação se estruture e só possa ser captada em suas articulações com outros objetos já apropriados. (ALMEIDA, 2001) A representação é determinada ao mesmo tempo pelo próprio sujeito (sua história, seu vivido), pelo sistema social e ideológico no qual ele se insere e pelos vínculos que o sujeito mantém com este sistema social. (ABRIC 1989 apud AZEVEDO 2004, p. 67) Além da Psicologia Social, o conceito de representação social tem sido utilizado, freqüentemente, em várias áreas das Ciências Humanas, desde a Antropologia, História da Cultura, Sociologia e Filosofia: Representações Sociais é um termo filosófico que significa a reprodução de uma percepção anterior ou do conteúdo do pensamento. (...) são definidas como categorias de pensamento, de ação e de sentimento que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou questionando-a. (MINAYO, 2004. p.158)

No campo das ciências sociais a discussão sobre este conceito vai buscar sua origem no século passado, tendo como marco os estudos iniciados por Kant e posteriormente mais aprofundados por Émile Durkeim. Para DURKEIM (1978 apud MINAYO, 2004), as representações sociais relacionamse de forma direta com as categorias de pensamento das quais a sociedade expressa e elabora sua realidade. Podendo também ser entendida na forma de “compreender como a sociedade se representa a si própria e ao mundo que a rodeia”. (p.159)

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Seus escritos tentam explicar o conceito das representações relacionando-as à vida coletiva, traduzindo o modo com que o grupo entende a si mesmo, em todas as relações que estabelecem com os objetos que lhe dizem respeito. De forma que, para compreender essa sociedade é mais fácil, tentar aproximar-se da forma com que ela vê a si própria do que a forma com que os indivíduos exteriores a vêem. Segundo Idalina Costa (1986), as representações sociais atuam sobre as respostas e os estímulos “interindividuais” na tentativa de reconstruir a realidade, utilizando-se de substâncias simbólicas que tem como finalidade a reconstrução do real pelo próprio sujeito. Assim, Por serem ao mesmo tempo ilusórias, contraditórias e ‘verdadeiras’, as representações podem ser consideradas matéria-prima para a análise do social e também para a ação pedagógico-política de transformação, pois retratam a realidade. Porém, é importante observar que as Representações Sociais não conformam a realidade e seria outra ilusão tomá-las como verdades científicas, reduzindo a realidade à concepção que os atores fazem dela (MINAYO, 2004. p.174)

É essencial que as representações sociais sirvam como ferramentas para entender a realidade, facilitando sua aproximação e seu entendimento, não esquecendo de ampliar as concepções do real para outros objetos de observação. Não apenas, analisando os atores sociais, mas também a história, a economia, a política, a cultura, a filosofia, o meio que influenciam e colaboram para a compreensão dessa realidade. É nesse sentido, que se encontram, dentro do universo maior das representações sociais, os conceitos de cidadania e política sócio-ambiental. Não se pode compreender o atual significado da cidadania sem levar em consideração sua origem e evolução durante toda a Historia. Esse conceito é indissociável à vida em sociedade. Mesmo sendo difícil datar sua origem, sabe-se que seu significado clássico estava associado à participação política, as quais ligavam-se ao desenvolvimento das polis gregas, entre os séculos VIII e VII a.C, tornando-se referência de análise, seja em seu entendimento político, como nas próprias condições de seu exercício. Assim, na Grécia, os cidadãos atenienses participavam das assembléias, votavam as leis da cidade e tinham plena liberdade de palavra. Cidadania era, portanto, ter a possibilidade de tomar decisões políticas. Muito embora estrangeiros, mulheres e escravos estivessem excluídos de qualquer forma de participação, logo, não eram considerados cidadãos. Sabemos que Atenas possuía cerca de meio milhão de habitantes, dos quais trezentos mil eram escravos e cinqüenta mil metecos (estrangeiros); excluídas ainda as mulheres e as crianças, apenas 10% do corpo social tinha o direito de decidir por todos, e era considerado cidadão. (ARANHA, 1993. p.191)

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Dessa forma, VIEIRA (1998) enfatiza que dois elementos fundam a cidadania antiga – o acesso ao poder e a igualdade dos cidadãos – diferenciando-se bruscamente da cidadania moderna. Apenas em meados do séc XVIII, se inicia o retorno aos ideais republicanos da Antiguidade, caminhando para o novo conceito da cidadania moderna, advindos do Iluminismo na sua tentativa de busca pela igualdade. Este período se destaca pela ocorrência de revoluções sociais, transformações políticas e econômicas, criações artísticas, desenvolvimento das ciências, disseminação do conhecimento, e principalmente, pela busca da liberdade de pensamento, da igualdade entre os indivíduos e do nascimento do ideal de liberdade. No entanto, esses valores estavam a serviço da nova classe social que então chegava ao poder – a burguesia – e que tinha como meta impulsionar o processo de consolidação do sistema capitalista. ROUSSEAU (1980) em sua obra – O Contrato Social – propõe a transferência dos poderes das mãos do monarca para o povo. Seu pensamento procurava, antes de tudo, regular as relações de poder, garantindo aos cidadãos livre atuação civil, econômica e política. Rousseau também colocava que a sociedade devia reger-se pela múltipla consciência dos deveres e direitos dos cidadãos, os quais atuariam sobre si mesmos, proporcionando a liberdade. É importante também enfatizar que as idéias dessa democracia liberal proposta por Rousseau, embora de caráter universal forneciam argumentos para a burguesia firmar-se no poder, sendo considerada por muitos críticos, como demagoga. Pois, propunha ideais de igualdade unicamente para garantir seus interesses e conquistar o poder. Nessa fase do Capitalismo, entre os séculos XVIII e XIX, influenciadas pelo Iluminismo - movimento filosófico de caráter racional, antiabsolutista e anticlerical - as Revoluções Liberais Burguesas vão buscar idéias dessa democracia liberal para fortalecer suas lutas. Segundo ROUSSEAU (1991) a desigualdade entre os homens está completamente relacionada ao fato de que em determinado momento da história o ser humano passa a necessitar da ajuda de outros homens, que começa a desempenhar suas artes no concurso de várias mãos, sendo assim, a concorrência surge no mesmo momento que a desigualdade. Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir uns para com os outros com espírito de fraternidade. Assim como, todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições eqüitativas e favoráveis de 22


