obsolescência alada por Fabio Lopez
Durante muito tempo administradores e responsáveis pela saúde pública trataram a proliferação descontrolada de pombos como um problema de zoonose. Mas a despeito de qualquer esforço oficial, essas criaturas malditas continuam se multiplicando por geração espontânea, brotando de conchas de ar-condicionado e restos de misto quente. Habituados a morar em qualquer buraco e a banhar-se em poças de chorume, os pombos já disputam com baratas e camundongos o posto de merda viva mais evoluída do nosso planeta lixo. Usando de malícia e fazendo pose de rolinha, conseguem alimento chafurdando restos ou seduzindo pessoas de idade – geralmente solitárias e sem TV a cabo – que se entregam ao vício terminal de alimentá-los com farelo amarelo (o farelo amarelo quando misturado com refrigerante provoca efeitos alucinógenos, levando o pombo a atravessar a rua fora da faixa). No entanto, o principal problema não é a quantidade de pombos, mas a inutilidade dessas aves. E tudo que foi feito até aqui vislumbrou apenas o controle numérico desses mendigos voadores, sem garantir nenhuma utilidade prática para a espécie – característica imprescindível para a permanência de um ser vivo no bioma. A verdade é que os pombos foram desempregados pela modernidade, e a disfunção da raça é culpa dos correios. A partir do momento em que o serviço postal deixou de treinar as aves para a entrega de mensagens, os animais perderam serventia e não foram realocados na sociedade moderna. O pombo deixou de ser um nobre prestador de serviços para exercer o cargo de parasita urbano – disputando com guardadores de carro o posto de inutilidade mais indigesta do século XX. Entendendo esse ornitóide como um comunicador desempregado, podemos não apenas buscar soluções mais criativas para o problema, como ainda enxergar paralelos curiosos com os elementos da contemporaneidade.
Em um primeiro momento, poderíamos transformar os pombos em antenas voadoras de celular, ampliando a área de cobertura das operadoras de telefonia móvel. Acoplados ao crânio das aves, as antenas poderiam ser recarregadas pelo chacoalhar frenético da cabeça desse animal, que devido a um sistema interno de roldanas e fios não consegue andar sem esse cacoete escroto. O fato das empresas de celular costumeiramente cagarem na cabeça dos clientes só torna a implementação da idéia ainda mais verossímil. Para tornar esse pequeno incidente favorável ao negócio, as empresas argumentariam que levar uma cagada de pombo seria garantia de amplo atendimento. É possível imaginar anúncios de TV em que o cliente sorri ao ser metralhado por merda de operadora – e enche a boca pra alardear a melhor cobertura do mercado: “a TIM caga pra você”. Por outro lado, o sindicato dos pombos poderia assegurar junto ao ministério do trabalho um cargo inútil no orçamento público, daqueles que servem para garantir a sobrevida de profissionais obsoletos como ascensoristas e senadores. Recursos tecnológicos virtuais poderiam ser gradativamente substituídos por visitas de passarinho, o que daria um ar bucólico para trocas de mensagens simples como torpedos SMS e e-mails pessoais. Como contrapartida, teríamos o surgimento do pombo spam – aquele que atravessa longas distâncias carregando promoções de Viagra e soluções para aumentar o pênis. Nesse caso é aconselhável deletar o pombo, e você pode usar o próprio punho ou encomendar um anti-vírus de rapina. Nas versões populares, um urubu ficaria de vigília na janela caçando pombos com doenças medievais como tuberculose e tifo (veja pelo lado positivo, em alguns casos é melhor perder um pulmão que formatar o HD). Atropelar um pombo não seria sinal de mau agouro se o último suspiro do bichinho fosse emoldurado por um teclado irritante: você provavelmente matou um PowerPoint musical. E se ao chegar de viagem encontrar o parapeito apinhado de pombos, não se desespere... é apenas sua caixa postal que deve estar cheia.
Agosto de 2009