Boletim Informativo da Faculdade de Medicina da UFMG Nº 13 - Ano II - Belo Horizonte, agosto de 2011
Quero ser pai A
infertilidade masculina é um desafio para os homens que desejam a paternidade. Mas tudo fica mais fácil quando o desejo de ter filhos fala mais alto que o preconceito. O companheirismo também ajuda: ainda são as mulheres que convencem os parceiros a buscar tratamento médico. Páginas 4 e 5
PESQUISA HPV pode provocar câncer de garganta entre jovens
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DEBATE Alternativas para a promoção da saúde nas cidades
MEMÓRIA O centenário de nascimento de Hilton Rocha
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Ilustração: Ana Cláudia Ferreira
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Editorial
Sem preconceitos No mês em que se comemora o Dia dos Pais, o Saúde Informa traz uma reportagem especial sobre infertilidade masculina, um desafio para muitos homens que desejam ter filhos. A proposta é estimular o debate sobre um tema que ainda é tabu. Prova disso foi a dificuldade em encontrar homens dispostos a compartilhar sua experiência, em razão do preconceito de uma sociedade ainda marcada pelo machismo. Essa visão precisa ser superada para encorajar a busca pelo tratamento, uma vez que boa parte dos casos é reversível. Em algumas situações, aliás, a infertilidade poderia até mesmo ser prevenida, se a consulta ao urologista fosse rotina entre os jovens. Por falar em juventude, esta edição traz também, entre outras coisas, um alerta sobre o crescimento do câncer de garganta nessa faixa etária. Especialistas suspeitam que o problema esteja relacionado à disseminação do vírus HPV, transmitido nas relações sexuais sem proteção. Existe vacina e, por isto, a pressão aumenta para que o Ministério da Saúde ofereça a imunização na rede pública. Boa leitura!
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Saúde do português
Abscesso ou abcesso? Em agosto completamos 20 anos de reuniões científicas do Grupo de Estudos em Mastologia (GEMA) do HC/ UFMG. Não há muito a comemorar, pois a data marca também um ano de morte do nosso amigo Prof. Dairton Miranda. Alegre, brilhante, porém rigoroso e defensor aguerrido de suas convicções. Lembro-me da sua última polêmica. Durante a apresentação de um caso, Leandro, outro ex-aluno seu, escreve no quadro que uma paciente tinha desenvolvido abcesso mamário. Dairton, dedo em riste, pede licença e afirma: “abscesso escreve-se com “s” após o “b” porque é derivada do latim abscessus. Instalou-se o caos! Na semana seguinte, a metade inicial da reunião foi dedicada ao Português. “Ambas as formas podem ser empregadas”, afirmou Leandro, mostrando que tinha estudado a matéria. E citou a definição do Aurélio: “trata-se de palavra usada com alta frequência em Medicina para designar acúmulo de pus em cavidade formada em consequência de processo inflamatório em um ou mais locais de órgão(s) ou de cavidades do corpo”. Em Grego, ao prefixo ab- acrescentava-se a desinência “s” quando a
palavra seguinte se iniciava por “c”, “q” ou “t”. Esse “s” adicional manteve-se em muitos vocábulos de origem latina, tais como abster, abstrair e abstinência, como lembra o Dr. Joffre Rezende. Em Português, existem dúvidas entre as formas “abscesso” e “abcesso”. O Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras, de 1943, consigna somente “abscesso”; o de 1947, “abcesso”; e a 5ª edição, de 2009, as duas formas, assim como o Aurélio, em sua 5ª edição de 2010. Outros dicionários, os dois usos, porém admitindo “abscesso”, a grafia mais próxima do latim. E quanto ao verbo? Os lexicólogos mencionam apenas “absceder”. Percebo que na linguagem médica a forma é pouco usada. O particípio passado será então “abscedeu” ou “abscedou”. Acredito que por corresponder melhor à forma latina deva-se empregar “abscesso” e o verbo “absceder”. Washington Cançado de Amorim Professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia
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Erramos • Na última edição do Saúde Informa, na seção “Pessoas”, deixamos de mencionar que o projeto Saúde do Trabalhador, realizado no Laboratório do Movimento, é uma iniciativa da Seção de Recursos Humanos (SRH) da Faculdade de Medicina. • No boletim de junho, na matéria “Alunos criam DA de Tecnologia em Radiologia”, o nome correto da presidente do diretório é Josiane Andrade Narciso.
