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Normalização Maria do Socorro Felix (Bibliotecária )
Temas inovadores / Organizadores Kécia da Silveira Galvão de Medeiros, Isaac de Oliveira Seabra, Renata Gusmão Luna. -- Recife: Fase, 2011. 204 p. (Cadernos de contabilidade e gestão ; v. 1) ISBN 65694
1. Contabilidade. 2. Administração de Empresas. I. Medeiros, Kécia da Silveira Galvão de. II. Seabra, Isaac de Oliveira. III. Luna, Renata Gusmão.
SUMÁRIO CONTABILIDADE A informação contábil na gestão de condomínios edilícios Cirleide Lopes de Amorim | Isaac de Oliveira Seabra.............................. Balanço patrimonial: uma análise comparativa das informações apresentadas a CVM e nos relatórios independentes, segundo o nível de governança corporativa da BMFBOVESPA Joséte Florêncio dos Santos | Kécia da Silveira Galvão de Medeiros Renata Gusmão Luna.............................................................................. Um novo olhar pedagógico para as Ciências Contábeis Cacilda Soares de Andrade | Joaquim Osório Liberalquino Ferreira......... Uma introdução ao mercado de capitais : investindo na Bolsa de Valores Augusto Santana| Carolina Magda | Carina Carvalho Kécia Galvão| Marcelino Caetano | Odilon Saturnino Ricardo Galvão | Valéria Saturnino.......................................................... GESTÃO A fluidez da sociedade na visão de Zygmunt Bauman Mário César dos Santos Carvalho............................................................ Apontamentos iniciais para análise da historicização da relação professor x estado x universidade Julianna Cláudia Santos Ramos ............................................................... Aprendizagem organizacional : um elemento que traz competitividade às empresas Ana Paula Palmeira de Oliveira | Geisa Margarida de Lira | Jairo João da Silva.................................................................................... Consequências da insatisfação do consumidor no contexto de serviços: uma investigação teórica Ananda Lia Santana Nunesmaia ............................................................. O trabalho no “centro” do consumo: uma análise das relações laborais em um shopping center de Porto Alegre......................
PREFテ,IO Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Pellentesque nulla nisi, commodo et vulputate sed, viverra ut neque. Aenean adipiscing suscipit nibh et luctus. Sed tempus augue in velit lobortis in fringilla odio laoreet. Cras eu ligula magna. Maecenas et lectus eget mauris blandit elementum vitae venenatis nulla. Mauris vel ligula lorem, sit amet gravida enim. Vivamus ut est mi. Fusce a erat dui, ac volutpat nisi. Nam vitae est erat, sodales lacinia ligula. Integer tempus elit in sem ullamcorper viverra. Cum sociis natoque penatibus et magnis dis parturient montes, nascetur ridiculus mus. Praesent dignissim molestie lectus sit amet luctus. Quisque laoreet purus in ante molestie vel commodo urna lacinia. Vestibulum ante ipsum primis in faucibus orci luctus et ultrices posuere cubilia Curae;
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A informação contábil na gestão de condomínios edifícios Cirleide Lopes de Amorim Isaac de Oliveira Seabra
1. INTRODUÇÃO A crise habitacional causada pelo êxodo rural unida a outros fatores sociais e econômicos determinou o crescimento das construções para fins habitacionais nas cidades. Neste período condomínios foram construídos com a finalidade de abrigar as famílias advindas do campo, sendo uma opção viável e econômica. Porém, apesar de surgirem em sua grande maioria para abrigar os menos favorecidos, sendo considerados a principio de pouca privacidade e desconfortáveis, os condomínios foram se aperfeiçoando e alcançando um significativo espaço na sociedade, como retrata Machado e Tavares Júnior (1998, p.3): O condomínio foi visto, por muito tempo, como um tipo de moradia pouco confortável, devido aos entraves ocasionados pela proximidade entre os vizinhos e a pouca liberdade deles. Com o passar do tempo [...] notou-se um incrível crescimento no setor, o que compeliu a classe média e parte da alta a se encaminharem aos edifícios. Atualmente existem diversos tipos de condomínios que vão dos mais simples e não menos confortáveis aos mais luxuosos, que chegam muitas vezes a arrecadar renda equiparada ou por vezes superior a de micro empresas. Além disto, devido ao aumento bastante considerável das instituições condominiais, é grande o número de pessoas que residem e trabalham em condomínios. Porém observa-se que muitos condomínios, por não serem obrigados pela legislação, não utilizam a ciência da contabilidade no seu dia-a-dia, apesar da necessidade de comprovarem junto aos condôminos o bom uso dos recursos auferidos e convencerem os mesmos de suas necessidades. Foi neste cenário e devido à prática da autora no setor administrativo de condomínios que surgiu o interesse em realizar a presente pesquisa e escolhido o tema “A Importância da Contabilidade na Gestão de Condomínios Edilícios”, com a finalidade de demonstrar a importância da contabilidade como instru-
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Deste modo, o estudo pretende explicitar de que maneira a contabilidade pode contribuir na gestão de condomínios, enquanto ciência definida como sendo uma ferramenta indispensável no processo de tomada de decisões e na prestação de contas dos gestores de condomínio edilícios. O problema é caracterizado quando se verifica que, apesar da não obrigatoriedade dos condomínios edilícios em executarem a contabilidade condominial, pode-se afirmar que nem tudo pode ser resolvido pelo síndico ou administrador, pois é necessário qualquer que seja o tamanho ou os fins de uma entidade/instituição, que ela possua informações precisas para que os gestores possam tomar decisões, planejando e controlando suas receitas e despesas de forma eficiente e eficaz. Dentro deste contexto emerge o seguinte questionamento: De que maneira a contabilidade pode contribuir na gestão de condomínios edilícios? A importância deste estudo reside em apontar os benefícios alcançados com a utilização da contabilidade pelos gestores de condomínios edilícios. O objetivo da contabilidade é o de fornecer informações essenciais que auxiliarão os gestores na administração de qualquer tipo de organização, independente de sua finalidade. Quando se fala em condomínio, infelizmente, este objetivo é desconhecido ou por vezes ignorado pela maioria dos síndicos, que tomam suas decisões baseados em documentos inapropriados e/ou na experiência que acreditam ter. Por sua vez, ainda é necessário despertar grande parte dos contadores no sentido de assessorar seus clientes no que diz respeito ao fundamental objetivo da contabilidade, extraindo de suas mentalidades a “verdade absoluta” de que o importante é apenas cumprir obrigações fiscais. A contabilidade é uma ferramenta fundamental que pode e deve ser utilizada pelos condomínios, sendo indispensável na tomada de decisão. O presente estudo tem como objetivo demonstrar a importância da contabilidade para o gestor de condomínio edilício como apoio na tomada de decisão e como ferramenta essencial na prestação de contas. O trabalho se desenvolve em quatro partes. Na seção 2 consta o procedimento metodológico. Na seção 3 constam conceitos relacionados ao condomínio edilício, importantes para a compreensão e desenvolvimento do tema, bem como questões teóricas sobre a contabilidade, aponta a importância das informações contábeis na gestão de condomínios edilícios, revela como podem
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mento essencial para uma adequada gestão condominial, contribuindo para uma maior solidez dos controles gestacionais, na transparência e confiabilidade das informações e no processo de tomada de decisão.
