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A l e x a n d r e H oh a g e n
Por Edua r d o D i n i z e Tha í s Al e i x o
princípio de uma nova era Entrevista com o responsável pela criação da estrutura do Facebook na América Latina
E u t en h o uma formação b e m ec l ética. Eu e s c o l h i , em algum m o men t o da minha vida, q u e, q u anto mais e c l é t i c a fosse a minha f o r m a ç ão, me lhor s eri a m i n h a p re paração para a q u i l o qu e eu qu eria 8 vol.11
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lexandre Hohagen percebeu, desde o início de sua carreira, que, quanto mais eclético fosse, mais completo seria. Vice-presidente do Facebook na América Latina há um ano e ex-diretor geral para a América Latina do Google, onde atuou por seis anos, ele é contra a proibição do uso de redes sociais nas empresas e acredita que, desde o ano passado, entramos definitivamente em uma nova era. Hohagen implementou no Brasil duas das quatro empresas mais inovadoras da atualidade, hoje é referência no ramo da comunicação e internet, e um dos 10 executivos mais importantes do mercado, segundo o IDG Now!. Em entrevista concedida à GV-executivo, compartilha um pouco da sua carreira e conta como foi trilhar o caminho que fez com que ele chegasse ao lugar onde chegou.
raio x alexandre hohagen Nascido em são paulo, em 1968 Jornalista e publicitário com especialização em recursos humanos vice-presidente do Facebook na américa lat ina ex-diretor geral do google na amé rica latina
foto divulgação
colunista mensal do j ornal f olha de s. paulo mantém uma colu na própria no facebook (www.facebook. com/colunado hohagen)
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Por Edua r d o D i n i z e t ha í s a l e i x o
Conte um pouco da carreira que você construiu, desde a sua formação.
Eu tenho uma formação bem eclética. Eu escolhi, em algum momento da minha vida, não me lembro exatamente quando, olhando alguns executivos que eu conhecia, que, quanto mais eclética fosse minha formação, melhor seria minha preparação para aquilo que eu queria e que, desde muito jovem, eu sempre quis. Eu gosto do mundo corporativo e sempre quis ter uma função de liderança numa empresa relevante. Então eu, lá atrás, comecei a planejar a minha carreira pensando o seguinte: como é que eu posso, quais são as áreas complementares e de que forma eu dou esses saltos para mudar essas áreas? Eu pensei em administração, pensei em zootecnia, pensei em odontologia, até que, num momento, me deu uma luz: eu acho que meu negócio é comunicação, gosto disso, vou seguir esse caminho. E fui para a comunicação. Então eu tenho formação em jornalismo, sou publicitário também, fiz o GVpec e depois eu fiz um MBA na USP. Você iniciou sua carreira numa grande empresa de produtos químicos, a Dow Chemical. Como foi essa experiência?
Eu tive uma sorte enorme quando fui convidado para ser estagiário na Dow Chemical, que era uma grande escola de gestão na época. O que a gente vê hoje de gestão, tudo isso que a gente vê de gestão de Google, de Facebook, 20 anos atrás, quem fazia isso eram as Dows, as Duponts, as Rodhias, em termos de investimento nas pessoas, todo o processo de desenvolvimento, job rotation, enfim. Então, para mim, foi uma escola excepcional, numa indústria que não tinha absolutamente nada a ver comigo. Se você for ver, para quem trabalhou na comunicação de uma em10 vol.11
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presa como a Dow, que teve todos os problemas que teve, para a minha área de comunicação, foi uma tremenda escola, porque eu tinha que lidar constantemente com questões muito críticas. Por exemplo: se tinha enchente em Franco da Rocha e saíam boiando aqueles tambores de soda cáustica na comunidade, quem ia lá pra frente para falar era eu! Então acabei me especializando em comunicação de crise. Qual foi o passo seguinte?
Um dos diretores da Dow saiu da empresa e resolveu abrir uma companhia, uma empresa pequena na casa dele. Ele me fez o convite e eu aceitei. Logo depois de um ano, eu vi que aquilo de que eu gostava mesmo era um ambiente mais corporativo. Aí recebi uma proposta para participar de um processo para ser o gerente de comunicação de uma empresa farmacêutica, a Boehringer Ingelheim. Eu passei pelo processo todo, o presidente foi super com a minha cara, mas acharam que eu era muito novo, que eu não tinha experiência. Como eu também estava numa fase de vida pessoal querendo realmente voltar para o mundo corporativo, eles me ofereceram uma proposta de trabalhar com recursos humanos. Na minha visão de ter uma carreira eclética, de fazer coisas diferentes, topei. E aí foi assim, enveredei completamente para essa carreira de recursos humanos e, então, recebi uma proposta para ir da Boehringer para o ABN Amro Bank, na época, por um pessoal que eu tinha conhecido no MBA da USP. Em 2000, você foi para o UOL, onde trabalhou como chefe de vendas globais nos EUA e vice-presidente de publicidade e e-commerce para a empresa. Como foi esse período?
Primeiro eu fui convidado para ser diretor de recursos humanos do UOL, e foi aí que eu entrei na minha vida de internet. Então eu saí de empresa química, comunicação, jornalismo, gestão de crise, para uma empresa farmacêutica, depois um banco e, então, para uma empresa de comunicação, uma empresa de internet. E, lá no UOL, eu fiquei no RH durante um tempo, até que um dia eu falei: puxa, eu acho que recursos humanos não é aquilo que vai me dar aquele impulso de carreira. Nessa época, estávamos buscando um diretor de vendas e, no meio desse processo, eu tinha entrevistado um monte de gente, ninguém emplacava. Aí num domingo eu falei: “Quer saber? Eu vou postular essa posição”. Fui lá, falei com o Luiz Frias [presidente do UOL] e disse: “Achei o candidato ideal para você, o cara é ótimo, sabe tudo da empresa, é um bom vendedor e, outra coisa, se não der certo, põe na rua”. E ele me questionou: “Mas quem é?” Respondi: “Sou eu!” E ele me disse: “Como assim? Você é de recursos humanos!” Mas eu queria muito uma oportunidade de sair da área de recursos humanos e fazer uma coisa diferente. Depois dessa experiência, eu fui contratado para tocar a operação da HBO no Brasil, e foi quando veio o tal do Google. Como foi a ida para o Google?
O Google começou a ligar para algumas pessoas, ligaram para mim no começo, inclusive, não para me contratar, mas para saber de pessoas que eles estavam contatando. As empresas geralmente vêm com uma mentalidade para o Brasil achando que isso aqui é parte Dublin, parte Singapura, e rapidamente elas percebem que o Brasil é completamente diferente. Eu sempre falo que Dublin e Singapura criaram uma estrutura onde você tem simplesmente uma filial para fazer uma operação, é muito simples. O Brasil é um país muito mais
complexo. E o Google, lá atrás, tinha pensado em fazer um pequeno escritório de vendas aqui, com quatro, cinco vendedores e três, quatro pessoas tocando a operação. Logo eles perceberam que o país oferecia uma oportunidade muito grande e decidiram mudar o perfil do profissional que eles estavam buscando. Começaram a procurar um account manager, uma pessoa para tocar, para abrir a operação, foi aí que essa mesma pessoa que tinha me ligado me pedindo indicações perguntou se eu estava interessado. Eu não tinha a menor ideia do que era o tal do Google naquela época e saí correndo para ligar para uns amigos do exterior, e, no final, todo mundo falou superbem. Como você enxergou essa oportunidade?
