Cartilha África no Horizonte

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ÁFRICA NO HORIZONTE ETNICIDADE, MÚSICA E JUVENTUDE BRASIL - SENEGAL

CARTILHA


AGRADECIMENTOS ESPECIAIS O África no Horizonte agradece a todos que contribuíram para o projeto acontecer. Agradecemos Vinicius Neme pela assessoria jurídica e artística, pelas idéias compartilhadas e materializadas no projeto. Agradecemos à Mutante Produções por tornar nosso sonho viável e provarem que o cinema pode ser algo acessível a todos. Agradecemos também à Embaixadora Maria Elisa de Luna por todo apoio e contribuição para a etapa do Senegal acontecer e nos ensinar muito com sua participação no documentário, fortalecendo a relação entre Brasil e Senegal. Estendemos nosso agradecimento a toda equipe da embaixada do Brasil no Senegal. Agradecemos ao mestre Doudou Ndiaye Rose e toda sua família por toda generosidade, recepção e aprendizado. Agradecemos ao Gilberto Gil pela valiosíssima contribuição com suas experiências e falas entre Brasil e África. Agradecemos a Jean Pierre Senghor pelo incentivo. Agradecemos Ngala, amigo, cantor e compositor senegalês, por ser nosso grande mediador lingüístico no Senegal e mostrar a resistência impressionante da língua e cultura oral Wolof diante dos resquícios coloniais e compartilhar sua arte com a gente a cada dia. Agradecemos ao Asfall e ao Mbay Fall, pessoas importantes no dia a dia de Parcelles Assainies, pela receptividade e participação no projeto. Agradecemos também à Regina Novaes por toda doçura, entusiasmo, pela oratória infalível e pela participação no documentário. Agradecemos ao Observatório de Favelas por todo apoio e recepção. Agradecemos também à Geisa Lino pelo entusiasmo e coragem diária e à equipe da Lona da Maré por viabilizarem nosso trabalho coletivo acontecer. Esperamos estreitar mais e mais nossos laços com a Maré. Agradecemos também às famílias da Maré que incentivaram seus filhos a participarem das oficinas. Agradecemos à Samantha Gifalli pelo tratamento das fotografias pelas contribuições à exposição, agradecemos também à Clarissa Gifalli e toda família pelo apoio de sempre. Agradecemos Sônia e Paulo por todo apoio e torcida ao projeto. Agradecemos também ao Marcelo Amorim, Maria Mustafa e Monica Petit pela generosidade e ajuda. Agradecemos Fabio Maciel pela criação gráfica e artística da cartilha. Agradecemos à escola Maracatu Brasil pelo incentivo de sempre e pelo espaço. Por fim, e não menos importante, deixamos nosso agradecimento ao apoio e viabilidade da Funarte, Ministério da Cultura e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em fazer esse grande sonho e encontro acontecer, através do Premio Funarte de Arte Negra.


APRESENTAÇÃO Em 2010 brotavam as primeiras sementes do projeto África no horizonte: etnicidade, música e juventude. Ao receber uma carta-convite da Fundação Doudou Ndiaye Rose, foi dada a largada para uma relação não só musical como também familiar de Alexandre Garnizé com o senegalês e mestre do Sabar Doudou Ndiaye Rose. A identificação musical entre os dois músicos fez do primeiro um filho adotivo do segundo, com a responsabilidade de disseminar a cultura musical vivida na periferia de Dakar, o Sabar, pelas periferias do Brasil, América latina e pelo mundo. Desde então, após esse encontro musical na trajetória de Alexandre Garnizé, uma das relações musicais possíveis entre Brasil e Senegal foi solidificando no contexto favorável das políticas culturais entre o governo brasileiro e diversos países africanos. Fazendo lembrar a riqueza de nosso legado africano, muito presente em nosso dia a dia e que não deve ser adormecido, tal contexto nos conduz até as configurações atuais com a conquista do Premio Funarte de Arte Negra para a valorização de produtores culturais e artistas negros. O projeto África no Horizonte: etnicidade, música e juventude trouxe como proposta a realização de oficinas entre os dois países e a doação de instrumentos percussivos brasileiros para a fundação senegalesa que nos recebeu, delineando as proximidades e diferenças entre a música e o contexto social brasileiros e senegaleses. Junto às oficinas, nos comprometemos com a gravação de um documentário, com uma exposição de fotos, além da produção desta cartilha, que inclui fotografias nos seus recursos comunicativos, como produto final, pois entendemos que o audiovisual é um recurso fundamental e mais acessível para dialogar com tais realidades, estimular a valorização da auto-estima dos jovens participantes, bem como produzir um registro e memória do que foi vivenciado.