trabalho e à proteção contra o desemprego. Todo homem tem direito, sem qualquer discriminação, a igual remuneração por igual trabalho. Para VIERA (1998) é a partir dessa Declaração que as liberdades civis de igualdade, de propriedade, de associação, opinião e expressão apareceram nessa economia de mercado. Dessa forma, “o indivíduo é o pior inimigo do cidadão, sugeriu ele [Tocqueville]. O cidadão é uma pessoa que tende a buscar seu próprio bem-estar através do bem-estar da cidade – enquanto o indivíduo tende a ser morno, cético ou prudente em relação à ‘causa comum’, ao ‘bem comum’, à ‘boa sociedade’, ou à ‘sociedade justa’. (BAUMAN, 2001 apud TENÓRIO, 2002. p.2) Mais tarde, no século XX, as distâncias entre classes distintas da sociedade tornam-se maiores. A desigualdade social mantida e ampliada por este modelo vigente se transforma no componente fundamental para os estudos contemporâneos acerca da cidadania, como é o exemplo de Marshall. MARSHALL (1967 apud VIEIRA, 1998) divide a cidadania em três fases: a primeira, composta dos direitos civis e políticos, a segunda refere-se aos direitos sociais e a terceira relaciona-se não as questões do indivíduo, mas a grupos humanos, chamados por VIEIRA (1998) de coletividades étnicas. Atualmente, porém, diferenciando-se cada vez mais dos ideais liberais de MARSHALL (2004) é que: ... cabe lembrar que os problemas que afetam a humanidade e o planeta atravessam fronteiras e tornam-se globais com o processo de globalização que se acelera neste final do século XX. Questões como produção, comércio, capital financeiro, migrações, pobreza, danos ambientais, desemprego, informações, telecomunicações, enfim, as grandes questões econômicas, sociais, ecológicas e políticas deixaram de ser apenas nacionais, tornaram-se transnacionais. É nesse contexto que nasce hoje o conceito de cidadão do mundo, de cidadania planetária que vem sendo paulatinamente construída pela sociedade civil de todos os países em contraposição ao poder político do Estado e ao poder econômico do mercado. (VIEIRA, 1998. p.29)

Logo, dentro das duas categorias que iremos trabalhar a da cidadania se baseará no novo conceito definido claramente por Litz Vieira em seu livro Cidadania e Meio Ambiente, 1998. A nova cidadania não deseja ser apenas uma forma de integração social indispensável para a manutenção do capitalismo, ela deseja a constituição de sujeitos sociais ativos que definam quais são os seus direitos. ( VIEIRA, 1998. p.29)

Como definição da segunda categoria a ser trabalhada nessa pesquisa, tem-se o conceito de política, que assim como o de cidadania, tem sua origem na Antiguidade. 23


Neste período, existe a predominância do sistema gentílico, formado pela ligação entre si de laços de nascimento ou de religião. A partir da desintegração desse sistema, as desigualdades sociais começam a aumentar, acarretando uma aristocracia baseada na riqueza. A cidade-estado (polis) começa, então, a surgir, dando início a uma nova organização política, até hoje referenciada e estudada. Segundo Aristóteles a política não se separa da ética, porque a vida individual está intrinsecamente relacionada à vida comunitária. Discípulo de Platão, crítica o seu autoritarismo e considera sua sofocracia inumana e impraticável, porque atribui poderes ilimitados a apenas uma parcela da estrutura social. Aqueles mais intelectualmente capacitados compõem o corpo social privilegiado, tornando, assim, a sociedade extremamente hierarquizada e atribuindo unicamente a essa minoria, a possibilidade de interferência na vida da cidade. O pensamento político de Platão é encontrado principalmente na obra – A República. Nessa obra, o autor enfatiza que as pessoas deviam ocupar diferentes lugares e funções na sociedade, já que são pessoas diferentes umas das outras. Ele propõe um “modelo aristocrático de poder” (CHAUÍ, 1997). Não se tratando, portanto, de uma aristocracia de riquezas, mas de conhecimento. É na Grécia antiga que a palavra democracia é ouvida a primeira vez. Do grego demos (“povo”) e kratia (“governo”), concedia ao cidadão a possibilidade de decidir os destinos da cidade. [Como muitos] eram excluídos do direito à cidadania e como poucos detinham efetivamente o poder. Nunca foi possível evitar que, em nome da democracia, conceito abstrato, valores que na verdade pertencem a apenas uma classe fossem considerados universais. (ARANHA, 1997. p181)

Assim, desde a Antiguidade o conceito de política vai se transformando e se reconstruindo, sendo este diferente em cada nova civilização e em cada nova cultura. Durante toda a historia a política foi se modificando, passando pela aproximação dela à Igreja na Idade Média, à formação dos Estados Nacionais no século XIV, à crença em um Estado Absoluto, uma nova tentativa de discussão do conceito de democracia com o Liberalismo francês e inglês, os socialismos (utópicos e científicos), o anarquismo, o totalitarismo, e por fim, o neoliberalismo. Nesta pesquisa, o conceito de política, é ampliado para o de política sócio-ambiental. Portanto, entender o momento determinante a partir de quando se inicia a preocupação com as

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questões ambientais, assim como a sua relação com a economia, cultura e sociedade é determinante. O ser humano avançou tanto em termos tecnológicos, libertou-se tanto dos limites impostos pela natureza aos outros animais, dominou-a tão completamente que se sentiu seu dono e senhor e passou a vê-la como algo separado dele mesmo. O preço dessa pretensão não tardou a ser cobrado: já nos séculos XVIII e XIX, os impactos ambientais provocados pela crescente industrialização eram muito grandes. Mas, de qualquer maneira, ainda eram localizados, atingiam basicamente os trabalhadores, os operários, os pobres. Os donos das fábricas poluidoras, os ricos, ainda tinham como se refugiar das mazelas da industrialização/urbanização, os impactos foram aumentando cada vez mais, até que, no pós-guerra, passaram a ter conseqüências globais. (SENE & MOREIRA, 1997. p.407)

É impossível não associar os impactos ambientais ao modelo econômico vigente, o qual entendia a natureza e seus ecossistemas como algo que não incluía o ser humano, assim como fontes de recursos “inesgotáveis“, apropriando-se das matérias-primas e energia, as quais são vista como fonte de lucro. É só a partir da década de 70 que se inicia uma preocupação mais específica e direcionada às questões ambientais. Sendo, portanto, realizada em 1972 uma Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente na cidade de Estocolmo, na Suécia. Como resultado dessa conferência, os chefes de Estado lançam a Declaração de Estocolmo (1972). O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar; e é portador da solene obrigação de proteger e melhorar esse meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. A esse respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de coerção e de dominação estrangeira permanecem condenadas e devem ser eliminadas. (Declaração de Estocolmo, 1972 p.01)