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ser realizadas as demonstrações contábeis de um condomínio e aponta os benefícios que podem ser alcançados com o uso da contabilidade. Na seção 4 apresentam-se as considerações finais.
2. PROCEDIMENTO METODOLÓGICO A presente pesquisa é exploratória, sendo realizada mediante pesquisas bibliográficas, através da leitura seletiva de livros, revistas e materiais disponíveis na internet, com a finalidade de demonstrar a importância da informação contábil para os gestores de condomínio. A pesquisa bibliográfica, segundo Lakatos e Marconi (1999, p. 183), utiliza-se de ‘material existente sobre o tema e tem por finalidade colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que já foi escrito sobre determinado assunto’. Utilizou-se nesta pesquisa a abordagem dedutiva, que partindo das teorias e leis gerais, ou seja, dos princípios reconhecidos como verdadeiros e indiscutíveis é possível chegar a uma determinada conclusão usando a lógica.
3. CONDOMÍNIO EDILÍCIO A palavra condomínio quer dizer “propriedade comum” e originou-se dos termos em latim “cum” que significa conjuntamente e “dominum” que significa domínio, propriedade. Segundo o Dicionário Aurélio (1999, p. 92) condomínio é o “Domínio exercido juntamente com outrem, co-propriedade.” Na prática, o condomínio existe quando há um domínio por mais de uma pessoa, em um determinado bem ou parte de um bem, cabendo a cada uma delas igual direito e dever. A origem das construções em comum é bastante antiga, de acordo com Borges (2005, p. 21): Na Roma da Idade Média já se encontra uma experiência de construção de casas em comum, semelhante aos condomínios de nossos dias. O senso prático e utilitário do povo romano e a dificuldade na época de adquirir moradias completamente independentes em suas comunidades, que não dispunham de grandes espaços para as construções, fez com que se construíssem casas em comum. Ainda de acordo com Lopes (2008, p.27) foi no século XVIII principalmente em algumas cidades da França, tais como: Nantes, Saint Malo, Caen, Rouen, Rennes e especialmente em Grénoble, que o sistema alcançou sua máxima expressão.
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Maluf e Marques (2009, p. 01) relatam que foi depois da 1º Guerra Mundial (1914-1918) devido à grave crise habitacional que surgiu uma nova modalidade de condomínio, o condomínio em plano horizontal, popularmente conhecido por condomínio em apartamentos. Ainda segundo Maluf e Marques (2009, p. 02): Sem embargo da grande aceitação da propriedade horizontal, os códigos as desprezaram-na, inclusive o Código Civil brasileiro de 1916, que apenas regulava a propriedade vertical, geradora da chamada “casa de parede-meia”, mediante normas concernentes ao direito de vizinhanças. No Brasil de acordo com Oliveira (2009, p. 495): Nas médias e grandes regiões metropolitanas foi inevitável o surgimento das construções verticais, para tornar possível a acomodação da imensa quantidade de famílias na restrita área urbana nas cidades. Entretanto, apenas em 25 de junho de 1928 foi editado o Decreto-Lei nº 5.481, onde os condomínios em plano horizontal foram reconhecidos, sendo permitida a venda das edificações em partes, constituindo cada apartamento uma propriedade autônoma, suscetível de ser como tal alienada e gravada, devendo ser transcritos ou inscritos no Registro de Imóveis. O termo edilício somente foi instituído pelo Novo Código Civil de 2002 e designa o conjunto de edificações constituídas por diversas áreas privativas e comuns, sendo uma modalidade especial de condomínio segundo Maluf e Marques (2009, p. 01): O hoje intitulado condomínio edilício, também conhecido como condomínio em plano horizontal, propriedade horizontal, condomínio sui generis, condomínio por andares ou, como preferia chamar WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, “condomínio em edifícios de andares ou apartamentos pertencentes a proprietários diversos”, é uma modalidade especial de condomínio.
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Na cidade de Rennes, em 1720, por exemplo, foram construídos pequenos edifícios para abrigar várias famílias, cerca de oito mil pessoas, que tinham perdido suas casas em um grande incêndio. Em Grénoble a construção se deu devido a diversos fatores, entre eles o fato desta cidade ter pouca superfície plana. Todavia, este instituto não era devidamente regulado e o motivo principal era que à época não existiam causas socioeconômicas a exigirem tratamento legislativo específico.
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De acordo com Lopes (2008, p. 61 e 63): A propriedade horizontal é, em verdade, um instituto jurídico novo. [...] O direito de propriedade sobre a parte exclusiva é combinado com o direito de co-propriedade sobre as partes comuns, fazendo nascer um novo direito real, resultante dos dois primeiros. A novidade do instituto está não só da combinação (fusão) desses dois direitos, como também na sujeição do novo direito criado a uma regulamentação especial de seu exercício. A diferença existente entre o condomínio edilício (propriedade horizontal) e o condomínio geral consiste na divisibilidade, pois no condomínio edilício há partes comuns e exclusivas, enquanto no condomínio geral existem diversos proprietários onde todos detêm a propriedade em comum, sem individualizações. Para Lopes (2008, p. 63) existe também outra dessemelhança, “é da natureza do condomínio edilício ser duradouro (permanente), ao revés do condomínio tradicional, sempre sujeito a extinção.” Estatui o art. 1.332 do Novo Código Civil (Brasil, 2002): Institui-se condomínio edilício por ato entre vivos ou testamento, registrado em Cartório de Registro de Imóveis, devendo constar daquele ato, além do disposto em lei especial: I – a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns; II – a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; III – o fim a que as unidades se destinam. 3.1. Da propriedade privada e da propriedade comum Em um condomínio edilício se convivem propriedades diversas: uma propriedade de uso comum e uma propriedade de uso exclusivo ou privativo. O Novo Código Civil reconhece a existência dessas duas formas de propriedade, no artigo nº 1.331 que preceitua o seguinte: “Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos”. A propriedade comum tem seu uso vinculado à vontade dos condôminos e não pode ser alienada. Neste aspecto o inciso 2º do art. 1.331, estabelece: O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos.