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Realizando um intercâmbio cultural, Alexandre Garnizé participou de atividades de educação na fundação africana Doudou Ndiaye Rose, dedicada ao ensino de música para jovens em situação de risco na periferia de Dakar, e na volta para o Brasil, com os frutos desse aprendizado, ofereceu oficinas na Maré, bairro periférico da Cidade do Rio de Janeiro, em que apresentava uma proximidade e vivência profissional maior. Realizando a ponte entre periferias Brasileiras e Africanas, tal intercâmbio musical trabalhou a arte e a cultura afro-brasileira como instrumento de transformação social, aperfeiçoando e formando agentes multiplicadores de cidadania, de modo a utilizar a música percussiva como víeis para a valorização do indivíduo em sociedade. Através de instrumentos e técnicas musicais, assim como fomento a pesquisa teórica sobre cultura africana, a preocupação foi ressaltar a afirmação da identidade negra na sociedade brasileira, despertando o respeito à diversidade, como também ampliação do conhecimento étnico-musical. Um dos nortes para a execução do projeto foi considerar também que a informação de qualidade é excelente estratégia no combate ao preconceito, violência, e a demonização da cultura de origem africana. Este projeto buscou ampliar as ferramentas de pesquisa para àqueles que possuem acesso restrito ao conhecimento da música. O acesso à diversidade dos ritmos praticados no Brasil e fora dele configura um passo importante para a compreensão da nossa cultura como afrodescendente. Estar no Senegal foi de importante valia histórica e simbólica devido ao país ter desempenhado o papel de um dos principais distribuidores de africanos de várias etnias (Bambaras, Tukulês, Mandings, Malinks, etc.) para o Brasil, além de podermos constatar a semelhança de condições dos jovens senegaleses e dos jovens brasileiros em áreas de risco. Assim sendo, podemos afirmar que a origem africana nos foi legada como herança cultural, e como uma das matrizes mais importantes da identidade cultural brasileira. Os ritmos africanos fazem parte do nosso cotidiano, como reflexo, tem-se a larga utilização das células rítmicas africanas, inclusive as religiosas, na produção musical brasileira.

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Nesse sentido, o acesso à diversidade dos ritmos africanos trata-se, portanto, de um passo importante para a compreensão da nossa cultura afrodescendente. Investindo no uso da história e da etnomusicologia, ampliam-se os recursos da linguagem musical para os jovens, além do conhecimento sobre a música sagrada, presente nos rituais de candomblé no Brasil. À medida que se apresenta a linguagem musical, a diversidade e complexidade dos toques, se questiona os modelos cristalizados, ideológica e politicamente da arte e da música. A realização deste trabalho com jovens é estimulante para que se busque evidenciar o valor da nossa música e da nossa história e estimular maior respeito e reconhecimento aos saberes de nossa sociedade, visando contribuir com o desafio de sistematizar a linguagem musical brasileira junto à população mais necessitada.