Agosto de 2011
Pesquisa
Velha doença, novas vítimas Pesquisa aponta relação entre o câncer de garganta e a disseminação do vírus HPV, e explica porque a incidência aumentou no público jovem
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Foto: Source BioScience
ma nova preocupação está ganhando espaço nos círculos internacionais de oncologia: o aumento da incidência do câncer de garganta entre os jovens de todo o mundo. Recentemente, uma pesquisa apresentada em Chicago, durante o Congresso da Sociedade Americana de Oncologia, apontou uma relação entre a doença, o comportamento da juventude e o vírus HPV (papiloma vírus humano, na tradução em português), que pode ser contraído através de relações sexuais.
Células infectadas pelo vírus HPV
Existe vacina Foto: Estefânia Mesquita
Agosto de 2011
Diagnóstico e tratamento O HPV pode ficar na sua forma latente por muitos anos, isto é, sem acarretar sintomas. Por isso, nem todo mundo que contrai o vírus irá desenvolver algum câncer. Isso facilita a contaminação, porque uma pessoa aparentemente saudável pode ser portadora e transmitir o vírus nas relações sexuais. O exame capaz de detectar a doença é a biópsia e o diagnóstico precoce aumenta as chances de cura. “O câncer associado ao HPV é mais fácil de tratar e geralmente é superado com quimioterapia ou radioterapia. Principalmente no jovem que, em geral, possui uma saúde mais forte”, ressalta André Murad. Segundo o professor, cerca de 80% dos cânceres de garganta diagnosticados no Brasil devem estar associados ao HPV. Por esta razão, ele faz o alerta para que otorrinolaringologistas, oncologistas e clínicos gerais não hesitem em pedir a biópsia em caso de suspeita. “Há médicos que julgam, equivocadamente, que o câncer de garganta é incomum nos jovens. Eles percebem a lesão, mas não levantam a possibilidade de ser um tumor. Até porque os sintomas são semelhantes ao de uma inflamação: dificuldade para engolir e irritação”, diz André Murad.
Como na maioria das doenças sexualmente transmissíveis, o uso do preservativo ajuda a evitar a contaminação. Mas há outros instrumentos de prevenção. O combate à disseminação do HPV pode ganhar novos contornos desde que a Anvisa aprovou, em maio, a aplicação da vacina no público masculino entre 9 e 26 anos. Até então, ela só estava liberada para mulheres. Mas a vacina só está disponível na rede privada, e custa cerca de R$900. Foto: Léo Rodrigues
O HPV tem a capacidade de se incorporar à estrutura do DNA das células, o que altera os genes responsáveis pelo crescimento celular e provoca uma reprodução descontrolada. Ao observar esse fenômeno, o médico alemão Harald zur Hausen conseguiu provar a relação do vírus com o câncer de colo uterino, fato que acabou lhe valendo o prêmio Nobel de Medicina de 2008. Mas a novidade que causou impacto em Chicago, apresentada por cientistas do Centro de Controle e Prevenção de Doença dos Estados Unidos, foi a constatação de que também há uma associação entre o câncer de garganta e o HPV. O oncologista André Murad, professor da Faculdade de Medicina da UFMG, explica que a pesquisa sugere uma mudança no comportamento sexual da juventude. “Os jovens hoje estão praticando mais sexo oral e, ao mesmo tempo, há um aumento no número de parceiros. Isso facilita a circulação do vírus e o seu alojamento próximo às células da garganta”, esclarece. Até pouco tempo, o câncer de garganta era mais comum em pessoas acima dos 50 anos, fumantes e usuários de bebidas alcoólicas. O aumento da incidência entre jovens assustou os oncologistas e foi exatamente o que motivou a pesquisa. André Murad observa que a descoberta já está tendo forte impacto internacional, mas no Brasil a repercussão ainda é tímida. “Precisamos chamar atenção para essa pesquisa, porque ela permite aprimorar a prevenção e o tratamento deste tipo de câncer”, diz ele.