O que me chamou mais a atenção, no fundo, é que acabou acontecendo tudo aquilo que eu queria, essa carreira mais eclética, de ter um conhecimento mais holístico de gestão, de poder saber de comunicação, de gestão de crise, de recursos humanos, de vendas, de contratação, tudo aquilo acabou meio que culminando na minha contratação pelo Google. Eu acho que grande parte do sucesso de operação do Google vem de uma conjunção de todos aqueles fatores, desse conhecimento mais amplo.
Das quatro empr esas mais inovadoras, nas duas qu e operaram ef etivame nte no Brasil, eu tive a oportunidade de faz e r a g e stão, d e mon ta r a e mpre sa aqui, então a exp e riência é s ensacional
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Por Edua r d o Di n i z e t h a í s a l e i x o
Ter escolhido jornalismo como formação também aponta um pouco para esse lado de querer saber de tudo?
É! Eu acho que é essa coisa da inquietude, de nunca estar satisfeito. Eu começo a ficar tenso quando as coisas começam a rodar muito certinho, acho que é uma coisa do jornalista mesmo. Nenhum jornalista gosta de simplesmente fazer aquilo que todo mundo já sabe, tem que descobrir alguma coisa. Depois de seis anos no Google, em que eu montei a operação do zero, gerenciei escritórios no Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e México, quase 500 pessoas, um dos maiores faturamentos da empresa no mundo, o maior crescimento no mundo durante quase cinco anos, achei que era o momento de fazer alguma mudança. Foi quando veio o Facebook, que é uma empresa sensacional, fantástica. A revista norte-americana Fast Company elegeu a Amazon, a Apple, o Facebook e o Google como as empresas com maior capacidade de inovação em seus produtos e negócios.
As quatro, exatamente! Agora, entre elas, nas duas que operam efetivamente no Brasil, eu tive a oportunidade de fazer a gestão, de montar as empresas aqui, então a experiência é sensacional, realmente. O Brasil teve o maior crescimento do mundo no Facebook e, seguramente, nos próximos meses, vai se transformar no segundo maior país do Facebook no mundo, então tem muita oportunidade, tem muita coisa para ser feita. Quais são as possibilidades de não somente trazer inovação para o Brasil, mas também de gerar inovações por aqui?
Tem muita. Muita possibilidade. O grande problema é que, se a gente olhar o Brasil como um celeiro de inovação, ele deixa ainda bastante a desejar, por 12 vol.11
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uma série de questões. Não é porque o Brasil não tem essa capacidade, mas tem a ver muito com a educação e com a economia. Se eu vou para a Argentina, vejo 50 empresinhas em desenvolvimento de aplicativos. Se a gente olhar, com exceção do Buscapé, grandes empreendedores como o Mercado Livre, o Decolar, saíram da Argentina, Chile. Falta o conceito, também, de o brasileiro investir e tomar um pouco mais de risco no investimento em pequenas empresas startups, por exemplo. O papel do angel praticamente não existe! Nos Estados Unidos, o cara fica garimpando, faz reuniões em hotéis, chama jovens de universidades, pergunta quem tem projetos, coloca à disposição uma infraestrutura e recursos para tentar alavancar esses projetos; esse conceito não tem ainda aqui, o que acho uma tremenda oportunidade. O Porto Digital, lá de Recife, faz um trabalho excepcional, mas não tem muita escala. A gente tinha que ter mais uns 10 ou 20 desses pólos, com dinheiro, para poder olhar essas oportunidades, investir em educação e começar a tirar proveito disso. Dá para as pequenas empresas crescerem usando o Facebook?
Dá. O que está acontecendo? Durante muitos anos, a gente viveu um movimento em que as pessoas, para encontrar alguma coisa, baseavamse nos buscadores; na hora em que você começa a se conectar numa plataforma em que estão todos os seus amigos conectados, essas pessoas têm uma capacidade maior de indicar, de fazer uma referência de algum produto, de alguma empresa para você. Isso tem um poder muito maior do que qualquer publicidade. Não existe nada mais poderoso, que tenha mais força para te impactar do que uma recomendação de um amigo que tenha visto algo no Facebook. Por isso muitas empresas estão construindo seu negócio completa-
mente baseado no que a gente chama boca a boca em escala. Não mais na publicidade tradicional nem na publicidade dos buscadores, porque esta funciona muito bem se relacionada com a intenção, mas, se não tiver um trabalho muito forte, a chance de ser um dos anúncios mais relevantes será pequena. O que a gente começa a ver é uma pequena empresa, num nicho específico, usando os embaixadores da sua marca para poder fazer a multiplicação daquela informação. Isso tem um poder enorme! Na sua última coluna da Folha de S. Paulo, no ano passado, você escreveu que 2011 entrará para a história como o ano em que a tecnologia definitivamente passou a ser desenvolvida ao redor das pessoas. O que foi tão crucial em 2011 para se tornar, definitivamente, uma nova era?
Acho que ninguém mais tem dúvida de que o mundo realmente está mudando. O eixo da internet, da comunicação, está mudando de um eixo em que as pessoas buscavam informações ou dependiam dos buscadores para um eixo em que, agora, as pessoas estão no centro das discussões. Se eu fizer uma busca por um restaurante no Google ou em qualquer outro buscador, as informações que chegam para mim são informações que nem sempre são relevantes. Ninguém sabe onde eu moro, por exemplo, então o Google, ou qualquer outro buscador, vai me dar informações sem saber quem eu sou. Acho que 2011 foi o ano em que as pessoas e as empresas de tecnologia perceberam que realmente esse seria o futuro, tanto que a Amazon faz, cada vez mais, investimento nessa capacidade de personalização da sua experiência na internet, o próprio Google está se transformando completamente, passando de um business de busca para um social. E, também, a relevância do Facebook chegando a quase meio bilhão
de pessoas acessando a plataforma todos os dias é algo que realmente marcou muito o ano. Então, eu acho que 2011 ficará marcado como o ano em que o mundo entendeu que a internet e a comunicação estavam indo para o caminho do social. Em 2011 também teve a Primavera Árabe.
Sim, exatamente! É por isso que eu falo, o impacto não foi só nas empresas de tecnologia e nas empresas anunciantes, é no povo mesmo, as pessoas começaram a perceber a importância que tem um post. O fundador da empresa, o Mark Zuckerberg, é um visionário e sabia que a gente estava construindo algo que poderia ser realmente transformador na sociedade. A missão é muito clara: ele quer que todas as pessoas tenham o poder de compartilhar as informações para fazer o mundo muito mais conectado, muito mais aberto. Ao longo do último ano, eu escutei um monte de histórias, desde uma mãe que salvou a vida do filho porque postou a foto dele dizendo: “Ah, acabei de voltar do médico e, graças a Deus, meu filho não tem nada” e uma amiga que viu a foto falou: “Volta para outro médico. Cuidado! Pode ser a Síndrome de Kawasaki”, uma doença rara e fatal, até essas histórias de Primavera Árabe. Você acha que as redes sociais vão conseguir deixar a conversa entre sociedade e governo mais transparente aqui no Brasil?