ENTRE A “TRADIÇÃO” E A “TRADUÇÃO” Há um tempo uma quantidade considerável de antropólogos brasileiros tem apontado a etnicidade como uma complexa questão que vai além da busca ao passado arqueológico. Desde a Constituição Federal Brasileira de 1988, não só em alguns setores do campo acadêmico como nas políticas públicas brasileiras, a etnicidade vem sendo entendida como um constante processo de construção política de identidade no presente. Em vez de uma substância cultural, passam a entender a etnicidade como um processo social de uma cultura em fluxo, de modo descontínuo e observável nas categorias de diferenciação identitárias. A etnicidade passa a ser entendida a partir dos chamados mecanismos diacríticos, elementos nos quais os atores que reivindicam suas características sociais e culturais particulares permitem se diferenciarem de outros grupos sociais. Tanto o Estado como os atores que reivindicam sua identidade étnica podem ser produtores desses mecanismos diacríticos e marcadores de identidade. Essa forma de olhar, espelhada no norueguês Friedrich Barth, tem influenciado uma série de movimentos sociais em busca de reconhecimento étnico e territorial no Brasil. Junto a isso, as múltiplas variáveis simultâneas identitárias marcam esse período contemporâneo tanto na academia como nos movimentos sociais. Passa-se a chamar atenção não só para as juventudes brasileiras como para as denominadas minorias (políticas) negras e pobres que constituem o maior contingente quantitativo dessas juventudes. A busca pela expansão dos direitos dessas juventudes marca um contexto político no país que cruza com a trajetória social de Alexandre Garnizé, ator político presente sobre essas demandas, tendo atuado no Conselho Nacional da Juventude e Participado da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. ÁFRICA NO HORIZONTE ETNICIDADE, MÚSICA E JUVENTUDE

Nascido na área metropolitana de Recife, em Camaragibe, bisneto de uma etíope judia com um beninense muçulmano, Garnizé cresceu montando o quebra cabeça de suas origens e descobriu a música como a melhor forma de escapar das alarmantes estatísticas de sua cidade e do país sobre jovens no mundo do crime. A música, por sua vez, constituiria parte desse ciclo de busca e entendimento de suas origens e um instrumento de formação de identidade própria e reflexo de seu contexto social. Pernambuco foi um dos principais locais aonde desembarcavam a maior parte dos africanos no início da colonização portuguesa com o intuito de serem escravizados nos latifúndios de cana de açúcar. Sua bisavó e seu bisavô faziam parte desse contingente, a “tatuagem”, de seu bisavô, conforme contava a sua avó, lembrava o tempo em que os negros eram marcados como gados, indicando a propriedade dos senhores de fazendas. Essa forma de história oral que se aviva no presente do músico percussionista reflete nos meios e modos de sua expressão artística, portanto torna-se também uma expressão política e que cimenta buscas por afirmações étnicas.


Tendo cursado história em sua juventude, Alexandre Garnizé se dedicou ao estudo de etnias africanas como os igbominas e ao longo de sua carreira de músico desenvolveu estudos não só históricos como percussivos sobre as relações musicais entre Brasil e África, bem como as ressignificações da cultura brasileira sobre costumes e ritmos originários na África. Parte dessa iniciativa podemos entender no contexto que Stuart Hall traz sobre as identidades culturais nas denominadas “pós-modernidade”, “modernidade tardia”, ou “globalização”, que são categorias intensamente polêmicas e discutidas nas ciências sociais.

