Corações Solitários Wendy Wax
NOVA CULTURAL
O amor está no ar... Shannon Smith promove encontros entre casais, através de seu programa de rádio Corações Solitários. Seu próprio coração, porém, ainda não tem dono... até o novo proprietário da emissora entrar no estúdio de gravação e roubar o fôlego de Shannon, com seu charme e magnetismo! Shannon reluta em permitir que Blake Ramsey interfira na maneira como ela conduz seu programa, e principalmente em sua vida. Mas quando começa a receber ameaças de um fã anônimo, ela não tem outra escolha a não ser aceitar a proteção de Blake, o homem mais atraente que já conheceu, e o único que conquistou seu coração... Mas será que essa garota carismática, conhecida pela habilidade em promover encontros românticos, será capaz de cativar o homem por quem está apaixonada?
Digitalização: Marina Campos Revisão: Maria Rocha
Sabrina 1474 – Wendy Wax – Corações Solitários
Capítulo I Sentindo a brisa da noite acariciar suas costas, Shannon Smith inclinou a cabeça para trás e encarou a lente da câmera de segurança. — Sou eu, mon cher... O amor da sua vida! — provocou, com seu melhor sotaque francês. — Deixe-me entrar. Estou ansiosa para rever seu rosto. Pestanejou, fazendo com que os longos cílios negros flutuassem, ao mesmo tempo em que moldou os lábios cheios em um gracioso beijo. — Ah! Eu sabia... Há alguém entre nós. Como pode me torturar assim, eu, que sou a mãe dos seus doze filhos? Levou a mão à testa, num gesto dramático. — Está bem, Pete. Eu desisto. Poderia abrir a porta? Entrarei no ar dentro de quinze minutos, e estou atrasada. A porta se abriu com um rangido e ela apertou a maçaneta, lançando um olhar sardônico para a câmera. — Insensível! E a última vez que desperdiço meu talento dramático com você, Pete. Atravessou com passadas largas a silenciosa ante-sala da estação de rádio quase deserta, detendo-se apenas para apanhar as cartas em sua caixa de correspondência. Folheou-as rapidamente enquanto seguia pelo corredor vazio, notando com prazer que aumentavam a cada dia que passava. Quando assumira o lugar de Kick Mohan, apresentador do tradicional programa Corações Solitários da rádio WDVE, os ouvintes não se acanharam em demonstrar a lealdade ao antigo locutor aposentado. Porém, dois meses depois de assumir o comando do programa, Shannon começou a sentir que a maré virava a seu favor. As cartas e telefonemas da audiência passaram a elogiá-la, e ficava ansiosa para ler a correspondência dos fãs quando saía do ar, depois da meia-noite. Guardou-as na bolsa e apressou o passo, consciente de que não tinha tempo para massagear o ego com os elogios dos ouvintes naquele momento. Tinha perdido mais tempo do que pretendia no tráfego pesado da ponte Howard Franklyn, que dava acesso a Tampa. No entanto, não poderiam culpá-la por perder o seu precioso tempo. Engarrafamentos definitivamente estavam além do seu controle. Como sempre, seu estômago se apertou ao pensar nas quatro horas que teria de preencher com conversas animadas e interessantes. Como muitos artistas, ela sofria da ansiedade que precedia a entrada no palco, experimentando o pesadelo recorrente de que quando chegasse a hora, descobriria que estava sem voz, incapaz de emitir qualquer som. 2
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Balançou a cabeça, livrando-se do medo e tentando acalmar as "borboletas que faziam cócegas" em seu estômago, e apanhou as fitas cassete com os comerciais prégravados, agendados para irem ao ar durante o show. Segurando a folha com o roteiro do programa diante dela, verificou os anúncios que poderiam ajudar a preencher as quatro horas c sorriu ao constatar que aumentavam, um claro sinal de que sua popularidade eslava crescendo. Colocou a mão na maçaneta da sala de controle e deu um passo largo para entrar, porém, encontrou uma barreira contrapondo-se a ela. Com a força de uma locomotiva. O impacto da colisão fez com que fosse arremessada para o corredor, espalhando tudo Que carregava pelo chão. -ei! Olhe por onde anda... As palavras morreram em sua garganta quando ela se deparou com um par de expressivos olhos claros, de um tom acinzentado que a fez se lembrar imediatamente da bruma do amanhecer. Havia colidido com um homem, e bastou que suas retinas registrassem o perfil imponente para saber que estava diante da perfeição. O brilho dourado dos cabelos formava um halo na luz que escapava da porta por trás dele, emoldurando o rosto de traços viris. Com a respiração suspensa, notou a mão firme estendida para ajudá-la a se levantar. Momentaneamente confusa, sentiu que um intenso rubor cobria-lhe o rosto. — Sinto muito. Não vi que estava vindo — balbuciou, aceitando a mão que continuava estendida para ela. Quando foi erguida do chão com facilidade, Shannon sentiu uma descarga de eletricidade se espalhar da ponta dos dedos para o corpo. — Você está bem? — Sim. — Hesitou alguns segundos antes de encontrar a voz. — Quando dizem que um homem é capaz de atirar uma mulher a seus pés, não achei que o sentido pudesse ser tão literal... Ele endereçou-lhe um sorriso divertido e segurou a porta para que entrasse. Como sempre, ela sentiu arrepios ao entrar na sala de controle. O brilho das luzes na mesa de som cintilava como se estivessem lhe dando as boas-vindas. Um imenso microfone e seus fones de ouvido repousavam no console em frente à cadeira onde ela passaria parte da noite. A sala fazia lembrar a cabine de um avião com seu maquinário avançado, sintonizada para a transmissão. Era um espaço pequeno e pessoal onde trabalhava sozinha, mesmo que centenas de pessoas pudessem ouvi-la. 3
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Empurrou a porta de vidro que separava a sala de controle e acenou para seu produtor. Steve fazia a abertura do programa, levantava estatísticas vitais como idade, descrição física e ocupação dos ouvintes que ligavam e sinalizava para avisar que as linhas de telefone estavam conectadas ao painel de controle, prontas para o diálogo ao vivo com os ouvintes.
Corações Solitários poderia ser considerado um programa piegas, mas havia mais pessoas que necessitavam de companhia do que se poderia imaginar. Steve atendia às ligações e fazia um sinal para que ela conectasse a linha e iniciasse uma conversa no ar, apresentando as duas pessoas e encorajando-as a se conhecerem. De súbito, Shannon teve consciência de que os olhos do estranho estavam cravados em suas costas, provocando-lhe tremores pela espinha. O que ele estaria fazendo na estação de rádio? — Desculpe, eu não me apresentei. Acho que a surpresa em ver outro ser humano aqui, numa sexta-feira à noite, deixou-me sem palavras — balbuciou, voltando-se para ele. — Sou Shannon Smith, apresentadora do programa que vai ao ar das oito à meia-noite. — Sim, eu sei. - O deus grego avaliou-a de alto a baixo. — Achei que você fosse... — Alta e loira ― ela completou com um sorriso. — Sinto decepcioná-lo. Quem me ouve pelo rádio sempre acha que sou alta e loira, mas... — Você definitivamente é morena e mignon — foi a vez dele concluir. — Bem, você pode imaginar como os ouvintes ficam surpresos quando me encontram. Chego a pensar que deveria ser proibido que locutores de rádio saíssem à rua, para que a ilusão da fantasia não se perdesse. — Talvez... Mas quem poderá dizer que, muitas vezes, a realidade não supera a imaginação dos ouvintes? Shannon abaixou os olhos cor de violeta, forçando sua mente a se concentrar na conversa. — O que faz aqui? Espero que não seja um ouvinte aborrecido. — Asseguro-lhe que não. Sou Blake Ramsey, e... — Oh, droga! — interrompeu-o, olhando para o relógio do estúdio. — Tenho de entrar no ar. Desculpe. Com um sorriso constrangido, sentou-se diante da mesa de som e colocou os fones de ouvido. Respirou fundo ao ouvir os acordes de abertura do tema do programa. Chegara a hora do show. — Boa noite, ouvintes da WDVE. É sexta-feira, você está sozinho e quer conhecer alguém... — Anunciou o número do telefone da emissora pausadamente. — O que está esperando para me ligar? Enquanto prosseguia com o programa, percebeu que a porta da sala de controle se 4
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abria e viu Blake Ramsey juntar-se a Steve momentos mais tarde, com a clara intenção de ficar. Em meio a uma conversa com um ouvinte, pôde sentir que ele a observava, e confirmou a impressão ao olhar discretamente através do vidro que separava os ambientes. A idéia de que a analisava a irritou, e em especial o fato de que se comportava como se fosse o dono da emissora. O nome Blake Ramsey não soava familiar, mas a fácil aceitação de Steve diante da presença dele indicava que havia alguma razão para estar ali. Durante a pausa para o comercial, Shannon observou-o se engajar em uma animada conversa com seu produtor, e deduziu, pelos gestos ocasionais em sua direção, que ela era o tópico em pauta. Sem que conseguisse impedir, perdeu-se na profundidade dos olhos claros, numa conexão tão poderosa que a fez se esquecer de respirar. Levou alguns segundos para notar que Steve acenava freneticamente, fazendo-a voltar à realidade. Com um sobressalto, voltou à ação, forçando-se a se livrar do encantamento que a envolvia. Uma eternidade pareceu ter transcorrido antes que o produtor sinalizasse, avisando que o programa estava chegando ao fim. Relanceou o olhar para o relógio, confirmando que tinha apenas mais dez segundos no ar. Despediu-se dos ouvintes e retirou os fones de ouvido, pousando-os com mãos trêmulas sobre o console. Respirou fundo ao se levantar, alongando os músculos doloridos depois de quatro horas sem atividade. Realizar o programa fora divertido e estimulante. Conseguira agendar vinte encontros naquela noite, mesmo sabendo que muitos participantes jamais se encontrariam com os parceiros virtuais. Porém a intenção do show era proporcionar entretenimento. Tinha consciência de que nem todos os homens e mulheres que telefonavam estavam realmente à procura de um encontro, mas tinha certeza de que eram pessoas solitárias, e reconhecia a desesperança e o medo quando as ouvia. Não era de se surpreender que, depois de quatro horas de programa, ela própria se sentisse deprimida. Se os ouvintes tivessem idéia da vida solitária que ela própria levava, ficariam desiludidos, pensou ao apanhar seus pertences para sair. As noites de sexta feira eram as mais difíceis. Depois de quatro horas atuando como a mais perfeita interlocutora dos casais que ligavam, Shannon necessitava de um longo período para relaxar. Uma laça de vinho e um bom livro costumavam ajudar, e sorriu ao pensar que era o que a esperava em seu aconchegante chalé. 5
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Endireitou os ombros, girou a maçaneta... e se viu novamente lançada para os braços de Blake Ramsey. Durante longos segundos, permaneceu envolvida pelos braços viris. Blake, por sua vez, não moveu um só músculo ao sentir o corpo suave se moldar ao seu. Shannon Smith estava longe de ser o tipo de mulher que o atraía. Gostava de loiras, altas e esguias... Mas nunca vira olhos azul-violeta como aqueles, nem sentira uma mulher tremer em seus braços daquela forma. Se não se desvencilhasse do abraço em breve, a reação explosiva de seus hormônios faria com que embaraçasse a ambos. — Isso está se tornando uma rotina entre nós... A voz grave e profunda fez com que Shannon reagisse. Constrangida, ela se afastou e alisou a barra da blusa, desviando o olhar das íris acinzentadas. — É uma forma interessante de duas pessoas se encontrarem. Vou sugerir algo parecido, no meu próximo show. Ele sorriu e inclinou a cabeça em assentimento, e Shannon não pôde impedir que sua imaginação fosse povoada por imagens românticas. Como seria sentir os lábios firmes de encontro aos seus? Um arrepio a percorreu. O que estava acontecendo? Estava parada no meio do corredor, fantasiando sobre um total estranho! — Você escolheu um formato interessante para seu show. As palavras a trouxeram de volta a Terra. O que ele queria dizer? Seus ombros se tensionaram em um movimento involuntário ao perceber que se tratava de uma crítica. — Ouvi algo similar em Chicago, mas era mais engraçado. Mais engraçado? Ela apertou os dentes, contendo-se para não dar uma resposta à altura. — Você poderia ser menos formal... O programa seria mais descontraído do que é agora. — Menos formal... — As palavras soaram controladas. Como poderia alguém tão atraente ser, ao mesmo tempo, tão arrogante? — Eu poderia lhe dar algumas sugestões sobre como mudar o formato, se quiser. Fez uma pausa, como se esperasse que ela pulasse de alegria e gratidão pela generosa oferta. — Obrigada pela crítica construtiva. Deixe-me ver, eu deveria ser mais engraçada... e o que mais você disse? — Colocou o dedo indicador sobre os lábios, simulando enorme esforço para se lembrar. — Oh! Menos formal... Não sei como nunca pensei nisso antes! É um milagre que ainda me mantenham no ar. Recuou um passo, sem disfarçar a irritação, enquanto ele a fitava com olhar divertido. — Não sei quem você é, e o que pensa saber sobre programas de rádio, mas alguém 6
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poderia lhe ensinar noções básicas sobre boas maneiras. — Foi um ótimo show, Shannon. — Ela se virou para ver o produtor se aproximar deles. —Vejo que já conheceu Blake Ramsey. Vou lhe mostrar as repartições da emissora, Blake, mas não podemos demorar. Tenho de chegar em casa antes que minha namorada tranque todas as portas. Steve passou o braço pelos ombros de Blake e o conduziu pelo corredor. Ela observou-os sumir de vista e permaneceu parada durante alguns segundos. Respirou fundo para se acalmar e seguiu para o estacionamento, inalando com prazer o ar da noite quente de verão. Quem era ele, e o que estaria fazendo na emissora? Ficaria sem saber, concluiu com desgosto. Steve não lhe dera chance de perguntar, ao surgir e carregá-lo para longe. No entanto, tinha o pressentimento de que sua confortável rotina não seria a mesma depois daquela noite... Shannon emergiu lentamente do sono profundo, embalado pelo ritmo melodioso das ondas do mar se quebrando na areia. Os raios do sol entravam pela janela do quarto, sinalizando o começo de uma bela manha ensolarada de verão. Espreguiçou-se longamente, usufruindo a deliciosa transição para a consciência. Amava os sábados mais do que qualquer outro dia da semana. Afinal, eram o prenuncio de dois dias de sol, praia, paz e tranqüilidade. Ela ficara encantada ao conhecer o adorável condomínio com chalés amplos e iluminados ao longo de dois quilômetros de praia, com relativa privacidade. Sentia-se renovada pela vista espetacular e gostava de acreditar que pertencia somente a ela. Levantou-se e seguiu para o banheiro, com o coração cheio de promessa e esperança... Porém, naquela manhã em particular, algo a incomodava. Seus olhos se arregalaram de súbito ao identificar o nome do seu incômodo: Blake Ramsey. Havia rolado na cama durante horas sem conseguir dormir, imaginando o ardor dos lábios de encontro aos seus. Quando finalmente conseguira adormecer, a presença dele preenchera seus sonhos. A resposta física do seu corpo na presença daquele homem a assustava, ao mesmo tempo em que era a prova definitiva de que o rompimento com Gregg fora o melhor a fazer. O relacionamento havia terminado como se nunca tivesse acontecido. Após um ano e meio de namoro, nunca sentira nada parecido como a explosão de hormônios que Blake provocava com um simples olhar. Ao menos, ele a fizera saber que sua libido não se esgotara, concluiu ao escovar os cabelos. Espalhou uma camada fina de creme hidratante no rosto, vestiu o robe sobre a 7
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camisola e foi para a cozinha. Enquanto esperava que a água da chaleira fervesse, apoiou-se na pia para admirar a vista oferecida pelas janelas envidraçadas. Logo abaixo, a praia começava a ganhar vida, revelando guarda-sóis, cadeiras e crianças correndo pela areia. Com um bocejo, preparou o café e levou a xícara com a bebida fumegante para a sala, sentando-se no sofá para ouvir os recados da secretária eletrônica. — Shannon, é sua mãe... — Como se pudesse ter alguma dúvida, ela pensou com um sorriso. — Ouvi seu show ontem à noite. Os Kilroy vieram para o jantar. Oh, Deus! Sua mãe tinha o terrível hábito de forçar seus amigos a ouvir os programas, no tradicional jantar que oferecia todas as sextas-feiras. Não era para menos que começaram a inventar desculpas para não comparecerem... — A propósito, o filho deles, Andrew, estará na cidade no próximo fim de semana... Eu lhes disse que você adoraria encontrá-lo mais uma vez. — Houve uma breve pausa, significativa o bastante para que Shannon entendesse a sugestão implícita. — Ouvi dizer que ele está muito mais bonito. Um beijo, doçura. Não se surpreenderia se sua mãe colocasse o número do seu telefone nas colunas de encontros dos jornais! Ela não descansaria enquanto a filha única não se casasse. Olhou pela janela, esperando pelo próximo recado. Depois de um longo bipe, ouviu uma voz masculina pronunciar seu nome, e julgou que fosse Andrew. Porém, ao ouvir a mensagem, teve certeza de que não era ele. — Sei que não está em casa agora. Você está trabalhando em seu show. Liguei apenas para saber como seria... Coloquei minha mensagem real no papel. Você já abriu a correspondência de sua caixa de correio? Sou seu maior fã. O olhar de Shannon se voltou para a mesa, onde deixara a bolsa com a correspondência intocada na noite anterior. Apressou-se em abrir as cartas, ale encontrar a que estava procurando: oito linhas impressas no computador e assinadas Seu maior fã. Continha um poema, e não julgou que fosse particularmente ameaçador. Releu o conteúdo repetidas vezes, tentando entender a mensagem nas entrelinhas.
Conheço o amor, conheço sua verdade Posso tocá-lo, senti-lo, renová-lo Posso antecipar a felicidade Do que espero durante minha vida toda Você não saberá do que estou falando Até que me toque, me sinta, me conheça E quando isso acontecer Não haverá mais nada que possa fazer Não era exatamente uma obra de arte, concluiu intrigada. Repetiu a mensagem gravada, tentando reconhecer o timbre daquela voz. Se fosse alguém com quem já conversara antes, teria se lembrado. Uma de suas qualidades era ter excelente acuidade auditiva. Porém, a voz abafada indicava que ele cobrira o bocal do telefone 8
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para não ser identificado. Como aquele fã conseguira o número do seu telefone, se não constava na lista?, pensou, sentindo-se pouco confortável. Levantou-se e foi para a cozinha, servindo-se de mais café. Sorveu pequenos goles lentamente, tentando dizer a si mesma que sua privacidade não fora invadida. Afinal, era apenas uma mensagem em uma secretária eletrônica... e uma carta. Sentindo a súbita necessidade de respirar ar puro, foi para o quarto e vestiu a primeira roupa de banho que encontrou. Saiu pela porta dos fundos e caminhou sob o sol resplandecente, detendo-se apenas para retirar os chinelos e pisar na areia macia. O pensamento de Shannon divagou livremente, concentrando-se nos eventos das últimas vinte e quatro horas. A voz na sua secretária eletrônica, na certa, pertencia a algum rapaz solitário à procura de alguém que o ouvisse. Esse fato era comum, tratando-se de artistas e locutores de rádio. As pessoas simplesmente achavam que a conheciam. Não havia razão para transformar isso em um grande problema. Poderia simplesmente mudar o número do telefone e, se as chamadas persistissem, encontraria uma forma gentil de desestimular seu fã. No entanto, não conseguiu se desvencilhar tão facilmente do incômodo causado pela inesperada reação a Blake Ramsey. Afinal, por que deveria se incomodar?, disse para si. Deveria estar feliz por descobrir que ainda estava viva, quando chegara a acreditar que nunca mais experimentaria aquele tipo de sensação. A morte do pai, um ano atrás, fora o catalisador para mudanças radicais em sua vida. Shannon respirou fundo, sentindo o efeito tranqüilizador que o oceano sempre lhe proporcionava. Reduzindo o ritmo das passadas, pôs-se a refletir nas conseqüências da perda que marcara sua vida. Abandonara o emprego, mudara-se de cidade e aceitara o desafio de uma vida incerta como radialista. Sobretudo, desistira de um relacionamento seguro e tranqüilo em nome da ilusória possibilidade de viver um romance apaixonado. Seu pai, Raymond Smith, tinha apenas sessenta e três anos quando morreu, vítima de câncer. Ela o amara e respeitara durante seus vinte e sete anos, e depois de perdê-lo, passou a questionar o sentido de uma vida de trabalho e sacrifício somente para conseguir o cheque do pagamento no final do mês. A dedicação do pai a um emprego que não o fazia feliz servira de exemplo, e decidiu que teria de seguir outros rumos se realmente quisesse encontrar a felicidade. Certamente, não a encontraria em um emprego que não oferecesse qualquer desafio, ou no relacionamento com alguém cujo 9
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objetivo era oferecer-lhe a segurança de um lar, quando sentia-se perfeitamente capaz de tomar conta de si mesma. Afinal, ainda era jovem, e sabia que a vida poderia acontecer a qualquer momento. No dia seguinte ao funeral, pedira demissão do emprego no conceituado escritório de advocacia; devolvera o anel de noivado, um magnífico diamante incrustado em ouro branco; e assinara o contrato de locação do chalé. Isto tudo acontecera há um ano, e ainda sentia o coração se apertar ao pensar no pai. No entanto, não se arrependia da vida que deixara para trás. Suspeitava que ele, aonde quer que estivesse, teria entendido sua necessidade de provar que poderia ser independente e criar uma carreira significativa. Estava certa de que teria aplaudido sua esperança de assumir o risco de encontrar um amor que fosse eterno. Shannon olhou para as águas verdes do golfo do México, inalando o ar impregnado pela maresia e deixando que penetrasse sua alma. Com um sorriso de satisfação, estendeu a toalha de praia sobre a areia e se deitou, entregando-se aos raios de sol.
Capítulo II A tranqüilidade da manhã do domingo foi rompida pela campainha insistente do telefone. Sem abrir os olhos, Shannon estendeu o braço para apanhá-lo, ainda tonta de sono. — Hum... — foi tudo que conseguiu balbuciar ao bocal. — Shannon Smith, sua preguiçosa! — a voz alegre provocou. — Ainda está na cama? — Estou acordada, Ingrid — respondeu com um bocejo. — E não precisa se desculpar por ligar a esta hora da madrugada. Eu tinha de me levantar para atender o telefone, de qualquer forma. Ouviu a risada do outro lado da linha e sentou-se na cama, despedindo-se de qualquer possibilidade de voltar a dormir. — Sinto muito, Shannon. Sei que você, como todos os artistas da mídia, gosta de dormir até mais tarde, mas trata-se de uma emergência. — Ingrid limpou a garganta e prosseguiu em tom solene: — A srta. Shannon Smith está cordialmente convidada a participar de uma reunião à tarde, na emissora. — Por favor, diga que está brincando! — Sinto muito, querida, mas parece que teremos novidades. Os funcionários da emissora, sem exceção, foram convocados para uma reunião à uma hora da tarde. Todos têm de estar lá, mas ninguém sabe por quê. Você vai? — E tenho outra alternativa? — Suspirou, espreguiçando-se com lentidão. — Diga-me, posso usar trajes informais, ou devo me vestir a caráter para a ocasião? 10
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Ingrid riu com o comentário bem-humorado. Ela era uma das maiores fãs de Shannon. — Opte pelo traje formal. Tenho a impressão de que algo sério está para acontecer — comentou, baixando o tom de voz. — É mesmo? — O tom preocupado do outro lado da linha fez com que os últimos resquícios de sono se evaporassem. — Você sabe se alguém será dispensado? — Não sei, querida. Sei apenas que alguma bomba nos espera. Depois de desligar, Shannon voltou a se deitar e olhou para o teto. Se Ingrid estava preocupada, definitivamente, algo muito sério estava por acontecer. A amiga ocupava papel importante na emissora durante os cinco últimos anos, e era uma das pessoas que mais conhecia a dinâmica do trabalho. O que estaria por acontecer? Bem, descobriria mais tarde, decidiu, evitando preocupações desnecessárias. A WDVE, como qualquer outra estação de rádio, passava por periódicas mudanças no formato e quadro de funcionários, tentou se tranqüilizar. Não era a primeira vez que surgia uma reunião de emergência... embora fosse a primeira em um resplandecente domingo de sol! Afastando as preocupações, levantou-se e seguiu para o banheiro. O relógio indicava que havia tempo para uma caminhada na praia antes de se arrumar e seguir para Tampa. Depois de um banho refrescante, vestiu-se casualmente para a reunião da tarde, apanhando as primeiras peças que encontrou ao abrir o armário: calça jeans e bata de seda florida. A possibilidade de usar roupas descontraídas e informais era um dos aspectos que mais gostava em seu trabalho atual, ao contrário dos trajes exigidos quando era secretária
no
escritório
de
advocacia.