Eu acho que sim, e, de certa forma, já está acontecendo. Por exemplo, essa história dos carros da CET fazendo irregularidades no trânsito, é um exemplo bobo, pequeno, mas que mostra realmente o que a rede social traz, essa capacidade de qualquer pessoa ser um fiscal da cidade, um fiscal do governo. Acho que a gente está numa etapa da sociedade em que é difícil esconder as coisas de todo mundo, não dá para esconder, então a rede social gera uma coisa gvexecutivo 13
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E u a c h o qu e é uma gra nd e e s t u p i dez a empr esa proibir r e d e s s ociais d e ntro do t r a b a l h o. É a m esma coisa d e q u a n do, no passado, a s p es s oas diziam qu e o t e le f o ne ia acabar com a pr o d u t i vidade das empr e sas sobre a qual até escrevi também em uma das minhas colunas, que eu chamo de “tecnodesinibição”. O brasileiro não é um povo afeito a reclamar em público, tirando alguns. Brasileiro não vai fazer panelaço, brasileiro não vai para a Praça de Maio chorar, brasileiro não sai na rua protestando. Então, de certa forma, a rede social dá uma voz, estimula as pessoas a reclamarem mais de coisas que elas não acham corretas, eu acho que isso é importante. Qual a sua análise sobre a maneira como a nova geração lida com a privacidade?
A nova geração lida com privacidade de uma forma diferente. Ela entende que existe uma linha muito tênue entre qualidade de serviço e o que você vai receber de volta, que tipo de informação você consegue pegar da internet com base em outras informações que você disponibiliza. Eu acho, sim, que tem que ter alguns cuidados. Eu, por exemplo, não deixo minhas filhas pequenas entrarem [no Facebook], acho que tem que ter cuidado com o que você coloca. Agora, isso vale para qualquer coisa, você não vai entrar num ônibus e falar: “Estou cheio de dinheiro aqui na minha mala, acabei de sair do banco!” Então, acho que cabe também às pessoas saberem como lidar com essa coisa. Eu tenho recebido muitas 14 vol.11
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ligações de grandes executivos, gente de altíssimo nível, presidente de conselho de banco que liga aqui e fala: “Hohagen! Vem aqui tomar um café, queria entender um pouco mais de Facebook”. E as principais perguntas deles são: “Posso ter um Facebook? Não vou me expor demais? Como é que eu faço? Porque eu estou vendo meus amigos aqui.” E eu sempre digo: “Olha, dá para fazer grupos fechados e ninguém vai ver o que você está falando”. Então, você pode se comunicar com outras pessoas, é só saber como fazer para deixar os critérios de privacidade todos ativados. Agora nós podemos ter uma memória virtual de qualquer parte da nossa vida. É verdadeira ou fantasiosa a ideia de que podemos decretar a morte do esquecimento? Quais os riscos que isso pode trazer?
Eu acho que é verdade. O único risco que existe, e eu até li sobre isso outro dia, é: se acontecesse alguma coisa com essa pessoa, para onde vai essa memória toda? Quem assume essa memória toda? Então, tinha uma matéria dizendo que o filho sofreu um acidente de carro, faleceu, e aí a dúvida colocada foi: o pai tem o direito de abrir o Facebook do filho para poder saber tudo que tinha ali, aquela memória dele, ou não? E o pai dizia que não, que aquilo era do filho, vai com o filho para onde ele for. O que era público, sim, ele quer compartilhar, quer ver o que tem. Mas eu acho fabuloso você poder ter tudo assim, eu tenho uns gaps na minha vida porque, na minha época, não tinha foto digital, ou então, alguém esquecia e abria a tampa do filme, e aí entrava luz e não dava para revelar mais. Das minhas filhas, eu tenho tudo, coloco tudo privado no YouTube de filmes que eu faço. A cada dois, três meses, eu
faço algum registro e deixo lá. Imagina quando nascerem os filhos delas: “Olha aqui tua vida toda, primeira aula de natação, primeira aula de balé. Olha aqui quando você falou, quando você andou, quando você contou”, eu acho sensacional, acho fantástico! Você tem comentado o fato de as empresas proibirem o uso de rede social no trabalho, como quando colocavam cadeado no telefone. Você pode falar um pouco sobre esse assunto?
Acho que, como uma nova tecnologia, isso gera muita discussão. Muita gente ainda percebe as redes sociais como algo que gera distração no ambiente de trabalho, acha que as pessoas não estão dando foco no que precisa e tudo o mais. O que eu tenho falado bastante é para olharmos o outro lado, a quantidade de benefícios que isso pode trazer para uma empresa. O fato de as pessoas estarem conectadas nas redes sociais é inegável, desde comparação de preços, benchmarking com o que outras empresas estão fazendo até o recrutamento de pessoas. Eu acho que é uma grande estupidez uma empresa proibir redes sociais dentro do trabalho e é por isso que eu faço a comparação: é a mesma coisa de quando, no passado, as pessoas diziam que o telefone ia acabar com a produtividade das empresas. O pessoal dessa nova geração, que está saindo para o mercado, olha para isso. Outro dia tinha uma pesquisa que mostrava que 22% dos jovens diziam que, se a empresa bloqueasse rede social, YouTube, tudo o mais, eles não aceitariam o emprego. Mais importante do que o salário era poder ter acesso a redes sociais, porque isso faz parte do dia a dia.
Como é você usuário de Facebook?
Ah, eu uso muito, direto! À noite, o dia todo. O dia todo eu estou conectado. E eu também criei uma página agora [facebook.com/colunadohohagen] e estou tentando fazer algumas atualizações mais constantes, então eu tenho uma que é pessoal e uma que é mais profissional. E, na pessoal, eu fiz aquilo que a gente comentava, eu segmentei, ninguém tem dois mil amigos, né? Você completou um ano de Facebook agora em fevereiro, quais as lições que você tirou dessa experiência?