Nesse contexto o autor mostra que uma das conseqüências desse período contemporâneo que vivemos é não só a formação de identidades locais ou a formação de novas identidades, como a dialética de ambas. Remontando ao que Kevin Robes e Homi Babba tratavam como os fenômenos da ”tradução” e da “tradição”, Hall mostra que as identidades locais ou a busca pela “tradição” não são isoladas, mas sua busca pelas “raízes” se encontra em comunicação e em constante movimento com o que acontece no mundo. Já o conceito da “tradução” trata das formações de identidades que atravessam e intersectam fronteiras naturais, ou seja, de pessoas que foram dispersas para sempre de sua terra natal, porém mantém fortes vínculos com seu local de origem. Tais pessoas negociam com as novas culturas em que vivem, sem serem completamente assimiladas, porém carregando os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais viveram. As novas diásporas provocadas pelas migrações pós-coloniais seriam um exemplo disso. A “tradição e a “tradução”, portanto, são conceitos sobre fenômenos sociais que se compõem e tornam falso qualquer dilema imiscível ou rígido entre eles. A vida no Candomblé e as relações sociais dessa religião com os ritmos percussivos que a acompanham, a dança e a realidade social do maracatu, inclusive como movimento político e cultural de resistência da população negra no Brasil, forma uma constelação de elementos da trajetória de Garnizé em busca de sua história e passados mais presentes do que nunca. Temos, portanto, um exemplo vivo dessa dialética da tradução e da tradição que se funde e se complementa na trajetória do músico historiador. Sua busca pelas etnias africanas que formaram suas raízes familiares no Brasil influenciam um novo processo identitário, o caso dos Brasileiros, descendentes de africanos, que resolvem conhecer ou “retornar” a África. Suas formas de pensar e tocar o maracatu e o candomblé buscam a “tradição” dos toques, porém se furtam a reinventar dentro da tradição, de modo a criar novas identidades sonoras e políticas na música que hoje se “traduz” no Rio de janeiro, em Pernambuco e no Brasil. As juventudes, desse modo, tornam-se a principal ponte para instrumentalizar a relação musical e política entre Brasil e Senegal, entre o samba e o Sabar, entre o Rio de janeiro, Pernambuco e Dakar.

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COMPLEXO DA MARÉ, RIO DE JANEIRO: A Maré é um bairro da zona norte do Rio de Janeiro com alto número de migrantes nordestinos e afrodescendentes (65% dos habitantes) e com uma vida cultural e de resistência política riquíssimas. Constitui-se no maior conjunto de favelas da cidade do Rio de Janeiro, localizado entre a Avenida Brasil e a Linha Vermelha, com uma população distribuída em mais 40 mil domicílios por 16 comunidades populares: Marcílio Dias, Praia de Ramos, Roquete Pinto, Parque União, Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Nova Maré, Baixa do Sapateiro, Morro do Timbau, Bento Ribeiro Dantas, Conjunto Pinheiro, Novo Pinheiro, Vila do João e Conjunto Esperança. Segundo dados do Censo de Empreendimentos Maré, sua população contabiliza um total de 140 mil pessoas. O processo de ocupação da Maré se dá de modo efetivo a partir da década de 40, quando os primeiros moradores vindos de fora somam aos núcleos de pescadores que viviam no local desde o final do século XX. Esses moradores se fixaram no local que hoje é chamado como Morro do Timbau, único local seco entre as áreas de manguezal que foram aterradas ao longo de muito tempo de luta pela permanência dos moradores no local e pela superação da pobreza e do preconceito.

Outro fato que consolida a ocupação da Maré é a construção da via rodoviária denominada hoje de Avenida Brasil, conectando o Centro da Cidade ao subúrbio, local onde se encontravam as principais fontes de mão-de-obra da cidade, fortalecendo também a industrialização na região. Posteriormente constituíram-se as comunidades do Parque Maré, Baixa do Sapateiro, seguidas do Parque Rubens Vaz e Parque União, ao longo da década de 1950. Depois se formam as comunidades Nova Holanda e Praia de Ramos – esta última abrigou famílias removidas de outras favelas cariocas na década de 1960. Em 1994, a Lei Municipal nº 2119, de 19 de Janeiro de 1994 cria e delimita o bairro Maré, agrupando comunidades que até então não se reconheciam como unidade oficialmente, embora as histórias de resistência política à manutenção do local de origem e aos estigmas sociais fossem fatores de unidade na constituição de uma identidade política e de territorialização entre todas elas. A ausência do Estado por muito tempo, frente às necessidades das comunidades populares, marca processos de identificação particulares entre os moradores locais e suas formas de expressão. As palafitas que se baseavam sobre os manguezais abrigavam diversas famílias e fazem parte da memória dos moradores sobre seus enfrentamentos diante das tentativas de remoção por parte do estado nos anos 1960 e 1970. Junto a isso, consolidaram-se lutas por saneamento básico, energia e coleta de lixo para as comunidades. Em 1979, a Maré passa por outras transformações, quando o governo da ditadura militar constrói conjuntos habitacionais (Programa Morar – PróMorar) para transferir as famílias de favelas no rio de janeiro. O autoritarismo desse projeto provocou forte resistência dos moradores das comunidades ameaçadas e da maré. Surge, nesse contexto, a Vila do João.