Discretos
e
pouco
confortáveis,
definitivamente não combinavam com seu estilo pessoal. Ao chegar à emissora, seguiu para a sala de conferências, acenando para cumprimentar diversos colegas. Aproximou-se de Tom Chambers, o tímido locutor que comandava o programa da meianoite às seis horas da manhã, e ocupou o lugar vago ao lado dele na primeira fileira. — Nós dois não poderíamos ser obrigados a sair à luz do dia! Deveríamos estar dormindo em nossos caixões, esperando pelo crepúsculo — provocou com uma risada. Acomodou-se e olhou ao redor, surpresa ao ver que todas as cadeiras do anfiteatro estavam ocupadas. No entanto, o sorriso congelou em seus lábios e seus olhos se arregalaram em surpresa ao ver a figura solitária no fundo da sala. Blake Ramsey! Não esperava vê-lo ali. Seu corpo reagiu de pronto diante da presença poderosa, e inclinou a cabeça discretamente para cumprimentá-lo. 11
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O que estaria acontecendo com ela? Estava em meio a uma importante reunião, sentindo seu corpo derreter ao simples olhar daquele Adônis! Talvez ele fosse o novo contratado para o noticiário da manhã, ponderou, buscando reassumir o autocontrole. Entretanto, desistiu da hipótese ao pensar que não era motivo suficiente para que todos os funcionários fossem convocados em um domingo. Suas reflexões foram interrompidas pela chegada do gerente geral da emissora, Bill Debaney. Bill era um antigo amigo de sua família, e haviam se encontrado no funeral do pai de Shannon. Sensibilizado ao ver o abatimento em que ela se encontrava, fora o maior incentivador para a mudança radical que promoveria em sua vida. Fora ele quem a contratara para comandar Corações Solitários logo que o antigo apresentador se afastou. Conhecia Shannon desde que nascera, e sabia que ela possuía um talento nato para a comunicação. Ao vê-la despontar como apresentadora, ficara orgulhoso de seu desempenho, e não escondia sua satisfação sempre que tinha oportunidade de encontrá-la. Bill subiu ao pequeno tablado à frente do auditório e acenou discretamente para ela. — Boa tarde, senhoras e senhores. Vocês devem estar se perguntando por que pedi esta reunião, tirando-os do merecido descanso do domingo — começou solenemente. — Bem, fiz isso porque tenho algo muito importante para revelar. — A emissora está à beira da falência, Bill? — uma voz ecoou do fundo da sala. — Não. Ainda não — ele respondeu em tom bem-humorado. — São boas notícias. O burburinho que percorreu a sala deixou evidente a expectativa dos presentes. — A WDVE acaba de ser comprada pelo sr. Blake Ramsey, mais conhecido como Blake Sommers. Presumo que já tenham ouvido falar nele. Quando ele passou do seu lado para subir ao palco, Shannon desejou que o chão se abrisse para tragá-la. Seu novo patrão era o mesmo homem que a tivera em seus braços dois dias antes, e que ouvira suas respostas hostis diante das sugestões que tentara dar... E, quando estava prestes a se apresentar, ela o deixara falando sozinho e entrara no estúdio para ir ao ar. Não era para menos que se sentira tão à vontade para se intrometer em seu estilo de comandar o show! Virou o rosto para que ele não notasse o intenso rubor que a cobria, e percebeu que a notícia provocara reação explosiva em todos que estavam ao seu redor, a julgar pelo murmúrio de excitação que percorreu a sala. Blake Sommers... Não havia quem não conhecesse aquele nome. Ele possuía três emissoras de rádio que estavam no topo da lista das mais ouvidas em várias cidades, incluindo Nova York. 12
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Nos últimos seis anos, ele comprara emissoras por todo o país, aumentando ainda mais o seu império. — Estava ansioso para que chegasse o dia dessa reunião — a voz grave ecoou, forçando-a a prestar atenção a tudo o que ele dizia. — Passei muitas horas diante do espelho pensando no que diria a vocês. Sei que muitos devem estar com receio de como a venda da emissora possa afetar suas vidas. Não se preocupem. Não vejo razão para mudanças radicais. Ouvi a programação da rádio c verifiquei os índices de audiência, e posso dizer que estão indo bem. Mas temos de fazer melhor. Shannon olhou ao redor da sala, e constatou que todos os olhares estavam fixos na figura poderosa, como se estivessem hipnotizados pelo magnetismo que emanava dele. A aparência e o porte daquele homem bastavam para que fosse notado em uma multidão. Forçou-se a prestar atenção nas palavras, tentando minimizar sua reação. — Por enquanto, tudo permanecerá como está. Até o final do mês, espero ter me encontrado com cada um individualmente. Alguma pergunta? — A resposta foi o mais absoluto silêncio. — Ótimo. Bill agendará entrevistas com cada um, de acordo com a disponibilidade pessoal de vocês. Estou ansioso para começar... — O olhar pairou em Shannon por alguns segundos. — Quero conhecê-los muito bem. Ao final da reunião, os participantes se reuniram em pequenos grupos para comentar a novidade e analisar seu significado. Aproveitando-se da situação, Shannon apanhou a bolsa e seguiu para a porta, convicta de que ninguém a notaria. Sentia-se ridícula ao pensar no inusitado encontro da sexta-feira à noite. Comportarase como uma adolescente, derretendo-se nos braços de Blake, para depois agredi-lo com seus comentários hostis. O que ele estaria pensando a respeito dela? Na certa, não a classificaria como a funcionária mais gentil e simpática do seu quadro de empregados, e não podia culpá-lo. Se soubesse que seria seu novo chefe, teria sido mais educada e se forçado a controlar os impulsos. Porém, era tarde demais para se arrepender. Abriu caminho por entre seus colegas e, ao tocar a maçaneta da porta, congelou o gesto ao ouvir seu nome. — Shannon, poderia me dar um minuto da sua atenção? Um súbito tremor percorreu seu corpo. Respirou fundo e moldou um sorriso estudado no rosto antes de se voltar. Blake a fitava profundamente, e ela se obrigou a não derreter diante do charme devastador daquele homem. — Claro que sim, sr. Sommers... Ou deveria chamá-lo sr. Ramsey? — Desculpe por não ter revelado antes, mas não tive chance de me apresentar no 13
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nosso encontro repentino de sexta-feira. — Compreendo perfeitamente. E quero que entenda que, se eu soubesse, não ficaria ofendida com os comentários que fez a respeito do meu show. — Não tive a intenção de ofendê-la. Estava apenas tentando lhe dar algumas sugestões para melhorar. Aliás, você também contribuiu para que eu melhorasse. Lembro que me sugeriu aulas de boas maneiras... Ela sentiu o rosto corar diante da ironia. — Que tal se começássemos de novo? — propôs com um sorriso amigável. — Sou Shannon Smith, apresentadora de Corações Solitários, o incrivelmente popular programa da sexta-feira à noite em sua nova estação de rádio. — Ah, sim... — Ele sorriu com simpatia. — Achei que você fosse... — Oh, eu sei... Alta e loira. — Exatamente. Mas confesso que a imagem real não me decepcionou, srta. Smith. Ao contrário, achei que você é muito mais interessante pessoalmente. O comentário a deixou sem resposta. Tentou sorrir, incerta se fora um elogio ou mais uma de suas provocações. Com uma risada nervosa, deu-lhe as costas e seguiu pelo corredor com passadas rápidas, afastando-se o mais rápido que pôde dos encantos daquele homem. Na terça-feira, Shannon foi chamada para outra reunião na emissora de rádio. Porém, daquela vez, dedicou mais atenção ao se arrumar, passando longos minutos diante do armário. Entretanto, por mais que procurasse, não havia nada além de peças básicas e informais. Por um segundo, arrependeu-se pelo impulso de ter se desfeito de todas as roupas que usava quando era secretária, acreditando que nunca mais precisaria de nada que pertencesse a sua antiga vida. Optou por calça jeans preta e blusa vermelha, abotoada com minúsculos botões. Ajeitou-a sob o cós da calça e colocou um cinto de couro e botas de saltos altos. Depois de aplicar sombra rosa cintilante e rimei, completou a maquiagem discreta com uma leve camada de brilho nos lábios. Brincos de prata fosca com pequenos rubis incrustados, presente da mãe no último aniversário, e algumas gotas de perfume deram o toque final. Sorriu ao se avaliar diante do espelho. Pretendia causar boa impressão na reunião da tarde com Blake. Sabia que não seria fácil, mas estava disposta a apagar a impressão desfavorável que deixara no primeiro encontro com ele. No dia anterior, encontrara-o nos corredores da emissora, e percebera que manter a naturalidade diante daquele homem se tornava mais difícil a cada dia que passava. Blake exercia um tipo de fascínio que a destituía de todas as possibilidades de se 14
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defender. Enquanto dirigia, a caminho da emissora, repetia mentalmente que não sairia daquela reunião enquanto não esclarecesse alguns pontos. Exigiria que Blake respeitasse seu estilo pessoal, e não aceitaria que lhe desse ordens de forma autoritária. Afinal, nunca se submetera à vontade de homem algum, incluindo seu próprio pai, e recusava-se a acatar passivamente a opinião daquele ditador insensível! Porém, momentos mais tarde, ao parar diante da mesa da secretária de Blake, estava tão nervosa que se esqueceu de todas as decisões que tomara a caminho da emissora. — A srta. Smith está aqui para a reunião das três horas, sr. Ramsey — ouviu a secretária anunciar pelo interfone. — Ótimo. Mande-a entrar, Sandy. Quando a jovem abriu a porta, Shannon deteve-se à entrada do escritório, como se suas pernas estivessem paralisadas. A visão de Blake sentado atrás da escrivaninha tirou-a de seu eixo de equilíbrio e virtualmente a impossibilitou de agir. — Não sei por que, mas comecei a desenvolver um inexplicável medo de trombar em alguém quando abro uma porta — comentou, surpresa por conseguir enunciar as palavras. Relaxou ao ouvir a risada divertida cortar o ar. — Entendo o que quer dizer. Eu, pessoalmente, costumo me relacionar melhor com cadeiras, que não representam o menor perigo. — Blake fez um gesto para que ela se sentasse na poltrona diante da escrivaninha. — Por favor, fique à vontade. Ela se acomodou, consciente de que ficar à vontade era a última coisa que conseguiria. A proximidade a deixou pouco confortável, e suas mãos apertaram os braços da cadeira num gesto involuntário. — Bem, o tema da nossa reunião, como você pode imaginar, é o seu show. A voz soou calma e profissional, e ela respirou fundo para que ele não percebesse o estado de tensão em que se encontrava. A presença arrebatadora entorpecia seus sentidos, deixando-a com a sensação de que seu cérebro havia derretido. Com esforço, restituiu parte da possibilidade de raciocinar e tentou sorrir. — Sim, eu sei. — Não reconheceu a própria voz, calma e precisa. — Mas receio que não possa usar o formato que você disse ter visto em Chicago. Observou-o se inquietar no assento, mas não a interrompeu. — Não posso mudar meu estilo. Não vou fazer piadas e me divertir à custa do sofrimento de outras pessoas. Ele ergueu as sobrancelhas, sinalizando desafio. — Mesmo que lhe diga que as pesquisas confirmam ser isso o que a audiência quer? Shannon se obrigou a pensar, tentando encontrar argumentos convincentes. — Não acredito nas estatísticas. Talvez funcionem em Chicago, mas não em Tampa. 15
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Ela o encarou, sentindo-se miserável. Na certa, o passo seguinte seria assinar a carta de demissão. O que Shannon não sabia era que seu novo chefe nutria grande respeito por ela. Analisou-a por longos minutos, ponderando sobre como abordá-la. Decidiu que seria franco e direto, consciente de que aquela mulher não era do tipo que gostava, de subterfúgios. — Não, você não pode. Ele teria concordado, ou queria dizer que a despediria e encontraria alguém mais adequado para comandar o programa? Franziu o cenho em expectativa, esperando que ele prosseguisse. — Sei que não estamos em Chicago, mas, ainda assim, sua audiência precisa crescer. Shannon respirou aliviada. Ao menos, ainda tinha um emprego. O problema era que teria de se submeter à vontade arrogante daquele homem, em nome de sua vasta experiência. — Temos de mudar o mais rápido possível, e pensei em uma campanha para promovê-la. É a única forma de conquistar o mercado para o que queremos. — O que tem em mente? — indagou, surpresa com a facilidade com que concordara, certa de que seria mais fácil resistir se ele não fosse tão atraente! — Eu estava pensando em começar com um programa ao vivo transmitido de algum clube local. O que tenho em mente é... Ouviu sem conseguir piscar os olhos enquanto Blake discorria sobre a idéia de transportar o estúdio para um clube, onde o programa seria feito com os freqüentadores habituais, em interação com os ouvintes. Não protestou quando descobriu que já havia agendado uma reunião com ela, o responsável pelo setor de relações públicas da emissora e o gerente do Salado's, a mais freqüentada boate de Tampa, além de uma sessão de fotografias para publicidade. Ao finalizar, ele se levantou e, sem perguntar sua opinião, conduziu-a para a porta, tomando-a pelo braço num gesto cortês. Shannon inalou a fragrância máscula quando se voltou para se despedir, e o perfume ficou impregnado em sua memória. Sabia que, daquele momento em diante, seria impossível senti-lo sem associá-lo à imagem poderosa de Blake Ramsey. Respirou fundo mais uma vez antes de sair e ouvir a porta se fechar atrás de si. Blake fora o mais perfeito cavalheiro desde que ela entrara em seu escritório. Na verdade, não poderia ter sido mais gentil, pensou com suspeita. Chegara até a ter a impressão de que ele estava prestes a beijá-la... Naquela noite, sonhos atormentados inquietaram seu sono. O corpo atlético de Blake colava-se ao seu, inebriando-a com seu perfume. No momento em que ele inclinou a cabeça para beijá-la, batidas à porta a despertaram com o efeito de um balde de água 16
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fria. Refazendo-se do sobressalto, Shannon tentou se adaptar à realidade. Pestanejou e olhou ao redor, percebendo que havia adormecido sobre a escrivaninha de seu pequeno escritório na emissora. Se Bill não tivesse chegado naquele momento, poderia estar perdida na magia dos olhos de Blake em seu sonho... Endireitou-se na cadeira com a entrada do gerente administrativo e apanhou das mãos dele uma carta que acabara de chegar, cujo remetente assinava Seu Maior Fã. Abriu-a logo que Bill saiu, procurando em vão por alguma pista sobre a identidade.
Tenho sonhado com o momento em que você será minha Sonhos podem se tornar reais Basta acreditar neles Estátuas de mármore se rompem no ar E os corações ainda batem Não há como evitar Toque-me... Sinta-me... Pense em mim Qualquer um poderia ter deixado a carta na recepção, ela ponderou depois de reler o texto. Ninguém prestava atenção especial àquele tipo de entrega. Guardou-a na bolsa, refletindo sobre o que fazer. Talvez Bill tivesse alguma sugestão... A letra do poema parecia ser de alguma música, e ninguém melhor do que ele para descobrir. No entanto, ponderou que poderia ser prematuro revelar sobre as cartas. Afinal, eram apenas tolices... Decidiu esperar para ver. Prendeu os cabelos em um rabo-de-cavalo e se preparou para gravar um anúncio comercial que entraria no ar dentro de alguns dias. Blake colocou os pés sobre a escrivaninha e se reclinou na cadeira, perdido em pensamentos. Nem a paisagem magnífica que via da sua janela, oferecendo-lhe o cenário de um cartão-postal com areias claras, palmeiras e as águas serenas do mar do Golfo, comparava-se à inesquecível imagem dos olhos cor de Shannon Smith. Sorriu ao se lembrar da expressão de surpresa no rosto bonito, em seu primeiro encontro. Quando a ajudara a se erguer do chão, ela levantara-se pronta para a batalha. Não podia negar, gostava do estilo daquela mulher. Shannon Smith tinha determinação. E quando se lembrava de como o corpo delicado havia tremido ao contato... Afastou a lembrança, convencendo-se de que também se sentia atraído pela vivacidade e inteligência que transbordavam no olhar daquela mulher. Desde seu divórcio, dois anos atrás, não se sentira mexido tão profundamente. Quando sua reputação e prestígio começaram a crescer, muitas mulheres passaram a se interessar em compartilhar sua cama. Havia dado o que elas estavam ansiosas por 17
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receber, mas nunca repetira um encontro mais de duas vezes. E era como pretendia manter sua vida amorosa. O casamento o ensinara sobre o perigo de deixar que alguém se aproximasse até que conhecesse os motivos reais. Sonya parecera sincera e desinteressada quando a encontrara na festa de um amigo. Nunca lhe ocorrera que ela escondia sua verdadeira personalidade por trás da máscara de sedução e encantamento, tampouco que tivesse de se proteger dos seus encantos. Era bonita, e sabia como tirar o máximo de proveito de sua beleza. Possuía um corpo escultural, cabelos longos e loiros e a segurança de quem tem consciência do próprio poder de sedução. Ele se apaixonara à primeira vista. A verdade era que estava focalizado em sua carreira e muito ocupado consigo mesmo para questionar o interesse de uma mulher, e aquele fora seu maior erro. Logo depois do casamento, Sonya começou a mostrar sua verdadeira personalidade. Ele sempre evitara o cenário agitado do meio artístico, preferindo vida mais reservada, mas com a insistência da esposa, passara a freqüentar o círculo das celebridades da mídia, mesmo relutante em conviver com um mundo falso e cheio de frivolidades. Em pouco tempo, percebeu que não conhecia mais sua mulher. E, pior, não estava interessado em conhecê-la... No segundo aniversário de casamento, entrou com o pedido de divórcio. Sonya não passava de um corpo bonito, assim como todas as mulheres que encontrara casualmente depois do rompimento. Para elas, grande parte do encanto estava em seu nome e no que vinha com ele. Shannon Smith, por sua vez, parecia não querer nada dele... Na verdade, não demonstrava o menor interesse. Tratava-o com gentileza e respondia às suas perguntas de forma civilizada, mas os olhos magníficos mantinham-se intransponíveis. No entanto, por mais que ela escondesse as emoções por trás da postura profissional, suspeitava que não era imune a ele. A química que fazia seus hormônios entrar em ebulição era poderosa demais para não ser recíproca. Apanhou a caneca de café e olhou pela janela. — Bem, srta. Smith... — balbuciou, com um sorriso sonhador. — Não estou interessado em compromissos sérios, mas algum tempo em sua companhia e em sua cama, se tiver sorte, será tudo que eu preciso para facilitar minha transição de volta à Flórida...
Capítulo III Shannon se preparou durante todo o trajeto de casa à emissora, decidida a se 18
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controlar e agir civilizadamente, no mais elevado nível profissional, não importava o quanto Blake se aproximasse. Estava começando a descobrir que a ausência dele significava tortura ainda maior que sua presença... Durante a tarde toda, fugira como um coelho assustado a cada vez que alguém abria a porta do estúdio de gravação, receando que pudesse ser ele... e, para seu desapontamento, ficava decepcionada quando era outra pessoa. Quando estava pronta para ir embora, percebeu que sua ansiedade fora desnecessária. Encontrou Ingrid na sala de controle, separando o material da campanha, e franziu o cenho ao perceber que ela estava mais agitada do que o habitual. — Meu Deus, estou a ponto de enlouquecer! — resmungou ao vê-la. — Blake Ramsey é o modelo do perfeccionismo. Quer que tudo fique pronto para ontem, e sabe exatamente o que cada um está fazendo, mesmo a distância. — Relaxe, Ingrid. Você parece exausta. — Como posso relaxar? Blake foi para Nova York esta manhã. Parece que o locutor da emissora local pediu as contas e ele vai substituí-lo até preencher a vaga, mas não parou de ligar do carro, do aeroporto, com listas intermináveis de tarefas que têm de ser feitas enquanto ele está fora. — Pobrezinha — Shannon comentou com simpatia. — Quando ele voltará? — Não sei, mas espero que demore um bom tempo! Ele disse algo sobre voltar a tempo de assistir à sua sessão fotográfica. Na verdade, pediu para falar com você em um dos telefonemas, mas estava muito ocupada esta tarde. Eu nem sabia que estava aqui. — Se for algo importante, ele entrará em contato. — Esteja certa que sim! Bem, tenho de ir. E ela saiu apressada, olhando para o relógio. Shannon caminhou pela emissora vazia, tentando absorver as palavras de Ingrid. Ao menos, poderia relaxar por algum tempo. Sem a presença perturbadora de Blake, teria chance de resgatar o controle das suas emoções, e decidiu que aproveitaria a oportunidade. Mergulhou no trabalho, e os dias se passaram na mais perfeita paz. Além do programa semanal na WDVE, dedicou-se à gravação de comerciais para a emissora de televisão local e reuniu-se diversas vezes com a equipe de marketing para planejar um evento que pudesse atrair ouvintes e ampliar a audiência. Shannon ocuparia um estúdio improvisado dentro do clube e poderia falar com os ouvintes que ligassem, tentando encontrar seus pares no ambiente do clube. Embora a idéia de apresentar o programa diante de uma audiência a deixasse tensa, estava excitada com os planos... Até receber o telefonema de Blake. O tom cáustico com que ele se dirigiu a ela foi como um balde de água fria em seu entusiasmo, e a escolha do traje para a sessão de fotografias foi a gota d'água. 19
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Quando mencionou que a idéia de usar o modelo de veludo preto que ele determinara parecia inapropriada, obteve um silêncio gélido como resposta, como se ele tivesse ficado ofendido em ter sua brilhante idéia questionada. Shannon não se deixara abalar pela crítica e insistira, tentando fazê-lo entender que o modelo não combinava com seu tipo físico. — Shannon, entretenimento deve ser uma fantasia, e não retratar a realidade — ele explicou, como se falasse com uma criança. — Ademais, sua percepção acerca de si mesma não vem ao caso. Ela respondeu com seu próprio silêncio atônito. — Por que não relaxa e me deixa decidir como apresentá-la? — Porque isso não sou eu. Não posso fingir que sou uma mulher fatal. Você está tentando mudar o estilo do show. — Não, não estou! — a impaciência era óbvia, mesmo por telefone. — E sim, você pode. Isso se chama representar, já ouviu falar? E o que todo profissional experiente faz sempre que está diante de um microfone! E ele desligou, deixando-a sem ter chance de argumentar. — Ditador! — Shannon disse por entre os dentes ao desligar o telefone. Blake era arrogante, presunçoso, autoritário... Cortou o curso do pensamento, antes de prosseguir com a lista de adjetivos: atraente, brilhante, irresistível e sexy eram os próximos itens que a completavam. No dia seguinte, encontrou o vestido de veludo preto pendurado no closet do estúdio fotográfico, uma lembrança perturbadora da batalha que tivera com Blake no dia anterior. Depois de se vestir, deparou-se com assistentes e técnicos em meio à parafernália que a esperava. Holofotes de diferentes intensidades e tamanhos dominavam o ambiente, formando uma barreira física ao redor da cena da ação. Ao sair da sessão de maquiagem, Roger, o fotógrafo responsável pela campanha, apresentou-se e fez com que ela se sentasse em um banquinho no meio do caos ao seu redor. Pediu que segurasse a respiração e não se movesse, e ela obedeceu sem retrucar. — Maquiagem, dê um jeito no brilho do nariz! — Roger interrompeu a tomada, desistindo de registrar a pose. Ela inalou com profundidade, parando a tempo de ver a esponja com o pó facial se aproximar cada vez mais. — Posso respirar agora? — Shannon indagou com ironia. — Roger, você deve ter uma veia sádica para gostar da profissão. E algum tipo de pré-requisito para ser fotógrafo? Shannon não notara a presença de Blake a um canto, observando a sessão. 20
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Ele não conteve o sorriso ao vê-la provocar o fotógrafo. Notou que ela cativara a equipe do estúdio no instante em que se apresentara. Shannon possuía um magnetismo natural, mas o curioso era que, embora parecesse expansiva e extrovertida, mantinha um certo mistério por trás dos olhos. Na verdade, era reservada e séria, concluiu. Em sua viagem para Nova York, surpreendera- se pensando nela durante a maior parte do tempo. Inadvertidamente, seus olhos procuraram a figura graciosa em meio aos refletores, e o que viu fez o sangue correr mais rápido em suas veias. Para a última série de tomadas, ela se levantara e assumira uma pose sensual, com as mãos na cintura e o queixo ligeiramente erguido. Blake conteve o riso ao se lembrar da indignação silenciosa quando fora forçada a usar o modelo de veludo. A peça colava-se ao corpo sensual como uma segunda pele. Finas alças de strass sustentavam o drapeado do busto, realçando ainda mais a linha firme e voluptuosa. A abertura da saia mostrava pernas bem torneadas e pés perfeitos, dentro de uma sandália de saltos altos que parecia deixá-la pouco à vontade. A pele revelava-se macia e aveludada, fazendo com que suas mãos tremessem ao imaginar o contato com a textura acetinada. Os longos cabelos negros haviam sido presos em um sofisticado penteado, e percebeu-se admirando a linha perfeita do pescoço longilíneo. Observá-la provocou tamanho impacto, que Blake sentiu seu corpo todo doer. A despeito dos protestos, fazer o papel de mulher fatal parecia ser a segunda natureza de Shannon. — Ótimo, querida — Roger anunciou. — Quero que olhe para a câmera como se todos os homens estivessem prontos para cair a seus pés. Pense no seu amor... Imagine que está sozinha em uma ilha deserta com ele, e não há ninguém por perto num raio de quinhentos quilômetros. Shannon umedeceu os lábios com a ponta da língua, deixando sua mente viajar. — Perfeito! Só mais um segundo... Roger capturou a expressão com diversos flashes enquanto ela viajava para outro lugar. No entanto, em vez de uma ilha deserta, sua mente levou-a para o corredor da emissora, e viu-se novamente presa nos braços de um estranho com olhar devastador. — Shannon, quero conhecer o paraíso para onde você foi! — Roger provocou com um sorriso. — Está bem, querida. Acabamos por hoje. Ela alongou os músculos doloridos e, ao se voltar, deparou-se com Blake. Mal conseguiu respirar quando os olhos sensuais pousaram sobre si. Incapaz de enunciar qualquer som, seguiu para o camarim, consciente da presença de 21
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Blake. Para sua surpresa, ele entrou e fechou a porta, trancando-os no cubículo repleto de araras com diversos tipos de roupas. — Senti sua falta, Shannon — disse de súbito. — Durante a semana que estive em Nova York, pensei em você todos os dias. Incapaz de responder, ela cruzou os braços sobre o peito, tentando controlar as batidas desenfreadas do coração. — Não acredita no que eu disse? Quando ela abriu a boca para responder, seus lábios foram tomados por um beijo quente e apaixonado. Shannon sentiu-se derreter ao contato, e abriu a boca, incapaz de controlar as próprias reações. Insistentes batidas na porta penetraram em seus tímpanos, invadindo a doce privacidade que se instalara entre eles. Não tinha idéia de quanto tempo estavam ali, mas a julgar pelo tom da voz de Roger, percebeu que ele a chamava há alguns minutos. — Shannon? Você está aí? A emissora está na linha para falar com Blake. Não conseguem encontrá-lo pelo celular. Sabe onde ele está? — Estou aqui! — Ele olhou para o teto e suspirou com impaciência ao abrir a porta. — Olá, Roger. Por favor, diga que ligarei de volta em um minuto. Meu celular está sem bateria. Sem esperar pela resposta, fechou a porta diante da expressão perplexa do fotógrafo e se voltou para Shannon, segurando-a pelos ombros. — Não, Blake — ela começou a protestar. — Eu não posso... Ignorando os protestos, ele a beijou mais uma vez, interrompendo o contato com relutância para olhar no relógio de pulso. — Tenho de ligar para a emissora. Vou apanhá-la amanhã à uma hora da tarde. Conheço um lugar que serve refeições deliciosas. Ela arregalou os olhos e meneou a cabeça em concordância, perturbada demais para retrucar. Ao se ver sozinha no camarim, Shannon olhou ao redor, como se tentasse confirmar que não estava sonhando. Trocou de roupa com gestos automáticos, ainda sob efeito do encantamento provocado pelo beijo. Ao apanhar a bolsa sobre o aparador, notou que havia um envelope, que fora colocado em seu interior sem que ela percebesse. De súbito, uma onda fria de pânico percorreu-lhe a espinha. Perscrutou o aposento vazio, como se esperasse que seu fã surgisse por trás de uma arara de roupas. Sabia que aquela carta não estava lá quando a sessão de fotos começara, e vasculhou sua mente tentando lembrar se vira alguém estranho nas imediações. Entretanto, todos lhe pareceram familiares ou foram apresentados a ela. E, se alguém tivesse 22
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entrado furtivamente, como Blake fizera, nunca teria descoberto. — Está bem, meu misterioso fã — murmurou sem respiração. — Vamos ver o que preparou para mim hoje. Abriu o envelope com mãos trêmulas e extraiu a única folha com letras impressas no computador. Havia mais um poema sem outras informações como nome, data ou assinatura.