Ainda em 1972, o Clube de Roma (entidade formada por muitos empresários) solicitou ao MIT (Massachusetts Istitute of Technology, EUA) uma pesquisa que foi intitulada “Desenvolvimento Zero” esse estudo “propunha o congelamento do crescimento econômico como única solução para evitar que o aumento dos impactos ambientais levasse o mundo a uma tragédia ecológica” (SENE & MOREIRA, 1997. p.407) Assim, a Conferencia de Estocolmo foi determinada pela discussão entre “Desenvolvimento Zero”, defendido principalmente pelos países industrializados, e o “desenvolvimento a qualquer custo”, defendido pelos países não-industrializados, que insistiam numa rápida industrialização de alto impacto ambiental e social. Em resposta às recomendações da Conferência de Estocolmo, a UNESCO promoveu um encontro em Belgrado realizado em 1975, na Iugoslávia. Como resultado deste encontro foi publicada a Carta de Belgrado, na qual explicita que nossa geração tem testemunhado um 25


crescimento econômico brutal e um processo tecnológico sem precedentes, os quais, ao tempo em que trouxeram benefícios para muitas pessoas, produziram e proliferaram muitas conseqüências ambientais e sociais. Essa Carta tem como destaque a futura tentativa de acabar com as surpreendentes desigualdades. Ela confirma, ainda, as evidências da crescente deteriorização do ambiente físico numa escala mundial e, embora primariamente tenha sido causada por números pequenos de países, atualmente, afetam toda a humanidade. É absolutamente vital que os cidadãos do mundo insistam em medidas que apóiem um tipo de crescimento econômico que não tenha repercussões prejudiciais para as pessoas, para o seu ambiente e suas condições de vida. É necessário encontrar maneiras de assegurar que nenhuma nação cresça ou se desenvolva às custas de outra e que o consumo feito por um indivíduo não ocorra em detrimento dos demais. Os recursos do mundo devem ser desenvolvidos de modo a beneficiar toda a humanidade e proporcionar melhoria da qualidade de vida de todos. (Carta de Belgrado, 1975. p.01)

É apenas nos anos 80 que os questionamentos acerca do meio ambiente versus desenvolvimento são trazidos à tona novamente. Assim, em 1983 a Organização das Nações Unidas indica a primeira ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, para presidir a comissão que seria encarregada de estudar as questões relativas ao meio ambiente. Em 1987, quando é apresentado um estudo intitulado “Nosso Futuro Comum”, conhecido também como Relatório Brundtland, surge um novo conceito de desenvolvimento, denominado desenvolvimento sustentável: Uma correção, uma retomada do crescimento, alterando a qualidade do desenvolvimento, a fim de torná-lo menos intensivo de matérias-primas e mais eqüitativo para todos”, e ao mesmo tempo, “ um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras. (CMMAD, 1987 apud SENE & MOREIRA, 1997. p.408)

Este relatório buscava equilibrar as diversas posições surgidas em Estocolmo-72, tentando conciliar a preservação do ambiente e desenvolvimento. A crítica a este Relatório e às discussões que este fazia acerca do desenvolvimento foi grande por parte dos ambientalistas. Questionavam principalmente a perspectiva conservadora desse crescimento sustentado, que acreditava no voluntarismo dos agentes econômicos e não questionava o principal: o modelo econômico. Ou seja, este Relatório propunha um capitalismo verde ou um ecocapitalismo, mas não pensava no conceito de sociedades sustentáveis, que estariam: Baseadas em igualdade econômica, justiça social, preservação da diversidade cultural, da autoridade ecológica, o que obrigaria a mudanças não apenas econômicas, mas filosóficas, morais e éticas. Implicaria, enfim, uma visão holística para a relação homem-natureza”. (SENE & MOREIRA, 1997. p.409)

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Contudo, a referência que mais se relaciona a este assunto refere-se aos trabalhos de Ignacy Sachs, economista que estudou e desenvolveu as noções de Ecodesenvolvimento. Nesse trabalho, Sachs propôs uma estratégia alternativa para as questões de desenvolvimento, que integrava participação social, preservação ambiental e promoção econômica. (LIMA, 2004). Assim desenvolvimento sustentável, É aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades.(1991, BRUNDTLAND apud SENE & MOREIRA, 1997. p. 408)

Em 1992, acontece então a Conferencia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro. O Rio-92 lançava novas perspectivas para o futuro, definindo muitas resoluções, como o objetivo de alterar o modelo de consumo da sociedade em prol de um outro mundo, mais sustentável ecologicamente. No entanto, a Rio92 não trouxe soluções pertinentes para os graves problemas ambientais, os quais vinham se agravando, mas pôde sensibilizar a sociedade. Ainda nesta Conferência, foi criada a CDS - Comissão de Desenvolvimento Sustentável com o objetivo de fiscalizar o processo de construção da Agenda 21 Global, que estaria agora sendo produzida com o investimento de 0,7% do PIB (produto interno bruto) dos paises desenvolvidos. Desde o início das preocupações com as questões ambientais o conceito de política sócio-ambiental vêm sendo formulado. Este estudo vai partir do conceito de política sócioambiental, como sendo um exercício do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. (VIEIRA, 1998) Para este estudo vai se trabalhar o conceito de política sócio-ambiental como sendo mais que um exercício do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (VIEIRA, 1998), e sim, como uma ferramenta de organização para mobilização e transformação social.

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CAPÍTULO II 2.1 METODOLOGIA

2.1.1 Natureza do estudo

Ao longo do processo dessa pesquisa, procurou-se conhecer e interpretar a realidade que foi encontrada, não a alterando ou modificando-a, como também, procurou-se não centrar a análise em dados quantitativos. Portanto, esse estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa exploratória descritiva e analítica. A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores, atitude, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reproduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 2004.p.109)

Recorreu-se, portanto, a duas técnicas para coleta de dados, tentando apreender o todo: as situações, sensações, sentimentos, problemáticas, complexidades, contradições, a fim de reconstruir a realidade desses sujeitos. Na tentativa de aproximar a fundamentação teórica à prática da pesquisa, optou-se pelo trabalho com categorias, onde “o termo ‘categoria’ possui uma conotação classificatória” (MINAYO, 2004. p. 94). Assim, segundo MINAYO (op.cit.), esse conceito refere-se ao agrupamento em classes e/ou séries de elementos que abrangem determinado sentido comum. “As categorias são representações essencialmente coletivas que traduzem situações do grupo; dependem de como este é constituído e organizado.” (DURKHEIM, 1978. p.79). MINAYO (2004) divide essas categorias em Analíticas e Empíricas. As categorias estabelecidas na fase exploratória, ou seja, antes da ida ao campo, podem ser mais abstratas e generalistas; deixando para formular categorias mais específicas apenas depois da ida ao campo (Empíricas ou Específicas). O cruzamento dessas informações resultará na análise mais aprofundada e operacionalizada dos resultados adquiridos na fase empírica. Nesse caso, foi utilizada como categoria geral o conceito de ‘Representação Social’. Para a escolha das categorias Empíricas ou Específicas, aquelas dependentes dos dados de campo, foi necessário primeiramente mapear as falas dos entrevistados para classificar os resultados das análises nessas categorias. 28