É a segunda grande empresa que eu estou montando no Brasil, o segundo startup que eu estou montando no Brasil. Os desafios são muito parecidos, muito do que eu vi no Google eu estou vendo agora de novo, então acho que dá também uma fluidez nas coisas que a gente está fazendo aqui, com todas as questões de pagamentos, taxas, impostos, legislação, o desespero com o funcionamento da legislação trabalhista, como se paga, enfim, tudo isso. Eu precisaria pensar um pouco mais em quais lições... Acho que focar em como contratar as melhores pessoas no começo, criar um bom time no começo é fundamental, focar cada vez mais na cultura da empresa e não só no negócio, eu acho que a cultura, no final das contas, ajuda, ela tem reflexo direto na nossa capacidade de gerar bons negócios, acho que tem muita gente que foca só em: “Vou trazer o melhor vendedor, não importa o que esse cara faça, um avião”, e outra coisa é você dizer: “Vou trazer um cara que é muito decente, excelente, um cara que, a longo prazo, vai ser um grande vencedor”. ■ eduardo diniz, professor da FGV-EAESP, eduardo.diniz@fgv.br Thaís Aleixo, jornalista, a_thais@hotmail.com
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artigos • INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE: NOVOS MODELOS E PROPOSIÇÕES
INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE: NOVOS MODELOS E PROPOSIÇÕES INNOVATION AND SUSTAINABILITY: NEW MODELS AND PROPOSITIONS INNOVACIÓN Y SOSTENIBILIDAD: NUEVOS MODELOS Y PROPOSICIONES resumo
Este trabalho, de cunho teórico, tem como principal objetivo analisar a relação entre sustentabilidade e inovação, tendo como referencial a teoria institucional. Para tanto, o artigo inicialmente analisa a questão do desenvolvimento sustentável, a partir de uma dimensão histórica da evolução do tema. A seguir, é explorada a temática da institucionalização do desenvolvimento sustentável, sugerindo-se que a proeminência do desenvolvimento sustentável pode ser explicado pela teoria institucional, mais especificamente pelo conceito de eficiência simbólica de Meyer e Rowan (1991). O artigo então discute o conceito de organizações inovadoras sustentáveis. Por fim, é abordada a relação entre sustentabilidade e inovação, destacando a importância de a empresa inovar considerando as três dimensões da sustentabilidade – social, ambiental e econômica. palavras-chave Inovação, sustentabilidade, teoria institucional, organização inovadora sustentável, desenvolvimento sustentável, gestão socioambiental, ecoinovação
José Carlos Barbieri jose.barbieri@fgv.br Professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas – São Paulo – SP, Brasil
Isabella Freitas Gouveia de Vasconcelos ivasconcelos@yahoo.com Professora do Departamento de Administração, Centro Universitário da FEI – São Paulo – SP, Brasil
Tales Andreassi tales.andreassi@fgv.br Professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getulio Vargas – São Paulo – SP, Brasil Flávio Carvalho de Vasconcelos flavio.vasconcelos@fgv.br Diretor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas – Rio de Janeiro – RJ, Brasil Artigo convidado. Aprovado em 23.04.2010 Editor Científico: Eduardo Diniz
abstract This theoretical paper has as main objective to analyze the relation between sustainability and innovation, taking as reference the institutional theory. Thus, the paper initially examines the issue of sustainable development, from a historical dimension of evolution of the topic. After that, we explored the theme of institutionalization of sustainable development, suggesting that the prominence of sustainable development can be explained by institutional theory, more specifically by the concept of symbolic efficiency of Meyer and Rowan (1991). The paper then analyzes the concept of sustainable innovative organizations. Finally, the relationship between sustainability and innovation is analyzed, highlighting the importance that the company innovates considering the three dimensions of sustainability - social, environmental and economic. keywords Innovation, sustainability, institutional theory, sustainable innovative organization, sustainable development, social and environmental management, ecoinnovation. RESUMEN Este trabajo de carácter teórico tiene como principal objetivo analizar la relación entre la sostenibilidad y la innovación, tomando como referencia la teoría institucional. Para ello, el artículo inicialmente analiza la cuestión del desarrollo sostenible, desde una dimensión histórica de la evolución del tema. A continuación, es explorada la temática de la institucionalización del desarrollo sostenible, lo que sugiere que la importancia del desarrollo sostenible puede ser explicada por la teoría institucional, más específicamente por el concepto de eficiencia simbólica de Meyer y Rowan (1991). Luego, el artículo discute el concepto de organizaciones innovadoras sostenibles. Por último, se aborda la relación entre sostenibilidad e innovación, destacando la importancia de que la empresa innove considerando las tres dimensiones de la sostenibilidad – social, ambiental y económica. PALAbRAS CLAVE Innovación, sostenibilidad, teoría institucional, organización innovadora sostenible, desarrollo sostenible, gestión socioambiental, ecoinnovación
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São Paulo • v. 50 • n. 2 • abr./jun. 2010 • 146-154
ISSN 0034-7590
José Carlos Barbieri • Isabella Freitas Gouveia de Vasconcelos • Tales Andreassi • Flávio Carvalho de Vasconcelos
APRESENTAÇÃO O movimento pelo desenvolvimento sustentável parece ser um dos movimentos sociais mais importantes deste início de século e milênio. São incontáveis as iniciativas voluntárias, relacionadas com o desenvolvimento sustentável, subscritas por empresas de setores específicos como bancos, seguradoras, hotéis, indústrias químicas, das quais participam os grupos empresariais mais importantes desses setores. Grandes empresas criaram organizações como forma de mostrar seu comprometimento com esse movimento, como o WBCSD, a Ceres, a Caux Round Table etc. Cartas de princípios e diretrizes de ação foram elaboradas e subscritas por milhares de empresas, como a Carta de Rotterdam, as Metas do Milênio e o Pacto Global. Com efeito, nenhum movimento social reuniu mais chefes de Estado como aconteceu nos eventos de 1992 no Rio de Janeiro e 2007 em Johannesburg. A rapidez com que esse movimento foi aceito por amplos setores do empresariado, pelo menos no nível do discurso, não tem precedentes na história recente das empresas. Seu marco inicial ocorreu há pouco mais de vinte anos, com a publicação em 1987 do relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), conhecida como Comissão Brundtland. O movimento pela qualidade levou mais tempo para ser lançado, teve início no pós-guerra, mas sua expansão vigorosa só vai ocorrer nos anos 1980 por motivos internos ao mundo empresarial, pressionado pela necessidade de se readequar a um novo padrão de competição que já estava ocorrendo em grande escala. Contrariamente ao ocorrido no movimento da qualidade, a adesão das empresas ao desenvolvimento sustentável vem inicialmente de fora para dentro, como um meio de se contrapor às críticas e objeções ao papel das empresas feitas por incontáveis entidades governamentais e da sociedade civil organizada, responsabilizando-as pelos processos de degradação social e ambiental que atingiam todo o planeta. Só recentemente a adesão das empresas passou a ser induzida por fatores de natureza empresarial ou, dito de outra forma, fazer parte desse movimento passou a ser um fator de competitividade, seja como fonte de diferenciação, seja como fonte de qualificação para continuar no mercado. Um aspecto central da adesão a um movimento social é a necessidade de substituir os meios e as práticas antigas por outras que traduzem os princípios, objetivos e diretrizes do novo movimento. Ao se comprometer com o desenvolvimento sustentável, a empresa deve necessariamente mudar sua forma de atuação para, no mínimo,
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reduzir os impactos sociais e ambientais adversos. Isso requer uma nova maneira de encarar a inovação, o que leva à ideia de inovação sustentável, ou seja, um tipo de inovação que contribua para o alcance do desenvolvimento sustentável. Este trabalho, de cunho teórico, tem como principal objetivo analisar a relação entre sustentabilidade e inovação, tendo como referencial a teoria institucional. Para tanto, o artigo inicialmente analisa a questão do desenvolvimento sustentável, a partir de uma dimensão histórica da evolução do movimento. A seguir, é explorada a temática da institucionalização do desenvolvimento sustentável, introduzindo-se o conceito de organizações inovadoras sustentáveis. Por fim, é abordada a relação entre sustentabilidade e inovação, destacando a importância da empresa inovar considerando as três dimensões da sustentabilidade – social, ambiental e econômica.