Ensinar o que você deve saber Aprender a esperar por você Penetrar seu coração e fazê-la me ver... Isso é amor, mas não me traz a paz Carrossel de melodias, belo assim Como cavalos que galopam livremente E, sem saber, caminham para o amargo fim Toque-me... sinta-me... mergulhe em minha alma — Não sei o que devo fazer com você — disse para ninguém em particular. — Parece que não está disposto a parar, e não posso argumentar com você, já que não sei quem é... Na verdade, não tinha certeza se realmente queria saber... E se o fã tentasse entrar em contato com ela? E se fosse algum maníaco, e não algum ouvinte solitário, como ela supunha? Considerou as opções enquanto terminava de se vestir e saía do estúdio. Talvez pudesse mostrar as cartas para Bill. Ele poderia ter alguma pista sobre o autor. E, caso não tivesse e seu fã não parasse de enviar as cartas, falaria com Ingrid e marcaria uma entrevista com Joe 0'Brien, marido dela, que fora policial nos últimos dez anos e ingressara na universidade de Direito. Ele seria a pessoa mais indicada para protegê-la. Shannon olhou para seu reflexo no espelho. Havia descartado várias peças antes de se decidir pela camisa azul-clara e a bermuda de lycra. Lembrou-se de que seu objetivo não era atrair Blake, e menos ainda alguém perverso que queria sua atenção absoluta. Trancou a porta do chalé e caminhou na direção do píer, ignorando os olhares masculinos que seguiam seu progresso pela praia. Protegeu os olhos dos raios de sol e perscrutou a orla à procura de Blake. Ele havia ligado minutos atrás, e combinaram encontrarem-se no deque. Ele estava ao lado de uma lancha de doze pés, e um sorriso curvou-lhe os lábios involuntariamente quando o avistou. — Seu táxi à espera, madame — ele disse em tom de brincadeira, indo ao seu encontro. Quando ela sorriu, Blake sentiu-se aquecer. Tudo nela parecia sorrir, e se esqueceu de 23
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respirar quando se deparou com os olhos mais bonitos que jamais vira. — Para onde vamos, motorista? — Shannon indagou ao aceitar a mão dele para subir a bordo. — Oh, não me diga... Quero ser surpreendida. — Como quiser. Com movimentos ágeis, ele subiu a âncora e assumiu o leme para conduzir a embarcação por águas profundas. O ruído do motor a impediu de falar, e ela se recostou na amurada, deixando-se envolver pela liberdade proporcionada pelo cenário. Com o canto dos olhos, observou a força dos músculos das costas e ombros quando Blake fazia a lancha ganhar velocidade. O sol reluzia nos fios dourados dos cabelos curtos, e gotículas de água espalhavam-se pela pele bronzeada do braço, e ela soube que teria de recrutar todo o autocontrole para resistir ao seu magnetismo. Navegaram para uma enseada, onde várias lanchas estavam ancoradas. Quando Blake desligou o motor para atracar no píer, ela reconheceu o local, famoso por um restaurante especializado em frutos do mar. — Ótima escolha — elogiou com um sorriso. — Estou com tanta fome que seria capaz de comer uma baleia! Esperou que ele soltasse a âncora e pulasse para o deque a fim de puxá-la para terra firme. Quando as mãos se encontraram, uma corrente elétrica atravessou seu corpo. Disfarçou o melhor que pôde e seguiu ao lado dele, surpresa ao ver que o maitre o recebeu com familiaridade. — A mesa de sempre, sr. Ramsey? — Sim, por favor, François — ele respondeu com um sorriso amável. — E escolha um vinho especial para acompanhar a lagosta. Foram conduzidos a uma mesa próxima à janela, com magnífica vista para o mar. Shannon não deixou de notar como as mulheres presentes o fitavam, e sentiu-se inexplicavelmente irritada. A deliciosa refeição foi acompanhada pela conversa descontraída. Blake contou-lhe histórias sobre a Califórnia, onde sua carreira no rádio havia começado. À medida que ouvia, Shannon sentiu-se relaxar, e a segunda taça de vinho contribuiu para deixá-la com a sensação de estar flutuando. Voltavam para o continente quando Blake reduziu a velocidade da lancha. — Importa-se de explorarmos os arredores? — indagou, saindo do canal principal. — Seria ótimo. Não tenho compromissos para hoje, e ainda temos algumas horas antes do anoitecer. — Excelente. Vou levá-la a um lugar especial. — Vou deixar nosso destino em suas mãos. Avise-me quando chegarmos ao México. Ela estendeu uma toalha no convés e se deitou, aproveitando os raios de sol do 24
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entardecer. Abriu os olhos lentamente, quarenta minutos mais tarde, com o ruído das ondas no casco da embarcação. Uma sombra bloqueou o sol que aquecia seu rosto. — Onde estamos? — Ainda não chegamos ao México, mas é só uma questão de minutos. Ela arregalou os olhos para encontrar Blake deitado ao lado dela, apoiado sobre a mão e com o rosto tão próximo que podia sentir a respiração quente acariciando-lhe a pele. A embarcação dançava suavemente ao ritmo das ondas, embalando-a em uma deliciosa sensação. Ergueu o corpo e avistou, bem diante deles, uma pequena ilha com palmeiras e areia branca. Estavam sozinhos, sem ninguém num raio de centenas de milhas. Ela quase riu ao se lembrar que Roger havia sugerido que imaginasse estar em uma ilha deserta, com seu amado... Naquela ocasião, jamais pensaria que sua imaginação se tornaria realidade. — Há quanto tempo estamos aqui? — Há cerca de dez minutos — ele respondeu, olhando no relógio. — Você estava tão confortável que não quis acordá-la. Shannon fechou os olhos quando sentiu os dedos suaves tocando seu rosto, descendo lentamente para traçar uma linha sinuosa até a curva do busto. Seu corpo reagiu no mesmo instante, consciente da presença viril. Pressentiu a proximidade dos lábios possessivos, e mergulhou em um sonho quando os corpos se colaram em um abraço apaixonado. O pôr-do-sol foi a única testemunha do amor apaixonado e selvagem que fez Shannon descobrir uma mulher sensual adormecida dentro de si. Deixou-se acalentar pelos braços fortes, e sorriu ao perceber que os corações pulsavam no mesmo ritmo. Tudo parecia um sonho, até que Blake se afastou de súbito e deu um pulo, assustandoa. — Infelizmente, temos de ir embora o mais depressa possível — ele avisou, olhando para o céu. — Uma tempestade está se aproximando da costa. Shannon procurou pelas roupas, espalhadas pelo convés, e abrigou-se na cabine quando as primeiras gotas de chuva caíram. Ao chegarem à praia, uma chuva torrencial fazia o céu desabar. Blake atracou a lancha e desligou o motor, enquanto Shannon esperava na cabine. — Bem, aqui estamos, sãos e salvos — ele comentou ao parar do lado dela. Permaneceram em silêncio, ambos hesitantes sobre como agir. Shannon desejava mais do que tudo convidá-lo para acompanhá-la ao chalé, mas receou uma recusa, e não suportaria uma negativa depois de tudo que haviam compartilhado. Blake desejava o mesmo, e, embora pudesse sobreviver à negativa de Shannon em 25
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acompanhá-la, temia a intimidade que poderia sobrevir se ficassem muito tempo a sós. — Obrigada pela tarde maravilhosa, Blake. Foi perfeito — Shannon rompeu o silêncio. Caminhou para a amurada da lancha, fazendo menção de subir para o deque. — Espere... Ela paralisou o movimento, ansiosa por ouvi-lo dizer que a levaria para casa. — Você não pode ir embora debaixo dessa chuva — ouviu-o dizer, mal contendo a expectativa. — Vou apanhar uma capa impermeável para que você não se molhe. Frustrada demais para responder, deu-lhe as costas e alcançou terra firme com um salto ágil. — Não se preocupe — gritou para suplantar o ruído da tempestade. — Estou perto de casa, e vou tomar um banho quente quando chegar. Correu pela praia com a chuva machucando seu rosto, confundindo-se com o pranto e com a certeza de que tudo que restaria dos momentos maravilhosos compartilhados com Blake seria uma lembrança, que ficaria guardada em seu coração...
Capítulo IV Você recebeu um telefonema anônimo em sua casa, sendo que o número não está na lista, além de três cartas anônimas, e é a primeira vez que menciona isso? — Bill quase gritou, com expressão preocupada. Shannon assentiu, baixando os olhos como uma criança culpada. Quando decidiu contar-lhe sobre as cartas anônimas que estava recebendo, não esperava uma reação tão intensa. Naquela tarde, antes de voltar para casa, entrara no escritório dele e pedira alguns minutos de atenção, presumindo que dariam boas risadas quando contasse sobre o assédio de seu fã. Para sua surpresa, Bill sugeriu que chamassem a polícia e instalasse um sistema de segurança no chalé. Nunca o vira com expressão tão séria, e tal reação a deixou amedrontada. —Você não lê jornais, Shannon? — ele indagou em tom severo. — Todos os dias, há manchetes sobre maníacos que perseguem e matam seus ídolos! — Bill, não creio que seja tão sério. O rapaz está apenas... — Invadindo sua privacidade — ele completou com gravidade. — Não gosto disso, Shannon, e não é prudente ignorar. — Bill, você está me deixando nervosa. — Deixe-me ver as cartas novamente. — Releu-as diversas vezes e colocou-as na escrivaninha à frente dele. — Essa é a ordem em que chegaram? 26
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Ela assentiu e explicou onde estava quando recebeu cada uma, imaginando que importância teria. — Algumas delas me lembram letras de canções... — Bill comentou, como se estivesse pensando alto. — Parecem ser de um grupo que não chegou a ficar famoso, e foram ao ar em um programa especial sobre bandas independentes. Se eu estiver certo, seu fã é seguidor fiel. Poucas pessoas conhecem as canções, e somente alguém aficionado por música teria acesso às letras obscuras, que não atingiram a menor popularidade. — E isso é bom ou mau? Os fãs dessa banda são adeptos da violência? Você acha que ele pode me aprisionar e me obrigar a ouvir as músicas até eu implorar clemência? — Não é engraçado, Shannon. Devemos elaborar algum plano para apanhá-lo. Vou ligar para Blake e... — Não! — Ela se pôs de pé em um pulo. — Não quero que ele saiba. Estou certa de que não é nada sério. Na verdade, meu fã tem sido gentil. — Shannon, eu acho que seria melhor se... — Não, não seria, Bill. Não quero que Blake se sinta na obrigação de cancelar o programa ao vivo. É muito importante para mim e não há razão para preocupações. Vamos esperar até que você verifique as letras das músicas. Ela apoiou as duas mãos no tampo da mesa e o fitou com genuína súplica no olhar. — Por favor, Bill! Nós temos de seguir em frente. Essa é a minha grande oportunidade. — Saiba que não estou gostando nem um pouco disso, mas farei o que pede. Vou conferir as letras das músicas, e se esse rapaz telefonar ou mandar mais uma carta novamente, quero ser o primeiro a saber. Entendeu? — Sim. Eu prometo. — Sorriu com alívio e enviou-lhe um beijo. Bill observou a porta do escritório se fechar atrás de Shannon, refletindo se estava fazendo a coisa certa. Sabia que, no mínimo, não deveria ter concordado em não contar a Blake. Afinal, ele tinha o direito de saber. Levantou-se e abriu a gaveta do arquivo para retirar o catálogo de músicas, folheando as páginas com cuidado à procura das canções que tinha em mente. Shannon colocou o balde com produtos de limpeza no centro da cozinha e vestiu luvas de borracha, disposta a começar o trabalho. Naquela noite, Blake viria para o jantar, e ela estava excitada com a idéia. Não haviam tido um só momento sozinhos desde a tarde em que saíram para velejar. Entre as exigências do império que ele construíra e a agenda superlotada, aquela era a primeira oportunidade para algo além dos encontros rápidos pelos corredores da emissora e discussões de negócios. Naquela manhã, em uma das inúmeras reuniões para tratar do show ao vivo, ele a abordara antes da chegada dos demais participantes. — Que tal se jantássemos juntos hoje? 27
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Shannon sentira a pulsação se acelerar, contendo o impulso de se atirar nos braços dele. — Vou verificar minha agenda, mas creio que não tenho nenhum compromisso. — Ótimo. Passarei pela sua casa para apanhá-la às sete horas. — Pensando melhor, chegue às sete e meia. Eu mesma vou preparar o jantar. A chegada de alguns funcionários na sala de reuniões interrompera a conversa. Ao final da reunião, Bill permanecera na sala para tratar dos detalhes da contratação dos técnicos de iluminação, e Shannon não tivera chance de confirmar o encontro daquela noite. Mesmo assim, passara a tarde envolvida com os preparativos para o jantar. As paredes do chalé reverberavam com o som da música alta, e Shannon acompanhou o ritmo animado para fazer uma faxina primorosa, ao mesmo tempo em que cozinhava e seus cabelos eram submetidos a um tratamento de creme hidratante. Decidira preparar salmão ao molho de alcaparras, arroz selvagem e salada de legumes. Para acompanhar, pão de alho que ela mesma preparou. O aroma preenchia o ambiente, deixando-a com água na boca. Às cinco horas da tarde, ela parou no centro da sala de estar e sorriu com satisfação. O chalé iluminado pelo sol estava impecável, com vários arranjos de flores frescas distribuídos pelos ambientes. Havia adiantado o jantar e deixado os pães descansando antes de irem para o forno. Tudo estava na mais perfeita ordem e chegara o momento de cuidar de si, concluiu, colocando um CD de músicas românticas no aparelho de som. Tomou um banho demorado e escolheu um vestido branco que recebera de presente da mãe no último Natal. O corte simples e elegante realçou as formas e o tom bronzeado da pele. Sentindo-se confortável e bem-disposta, secou os longos cabelos negros e deixou-os soltos. O toque da campainha provocou-lhe um sobressalto e respirou fundo antes de abrir a porta. Olhou ao redor, satisfeita com a arrumação da casa, e imaginou se Blake sentiria o mesmo conforto e aconchego que ela. — Ah... Vejo que você teve mais cuidado com a porta do que o habitual — ela provocou com um sorriso. — É verdade. Quando se trata de você, aprendi que todo o cuidado é pouco no que se refere a portas. — Blake sorriu e estendeu-lhe um ramalhete de flores e uma garrafa de vinho. — Para você. — Oh, são lindas! — Aceitou os presentes com um sorriso e fez um gesto para que ele entrasse. — Vou providenciar um vaso para as flores. Fique à vontade. Ele entrou e olhou ao redor, enquanto Shannon desaparecia na cozinha. Sorriu com satisfação diante da paz e serenidade que emanavam do ambiente, e notou a profusão 28
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de flores. Fez uma nota mental para, quando quisesse lhe enviar um ramalhete, ter o cuidado de incluir gladíolos, que predominavam dentre as diversas variedades escolhidas. Aprovou a decoração simples e de bom gosto, e uma pequena coleção de aparelhos de rádios antigos chamou sua atenção. O maior deles, uma grande peça de mogno, ocupava parte da parede da sala, tendo sobre o tampo uma fotografia de uma família sentada ao redor de um rádio. A coleção dava um toque de nostalgia ao ambiente, contrastando com as linhas modernas do restante da mobília. Seguiu para a pequena sala de jantar e notou com prazer o vaso com um elaborado arranjo de flores sobre a mesa. A parede envidraçada oferecia vista para o mar, como se fosse parte da praia, emprestando a sensação de liberdade e luz. O chalé era um delicioso reflexo de sua dona, revelando a propensão para cores e luzes em perfeita harmonia. Era como a própria Shannon, pensou para si. Naquele momento, ela retornou da cozinha com um vaso e taças para o vinho. — Poderia fazer as honras? — Ofereceu-lhe o saca-rolhas com um sorriso. — Será um prazer. Apanhou a garrafa de vinho e observou-a caminhar até o aparelho de som para escolher um CD, e os acordes intimistas do sax de Kenny G. ecoaram com suavidade, preenchendo o ambiente. — Você é um homem de muitos talentos — ela comentou ao vê-lo retirar a rolha com facilidade. — Faço o melhor que posso. — Encheu as taças e ofereceu-lhe uma. — Mas tenho de admitir que o saca-rolhas também fez um bom papel. — Você sempre tem uma resposta, para tudo não é? — Shannon riu e inalou o buquê. — Oh, adoro vinho! Vamos nos sentar na sala, enquanto o jantar fica pronto. Acomodou-se na poltrona e indicou que ele fizesse o mesmo. Conversaram sobre a emissora de rádio e os planos de Blake para colocá-la no topo da lista das mais ouvidas. A tensão sexual entre eles carregou o ar, e Shannon teve consciência de que gostava daquele homem mais do que imaginava. Não se tratava apenas da reputação, da aparência nem do incrível carisma que a fascinara desde a primeira vez em que o vira. Havia algo de especial na forma como se comunicava. Ele parecia estar à vontade em sua casa, e estava feliz por tê-lo convidado para compartilhar da sua intimidade. — Desculpe, o que disse? — Pestanejou ao perceber que ele fizera uma pergunta e esperava pela resposta. — Estava pensando se o apito que veio da cozinha significa alguma coisa. Não sei do que se trata, mais o cheiro está maravilhoso. — Os pães! — Ela deu um pulo da poltrona e correu para a cozinha. — O apito é do 29
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timer do forno, e isso significa que os pães estão prontos. O jantar transcorreu num clima de agradável intimidade, e Blake não poupou elogios à deliciosa refeição. Conversaram sobre amenidades, como se fossem velhos conhecidos. Depois da sobremesa, sentaram-se na varanda para tomar café e permaneceram em confortável silêncio. — Quer ajuda para lavar a louça? — Blake o rompeu depois de alguns minutos. — A louça pode esperar. Que tal se déssemos um passeio pela praia? — Ótima idéia. Caminharam sob a luz do luar com as ondas quebrando aos pés. A lua cheia refletia seu brilho prateado na superfície serena das águas do mar. Shannon e Blake eram os únicos na praia deserta, tendo a beleza da noite somente para eles. De súbito, ela sentiu a mão poderosa se apossar da sua e passaram a andar de mãos dadas. Enquanto caminhavam, deixaram-se envolver pela magia do momento, embalados pela brisa quente do verão revolvendo os cabelos. Quando Blake diminuiu o passo, ela prendeu a respiração, consciente do que estava por vir. Entregou-se ao beijo apaixonado, e não protestou quando ele a tomou nos braços para deitá-la na areia macia. Alheios ao restante do mundo, entregaram-se ao prazer, e adormeceram nos braços um do outro depois de explorarem infinitas possibilidades de prazer. Blake ajeitou a cabeça no travesseiro ao lado dele, relutante em abandonar a adorável imagem de Shannon em seus sonhos. Inalou o perfume suave impregnado no ar e procurou por ela, ansioso por sentir o calor do corpo suave. No entanto, tudo que encontrou foi um bilhete sobre o criado-mudo.