Diferente da pesquisa quantitativa, onde a maioria ou minoria resulta na existência ou ausência de algo, neste estudo, o aparecimento e divisão em categorias Gerais e Empíricas, que encontram na fala a ferramenta reveladora de valores e códigos de sistemas, é que definem as representações de grupos. Assim, para COSTA (1995) a fala revela condições estruturais, símbolos, normas valores, condições, e consegue, através de um porta-voz, transmitir as necessidades de representações de grupos determinados, dentro de uma conjuntura histórica, sócio-econômica e cultural. Por isso, é que se preferiu priorizar um estudo qualitativo, utilizando-se as categorias para melhor defini-lo, que a utilização numérica e quantitativa. Assim, a pesquisa concentrou-se em analisar as representações sociais dos catadores de lixo do bairro de Brasilit – Recife-PE, de maneira aprofundada e intensa, através de observações diretas, registradas em diário de campo, e entrevistas semi-estruturadas, gravadas em áudio, reunindo, principalmente informações qualitativas. Na análise de dados, foi utilizado o método hermenêutico-dialético. Assim, tenta-se penetrar no mundo dos fenômenos através de uma ação recíproca, considerando a contradição que é inerente a este fenômeno, bem como a transformação dialética que acontece tanto na natureza quanto na sociedade. (MINAYO, 2004)

2.1.2 Definição da amostragem

Existe hoje, em Brasilit – Recife-PE, um batalhão de catadores de lixo que chegam ao bairro à procura de depósitos para vender seus materiais. O número, tanto de depósitos quanto de catadores a sua procura, está em crescente aumento. Alguns desses catadores procuram o bairro pela questão de proximidade e conveniência, outros apenas o freqüentam quando ocasionalmente passam por lá com suas carroças já cheias. Fato é que existem poucos catadores de lixo, com um lugar definido de venda. Onde, independente do volume carregado em suas carroças, vendem sempre no mesmo local. Esses catadores com destino pré-defenido de venda, são considerados nesta pesquisa, como catadores regulares – critério utilizado para a escolha dos entrevistados. Assim, foram escolhidos 10 (dez), dos 14 (quatorze) catadores regulares entre os depósitos de lixo de Brasilit, totalizando 71,42% desse universo de catadores fixos existentes nesse bairro. Dos dez catadores, 9 (nove) eram homens e uma era mulher, sendo esta a única catadora regular em Brasilit. 29


2.1.3 Coleta dos Dados A coleta de dados foi baseada na tentativa de responder aos objetivos gerais e específicos, propostos no início desse estudo. As abordagens acerca do conceito de cidadania e política sócio-ambiental nortearam durante todo o momento a preparação e a elaboração dos métodos para coleta de dados.

2.1.3.1 Observações As observações iniciaram antes mesmo de se ter um contato com a área de estudo. Todos os questionamentos surgidos acerca da coleta seletiva de lixo, tratamento desses materiais, e, principalmente relacionados aos sujeitos que participam diretamente desse processo surgiram quando se despertou para as grandes problemáticas ambientais globais e a tentativa de solução local. A observação dos sujeitos também é antecedente ao início da pesquisa, quando o pesquisador sensibilizou-se pela situação do catador dentro do sistema de coleta e, principalmente, em seu universo maior que é a sociedade regida pelo modelo capitalista. Desde que o tema sensibilizou a realidade do pesquisador que as observações foram iniciadas, apontando para a escolha do objeto de estudo. Agregando fundamentação teórica e aprofundando-se nas referências sobre catadores é que as observações foram deixando de ser algo desprendido e à deriva passando a serem mais direcionadas, na tentativa de entendimento da realidade, para propor soluções de melhoria das atividades desse grupo de trabalhadores. Depois de iniciada a pesquisa, todas as observações no local foram registradas em um diário de campo, em fotografias ou gravadas em forma de vídeo.

2.1.3.2 Entrevistas

Tomado como sentido mais amplo de comunicação verbal, e no sentido restrito de colheita de informações (MINAYO, 2004) a entrevista é uma técnica que propõe buscar através de questionamentos aos sujeitos em estudo a conclusão de seus objetivos propostos. Como método para este estudo foi utilizada entrevista semi-estruturada que tentou sempre combinar perguntas fechadas ou previamente estruturada às abertas, a fim de ter a possibilidade de um entendimento maior do tema proposto, sem condições ou respostas prefixadas. Assim, a palavra torna-se símbolo maior e ferramenta definidora de uma construção da realidade social. 30


Na tentativa de elucidar a problemática desta pesquisa – de que forma o catador de lixo se vê e como ele entende que a sociedade o vê – foi elaborado um roteiro de entrevista semi-estruturado onde três questões estavam em destaque: 1- Como você (o catador) vê a atividade de catar o lixo? – questão relativa ao conceito de cidadania, trabalhado na fundamentação teórica; 2- O que você (o catador) acha que as pessoas que passam nos carros, a pé ou das quais você recolhe o lixo acham dos catadores de lixo? – questão associada à forma como os catadores enxergam a sociedade, relacionado também ao conceito de Representação Social; 3- O que você (o catador) acha das cooperativas de catadores e se vocês fizessem parte de uma se isso melhoraria ou não as condições de trabalho e de vida? – questão ligada ao conceito de política sócio-ambiental, formas de organização social e possibilidade de formulação ou não de uma cooperativa de catadores de lixo na área em estudo. Muito embora esses três questionamentos tenham sido claramente perguntados aos sujeitos em estudo, outras questões puderam também ser mais bem compreendidas e investigadas devido a não estruturação rígida e conseqüente flexibilidade da entrevista. As perguntas não estruturadas normalmente tendem a deixar o entrevistado mais confortável para falar livremente, relatando, na maioria das vezes, sua história de vida. Da mesma forma, outro procedimento que não foi pré-programados, mas acabou por acontecer, na tentativa de permitir o conforto ao entrevistado, foi a busca por um lugar com sombra, ou sentado, onde o sujeito pudesse sentir-se o mais livre e confortável possível, para assim poder dialogar sobre a realidade.

Fig06. Método não programado de pesquisa: conforto e liberdade de expressão

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2.1.4 Organização e Análise dos dados

O método utilizado para a análise dos dados foi o método hermenêutico-dialético. Nesse método, a comunicação é expressa pela fala dos sujeitos e situada em seu contexto social e histórico para a realidade dos catadores de lixo ser facilmente compreendida e analisada. Dessa forma, o método tem como ponto de partida, o interior da fala. E, como ponto de chegada, o campo da especificidade histórica totalizante que produz a fala. (MINAYO, 2004) É nesse sentido que, através da interpretação das falas e o posterior cruzamento de informações com a teoria estudada profundamente, que neste caso foi a categoria geral de representação social, com o foco nos conceitos de cidadania e política sócio-ambiental, é que se pode chegar a conclusões específicas.