Léo Rodrigues
“Os cânceres associados ao HPV fazem vítimas suficientes para que o SUS ofereça gratuitamente a vacina.” André Murad
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Reprodução
Quando a vontade de ser pai supera o p
Infertilidade masculina tem tratamento, mas o primeiro desafio é vencer a crença machista da suposta perda da vir Larissa Nunes
oram raras as vezes em que o médico urologista Augusto Barbosa Reis, do Laboratório de Reprodução Humana Professor Aroldo Camargos, do Hospital das Clínicas da UFMG, abriu seu consultório para receber um homem que, “por livre e espontânea vontade”, procurava ajuda para se tornar pai. “Normalmente, são as mulheres que colocam os homens para frente. Eles são cooperativos”, afirma. A resistência em buscar tratamento para ter filhos, acredita o médico, é resquício de uma sociedade que ainda não superou a antiga crença de que infertilidade é um problema exclusivo de mulheres. Descobertas científicas derrubaram a concepção machista há algumas décadas, mas a infertilidade masculina ainda é tabu. Não é raro conhecer histórias de mulheres que conseguiram, depois de anos de tentativas, engravidar; daquelas que persistem ou de outras que precisam descobrir outras formas, que não a natural, para ser mãe. Quando o problema para formar uma família biológica vem do homem, a situação ganha contornos mais complexos. Confunde-se infertilidade com falta de virilidade e, além de vencer o desafio do corpo, é preciso enfrentar o próprio preconceito. Infertilidade, por definição médica, é uma condição de casais que, depois de um ano de tentativas (com duas a três relações sexuais, sem proteção, por semana) não conseguem naturalmente gerar filhos. A espécie humana, em comparação com outros mamíferos, tem uma taxa de fecundidade baixa: homens e mulheres em condições normais de saúde apresentam, por mês, até 20% de possibilidade de engravidar. Estima-se, de acordo com o urologista, que 17% dos casais sejam inférteis. Sendo que, em cerca de 30% deles, as causas vêm de fatores exclusivamente masculinos. “Do total de casais inférteis, 50% tem a combinação de fatores masculinos e femininos”, afirma o urologista. Diagnóstico Ao buscar um especialista, os casais passam por alguns exames necessários para diagnosticar uma possível infertilidade. Ademais de análise física, comuns a um check-up, o homem deve fazer um espermograma, que consiste no recolhimento de uma amostra de esperma. Antes do procedimento, o homem deve permanecer durante dois ou três dias em abstinência sexual. Com o espermograma, é possível contabilizar os gametas por mililitro de esperma e verificar se o líquido oferece as condições necessárias para fecundação do gameta feminino. “A gente espera que pelo menos alguns milhões desses gametas (espermatozoides) apresentem boas condições. Que tenham velocidade adequada, que não nadem no entorno do próprio eixo”, exemplifica Augusto Reis. 4
Ilustrações: Ana Cláudia Ferreira
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Principais causas da infe rtilidade masculina Idiopáticas ou desconhecidas
Diminuição do número de espermatozoides, alteração de seus movimentos e suas formas.
Varicoceles
Varizes nas veias do testículo. “A dilatação dessas veias altera o microambiente do testículo. Há uma elevação de temperatura que vai prejudicar a produção dos espermatozoides.”
Outras causas • Hormonais: Doenças nas glândulas que atuam na produção dos espermatozoides, como a hipófise, localizada na base do cérebro. É ela que libera os hormônios FSH e LH, responsáveis pela produção de testosterona nos testículos, onde são fabricados os gametas masculinos. • Má-formação do aparelho reprodutor. Por exemplo: ausência da vesícula seminal. •
Causas genéticas.
envelhecem Espermatozoides também
O tempo, a exemplo do que acontece com as mulheres, também é inimigo dos homens que desejam ser pais. Depois dos 40 anos, há uma alteração na qualidade dos espermatozoides, que pode acarretar abortos ou fetos com máformação. “A natureza foi mais generosa com o homem no que diz respeito à fertilidade. A chance de ter filhos praticamente não se altera com a idade, mas aumentam as possibilidades de defeitos no feto”, afirma o médico Augusto Reis.