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A expressão “desenvolvimento sustentável”, que começou a se tornar popular a partir da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992, tem na realidade uma longa trajetória. De acordo com Riechmann e Buey (1994, p. 104), as sociedades industriais ensejavam, desde o seu início, reações críticas pelas destruições que causavam, seja por autores dissidentes, seja por movimentos sociais, que chegam até os nossos dias e carregam consigo um rico passado de crítica civilizatória, embora tenham permanecido marginais até poucas décadas atrás em relação às correntes centradas no produtivismo. Essa visão histórica tem sido em geral menosprezada nos textos de autores norte-americanos e europeus, que costumam colocar a década de 1970 como o marco inicial do movimento pelo desenvolvimento sustentável, além de menosprezarem a contribuição de autores e instituições do que na época se denominava Terceiro Mundo. Vincent (1995, p. 270), por exemplo, afirma que “o movimento ecológico desenvolveu-se na esfera pública a partir dos anos 1970”, tendo como referencia a criação de partidos políticos, os partidos verdes, em países europeus, mas reconhece que as origens do pensamento ecologista vêm de muito antes, e para ilustrar esse fato cita Ernst Haeckel, o cientista que criou a palavra ecologia, em 1866, na época um neologismo (VINCENT, 1995, p. 211). Em face da criação desses partidos na década de 1970 nos países desenvolvidos do Ocidente, deu-se como certo que o movimento ecologista tem essa origem. As contribuições de
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países de outras regiões foi solenemente ignorada. Não mencionam, por exemplo, que as lutas de Chico Mendes já traziam uma proposta socioambiental própria do entendimento de desenvolvimento sustentável. Se mais propostas não surgiram por aqui, não se deve à falta de percepção da problemática socioambiental e de propostas, mas ao regime ditatorial que grassava por toda região latino-americana. Nem todas as correntes ambientalistas confluíram para o movimento pelo desenvolvimento sustentável, haja vista que a diversidade de correntes é tão grande que abarca diversos posicionamentos, muitos deles em conflitos irreconciliáveis, a começar pelos termos utilizados. Vincent (1995) usa a expressão ecologismo para indicar a ideologia política que se destacou nos anos 1970 e resultou nos partidos verdes. Dobson (1997) distingue ecologismo de ambientalismo em termos de grau e de espécie. O primeiro é, segundo esse autor, uma ideologia política, e como tal deve (1) proporcionar uma descrição analítica da sociedade de modo a orientar os seus adeptos no mundo político, (2) prescrever uma forma particular de sociedade, empregando crenças a respeito das condições humanas que sustentam e reproduzem as opiniões sobre a sociedade prescrita, e (3) proporcionar um programa de ação política para alcançar tal sociedade (DOBSON, 1997, p. 22-23). O ambientalismo para Dobson adapta-se a qualquer ideologia e, por mais paradoxal que possa parecer, a ideologia menos suscetível ao ambientalismo é o ecologismo, pois a crença no ecocentrismo é o aspecto que a diferencia de todas as demais ideologias políticas. Desse modo, pode-se pensar em hibridização entre liberalismo, socialismo, comunismo, fascismo etc. com o ambientalismo, pois nenhum deles é ecocêntrico. Muitas correntes ambientalistas aderiram ao movimento do desenvolvimento sustentável e inúmeras lhe fazem severas críticas por motivos variados. As correntes ecocêntricas apontam o fato de que o movimento é antropocêntrico até a medula e não representaria uma mudança profunda ou de espécie, para usar as palavras de Dobson, na relação dos humanos com os demais seres vivos e elementos da natureza, mas apenas uma mudança de grau, caracterizando uma abordagem meramente reformista. Uma das maiores críticas vem do fato de ser esse movimento impulsionado pelas grandes empresas multinacionais, que antes haviam boicotado a proposta denominada “ecodesenvolvimento”, que para Sachs (1986, p. 115-116), um dos seus criadores, “postula uma visão solidária a longo prazo e abrangendo toda a humanidade”, cuja ênfase deve recair sobre os espaços de au-
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tonomia local, seu ponto de partida e lugar por onde deveriam passar obrigatoriamente os movimentos políticos para conduzir essa nova concepção de desenvolvimento. Essa proposta desagradaria tanto aos defensores do dirigismo estatal quanto aos da livre iniciativa. Estes últimos pela ênfase no desenvolvimento endógeno de bases comunitárias e pela crítica ao crescimento econômico de caráter imitativo, que procura reproduzir os padrões de consumo e os processos sociais ocorridos nos países industrializados (SACHS, 1986, p. 53). Assim, atacadas por atores poderosos no cenário internacional, as idéias concernentes ao ecodesenvolvimento foram deixadas de lado. Não levaria muito tempo para que surgisse a expressão desenvolvimento sustentável, trazendo outros conceitos e que se tornaria um sucesso mundial.