Bom dia, preguiçoso. Estou na praia. Traga café. Shannon Sorrindo, ele seguiu para o banheiro e tomou o banho mais rápido da sua vida. Vestiu o calção de banho, que sempre levava consigo na mochila com roupas limpas que carregava no carro, e foi para a cozinha preparar o café. Encheu duas xícaras e apanhou uma flor de um dos arranjos da decoração. Desceu os degraus equilibrando-se e avistou-a sentada de costas para o chalé, a poucos passos dali. — Bom dia! Shannon se voltou e observou-o por trás das lentes dos óculos de sol. — Bom dia. Que bom que trouxe café! — Não vá se acostumar. Sentou-se ao lado dela e sorveu um longo gole da bebida fumegante, admirando as águas serenas do mar. 30
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Um casal com três crianças passaram correndo por eles, e Blake não pôde deixar de notar o olhar embevecido de Shannon acompanhando a família até perdê-la de vista. Aquele era o problema com as mulheres, pensou, desviando o rosto. Não importava que fosse o primeiro encontro, sempre pensavam em compromissos sérios e em constituir família. O pior era que, desde que conhecera aquela mulher em especial, ele também se flagrava imaginando como seria se tivessem um filho... Herdaria os olhos cor de violeta e os cabelos negros da mãe? E, como se não bastasse, permitira-se dormir uma noite inteira ao lado dela! Tal fato era inédito em sua vida. Mesmo quando casado, a idéia de compartilhar a cama com alguém o incomodava. — Não sei quanto a você, mas baseada na posição do sol, eu diria que está na hora de comer. O comentário tirou-o das divagações, e ele se voltou para Shannon. — Se quer saber se estou com fome, a resposta é sim. — Pousou um beijo gentil nos lábios dela. — Ainda temos pão do jantar de ontem, e vou preparar uma omelete. — O que estamos esperando? — Ela se levantou, consciente do olhar sobre seu corpo. — Vamos logo, antes que eu tenha uma crise de hipoglicemia. — Está bem, mas tente não desmaiar até que eu telefone para a emissora e avise que não vou trabalhar esta manhã. Seguiram para o chalé como duas crianças prestes a fazer uma travessura. Enquanto Shannon preparava uma nova jarra de café, Blake ligou para a estação de rádio e começou sua mágica na cozinha, recusando-se a contar o segredo da deliciosa omelete. Ela usufruiu cada momento da deliciosa intimidade que compartilhavam, surpresa com a naturalidade com que aceitava a presença de Blake em sua casa. — Estava delicioso! — exclamou depois de comer duas porções. — Se eu soubesse que você cozinhava tão bem assim, teria lhe pedido para preparar o jantar de ontem. — Esta é a história da minha vida. As mulheres se interessam por mim apenas porque sei cozinhar bem... — Franziu o cenho, simulando apreensão. — Mas devo admitir que estou preocupado. Você parece ser exigente nesse quesito. — Não seja por isso! Você pode tentar descobrir qual é meu prato favorito preparando várias refeições... — Combinado. — Ele se levantou e retirou os pratos da mesa. — Bem, já que tirei a manhã de folga, quero usufruir cada momento. Proponho nos sentarmos na praia, sem fazer absolutamente nada. — Proposta aceita! De mãos dadas, desceram os degraus para a praia e acomodaram-se na toalha estendida sobre a areia. 31
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Outra noite de sexta-feira chegou. Shannon atravessou a ponte Howard Franklyn com um sorriso nos lábios, sem se importar com o tráfego pesado no começo da noite. Desde que Blake deixara o chalé no dia anterior, sentia-se flutuar, como se seus pés não tocassem o chão. Estacionou na vaga reservada para ela e saiu do carro quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair. Estava ansiosa para entrar no ar. Sabia que a audiência aumentava em dias chuvosos e a expectativa de ter mais ouvintes a animou. Como era de costume, parou para verificar sua caixa de correspondência e hesitou alguns segundos, receando encontrar outra carta de seu fã. A última coisa que queria era dar motivos a Bill para que envolvesse Blake nessa história, colocando em risco a possibilidade de fazer seu show ao vivo. Para seu alívio, havia apenas uma pilha de cartas de ouvintes e nada mais. Ao final, sob a última carta, reconheceu a folha com o timbre da emissora e a letra manuscrita, firme e masculina:
Você é a mulher mais adorável e excitante que já conheci. Boa sorte no show desta noite. Ela riu alto no corredor vazio, sentindo o peito se aquecer. — Pode apostar — prometeu, seguindo para o estúdio. A primeira ligação foi de um casal que dizia estar em lua-de-mel graças a ela. — Mas, Sarah, você está em lua-de-mel e não tem nada mais interessante a fazer do que ligar para mim? — censurou em tom bem-humorado. — Prometa que vai estar presente no show ao vivo no Salado's, para podermos nos conhecer. Durante as quatro horas de programa, os ouvintes estavam curiosos e a crivaram de perguntas sobre o show ao vivo. O telefone não parou de tocar e Shannon se superou em entusiasmo e espirituosidade. Faltavam dois minutos para a meia-noite quando ela ouviu a voz de Steve no fone de ouvido. — Shannon, há um rapaz na linha. Creio que ele quer reservar uma dança com você no Salado's. A voz está um tanto abafada, mas vou colocá-la no ar. Está pronta? Ela assentiu e voltou a atenção para o que seria a última chamada. — Olá! Você está no ar. O que tem em mente? Houve uma breve hesitação antes que a voz rouca e abafada ecoasse: — Minhas noites são suas... elas são quentes... e ao começo de cada dia... quando os raios de sol começam a brilhar... vou amá-la de todas as formas. Shannon ficou tensa, incerta sobre o que fazer. Não havia dúvida de que o rapaz era seu fã anônimo. Era óbvio que a voz estava distorcida, mas notou algo vagamente familiar. 32
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Havia um lapso de segundo entre o que ela ouvia e o que ia para o ar, o que lhe dava a possibilidade de desconectar uma ligação inapropriada. No entanto, queria ouvir o que ele tinha a dizer. Ignorou os sinais frenéticos que Steve fazia do outro lado do vidro, posicionou o dedo no botão que interrompia a chamada e encontrou a voz. — É um poema bonito. Foi você quem escreveu? A resposta foi uma risada abafada. — Quem é você, e por que está ligando? — Minhas cartas não significam nada para você? Ela permaneceu em silêncio, esperando pelo que viria a seguir. — Quero você. Sei o novo número do seu telefone. Conheço seu carro. Sei onde mora. Shannon respirou fundo, e seu dedo tremeu sobre o botão para desconectar a chamada. — O que devo fazer para conseguir sua atenção? Por que está sendo tão difícil de ser conquistada? — Quem é você? — indagou, pretendendo fazer com que a pessoa falasse para identificar a voz. — Como posso responder, se não sei quem é? — Se você concorda em sair com seu chefe, certamente pode sair comigo. Ela arregalou os olhos, sentindo o ventre se contrair pelo pânico, e seu dedo se moveu como se tivesse vida própria, silenciando o áudio antes que a palavra "chefe" chegasse aos ouvintes. Aturdida, olhou para seu produtor e fez um gesto para que introduzisse o tema de fechamento do programa. Steve estava ao lado dela no segundo seguinte. — Meu Deus, Shannon! O que foi aquilo? Quem é esse rapaz? — Sem esperar pela resposta, ele a conduziu para fora do estúdio. — Sente-se. Você está bem? — Sim, estou bem — balbuciou, respirando fundo para se acalmar. Sob protestos, deixou que seu produtor a acompanhasse até o carro, tentando não gritar a cada sombra que encontrava. Assim como a Blake, também não queria envolver Steve naquela história, mas era tarde. Ponderou que Bill tinha razão. Quem seria o tal fã? Como conseguira seu número de telefone, que ela trocara havia três dias para atender à insistência de Bill? E, mais grave, como ficara sabendo sobre Blake? Odiava admitir, mas a situação era mais séria do que imaginara. Dirigiu para casa perdida em reflexões, e se fechou no chalé, aliviada por ter se lembrado de trancar as portas antes de ir para a estação de rádio. Verificou cada armário e até mesmo debaixo da cama antes de ligar para Steve, conforme havia prometido para tranqüilizá-lo. Assustada com o que acontecera, não conseguiu dormir. Quando o dia amanheceu, levantou-se sem saber como deveria proceder. Aproximou-se da secretária eletrônica com papel e caneta, disposta a anotar o número 33
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de telefone de cada chamada à procura de algum que pudesse ajudá-la a identificar seu fã. A voz familiar da primeira mensagem a tranqüilizou. — Shannon, é Ingrid. Joe pediu-me para ligar e convidá-la para vir até aqui, se estiver com medo de passar a noite sozinha, ou se quiser conversar sobre aquele maluco que telefonou. A mensagem seguinte era da sua mãe: — Querida, eu estava com os Peterman na noite passada e ouvimos a estranha chamada ao final do programa. Do que ele estava falando? — Houve uma breve pausa antes que ela prosseguisse: — Oh, a propósito... O sobrinho deles virá visitá-los na próxima semana, e... Shannon apertou o botão e avançou para a próxima mensagem. Sentou-se no sofá, desolada por não encontrar nenhuma mensagem de Blake. Desejava mais do que tudo vê-lo. Queria estar nos braços dele e se esquecer de todos os problemas. No entanto, não sabia o que esperar. Na certa, ele a recriminaria por ter omitido sobre seu fã anônimo. Suspirou, cruzando as pernas em posição de lótus. Sim, ele poderia ficar furioso... Ou então, poderia beijá-la e lhe dizer para não se preocupar com nada, fantasiou, com um sorriso sonhador. E era exatamente o que estava disposta a fazer. Tomaria todas as precauções possíveis, ficaria de olhos bem abertos e atenta a tudo o que acontecesse ao seu redor. Faria o que fosse preciso para que o momento mais importante da sua carreira pudesse se realizar.
Capítulo V No sábado pela manhã, Shannon ficou desolada quando descobriu que Blake havia ligado de Nova York para a emissora, comunicando que estaria fora da cidade por alguns dias. O final de semana se arrastou e nada parecia ter sentido sem a presença dele. Na segunda-feira, quando atravessava a ponte a caminho da emissora, ouviu no rádio uma infinidade de comerciais sobre o show ao vivo na boate Salado's. Faltavam apenas doze dias para o grande acontecimento, e já podia sentir o gosto do sucesso an tecipadamente. Logo depois da ponte, em uma loja de conveniências, viu o primeiro pôster promocional e teve de resistir ao impulso de parar o carro para admirá-la, retratada em tamanho 34
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natural. Roger conseguira excelente efeito ao focalizá-la de corpo inteiro. O vestido de veludo preto caía como uma luva, e foi forçada a admitir que Blake tinha razão ao obrigá-la a usar o modelo. Com um sorriso, decidiu que tinha de parabenizar o gerente de marketing da emissora. Aquele cartaz na certa atrairia a atenção do público. Chegou à emissora em franca euforia. Quando atravessou a sala da recepção, encontrou alguns fãs e repórteres que pediram seu autógrafo. Uma cópia do periódico local Tribuna de Tampa fora colocado na sua caixa de correio. A primeira página do caderno de entretenimento mostrava uma fotografia sua e a matéria sobre o programa Corações Solitários, com um anúncio do show ao vivo. Um magnífico arranjo de gladíolos ocupava sua escrivaninha. Respirou fundo e inalou o perfume suave, colocando uma flor nos cabelos. Retirou o cartão, assinado por Bill e Blake, desejando-lhe sorte. — Shannon, não é maravilhoso? O cartaz é incrível! Os rapazes da emissora estão brigando para levá-lo para casa, e as mulheres querem saber onde conseguiu aquele vestido — Ingrid abordou-a, excitada. — Você leu o artigo que deixei para você? Os telefones já estão tocando com ouvintes que querem saber como e onde podem comprar os ingressos para o show. — É maravilhoso. Quando vi o primeiro pôster, quase parei para admirá-lo de perto. E obrigada pelo artigo. Mal posso acreditar que faltam menos de duas semanas. — Eu não perderia por nada neste mundo. — Ingrid retirou uma flor do arranjo sobre a mesa e a levou ao nariz. — As flores são lindas. Bill e Blake pediram que eu as encomendasse logo cedo. Blake insistiu que incluísse os gladíolos. Ele não é um amor? A campainha do telefone a impediu de responder. — Shannon? — ouviu a voz de Sandy. — O sr. Ramsey gostaria de vê-la agora, se estiver disponível. — Oh, ele já voltou de Nova York? — Sim. Chegou há algumas horas, e quer vê-la imediatamente. Ela ficou surpresa com a formalidade do pedido, mas estava tão excitada em vê-lo e compartilhar a alegria do momento que mal desligou o telefone e correu para a sala dele. Antes que Sandy pudesse anunciá-la, precipitou-se pela porta... E o olhar gélido nos olhos dele a deixou sem fala. — Por que não me contou sobre seu fã anônimo? — ele indagou em tom glacial. — Espero que tenha uma razão plausível para ter mantido segredo. Ela tentou responder, mas seu cérebro pareceu estar paralisado. — Se tivesse me contado, eu teria adiado o show ao vivo e tentado resolver esse assunto de alguma forma. Agora, que já lançamos a campanha promocional, não é 35
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possível mudar a data. — A expressão severa no rosto dele revelava que não havia argumento que pudesse suavizá-lo. — Mas você sabia disso, não é? Por alguma razão, esse ridículo show parece ser mais importante do que sua própria segurança! E, evidentemente, mais importante do que meu investimento nessa emissora e no que eu poderia perder se alguma coisa acontecesse a você. Shannon ouvia, mortificada, sentindo-se como uma colegial diante do diretor da escola. Blake se levantou e parou diante dela, passando a mão pelos cabelos em um gesto nervoso. — Nós tivemos muitas oportunidades para discutir o assunto. Passamos muito tempo juntos. E, devo lembrar, compartilhamos muita intimidade. Importaria-se de me dizer por que não mencionou que está sendo assediada por alguém que... — Estendeu o braço para apanhar o jornal sobre a escrivaninha. —... conhece o número do seu telefone, seu carro e sabe onde você mora? Além disso, sabe o que está fazendo. Presumo que ele disse "com seu chefe" antes que o tirasse do ar. Ela conseguiu apenas assentir miseravelmente, incapaz de conciliar o tirano duro e frio com o homem que a tivera nos braços. Aquele era Blake Sommers, o executivo que construíra um império, e um estranho completo para ela. A atitude fria e impessoal lhe deu uma idéia de como seus competidores deveriam se sentir, e teve pena deles. — Essa é minha emissora de rádio. O show ao vivo depende da minha decisão. Posso cancelar... — Você não pode fazer isso! — Sim, eu posso — ele replicou com calma calculista. —, embora seja um tanto complicado a essa altura. Ou... Ele fez uma longa pausa como se considerasse as possibilidades pela primeira vez, enquanto Shannon o fitava em expectativa. — Ou posso contratar um guarda-costas para vigiá-la vinte e quatro horas por dia até a realização do show. — Você não está falando sério! Ouça, não vai acontecer nada que me ponha em risco... — Não podemos ter certeza, Shannon. Ninguém pode prever o que alguém como esse rapaz é capaz de fazer. Tenho alguma experiência nessa área e falei com Joe 0'Brien hoje de manhã para... — Não quero um completo estranho na minha casa vinte e quatro horas por dia pelos próximos doze dias — interrompeu-o, aflita. — Isso vai me deixar louca! — E prefere que sua segurança seja ameaçada, a ter alguém a protegendo? — Duvido cegamente que esse pequeno episódio tenha maior impacto, assim como duvido que o fã vá aparecer de repente e atirar em mim. — Shannon, isso não é brincadeira. Não posso permitir que... 36
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— Percebe agora por que não contei a você? — Ela interrompeu, furiosa. — Sabia que reagiria exatamente como está reagindo! Você não fica feliz a menos que controle todos os meus passos, não é? E esse show pode ser ridículo para você, mas é de extrema importância para mim. Ele a encarou sem alterar a expressão severa. — Terminou seu discurso? — Ainda não. Para finalizar, gostaria de acrescentar que não vou admitir um estranho em minha casa. Ergueu o queixo e sustentou o olhar severo sobre si. Blake parecia querer fuzilá-la, mas a verdade era que sua única intenção era protegê-la, quer ela quisesse ou não. — Ótimo! Já que é assim, eu pessoalmente serei seu guarda-costas. Não sou nenhum estranho. — Ele ergueu a sobrancelha sugestivamente. — Espero que minha presença possa ser tão efetiva quanto a de um profissional. Além disso, vou economizar muito dinheiro! Conteve o ímpeto de rir ao ver a expressão de fúria no rosto de Shannon. — Você não está falando sério. Respirou fundo, buscando reaver o autocontrole. Um estranho não seria nada perto da revolução que a presença constante de Blake provocaria. Na certa, passaria o tempo todo pensando em fazer amor com ele... — Estou falando sério, Shannon. A escolha é sua. Você pode optar por suspender o show ao vivo, ou deixar que eu a proteja vinte e quatro horas por dia. Ela se pôs a passear pela sala, tentando pensar no que seria melhor... ou pior. No entanto, viu que não tinha escolha se quisesse que o show não fosse desmarcado. — Está bem, mas tenho duas condições — decidiu, postando-se diante dele. — Em primeiro lugar, não vou desmarcar nenhum compromisso. Isso significa que você terá de se organizar segundo minha agenda e me acompanhar, ou permitir que eu vá sozinha. Esperou que ele revidasse, surpreendendo-se com a pacífica concordância. — Em segundo lugar, não acho que nós deveríamos... bem, você sabe... — Encarou-o num pedido silencioso de ajuda, mas ele se manteve em silêncio. — Acho que não devemos compartilhar intimidades. Tudo está muito complicado, e não seria boa idéia se nos envolvêssemos. — Será como você quiser. A escolha é sua. Apenas não se esqueça de me avisar se mudar de idéia, está bem? — ele comunicou, com expressão divertida nos olhos. — Estarei em sua casa às seis e meia da tarde. É um horário conveniente para você? Shannon respirou fundo, com a sensação de que jamais faria o show ao vivo. Seria presa por homicídio e condenada à prisão perpétua antes que o grande dia chegasse. Blake Ramsey estava conseguindo enlouquecê-la! 37
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Blake instalou-se no pequeno quarto de hóspedes do chalé com o laptop, a máquina de fax portátil, o celular que não parava de tocar e, pior... com seu corpo magnífico que ela desejava mais do que nunca! Enquanto ele conseguia dormir como um anjo durante a noite toda, ela rolava na cama com insônia. A presença dele preenchia o espaço e invadia sua privacidade, seu sono e sua sanidade mental. Ela mostrava olheiras profundas, ao passo que Blake parecia ter acabado de chegar de longas férias no sul da França. Para completar, era gentil, atencioso e bemhumorado desde o momento em que acordava até a hora de ir dormir. Naquela manhã, ele tivera a petulância de atender ao telefone, mas a irritação de Shannon deu lugar ao riso quando ele provocou o silêncio chocado de sua mãe pela primeira vez na vida. Estava pronta para encontrar uma explicação convincente para a presença masculina em sua casa que não incluísse alguma aliança de noivado, quando ele desligou o telefone com um sorriso. — Parece que sua mãe esqueceu o assunto que tinha para tratar com você — provocou com expressão de malícia. Shannon resmungou alguma coisa como resposta e foi para o quarto vestir-se para a sessão de gravações de comerciais. Havia dito que poderia resolver o assunto sozinha, como fizera nas cinco sessões nos últimos quatro dias, mas ele insistira em acompanhá-la. Ela riu secretamente ao pensar que sua agenda havia atrapalhado a vida de Blake. Serviria como lição por forçá-la àquela situação ridícula! No entanto, tinha de admitir que não o vira reclamar uma só vez. Antes que pudesse apanhar as chaves do carro, ele tomou a iniciativa e se sentou ao volante, ao mesmo tempo em que conversava com alguém ao telefone. No caminho, Shannon teve de se conter para não sugerir que fizesse um implante de algum tipo de chip que dispensasse o uso do aparelho celular, decidida a não provocálo. Blake estacionou defronte do estúdio de gravação e guardou o aparelho celular no bolso, relanceando o olhar cuidadoso ao redor. Havia muito tempo que não tinha chance de visitar os estúdios locais e percebeu que a oportunidade o agradava. A dinâmica dos negócios em Tampa era mais lenta que na grande metrópole, e sentia-se confortável com a idéia. Logo que entrou, um rapaz simpático saudou-o com sorriso jovial. — Blake Ramsey! É um prazer vê-lo. Tim Rivers, gerente-executivo da emissora, apertou a mão dele efusivamente e 38
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mostrou-lhe a sala de controle. Em uma posição próxima ao estúdio de som, Blake podia vigiar os arredores e observar Shannon trabalhando do outro lado da parede envidraçada. Ela leu o roteiro com interesse, posicionando o fone de ouvidos para convencer os ouvintes a comprar a nova linha de xampus de tratamento para os cabelos. Blake ficou agradavelmente impressionado. Ela era uma profissional eficiente e preparada. Enquanto trabalhava, notou que permanecia completamente absorta no que fazia. Depois da gravação do áudio, ela se preparou para as câmeras de vídeo. Observou-a entrar no pequeno camarim e sair dez minutos depois, vestida e maquiada. Não pôde deixar de compará-la com a ex-esposa, que levava horas se arrumando para ações triviais como ir ao supermercado. Shannon causava impacto em todos que encontrava... incluindo ele próprio. Sorriu ao pensar em como ela ficara mal-humorada quando estavam compartilhando a intimidade de sua casa. Tinha certeza de que se sentia tão atraída quanto ele, mas ela era infinitamente mais teimosa e obstinada. Observou-a se posicionado para as câmeras, com o rosto iluminado pela satisfação, e suas fantasias caminharam para um território perigoso. Afastou seus pensamentos, convicto de que não era momento para assuntos libidinosos. Sentia-se na obrigação de protegê-la, e o sentimento era novo e inexplorado para ele. No entanto, ainda não tivera o bastante dela, e não se referia ao aspecto físico. Shannon o deixava furioso e o fazia rir, às vezes ao mesmo tempo, e a presença dela não despertava o tédio que geralmente o acompanhava depois de breves períodos em companhia da maioria das mulheres. Ela era agradável e surpreendente, e, apesar da inconveniência das obrigações de guarda-costas, estava se divertindo mais do que imaginara. Na viagem de volta para casa, Shannon olhou de soslaio para Blake ao volante e concluiu que ele dirigia como fazia com tudo o mais: com competência e estilo. Havia desligado o telefone celular e ouvia a emissora de rádio, e ela imaginou que fazia notas mentais sobre os negócios enquanto seu olhar pousava na estrada. — Shannon? — Ele interrompeu suas reflexões, trazendo-a para o presente. — Estava pensando no jantar de logo mais. O clima está muito quente para cozinhar. Por que não paramos e compramos camarão, ou algo parecido? — Boa idéia. Tenho certeza de que há alface para uma salada no refrigerador, e podemos parar em alguma cantina italiana para comprar pão. — Boa idéia. Diga-me quando parar. Blake se surpreendeu pela confortável sensação de estar discutindo a intimidade doméstica e planejando um jantar, experiência absolutamente nova para ele. A 39
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definição de Sonya para uma refeição decente limitava-se a pratos preparados por qualquer pessoa que não fosse ela própria. Ao chegarem em casa, ela provocou-lhe um sorriso ao retirar os sapatos e caminhar para a porta da frente. Os cabelos estavam presos em um rabo-de-cavalo e ela os soltou quando entrou na sala de estar. Desculpando-se, seguiu para seu quarto, deixando-o encarregado de levar as compras para a cozinha. Voltou momentos mais tarde, com bermudas e uma confortável camiseta, e encontrouo na cozinha. Colocou o pão no forno para aquecê-lo e começou a preparar a salada, rindo ao ver Blake falando ao celular preso com o queixo, ao mesmo tempo em que tentava abrir uma garrafa de vinho. Aceitou a taça que lhe ofereceu em um brinde silencioso, e flagrou-se cantando enquanto dava o toque final à salada. Não estava disposta a questionar sobre seu bom humor, tampouco sentia-se pronta para analisar o conforto crescente que a presença de Blake proporcionava. Sorveu outro gole do maravilhoso vinho e quase deu um pulo quando sentiu o corpo viril pressionado em suas costas. A respiração quente acariciou sua nuca e o braço musculoso envolveu-a pela cintura, enquanto o outro apanhava uma folha de alface da tigela sobre a pia. Blake apanhou um tomate silvestre levou à sua boca, fazendo-a sentir os joelhos fraquejarem. Naquele momento, o telefone celular tocou, e Blake resmungou em voz baixa. — Alô. Sim, eu sei. Como? Eu deixei Carl incumbido disso. Entendo. — Cobriu o receptor e olhou para ela. — Shannon, você pode se aprontar para pegar o avião em uma hora? — O quê? Você não deve estar falando sério. Por que acha que vou aceitar entrar num avião? Ele voltou a atenção para seu interlocutor, confirmando dois lugares em um vôo para as oito horas da noite, e desligou. — Ouça, não temos tempo para discutir. Tenho de estar em Nova York ainda hoje. Vá fazer as malas. Deu-lhe as costas para sair, mas ela o segurou pela barra da camisa. — Desculpe, eu não sabia que Deus havia se aposentado para colocá-lo em seu lugar. O que o faz pensar que vou viajar com você? Não há motivo para eu ir para Nova York. Estou pronta para jantar e ter uma noite calma e tranqüila, com uma longa caminhada pela praia antes de dormir. —Você poderá fazer isso em Manhattan. — Retirou a mão que prendia sua camisa e a empurrou na direção do quarto. — Agora, vá fazer as malas. Nós concordamos que eu 40
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ficaria do seu lado vinte e quatro horas por dia até o show acontecer, e não me lembro de haver limitações geográficas para esta cláusula. — Não posso simplesmente apanhar as roupas e ir para Nova York! Caso tenha se esquecido, eu tenho uma vida. Além disso, meu fã misterioso já me esqueceu. Na certa, ele desviou a atenção para outra pessoa, pois está desaparecido há dias. — Shannon, não temos tempo para discutir. Ignorando os protestos, ele foi para o quarto que ocupava e se pôs a arrumar as malas, movendo-se com rapidez e eficiência para embalar o laptop, apanhar o creme dental e colocar o telefone celular no bolso. — O que está fazendo parada aí? — censurou ao vê-la paralisada à porta do quarto. — Blake, isso é loucura! Não posso viajar num estalar de dedos. Além disso, o fã anônimo... — Provavelmente não ouvimos falar dele porque você não está acessível enquanto eu estiver aqui. E é por isso que não vou deixá-la sozinha. Desligue o forno, guarde a comida na geladeira e arrume suas coisas agora mesmo, ou terá de viajar sem bagagem. Escolha trajes compatíveis ao estilo de Nova York. — Mas e quanto ao... — Ouça, você não tem nenhum compromisso no momento. Prometo que, se surgir algo, voltaremos logo após a reunião. Se não houver problemas, ficaremos fora por apenas dois dias. Vou aproveitar para resolver alguns assuntos, e você não sairá perdendo. Poderá passear pela cidade e descansar. — E quanto à emissora? Eu não posso simplesmente... — Falarei pessoalmente com seu chefe — ele propôs com uma risada. — Por favor, se apresse, Shannon. Não posso perder esse vôo. Vinte minutos mais tarde, ela trancou a porta do chalé e seguiu atrás de Blake, resmungando que a salada teria de esperar até que ela voltasse.
Capítulo VI Shannon se acomodou no confortável assento com um sorriso largo. Afinal de contas, não seria tão catastrófico assim passar um ou dois dias em Nova York, concluiu. E, definitivamente, seria fácil se acostumar à primeira classe. Apreciara com prazer os drinques oferecidos na sala VIP e ficara impressionada com o serviço de bordo, sem contar a atenção especial das atendentes de vôo. Tinha consciência de que os sorrisos simpáticos eram dirigidos a Blake, mas não se importou. Ele exercia sobre as mulheres o mesmo efeito que o mel tinha sobre as abelhas. No entanto, não as encorajara em momento algum. 41
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Como culpá-las?, pensou com um sorriso. Que mulher em sã consciência deixaria de olhá-lo? Fechou os olhos e se recostou no assento, determinada a esquecer as preocupações antes que o avião decolasse. Blake olhou discretamente para a mulher a seu lado, aproveitando a rara oportunidade de observá-la sem ser notado, e tentou adivinhar o que ela guardava no coração. O queixo arrebitado revelava determinação e a pele acetinada estava rosada, denotando a excitação provocada pela viagem. Estava tão absorto em sua contemplação que não percebeu a passagem do tempo, e se surpreendeu quando o comandante anunciou que haviam chegado a Nova York. Jeff, o motorista particular de Blake, os aguardava no aeroporto. Conduziu a limusine pelo tráfego pesado e estacionou na vaga privativa de um luxuoso edifício, na rua defronte do Central Park. Shannon esperava que fossem para algum hotel, mas o motorista descarregou a bagagem e levou-a para o elegante elevador, pressionando o botão da cobertura. Blake carregou as malas pelo hall de entrada, e ela olhou ao redor, admirando o luxo do ambiente.
De
súbito,
arrependeu-se
por
não
ouvir
os
conselhos
da
mãe.