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CONTEXTO DAS COMUNIDADES DE DAKAR Tempos depois, através da Prefeitura Municipal do Rio de janeiro, foram criados mais dois conjuntos habitacionais com os recursos do Programa Morar Sem Risco: Bento Ribeiro Dantas, em 1989, e Nova Maré, em 1996, sobre aterros de manguezais para receber pessoas em áreas de risco, moradores de rua e famílias que moravam ainda em palafitas na Maré, como na favela Roquete Pinto. A última intervenção na Maré foi no ano de 2000 com a construção do conjunto Salsa e Merengue, trazendo famílias de diversos lugares distantes. Esta população encontra-se envolvida, sobretudo, com o mercado informal de trabalho e em atividades autônomas, sendo que boa parte das famílias residentes são chefiadas por mulheres (cerca de 70%). Segundo o Censo de Empreendimentos Maré, de cada quatro estabelecimentos locais, três são informais. O Censo chama atenção também para o fato de que a metade dos empreendimentos nessa condição afirma não ter a intenção de formalizar o negócio e 1/3, embora declare ter vontade, sequer tentou a regularização, enquanto 17,3% já tentaram sair da informalidade. Dentre as razões para esse cenário, o Censo algumas razões: entre elas, a grande maioria dos empreendimentos tem a dinâmica de seus negócios centrada na favela e os moradores são o público predominante, o que significa a formalização não afetaria muito o desenvolvimento da atividade. Além disso, mostram que o alvará de funcionamento para dadas atividades só é concedido se forem atendidos certos padrões de segurança, sanitários ou de postura urbana. A formalização nesse caso pode limitar a diversificação de produtos oferecidos no estabelecimento. Por outro lado, destaca-se a busca pela independência e autonomia como um dos diferentes motivos que impulsionam parte dos trabalhadores cariocas e não exatamente. o desemprego. ÁFRICA NO HORIZONTE ETNICIDADE, MÚSICA E JUVENTUDE

Segundo a UNICEF do Senegal, o desemprego atinge mais de 40 por cento da população. Muitos jovens optam por abandonar os estudos e trabalhar no setor informal. Durante o projeto tivemos a oportunidade de conhecer as comunidades de Parcelles Assainies, e de Hann Bell-Air em Dakar e a importante Ilha de Gorée. Parte do documentário que realizamos foi filmada em Parcelles Assainies, revelando as expectativas que os jovens têm de ascensão social pelo futebol, pela música ou pelo esporte. Já em Hann Bell-Air, realizamos o encontro Doudou Nidiaye Rose e o workshop de Sabar com os jovens da família e do bairro em que reside o músico senegalês.

Hann Bell-Air

É uma parte da divisão administrativa de Dakar que se assemelha ao que definimos como bairro e onde reside uma das esposas do mestre do Sabar Doudou Nidiaye Rose. Hann Bell-Air tem uma população estimada de 90.000 habitantes, 40.000 vivem na aldeia tradicional Hann e o restante nas aldeias ou vilas “modernas”: Hann Marista, Bela Vista, Marinas etc. As principais atividades econômicas da população são a pesca, comércio, artesanato, nas vilas tradicionais, e o setor de serviços, nas vilas modernas. Doudou Ndiaye Rose em Hann Bell-Air, um dos locais que mora com uma de suas 4 esposas e onde ensina o ritmo do sabar à jovem orquestra composta por seus filhos.