Deve-se

destacar

que

no

campo

da

fundamentação teórica, não é objetivo desta pesquisa mapear toda as diferenciações da política sócio-ambiental e do conceito de cidadania, mas indicar as definições, dentro dessas duas categorias, das quais o estudo irá tratar e desenvolver suas relações e conclusões. Será a definição dessas categorias que polarizarão o debate, aliado ao cruzamento dos dados obtidos em campo, que poderão trazer questionamentos e o entendimento da realidade que se quer construir. Ainda assim, é interessante deixar claro que devido ao fato de todas as análises dessa pesquisa se basearem nos discursos dos sujeitos, a pesquisa no campo apontará para o caráter ideológico, imaginário, ou seja, das representações sociais. Entretanto, se, por um lado, o discurso “pertence” ao campo do imaginário, ele é não só a tradução de relações sociais concretas como significa também a possibilidade de ação sobre essas relações. É, portanto, parte constitutiva da realidade. (ALVES, 1992 apud COSTA, 1995) Assim, quando o sujeito fala de suas experiências reais, está representando, pois, o falar, não irá nunca traduzir, exatamente, o que ocorreu, e sempre implicará numa interpretação de quem escuta. (COSTA,1995) Porém, o sujeito expressa uma situação real, de suas vivências, as quais, associadas a outras vivências definem a realidade do grupo, que foi elaborada dentro de um campo sóciocultural comum, por isso pode ser, sim, levada em consideração.

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CAPÍTULO III 3.1 RESULTADOS E DISCUSSÃO O processo de análise dos dados seguiu duas etapas, profundamente imbricadas. A primeira etapa constou da ordenação dos dados coletados a partir de categorias. Nesse momento, essas categorias foram dadas pelo confronto dos dados coletados nas observações diretas e entrevistas, com a fundamentação teórica. Assim, elas serão construídas/agrupadas a partir dos conteúdos dos dados. Com esse material, construímos as categorias específicas, com o fim profícuo de abrigar essas informações e obter um mapeamento do conjunto dos dados. A segunda etapa constou da classificação dos dados. Esse processo foi realizado a partir das estruturas de relevância apreendidas na ordenação dos dados, não pelo critério de quantidade ou freqüência, mas pela ênfase em determinados aspectos da realidade investigada, os quais indicam a base de confronto do material empírico com a parte teórica, possibilitando a interpretação dos dados que levou aos resultados da pesquisa e às conclusões finais. (MINAYO, 2004)

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3.1.1 Mapeamento dos dados Como você (o catador) vê a atividade de catar o lixo?

1º entrevistado

2º entrevistado

3º entrevistado

“não tenho nada a me queixar desse trabalho não ... da pra ganhar meus trocadinhos ... recebo na mesma hora, é catando e recebendo...trabalho nisso a três, quatro anos, entrei nisso porque tava desempregado” “nesse trabalho, você ta fazendo um benefício pra sua própria cidade” “eu cato papel desde 80, 82...” ... porque eu vivo mais parado sem catar do que catando. Sabe!? antigamente eu puxava muita carroça, agora depois que eu me aposentei, porque eu só não quero ficar em casa parado, sabe?! Cato duas, três vezes ao dia, e já vendo logo, pego o dinheiro e vou pra casa. ... me ofereceram um espaço ali, ai eu vou ficar por ali quando for na segunda-feira eu passo ... num vou ficar parado pra não ficar dentro de casa” “acho bom, ganha mais do que salário” “jornal, ferro, sempre teve ferro velho... agora é muito, um em cima do outro agora” “muita gente catando”

O que você (o catador) acha que as pessoas que passam nos carros, a pé ou das quais você recolhe o lixo acham dos catadores de lixo?

O que você (o catador) acha das cooperativas de catadores e se vocês fizessem parte de uma se isso melhoraria ou não as condições de trabalho e de vida? “é um negocio meio “quando uma coisa não serve pra um já chato...desagradável, elas olham a passa pro outro pra o outro vender e gente estranho, não é bom não...” pronto, não existe muita concorrência não” “é um negócio bom, você vai ser melhor reconhecido nas casas” “pra mim ia ser bom, bom demais até” “quem cata papel sempre... não importa ter um nome que ele é desonesto, então o carroceiro que vai chegar aqui ninguém confia nele. Ninguém confia no carroceiro não!”

“pra mim é bom, mas eu não vivo diretamente ...” acho que esse negocio de cooperativa é bom sim....melhoraria minha vida....se bem que já tou ficando velho...”

“Eles tem medo da gente, acha que a gente é tudo um marginal... fecha a porta... se esconde... fica tudo com medo”

“ia ser bom pra gente. Um lugar de trabalhar sério ” “se tratar bem a gente... se for tudo certinho... tiver dinheiro pra pagar na hora ... é pesou pagou... ter 34


preço bom” : “a gente tudo é unido” “tão pra fazer até hoje isso aí na várzea. Ate hoje num fez ainda” “um moreno que falou comigo que ia alugar um galpão aqui pra fazer. O menino da igreja ai” 4º entrevistado

“que nós basicamente somos ambulantes, né!? O ambulante quer dizer: sem fins depositáveis só com retornáveis. eu acho que o governo deveria dar mais apoio. Porque os catadores de lixo em si, eles tá limpando as ruas, então o governo teria que dar um apoio...”

...nós somos ignorado, somos humilhados, né?! ... a falta de respeito é grande, e assim sucessivamente

5º entrevistado

“trabalho empurrando carroça há cinco anos. Antes eu era do interior. Eu fazia tanta da coisa. Era trabalhador rural, a gente não sabe nem dizer. Primeiramente eu era ajudante de caminhão, depois de trabalhar pra caminhão passei pra trabalhar na mata, passei quinze ano na mata, ai então o Ibama pegou essa complicação pra gente parar ai eu parei também. Ai vim embora pra Recife pra trabalhar numa firma prazeres.. mas eu já tava com 44 anos. Ai então de qualquer maneira trabalhei 3 anos nessa firma. Ai depois a firma faliu, botou tudinho pra fora. Ai chegou minha idade ficou difícil de arranjar emprego

“tem uns prédio ai... ajunta pra mim, eu fico lá dentro eu entro toda hora... entro de noite a qualquer hora não tem problema não. E ninguém alumeia nisso não, não tem problema não”

“é algo interessante porque favoreceria a classe... é algo magnífico..” já tem lá em São Paulo, eu vi no fantástico” “. eu acho que a pessoa a partir do momento que investe esse conhecimento essa definição sobre qualificação de pessoas, ele ia ver com outros olhos essas pessoas que na qual somos nós.” “eu sei o que é isso... eu sei o que é cooperativa. Teve uma cooperativa que veio aqui e então a gente ficou apanhando pra ela... mas que ela esfarrapou... esfarrapou porque no dia que era pra vim ela não veio... ela não veio ai então ficou a gente com muito material acumulado, sem tá ganhando dinheiro... a gente colocou o material no ponto e ela não veio. Ai então a gente foi e vendeu a outro. Fiquei vendendo a outro e já ta com uns três anos que a gente vende a outros. Então a cooperativa farrapou.” “todos nós se dar bem um com o outro. De toda maneira a gente tem que 35


... num arranjei mais de jeito nenhum ”

se unir mesmo porque se eu preciso todos eles precisam. A gente as vezes se chega pra catar num canto, tem um catando a gente passa direto, não vai implicar. Se ele ta ali deixa ele catar a reciclagemzinha dele. Do jeito que a gente precisa todos precisam. A gente só se invoca quando tem a reciclagem e eles deixam de dar a gente e jogam no lixo, pro carro do lixo chegar. Sim, porque dessa maneira a gente fica mais conhecido. Ajuda mais no trabalho da gente por ai a gente fica mais unido”

6º entrevistado

“você passava na rua tava cheia de garrafa, lixo, agora ninguém vê mais, os catadores cataram” “eu se pudesse não tava aqui não, só tou porque não tem outro negócio pra fazer”

: “eu não sei dizer não. Acha que ele me trata por diferença, eles olha como eu fosse diferente por esquisito ..”