Definitivamente, as roupas que colocara na bagagem eram modestas demais, especialmente se comparadas à opulência do local. — Bem-vinda ao meu modesto lar. — Modesto lar? — Shannon rodopiou no centro da sala de estar, com uma exclamação de prazer. — Seu apartamento é um palácio! Ele sorriu satisfeito. Aquele era o mais perto de um lar permanente que possuía. Sonya tentara mudar toda a decoração logo depois que se casaram, mas ele insistira em manter tudo exatamente como estava. Nunca levara outra mulher ali. Possuía uma suíte no hotel Ritz-Carlton mais compatível para seus encontros. Sua atenção se voltou para Shannon, que avaliava o aposento com interesse. Abandonou o curso do pensamento, evitando pensar por que a levara para lá. Em vez disso, carregou sua bagagem para o quarto de hóspedes e deixou que ela ficasse na suíte principal. Shannon desarrumou as malas à procura da camisola que tinha certeza de ter colocado antes que Blake a arrastasse para fora do quarto, mas não a encontrou. Passava da meia-noite e ela estava exausta, sem mencionar a excitação pelo inesperado curso que o dia tomara. Bocejou e caminhou descalça pelo carpete macio, para encontrar Blake na cozinha enchendo dois cálices com conhaque. — Não consigo encontrar meu pijama. 42
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Ele fitou-a como se estivesse muito interessado e ergueu a sobrancelha. — Está tudo bem. Eu não me importo que durma nua. — Bem, eu me importo. Se alguém que conheço não tivesse me apressado e me enfiado em um avião com tanta rapidez, eu teria algo para dormir. Mal consigo manter meus olhos abertos, e não posso ir para a cama porque não tenho o que vestir! — Pobrezinha... — provocou, entregando-lhe uma das taças. — Tenho certeza de que tenho algo que você possa usar. Venha comigo. Conduziu-a para seu quarto e indicou que se sentasse em uma poltrona ao lado da janela. Shannon cruzou as pernas e se aconchegou confortavelmente com o cálice de conhaque em uma das mãos, tentando desviar os olhos da cama king-size ao centro. — Que tal isso? — Blake retirou da gaveta da cômoda uma blusa de pijama que parecia ser duas vezes o seu número. — Nunca foi usada. Eu não gosto de dormir de pijamas. Jogou a peça para ela, e seu coração se acelerou em resposta. Ao tocá-la, a eletricidade que carregou o ar entre eles era impossível de ser notada. — Obrigada. Com a blusa do pijama pendurada no braço, ela se levantou e caminhou para a porta, tentando não derrubar o que restava do conhaque. — Sei que uma das suas condições é que não devemos nos envolver, mas vou deixar a porta do meu quarto aberta, caso você mude de idéia. Ela assentiu e saiu, desapontada por ele não ter insistido para que ficasse. Shannon acordou com o suave ruído de passos aproximando-se da cama. — Shannon, acorde! Estamos atrasados. Por favor, seja rápida. Em meio à névoa que embaçava seus olhos ainda sonolentos, ela viu Blake caminhar com passos apressados para a porta, como se estivesse em uma missão de vida ou morte. Espreguiçou-se lentamente e afundou a cabeça no travesseiro, pouco disposta a obedecer. — Está bem, já entendi — ele disse, detendo-se à porta. — Você não está preparada para se levantar. O problema é que tenho de ir para a emissora... — Por que não me deixa dormir? — ela resmungou com outro bocejo. — Hum... Não é má idéia. Fique no apartamento por algumas horas, e mandarei Jeff levá-la à emissora mais tarde, está bem? Ela assentiu e recebeu um beijo na ponta do nariz, surpresa por ele permitir que ficasse sozinha. — Se eu não sair agora, perderei a reunião. A empregada vem apenas uma vez por semana quando não estou na cidade. Você ficará sozinha. Há café na cozinha. E, 43
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Shannon... — Ela arregalou os olhos, esperando pelo sermão. — Não abra a porta para ninguém. John, o porteiro, vai avisá-la pelo interfone quando Jeff chegar. A manhã passou rapidamente. Shannon preparou o desjejum e levou o jornal para a cama. Leu-o com calma, repetiu a dose de café e se pôs a passear pelo apartamento, vestida com apenas a camisa do pijama. Parou para ver os títulos dos livros na biblioteca, e encontrou uma coleção variada de best sellers e clássicos. Apanhou o volume de ...E o Vento Levou e folheou-o ao acaso. Ela sempre criticara o estilo de vida fácil das elites privilegiadas, mas admitiu para si que luxo e conforto não faziam mal a ninguém. Sentindo-se bem e relaxada, tomou um banho demorado e se vestiu. Estava secando os cabelos quando o som do interfone ecoou pelo apartamento silencioso. — Srta. Smith? — Sim? — ela levou alguns segundos para responder até retomar o fôlego da pequena corrida até o interfone. — Srta. Smith, está tudo bem? O pobre homem na certa estava pensando que tivera um ataque do coração; o que não estava longe da verdade, ela pensou. — Estou bem, John — balbuciou, tentando se lembrar do nome do porteiro. — Seu motorista está aqui, senhorita. Posso dizer a ele que já está descendo? — Sim, por favor. Diga que estarei aí dentro de vinte minutos. Ela correu para o quarto e, quinze minutos depois, estava vestida e maquiada. Ao descer pelo elevador, fez uma prece silenciosa para que as emissoras de rádio de Nova York fossem tão informais quanto às da Flórida. O trajeto para a emissora foi breve. Ela mal teve tempo de ver a paisagem, e ficou encantada com a agitação e a pressa dos transeuntes correndo para todas as direções. Era hora do almoço, e imaginou que a sede da emissora deveria estar praticamente vazia. No entanto, a energia que sentia nas ruas da cidade reverberava pelo interior do luxuoso edifício. Entrou no suntuoso saguão, e a comparação com o pequeno prédio de três andares da WDVE foi inevitável. Passou pela recepção, e uma simpática loira, elegantemente vestida, anunciou sua chegada. Momentos mais tarde, a secretária de Blake, uma senhora de meia-idade vestida com extrema sobriedade, foi recebê-la. Cumprimentou-a com um sorriso frio e estudado e a conduziu pelos corredores e salas até chegar ao santuário de Blake. — O sr. Ramsey a receberá em breve. — Fitou-a com olhar de desaprovação. — Como você está atrasada, ele teve de entrar em outra reunião. Vou avisar que já chegou. Ela olhou ao redor da sala opulenta, notando o bom gosto na escolha dos móveis e a estupenda vista de Manhattan. Era definitivamente maior que o pequeno cubículo que 44
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ele usava na WDVE, mas Blake dominava o ambiente em qualquer lugar que estivesse. Olhou para a parede procurando por objetos pessoais ou porta-retratos com fotografia dos familiares. Encontrou apenas um retrato em branco e preto com um senhor idoso e uma criança com cerca de dez anos. O senhor usava roupas antigas e sorria com afeto para o que deveria ser seu neto. O braço estava pousado nos ombros do garoto, que olhava para ele com verdadeiro fascínio. Talvez fosse Blake e seu avô, ponderou, apanhando o porta-retratos para estudar melhor a fotografia. — Vejo que já conheceu meu avô. Ela sentiu um arrepio ao ouvir a voz poderosa atrás de si. — A fotografia chamou minha atenção. É muito bonita. — Voltou a colocá-la na parede. — É seu avô? — Sim. Eu costumava passar férias com ele, e foram momentos preciosos para mim. — Posso imaginar. É a única fotografia que mantém na parede. — Tem razão. Ele me ensinou muito do que sei hoje, e mesmo tendo morrido há oito anos, penso nele todos os dias da minha vida. Ela sorriu, enternecida com a revelação. Então, percebeu que ele a fitava de alto a baixo como se não gostasse do que via. — Vejo que levou o tempo habitual para se vestir — provocou com olhar divertido. — O que está dizendo? Passei a manhã toda compondo o meu visual! A camiseta verdeoliva é perfeita com a calça jeans! — Ela tentou sorrir, mas sentiu-se subitamente embaraçada. — Desculpe. Foi o melhor que pude fazer. Considerando o tempo que tive para arrumar as malas, você tem sorte por eu não ter aparecido com sua blusa de pijama. Blake tomou-a nos braços e a beijou com paixão. — Não se preocupe. Você está ótima. Vamos comer alguma coisa, e pedirei a Jeff para levá-la a um passeio na cidade. Com um sorriso de orgulho, ele caminhou pelos corredores da emissora, falando de seus planos para a estação e apresentando-a aos membros do seu quadro de funcionários que cruzavam pelo caminho. Todos se mostraram simpáticos e amigáveis, e Shannon ficou particularmente impressionada pelo respeito mútuo e afeição que Blake compartilhava com todos os funcionários. Almoçaram em um pequeno restaurante fast-food, o que foi uma agradável novidade para ela, pois não havia nada parecido em Tampa. A refeição não levou mais do que dez minutos, e Blake seguiu apressado para o edifício da emissora. Ajudou-a a entrar na limusine e inclinou o corpo para o interior do veículo para se despedir. Porém, o que deveria ser um rápido beijo de adeus se transformou em algo maior quando ele encontrou a inesperada resposta de Shannon. Afastou-se a contragosto e deu instruções rígidas para que Jeff a vigiasse. 45
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Shannon não conseguia se lembrar quando ficara tão excitada. De acordo com seu mapa, o centro de Manhattan não parecia ser tão grande, e ela andou sem parar durante quatro horas. No entanto, queria aproveitar todos os segundos de seu passeio, e pediu a Jeff que a deixasse a alguns quarteirões do prédio da emissora. Ele protestou, argumentando que tinha ordens para ficar com ela em tempo integral, mas não resistiu ao olhar encantador. Prometendo que tomaria cuidado, ela seguiu em frente e passou pelo Museu de Arte Moderna, um de seus locais favoritos. Demorou-se alguns minutos na sala de arte impressionista, e cruzou a rua na direção do Museu da Televisão e Rádio, disposta a uma visita rápida. Sentindo-se melhor do que nunca, seguiu pela Quinta Avenida, parando de tempos em tempos para olhar as vitrines. Então, seguiu pela avenida Lexington e entrou na Bloomingdale's, onde se perdeu na experiência mágica que somente aquela loja podia proporcionar. Não comprou nada, mas, como compras a fazia se lembrar da mãe, encontrou um telefone a fim de ligar para casa e apanhar os recados na secretária eletrônica. Como esperava, sua mãe havia deixado uma mensagem. — Querida, tentei encontrá-la na emissora de rádio esta manhã e alguém de nome Sandy me disse que você está em Nova York. O que está fazendo aí? Ela resmungou baixinho. Como explicaria a viagem não planejada à mãe? — Oh, já que está aí, poderia ir ao meu salão de beleza favorito para comprar um pote do meu creme hidratante facial? O meu está quase acabando. E, querida, creio que o filho de Deedee Rice mora em Nova York. Quer que eu pegue o número do telefone dele para você? Tenho certeza de que ficaria feliz se recebesse um telefonema seu. Por favor, telefone para pegar o endereço do salão de beleza. Ela não conteve o sorriso. Sua mãe não desistia. Estava a ponto de desligar quando ouviu outro bipe indicando que havia mais uma mensagem. Depois de um estranho silêncio, teve certeza de que era seu fã anônimo. Percebeu a hesitação inicial e mais uma vez notou a familiaridade do timbre, apesar de abafar a voz. Suas mãos tremeram enquanto esperava ouvir a mensagem seguinte. — Sei que não está em casa, Shannon. Espero que volte logo. Você voltará a tempo do show ao vivo, não é? Além da mensagem, havia uma poesia que ele declamou com voz pausada. Lembrando-se de respirar, ela procurou papel e caneta na bolsa e repetiu a mensagem três vezes para ter certeza de que registrara todas as palavras. Estava começando a ficar assustada. Como seu fã sabia que ela havia viajado? E o que 46
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havia naquele tom de voz que parecia tão familiar? E o pior era que teria de contar a Blake sobre a ligação, mesmo que não quisesse. Olhou para o relógio e se apressou. Passava das sete e meia, e combinara estar na emissora quinze minutos atrás e encontrar-se com ele para o jantar. O problema era que havia perdido o apetite, seus pés a estavam matando e sua cabeça estava no mais completo caos. Caminhou para a entrada da loja onde havia prometido se encontrar com o motorista e deslizou para o interior da limusine, sentindo-se feliz por poder se sentar. Minutos mais tarde, quando Blake soube que recebera mais uma ligação, sua expressão se tornou séria. Leu o poema gravado na secretária eletrônica em voz alta:
Minhas noites vão aquecê-la E ao começo de cada dia Quando os raios de sol surgirem Vou amá-la eternamente Todos os meus sonhos estão em suas mãos Vou lhe dizer como realizá-los... Toque-me e faça com que eu reviva Estou totalmente perdido... meu coração lhe pertence Blake olhou para o teto, com um suspiro de irritação. — Que romântico! Seu fã está se tornando um tanto persistente para meu gosto. Ele certamente gosta do som da própria voz. Tem certeza de que não a reconhece, Shannon? — Não. Ele cobre o bocal do telefone para falar. É possível entender as palavras, mas o timbre está alterado. Blake havia escolhido um pequeno restaurante em East Village. O ambiente era agradável e normalmente ela estaria feliz por estar ali, mas ela deixou a comida intocada no prato. Estava exausta e preocupada com a última ligação do seu fã, e tornava-se cada vez mais difícil se esquecer do problema que a preocupava. — Vamos para casa. Eu também perdi o apetite. Blake se levantou e puxou sua cadeira, passando o braço ao redor dos ombros de Shannon para conduzi-la à limusine. Acomodaram-se no conforto do interior e, cinco minutos mais tarde, ela havia adormecido em seus ombros. Blake refletiu que Shannon ficaria furiosa se soubesse do profundo senso de proteção que sentia por ela, mas era mais forte do que podia controlar. Apanhou o telefone e ligou para Tampa, torcendo para encontrar Bill em casa. — Blake, eu ia tentar ligar para você mais tarde. Shannon está bem? — Sim — respondeu em voz baixa para não acordá-la. — O único problema é que nosso rapaz deixou uma mensagem na secretária eletrônica dela. Vou mandar-lhe uma cópia por fax. Ele sabe que não está em casa, e parece ansioso pelo seu retorno. 47
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— Isso é preocupante, Blake. Poderia ler a mensagem para mim? Quero ver se combina com a pesquisa que fiz nos últimos dias. Ele leu as linhas que Shannon havia copiado e sentiu a excitação do outro lado da linha. — É como eu suspeitava! As letras são de um inexpressivo grupo musical, que poucos conhecem. Somente os fãs ardorosos de música poderiam conhecer o estilo de letras que produzem. — O que isso quer dizer? — Bem, isso quer dizer que nosso fã conhece muito de música — Fez uma pausa significativa. —, e desconfio que esse rapaz mantém Shannon sob vigilância, ou tem fácil acesso a ela. — Tem razão... — Blake refletiu por alguns segundos, pensando na progressão das cartas e telefonemas. — Se ele encontrou o número do telefone que não estava na lista e consegue deixar bilhetes na emissora sem atrair a atenção, deve ser alguém que conhecemos. Além disso, sabe que ela não está em casa. — Há algo mais. Notei três carros no estacionamento com adesivos do grupo musical em questão. — E você conhece os proprietários? — Apenas dois deles, e vou ver o que posso fazer. — Você tem a gravação do programa em que ele ligou para Shannon? — Claro. — Ótimo. Talvez nos dê elementos de comparação. Por favor, envie-as para mim. Vou levá-las para um amigo do FBI amanhã pela manhã. Ele tem acesso a um equipamento completo para identificar a voz. — Vou enviar hoje mesmo. Conte-me o que descobrir, está bem? — Não se preocupe. Desligou e pousou um beijo suave na testa de Shannon, decidido a não preocupá-la com os detalhes até que tivesse algo concreto.
Capítulo VII Um insistente ruído feriu os tímpanos de Shannon, tirando-a do sono profundo. Quando seu cérebro sonolento identificou a campainha do telefone, foi tarde demais. Antes que pudesse estender a mão para atendê-lo, o ruído cessou abruptamente e a casa caiu no mais absoluto silêncio. Ela se espreguiçou demoradamente e olhou ao redor do quarto bem decorado, levando alguns segundos para reconhecer onde estava. O ambiente luxuoso e aconchegante era muito inspirador para ficar estendida na 48
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cama, sem fazer absolutamente nada. No dia anterior, Blake a levara nos braços para o quarto e, para sua decepção, deralhe um breve beijo de boa-noite e saíra. Começava a se arrepender por ter estipulado a condição de não se envolverem enquanto ele estivesse ocupando o lugar de seu guarda-costas. Ao que tudo indicava, ele estava disposto a seguir a regra com estrito rigor. Espreguiçou-se lentamente, resistindo ao impulso de passar o dia todo repousando. Sua tarefa mais extenuante não passaria de decidir sobre o sabor do bombom que comeria, pensou com uma risada divertida. Ou, considerou rapidamente, em descobrir como poderia ter o dono da casa beijando-a enquanto implorava para que se casasse com ele... Aonde aquilo tudo iria dar?, refletiu com apreensão. Blake não necessitava de estímulos para ficar disposto a fazer amor. No entanto, não podia dizer o mesmo no que dizia respeito a assumir compromissos. Ouviu a campainha insistente e deu um pulo na cama. Correu para o interfone ao lado da porta e apanhou-o com respiração ofegante. — Senhorita? — Sim, John? — respondeu, reconhecendo a voz do porteiro. Não havia dúvida de que o rapaz acreditava que ela tinha sérios problemas respiratórios, pensou, contendo a risada. E não era para menos. Sua respiração sempre estava ofegante quando falava com ele pelo interfone. — O sr. Ramsey ligou para a portaria e disse que não estava conseguindo falar com a senhorita... — Oh, entendo... Eu estava dormindo — desculpou-se, sentindo o rosto ruborizar. — Ele deixou algum recado? — Não. Apenas pediu para a senhorita, por favor, atender ao telefone quando tocar. Shannon não o culparia se, além de achar que sofresse de asma, ele pensasse que ela também fosse deficiente mental. — Sim, John. Obrigada. Mal desligou o interfone, ouviu a campainha do telefone soar no mesmo instante. Apressou-se em atender, respondendo em tom afetado: — Residência Ramsey. O que exatamente — enfatizou a palavra com voz sensual. — posso fazer por você? Um silêncio glacial se fez ouvir do outro lado da linha. Finalmente, ouviu uma voz feminina, bem modulada e com inconfundível classe. — Desculpe, mas estou tentando encontrar meu filho, Blake Ramsey. Ele está em casa? Shannon desejou que o chão se abrisse para tragá-la. A mãe de Blake era a última pessoa que esperava ouvir àquela hora da manhã! 49
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— Sinto muito — balbuciou, agradecendo à sorte o fato de ela não poder ver o intenso rubor que lhe cobriu o rosto. — Blake não está em casa. Quer deixar algum recado? — Não, obrigada. Vou tentar encontrá-lo na emissora. Shannon notou uma nota de humor por trás da máscara de polidez. O incidente a fez se lembrar que precisava telefonar para sua mãe, e discou os números antes que mudasse de idéia. — Oh, Shannon, que bom que ligou! — a voz jovial ecoou do outro lado da linha. — Eu estava preocupada, querida. Onde você está? — Em Nova York, mamãe. — Sei disso. Quero saber em que hotel está hospedada, porque o filho de Deedee tem um apartamento no Brooklyn, e... — Não é preciso se preocupar com minha hospedagem, mamãe. Estou na casa de... — Hesitou por alguns segundos, incerta sobre revelar a verdade. — Estou na casa de um amigo. — Que amigo? Eu não sabia que tinha amigos em Nova York. — Na verdade, estou no apartamento de Blake Ramsey, dono da WDVE. — Oh... — Uma pausa significativa se seguiu antes que ela prosseguisse. — E o que está fazendo aí? Você e ele estão... — Não há nada entre nós, mamãe. Quero dizer, nada pessoal — mentiu, tentando evitar maiores explicações. — Sinto muito, querida. — Sente muito? Mamãe, você nem o conhece, e quer me atirar nos braços dele? — Você precisa se apaixonar, meu bem. Não gosto de vê-la sozinha. É fundamental que tenha alguém que possa protegê-la. — Não preciso de ninguém para me proteger — protestou, indignada. — Sei cuidar muito bem de mim mesma! — Você diz isso porque ainda não se apaixonou... — Uma longa pausa cheia de significados se seguiu. — Ou está apaixonada? — Mamãe! De onde tirou essa idéia absurda? — quase gritou, sentindo o rosto queimar. — Oh, você está apaixonada! Isso é maravilhoso, querida! Eu vi uma entrevista de Blake Ramsey no show da Ophra. Ele é maravilhoso! Shannon suspirou alto, começando a perder a paciência. — Não fique brava, querida. Eu e seu pai nos amávamos, e fomos felizes durante muitos anos. Tudo o que quero é que você encontre alguém que a faça feliz como eu fui. Depois de explicar o melhor que pôde sobre a inesperada viagem a Nova York e de tentar esclarecer que não estava noiva de Blake, ela anotou o endereço do salão de beleza onde deveria ir buscar a encomenda para a mãe e desligou. 50
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Não fora fácil encontrar desculpa plausível sem mencionar a verdadeira razão por ter de acompanhar Blake, mas sua mãe estava tão empolgada com o suposto romance que não se importou com os detalhes. Seguiu para o banheiro e abriu as torneiras para encher a banheira sem conseguir se desvencilhar da incômoda sensação de ter cometido uma gafe com a mãe de Blake. Por sorte, ela jamais seria sua sogra, concluiu, tentando se tranqüilizar. Duvidava até que viesse a conhecê-la um dia. Na certa, a senhora ficara com péssima impressão a seu respeito, pensou com desgosto ao mergulhar na água tépida. Tentou imaginar como seria sua aparência, e com quantas mulheres ela já havia falado ao ligar para a casa do filho... Fechou os olhos e se deixou envolver pela deliciosa sensação de bem-estar, evitando pensar no assunto. Provavelmente, aquela pergunta nunca seria respondida. Ao ouvir a campainha do telefone, minutos mais tarde, enrolou-se na toalha e saiu correndo para atender. — Shannon, o que você está fazendo? Por acaso, instalou algum serviço de telefone erótico especializado para mães e mulheres acima dos sessenta anos enquanto eu estava fora? — Eu mereço isso... — balbuciou para si ao ouvir a voz de Blake do outro lado da linha. — Sua mãe ficou muito aborrecida? — Na verdade, ela ainda estava rindo quando me ligou. — Rindo? Você não está falando sério! — Não deixe que o tom afetado de mamãe a engane, Shannon. Ela tem excelente senso de humor. Aliás, ela e meu pai estão a caminho de Nova York, para um evento beneficente. Convidou-me para jantar e insistiu que você me acompanhe. — Oh, não! Blake, não tenho coragem de encará-la depois do que falei! — Acredite, Shannon, mamãe é uma mulher muito determinada. Creio que não vamos ter chance de recusar o convite. Ela não sabia se a notícia era boa ou má. Antes que pudesse responder, Blake mudou de assunto, dando a questão por encerrada. — Estou terminando uma gravação e tivemos um problema. Preparamos tudo para uma sessão de comerciais para a televisão, que deverá entrar no ar em rede nacional. O problema é que a atriz contratada está com faringite, e não podemos adiar a gravação. — É mesmo? — ela ecoou, curiosa para saber o que viria a seguir. — Precisamos de alguém para anunciar uma nova ração para cães e gatos. Está interessada? Se estava interessada? Ela quase gritou de alegria antes de responder com falsa indiferença: — Adoraria, mas tem certeza de que sou a pessoa certa? 51
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— Não tenho a menor dúvida. Você é perfeita para isso, Shannon, e eles vão beijar seus pés se você aceitar. Além disso, o patrocinador dobrou o cachê, que já era acima da média. Há muito dinheiro envolvido, o que torna a proposta ainda mais interessante. — Nesse caso, é melhor me vestir... — Está bem. Vou mandar Jeff apanhá-la. Estou no estúdio de gravação da emissora central, a cerca de vinte minutos da cobertura. Nós nos veremos em breve. Excitada com a possibilidade de gravar um comercial para a televisão, ela se apressou em secar os cabelos e se arrumou em tempo recorde. O motorista a esperava diante do edifício. Entrou na limusine e sentou-se com a coluna ereta, tentando se lembrar dos exercícios de respiração para relaxar que vira era um programa matinal. Se não se acalmasse e abaixasse o nível de adrenalina de seu sangue, corria o sério risco de ter um enfarte antes de chegar à emissora! O motorista parou a limusine diante do suntuoso edifício com uma vistosa placa prateada onde se lia Infinity Records, uma das inúmeras empresas que faziam parte do vasto patrimônio de Blake. — Deseje-me sorte, Jeff — pediu quando ele abriu a porta para ajudá-la a sair. Suas pernas tremiam tanto que receou não poder sustentá-la. Endireitou a coluna e entrou no luxuoso saguão, tentando disfarçar o nervosismo. A recepcionista conduziu-a ao saguão do elevador, e aguardou com impaciência até que percorresse dezessete andares. Quando as portas se abriram, encontrou Blake a sua espera. — Você chegou em tempo recorde — elogiou, beijando-a de leve nos lábios. Observou a palidez no rosto lívido denotando o evidente nervosismo e afastou-a dos olhares curiosos dos funcionários que transitavam pela ante-sala do estúdio. — Respire fundo e segure o ar. Isso mesmo. Agora, solte-o devagar... Assim... Isso vai acalmá-la. Ela repetiu o exercício algumas vezes, sentindo-se melhor. Porém, não sabia se conseguira se acalmar pelo efeito da técnica, ou se a simples presença de Blake a deixava mais confiante. — Obrigada. Acho que estou pronta agora. Ele sorriu e acenou para um senhor que conversava com dois rapazes, a poucos passos dali. — Shannon, este é Sam Green, gerente da agência de publicidade que agendou a gravação. — Obrigado por vir nos salvar, Shannon. O simpático senhor de cabelos grisalhos dirigiu-lhe um sorriso amigável, e ela respirou aliviada ao ver que estava vestido casualmente com calça jeans, camiseta e tênis. — Blake nos falou muito bem a seu respeito e nos mostrou uma gravação do seu 52