a o preconceito
Saúde da mulher em debate
rda da virilidade
Ilustrações: Ana Cláudia Ferreira
masculina
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Tratamento Mais fácil do que contornar o machismo é superar a infertilidade e concretizar o desejo de ser pai. Graças a tratamentos e técnicas de fertilização, a maioria dos casos de infertilidade masculina pode ser revertida. Para disfunções em glândulas, é indicado acompanhamento médico e uso de medicamentos, por exemplo. No caso da varicocele, há correção por cirurgia. Quando os tratamentos não são suficientes, a ciência, aliada à tecnologia, entra em cena. Como na inseminação artificial, em que o espermatozoide previamente selecionado é inserido no útero da mulher, em seu período fértil. A fertilização in vitro, também conhecida como bebê de proveta, consiste na colocação de milhares de espermatozoides, também escolhidos por uma técnica de beneficiamento, em contato com um óvulo dentro de um tubo de vidro, em laboratório. Após ter sido fecundado, o óvulo é recolocado no útero da mulher. “Normalmente, transferimos de três a quatro embriões para o útero”, explica Augusto Reis. Nesse último caso, aumentam as chances de que o sonho de ser pai venha em dose dupla. Estima-se que casais submetidos à fertilização in vitro tenham 20% de chance de ter gêmeos. No restante da população, a estimativa é de aproximadamente 19,5 casos para mil partos.
“Do total de casais inférteis,
50% tem a combinação de fatores masculinos e femininos”
Prevenção dá resultados Se consultar um urologista fosse rotina na vida dos homens, provavelmente haveria uma diminuição no número de casos de infertilidade masculina ou mesmo mais chances de tratamentos com sucesso. Por preconceito, é comum que os homens só busquem um especialista quando há manifestação de algum problema. “Eles devem procurar um urologista desde cedo, como as mulheres vão ao ginecologista”, alerta Augusto Reis. A varicocele, por exemplo, é uma das causas de infertilidade que podem ser descobertas – e tratadas – com antecedência. “Quanto mais tempo se leva para descobrir o problema, mais difícil fica o tratamento”, alerta. Com consultas e exames regulares, é possível ter diagnóstico precoce de um câncer de testículo ou de uma lesão. O homem infértil pode ainda optar por congelar seus espermatozoides, mesmo bem antes de querer ser pai.
Agosto de 2011
Léo Rodrigues
E
m 1981, a Faculdade de Medicina da UFMG organizou, pela primeira vez, o Simpósio de Ginecologia e Obstetrícia. Passados 30 anos, a área se expandiu e se desdobrou em muitas especialidades. O evento, que se tornou bienal, buscou acompanhar os principais avanços científicos e, em 2011, será realizado dentro das comemorações do Centenário da instituição. O 12º Simpósio de Ginecologia e Obstetrícia será entre os dias 24 e 26 de agosto, no Salão Nobre da unidade. A programação inclui conferências, palestras, mesasredondas e exposição de pôsteres. O Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina, responsável pela iniciativa, espera receber cerca de 3,5 mil participantes. Estarão presentes conferencistas de peso como o geneticista da UFMG Sérgio Pena, além de pesquisadores da Unicamp, USP, UFPB, UFRJ, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, entre outras instituições. “Há uma necessidade permanente de atualização dos ginecologistas e obstetras diante dos novos conhecimentos, do desenvolvimento tecnológico e das atuais reflexões dos preceitos éticos e humanos. O Simpósio é um espaço que busca dar sua contribuição”, afirma o professor Washington Cançado de Amorim, que coordena o evento. Na lista de temas em destaque estão o impacto dos estudos genéticos na área de ginecologia e obstetrícia e o desenvolvimento da oncoplástica, que conjuga conhecimentos em mastologia e cirurgia com o objetivo de incrementar a preocupação estética ao tratamento do câncer de mama. Também serão discutidos assuntos como tratamentos intrauterinos, gestações de alto risco, medicina fetal, tratamento de mulheres com cardiopatia e realização de métodos cirúrgicos menos invasivos. De forte cunho regional, o evento busca reunir especialistas na área, além de alunos e ex-alunos da graduação e da pós-graduação. Por esta razão, será realizado paralelamente ao simpósio o 1º Encontro de Ex-Residentes e Pós-Graduandos da Faculdade de Medicina e do Hospital das Clínicas da UFMG.