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Portanto, tudo quanto no edifício seja destinado ao uso de todos, como, por exemplo, os elevadores, muros, piscinas e outros, não são exclusivos de nenhum morador, devendo ser usado de maneira disciplinada. Contudo, dentro de um condomínio edilício existe a propriedade privada, que se constitui pelas unidades ou apartamentos autônomos e pelos abrigos para veículos. Onde cada proprietário exerce domínio único e exclusivo sobre suas partes ou dependências. Orlando Gomes apud Maluf e Marques (2009, p. 43) assevera: A situação caracteriza-se pela justaposição de propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado do condomínio de partes do edifício, forçadamente comuns. Cada apartamento, [...] pertence exclusivamente a um proprietário, que, todavia, tem o exercício do seu direito limitado pelas obrigações especiais que decorrem de possuí-lo num edifício com outras unidades autônomas. Do mesmo passo que é dono do seu apartamento, faz-se necessariamente condômino de certas partes do imóvel que permanecem, para sempre, em estado de indivisão forçosa. No Brasil os condomínios são regulamentados pela Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que determina em seu artigo 1º: As edificações ou conjunto de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob forma de unidades autônomas entre si, destinadas a fins residenciais ou não residenciais, podendo ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá cada unidade, propriedade autônoma sujeita as limitações desta lei. Em conjunto com a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Art. 1.331 ao 1.356), mais conhecida como o Novo Código Civil, que constituiu o título Condomínio Edilício e pela Lei nº 8.245 (Lei do Inquilinato), de 18 de outubro de 1991. Não existe lei conferindo personalidade jurídica ao condomínio edilício. Porém, no que tange a obrigatoriedade de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) é equiparado à empresa, visto que, apesar de não possuir uma natureza jurídica própria, não se pode confundir com seus proprietários (condôminos). Outro fator que determina sua a inscrição no CNPJ é o
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Segundo Maluf e Marques (2009, p. 46) “As áreas e as coisas de uso comum, enfim, a propriedade comum, deve ter seu uso e destinação disciplinados pela convenção condominial e pelo regulamento interno.”
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fato de que o condomínio precisará contratar funcionários. A obrigatoriedade da inscrição dos condomínios no CNPJ/MF é expressa pelos artigos 214 e 215 do Decreto 3000/99 do Regulamento do Imposto de Renda, e ainda, pela Instrução Normativa nº 1.005/10, artigo nº 11, da Receita Federal Brasileira. A legislação processual civil, a teor do art. 12, IX, legitima a capacidade civil do síndico ou administrador para representar o condomínio em juízo (ativa ou passivamente), portanto, apesar de se constituir um ente sem personalidade jurídica, o condomínio possui capacidade para agir, na pessoa do síndico ou do administrador, em defesa dos direitos e interesses comuns. Os administradores são pessoas responsáveis pela tomada de decisão sobre os recursos disponíveis, administrar significa gerir. A administração do condomínio cabe a três órgãos principais, são eles: a Assembleia Geral (ordinária e extraordinária); o Conselho Fiscal e o Síndico, que terão como norma primeira a convenção e o regimento interno. A convenção e o regimento interno são particulares a cada condomínio, pois neles são estabelecidas normas complementares a legislação vigente que ajudarão na administração do condomínio, particularizando normas que a lei não poderia conter por serem peculiares. Segundo Oliveira (2009, p. 501): O síndico é o indivíduo escolhido para zelar ou defender os interesses de uma associação ou classe, em Assembleia Geral Ordinária, especialmente convocada. É a pessoa escolhida pelos demais para tratar dos interesses e da administração do condomínio, sendo o representante legal do condomínio. De acordo com o art. 1.347 da Lei nº 10.406/2002 (Novo Código) caberá a Assembleia a escolha de um síndico para administrar o condomínio por prazo não superior a dois anos, podendo este prazo ser prorrogado. Ainda é válido salientar que o síndico poderá ser condômino ou não. Lopes (2008, p. 142) reconhece a figura do síndico como sendo de grande importância para o condomínio, pois o mesmo possui grande soma de poderes em suas mãos. Entre as atividades competentes ao síndico, cabe ao mesmo, conforme art. 1.348 da Lei nº 10.406/02:
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Portanto, podemos afirmar que ao síndico cabem diversas atividades importantes, porém como objeto de estudo desta pesquisa destacaremos especialmente duas, dentre elas o dever de: “IV. Elaborar o orçamento da receita e despesas relativas a cada ano.” A atividade de controlar as receitas e despesas é essencial para o adequado funcionamento do condomínio. Segundo Lopes (2008, p. 144) “O controle da receita e da despesa do condomínio é de fundamental importância para seu regular funcionamento.” Portanto, a lei impõe ao síndico a obrigação de elaborar o orçamento do condomínio e apresentar na Assembleia Ordinária para que seja analisado pelos condôminos no mínimo uma vez por ano. A previsão orçamentária é necessária para que se possa estabelecer e/ou verificar a taxa ideal a ser paga mensalmente pelos condôminos. Deverá o síndico estimar as receitas e considerar os gastos com: salários, encargos trabalhistas, provisões de férias e 13º salário, e as despesas com seguro, manutenção e conservação do condomínio, bem como, o percentual para compor fundo de reserva de contingência, previsto em Lei (art.9º, §3º, alínea “J”), de natureza obrigatória. “VIII – Prestar contas à Assembleia, anualmente e quando exigidas;” Fica claro que o síndico deverá prestar contas dos atos praticados, explicando o uso dos valores arrecadados durante sua gestão, devendo a clareza e a transparência serem alvos de suas preocupações fundamentais. A Prestação de contas aos condôminos é uma das maiores responsabilidades de um síndico, devendo ser exercida com grande responsabilidade.
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• Convocar a Assembleia dos condôminos; • Representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns; • Dar imediato conhecimento à Assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio; • Cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da Assembleia; • Diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores; • Elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano; • Cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas; • Prestar contas à Assembleia, anualmente e quando exigidas; • Realizar o seguro da edificação.