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programa. É sensacional. Venha, nosso cliente está esperando no estúdio. Tentando controlar o nervosismo, ela cumprimentou o cliente e ouviu com atenção as instruções do diretor de produção. A equipe de maquiagem trabalhou com rapidez, e ela foi conduzida ao camarim para a troca de roupas. Entrou no estúdio de gravação de áudio e respirou fundo, consciente de que Blake a observava através do vidro que separava o ambiente da sala de controle. Quando ele ouviu a voz ligeiramente rouca e bem modulada, seu sangue se aqueceu. Ela era simplesmente perfeita! Ponderou se seu interesse por aquela mulher restringia-se somente a sua carreira, e a resposta emergiu prontamente. Orgulhava-se de vê-la trabalhar, mas sentia o coração transbordar de felicidade quando ela estava em seus braços. Estava tão absorto por seus pensamentos que não viu quando Shannon saiu e se despediu de Sam Green. — E então? O que achou? Ela parou diante dele e o fitou com expectativa. — Você foi fabulosa! — Mal posso acreditar que fiz meu primeiro comercial nacional! Eu estava tão nervosa que achei que minha voz não fosse surgir, mas creio que me saí bem. Afinal, eram somente duas falas, e meu rosto vai aparecer na tela por menos de trinta segundos... — Você foi perfeita. — Sam ofereceu-me para fazer outro comercial no próximo mês. Está interessado em me contratar. Não é maravilhoso? — Isso merece uma comemoração. Que tal se fôssemos ao teatro hoje à noite, antes do jantar com meus pais? — Isso quer dizer que vamos mesmo jantar com seus pais? — ela perguntou, hesitante. — Não temos como evitar. Mamãe está ansiosa para conhecê-la. Definitivamente, você a impressionou. — Está bem, mas isso não vai ficar assim. Você também terá de conhecer minha mãe — provocou com um sorriso. — Combinado. — Blake olhou para o relógio. — Tenho uma reunião ao meio-dia, e já estou atrasado... Vá para casa e descanse. Nós nos encontraremos à tarde. — Tenho uma idéia melhor — ela propôs. — Estou pensando em comprar roupas mais adequadas para a ocasião. Além disso, tenho de apanhar uma encomenda para minha mãe, e vou aproveitar a tarde para me preparar para o jantar em família. — Ótima idéia. — Jeff está disponível para me acompanhar? — Claro. Ele tem instruções rigorosas para não perdê-la de vista. — Beijou-a nos lábios ao se despedir.—Nos encontraremos hoje à noite. Ligue para meu escritório por volta 53
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das cinco horas. Se eu não estiver lá, deixarei detalhes com Shirley. — Combinado. E obrigada, Blake. — Não há de quê, doçura. Você merece muito mais. Shannon examinou o porteiro estacado diante da imponente porta vermelha do luxuoso salão de beleza. Ele devolveu-lhe o olhar, deixando claro que ela não parecia ser uma cliente típica. No entanto, o experiente senhor sabia de longa data que as aparências podiam ser enganosas. Além disso, ela havia chegado em uma limusine. Ofender uma cliente em potencial era motivo de demissão por justa causa, e depois de alguns segundos de hesitação, abriu a porta para Shannon. A área da recepção transpirava luxo e bom gosto. O ambiente parecia ter sido projetado para receber mulheres acostumadas a serem mimadas. A julgar pelas aparências, Shannon soube que o simples ato de lixar as unhas em um lugar como aquele custaria dez vezes mais do que o modesto salão de beleza que freqüentava em Tampa. Tentou se lembrar do nome que sua mãe havia indicado e olhou ao redor, fascinada com a opulência que viu. Talvez pudesse se dar ao luxo de cortar os cabelos depois de apanhar o creme hidratante, ponderou. Afinal, fizera seu primeiro comercial para a televisão, e isso merecia ser comemorado. Eloise! Lembrou-se de súbito do nome da profissional que sua mãe indicara, dirigindose à recepcionista. — Oh, sim... Eloise está terminando uma sessão de beleza com uma cliente — a elegante jovem informou com um sorriso. — Vou avisar que está aqui. Qual é seu nome? Shannon não conseguiu desviar os olhos da linha perfeita das sobrancelhas bem desenhadas, curvadas em expectativa, e concluiu para si que a jovem ruiva praticava o gesto diariamente diante do espelho. — Shannon, filha de Helen Smith, da Flórida. Vim apanhar uma encomenda para minha mãe, e gostaria de saber se ela tem algum horário disponível — disse num impulso. — Certamente. Por favor, sente-se e fique à vontade. Momentos mais tarde, uma mulher alta, vestida e maquiada de forma impecável, parou diante de Shannon. Sorriu e estendeu-lhe a mão bem cuidada, com unhas longas e bem-feitas. — Que prazer conhecê-la! Sua mãe fala sempre de você. É claro, baseada nos comentários dela, estou surpresa em vê-la aqui. Shannon suspirou ao imaginar a descrição desanimadora que fizera da filha. — Bem, minha mãe pediu que eu viesse buscar um creme hidratante, disse que você sabe qual é, e... — Shannon ergueu os ombros, resignada. Seria capaz de implorar para que aquela mulher a transformasse em uma beldade. — Tenho pouco tempo para me tornar apresentável e preciso de toda a ajuda que puder ter. Você poderia cuidar de 54
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mim? Vou ao teatro e tenho um encontro com os pais de um amigo. Eles estão a caminho de Nova York para uma feira de caridade... e vamos nos encontrar pela primeira vez. — Fez uma pausa para respirar, sem conseguir interromper o fluxo de palavras que transbordavam de sua boca. — Não estou preparada para o encontro. Não tive tempo de fazer as malas ao vir para cá e, conseqüentemente, não tenho nada apresentável para vestir nesse encontro. Não peguei sequer a camisola. Meu cabelo está um caos, sem falar nas minhas unhas... E gostaria que minhas sobrancelhas ficassem iguais às da moça na recepção. Ela não tinha idéia de por que estava desabafando com uma total estranha. Porém, não se importou em revelar seu desespero, como se a mulher a sua frente fosse uma deusa da beleza enviada do Olimpo para salvá-la. Eloise ouvia com expressão calma e um sorriso discreto nos lábios. — O fato é que tenho cerca de cinco horas para sofrer uma metamorfose. — Sorriu com timidez e a encarou. — Ao contrário do que eu disse a meu amigo, não vou conseguir resolver isso sozinha. — Se entendi bem, você precisa de ajuda e de um traje adequado para usar esta noite. Talvez precise também de uma camisola... Devo acrescentar à lista? — Sim! Você compreendeu perfeitamente bem minha situação. E há apenas mais uma coisa... — Shannon se aproximou e abaixou o tom de voz. — Nunca, em hipótese alguma, diga uma só palavra disso tudo para minha mãe, por mais que ela pudesse ficar feliz por saber que estou me colocando em suas mãos. Se descobrir que estou implorando pela sua ajuda, minha vida nunca mais será a mesma. Você concorda? — Claro. Vou verificar minha agenda. Creio que posso encontrar tempo para você. No momento seguinte, Shannon foi entregue a um exército de especialistas que trabalharam durante a tarde toda para promover uma verdadeira transformação. Quando se olhou no espelho, três horas depois, ficou maravilhada com o que viu. Seus cabelos, ligeiramente mais curtos e repicados, caíam sobre os ombros em cachos sedosos, com gracioso movimento. Embora tivesse passado horas para lavá-los, hidratá-los e secá-los, o penteado parecia natural, como se ela tivesse recebido a dádiva divina de ter cabelos perfeitos. A pele ganhara novo viço, e a maquiagem primorosa havia realçado os traços do rosto de forma natural, deixando-o ainda mais bonito. Ela soltou uma exclamação satisfeita ao ver as sobrancelhas desenhadas em linhas curvas e simétricas. Divertiu-se em arqueá-las uma de cada vez, rindo com alegria quase infantil. As unhas das mãos e pés haviam passado por um tratamento rigoroso, e recebera massagem e creme hidratante como toque final. E as roupas... Shannon se sentiu gloriosa, como nunca se sentira antes. Enquanto os assistentes de 55
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Eloise trabalhavam em sua mágica individual, ela chamou o especialista em moda e descreveu com detalhes o que tinha em mente. — Você pode procurar roupas e acessórios por si mesma, ou simplesmente ficar aqui enquanto minha equipe trabalha e cuida de tudo. Ela decidiu pelo apoio profissional, sem se importar com os custos. Afinal, merecia aquele presente. Seu primeiro comercial nacional iria ao ar em poucos dias, com promessa de muitos outros. Ao final da tarde, o estilista apresentou-lhe a seleção de trajes feita por Eloise. Dentre várias opções, Shannon se decidiu por um modelo clássico. O tubinho preto, de alças finas, moldou-se ao seu corpo como uma segunda pele. A peça era acompanhada por uma fina echarpe de voil, com bordado delicado e discreto em dourado. Escolheu sandálias pretas de saltos altos e finas tiras que se moldaram com perfeição aos pés. Ela desviou o olhar do espelho e fitou Eloise com expressão enlevada. — Você conseguiu um milagre. Olhe para mim! Quase me sinto culpada por recusar a minha mãe o prazer de me ver assim. — Avise-me com antecedência, e vou repetir o esforço no dia do seu casamento — Eloise prometeu. O comentário provocou uma onda de intenso rubor em Shannon. A verdade era que, por mais que detestasse admitir, ela própria havia pensado o mesmo. Balançou os cabelos, tentando afastar o pensamento inoportuno. Não era sensato sonhar sobre um futuro que jamais se realizaria. Blake nunca havia sugerido nada que não fosse interesse sexual, e tinha de aceitar o fato para não se magoar. Admirou seu reflexo no espelho mais uma vez e se despediu de Eloise. Ao seguir para o carro, sentia-se uma nova mulher. Durante o trajeto para o prédio da emissora, um sorriso largo curvou-lhe os lábios ao imaginar a reação de Blake quando a visse.
Capítulo VIII Blake interrompeu o que dizia e estreitou os olhos ao avistar a atraente jovem caminhando com leveza na sua direção. Os olhares de todos os homens presentes na área de recepção da emissora convergiram para a figura graciosa, que parecia não notar o fascínio que despertava. Poderia ser modelo profissional, exceto pelo fato de não ter estatura para o padrão exigido na profissão, além das curvas generosas, acentuadas pelo modelo colado ao corpo. Na verdade, era parecida com Shannon, notou com surpresa, embora estivesse muito 56
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bem vestida. Aquela era a mulher que sua mãe gostaria de ver ao seu lado, pensou com um sorriso. Elegante, bem vestida e bonita. Desviou o rosto e olhou para o relógio, preocupado com a demora de Shannon. Vira a limusine estacionar diante do edifício momentos antes, e Jeff permanecia recostado no capo, observando a deusa da perfeição com um sorriso, como se ele pessoalmente houvesse criado a visão que naquele momento estava parada diante do seu chefe. Blake encarou a jovem e pestanejou. A criatura maravilhosa que estava parada diante de si não era ninguém menos do que... Shannon!, concluiu ao ver o inconfundível brilho nos olhos cor de violeta. Não havia como negar que ela ficava atraente com a costumeira calça jeans e as batas esvoaçantes que usava no dia-a-dia, mas a mulher a sua frente tirou-lhe o fôlego. Ele inalou o perfume exótico e sentiu o coração disparar no peito em resposta. Abriu a boca para dizer alguma coisa, mas a surpresa o deixou sem palavras. Já vira Shannon trajando vestido de noite, roupa de banho, pijamas... Ele já a vira nua, mas nunca ficara tão impactado. — Pelo que vejo, o esforço valeu a pena. — Shannon ergueu as sobrancelhas de forma provocante. — Você não me reconhece por trás dessa maquiagem e roupa, não é? Mas a aparência é temporária, ao contrário do interior, que foi feito para durar. — E é o que mais gosto em você — ele comentou com sinceridade, beijando-a de leve nos lábios. — Embora tenha de admitir que o exterior está magnífico. Entretanto, por mais bonita que seja a roupa, estou ansioso por vê-la nua em minha cama. Você sabe como a noite vai terminar, não é? Ela assentiu, incapaz de falar. — Vou fazer o possível para manter minhas mãos longe de você enquanto isso. Mas se não parar de me olhar desse jeito, não serei responsável pelos meus próprios atos... — Tomou-a pelo braço e a conduziu para a calçada. — O espetáculo vai começar daqui a meia hora. Temos de nos apressar, se não quisermos chegar atrasados. Durante a execução da peça, se alguém perguntasse a opinião de Blake, ele não saberia o que dizer. Estava tão absorvido pela imagem de Shannon que mal ouvia o que os atores diziam no palco. Sem se importar em ser discreto, não tirava os olhos do perfil encantador, enquanto ela permanecia absorta na trama. — E então, o que achou? — ouviu-a perguntar quando o espetáculo terminou. — Muito interessante. — É só isso que tem a dizer? — ela o provocou, acomodando-se no banco da limusine. — Eu não o ouvi rir, e essa foi a comédia mais engraçada que já assisti. Na verdade, você parecia estar muito distante. Há alguma coisa errada? — Não... Claro que não! Eu estou... distraído. Manteve-se em silêncio até entrarem no saguão do Hotel Plaza. 57
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O maitre os conduziu à mesa em que os pais de Blake os esperavam. Ele passou o braço possessivamente sobre os ombros delicados enquanto atravessavam o recinto e, ao apresentá-la, sorriu com orgulho ao ver o sorriso de aprovação no rosto de sua mãe. Puxou a cadeira para que Shannon se sentasse à mesa e acomodou-se ao lado dela. — Acabamos de ver uma peça interessante. Por que não conta aos meus pais, querida? Eles adoram teatro. Ela riu e os olhos se iluminaram diante da piada particular. Agradeceu-lhe secretamente por introduzir um assunto neutro, e relaxou ao fazer comentários inteligentes e divertidos sobre a peça que haviam acabado de assistir. Para seu alívio, Amanda Ramsey não mencionou o desagradável incidente ao telefone, e Thadd Ramsey não poderia ser mais simpático e gentil. Entabularam uma animada discussão sobre uma de suas peças favoritas. Enquanto ouvia, Amanda observava o filho com discrição, e o que viu a surpreendeu. Desde que tinha dezoito anos, ele se tornava a versão mais jovem do homem atraente que se tornaria, capaz de ter todas as mulheres a seus pés. Sempre gostara de mulheres altas, loiras e sofisticadas, parecidas com ela própria. A mulher que escolhera para se casar parecia ser o tipo certo, mas Sonya fora o maior erro que o filho cometera. Aquela jovem, no entanto, não se parecia em nada com as acompanhantes habituais de Blake. Ele demonstrava estar apaixonado, e esperava que ela realmente fosse o que aparentava ser. Em menos de dez minutos, conversavam como se fossem velhos conhecidos. — Seu vestido é lindo, querida — Amanda comentou com olhar experiente. — Você o trouxe de Tampa? Blake quase derrubou o copo de uísque que tomava. Adoraria ver o rosto da mãe se abrisse o armário de Shannon, e o pensamento fez com que seus lábios se curvassem. — Não. Na verdade, eu o comprei aqui, em Nova York. — Shannon sorriu com gentileza e mudou de assunto. — Já estiveram na Flórida? Estudou os pais de Blake enquanto falava sobre a casa que mantinham em Palm Beach. Refletiu que, para Amanda e Thadd Ramsey, a Flórida deveria ser tediosa. Embora pertencessem à elite privilegiada, eram simples e espontâneos, e a trataram com gentileza. Observou-os enquanto falavam, imaginando se um dia faria parte daquela família... Shannon se espreguiçou e estendeu a mão para tocar o travesseiro vazio ao seu lado. Abraçou-o, inalando o perfume de Blake impregnado no tecido, e um sorriso brincou em seus lábios. Prometera a si mesma que não se envolveria com Blake enquanto ele estivesse atuando 58
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como seu guarda-costas, mas não fora capaz de resistir... Na noite anterior, depois de voltarem para casa, esquecera-se da promessa logo que ele trancou a porta da frente da cobertura e tomou-a nos braços. Ainda sorrindo, foi para o banheiro e tomou um longo banho de banheira. Ao secar os cabelos, olhou para seu rosto no espelho, imaginando quantos comerciais nacionais teria de fazer para contratar os cuidados de Eloise em tempo integral. Ergueu uma sobrancelha experimentalmente, e notou que a transformação mágica havia se perdido. Ela havia deixado de ser Cinderela e retomado sua forma original, embora a carruagem ainda fosse uma limusine. Com um sorriso triste, pôs-se a refletir se o príncipe encantado também seria real... Pareciam ter sido feitos um para o outro quando faziam amor, mas ele não se mostrava disposto a estender a relação para qualquer nível que não fosse físico. E o problema era que, depois de conviver intimamente com Blake, estava convicta de que ele era o homem da sua vida. Censurando-se por perder tempo diante do espelho, prendeu os cabelos em um rabode-cavalo e vestiu camiseta azul-clara e calça jeans. Sandálias de saltos baixos e a bolsa de palha completaram o traje. Teria de esquecer as fantasias sobre futuro, por mais difícil que fosse ter amnésia total depois dos momentos maravilhosos que haviam compartilhado, decidiu com amargura. Sorriu para seu reflexo no espelho, tentando o movimento de sobrancelhas mais uma vez, e seguiu para a cozinha, deixando o quarto sob os cuidados da faxineira. Olhou ao redor e, depois de uma rápida avaliação, concluiu que o espaço era quatro vezes maior que seu chalé na praia. Esperou até ter certeza de que sua mãe saíra de casa para a aula de ginástica e discou seu número, esperando que a secretária eletrônica atendesse. — Olá, mamãe. Estou com o creme hidratante que você encomendou com Eloise. Estou bem. Se precisar de mim, deixe uma mensagem na secretária eletrônica. Não sei ao certo quando voltarei para Tampa, mas presumo que seja nos próximos dias. Cuide-se. Amo você. Desligou, satisfeita. A mensagem tranqüilizaria sua mãe por um ou dois dias. Havia pedido a Blake que dispensasse a cozinheira, já que pretendia sair para passear todos os dias em que estivesse em Nova York, e se incumbiu de preparar o desjejum. Abriu a geladeira para avaliar o interior e apanhou ovos, laranjas, queijo cremoso e manteiga para fazer uma omelete, suco e torradas amanteigadas, acompanhadas de uma caneca dupla de café. Quando o telefone tocou, fez uma pausa de um segundo antes de responder em seu melhor sotaque francês. 59
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— Oui? É o homem que faz meu coração bater mais forte e minha pele se arrepiar? O silêncio sepulcral a deixou embaraçada. Não, não poderia estar acontecendo novamente! — Por favor, aguarde enquanto o sr. Ramsey pega a ligação — a voz de Shirley ecoou de forma impessoal. Quando aprenderia a pensar antes de abrir a boca?, censurou-se, constrangida. A secretária de Blake era completamente destituída de humor! Segurou o receptor no ouvido e só relaxou quando ouviu a voz máscula do outro lado da linha. — Sei que gosta de viver perigosamente, Shannon. Não sei como respondeu dessa vez, mas conseguiu deixar Shirley vermelha como um pimentão! Ela riu ao imaginar a expressão da secretária. No momento seguinte, perdeu-se na voz grave e sentiu o rosto corar ao se lembrar das intimidades que haviam compartilhado na noite anterior, surpresa com a facilidade com que perdera as inibições nos braços dele. Blake tinha o poder de fazê-la esquecer-se de si. —... ou quer que vá apanhá-la? — Desculpe, eu me distrai. — apressou-se em dizer, voltando à realidade. — O que disse? — Temos reservas para um vôo amanhã cedo. Perguntei se gostaria de fazer alguma coisa especial hoje. Vou mandar Jeff apanhá-la. — Obrigada. Vou sair para passear, sem destino definido. Você estará muito ocupado? — Sim. Tenho de almoçar com um cliente, mas poderemos nos encontrar no final da tarde. — Fez uma pausa e abaixou o tom de voz. — O que acha de ficarmos em casa esta noite? Eu queria lhe mostrar algumas coisas... Ela corou no mesmo instante, tentando imaginar o que seria. — Sim, senhor. Como quiser, senhor. — Quer dizer que aceita? — Ele riu diante da idéia de vê-la concordar com tanta facilidade. — Eu me rendo a você e a sua vasta experiência... — Shannon provocou com uma risada. —, ao menos, nessa área em particular. Adeus. Vinte minutos mais tarde, desceu para o saguão e encontrou Jeff, que a esperava na limusine. Acomodou-se no conforto do interior do veículo, pensando qual seria seu próximo movimento. O dia estava quente e úmido, mas estava habituada ao clima da Flórida, e sentia-se como se estivesse em casa. — Jeff, vou descer no próximo quarteirão — pediu ao entrarem na Quinta Avenida. — Tenho instruções rigorosas para... — Sei disso, Jeff, mas que mal pode haver em passear pela calçada apinhada de 60
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gente? Além disso, você pode estacionar a limusine e caminhar ao meu lado. Ele ponderou por alguns segundos e concordou com relutância. Embora a conhecesse a poucos dias, percebera que não seria fácil argumentar com aquela mulher. Shannon permitiu-se passear por mais de uma hora, contemplando as obras do Museu Frick, localizado em um velho casarão. Seu pai a levara lá quando fizeram a primeira viagem a Nova York, e a visita lhe trouxe recordações nostálgicas. Para afastar a tristeza que a invadira ao pensar no pai, entrou no Museu do Rádio, poucos metros à frente, sem se importar com a presença discreta de Jeff atrás de si. Por volta das duas horas da tarde, parou em um simpático restaurante para almoçarem companhia do motorista. Ao anoitecer, sentia-se exausta e feliz. Embora preferisse a re-confortante sensação de paz e tranqüilidade proporcionada pelas cidades pequenas, adorava grandes metrópoles como Nova York. Gostava de fazer visitas periódicas para absorver a energia que parecia pulsar nas ruas. Viver em uma cidade pequena com doses freqüentes de metrópole, em sua opinião, fornecia o equilíbrio perfeito dos dois mundos. Sem que percebesse, seguiu na direção da emissora, conduzida pela urgência de ver Blake. Mal podia esperar para compartilhar com ele o prazer daquele dia, e sua pele se arrepiou em antecipação ao pensar na noite que se aproximava. Passou pela recepcionista e subiu para o andar do escritório dele sem se anunciar. Desceu do elevador e seguiu para a recepção. Shirley, a guardiã inabalável, estava ocupada falando ao telefone. Ponderando que a forma como atendera ao telefone naquela manhã fora reveladora, não havia necessidade de fingir que estava lá a negócios. Shannon ignorou a tentativa desesperada da secretária de impedi-la de entrar e seguiu em frente. No entanto, aquele foi seu maior erro. Logo que abriu a porta, ela prendeu a respiração com o que viu. Blake estava sentado em sua escrivaninha, tendo atrás de si uma mulher loira, alta e sensual, vestida com luxo e elegância. Shannon sentiu o impacto da presença exuberante, e teve a sensação de que ela saíra diretamente das páginas de uma revista. Estava inclinada sobre Blake, com um braço apoiado nos ombros largos. Analisavam documentos espalhados sobre a escrivaninha diante deles, e a intimidade que pareciam compartilhar a deixou sem ar. Ela própria tinha consciência de que era uma mulher atraente, acostumada a ter todas as atenções sobre si, mas ao avaliar a atraente loira, foi forçada a admitir que, diante dela, voltava a ser a Gata Borralheira, e teve certeza de que a batalha havia terminado antes mesmo de começar. 61
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Blake ergueu os olhos do papel que estudava e se tornou consciente da presença de Shannon pela primeira vez. Por um momento, sorriu com prazer, mas ao ver a expressão confusa no rosto bonito, ele franziu o cenho. No entanto, ela não notou a mudança de expressão. Enfrentou a avaliação fria da loira e notou que os olhos azuis, emoldurados por longos cílios, revelavam desprezo ao registrar sua aparência. A jovem não tentou esconder o descaso, e franziu o nariz com desdém ao avaliar a simplicidade do seu vestuário. Aproximou-se ainda mais, roçando o busto nos ombros de Blake. — Não vai nos apresentar, querido? — a voz era fria e provocante. — Adoraria conhecer sua amiguinha. Ele endereçou-lhe olhar aborrecido e a afastou com gentileza. Esperava que as duas mulheres nunca tivessem se encontrado, e respirou fundo, encarando o inevitável. O mínimo que poderia fazer era tentar proteger Shannon, minimizando a importância dela... O que foi um erro, percebeu assim que as palavras saíra da sua boca. — Sonya, esta é Shannon Smith, uma das locutoras da emissora de Tampa. Ela é a apresentadora de Corações Solitários, que vai ao ar todas as sextas-feiras. Shannon, esta é Sonya Ramsey. — Interrompeu-se, com uma pausa significativa antes de concluir: — Minha ex-esposa. Os olhos de Shannon se arregalaram em surpresa. Ex-esposa? Blake fora casado com aquela deusa esculpida em mármore por mãos primorosas de um artista? Sentiu que seus ombros ficaram tensos e ergueu o queixo, determinada a não deixar que nenhum dos dois percebesse sua insegurança. — Prazer em conhecê-la — afirmou em tom propositalmente afetado. — É uma pena que temos de ir embora amanhã. Poderíamos nos conhecer melhor, e talvez sairmos para jantar... Sorriu satisfeita por ter insinuado que ela e Blake haviam chegado juntos, estavam juntos, e, melhor, iriam embora juntos. Percebeu que a loira ficou surpresa com a revelação, mas não se deixou abalar. — Oh, vocês estão hospedados no Ritz-Carlton? É onde Blake e eu costumamos ficar quando ele vem a Nova York. Não era preciso ser gênio para imaginar o que faziam durante a estada no hotel... Shannon apertou os dentes, preparando-se para devolver o ataque. — Oh, não! — Riu, como se a idéia fosse ridícula. — Estamos no apartamento de Blake. Os olhos da deusa platinada se arregalaram em descrença. Blake fechou os olhos, esperando pelo pior. Sonya sabia que ele permitia que somente seus pais entrassem na cobertura, e ela entendeu melhor do que ninguém o significado de Shannon estar hospedada lá. Passou a mão pelos cabelos, num gesto nervoso, 62
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pressentindo que o clima ficaria ainda mais tenso. — Fomos jantar com os pais de Blake ontem. São encantadores, não acha? — Shannon olhou para o relógio de pulso e arregalou os olhos. — Oh, estou atrasada! Bem, tenho de ir embora. Desculpe por incomodá-los. Não é preciso me acompanhar até a porta, Blake. Shannon saiu do escritório com passadas firmes e determinada a não perder a classe. Seguiu em frente contendo o pranto até ganhar a calçada. Fez um gesto para Jeff, indicando que a esperasse a distância, e seguiu a pé. Definitivamente, tinha de respirar um pouco de ar puro. Blake a observava da janela, e se pôs a imaginar onde havia falhado em sua tentativa de protegê-la. Por fim, concluiu que havia subestimado sua capacidade. Aquela fora mais uma lição que aprendera com Shannon. Voltou-se para Sonya, arrependido por ter concordado em encontrá-la naquele dia. Porém, ela fora insistente e exigira que a recebesse para reclamar sobre novas exigências e mais dinheiro, o que se tornara habitual depois que seu sucesso crescera. Durante dois anos, ela se recusara a assinar os papéis, e agora tentava usá-los em benefício próprio. Sonya fora visitá-lo no escritório no primeiro dia em que chegara. Ao encontrá-lo pouco receptivo, mudara de tática, tentando seduzi-lo por ter plena convicção de que ele se sentia atraído pelo corpo magnífico. Desde que se separaram, era comum encontrarem-se para passar algumas horas na suíte do hotel. Porém, ele se mostrara impassível diante dos encantos da ex-mulher e a informara calmamente que estava disposto a chegar a um acordo quanto às exigências. O encontro daquele dia deveria se restringir a negócios, e tudo corria bem até a chegada de Shannon. Blake suspirou, dando-se por satisfeito por não ter acontecido algo mais desastroso. Ajeitou-se na cadeira e pousou os cotovelos sobre a escrivaninha, disposto a encerrar o assunto com sua ex-mulher.