Informações e inscrições www.cursoseventos.ufmg.br
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Divulgação Científica
Más condições de trabalho afetam saúde mental Falta de autonomia e pressão das chefias são causas de depressão, estresse e ansiedade entre trabalhadores do setor de serviços, confirma estudo Amanda Jurno*
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Ilustração: Ana Cláudia Ferreira
Ambiente de trabalho As causas das DPM são variadas, mas as mais comuns identificadas na pesquisa foram falta de controle sobre as próprias funções, pressão da chefia, imposição de decisões de forma vertical e falta de apoio dos colegas. “O trabalhador ainda sofre com as consequências do movimento de automação das empresas”, lembra o médico 6
do trabalho Luiz Sérgio Silva, autor da pesquisa. Segundo ele, ao acelerar o processo produtivo, as novas tecnologias também levaram o trabalhador a desempenhar várias funções simultâneas e concentradas em poucos indivíduos. O reconhecimento da qualidade do trabalho, a gestão horizontalizada e o rodízio de funções foram algumas medidas sugeridas para melhorar o ambiente de trabalho e a qualidade de vida dos funcionários. As recomendações extrapolam o setor bancário para todas as empresas de serviços. “Não 10% há outra forma de diminuir os altos índices de incidência desses distúrbios, senão revendo as condições de trabalho dentro das empresas”, enfatiza Sandhi Barreto, que recomenda às empresas da área adotarem formas de gestão mais humanizadas. O estudo enfatiza que, mais do que um problema de trabalho, os altos índices de Distúrbios Psiquiátricos Menores são uma questão de saúde pública. As DPM pioram a qualidade de vida das pessoas, diminuem sua produtividade e podem levá-las ao afastamento temporário. Por isso, a longo prazo também constituem um problema econômico.
43%
ansaço, nervosismo e insatisfação no trabalho podem ser sintomas do que os especialistas chamam de Distúrbios Psiquiátricos Menores (DPM), como ansiedade, depressão ou estresse. Uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Medicina da UFMG constatou que o problema pode ser maior que o previsto, entre trabalhadores do setor de serviços. O estudo foi realizado com cerca de 2,5 mil trabalhadores de um banco brasileiro de grande porte, sorteados aleatoriamente em todas as capitais brasileiras. Dentre os participantes, 43% apresentaram algum tipo de DPM, associadas principalmente às más condições de trabalho. O levantamento foi feito por meio de questionários autoavaliativos, nos quais 10% dos trabalhadores avaliaram sua saúde como ruim ou muito ruim, com base na pergunta: “em geral, você diria que a sua saúde é:”. As opções de resposta eram cinco, variando de excelente a muito ruim. De acordo com os resultados, a prevalência de DPM é três vezes maior entre trabalhadores expostos a altas demandas psicológicas e com baixo controle sobre o trabalho. O mesmo ocorre com aqueles que trabalham sob condições de muito esforço e baixa recompensa. “Estamos falando de pessoas jovens, ativas e que vivem no meio urbano. Mesmo assim, sua autoavaliação das condições de saúde foi muito ruim”, destaca a epidemiologista Sandhi Maria Barreto, orientadora do estudo e professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG. Para ela, a autoavaliação da saúde é uma das formas mais eficientes de prever futuras internações e problemas mais sérios.
Metodologia A coleta de dados, feita em âmbito nacional, foi dimensionada estatisticamente para representar o total de trabalhadores Título: : Condições psicosda organização analisada, número sociais adversas no traestimado em cerca de 80 mil funcio- balho, transtorno mental, nários no Brasil. Os dados podem qualidade de ser extrapolados para representar vida e autoavaliação de os mais de 600 mil trabalhadores de saúde entre trabalhadoinstituições financeiras do país. res de uma instituição As informações foram obti- financeira das de forma a evitar ao máximo as- Autor: Luiz Sérgio Silva pectos circunstanciais que pudessem Nível: Dutorado influenciar os resultados, como o Programa: Saúde Pública humor do trabalhador no momento Orientadora: Sandhi Maria da pesquisa ou seu perfil funcional. Barreto *Estagiária Voluntária