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Estas duas atividades atribuídas ao síndico estão intimamente ligadas à contabilidade, que deverá fornecer informações seguras e fundamentais para a elaboração do orçamento condominial e relatórios vitais para prestação de contas, zelando pela transparência e dando uma visão geral aos condôminos da verdadeira situação patrimonial do condomínio. Ainda segundo artigo 1.348 do Novo Código, inciso 2º: O síndico pode transferir a outrem total ou parcialmente, os poderes de representação ou as funções administrativas, mediante aprovação da Assembleia, salvo disposição em contrário da convenção. 3.2. Despesas condominiais De acordo com Lopes (2008, p. 115) as despesas de um condomínio abrangem “não somente as verbas despendidas com a conservação ou manutenção do edifício, mas também as destinadas a obras ou inovações aprovadas pela assembleia de condôminos.” No que tange o universo dos deveres dos condôminos o art. 1.336 do Novo Código Civil estatui o dever de “I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção.” Como se vê, cabe aos condôminos na proporção de sua cota-parte a responsabilidade pelo custeio das despesas condominiais, e esta obrigação deve-se ao fato de o condômino fazer parte do universo condominial. Para Maluf e Marques (2009, p. 68) a despesa condominial “é um ônus real, que deve ser suportado por quem tiver a coisa no seu domínio; trata-se, pois, de uma obrigação propter rem (em virtude da coisa).” Podemos classificar as despesas condominiais de acordo com sua finalidade, pois por vezes estas se destinam unicamente a custear a manutenção e conservação do edifício, ora são exigidas para cobrir os custos com melhorias e/ ou inovações ou até mesmo são cobradas para atender a gastos diversos, não previstos e que não objetivam oferecer vantagem aos condôminos. Segundo a classificação adotada por Gabas apud Lopes (2008, p. 118) em um condomínio edilício encontramos as seguintes espécies de despesas: a) despesas com administração: são as que objetivam a cobrir gastos com a conservação e funcionamento do edifício, inclusive reparações nas partes
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Pode-se afirmar, que de um modo geral, as despesas condominiais se classificam em ordinárias e extraordinárias. As despesas ordinárias se destinam ao custeio normal das áreas e serviços comuns do edifício, e as despesas extraordinárias estão ligadas aos gastos normalmente gerados em ocasiões esporádicas, tais como: obras de reforma, instalação de equipamentos de segurança, etc. Cabe ressaltar que todos os condôminos estão obrigados ao pagamento das despesas condominiais aprovadas pela assembleia geral, sejam elas, ordinárias ou extraordinárias. Em caso de locação, o inquilino (locatário) é obrigado ao pagamento apenas das despesas ordinárias (art. 23), cabendo ao proprietário (locador) as despesas extraordinárias. Para tentar evitar e/ou aliviar conflitos entre locatários e locadores sobre o que seriam taxas ordinárias e extraordinárias a Lei do Inquilinato nº 8.245/19991 cuidou de enumerá-las. Em seu § 1º do artigo 23, a Lei nº 8.245/19991 apresenta a definição para despesas ordinárias de condomínio, dizendo entender-se por estas “as necessárias à administração” e relaciona as seguintes: a) salários, encargos trabalhistas, contribuições previdenciárias e sociais dos empregados do condomínio; b) consumo de água e esgoto, gás, luz e força das áreas de uso comum; c) limpeza, conservação e pintura das instalações e dependências de uso comum; d) manutenção e conservação das instalações e equipamentos hidráulicos, elétricos, mecânicos e de segurança, de uso comum; e) manutenção e conservação das instalações e equipamentos de uso comum destinados à prática de esportes e lazer; f) manutenção e conservação de elevadores, porteiro eletrônico e antenas coletivas; g) pequenos reparos nas dependências e instalações elétricas e hidráulicas de uso comum; h) rateios de saldo devedor, salvo se referentes a período anterior ao início da locação; i) reposição do fundo de reserva, total ou parcialmente utilizado no custeio ou
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comuns para lhes manter as condições normais de segurança, conforto, etc.; b) despesas com inovações: as que objetivam melhorar as condições de uso e gozo do prédio; c) fundo de reserva: destinado a cobrir despesas extraordinárias ou imprevistas, que refogem ao conceito normal de administração; d) despesas decorrentes de atos dos condôminos: as que são efetuadas por um ou vários condôminos, na omissão do sindico, em casos especiais, como reparações urgentes do prédio; d) despesas com tributos e com o seguro do edifício.
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complementação das despesas referidas nas alíneas anteriores, salvo se referentes a período anterior ao início da locação. Ainda de acordo da Lei 8.245/1991 contido nas alíneas do parágrafo único do artigo 22 as despesas extraordinárias são: Parágrafo único - Por despesas extraordinárias de condomínio se entendem aquelas que não se refiram aos gastos rotineiros de manutenção do edifício, especialmente: a) obras de reformas ou acréscimos que interessem à estrutura integral do imóvel; b) pintura das fachadas, empenas, poços de aeração e iluminação, bem como das esquadrias externas; c) obras destinadas a repor as condições de habitabilidade do edifício; d) indenizações trabalhistas e previdenciárias pela dispensa de empregados, ocorridas em data anterior ao início da locação; e) instalação de equipamento de segurança e de incêndio, de telefonia, de intercomunicação, de esporte e de lazer; f) despesas de decoração e paisagismo nas partes de uso comum; g) constituição de fundo de reserva. 3.3. A contabilidade A palavra contabilidade deriva do latim computare, que significa contar, calcular, computar. Historicamente é possível afirmar que a contabilidade sempre existiu, Merlis apud Sá (1997, p. 15) afirma que: “Desde que o homem se preocupou com o amanhã, preocupou-se, também, em fazer contas, mas, em verdade, nem sempre soube, racionalmente, o que fazer com as informações que guardou”. A contabilidade é uma ciência extremamente antiga, de acordo com Teles e Nagatsuka (2002, p. 01) “o surgimento e a evolução da contabilidade confundem-se com o próprio desenvolvimento da humanidade”. Assim o desenvolvimento da contabilidade atrelou-se ao da sociedade adequando-se a cada período histórico, de acordo com suas necessidades. Segundo Benício apud Silva (2007, p. 21): A contabilidade é uma das ciências mais antigas do mundo e seu papel social é planejar e colocar em prática um sistema de informação para uma organização seja ela com ou sem fins lucrativos. Assim sendo, ela busca prover os usuários com informações econômicofinanceiras sobre seu patrimônio e suas mutações, utilizando-se de
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Através da contabilidade é possível a uma organização, com quaisquer fins, conhecer profundamente seu patrimônio e avaliar sua gestão. Para Iudícibus (2002, p. 52): O objetivo da contabilidade pode ser estabelecido como sendo o de fornecer informação estruturada de natureza econômica, financeira e, subsidiariamente, física, de produtividade e social, aos usuários internos e externos. A contabilidade é essencial na administração de qualquer empresa ou entidade, pois seu principal objetivo é fornecer informações úteis para o correto gerenciamento, melhorando a eficácia da organização. Na visão de Andrade apud Marion (2009, p. 35): As informações geradas pela contabilidade devem propiciar aos seus usuários base segura às suas decisões, pela compreensão do estado em que se encontra a Entidade, seu desempenho, sua evolução, riscos e oportunidades que oferece. É essencial, porém, para que a informação contábil possa oferecer base segura aos seus diversos usuários, que ela esteja revestida de algumas características sem as quais poderá ser considerada inapropriada. O próprio Conselho Federal de Contabilidade através da NBCT 1, no item 1.3.1, revela que a informação contábil deve ser, veraz e eqüitativa, de forma a satisfazer as necessidades comuns de diferentes e diversos usuários, não devendo privilegiar a nenhum deles e aponta 4 (quatro) atributos da informação contábil (item 1.3.2), a saber I. Confiabilidade; II. Tempestividade; III. Compreensibilidade; IV. Comparabilidade. De acordo com o Conselho Federal de Contabilidade (item 1.4.1): A confiabilidade é atributo que faz com que o usuário aceite a informação contábil e a utilize como base de decisões, configurando, pois,
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registros, demonstrações, análises, diagnósticos e prognósticos expressos sob a forma de relatórios e pareceres.