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Críticas ao desenvolvimento sustentável também não são poucas. O crescimento econômico como condição necessária para erradicar a pobreza, um objetivo do desenvolvimento sustentável constante no relatório da CMMAD (1991, p. 53), encontra muitas objeções, pois há quem entenda que o crescimento econômico é a origem dos graves problemas ambientais e sociais observados no mundo contemporâneo. Daly (1991) está entre os que criticam o relatório por esse motivo. Muitos enxergam novas aspirações empresariais por trás da agenda da sustentabilidade, enquanto outros veem a continuação de antigas aspirações pelo controle ou dominação dos recursos mundiais (HOLLAND, 2003, p. 392). O crescimento econômico é algo sempre desejado e perseguido por empresários e políticos, o que explicaria a grande adesão que eles deram ao movimento da sustentabilidade. Há os que consideram confusos e contraditórios os conceitos relativos ao desenvolvimento sustentável, como Faber e outros (2006), que examinaram esse assunto sob a ótica empresarial. As dificuldades para colocar em prática os conceitos associados ao desenvolvimento sustentável em face da grandiosidade dos seus objetivos geram ceticismos dos mais diversos. Norgaard (1994) considera impossível definir desenvolvimento de um modo operacional em detalhe e com o nível de controle com base nas premissas dominantes da modernidade, tais como atomismo, mecanicismo, universalismo. Porrit (2003, p. 111) propõe que seja denominado “desenvolvimento marginalmente menos insustentável”. Vale lembrar que, no ambiente francofônico, a expressão usada é desenvolvimento durável ou duradouro (déve-
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loppement durable). Não se trata apenas de mudança de nome para atender veleidades nacionais. “Duradouro” é um termo mais adequado do que “sustentável’ para qualificar um projeto de transformação da sociedade global, pois, como sustentável não especifica uma dimensão temporal, pode referir-se a qualquer prazo futuro, inclusive os prazos políticos subordinados aos calendários eleitorais e os horizontes de planejamento empresariais, em geral não superiores a cinco ou dez anos. Apesar de tantas críticas às propostas concernentes ao desenvolvimento sustentável, como exemplificadas acima, o fato é que elas se tornaram as bases de um dos mais importantes movimentos sociais da atualidade, e essa façanha não levou mais de duas décadas, considerando a CNUMAD de 1992 como um marco inicial da institucionalização desse conceito. Pouco se falava sobre esse assunto fora de círculos restritos antes da CNUMAD e dos trabalhos de preparação que a antecederam. Dentre esses merece destaque o trabalho da CMMAD, criada pela Assembleia Geral da ONU em 1983 e que concluiu seus trabalhos em 1987 com a elaboração do relatório Nosso futuro comum, no qual se encontra a famosa definição de desenvolvimento sustentável: “Desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem as suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p. 46). Como diz Nobre (2002), o conceito de desenvolvimento sustentável “surgiu não só como uma noção fadada a produzir consenso, mas também como enigma a ser criticado pela sua vaguidão, imprecisão e caráter contraditório” (p. 25). Para esse autor, a força desse conceito esteve inicialmente na sua vaguidão e imprecisão, sendo que a exploração de suas contradições e fraquezas foi um caminho já trilhado que não trouxe resultados significativos. Nobre entende que esse conceito é “um veículo de um acordo político mínimo em torno dos termos em que iria se dar a sua institucionalização em nível global da problemática ambiental e como ponto de partida da disputa política a ser travada nos limites por ele traçados” (p. 26). A institucionalização a que se refere esse autor se dá no âmbito das organizações intergovernamentais, como o PNUMA, PNUD, Banco Mundial, FMI, dos governos nacionais e de ONGs com atuação internacional, como a UINC, WWF e WBCSD. No âmbito das organizações em geral, e em especial das empresas, esse processo de institucionalização não teve precedentes, seja em termos de abrangência espacial, seja em termos de rapidez com que o conceito se popularizou nesse meio. Que ventos estiveram soprando tão favora-
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velmente para que tal sucedesse? Talvez uma explicação plausível possa ser encontrada na teoria institucional, que mostra que, quando novos valores são institucionalizados na sociedade e se tornam “mitos” a serem seguidos em um determinado setor, as organizações respondem a essas pressões adotando esses modelos e as práticas tidas como as melhores em um dado sistema social. As organizações buscam, assim, eficiência simbólica e eficiência técnica (MEYER e ROWAN, 1991). A eficiência simbólica se obtém adotando-se os modelos institucionalizados no setor e na sociedade em geral tidos como os ideais. A adoção desses modelos por parte das organizações traz legitimidade social e recursos. Na sociedade atual, os valores ligados ao desenvolvimento sustentável e ao respeito às políticas ambientais têm sido institucionalizados em maior ou menor grau nos diversos países pela mídia, pelos movimentos sociais e ambientalistas, e pelos governos. Como resposta a essas pressões institucionais, surgem novos modelos organizacionais, vistos como os mais adequados para o novo ciclo que se inicia, como é o caso das organizações inovadoras sustentáveis. Setores institucionais são setores sociais onde predomina um conjunto de regras e normas às quais as organizações devem se conformar se pretendem sobreviver, receber apoio e obter legitimidade de outras organizações e da sociedade. As instituições controlam a conduta humana, mediante padrões que determinam a ordem social (SCOTT; MEYER, 1981). Segundo Powell e DiMaggio (1991), a adoção de modelos normativos e estruturais ocorre por meio de quatro formas de institucionalização: coerção, normalização, indução e mimetismo organizacional. Esses mecanismos institucionais relacionam-se para a manutenção ou mudança de valores e práticas culturais. Esse processo de incorporação e conformidade com as características dominantes é denominado “isomorfismo estrutural”, uma tendência entre as organizações em possuir estruturas, normas, modelos cognitivos e tecnologias similares. O isomorfismo em relação ao ambiente no qual a organização se circunscreve, como dizem Meyer e Rowan (1991), faz com que ela incorpore os elementos legitimados exteriormente, muito mais do que pela eficiência que podem lhe proporcionar. A dependência desses elementos institucionais reduz as incertezas e turbulências do ambiente, fato que promove o êxito e a sobrevivência da organização. A coerção organizacional é o processo de institucionalização pela imposição de estruturas organizacionais por autoridade legítima ou pela força, uma garantia de estabilidade e rápida concretização. Por força da lei, grupos
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sociais adotam a imposição de critérios que regulam as atividades organizacionais e sociais (POWELL; DIMAGGIO, 1991). Dessa forma, dada a ação da mídia, dos formadores de opinião, dos movimentos ambientalistas, dos órgãos governamentais etc, as pressões institucionais aumentaram e induziram as organizações a adotarem formas mais compatíveis com essas novas demandas sociais associadas ao conceito de desenvolvimento sustentável. Assim, pode-se afirmar que o modelo das organizações inovadoras sustentáveis é uma resposta organizacional a essas pressões institucionais.
ORGANIZAÇÕES INOVADORAS SUSTENTÁVEIS Organização inovadora “é a que introduz novidades de qualquer tipo em bases sistemáticas e colhe os resultados esperados” (BARBIERI, 2007, p. 88). A expressão “bases sistemáticas” significa a realização de inovações com autonomia, intencionalidade e proatividade. Assim, a inovação é um elemento essencial do modus operandi dessa organização, o que pressupõe que ela desenvolva continuamente recursos tangíveis e intangíveis para inovar permanentemente. Organização sustentável é a que simultaneamente procura ser eficiente em termos econômicos, respeitar a capacidade de suporte do meio ambiente e ser instrumento de justiça social, promovendo a inclusão social, a proteção às minorias e grupos vulneráveis, o equilíbrio entre os gêneros etc. (BARBIERI, 2007, p. 98-99). Os dois conceitos de organização podem entrar em contradição, pois inovar em bases sistemáticas pode se tornar sinônimo de degradação sistemática do meio ambiente e da vida social. Assim, uma organização inovadora sustentável “não é a que introduz novidades de qualquer tipo, mas novidades que atendam as múltiplas dimensões da sustentabilidade em bases sistemáticas e colham resultados positivos para ela, para a sociedade e o meio ambiente” (BARBIERI, 2007, p. 105). Não basta, para as empresas, apenas inovar constantemente, mas inovar considerando as três dimensões da sustentabilidade, a saber: • dimensão social – preocupação com os impactos sociais das inovações nas comunidades humanas dentro e fora da organização (desemprego; exclusão social; pobreza; diversidade organizacional etc.); • dimensão ambiental – preocupação com os impactos ambientais pelo uso de recursos naturais e pelas emissões de poluentes; • dimensão econômica – preocupação com a eficiência econômica, sem a qual elas não se perpetuariam. Para
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as empresas essa dimensão significa obtenção de lucro e geração de vantagens competitivas nos mercados onde atuam. O atendimento a essas dimensões torna o processo de inovação mais sofisticado e exigente, o que requer da organização um maior esforço para atender tecnicamente esse requisito. Isso leva novas perspectivas para a gestão da inovação.
INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE A sustentabilidade do negócio pode ser entendida de modo convencional, isto é, como capacidade de gerar recursos para remunerar os fatores de produção, repor os ativos usados e investir para continuar competindo. Dessa foram, não há nada de novo em relação às inovações, sejam as tecnológicas de produto/serviço e processo, sejam as de gestão e de modelo do negócio. Esse é um entendimento de longa data e decorre da idéia de que uma organização deve ter sua continuidade estendida indefinidamente, como sugerem os seus contratos sociais. Porém, se a sustentabilidade dos negócios for entendida como uma contribuição efetiva para o desenvolvimento sustentável, então as inovações passam a ter outros critérios de avaliação além dos convencionais. Não é por outra razão que este tema faz parte do núcleo central do conceito de desenvolvimento sustentável. Inclusive, na origem do movimento pelo desenvolvimento sustentável estavam críticas severas a certas inovações de sucesso, como fez Rachel Carson em relação ao DDT (CARSON, 2002). De acordo com os conceitos de sustentabilidade desse movimento, as inovações devem gerar resultados econômicos, sociais e ambientais positivos, ao mesmo tempo, o que não é fácil de fazer, dadas as incertezas que as inovações trazem, principalmente quando são radicais ou com elevado grau de novidade em relação ao estado da arte. Os efeitos econômicos são relativamente fáceis de prever, pois há uma enorme quantidade de instrumentos desenvolvidos para isso, e as empresas inovadoras sabem como usá-los. Os efeitos sociais e ambientais são mais difíceis de serem avaliados previamente, pois envolvem muito mais variáveis, incertezas e interações. Por isso, o que mais se observa é a continuidade do entendimento convencional acompanhado de um discurso que incorpora a temática do desenvolvimento sustentável que fica apenas na boa intenção, quando não é um meio de se apropriar de uma ideia que está ganhando importância para a população e os formadores de opinião. O desenvolvimento sustentável
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requer a combinação de mudanças técnicas e sociais, uma vez que estas estão profundamente relacionadas (SCHOT; GEELS, 2008). Há diversas iniciativas legítimas que procuram considerar as três dimensões da sustentabilidade nos processos de inovação, como a Native, empresa que produz alimentos orgânicos de modo rentável usando processos agrícolas e industriais compatíveis com os objetivos do desenvolvimento sustentável, conforme observaram Carvalho e Barbieri (2009). Essa empresa contraria as afirmações de Norman Borlaug, pai da revolução verde e prêmio Nobel da Paz, de que a agricultura orgânica é menos adequada ao meio ambiente, pois, apresentando menor produtividade, requer mais áreas de lavoura para atender a mesma demanda por alimentos (THE ECONOMIST, 2006). A alta produtividade dessa empresa, que garante sua sustentabilidade econômica, foi conseguida por meio de um intenso esforço de inovação em produto, processo, gestão e no modelo de negócio, tais como a eliminação da queimada para o corte da cana, controle biológico de pragas, fertilização orgânica, novos dispositivos em máquinas e implementos agrícolas para evitar a compactação do solo e preservar a biodiversidade terrestre, entre outras. Essas inovações proporcionaram benefícios ambientais, como redução das emissões de gases de efeito estufa, aumento da biodiversidade e redução da necessidade de fertilizantes minerais, que seriam extraídos da natureza e transportados por longas distâncias, consumindo combustíveis fósseis. Também trouxe melhoria da qualidade de vida para os trabalhadores e habitantes do entorno, não contribuindo para a incidência de problemas respiratórios que ocorrem onde o corte da cana é feito da forma convencional (CARVALHO; BARBIERI, 2009). Inovação, segundo o Manual de Oslo, é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, nas organizações do local de trabalho ou nas relações externas (OECD, 1997, p. 55). Com base nessa definição, Kemp e Pearson (2008) definiram “ecoinovação” como “a produção, assimilação ou exploração de um produto, processo de produção, serviço ou método de gestão ou de negócio que é novo para a organização (desenvolvendo ou adotando-a) e que resulta, ao longo do seu ciclo de vida, em reduções de riscos ambientais, poluição e outros impactos negativos do uso de recursos, inclusive energia, comparado com alternativas pertinentes” (KEMP; PEARSON, 2008, p. 7; tradução nossa e grifo dos autores). Devido aos impac-
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tos negativos que em geral acompanham as inovações, como emissões de poluentes e esgotamento de recursos naturais, a definição enfatiza a redução de problemas, tendo como pressuposto que os benefícios econômicos serão percebidos de alguma forma. Nota-se que “ecoinovação” refere-se à “ecoeficiência”, um modo de atuação que resulta da interseção de duas dimensões da sustentabilidade, a econômica e a social, conforme mostra a Figura 1. A Figura 1a representa as três dimensões da sustentabilidade em termos gerais, já amplamente conhecida; a Figura 1b é uma representação específica para as empresas, na qual a dimensão econômica é representada pelo lucro, condição necessária para a sua continuidade ao longo do tempo. A Figura 1c é a representação do modelo triple bottom line, desenvolvido por John Elkington. Esse modelo enfatiza a necessidade de empreender uma gestão para obter resultados econômicos, sociais e ambientais positivos, que esse autor denomina linhas dos pilares da sustentabilidade. A ecoeficiência é uma prática que se dá entre as linhas dos pilares econômicos e ambientais. Isso implica desenvolver bens e serviços que satisfaçam as necessidades humanas a preços competitivos e que reduzam progressivamente os impactos ambientais a um nível próximo suportável pela Terra (ELKINGTON, 2001, p. 82). Inovações ecoeficientes são, por exemplo, as que reduzem a quantidade de materiais e energia por unidade produzida, eliminam substâncias tóxicas e aumentam a vida útil dos produtos. Porém, elas podem gerar desemprego, destruir competências, prejudicar comunidades ou segmentos da sociedade, entre outros problemas sociais. Por isso, a dimensão social deve estar presente de forma explícita, para que a inovação ecoeficiente seja também uma inovação sustentável. Fazendo uma operação similar a dos autores citados, a “inovação sustentável” é introdução (produção, assimilação ou exploração) de produtos, processos produtivos, métodos de gestão ou negócios, novos ou significativamente melhorados para a organização e que traz benefícios econômicos, sociais e ambientais, comparados com alternativas pertinentes. Note que não se trata apenas de reduzir impactos negativos, mas de avançar em benefícios líquidos. A condição ressaltada, “comparação com alternativas pertinentes”, é essencial ao conceito de inovação sustentável, pois os benefícios esperados devem ser significativos ou não negligenciáveis nas três dimensões da sustentabilidade. Como mostra Barbieri (2007b), a avaliação das consequências socioambientais deve fazer parte dos processos de inovação e não apenas a avaliação econômica. É de praxe encontrar nos textos sobre gestão