“ eu acho que ia ser muito bom ... trabalhar sério e ser conhecido”

7º entrevistado

“eu gosto de catar lixo, mas se tivesse a chance de fazer outra coisa, eu não taria aqui não” “é um trabalho bom porque não tem chefe e você recebe na hora” “sempre catei lixo, nasci dentro do lixo, antes era só papel e ferro, era tudo com ferro velho, depois que apareceu esse negocio de deposito de reciclagem. Ai a gente entrou fundo, catando mais e

“as pessoas acham que a gente vai mexer no que é delas, mexer no terreno delas, tirar alguma coisa de valor”

“uma identificação, fardamento alguma coisa assim seria muito bom, as pessoas iam saber quem são a gente”

8º entrevistado

“ olham pra nós esquisito, tanto., “seria uma melhora sim, a gente ia ter muito mesmo. Buzinam, falam nome um dinheiro certo pra sustentar a feio.” família, eu me dou muito bem com os outros catadores, são todos minha família, catamos juntos a muito 36


mais, a família toda ... a gente sabe que catando o lixo a gente limpa a cidade mas ninguém sabe disso.”

9º entrevistado

10º entrevistado

“Cato papelão há 10 anos, não encontro outra alternativa. Porque não consegui encontrar emprego, foi a melhor alternativa que achei. Não é a melhor alternativa, é que eu às vezes sinto dor em todo canto...” “mas, é o que se tem, vou fazer o que” “Eu vivo sozinha, comecei a catar papel há 4 anos. Eu tenho seis filhos e uma neta. Não consigo arranjar emprego,porque não sei ler, acho o trabalho bom, mas é muito pesado, sei que não vou arrumar outra coisa, por isso já sei catar papel. Cato papel e como.”

“ muita gente não gosta da gente, acha a gente com cara de ladrão ou de vagabundo ... ninguém entende que a gente faz isso pra tentar viver”

“aahhh...eles acham a gente tudo pobre ... ninguém gosta de pobre ... ninguém gosta ... pobre, sujo...mas comigo é diferente, vejo eles com pena de mim carregando a carroça, só porque sou magra e baixinha.”

tempo, respeito, não tem briga não.” “acho que essa cooperativa ia ser boa sim” a gente precisa é de um terreno e de uma escola pra fazer as reuniões, né? Ia melhorar a vida de nós” Olha, eu num sei não, não sei o que é esse negocio não”

“eu sei que já tem cooperativas por ai, mas não acredito não que chegue em mim....esse negocio é muito longe...vem de cima e a gente não sabe bem como funciona ... ia ser bom pra mim, a gente ia ter farda e até podia entrar nos prédios e recolher ... mas não acho que isso vai acontecer não.

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3.1.2 Interpretação dos dados

Dentro do pequeno número de prefeituras que declaram ter programas de coleta seletiva (menos de 100), o catador de materiais recicláveis está presente em 3.800 municípios, de acordo com a pesquisa do UNICEF de 2000. Atuando ao lado dos serviços municipais, esse exército de trabalhadores informais desvia entre 10% e 20% dos resíduos urbanos para um circuito econômico complexo, que passa por intermediários e terminam nas empresas de reciclagem de plástico, vidro, papel, alumínio e ferro. (ABREU, 2001) Segundo Catálogo dos 3R´s: Entidades Atuantes na Gestão de Resíduos Sólidos, publicado pela ASPAN (Associação de Preservação do Meio Ambiente) de 2004, existem hoje, em Pernambuco 23 cooperativas de catadores cadastradas pela ONG. Em Brasilit, para o estudo em questão, foram entrevistados 10 catadores regulares. Entende-se por ‘regular’ o catador que vende seus materiais constantemente no mesmo depósito, fator que foi considerado como critério de escolhas da amostra. Visando responder aos objetivos específicos desta pesquisa – identificar as representações sociais dos catadores de lixo sobre aspectos da política sócio-ambiental e o conceito de cidadania; analisar as formas de organização desses indivíduos e a possibilidade de formulação de proposta de cooperativa de catadores de lixo, tendo em vista a inclusão social – as análises dos dados foram realizadas através de três questões: 1. Como você (o catador) vê a atividade de catar o lixo? 2. O que você (o catador) acha que as pessoas que passam nos carros, a pé ou das quais você recolhe o lixo acham dos catadores de lixo? 3. O que você (o catador) acha das cooperativas de catadores e se vocês fizessem parte de uma se isso melhoraria ou não as condições de trabalho e de vida? A primeira questão – Como você (o catador) vê a atividade de catar o lixo? – está ligada à categoria cidadania. A partir da compreensão desta atividade é que o catador poderá entender e reconhecer-se como cidadão. E, como conseqüência desse entendimento e reconhecimento ele poderá perceber a importância de seu trabalho, lutar por novos direitos, para transformar sua realidade. Portanto, importância de seu trabalho surge nas falas como categoria específica ou empírica, que responde a primeira questão. A resposta do entrevistado 9 ilustra essa reflexão: Cato papelão há 10 anos, não encontro outra alternativa. Porque não consegui encontrar emprego, foi a melhor alternativa que achei.(...), mas, é o que se tem, vou fazer o que?! (entrevista nº 9) (grifos nossos)

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Embora o entrevistado assuma a atividade que desempenha há dez anos, ele não a reconhece como um trabalho. Ter um emprego na sociedade capitalista vigente é como um pré-requisito para obter a cidadania. Logo, como não se vê empregado, não se reconhece como cidadão, conforma-se com a realidade na qual ele está inserido. A nova cidadania exige uma nova sociedade, onde é necessário uma maior igualdade nas relações sociais, novas regras de convivência social e um novo sentido de responsabilidade pública, onde os cidadãos são reconhecidos como sujeitos de interesses válidos, de aspirações pertinentes e direitos legítimos. (VIEIRA, 1998, p.30)

Este ponto relacionado com o emprego foi recorrente nas respostas dos entrevistados a esta primeira questão. É visível que eles reconhecem esta situação como ‘falta de opção’. Não consigo arranjar emprego porque não sei ler, acho o trabalho bom, mas é muito pesado, sei que não vou arrumar outra coisa, por isso já sei catar papel. (Entrevistado 10). (grifos nossos)