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elemento essencial na relação entre aquele e a própria informação. Com confiabilidade o usuário poderá dispor da informação sem receio de cometer abusos e erros. No que se refere à tempestividade o Conselho Federal de Contabilidade (item 1.5.1) afirma que a “informação contábil dever chegar ao conhecimento do usuário em tempo hábil, a fim de que este possa utilizá-la para seus fins”. Fica claro, portanto, que de nada adiantará ao usuário uma informação retardada. Quanto à compreensibilidade o Conselho Federal de Contabilidade (item 1.6.1) declara que “A informação contábil deve ser exposta na forma mais compreensível ao usuário a que se destine.” Não basta apenas à elaboração das informações, é necessário fazer com que os usuários consigam entende-las e interpretá-las. E no que se refere à comparabilidade o Conselho Federal de Contabilidade determina que as informações contábeis devam: [...] possibilitar ao usuário o conhecimento da evolução entre determinada informação ao longo do tempo, numa mesma Entidade ou em diversas Entidades, ou a situação destas num momento dado, com vista a possibilitar-se o conhecimento das suas posições relativas. Com o atributo da comparabilidade o usuário da informação contábil poderá avaliar sua situação econômica e financeira ao longo dos anos, e também considerar sua posição dentro de determinado segmento. Desta forma para que a contabilidade alcance seu principal objetivo, que é o de fornecer informações úteis e seguras a todos os seus usuários, é essencial que todas as informações contábeis sejam revestidas destas 4 (quatro) características. 3.4. A importância da contabilidade para os condomínios A contabilidade tem como objetivo controlar o patrimônio das pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem fins lucrativos. Neste contexto os condomínios podem utilizar as informações contábeis para conhecer melhor seu patrimônio (conjunto de bens, direitos e obrigações) e geri-lo de maneira eficaz e segura. Os deveres dos condôminos são relacionados no art. 1.336 do Novo Código Civil e o principal deles é o dever de arcar com as despesas condominiais. Portanto, mensalmente é cobrada dos condôminos uma taxa ou cota condominial para que o condomínio possa arcar com suas despesas mensais, tais
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Apesar de ser obrigação de cada condômino arcar com as despesas condominiais conforme explicitado anteriormente, a sustentabilidade de um condomínio depende essencialmente da contribuição de cada morador, ou seja, sua sobrevivência esta atrelada ao efetivo pagamento das taxas condominiais. Daí a necessidade dos gestores de condomínio em constantemente prestar contas aos condôminos, zelando pela transparência de sua gestão. Quanto mais transparentes e reais sejam as informações repassadas aos condôminos, melhor será a compreensão e o entendimento dos condôminos quanto às necessidades vitais do condomínio. Para alcançar a transparência torna-se indispensável à utilização das informações contábeis, pois estas traduzirão com confiabilidade a real situação patrimonial do condomínio. Silva (2007, p. 17) afirma que: “O foco da ação contábil está na transparência, ou seja, em deixar claro a origem dos recursos e sua destinação”. Além de zelar pela transparência, que é algo primordial na gestão de qualquer condomínio, os gestores necessitam gerir suas receitas e despesas de modo que não venham a ter déficits. Podemos, portanto afirmar que um dos objetivos dos condomínios é evitar que as despesas saiam do controle, para tanto é indispensável uma gestão capaz, que tenha como base informações precisas. De acordo com Farber e Segreti (2004, p. 9) para evitar déficits: [...] faz-se necessária uma boa e organizada gestão, baseada em adequado planejamento, um plano de contas bem elaborado, uma previsão financeira e orçamentária adequada às reais necessidades e compatível com a receita e o apoio de profissionais qualificados. A parte mais polêmica de um condomínio é em relação ao dinheiro, ou seja, o que é feito com a taxa condominial arrecadada. Conforme anteriormente explicitado os condomínios edilícios não estão obrigados perante a lei a realizar sua contabilidade, porém é obrigação do síndico, como representante legal do condomínio, prestar contas de sua gestão, ainda que suas funções administrativas tenham sido delegadas. Por isto, o que grande parte dos condomínios fazem, mensalmente, é um relatório demonstrando, de forma detalhada, as receitas/recebimentos e despesas/pagamentos mensais e uma relação das taxas condominiais em atraso, no intuito de apresentá-las aos condôminos como mera prestação de conta.
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como, o pagamento de salários e obrigações trabalhistas de seus funcionários ou contratados, o consumo de água e energia elétrica, a manutenção de equipamentos, o pagamento de fornecedores, entre outros gastos.