DOUDOU NDIAYE ROSE: ENTRE OS GÉWÉL E A MÚSICA CONTEMPORÂNEA Percussionista senegalês, dos mais renomados músicos africanos do século XX. A ele é atribuída autoria e desenvolvimento de cerca de 500 novos ritmos além da invenção de diversos tambores. Apesar de ter se especializado na arte de tocar um tradicional tambor chamado sabar, Doudou toca vários tipos de tambores. Já tocou com Dizzy Gillespie, Miles Davis, os Rolling Stones, Peter Gabriel, entre outros. É criador e integrante da banda de percussão “Drummers of West Africa”, formada por membros da sua família, e o “Les Rosettes”, um grupo de percussão de mulheres formado por suas filhas e netas. Sua família é Griot, e ele nasceu com o que chamam de “gewol” - uma predileção natural para o ritmo. O griot Wolof, denominado como, o géwél, faz parte do grupo social endogâmico de artesãos, os ñeeño. Cada géwél, homem ou mulher, tem uma especialidade musical: o canto, o alaúde ou instrumento de corda xalam, os tambores de Sabar e o tambor tama. Anteriormente, os géwél colocavam suas habilidades à disposição da soberania. Eles cantavam os louvores da família real, acompanhando o alaúde xalam, anunciavam ao povo as saídas do rei, tocavam e cantavam suas músicas em diversos momentos momentos do dia da família real: ao acordar, nas refeições e para dormir. Durante a guerra, o papel do géwél foi fundamental: tocava o tambor e cantava músicas de encorajamento dos homens para a batalha. O desaparecimento da realeza reduziu significativamente a actividade do géwél de côrte. Outros géwél foram anexados, respectivamente, para as gerações de famílias nobres. A ligação entre Geer (não artesanal) e géwél, baseada no respeito mútuo, continua a ser muito forte. O géwél também pode prestar serviço para as figuras religiosas e políticas. ÁFRICA NO HORIZONTE ETNICIDADE, MÚSICA E JUVENTUDE

Sobre a formação do griot aprendiz, o conhecimento é frequentemente transmitido por pessoas de mesmo sexo: o pai ensina seu filho e a mãe ensina suas filhas, principalmente no que diz respeito a música instrumental, embora Doudou tenha quebrado um pouco com essa regra, ensinando e inserindo suas filhas mulheres em sua orquestra familiar de sabar. A criança dá seus primeiros passos ao fazer sozinha um tambor que consiste de uma lata e um saco plástico como uma pele. O conhecimento do músico aprendiz pode ser validado também, nos ensaios ou durante o aquecimento de músicos ao longo dos eventos musicais. Para Doudou Ndiaye Rose, seu papel social não pode ser caracterizado como um griot, embora muitos assim o definam. Segundo ele, sua formação foi feita por uma pessoa estranha à família, além do mesmo ter códigos sociais atípicos em comparação ao griot wolof. Doudou Ndiaye Rose começou sua carreira musical com a idade de nove anos, em 1939, ele era fascinado pelo som das sabars que ouviu nos pátios da Medina em Dakar. O que o levou a procurar ocasiões festivas onde ouvia bateristas. Para evitar ir contra os desejos de seu pai, que não era muito interessado em sua paixão pelo sabar, Doudou passou a viver com seus avós. Pouco depois, ele se encontrou com o maior baterista do país, El Hadj Mdemba Seck, que lhe ensinou a arte de tocar bateria durante vários anos. Ao mesmo tempo, ele estudou encanamento, um ofício que praticou durante muitos anos de sua vida. Doudou N’Diaye Rose é sem dúvida o artista Africano que tem mais sucesso em preservar e promover os ritmos triadicionais combinando-os com música moderna. Um dos meios em que essa combinação acontece é através da Fundação Doudou N’Diaye Rose, existente desde 1991, abriga grupos musicais, promove festivais de música e oferece workshops, em tempo integral.