As falas a seguir corroboram a idéia explicitada acima: Se eu pudesse, não tava aqui não, só tou porque não tem outro negócio pra fazer. (Entrevistado 6) (grifos nossos) Aí chegou minha idade, ficou difícil arranjar emprego... não arranjei mais de jeito nenhum. (Entrevistado 5) (grifos nossos)

Embora não reconheçam a atividade de catar lixo como um emprego e capaz de transformar a realidade, 40% dos catadores entrevistados apontam a importância do seu trabalho para o sistema de limpeza urbana da cidade. Nesse trabalho você ta fazendo um benefício para a própria cidade. (Entrevistado 1) Você passava na rua tava cheia de garrafa, lixo, agora ninguém vê mais, os catadores cataram. (Entrevistado 6) A gente sabe que catando lixo a gente limpa a cidade mas ninguém sabe disso. (Entrevistado 8) Porque os catadores de lixo em si eles tá limpando as ruas, então o governo teria que dar um apoio. (Entrevistado 4)

A resposta do entrevistado 8 traz à tona o paradoxo de que apesar dos catadores reconhecerem a importância de seu trabalho para a cidade, a sociedade ainda não reconhece esse benefício. Destacou-se benefício para a cidade como uma segunda categoria específica que complementa a resposta da primeira questão.Assim como a sociedade não reconhece esse benefício, para o Entrevistado 4, o Estado está ausente, já que não oferece assistência nem apoio para “classe”. Em resposta a segunda questão – O que você (o catador) acha que as pessoas que passam nos carros, a pé ou das quais você recolhe o lixo acham dos catadores de lixo? – os 39


entrevistados ressaltam a forma como a sociedade os vê, questão relacionada também o conceito de Representação Social. A grande maioria respondeu que a sociedade os percebe como uma ameaça, causando medo: Eles têm medo da gente, acham que a gente é tudo marginal ... fecha a porta, se esconde, fica tudo com medo ( Entrevistado 3).

O Entrevistado 7 concorda: ... as pessoas acham que a gente vai mexer no que é delas, mexer no terreno delas, tirar alguma coisa de valor ( Entrevistado 7).

Os catadores retrataram a existência dessa realidade de ameaça e medo, definida como categoria específica que responde a segunda questão, entretanto essa realidade não pode ser entendida como verdade científica e inalterável, pois se trata de uma representação social. E a esta representação outros fatores devem ser agregados como estrutura política, momento histórico, cultura, relações humanas. Por serem ao mesmo tempo ilusórias, contraditórias e “verdadeiras” as Representações podem ser consideradas matéria-prima para análise do social e também para ação pedagógico-política de transformação, pois retratam a realidade. Porém, é importante observar que as Representações Sociais, não conformam a realidade e seria outra ilusão tomá-las como verdades científicas, reduzindo a realidade à concepção do que os autores sociais fazem dela. (MINAYO, 2004. p.174)

Com a questão três - O que você (o catador) acha das cooperativas de catadores e se vocês fizessem parte de uma se isso melhoraria ou não as condições de trabalho e de vida? – questão ligada ao conceito de política sócio-ambiental, procurou-se investigar como os catadores de lixo entendem o processo de organização na forma de cooperativas. Observou-se que a discussão que gira em torno da organização social também está diretamente ligada ao conceito de cidadania. Nas respostas é notória a compreensão por parte dos catadores de que se organizados, tornar-se-ão fortalecidos. Percebem que assim a sociedade irá reconhecê-los como cidadãos. Identidade, união e solidariedade é a categoria específica que responde a questão 3. Na compreensão dessa categoria, identifica-se as seguintes unidades significativas: trabalho sério e reconhecido; relação solidária entre os catadores. Para os entrevistados 1, 3 e 6 a possibilidade de existência de uma cooperativa está associada a um trabalho sério e reconhecido. Eu acho que ia ser muito bom, trabalhar sério e ser reconhecido. (Entrevistado 6) Ia ser bom pra a gente, um lugar de trabalho sério. ( Entrevistado 3) É um negócio bom, você vai ser melhor reconhecido nas casas. (Entrevistado 1)

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Um outro ponto levantado pelos Entrevistados 1, 5 e 8 é a questão da relação solidária entre os catadores. Quando uma coisa não serve pra um já passa pro outro, pra o outro vender e pronto, não existe muita concorrência não. Todos nós se dá bem um com outro. De toda maneira a gente tem que se unir mesmo, porque se eu preciso todos precisam. (Entrevistado 5) Eu me dou muito bem com os outros catadores, são todos minha família, catamos juntos há muito tempo, respeito, não tem briga não. (Entrevistado 8)

Os três entrevistados acima enfatizam a questão do respeito mútuo e ausência de concorrência como resultado de relação solidária dentro do grupo, o que facilita a possibilidade de estruturação de uma cooperativa de catadores de lixo. Mesmo com esse indicativo, o Entrevistado 10 não se mostra muito otimista, por acreditar que a organização em forma de cooperativa chega de forma desconhecida e autoritária: Eu sei que já tem cooperativas por ai, mas não acredito não que chegue em mim ... esse negocio é muito longe ... vem de cima e a gente não sabe bem como funciona ... ia ser bom pra mim, a gente ia ter farda e até podia entrar nos prédios e recolher ... mas não acho que isso vai acontecer não. (Entrevistado 10) (grifos nossos)

Porém, a resposta do Entrevistado 4, perceptivelmente mais politizado que os demais aponta para as questões de cidadania e representação social. É algo interessante porque favoreceria a classe, é algo magnífico. A partir do momento que investe esse conhecimento sobre qualificação de pessoas, ele (a sociedade) ia ver com outros olhos essas pessoas que somos nós. (Entrevistado 4) (grifos nossos)

Cidadania porque através da cooperativa a classe de catadores se organiza, se beneficia desta organização e passa a reconhecer-se como sujeitos ativos capazes de lutar por seus direitos e transformar sua condição. E representação social, porque a partir da cooperação entre catadores há um processo de qualificação desses profissionais, e a sociedade passa então a percebê-los de outra forma, como cidadãos. O resultado das análises aqui exposto traz consigo o entendimento de que a organização de catadores em forma de cooperativa, além de prezar por um meio ambiente ecologicamente equilibrado, trazendo boas condições de vida para a cidade, é imprescindível para a transformação da realidade dos catadores em estudo. Durante toda a pesquisa procurou-se compreender a realidade dos catadores de lixo, entender a maneira que eles acreditam serem vistos pela sociedade, suas formas de organização, crenças, costumes, histórias de vida, para posterior a este entendimento, poder