Capítulo IX A noite não correspondeu às expectativas de Shannon. Ela estava de mau humor, aborrecida por saber que Blake dormia com a ex-mulher, e ainda mais pela noção de que ele escolhera uma deusa para se casar. Se era aquele tipo de mulher que o atraía, o que estava fazendo com ela? Era o oposto de Sonya, embora o comportamento fútil e imaturo que demonstrara naquela tarde não confirmasse isso. As diferenças iam além do aspecto físico, e duvidava que alguém que 63
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escolhesse uma mulher como Sonya a levasse a sério. No entanto, nada justificava sua própria conduta. Claro, ficara indignada por ser apresentada como simples empregada da emissora, e o próprio Blake era parcialmente responsável por ter feito papel de idiota. Se não fosse por isso, não teria agido como uma adolescente imatura e insegura, como se o fato de viajar e dormir com ele tivesse algum significado! Estavam na cozinha, preparando o jantar, e ela respirou fundo c rompeu o longo silêncio que mantinha desde que ele chegara em casa com uma pizza, meia hora atrás. — Blake, quero me desculpar pelo meu comportamento desta tarde. — começou, quando se sentaram à mesa. — Eu não tinha o direito de agir daquela forma, e as coisas que disse foram ainda piores. Não sei o que aconteceu comigo. Quando você me apresentou como uma simples empregada, eu... eu... — Hesitou, constrangida em revelar a verdade. — Eu fiquei magoada. E então, sua esposa... Digo, ex-esposa... Bem, achei que era justo que ela soubesse o que está acontecendo entre nós. Agi como uma adolescente. Sinto muito. Eu não tinha o direito de... — Não se desculpe, Shannon. Sonya teve o que mereceu, e minha escolha das palavras ao apresentá-la não foi feliz. — Não é você que tem de se desculpar. Sei que fui tola e insegura. — Não quis dizer isso. Ouça, tenho certeza de que não sou o primeiro homem que dorme com a ex-esposa ocasionalmente, mas não sou nenhum maníaco sexual. Isso não significava nada, e não vai acontecer novamente. Além disso, eu estava apenas tentando protegê-la. Ela pode ser muito maldosa, e você é tão... — O que disse? — Shannon o interrompeu de súbito. — Você estava tentando me proteger? Acha que não sou capaz de sobreviver? A fúria cresceu em seu ventre como uma onda quente. Era óbvio que Blake não a conhecia! Apesar de compartilharem toda a intimidade possível entre um homem e uma mulher, não tinha a menor idéia de quem ela era. — Eu fiquei preocupado que você pudesse... — Basta! — Shannon meneou a cabeça com força, recusando-se a ouvir. — Se acha que preciso da sua interferência e que interceda a meu favor, não tem a menor idéia do que eu quero e preciso. Ignorou o olhar espantado no rosto de Blake e se levantou da cadeira. — Perdi o apetite. Se me der licença, vou para o quarto tentar dormir. Estarei pronta para partir amanhã às nove horas. Trancou-se no quarto e afundou a cabeça no travesseiro para que ele não a ouvisse chorar. No dia seguinte, seguiram para o aeroporto no mais absoluto silêncio, ambos tentando não notar os olhares preocupados de Jeff pelo espelho retrovisor. 64
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Ela se despediu do motorista e a agradeceu a ajuda antes de seguir para a sala vip, ignorando a presença de Blake. Durante o vôo, voltou-se para a janela e fingiu estar interessada na paisagem. Blake aceitou o copo de uísque com gelo que a comissária de bordo ofereceu-lhe e sorveu a bebida em pequenos goles. Seria inútil tentar iniciar uma conversa, já que Shannon fazia questão de agir como se ele não existisse. Ponderou que não seria mau se se distanciassem por um breve período. A proximidade que compartilharam fora além do que pretendia. Estar perto dela despertara sentimentos e inclinações que ainda não tivera tempo de considerar. Por que levara Shannon para sua casa em vez de usar a suíte do hotel? Por que aceitara o pedido da mãe para conhecê-la, se nunca apresentara nenhuma mulher aos pais, e se deixara envolver até nos mínimos detalhes do cotidiano? Passou os dedos pelos cabelos, recusando-se a responder a tais perguntas. Aquele era um território inexplorado, e não estava com disposição para expedições sentimentais. Tentaria se manter distante nos próximos dias, decidiu. Tinha de estudar a análise da gravação com a voz do suspeito que ameaçava Shannon, feita pelo seu amigo do FBI. Sabia que o resultado não poderia ser usado em um tribunal, mas poderia ser significativo. Considerou discutir suas idéias com Shannon, mas não queria preocupá-la. E, o mais importante, não estava certo de que ela conseguiria manter sigilo, e era fundamental que o rapaz se revelasse por si, sem que nada interferisse no processo. Para tanto, tinha de deixá-lo agir em segurança até que estivesse pronto para entrar em ação. Algo lhe dizia que o fã anônimo se revelaria no dia do show ao vivo. Faltavam apenas três dias, e Shannon estaria a salvo. Sentindo-se mais tranqüilo com as decisões, ele se recostou no assento e relaxou. Ao chegarem a Tampa, manteve-se distante e frio, e mal chegaram ao chalé, foi para o quarto de hóspedes e trancou-se em companhia do laptop. Na manhã seguinte, Blake conduziu Shannon à filial da CBS em Tampa para uma entrevista sobre a edição especial de Corações Solitários. Manteve-se gentil e polido, embora mais distante do que costumava ser. O apresentador do programa de entrevistas, Jack Stevens, era uma famosa celebridade do rádio que, depois de se aposentar, fizera carreira na televisão. O simpático e extrovertido senhor deixou evidente o interesse por Shannon, flertando abertamente durante a entrevista. Decidido a não se importar, Blake se acomodou no auditório para assistir ao show. Shannon já havia esgotado todas as lágrimas durante a noite e, quando o dia amanheceu, determinou-se a esquecer Blake. A óbvia indiferença dele era a prova definitiva que tudo que haviam vivido terminara. 65
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Mas, depois de conhecer Sonya, sabia que não podia culpá-lo. Jamais se igualaria àquela mulher em sofisticação e elegância, e a verdade era que não se importava com isso. Se Blake preferia mulheres fúteis e frívolas, azar o dele, pensara ao se maquiar. Limitaria-se a restringir o relacionamento ao aspecto profissional e, depois do show ao vivo, sua vida voltaria a ser como antes. Porém, ao vê-lo sentado na primeira fileira do auditório, fitando-a com os adoráveis olhos claros, soube que não adiantaria tentar se enganar. Amava aquele homem, e seria capaz de dar tudo o que tinha por um único beijo! Acomodou-se na poltrona e tentou se concentrar na entrevista, disposta a se divertir. Quando o contra-regra sinalizou indicando o início da gravação, ela voltou à vida, falando com entusiasmo sobre os ouvintes e a maratona de arranjos para combinar casais e conduzi-los a encontros todas as sextas-feiras à noite. À medida que falava, ela se entusiasmava ainda mais, cativando a atenção da platéia. Blake viu quando o diretor ordenou que o câmera a focalizasse de perto, e uma onda de orgulho o aqueceu. A excitação com a entrevista fez com que se esquecesse de Blake e o tempo transcorreu sem que ela percebesse. Bill Debaney os esperava no estacionamento da emissora de televisão, e foi encontrálo com um sorriso vitorioso. — Ótima entrevista, Shannon! Você estava perfeita. Achei que Stevens ia pedir sua mão em casamento em pleno ar! — disse, com palmadas amigáveis nos ombros dela. — Essa entrevista vai dobrar a audiência de amanhã à noite, não acha, Blake? — Sim — ele respondeu com indiferença. — Você se saiu muito bem, Shannon. Endereçou-lhe um sorriso impessoal e se afastou para conversar em particular com Bill. Desolada, ela entrou no carro do produtor. Estava a ponto de ficar maluca com Blake. Não suportava a polida frieza com que ele a tratava desde a discussão em Nova York. Observou-o conversando em voz baixa e prendeu a respiração para tentar ouvir. Porém, não conseguiu discernir uma só palavra do que diziam. — Não a perca de vista, Bill. Desconfio que ele fará seu último movimento amanhã à noite, mas não tenho certeza — Blake murmurou, referindo-se ao fã anônimo. — Creio que seja um erro não falar a Shannon sobre nossa suspeita. Como ela poderá se proteger se não sabe de nada? — Shannon tem de se concentrar no show. Ela não terá de se proteger, porque eu cuidarei de tudo — afirmou com determinação. — Certo. Então, tenho certeza de que ela estará a salvo. — Bill deu um passo no território pessoal. — Você a está subestimando, Blake. Não creio que Shannon vá 66
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agradecer-lhe por isso. — Tentarei lidar com isso depois. — Blake suspirou, cansado daquele assunto. — Farei o que for preciso para ter certeza de que Shannon tire o máximo proveito da oportunidade, e os fins justificam os meios. — Bem, vou levá-la para o Salado's. Quero lhe mostrar o espaço da boate e deixá-la familiarizada com o ambiente. Não quer vir conosco? — Não, obrigado. Tenho alguns assuntos para tratar, e sei que ela estará segura com você. Acenou para ela a distância e observou-a entrar no carro de Bill sem olhar para trás. Quando chegaram ao Salado' s, Shannon e Bill se reuniram com a equipe de som que trabalhava nos preparativos para a transmissão do show no dia seguinte. Um pequeno painel de controle fora instalado à frente da pista de danças, com dois potentes altofalantes para que a voz chegasse a todos os ambientes do clube noturno, e diversos telões permitiriam que os presentes a vissem em ação. Bill mostrou-lhe todos os ambientes, para que ela visualizasse a totalidade do espaço. Ele sabia que não seria fácil manter a espontaneidade e coordenar os encontros dos ouvintes, mas o que mais o preocupava era a possibilidade de o fã anônimo estar entre os presentes. — Vamos tentar manter os freqüentadores o mais distante possível, e a maioria deles já é seu fã, mas poderá haver complicações — insinuou, contendo-se para não revelar a verdade. — E, claro, não sabemos exatamente o que esperar do seu "maior fã". — Felizmente, não recebi nenhum outro recado dele desde a última mensagem em minha secretária eletrônica. Você acha que encontrou alguém mais para aborrecer? — Não, Shannon. Não é seguro pensar assim. Não é preciso se preocupar, mas mantenha os olhos bem abertos. Blake vai providenciar guarda-costas, que ficarão disfarçados entre os freqüentadores. Além disso, Joe virá acompanhado de mais dois homens e Ingrid afirma que ele sabe lutar judô. — Ambos riram diante da imagem que formaram. — Você sabe, Shannon, pode ser qualquer um... Até alguém que você mesma conheça. E calou-se de súbito, antes de revelar mais detalhes sobre o plano de Blake. Shannon avistou Blake caminhando na varanda do chalé com o telefone celular preso ao ombro. Respondeu ao seu cumprimento com um aceno indiferente, e notou que ele estava tenso, a julgar pelos gestos nervosos e pela expressão fechada. Com um sorriso secreto, refletiu que não gostaria de ser a pessoa do outro lado da linha naquela conversa particular. Pensando bem, era preferível a calma e a indiferença com que a tratava, concluiu ao entrar em casa. O problema era que tudo o que mais queria era acabar com aquela indiferença e sentir o calor dos braços poderosos. Sentia falta da proximidade, do humor e da preocupação 67
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de Blake. Porém, não tinha a menor idéia de como penetrar a barreira fria que ele impusera. Colocou a bolsa e as chaves sobre o aparador da sala, consciente de que não era o momento para confrontos. O dia seguinte à noite representaria seu maior desafio, e estava determinada a mostrar ao mundo do que era capaz. Foi para a cozinha preparou um sanduíche de atum e suco de framboesa, seguindo para o quarto. Passava das onze horas da noite, e tentou dormir, mas a voz de Blake ao telefone atravessava as paredes do quarto, impedindo-a de relaxar. A última coisa que pensou antes de se render ao cansaço foi no gigantesco valor da conta de telefone que ele deveria pagar. Blake passeou o olhar pela sala com um suspiro, relutante em deixar o chalé e a mulher que dormia profundamente no quarto. Mesmo sabendo que Shannon ficaria furiosa, não podia mais adiar seus compromissos para ficar ao lado dela em tempo integral, e havia contratado um guarda-costas para protegê-la. Assim que ele chegasse, o deixaria no chalé com instruções rigorosas para vigiá-la. Acomodou-se na cadeira de balanço da varanda, assistindo à chegada dos primeiros raios de sol. Nos dias em que estivera ao lado de Shannon, compartilhara mais intimidade que poderia esperar. Revelara mais de si mesmo no pequeno espaço de tempo desde que a conhecera do que em dois anos de casamento. Sabia que ela era o tipo de mulher que esperava compromisso sério, mais do que estava disposto a dar. Já tentara, e cometera o maior dos erros da sua vida. Podia tomar decisões inteligentes de negócios em segundos, mas não confiava em seu julgamento pessoal no que dizia respeito ao amor. Interrompeu as reflexões ao ver o gigante caminhando pela praia na direção do chalé, e imaginou como seria a reação de Shannon ao vê-lo. Pensara em alertá-la, mas ela fora para o quarto na noite anterior e não tivera chance nem energia para confrontos. Mas esperava que a presença de Sid fosse apenas por um dia, e ela teria de se adaptar. Tinha de ter certeza de que tudo estaria sob controle para o show, e não poderia tomar as providências necessárias preso em casa, na praia. Recebeu o guarda-costas que contratara dois dias antes, e repetiu com detalhes suas atribuições: vigiar Shannon e não deixá-la sozinha até que tudo estivesse resolvido. — Deixei um bilhete explicando a Shannon o que está acontecendo. Acredite, ela não vai gostar de vê-lo aqui, Sid, mas não lhe dê ouvidos. Nós nos veremos na boate hoje à noite. — Certo, chefe. Não se preocupe. Vou tomar conta dela. 68
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Ele deixou a casa e seguiu para o estacionamento, consciente de que a próxima vez que voltasse lá seria como visita, e não como hóspede. Shannon acordou uma hora mais tarde e encontrou a casa mergulhada em silêncio. Tomou um banho e vestiu o robe, surpresa por não ouvir o familiar murmúrio de Blake ao telefone. Quando entrou na sala de estar, deu um grito horrorizado. O maior homem que já vira ocupava todo o sofá. Ele se pôs de pé para cumprimentá-la, forçando-a a erguer a cabeça para ver o rosto. Relutou alguns segundos antes de acolher a mão gigantesca estendida para ela, mas o gesto e o olhar amigável no rosto simpático a tranqüilizou. — Bom dia. Sou Shannon Smith, mas creio que você já sabe disso. Enviou-lhe um olhar de expectativa, curiosa por descobrir se a voz era tão colossal quanto a compleição física. Para sua surpresa, era um agradável timbre de tenor, desproporcional ao seu tamanho. — Sidney Brown, senhorita. É um grande prazer conhecê-la. O sr. Ramsey disse que você poderia ser um pouco difícil, mas creio que ele estava enganado. — Blake não estava falando sério. E, por falar nisso, onde ele está? — indagou, olhando ao redor. — Bem, ele teve de ir. Disse que a veria hoje à noite na boate. — Franziu o cenho ao ver o sorriso se desmanchar no rosto bonito. — A senhorita está bem? — Sim — mentiu. Na verdade, não estava bem. Gostaria de estrangular Blake com suas próprias mãos! Como pudera partir sem uma palavra de explicação, deixando aquele gigante em seu lugar? Sid entregou-lhe uma folha de papel dobrado e voltou a se sentar no sofá, ao mesmo tempo em que o telefone tocou. — Olá, mamãe — Shannon saudou, enfiando o papel no bolso do robe. — Olá, meu bem. Não tive chance de comentar com você sobre a entrevista de ontem à noite. Foi maravilhosa! As garotas também adoraram. Convidei algumas amigas para o almoço, e acabaram assistindo comigo... Shannon olhou para o teto. Não podia enfrentar aquela conversa sem sua dose vital de cafeína, e seguiu para a cozinha com o telefone sem fio. — Você estava linda! — Obrigada, mamãe. Eu tenho de ir a sua casa para entregar o creme hidratante que você encomendou... — Se quiser pode ficar com ele, querida, e faça bom proveito. Eu tenho dois potes de reserva, e pretendo visitar Eloise na próxima semana. — Shannon conteve o ímpeto de 69
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rir ao perceber que havia caído na armadilha da mãe. — Boa sorte hoje à noite. Vou receber os Winger e os Flynn para jantar... E é claro que eles também vão querer assistir ao show. Quando ela desligou, Shannon riu ao pensar que, em breve, sua mãe perderia todos os amigos. Somente então se lembrou da mensagem que Sid lhe entregara. Abriu o bilhete de Blake e leu o texto breve com avidez.
Shannon, Sid vai cuidar da sua segurança até o show. Por favor, seja gentil. Ele é um bom rapaz e não tem culpa por ter de vigiá-la. Blake Num impulso de raiva, amassou a folha com mãos trêmulas e jogou-a no lixo. Não havia nada remotamente pessoal no bilhete que deixara, nem uma palavra sobre o que sentia ou sobre o que haviam compartilhado. Talvez ela estivesse sendo tola por achar que o que haviam vivido fosse extraordinário. Para Blake, ela não passava de mera aventura. Engolindo as lágrimas, decidiu que não perderia tempo tentando explicar-se para ele. Tinha um show para apresentar e uma vida para viver, e se ele não queria ser parte disso, não havia nada que pudesse fazer. Foi para o quarto e abriu o armário. Retirou o vestido de veludo preto que usaria naquela noite e estendeu-o sobre a cama. Tinha muitas horas antes de Ingrid chegar para ajudá-la a se arrumar. Vestiu um maio e apanhou toalha e óculos de sol. — Vou fazer uma caminhada pela praia — disse sobre o ombro para o guarda-costas. — Vou com você. Ela abriu a boca para argumentar, mas percebeu que seria inútil. Sid era profissional. Além disso, poderia aplicar o filtro solar nas suas costas, pensou com um sorriso divertido. Shannon espalhou uma fina camada do creme hidratante sobre o rosto, usufruindo a deliciosa sensação de bem-estar. Teve de admitir que sua mãe fora brilhante ao fazer com que conhecesse Eloise. Avaliou seu reflexo no espelho e ficou satisfeita com o que viu. As duas horas de sono durante a tarde haviam erradicado os sinais de cansaço e as olheiras, e a exposição ao sol da tarde a deixara com aspecto saudável. Os cabelos negros, sedosos e brilhantes, contrastavam com o tom caramelo da pele. Ouviu a campainha e a voz de Sid se sobressaiu ao tom feminino e delicado, e presumiu que Ingrid chegara. Vestiu o robe e foi receber a amiga. Encontrou-a parada diante do guarda-costas, como se estivesse fascinada. Arrastou a 70
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amiga pelo braço e seguiu para o quarto. — Nunca vi tantos músculos em toda a minha vida! — Ingrid exclamou quando ficaram a sós. — Como você consegue? Primeiro, foi Blake Ramsey, e agora, a versão atualizada de Arnold Schwarzenegger... — Ingrid! — ela censurou com uma risada. — Bem, vamos começar. Vou mostrar que Tampa tem o mesmo padrão de qualidade de Nova York. Eloise vai despedir todos os membros da sua equipe de beleza quando vir o resultado do meu trabalho! Horas mais tarde, Shannon rodopiou diante do espelho do quarto com os olhos brilhando de prazer. Vestia o mesmo traje de veludo preto que usara na campanha publicitária, mas Ingrid fizera pequenas mudanças para deixá-lo mais confortável. Ela também cuidara da maquiagem, realçando seus traços, e deixara os cabelos soltos. Os fios negros e sedosos caíam sobre os ombros, com graciosa ondulação quando se movia. Optara por não usar jóias nem bijuterias, preferindo a discreta elegância do vestuário. Sorriu diante do espelho e sentiu o coração pulsar em excitação. Nunca se sentira tão bem em toda sua vida, e mal podia esperar pelo começo do show. Com um sorriso para disfarçar a excitação, entrou na limusine que Blake enviara para apanhá-la e abriu espaço para Sid se acomodar do seu lado. Alisou o vestido, sentindo "borboletas fazerem cócegas" em seu estômago, a mesma sensação que sempre antecedia suas apresentações. Enquanto seguiam pelo tráfego pesado ao atravessar a ponte, permitiu que sua mente divagasse. Evitou pensar em Blake ou em seu fã misterioso, e concentrou-se no show daquela noite. Tentou clarear a mente com exercícios de respiração, forçando seu pulso a diminuir o ritmo. Aproveitou o percurso para reassegurar sua autoconfiança, consciente de que precisaria de todo o estoque para aquela noite. Quando o motorista abriu a porta da limusine, Shannon suspirou profundamente e um sorriso natural brotou em seus lábios. Aceitou a mão que ele lhe oferecia e saiu graciosamente do veículo. Com um movimento fluido, virou-se para encarar a multidão que a esperava à entrada do clube. Seus olhos brilhavam de excitação, e acenou com alegria para as câmeras dos repórteres presentes. Quando uma barreira de microfones se interpôs diante de si, agradeceu mentalmente aos anjos da produção que tornaram possível aquele acontecimento. — Shannon, uma mulher como você jamais será solitária como suas ouvintes! — uma agradável voz masculina se sobressaiu em meio ao burburinho. — Não se deixe enganar pelas aparências! — ela riu, envaidecida com o elogio. — Não 71
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há ninguém mais solitário do que eu. E por saber como isso é desolador, quero proporcionar muitos encontros entre casais esta noite. Sorrindo diretamente para a câmera, fez com que cada telespectador sentisse que se dirigia a ele. Então, com um último aceno, entrou pela porta dos fundos para se encontrar com Bill Debaney, que a recebeu com um sorriso esfuziante. — Shannon, a noite já é um sucesso. Espere só até ver a multidão que está lá dentro. Será um show fantástico! Tomou-a pela mão e subiu no tablado onde fora instalado o estúdio que seria seu local de trabalho naquela noite. Bill se posicionou e apanhou o microfone para apresentá-la ao público. Com agradável surpresa, ela viu diversas celebridades da mídia, e se pôs a perscrutar o ambiente procurando por um rosto em particular e um par de olhos acinzentados. Imaginou se seu fã também estaria lá, e o pensamento fez com que o sorriso se desmanchasse em seus lábios. Forçou-se a se concentrar no público e apanhou o microfone das mãos de Bill. — Vocês são bonitos demais para palavras. Espero que se divirtam esta noite. — Aplausos entusiasmados a interromperam, e Shannon ergueu a voz para chamar a atenção. — Muito bem, senhoritas, vou começar com vocês. Quero que se dirijam ao homem mais próximo e o avaliem com atenção. — Para ilustrar, voltou-se para Bill e percorreu-o de alto a baixo, arqueando as sobrancelhas de forma exagerada. — E agora, vamos demonstrar nossa apreciação a esses homens maravilhosos. Vocês podem lhes oferecer... Fez uma pausa, considerando a melhor possibilidade de flerte, e uma voz masculina ecoou: — Um milhão de dólares! — Uma nova Ferrari — outra voz se destacou na multidão. As listas de presentes surgiram rapidamente em meio às risadas e aos aplausos esporádicos diante das exageradas e excêntricas sugestões. Shannon pediu silêncio e interrompeu o burburinho. — Rapazes, vocês são mercenários! Na verdade, o que eu tinha em mente era algo muito mais simples, como um gesto simbólico. — Colocou-se na ponta dos pés e modelou os lábios para dar um beijo nas bochechas de Bill. A sugestão provocou verdadeiro frisson entre os presentes, e ela sorriu ao ver como reagiam diante do estímulo. — Bem, ainda há tempo para mais um drinque antes de entrarmos no ar. Por favor, fiquem à vontade. Estamos felizes por estarem aqui esta noite. Divirtam-se!