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3.4.1 Análise dos demonstrativos contábeis A tabela a seguir é um balancete apresentado aos condôminos de um determinado condomínio. Tabela 1 - Exemplo de prestação de contas condominiais CONDOMÍNIO EDIFICIO FULANO DE TAL CNPJ/MF nº 00.000.000/0000-00 Rua Ernesto de Paula Santos, s/n, Boa Viagem, Recife, PE. PRESTAÇÃO DE CONTAS NOVEMBRO/20XX RECEITAS (R$) SALDO DO MÊS ANTERIOR Taxas condominiais (novembro):
3.112,40 12.000,00
101, 102, 201, 202, 401, 402, 301, 302, 401, 402, 501, 502, 601, 602, 701, 702, 801, 802, 901, 902, 1001, 1002, 1102 11.500,00 801 (recebimento antecipado – dez/10) 500,00 TOTAL DAS RECEITAS (Saldo do mês anterior + Receitas)
15.112,40
DESPESAS (R$) A) PESSOAL E ENCARGOS SOCIAIS INSS ref. Mês 10/2010 FGTS ref. 10/2010 PIS ref. 10/2010 Sindicato ref. Cont. associativa VEM ref. Transporte para o mês de dezembro/10 Cupom alimentação conf. Convenção Coletiva Fardamentos Salários líquidos – mês de novembro/10 13º salários – 1º parcela
7.065,25 1.226,63 274,16 34,27 64,00 496,89 285,60 101,70 3.033,50 1.548,50
B) água, energia e elevadores Compesa (fornecimento de água) Celpe (abastecimento de energia) Manutenção dos elevadores – outubro/10
2.811,14 900,00 781,14 1.130,00
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TOTAL DAS DESPESAS (A+B+C) SALDO PARA O MÊS DE DESEMBRO/2010
2.580,80 130,00 300,00 255,00 299,00 230,00 100,00 224,50 133,00 170,00 349,00 390,30
12.457,19 2.655,21
Fonte: Elaborada pelos autores
Neste exemplo de demonstrativo, amplamente utilizado pelos condomínios edilícios, é possível verificar que os condôminos não são informados quanto a real posição do patrimônio do condomínio (bens, direitos e obrigações). Desta maneira não é possível a verificação e o controle dos bens adquiridos, tais como ferramentas, móveis, equipamentos, e outros. Assim como também não é possível aos condôminos verificarem os saldos das contas a receber (direitos), e também perceber o saldo das dívidas do condomínio (obrigações), que abrangem os produtos adquiridos a prazo, fornecedores, empregados, impostos, e outros. De acordo com Farber e Segreti (2004, p. 12): A falta da realização da contabilidade pelas entidades condominiais tem gerado os demonstrativos mensais de prestação de contas sem refletir a situação das contas como ativo permanente, provisões de férias e de décimo terceiro salário, créditos a receber de inadimplentes, obrigações com fornecedores, etc. Portanto, os ditos demonstrativos não revelam a situação patrimonial do condomínio, consequentemente estas informações não são de conhecimento dos condôminos. Apesar de permitido e amplamente utilizado, o regime de caixa é oposto a um dos Princípios Fundamentais da Contabilidade, o Princípio da Competência. A resolução do Conselho Federal de Contabilidade nº 774 de 1994, em seu art. 9º (parágrafos 1 e 2) dita que: As receitas e as despesas devem ser incluídas na apuração de resul-
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C) OUTRAS DESPESAS Manutenção do gerador Conserto de vazamento do radiador Manutenção da piscina Aluguel do sistema de câmeras Manutenção dos interfones e portão Manutenção dos jardins Material de limpeza Despesas com cartório Cópias, tarifa de correios, boletos e diversos Aquisição de tapetes Despesas com tarifas bancárias
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tado do período em que ocorrerem, sempre simultaneamente quando se correlacionarem, independente de recebimento e pagamento. O Princípio da COMPETÊNCIA determina quando as alterações no ativo ou no passivo resultam em aumento ou diminuição do patrimônio líquido, estabelecendo diretrizes para classificação das mutações patrimoniais, resultantes da observância do Princípio da oportunidade. O reconhecimento simultâneo das despesas e receitas, quando correlatas, é conseqüência natural do respeito ao período em que ocorrer sua geração. Portanto, de acordo com este principio, as receitas e despesas devem ser reconhecidas no momento em que ocorre independente de terem sido efetivamente recebidas ou pagas. É o que acontece no regime de competência, preterido pela maioria dos condomínios. Desta forma, seria correto afirmar que o regime de competência é o que melhor se ajusta às práticas contábeis, estando em harmonia com o Principio de Competência. Através deste regime, registrando todas as provisões, a administração do condomínio poderá se preparar para os eventos futuros (13º salários, férias, outros), bem como, para tomar decisões acertadas com bases sólidas. Porém, é necessário observar a uniformidade de regime adotado no exercício, para não prejudicar o resultado e a integridade das demonstrações contábeis. De acordo com Barreto (2003, p. 18): “Qualquer tipo de empresa, independente do seu porte, necessita manter escrituração contábil completa [...], simplesmente para controlar o seu patrimônio e gerenciar as tomadas de decisões.” Portanto, apesar de não ser considerado como empresa, e de não possuir finalidade de lucro, o condomínio necessita da contabilidade para efetuar sua prestação de contas, podendo desta forma, controlar adequadamente seu patrimônio e gerenciar sua tomada de decisões. 3.4.2 Plano de contas Segundo Nagatsuka e Teles (220, p. 33): Para que a contabilidade possa atingir seu objetivo, qual seja, gerar informações úteis para a tomada de decisão pelos diversos usuários das informações contábeis, se faz necessário que as demonstrações contábeis sejam muito bem-elaboradas. [...] a base mestra para elaboração das demonstrações contábeis é a existência de um plano de contas contábil em condições de suprir as necessidades específicas de uma determinada empresa.
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Segundo Marion (2009, p. 192) o plano de contas deverá ser “adequado ao processo de escrituração a ser adotado e será aperfeiçoado no decorrer do tempo”. Apresentamos abaixo um plano de contas simples que poderá ser adotado e adaptado a realidade de qualquer condomínio edilício. Quadro 1- Plano de contas condominial 1. ATIVO
2. PASSIVO
1.1 ATIVO CIRCULANTE
2.1 PASSIVO CIRCULANTE
1.1.1 Disponibilidades 1.1.1.2 Caixa 1.1.1.3 Bancos 1.1.2 Créditos 1.1.2.1 Cotas condominiais a receber 1.1.2.2 Cotas condominiais em atraso 1.1.2.3 Cotas extras cond. a receber 1.1.2.4 Cotas extras cond. em atraso 1.1.2.5 Investimentos temporários SFN
2.1.1 Obrigações Sociais 2.1.2 Obrigações Trabalhistas 2.1.2.1 Salários a pagar 2.1.2.2 Provisão p/ férias e 13º salário 2.1.3 Obrigações Previdenciárias 2.1.3.1 INSS 2.1.4 Obrigações Tributárias 2.1.4.1 PIS/COFINS 2.1.4.2 Imposto sindical a recolher 2.1.4.3 IR – Imposto a Recolher 2.1.5 Obrigações Diversas 2.1.5.1 Fornecedores 2.1.5.2 Provisão p/ pagamentos efetuar 2.1.5.3 Outras obrigações descontadas dos empregados
1.2 ATIVO NÃO CIRCULANTE 1.2.1 Imobilizado de uso 1.2.1.1 Parque aquático 1.2.1.2 Parque infantil 1.2.1.3 Computadores 1.2.1.4 Ferramentas 1.2.1.5 Máquinas e equipamentos 1.2.1.5 Móveis e utensílios
2.2 PASSIVO LÍQUIDO 2.2.1 Patrimônio Social 2.2.1.1 Bens patrimoniais 2.2.1.2 Superávit patrimonial 2.2.1.3 Déficit patrimonial
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O plano de contas serve como instrumento de orientação dos trabalhos contábeis, sendo o agrupamento ordenado de todas as contas que serão usadas pela contabilidade dentro de uma determinada entidade. Cada entidade deverá desenvolver seu próprio plano de contas de acordo com a sua atividade e seu tamanho.