Defesa: 17 de dezembro de 2010
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Centenário
Saúde: um desafio para as cidades
Foto: Bruna Carvalho
Lucianna Furtado
BH sediará a 10ª Conferência Internacional de Saúde Urbana, inédita na América Latina
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iolência, uso de drogas, doenças infecciosas, estresse explica Waleska. “Assim, o sistema de saúde deve estar pree a consequente sobrecarga do sistema de saúde são parado para atender à população e manter a funcionalidade aspectos do cenário urbano que interferem no bem-estar nesses momentos de emergência”, completa. da população. Problemas que estarão em discussão no 2º A Conferência abordará também aspectos da deCongresso Nacional de Saúde da Faculdade de Medicina sigualdade social, cujos efeitos são mais acentuados no da UFMG, dentro do Eixo 5: Políticas Urbanas da Promo- ambiente urbano. Serão apresentados exemplos bem-sução de Saúde, que também integra a 10ª Conferência Inter- cedidos de ações para reduzir desigualdades causadas por nacional de Saúde Urbana (ICUH-2011). Os dois eventos fatores como urbanização acelerada, envelhecimento da serão realizados simultaneamente, no Minascentro, entre população e a dificuldade no atendimento a demandas que os dias 1º e 5 de novembro, como parte das comemorações estão em constante crescimento na área da saúde. “Disdo Centenário da Faculdade. cutiremos a séria necessidade de erradicação da pobreza, As especificidades do contexto urbano não são um trazendo experiências de governança de países como Índia enfoque tradicional da área da Saúde, como destaca a co- e China”, adianta a professora. ordenadora da Conferência e do Eixo 5 do Congresso, professoConferencistas ra Waleska Teixeira Caiaffa. “Há A introdução da Conferêngrandes desafios a serem enfrencia será feita por David Vlahov, tados nessa área, e por isso a Coneditor da publicação novaiorquina ferência trará várias experiências Journal of Urban Health. Ele apreestrangeiras de sucesso”, afirma. sentará uma visão geral do enten“Todos os debates convergem dimento de saúde urbana, indicapara a discussão do que seria uma dores e evidências para identificar cidade ideal na perspectiva da saúos pontos de maior necessidade de de, do que é necessário remodelar intervenção, além de ações que ponos centros urbanos para atingir “Todos os debates convergem dem ser promovidas para reduzir as maior bem-estar humano e sopara a discussão do que seria disparidades no contexto urbano. cial”, enfatiza. Outro destaque é a partiA violência, por exemplo, uma cidade ideal na perspectiva cipação do médico Paulo Saldiva, será apresentada em diferentes da saúde” coordenador do Laboratório de Professora Waleska Teixeira Caiaffa contextos: urbano, interpessoal e Poluição Atmosférica da Universino trânsito – em que muitos acidade de São Paulo, que discutirá os dentes são causados por abuso de álcool e velocidade, e efeitos nocivos da poluição do ar para a saúde da populapoderiam ser evitados. A proposta das discussões é apre- ção. O médico apresentará um estudo que relaciona a posentar medidas para promover mobilidade com segurança luição atmosférica à maior incidência e hospitalização por e sustentabilidade, tanto do ponto de vista do motorista doenças cardiovasculares. quanto do pedestre. A lista de conferencistas confirmados inclui ainda Outro tema que estará em debate é a preparação do Jacob Kumaresan, da Organização Mundial de Saúde; Ana ambiente hospitalar para lidar com situações de emergên- Diez-Roux, da Escola de Saúde Pública da Universidade cia e grandes desastres. “Qualquer lugar está sujeito a aci- de Michigan; Jason Corburn, da Universidade da Califórdentes de grandes proporções e desastres, mas no contex- nia, entre outros especialistas de renome nacional e interto urbano, devido à concentração populacional, a situação nacional. Todos os nomes estão disponíveis no site www. adquire maior seriedade, com maior número de vítimas”, icuh2011.org.br.