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Capítulo X Shannon seguiu para o bar, cumprimentando com um sorriso a todos que encontrava. Avistou Ingrid, Sandy e Celeste, encarregada do departamento de vendas, e acenou para Tom Chambers, que ocupava uma mesa próxima à porta. O rapaz, visivelmente constrangido, abaixou o rosto quando a viu, e ela fez uma nota mental para tentar conseguir um encontro para ele naquela noite. Nunca vira ninguém tão reservado e solitário, e estava certa de que precisava de ajuda para se aproximar das mulheres. Enquanto caminhava, flagrou-se mais de uma vez procurando através do aglomerado de rostos algum sinal de Blake, com necessidade urgente de confirmar a presença dele. Estava atenta, também, a todos que passavam, para algum sinal de malícia ou intenção maldosa, algo que pudesse dar alguma pista sobre a identidade de seu admirador secreto. Porém, não encontrou pistas do fã, nem Blake, embora soubesse que ele estava lá. Depois de alguns minutos de conversa com Bill e um grupo que a rodeou, seguiu para a o banheiro feminino, aproveitando os minutos antes do show para se concentrar. Praticou exercícios de respiração diante do espelho, e parou ao ouvir o tema de abertura. Aplicou mais uma leve camada de pó compacto sobre o nariz e respirou profundamente para ganhar coragem. Atravessou a pista de dança e procurou por Bill. Quando se sentou à frente do pequeno estúdio de onde apresentaria o programa, sentiu a descarga de adrenalina correr em suas veias. Centenas de olhos pousaram sobre ela, e estava consciente da expectativa que pairava no ar. Enviou um beijo de gratidão a Bill, que a fitava com um sorriso, oferecendo-lhe silenciosamente seu suporte e apoio. Os telões mostravam sua imagem, como forma de chamar a atenção dos fãs que não estavam próximos o bastante. Os alto-falantes capturaram suas palavras e difundiram o som por todos os ambientes, como em um estúdio ampliado, para que a audiência ao vivo tivesse o melhor do espetáculo. Com um sorriso que parecia ser dirigido a cada presente, esperou pelos últimos acordes do tema musical e abriu o microfone. — Boa noite! Sou Shannon Smith, mais um coração solitário na noite da sexta-feira. — O murmúrio de simpatia dos presentes a fez sorrir. — Estou acompanhada de centenas de ouvintes fiéis, também solitários, e quero que os conheça. Está bem, pessoal, digam "alô" para quem está ouvindo de casa! Um coro ensurdecedor ecoou pelas paredes do clube, seguido por aplausos. — Bem, aqui estamos. Vamos promover encontros sérios esta noite, enquanto 73
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dançamos e nos divertimos. O que está esperando para me ligar? Depois que ela repetiu os números do telefone, uma luz vermelha se acendeu no painel de controle e ela colocou o primeiro ouvinte no ar, ao vivo. Shannon observou os ponteiros do segundo em seu relógio e, pontualmente às dez horas, interrompeu a transmissão para a entrada do comercial. — Estaremos de volta dentro de alguns minutos, depois das palavras de pessoas que ajudaram a fazer a festa desta noite possível — anunciou, desligando o microfone. Sorveu um longo gole de água gelada e olhou para a audiência. O show estava sendo melhor do que imaginara. Recebera um número de chamadas sem precedentes, e conseguira formar inúmeros casais: vinte pares de corações solitários, em apenas uma hora no ar. Ficou subitamente consciente da presença de Sid próxima de si, e soube que havia segurança e força policial por perto. Mesmo assim, se o seu admirador secreto estivesse lá, conseguia se manter no anonimato... assim como Blake, pensou com desgosto. Durante a pausa para o comercial, conversou com alguns freqüentadores do clube, e respondeu a perguntas que serviram para aumentar seu entusiasmo. Estava fascinada por produzir um show ao vivo, e o equipamento do clube funcionava à perfeição, fazendo com que os presentes se sentissem parte do processo. Fez uma nota mental para agradecer em especial a Steve e aos produtores associados da emissora que estavam fazendo todo o trabalho por trás dos bastidores, respirou fundo e preparou-se para ligar o microfone. Faltava apenas um minuto para entrar no ar quando viu Blake se mover através da multidão, seguindo na direção dela. Caminhava com graça felina, e apesar de estar com raiva dele, seu coração disparou no peito. O elegante smoking ressaltava a elegância natural, combinando com perfeição com o corpo atlético. O traje escuro fazia com que seus olhos parecessem mais profundos, em contraste com os fios dourados que emolduravam o rosto viril. O sorriso era amigável, e nada mais. Mas quando se aproximou, Shannon ficou sem ar, e se pôs a pensar pela centésima vez como podia ficar tão mexida fisicamente por um homem que parecia não lhe dar o menor valor. — Foi gentil da sua parte ter mandado Sid — disse com simplicidade quando ele se aproximou. — Fico contente que tenha aprovado. Eu não sabia como você reagiria à mudança de guarda-costas. Ele estaria pensando se sentira sua falta? Shannon suspirou, esperando que sim. Tapou o microfone e abaixou a voz, como se fosse fazer uma confidencia. — Na verdade, ele é muito melhor do que o anterior. Sid não é tão mal-humorado, e 74
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nunca determina o que tenho de fazer. Blake riu da provocação e se inclinou na direção dela, fazendo com que os lábios quase tocassem seus ouvidos. — Fico feliz em saber que tudo está funcionando bem. Você está fazendo um ótimo show esta noite, Shannon. A audiência está a seus pés. Apanhou a mão delicada e, aproximando-se ainda mais, bloqueou a visão da audiência. Com um gesto lento, pousou um beijo nas palmas macias, deu-lhe as costas e se afastou. Shannon sentiu um arrepio ao contato dos lábios e, por um breve momento, permitiuse lembrar da sensação de tê-los deslizando sobre seu corpo. Ouviu uma tosse forçada ao seu lado esquerdo e se virou para ver Bill gesticulando para chamar sua atenção. Ele indicou a audiência com o queixo, lembrando-a de que não estava só. Shannon sinalizou que estava pronta para começar e se obrigou a voltar para a realidade. O restante do show transcorreu sem que percebesse a passagem do tempo. Sabia que Blake estava lá e a observava de algum ponto estratégico nos fundos da sala, isso lhe deu novas energias para prosseguir. — Agora, Marissa, sabemos que você quer conhecer Todd... O timbre aveludado da sua voz ecoou pelos alto-falantes. Ela tentava fazer com que uma relutante ouvinte conseguisse encontrar seu par. A voz do outro lado da linha soava hesitante, enquanto o rapaz que se apresentara dentre os presentes parecia seguro de si. — Todd parece ser um excelente rapaz. Está bem vestido, e é muito elegante. A audiência riu quando ela juntou as mãos e ergueu-as para o céu, como se estivesse fazendo uma prece. — Por favor, Marissa, essa é a última chance de conseguir um encontro esta noite, e não pode decepcionar Todd. Ele está bem a minha frente, e está ansioso para encontrá-la. Um murmúrio de aprovação percorreu o ambiente quando a ouvinte concordou com o encontro, e o rapaz ergueu o punho fechado em sinal de vitória. — Adeus, Todd. E, Marissa, fique na linha. Vou passar a ligação para Steve. Despeçamse da nossa ex-coração solitário, pessoal! Shannon apertou o botão para transferir a ligação e retirou a jovem do ar, com intensa satisfação. Conseguira formar trinta e seis pares, e a audiência ainda estava alerta e se divertindo. E, melhor, não havia sinal de seu fã. — Bem, isso é tudo por hoje. Nós nos divertimos muito, e estou feliz que tenham se juntado a nós. Sintonizem a WDVE na próxima sexta-feira, nesse mesmo horário, para outro programa com audiência ao vivo. Boa noite. 75
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Com isso, retirou os fones de ouvido e desligou o microfone, e era exatamente meianoite quando se levantou da mesa de som. — Vocês foram maravilhosos — dirigiu-se aos presentes. — Não há palavras para agradecer pelo suporte que me deram. Amo todos vocês! O bar está aberto e a emissora vai proporcionar uma rodada de vinho para todos! Assim que terminou os agradecimentos, o disc-jóquei do clube colocou a primeira canção, uma melodia romântica e agradável que levou vários casais para a pista de dança. Bill tomou a mão de Shannon e beijou-a com solenidade, enquanto um sorriso largo iluminava o rosto satisfeito. — Você foi fantástica! Com a cobertura da mídia que conseguiu esta noite, posso assegurar que Shannon Smith está se tornando uma lenda. Consegui algumas cópias das reportagens da televisão, que foram ao ar às onze horas. Poderá vê-las mais tarde. Blake a observava a distância, sorrindo ao vê-la atravessar a pista de dança com graciosidade. O brilhantismo com que comandara o show o deixou orgulhoso. Ela se mantivera calma e controlada e conseguira ter profissionalismo impecável ao lidar com situações que deixariam qualquer amador embaraçado. Observou a multidão cuidadosamente e procurou Sid com o olhar, certificando-se de que estava próximo o bastante para protegê-la. Respirou com alívio ao ver os outros dois homens que contratara pára reforçar a segurança misturados aos presentes, atentos ao menor movimento. Sentiu a tensão fazer o sangue correr mais rápido em suas veias ao pensar no perigo que ela tivera de enfrentar naquela noite. Por um segundo, questionou a decisão de não ter revelado o que ele e Bill haviam descoberto. No entanto, estava acostumado a jogar suas cartas a sua maneira. Ademais, Shannon era tão obstinada que provavelmente teria comentado sobre os detalhes do plano, atrapalhando o andamento... Era o que ele dizia para si quando ergueu os olhos e viu um homem se aproximando da pista de danças, enquanto ela dançava com Bill. Fez um sinal discreto para Sid e esperou, pronto para entrar em ação, aguardando pelo que viria a seguir. O rapaz, elegante e bem apessoado, parou ao lado dela e convidou-a para dançar. Shannon o estudou com cuidado por um momento, na certa tentando determinar se poderia ser o seu misterioso fã. — Estou a seus pés, senhorita... Recebeu o galanteio com hesitação, procurando por algum sinal de malícia nos olhos injetados pelo excesso de álcool, e ponderou se seria seguro dançar com alguém naquelas condições. Mas presumiu que ele não poderia lhe causar nenhum prejuízo em 76
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meio à pista de danças, diante de todos. Afastou-se de Bill e deixou que a enlaçasse, preparando-se para seguir seus passos. Quando sentiu a pressão aumentar ao redor da cintura, sentiu-se pouco confortável e tentou afastá-lo. Porém, o rapaz puxou-a para mais perto e inclinou a cabeça com a evidente intenção de beijá-la. Shannon estava relutante em criar uma cena que pudesse macular a perfeição da noite, mas quando sentiu o hálito impregnado pelo álcool, viu-se obrigada a agir. — Escute aqui, rapaz, não sei quem pensa que é, mas definitivamente não está se comportando bem! Ela abriu a boca em choque quando as mãos dele desceram para seus quadris, deslizando pelo veludo negro do vestido. Estava a ponto de empurrá-lo quando mãos poderosas desceram sobre os ombros do rapaz e o retiraram. Arregalou os olhos ao ver a expressão que Blake ostentava no rosto, ameaçadora o bastante para afastar qualquer agressor. Shannon conteve a fúria que cresceu dentro de si ao observá-lo arrastar o homem e praticamente atirá-lo nos braços de Sid, e abriu a boca para protestar, sem encontrar palavras que fossem significativas o bastante para comunicar seu desprazer diante da interferência. — Eu poderia ter resolvido sozinha! — Consciente da multidão ao seu redor, abaixou o tom de voz, sentindo-se constrangida. — Estava quase resolvendo o problema quando você meteu o nariz mais uma vez! Quando precisar da sua ajuda, fique certo de que pedirei. Voltou-se para se afastar dele, mas a mão firme em seu pulso a impediu. — Sim, eu vi como você estava se saindo com o rapaz. Mais um segundo, e ele a beijaria sem encontrar a menor resistência! Ao perceber que chamavam a atenção dos casais que os rodeavam na pista, enlaçou-a pela cintura e puxou-a de encontro ao peito, forçando Shannon a dançar. Ela sentiu a tensão dos músculos quando pousou a mão nos ombros largos, e soube que seria inútil protestar. Moveram-se ao ritmo lento e sensual da música, e a raiva começou a se dissipar, deixando em seu lugar uma sensação agradável de calor e intimidade. Uma das mãos de Blake repousavam com firmeza em suas costas, e a outra deslizou para a cintura. — Posso entender a motivação do rapaz... — sussurrou-lhe ao ouvido. — Você está mais atraente do que nunca! O que eu mais gostaria era vê-la nua agora mesmo... Shannon fechou os olhos, deixando que o eco das palavras a aquecessem. No entanto, sabia que Blake desejava apenas seu corpo, e não estava interessada em um 77
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relacionamento que se baseasse na atração física. Afastou-se, livrando-se da armadilha dos braços firmes, e ergueu o rosto para encarálo. — Fico feliz que goste do meu corpo. Eu também gosto do seu. O único problema é que não quero ser tratada como brinquedo sexual. Enquanto não puder olhar para mim e ver quem realmente sou, está perdendo seu tempo. E agora, se me der licença... Repeliu-o com determinação e, ao se voltar para sair da pista, praticamente caiu nos braços de Tom Chambers. Ouviu uma nova canção se iniciar e respirou ao ver o rosto familiar diante de si. — Você está bem? — Ele tomou-a pela mão com expressão grave. — Quer sair por um minuto para tomar ar puro? A oferta era tentadora, e ela hesitou entre os dois homens, considerando suas opções. Que noite! Blake queria apenas discutir com ela, protegê-la, ou tê-la a seu lado, dependendo do seu estado de humor, e Tom surgira como seu salvador. E o mais curioso era que raramente o ouvira dizer mais do que um breve cumprimento. Sempre que se encontrava com Tom, ele mal conseguia balbuciar um simples "bom-dia". Talvez fosse bom escapar por alguns minutos e colocar alguma distância entre ela e Blake. Respirar um pouco de ar fresco parecia ser uma boa idéia, mas percebeu com desconforto que uma das mãos de Tom segurava seu ombro com possessividade, impedindo-a de se afastar. A voz de Blake tirou-a do estado de estupor em que se encontrava. — Não vá a lugar algum com esse homem, Shannon. Mantenha-se longe dele. — O quê? — Virou a cabeça para confrontá-lo, e viu a fúria espelhada nas íris claras. — Você é inacreditável! Eu já lhe disse que quando quiser sua opinião, eu... — Shannon! — interrompeu-a em tom firme. — Shannon, por favor, preste atenção na música. — Na música? Mas o quê... — Quer, por favor, ficar quieta e ouvir? — Oh, está bem! Ela ficou atenta à letra e reconheceu-a depois de ouvir o primeiro verso. Era uma melodia com o estilo de poesia que seu fã costumava lhe enviar! Quando percebeu o sentido do que Blake lhe dizia, ela abriu a boca em surpresa e um arrepio de medo percorreu-lhe a espinha ao olhar para Tom Chambers. Antes que pudesse pensar, percebeu o contato frio do que deveria ser uma arma pressionada em sua nuca. —Tom Chambers é seu fã misterioso — a voz de Blake pareceu ecoar de muito longe. — Não vá a lugar algum com ele. Era óbvio que ele ainda não havia percebido a arma, concluiu. Enviou-lhe um olhar de 78
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pânico quando Chambers se voltou para encará-lo, puxando-a para perto de si como um escudo humano. Tom arrastou a arma de seu pescoço e pressionou-a com firmeza contra as têmporas. A cena ficaria imprimida para sempre na memória de Blake: a expressão congelada no rosto de Shannon e os olhos vidrados do homem atrás dela. Pego de surpresa, tentou pensar em alguma saída. Não esperava que ele agisse tão rapidamente, e odiou-se por ter subestimado seu oponente. Pior, havia permitido que se distraísse no momento crucial, e Sid estava cuidando do rapaz inconveniente que tentara beijar Shannon. Não havia nada a fazer a não ser esperar por uma chance de agir. Se algo acontecesse a ela, jamais conseguiria se perdoar. Com o canto dos olhos, Shannon viu Sid, Joe e dois homens surgirem como em um passe de mágica. O recinto ficou silencioso exceto pelo refrão final da música, que ecoou em sua cabeça com a força de mil decibéis:
Minhas noites vão aquecê-la E ao começo de cada dia Quando os raios de sol surgirem Vou amá-la eternamente Shannon conteve o ímpeto de gritar. Sentia a barreira concreta do corpo de Tom, e a tensão que emanava dele era quase palpável. Olhou para Blake e abaixou as pálpebras, gravando na memória o rosto do homem que amava, certa de que nunca mais o veria. Blake focalizou a atenção entre Shannon e seu agressor, ponderando a possibilidade de um assalto frontal. Percebeu que ela tentou desencorajá-lo com um gesto discreto. — Não o enfrente! Eu o amo muito para perdê-lo... — quis gritar, mas seus lábios não obedeceram. No instante seguinte, sentiu a pressão da arma ferir sua têmpora e foi arrastada para fora. O mundo pareceu rodar em uma violenta vertigem que quase a fez perder o equilíbrio. Paralisada pela onda gélida do pânico, sua única certeza era que não sairia dali facilmente, e não permitiria que nada acontecesse a Blake, que os seguia de perto, como se os três estivessem unidos por uma corda invisível. Enquanto caminhavam para a saída, os freqüentadores abriam caminho, assustados. O amor que inundava o coração de Shannon superou o medo que corria em suas veias. Reduziu o passo, forçando Tom a parar, e ergueu as mãos num gesto de paz. — Se queria me conhecer melhor, por que simplesmente não disse? — indagou tentando ganhar tempo enquanto pensava cm um plano de ação. — Porque vocês são todas iguais! Agem como amigas, e quando não estou por perto, zombam de mim. Ele agitou a arma ameaçadoramente na direção de Blake. — Eu lhe enviei cartas contando como me sentia, e você se apaixonou por ele! Ela respirou fundo, receando ter piorado a situação. Podia sentir a tensão de Tom, envolvendo-a numa espiral crescente que a deixou apavorada. Estavam parados à porta 79
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da saída em um triângulo macabro, e teria de agir logo antes que Tom a levasse para fora. Ao menos, enquanto estivessem dentro do clube, havia uma tênue esperança de que não atirasse nela em meio a tantas testemunhas. Quando foi arrastada para a porta, soube que aquela seria sua última chance, e rezou para que Blake entendesse o que estava prestes a fazer. Com um gesto ágil, desviou a cabeça da mira da arma e, ao mesmo tempo, desferiu um golpe com o cotovelo direito, usando toda a força que pôde encontrar para atingir Tom no estômago. — Afaste-se! — gritou para Blake, atirando-se ao chão e se enrolando sobre o próprio corpo. O caos que se instalou a seguir a deixou aturdida. Ouviu quando a arma disparou, os gritos dos presentes e um peso monumental sobre ela, impedindo-a de respirar. Sid estendeu-lhe a mão para ajudá-la a se erguer, e seu coração perdeu um compasso ao reconhecer o corpo desfalecido de Blake. Ao perceber que havia sangue em seu vestido, um grito horrorizado escapou de sua garganta ao pensar que ele poderia estar morto. No instante seguinte, ouviu as sirenes se aproximando e um círculo de pessoas se fechou ao seu redor. — Ele está respirando — uma voz masculina ecoou, como se viesse de muito longe. — A pulsação está frágil. Pressione o ferimento até que os paramédicos cheguem! — Não ouse morrer agora, Blake, ou nunca mais falarei com você! — ela disse por entre as lágrimas, ao ser levada para longe dali. Viu a ambulância com Blake se afastar e, depois de ser examinada por um médico, exigiu que Bill a levasse para o hospital. As horas que passou na sala de espera quando ele foi levado para a cirurgia se transformaram em uma eternidade. Bill, Sid, Joe e Ingrid permaneceram o tempo todo a seu lado, e Shannon viveu tortuosos momentos andando de um lado para outro, até que o dia amanhecesse e trouxesse boas notícias. Quando entrou no quarto de Blake, encontrou-o dormindo profundamente. Olhou para o peito largo, aliviada ao ver o ritmo suave da respiração. A bala havia se alojado no abdômen sem atingir nenhum órgão vital, fora o que dissera o médico. Ele perdera muito sangue e teria de ficar no mínimo por uma semana em repouso absoluto no hospital. Acariciou suavemente seu rosto, e um sorriso surgiu por entre as lágrimas. — Eu o amo, mesmo sabendo que é arrogante e obstinado. Nunca mais me apavore desse jeito, ou se arrependerá! — murmurou, beijando-o nos lábios. Sentou-se na cadeira ao lado da cama e pousou a mão sobre o braço musculoso. Esperaria até o fim da sua vida, se fosse necessário, para ver novamente o brilho 80
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daqueles olhos. Blake pestanejou lentamente e viu um par de olhos fixos sobre si. Olharam-se mutuamente em silêncio, até que o alívio refletido nas íris translúcidas deu lugar ao brilho inconfundível do amor, forte, vivido, infinito, iluminando o rosto de Shannon. Ela não tentou esconder o sentimento, nem mascará-lo de forma evasiva. Apenas permitira que ele soubesse, silenciosamente, com segurança, sem deixar a menor dúvida. A admiração que já sentia por ela cresceu ainda mais. — Viu o que acontece por tentar bancar o herói? Você se atirou sobre mim e levou um tiro, quando eu tinha tudo sob controle! — Ela ergueu o queixo gentilmente, demonstrando a gratidão que sentia. — Da próxima vez que eu quiser ser salva, eu o avisarei. Blake riu e tentou encontrar a voz, mas o esforço foi em vão. Não tinha forças suficientes para puxá-la para si e beijá-la. Sorriu, e guardou a lembrança do rosto adorável, Com um esforço sobre-humano, obrigou seus músculos a agirem. — Sinto muito. Eu deveria ter lhe avisado sobre Tom Chambers. Não achei que ele fosse tão longe... eu queria... A voz morreu quando ele mergulhou em sono profundo. — Sim, eu sei, meu amor. Você queria me proteger. Não havia amargura na voz de Shannon. Tornara-se fácil compreender, depois que ela própria entendeu que também queria protegê-lo por amor, e faria tudo que fosse possível para isso. Com um beijo suave nos lábios inertes, saiu do quarto na ponta dos pés e fechou a porta. Gaivotas circulavam o céu azul em alegre alvoroço, e a brisa gentil amenizava o calor do dia quente de verão. Shannon caminhava pela praia, usufruindo a paz e tranqüilidade da manhã. Ainda era cedo, e podia ter a praia somente para ela. Aproximou-se da água, sentindo com prazer as ondas morrerem a seus pés, e contemplou o horizonte, incerta sobre o futuro. Desde a noite do atentado, duas semanas atrás, ia diariamente ao hospital e sentavase ao lado de Blake, feliz por apenas estar na companhia dele. Esperava com resignação enquanto ele se recuperava, ansiando por algumas palavras de esperança sobre o futuro. Tom Chambers fora detido e condenado a cumprir pena em uma instituição judicial psiquiátrica. Ninguém o conhecia intimamente até atacar Shannon, e ela ficou surpresa ao saber que tinha distúrbios mentais. Entretanto, nunca ficaria sabendo se ele a atingiria naquela noite em que apontou uma arma e a arrastou para fora da boate. O incidente fizera com que seu programa atingisse o pico máximo de audiência. O fato fora publicado na primeira página dos jornais do dia seguinte, com a fotografia de 81
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Tom com a arma em sua têmpora. Ninguém ficara sabendo em que momento a fotografia havia sido tirada, mas ilustrara com perfeição o horror que ela vivera. A única coisa que não ficara resolvida, para desgosto de Shannon, fora seu relacionamento com Blake. Depois do incidente, não tinha a menor dúvida de que o amava. Vê-lo desfalecido no chão e imaginar a vida se esvaindo do corpo dele havia clareado seus sentimentos. Ela sentira o mesmo com a morte do pai, e a possibilidade de perder Blake a fizera se lembrar, mais uma vez, do que realmente era importante na vida. Voltou o rosto para as águas serenas do golfo do México, perdendo o olhar no horizonte. Ao se virar, avistou um vulto ao longe, movendo-se lentamente na sua direção. À medida que se tornou mais nítido, as formas se metamorfosearam na figura de um homem. Aquele perfil... Não, não poderia ser. Blake não tivera alta do hospital. Olhou para a silhueta obscurecida pela luz do sol e notou a bandagem cobrindo o abdômen. Afora isso, não havia nada que denunciasse que aquele homem tivesse qualquer problema de saúde. Esperou com a respiração suspensa, e um sorriso iluminou-lhe o rosto ao discernir o homem que amava. — Se você disser uma palavra sobre meu corpo e o que gostaria de fazer comigo, vou fazê-lo voltar para o hospital agora mesmo! — provocou quando ele estava perto o bastante para ouvir. — E asseguro-lhe que não irá andando dessa vez! Ele sorriu, consciente do que queria lhe dizer e do que precisava ouvir. E era exatamente o que pretendia fazer... — Estaria mentindo se não dissesse como fica magnífica nesse biquíni — provocou, tomando-lhe as mãos. — Por favor, Blake. Não comece! — Estou apenas lhe dizendo o que sinto... Mas não estaria dizendo tudo — completou, recuando um passo para se abaixar e apoiar-se sobre um joelho. — Eu a amo, Shannon. Eu a amo e quero passar minha vida com você. Quer se casar comigo? Ela se ajoelhou à frente dele e o envolveu pelo pescoço, beijando-o com todo o amor que tinha no coração. Não era necessário responder. O olhar silencioso que trocaram no breve instante em que interromperam o contato, foi a aceitação mútua e o compromisso eterno de compartilharem uma vida de amor e felicidade. E então, Shannon Smith, que sempre fizera das palavras o seu mais eficiente meio de expressão, descobriu que, por vezes, a melhor forma de se exprimir resumia-se no silêncio terno e revelador de um olhar. 82
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Sobre a autora Wendy Wax passou de leitora compulsiva a escritora compulsiva. Sua principal motivação ao escrever uma história é imaginar que despertará tamanho interesse nos leitores que eles não conseguirão largar o livro antes de chegar à última página! NOVA CULTURAL www.romances.com.br
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