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2.2.2 Fundo de Reserva 2.2.2.1 Fundo p/ indenizações trabalhistas 2.2.2.2 Fundo p/ contingências CONTAS DE RESULTADO CREDORAS
DEVEDORAS
Receitas Condominiais Receita de Cotas condominiais Receita de cotas Receitas Financeiras Receitas de multas e acréscimos moratórios Rendas de invest. temporários no SFN Lucro na venda de invest. temporários Receitas diversas
Despesas condominiais Despesas c/ pessoal Despesas administrativas Despesas financeiras Despesas com seguros Despesas com limpeza e conservação Despesas de manutenção Despesas de água e esgoto Despesa de luz, gás, telefone. Despesas com impostos e taxas Despesas Financeiras e Fiscais Prejuízo na venda de inv. temporários Juros e Despesas bancárias Despesas c/ multas e Infrações Fiscais
Fonte: Adaptado do site da COSIF (Acesso em 21/10/2010)
3.4.3 Demonstrações contábeis De acordo com Silva e Niyama (2001, p. 59): “As demonstrações ou relatórios contábeis são a síntese, o resumo da movimentação e da situação patrimonial.” Na visão de Marion (2009, p. 154): “O objetivo das demonstrações contábeis é fornecer informações sobre a posição patrimonial e financeira, o desempenho e as mudanças na posição financeira da entidade.” Ainda segundo Marion (2009, p. 154) as demonstrações contábeis objetivam também: Apresentar resultados da administração na gestão da entidade e sua capacitação na prestação de contas quanto aos recursos que lhe foram confiados. Aqueles usuários que desejam avaliar a atuação ou prestação de contas da administração fazem-no com a finalidade de estar em condições de tomar decisões econômicas que podem incluir, por exemplo, [...] reeleger ou sub-
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3.4.3.1 Balanço patrimonial Entre as demonstrações contábeis, os condomínios edilícios poderão adotar o balanço patrimonial, “o balanço é a demonstração contábil que tem por finalidade apresentar a situação patrimonial da empresa em dado momento, dentro de determinados critérios de avaliação.” Iudícibus e Martins (2006, p. 142) Para Silva e Niyama (2001, p. 60) no balanço patrimonial “[...] estão representados os bens, direitos e obrigações, o ativo – as aplicações – e o passivo – os recursos.” Através do balanço patrimonial será possível ao condomínio apreciar tudo o que ocorreu em um determinado período, principalmente os investimentos e incrementos ocorridos que afetaram o seu patrimônio. Tabela 2 - Balanço patrimonial CONDOMÍNIO EDIFICIO FULANO DE TAL CNPJ/MF nº 00.000.000/0000-00 BALANÇO PATRIMONIAL EM 31 DE DEZEMBRO DE 20X2 – Em Reais ATIVO Circulante Disponível Bancos Aplicações financeiras Cotas condominiais a receber Não Circulante Imobilizado Computadores Ferramentas Máquinas e equipamentos Móveis e utensílios Total do ativo
20x2 25.920,69 10.920,69 6.420,69 4.500,00 15.000,00
20x1 19.783,73 9.783,73 5.283,73 4.500,00 10.000,00
6.300,00 6.300,00 2.000,00 500 3.000,00 800 32.220,69
5.520,00 5.520,00 2.000,00 520 2.500,00 500 25.303,73
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stituir a administração.Podemos afirmar, portanto, que através da divulgação e análise das demonstrações contábeis, os condôminos poderão conhecer a posição financeira e patrimonial do condomínio, bem como, avaliar os resultados da administração do condomínio, de forma segura. Podendo através dessas demonstrações, tomarem decisões quanto à reeleição ou substituição do sindico.
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CONDOMÍNIO EDIFICIO FULANO DE TAL CNPJ/MF nº 00.000.000/0000-00 BALANÇO PATRIMONIAL EM 31 DE DEZEMBRO DE 20X2 - Em Reais PASSIVO Circulante Disponível Bancos Aplicações financeiras Patrimônio Líquido Superávit do exercício Déficit do exercício Superávit/Déficit acumulados Total do passivo
20x2 4.250,00 1.250,00 1.200,00 1.800,00
20x1 20.303,73 10.220,00 3.110,00 6.973,73
27.970,69 14.970,69 0 13.000,00 32.220,69
5.000,00 5.000,00 0 0 25.303,73
Fonte: Adaptado do site da COSIF (Acesso em 21/10/2010)
3.4.3.2 Demonstração do resultado do exercício De acordo com Iudícibus e Martins (2006, p. 155): A Demonstração do Resultado do Exercício, elaborada simultaneamente com o Balanço Patrimonial, constituí-se no relatório sucinto das operações realizadas durante determinado período de tempo; nele sobressai um dos valores mais importantes as pessoas nela interessadas, o resultado líquido do período, lucro ou prejuízo. Ao mostrar como se formou o lucro ou prejuízo, esclarece muitas das variações do patrimônio líquido, no período entre dois balanços. A contabilidade com os dois relatórios, o Balanço Patrimonial e a Demonstração do Resultado, um completando o outro, atinge a finalidade de mostrar a situação patrimonial e econômico-financeira da empresa. Tratando-se de uma entidade sem fins lucrativos, assim como em um condomínio edilício, é feita uma adaptação nas siglas da DRE (Demonstração do Resultado do Exercício) que passa a ser chamada de DSD, ou seja, Demonstração de Superávit ou Déficit, visto que estas entidades não objetivam lucro. Assim será possível identificar se naquele período a entidade, neste caso o condomínio, obteve um superávit ou déficit e ao que isto é devido.
