Almanaque dos Quadrinhos

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É UM PÁSSARO? UM AVIÃO? NÃO! É O SUPERMAN! Em 1938, uma mudança drástica alterou o panorama da HQ no planeta. O terreno estava fértil. A hora havia chegado e não é de estranhar que seu aparecimento tenha se dado com o estrépito de uma nave espacial caindo na Terra: surgira o Superman, personagem que mudou a fisionomia dos quadrinhos para sempre. Aqui, a simplificação icônica de que temos falado não se deu pela via da sofisticação do trabalho dos artistas, mas pela sensibilidade dos autores Jerry Siegel, o roteirista, e Joe Shuster, o desenhista, em perceberem a indigência cultural, emocional, e econômica do tempo em que viviam. Em suas primeiras aventuras, o filho de Krypton sacudiu sem dó nem piedade o senhorio sovina acima dos telhados, para que devolvesse o dinheiro conseguido com a exploração dos inquilinos, para suprema alegria dos inadimplentes, aí incluídos, com toda a probabilidade, os pais dos criadores adolescentes que serviram como “antenas” ao captarem o Zeitgeist, o espírito de seu tempo no ar, e criaram o personagem. Os desenhos e textos eram bem mais toscos do que o que havia nos jornais, para os quais, aliás, o Superman foi recusado diversas vezes, sob a alegação de que o público jamais “acreditaria” o suficiente num personagem tão poderoso e tão primário. A alegação era ingênua ao extremo, como os fatos demonstraram. O trabalho era imaturo, era outra alegação, esta nem tão ingênua. Possivelmente, contudo, terá sido essa mesma “imaturidade” que caiu na veia do público: o personagem foi um imediato sucesso de vendas. Atingiu a imaginação popular, gerando imitações e todo o gênero de quadrinhos de super-heróis. Os donos da revista não notaram a importância do herói de imediato e demoraram uns quatro números para voltar a pô-lo na capa. O Superman se apoderou dela e não a largou mais. Quanto ao título desse texto, naturalmente ele nasceu como bordão de rádio, mídia à qual a popularidade do personagem logo o alçou...

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NASCE A INDÚSTRIA. A possibilidade de trabalho pago a realizar fez com que diversos jovens criassem estúdios de produção de quadrinhos, e isso numa economia deprimida, onde as aventuras em HQs funcionavam como válvula de escape, inclusive para quem as gerava. Os dois jovens judeus, Siegel & Shuster, invocaram um messias, e quando ele veio, alimentado que foi pela leitura contumaz de folhetins de “ficção científica” (as aspas se devem ao fato de que era muito tosco esse universo bastante involuído com relação a Verne e Wells, na época) que grassavam na imprensa popular, chegou com capa e superpoderes. O caldo de cultura no qual nasceu Clark Kent, o Superman, é confessamente devedor do folhetim Gladiator, de Philip Wylie. Todos os iniciadores dos quadrinhos de gibi amavam seu trabalho, ainda que fossem muito explorados pelas editoras e middlemen. Não havia devolução dos originais e era raro haver qualquer crédito para os realizadores, a não ser nas assinaturas feitas no próprio desenho; e estas eram, muita vezes, apagadas. Isso sem falar na minúscula fatia que cabia a esses criadores, dos proventos que seu trabalho gerava. Não importava. Picotassem seus originais, fizessem o diabo. Eles estavam pagando suas contas e eram fãs que começavam a se apossar de sua mídia de forma impetuosa e fértil, exprimindo nem tanto uma visão original do mundo, mas algo que “estava no ar”. Não só proliferaram personagens, como estúdios de desenhistas progressivamente profissionalizados adentraram o mundo mal impresso dos gibis em quatro cores e padrões gráficos pedestres. O Superman e os outros personagens que surgiram imediatamente na sua esteira foram de fato um surto de criatividade mal paga, tosca, que de tal forma aderiu ao imaginário popular que se tornou o subgênero mais longevo dos quadrinhos norte-americanos: os quadrinhos de superheróis. Em países culturalmente periféricos como o nosso, tende-se a considerar que a única produção norte-americana de HQs pertence a esse segmento, mas há inúmeros exemplos de outros gêneros.

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A SOMBRA DE BATMAN.

Em 1939, um ano após o Superman, surgiria outro pólo da equação constitutiva dos superpoderosos. Entrava em cena, Batman, desenhado por Bob Kane e escrito por Bill Finger. Batman era sombrio, sem poderes super-humanos e herdeiro do quadrinho e do romance policiais, tanto quanto o Superman o era da ficção científica tosca de seu tempo. Veremos que, durante as décadas seguintes, os perfis de quase todos os super-heróis foram modelados a partir de semelhanças ou diferenças com relação a Superman e Batman. Entre esses dois extremos típicos, dotados de forte valor icônico, nasceu a fisionomia de toda a geração inicial de super-heróis. Ambos os personagens, assinale-se, de propriedade de uma mesma editora, a National Periodical Publications, mais tarde DC Comics, por conta do sucesso da revista Detective Comics, onde nasceu o homem-morcego.

AUTORIZAÇÃO PARA MATAR.

Superman e Batman apresentam vários aspectos constitutivos dos superheróis como um todo: habilidades fora do comum e uma origem traumática. Superman é exilado interplanetário com uma série de capacidades improváveis. Batman é o sobrevivente do assassinato de seus pais no meio da rua. Identidades secretas, motivações centradas em episódios fundadores de mitologias pessoais, galeria de superinimigos exóticos e de personagens coadjuvantes para o leitor se identificar enquanto o homem de aço, ou o paladino da justiça, ou o cruzado de capa, o inocente útil e/ou o salvador da pátria, cuidava de consertar a situação. Nos seus momentos iniciais nenhum dos dois personagens pioneiros se furtava em matar. Batman chegou a dar tiro em magnata corrupto.




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