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da inovação que a expectativa de um resultado econômico negativo ou abaixo do esperado interrompe ou redireciona um processo específico de inovação. A interrupção ou redirecionamento do projeto também deveria ocorrer com respeito aos resultados sociais e ambientais negativos ou abaixo do esperado. Como observaram Hall e Vredenburg (2003, p. 64), as abordagens tradicionais de inovação em geral focalizam um reduzido grupo de partes interessadas (stakeholders), como fornecedores, clientes, investidores e órgãos reguladores, e as análises consideram os impactos da inovação sobre essas partes. As inovações sustentáveis consideram uma lista ampla de partes interessadas secundárias, como a comunidade local e grupos ativistas de várias causas, tais como ambientalistas, antiglobalização, direitos dos animais etc. A dificuldade torna-se muito maior por se tratar de inovações realizadas de forma contínua, pois é isso que caracteriza uma organização inovadora. As partes interessadas, que os autores denominam secundárias, não se restringem às que operam no entorno da organização; elas podem estar em qualquer local e tampouco se restringem às que são afetadas pela inovação. Esse é um dos motivos que levam ao crescimento do movimento
pela responsabilidade social empresarial estimulado pelas próprias organizações empresariais como forma de responder ao desafio de ter de lidar com incontáveis partes interessadas. Entre as propostas típicas desse movimento está a de manter canais abertos para diálogo constante com quem se declara interessado no que a empresa faz ou pretende fazer, e divulgar com transparência suas atividades e os impactos econômicos, sociais e ambientais que elas causam. Inovar seguindo as três dimensões da sustentabilidade ainda não é a regra, até porque a inclusão das dimensões sociais e ambientais requer novos instrumentos e modelos de gestão, que só recentemente começaram a ser desenvolvidos com mais intensidade. Isso não é tarefa só das empresas que pretendem inovar. As instituições de ensino e pesquisa, os órgãos governamentais, as instituições de normalização, as organizações da sociedade civil, ou seja, o sistema nacional de inovação também tem um papel relevante nessa questão. No final dos anos 1980, os economistas Richard Nelson e Christopher Freeman desenvolveram o conceito de Sistema Nacional de Inovação (SNI), entendido como “uma construção institucional, produto de uma ação
Figura 1 – Desenvolvimento sustentável: representações
a
b Dimensão econômica Equidade
Lucro
Ecoeficiência
Equidade
Desenvolvimento sustentável Dimensão social
c
Habilidade
Ecoeficiência Sustentabilidade empresarial
Dimensão ambiental
Pessoas
1
Linha do pilar social
2
Linha do pilar econômico
3
Habilidade
Planeta
Linha do pilar ambiental
Fonte: Figura 1a - Adaptada da norma francesa SD 21000; figura 1b - Inspirada nessa norma e em Marrewijk, 2003; figura 1c - Extraída de Elkington, 2001.
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planejada e consciente ou de um somatório de decisões não planejadas e desarticuladas, que impulsiona o progresso tecnológico em economias capitalistas complexas” (ALBUQUERQUE, 1995, p. 4). Tal construção envolve as universidades, agências governamentais, institutos tecnológicos, empresas, associações de cientistas e engenheiros, que se articulam com os sistemas educacional, industrial e empresarial e com as instituições financeiras, completando o circuito dos agentes que são responsáveis pela geração, implementação e difusão das inovações tecnológicas. Entre as tarefas de um SNI está a de identificar oportunidades e a capacidade do país de aproveitá-las, baseando-se no conhecimento científico e tecnológico básico existente. Para que a sustentabilidade se incorpore efetivamente no desenvolvimento de inovações, é fundamental que o sistema nacional de inovação esteja mobilizado para tanto, devendo se adequar a essa nova realidade. Especificamente no campo empresarial, Dormann e Holliday (2002) apontam quatro questões que as empresas devem formular durante o desenvolvimento de seus processos inovadores a fim de garantir que eles incorporem questões relativas à sustentabilidade. São elas: • Como podemos nos assegurar de que a sustentabilidade faça parte do nosso processo criativo? • Como podemos nos assegurar de que a sustentabilidade faça parte do processo de gestão empresarial? • Quando e como a visão externa poderá ser incorporada ao processo criativo de desenvolvimento da inovação? • Quais processos são mais adequados para aumentar o valor do capital intelectual da empresa? Para finalizar, é importante destacar a nova abordagem Strategic Niche Management (SNM) (CANIELSA; ROMIJNB, 2008; SCHOT; GEELS, 2008), delineada para facilitar a introdução e difusão de tecnologias sustentáveis por meio de nichos tecnológicos, isto é, espaços protegidos que permitem uma série de experimentos relacionados com a evolução da tecnologia, práticas de uso e estruturas regulatórias. Exemplos de setores que se enquadrariam nessa abordagem: energia, biogás, sistemas de transporte públicos, produção de alimentos ecologicamente amigáveis. A premissa é que, se tais nichos forem construídos adequadamente, eles poderiam agir como base para mudanças maiores na sociedade em termos de desenvolvimento sustentável. Um exemplo é a introdução de um produto detentor de uma tecnologia inovadora em cidades pequenas, antes de se colocá-lo efetivamente no mercado.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS O modelo de organização inovadora sustentável é uma resposta às pressões institucionais por uma organização que seja capaz de inovar com eficiência em termos econômicos, mas com responsabilidade social e ambiental. Esse tipo de organização busca vantagem competitiva desenvolvendo produtos, serviços, processos e negócios, novos ou modificados, com base nas dimensões social, ambiental e econômica. Ela reúne duas características essenciais: é inovadora e orientada para a sustentabilidade. Esses objetivos são factíveis, como mostra o exemplo mencionado. Logo, institucionaliza-se uma nova lógica de produção na qual a sustentabilidade e a inovação caminham juntas. Tendo em vista o fenômeno do isomorfismo institucional (concentração de formas organizacionais nos diversos setores produtivos), o modelo das organizações inovadoras sustentáveis vem ganhando rapidamente cada vez mais espaço nas empresas líderes. Esses fatos permitem dizer que o movimento do desenvolvimento sustentável é um dos movimentos mais importantes do nosso tempo, e, a julgar pela vitalidade dos fatores institucionais presentes em praticamente todo o mundo, pode-se inferir que ele continuará se propagando por muitas décadas. Desse modo, o aprimoramento dos modelos de organização sustentáveis, as diversas formas da sua institucionalização em âmbito global, o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis, a gestão de inovações para o desenvolvimento sustentável, serão temas cada vez mais importantes nos estudos futuros. Um aspecto em geral negligenciado nos modelos de organização sustentável refere-se ao consumo. Como o sistema operacional produtivo e as inovações de produto e de processo, ao atender as três dimensões da sustentabilidade, devem gerar ganhos para o meio ambiente em termos de redução no uso de recursos e de emissões de poluentes, o aumento da produção pelo incitamento à demanda por novos produtos pode neutralizar ou até superar esses ganhos. Levar em conta essa possibilidade dando-lhe um tratamento adequado é um dos maiores desafios para o alinhamento das empresas ao modelo de organização inovadora sustentável.
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