Embora Doudou não se considere um griot, os mesmos foram importante para a sua formação, pois Doudou cresceu entre as orquestras de Sabar dos griots. A orquestra de sabar hoje é composta por cinco tambores cônicos de tamanhos diferentes, alguns são executados em pé e outros sentados. Estes instrumentos são tocados alternadamente com a mão e uma varinha flexível chamado Galan, lembrando bastante o jeito que os brasileiros tocam repique, conforme Alexandre Garnizé aponta em seus estudos musicais. Cada batida tem um nome que se refere a um determinado tipo de som. Os ritmos são aprendidos e memorizados, designando as teclas digitadas por onomatopéias (palavras que reproduzem os sons – recurso importante na tradição oral). No passado, a orquestra de sabar era composta de quatro tambores: Lamb, o ndeer o talmbat goroh e XBE XBE (forma intermediária entre ndeer e a corrente mbëŋmbëŋ). O lamb realiza o solo percussivo enquanto os demais acompanham o primeiro tambor. A orquestra, em seguida, evoluiu para a formação atual, projetada por Doudou Ndiaye Rose em torno dos anos 1950, O goron mbabas, um tambor bem pequeno, usado para fazer solo, ocupa agora a função de tambor ndeer, um instrumento fino e longo, que é tocado na posição vertical. Doudou é pequeno, o ndeer incomodava em seus movimentos. O goron mbabas se toca sentado, e se a sua forma é a de um talmbat goroh, soa como um ndeer( alguns denominam essa invenção de tassabar, instrumento com som de sabar e corpo de atabaque). Os outros tambores - Lamb, ndeer, goron talmbat e mbëŋmbëŋ realizam o acompanhamento. Tal conjunto pode ser multiplicado por dois, três ou quatro, ele pode contar até vinte tambores. O grupo ainda é liderado por um chefe. É importante notar que todos os músicos devem saber tocar os diferentes tambores. A organização do evento e ritual do sabar recai sobre as mulheres. Elas promovem uma circunstância de entretenimento que pode ser organizada em qualquer momento e que duram várias horas. Se o evento acontece no dia após a oração da tarde, ele é chamado de sabar, se ocorre durante a noite, ele é chamado tànnëbéer.

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PARCELLES ASSAINIES: As parcelas Assainies Dakar foram criadas a partir de final de 1970, sobre a recomendação do Banco Mundial. Os objetivos iniciais eram conter a expansão de Dakar, no sentido de frear as operações de despejo e implementar um programa amplo de terra recuperada – uma espécie de pequena reforma agrária - para a população pobre. As terras foram distribuídas dentro de oito anos, num conjunto de 14.000 parcelas modestamente equipados em um terreno de 400 hectares que pertencem ao Estado, cujos beneficiários parcelas recebiam uma ajuda de custo entre 74 mil e 220 mil francos CFA desde que construíssem sua própria habitação. A atividade comercial é um elemento importante do desenvolvimento econômico e social e em todas as unidades/ parcelas há uma infinidade de lojas em funcionamento, tendo destaque os mercados. Asfall e sua família muçulmana em Parcelles Assainies.


A economia urbana nas Parcelas Assainies depende em grande parte também do sector do artesanato, sendo de suma importância no tecido social e econômico global para a formação e emprego em determinadas camadas da população.

ILHA DE GORÉE:

Entre os ofícios que compõem este sector incluem: escultor, carpinteiro marceneiro, metalurgia, joalheiro, lavanderia, cabeleireiro, artigos de couro, de plástico - reciclagem, mecânico, ceramista, chapa, impressora da tela, eletricista, enrolador, designer de moda.