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propor, aliado a eles, projetos e ações que possam transformar a realidade, melhorar a qualidade de vida e incluí-los socialmente. Fica evidente, tanto no mapeamento dos dados das entrevistas, quanto na interpretação dos dados à luz da teoria, a relação que o catador de lixo estabelece com a atividade de catação, relacionando-a sempre a uma ocupação temporária, e falta de opção. Ele não considera a atividade como um emprego (trabalho), mas uma ocupação imediatista. Destacam sempre a mobilidade e flexibilidade dessa atividade: a independência. O fato de não ter um chefe e receber o dinheiro na hora possibilita a ele uma liberdade maior: não tem horário fixo. Embora essa independência seja mencionada em um sentido positivo, eles não demonstraram, em suas respostas, apresentarem conhecimento da dependência aos deposeiros: subordinação estrutural ao qual estão submetidos. (LIMA, 1988). Mesmo utilizando argumentos para essa falta de opção, eles suavizam a situação argumentando que esta ocupação é melhor do que está parado em casa. Entretanto, não se pode negar que esse discurso está vinculado às raízes do capitalismo nas suas fases áureas do século XVII e XVIII, quando “o trabalho dignificava o homem”, fazendo os operários trabalharem sempre mais, e os industriais receberem as benesses dessa afirmativa. (LIMA, 1988). Os catadores apontam para a falta de possibilidades de exercerem outras ocupações no mercado e indicam que não estariam ali se tivessem outras opções. É exatamente nesse ponto que se deve enfatizar o fato de que a transformação ao qual esta pesquisa se dispõe lançar luz, não visualiza suas possibilidades de acontecimento dentro de um cenário como esse. É imperativo, pois, transformar a realidade. Essa que não garante aos catadores acesso à educação, à saúde, à moradia, ao lazer, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância. Esta realidade não os possibilita lutar pelos seus direitos e transformar seu próprio universo como cidadãos. Assim, se a nova cidadania, aprofundada por Litz Vieira (1998), deseja a constituição de sujeitos sociais ativos que definam seus direitos, conseqüentemente, terá que se propor alternativas que lhes forneçam ferramentas adequadas para a luta e modificação. Assim, uma alternativa potencialmente interessante para a transformação dessa condição dos catadores seria a organização deles em cooperativas, pois através dessa, a classe se organiza, e os catadores passam a se reconhecer como cidadãos, sendo, portanto, capazes de lutar pelos seus direitos e transformar-se, bem como a sua realidade.

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A possibilidade de organização desses catadores em cooperativas, vinculadas ao direito à cidadania, traz a tona à discussão da marginalização do trabalho de catador, apontado acima. A atividade não é vista por eles como um trabalho, e sim, apenas, como um meio temporário de sustentação, sendo considerada pela sociedade como uma atividade marginal, conseqüentemente, não proporciona a possibilidade de transformação dessa realidade, nem dá a eles a garantia dos direitos de cidadania. Assim, é contundente questionar o atual modelo econômico e a relação que esse modelo estabelece na concessão à cidadania, já que o mesmo catador, anteriormente visto à margem, agora, vinculado a cooperativa, onde realiza o mesmo trabalho, passa a ser reconhecido como cidadão e incluído nessa sociedade capitalista. Entretanto, deve-se lembrar que existem diferentes formas de organizações fundamentadas em concepções que não estão vinculadas ao modelo econômico atual, embora necessitem atuar nele. Essas formas de organizações sociais estão vinculadas ao novo conceito de cidadania e propõe a inclusão através da transformação de sujeitos passivos em seres sociais ativos que definam quais são os seus direitos. As cooperativas de catadores, como uma dessas formas de organização social, não podem ser entendidas como fim, e sim como meio e ferramenta de modificação da realidade social. Pois ela se dispõe a está sempre em processo de renovação, em constante mudança, já que é representada por indivíduos que também estão em constante processo de transformação. Enfim, destaca-se como alerta a existência do trabalho infantil no interior da atividade dos catadores de lixo: Sempre catei lixo, nasci dentro do lixo, antes era só papel e ferro, era tudo com ferro velho, depois que apareceu esse negocio de deposito de reciclagem. Ai a gente entrou fundo, catando mais e mais, a família toda ... a gente sabe que catando o lixo a gente limpa a cidade mas ninguém sabe disso. (Entrevistado 8) (grifos nossos)

Inquieta com essa situação, a cooperativa de catadores quer garantir ao catador educação, saúde, moradia, lazer, capacitação, requalificação, e total inserção na sociedade, bem como, o fim do trabalho infantil e a não manutenção dos catadores como puxadores de carroça pelo resto da vida, já que a cooperativa não se entende como fim; existindo não mais como seres passivos, agora, como agentes questionadores e transformadores desta sociedade e do meio em que vivem.

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3.2 CONCLUSÕES FINAIS “Só é possível transformar-se na medida em que já se é” Friedrich Von Novalis [1772-1801]

Com esta pesquisa, que teve como objetivo geral – analisar o catador de lixo e sua visão sobre a sociedade, segundo os aspectos da política sócio-ambiental e conceito de cidadania. – chega-se à conclusão que para a construção de uma nova sociedade, mais justa e humana temos que nos basear no conceito da cidadania participativa. Onde os sujeitos ativos são transformadores de sua própria história e encontram nas organizações sociais suas ferramentas de luta. Ou seja, para que os catadores de lixo possam ser reconhecidos socialmente, não só como profissionais mas como cidadãos é preciso mais do que uma cooperativa de catadores que disponibilizem e proporcionem requalificação e questionamentos para a transformação social. Necessita-se, portanto, uma modificação estrutural na forma de sociedade e no modelo econômico atual. Não se pode permitir a garantia de uma cidadania vinculada ao grau de envolvimento com uma organização social, afinal de contas, quando um ser humano nasce ele é cidadão. Ele adquire o direito a ter direitos. Este cidadão pode ser ativo ou passivo. Mas teria que, por obrigatoriedade, ser visto e reconhecido enquanto ser humano, cidadão, sujeito de transformação. É função dessa forma de organização social, neste caso, as cooperativas de catadores, possibilitar o envolvimento desses sujeitos nas discussões da sociedade, para serem agentes modificadores, para que possam entender a sua importância no processo de catação, propor melhorias ao sistema, participar ativamente das discussões de sua classe e lutar por seus direitos, transformando sua realidade . Mas, não será a cooperativa que dará a cidadania aos catadores. A cidadania já é inerente ao ser humano, tem-se, portanto, que lutar para seu reconhecimento, indagar a todo instante essa sociedade e esse modelo econômico que além de não proporcionar condições básicas de sobrevivência, prefere deixar mudo e omisso esses passivos seres – os catadores de lixo – que excluídos desse processo, não são considerados cidadãos.

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A perspectiva para essa pesquisa é a continuação da formulação da realidade dos catadores de lixo, para assim poder, junto a eles, construir um projeto de cooperativa de catadores para o bairro de Brasilit. Assim, esta pesquisa aponta para questões pertinentes, mas que não conseguiram serem elucidadas por completo, têm-se, portanto, como sugestão para novo tema de estudo: o conceito de cidadania e sua relação com a qualidade de vida do catador de lixo.

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