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Memória
Acontece
Um olhar sobre Hilton Rocha, o professor Larissa Nunes
ma coincidência de datas uniu dois importantes marcos para a história do ensino médico em Belo Horizonte. Em 1911, ano em que foi criada a Faculdade de Medicina da UFMG, nascia também um dos mais célebres professores da unidade: Hilton Rocha. Cem anos depois, a instituição participa da homenagem ao homem que mudou o rumo da Oftalmologia no país. “Hilton Rocha nos deixou várias contribuições científicas. Mas eu gosto de lembrar de sua contribuição como educador. Ele foi um visionário”, recorda Nassim Calixto, professor aposentado do departamento de Otonorrinolaringologia e Oftalmologia da Medicina. Nassim é um dos membros da comissão que organiza uma sessão solene em homenagem ao médico, marcada para 13 de dezembro, data em que os católicos comemoram o dia de Santa Luzia, considerada a protetora dos olhos e da visão. O evento é organizado pela Academia Mineira de Medicina, Faculdade de Medicina, Associação Médica de Minas Gerais e outras instituições. Biografia Nascido em Cambuquira, Hilton Rocha formou-se na Faculdade de Medicina, e pouco depois, em 1935, já era professor-assistente de Clínica Oftalmológica. Em 1942, mostrando o dom e a vontade que tinha para ensinar, tornou-se professor catedrático, com pouco mais de 30 anos . “Era uma pessoa de extraordinária capacidade de comunicação, que conseguia prender a atenção de todos os alunos em suas aulas. Um professor nato”, afirma o ex-colega. Além de contribuir para a formação médica por décadas, Hilton Rocha foi o responsável por implementar uma mudança iné-
Fotos: Arcevo Pessoal
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Hilton Rocha, um dos responsáveis pelo primeiro transplante de córnea no Brasil
dita e revolucionária na residência médica no Brasil. Inspirado em modelo usado nos Estados Unidos, ele formulou uma residência em Oftalmologia que consistia na dedicação em tempo integral, durante dois anos, no Hospital São Geraldo, do complexo do Hospital das Clínicas da UFMG. “Os residentes vivenciavam aquela rotina todos os dias, em três turnos. Ele gostava de dizer que os alunos dormiam, comiam e sonhavam com a Oftalmologia”, comenta Nassim Calixto. Ao organizar a residência, ele dividiu a Oftalmologia em subáreas, como estrabismo, glaucoma e lentes de contato, delegando a alguns de seus colaboradores a tarefa de organizar e lecionar cada disciplina. Estes, de certo modo, se formaram nas respectivas áreas, trabalhando e estudando com os residentes. Nessa época, Hilton Rocha dividia seu tempo entre o atendimento no São Geraldo, e em seu consultório, que ficava no centro de BH, no prédio do antigo Cine Brasil. Como médico, ele liderou a equipe responsável pelo primeiro transplante de córnea no Brasil e pelo desenvolvimento da técnica que permite aproveitar uma mesma córnea em dois pacientes.
MedCine O documentário “Janela da Alma”, dos diretores João Jardim e Walter Carvalho, será exibido no Medcine, dia 31 de agosto. A sessão, aberta ao público, será às 18h, na sala Amílcar Viana (34) da Faculdade de Medicina. Após o filme, haverá debate com participação do professor Vítor Geraldi Haase, do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG.
Agenda A Faculdade de Medicina e o Hospital das Clínicas da UFMG promovem, nos dias 26 e 27 agosto, o 2º Simpósio de Neurologia Pediátrica e o 1º Encontro Multidisciplinar sobre Doenças Neuromusculares. Inscrições até 24 de agosto no www.cursoseeventos.ufmg.br.
Mostra A 2ª Mostra do PróSaúde e PET-Saúde: Desafios e Perspectivas da Integração Ensino-Serviço está marcada para o dia 17 de setembro. Serão realizadas palestras, mesas-redondas e apresentações de trabalhos científicos dos participantes dos projetos.
Expediente
IMPRESSO
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – Diretor: Professor Francisco José Penna – Vice-Diretor: Professor Tarcizo Afonso Nunes – Coordenador da Assessoria de Comunicação Social: Gilberto Boaventura – Editora: Alessandra Ribeiro (Reg. Prof. 9945/JP) – Redação: Jornalistas: Larissa Nunes, Léo Rodrigues e Marcus Vinicius dos Santos – Estagiários: Fernanda Campos, Fernando Maximiano, Lucianna Furtado, Victor Rodrigues. Projeto Gráfico: Ana Cláudia Ferreira de Oliveira e Leonardo Lopes Braga. Diagramação: Ana Cláudia Ferreira de Oliveira - Atendimento Publicitário: Desirée Suzuki – Impressão: Imprensa Universitária – Tiragem: 2.000 exemplares – Circulação mensal – Endereço: Assessoria de Comunicação Social, Faculdade de Medicina da UFMG, Av. Prof. Alfredo Balena, 190 / sala 5 - térreo, CEP 30.130-100, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil – Telefone: (31) 3409-9651 – Internet: www.medicina.ufmg.br; www.twitter.com/medicinaufmg e jornalismo@medicina.ufmg.br. É permitida a reprodução de textos, desde que seja citada a fonte.
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