A Ilha de Gorée, fica aproximadamente a três quilômetros de Dakar, capital do Senegal. A ilha foi entre os séculos XV e XIX, um dos maiores centros de comércio de escravos do continente, ao se localizar mais a oeste do continente africano. Estima-se que saíram entre 15 a 20 milhões de africanos, forçadamente, para servir de mão de obra escrava em toda costa oeste dos Estados Unidos, no Brasil e no Haiti. Classificada em 1978, como Patrimônio da Humanidade, é um símbolo de grande importância da Diáspora africana. O turismo tornou-se sua atividade econômica principal, 70% de sua população vive do incentivo ao turismo de memória sobre escravidão, mais de 500 mil turistas por ano visitam a ilha..

Há também uma forte presença de infra-estrutura religiosa., contabilizando 88 mesquitas erguidas, uma Igreja Católica, e duas Capelas protestantes. Os muçulmanos constituem a maior parte da população das Parcelles Assainies, daí as muitas mesquitas construídas em todas as unidades. Como parte da gestão das mesquitas, nota-se uma automatização e expansão dinâmica dos serviços (por meio da educação corânica especialmente), e uma maior participação dos grupos sociais no desenvolvimento e manutenção de infra-estruturas como as mesquitas.

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Após a a sua “descoberta” pelos portugueses, os holandeses foram os primeiros a se estabelecer lá permanentemente desde 1617. Os holandeses consideravam a ilha fundamental para a proteção do comércio no Atlântico Sul, construindo dois fortes e em 1776 constroem a casa de escravos pelos holandeses, que ainda existe. Porém, em controvérsia alguns autores afirmam que a Casa do Escravos teria sido construída apenas neste em 1783 pelos franceses, destinada a moradia do seu proprietário, Nicolas Pépin, irmão de Anne Pépin, uma “signaire” (descendente da união entre portugueses e mulheres de etnia Wolof e Fula, da Costa Senegalesa); os Pépin dedicavam-se ao comércio da goma-arábica, do marfim e do ouro, residindo e orientando os seus negócios no piso superior; no piso térreo residiriam os escravos que serviam na casa. No piso térreo, passado o portão de entrada chega-se a um pátio rodeado dos quartos dos escravos domésticos e das celas onde os escravos eram aprisionados após separação por idade e sexo antes de serem levados para a América. Na parte de trás da casa, localiza-se uma porta sobre o mar, a chamada porta de “viagem sem regresso”, dando acesso ao local em que atracavam as chalupas que levavam os escravos até aos barcos ancorados ao largo ou, na opinião de alguns historiadores para atirar ao mar os africanos que não resistiam ao período de cativeiro.

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Ficha Técnica Proponente: Alexandre Garnizé. Concepção: Alexandre Garnizé, Natália Neme Carvalhosa e Vinicius Neme Carvalhosa. Assistência Jurídica: Vinícius Neme Carvalhosa. Direção executiva: Alexandre Garnizé e Natália Neme Carvalhosa.

Exposição fotográfica e Cartilha Texto: Natália Neme Carvalhosa. Fotografia: Natália Neme Carvalhosa, Beatriz Bergallo e Elir Filho. Pós-produção e curadoria fotográfica: Samantha Gifalli. Arte Gráfica e Diagramação: Fabio Maciel.

Documentário Diretor: Elir Filho. Assistente de Direção: Beatriz Bergallo. Trilha sonora: Pape Ngala e Doudou Ndiaye Rose. Participações especiais: Doudou Ndiaye Rose e família; Pape Ngala; Asfall; Gilberto Gil; Maria Elisa de Luna; Regina Novaes ; Geisa Lino (Lona da Maré); Rodrigo (Lona da Maré); Guilherme (Lona da Maré).


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