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Tabela 3 - Demonstração de superávit ou déficit CONDOMÍNIO EDIFICIO FULANO DE TAL CNPJ/MF nº 00.000.000/0000-00 DEMONSTRAÇÃO DE SUPERÁVIT OU DÉFICIT DO EXERCÍCIO EM 31 DE DEZEMBRO DE 20X2 - Em Reais Receita Bruta Taxa de condomínio Receitas diversas Receita Operacional Líquida (-) Despesas Operacionais Despesas c/ pessoal Despesas administrativas Despesas com manutenção Outras despesas operacionais Despesas financeiras Resultado Operacional Líquido Superávit ou Déficit do Exercício
20x2 35.904,70 35.000,00 904,7 35.904,70
20x1 31.489,30 31.000,00 489,3 31.489,30
20.933,74 15.000,00 800 2.500,00 2.383,74 250 14.970,96
26.489,30 17.009,30 1.200,00 5.200,00 2.800,00 280 5.000,00
14.970,96
5.000,00
Fonte: Adaptado do site da COSIF (Acesso em 21/10/2010)
3.4.3.3 Contabilidade como apoio na tomada de decisão Segundo Marion (2004, p. 26-27), “a contabilidade é o instrumento que fornece o máximo de informações úteis para tomada de decisões dentro e fora da empresa.” Ela é muito antiga e sempre existiu para auxiliar as pessoas a tomar decisões. As decisões são tomadas quando há problemas a serem resolvidos, objetivos a serem alcançados ou necessidade a serem satisfeitas. É importante salientar que no momento de se tomar as melhores decisões, além de certo grau de experiência, é necessário ter à disposição as melhores informações. Como vimos o objetivo principal da contabilidade é o de fornecer informações úteis aos seus usuários. Uma característica essencial da informação contábil é demonstrar a verdadeira e atual condição da entidade com a finalidade de oferecer aos seus usuários uma maior eficácia nas tomadas de decisões.
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Sá (2002, p. 99) comenta que a contabilidade evidencia as melhores formas de conduzir os meios patrimoniais à plena satisfação das necessidades ou daquilo que se pretende. Ainda de acordo com Sá (2002, p. 99) “As análises, normalmente, revelam erros, acertos, omissões, perspectivas”. Segundo Marion (2010, p. 25): A contabilidade é o grande instrumento que auxilia a administração a tomar decisões. Na verdade, ela coleta todos os dados econômicos, mensurando-os monetariamente, registrando-os e sumarizando-os em forma de relatórios ou de comunicados, que contribuem sobremaneira para a tomada de decisões. Assim para tomar decisões acertadas é necessário que uma entidade utilize as informações coletadas e processadas pela contabilidade. Em um condomínio não é diferente, pois o gestor necessita gerir adequadamente os recursos auferidos de modo que não venha a ter déficits. Para Sá (2002, p. 99) “Grande parte dos erros que se cometem na administração decorre da falta de atenção aos dados e orientações que a contabilidade pode oferecer.” De acordo com Marion (2010) a função básica do contador é a de produzir informações úteis aos usuários da contabilidade para tomada de decisões, porém em nosso país, em alguns segmentos esta função foi distorcida estando voltada particularmente a satisfazer as exigências do fisco. É sabido, porém, que a contabilidade pode ser um instrumento de grande utilidade para uma entidade, contrariando a ideia de que a mesma serve apenas para satisfazer o fisco. Portanto, apesar de não obrigatória aos condomínios edilícios, a contabilidade é de grande valia no processo de tomada de decisão e deve ser utilizada.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A contabilidade exerce há longos anos um importante e indispensável papel em qualquer empresa ou entidade. Ela dimensiona, estuda e auxilia no conhecimento do patrimônio. Conhecendo com precisão o patrimônio e possuindo relatórios úteis é possível gerir com mais qualidade e eficiência. Em um condomínio isto não é diferente, os condomínios necessitam da contabilidade, pois apesar de não possuírem fins lucrativos, seja para elaborar prestações de contas precisas e claras aos seus usuários (os condomínios) seja para tomar decisões.
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AMORIM , Cirleide Lopes de. A importância da contabilidade na gestão de condomínios edilícios. 47 p. Monografia (Graduação em Ciências Contabeis) Faculdade Salesiana do Recife, Recife, 2011. BARRETO, G. Manual do Contador. Belo Horizonte: Líder, 2003. BORGES, Antônio Miguel. Administração e contabilidade dos condomínios residências. 2. ed. Recife: Bagaço, 2005. BRASIL. Decreto-Lei nº 5.481, de 25 de junho de 1928. Dispõe sobre a alienação parcial dos edifícios de mais de cinco andares e dá outras providências. Disponível em: <http://arisp.wordpress.com/2010/07/29/decreto-5-481-de25-de-junho-de-1928/> Acesso em: 25 jul. 2010. BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 jul. 2010. ______. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Dispõe sobre os crimes de ordem tributária, econômica e contra relações de consumo. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 jul. 2010. BRASIL. Lei nº 8.245 de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre a Lei do Inquilinato. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 de julho de 2010. ______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 jul. 2010. ______. Secretaria da Receita Federal. Instrução Normativa nº 10005, 8 de fevereiro, de 2010. Dispõe sobre o cadastro nacional de pessoa jurídica. (CNPJ). Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Ins/2010/ in10052010.htm> . Acesso em: 25 jul. 2010. CARVALHO, Antônio José Ferreira. O Condomínio na prática. 8. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004. CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução nº 774, de 16 de dezembro de 1994. Aprova o apêndice à Resolução sobre os princípios fundamentais de contabilidade. Disponível em: <http://www.portaldecontabilidade. com.br/legislacao/resolucaocfc774.htm>. Acesso em: 25 jul. 2010.
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REFERÊNCIAS
A informação contábil na gestão de condomínios edifícios
CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO CEÁRA. Apostila do Curso Gestão Contábil de Condomínios. Disponível em: <http://www.crc_ce.org. br/crcnovo/dowload/apostila_contabilidade_para_condominios_castelo.pdf>. Acesso em 21 de outubro de 2010. COSIF. Plano de contas condominial. Disponível em: <http://www.cosif.com. br/mostra.asp?arquivo=con_aspcontabil>. Acesso em 21 de outubro de 2010. FABER, João Carlos; SEGRETI, João Bosco. Contribuição da contabilidade para a eficácia da gestão e controle de condomínios. Disponível em: <http://www. congressousp.fipecafi.org/artigos42004/219.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2010. IUDICIBUS, Sérgio de. MARION, José Carlos. Introdução à teoria da contabilidade para o nível de graduação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. KARPAT, Gabriel. Condomínios: orientação e Prática. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1999. LOPES, João Batista. Condomínio. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. MACHADO, João Ferreira; TAVARES JUNIOR, José Antônio. Como administrar um Condomínio. Goiânia: Editora AB, 1998. MALUF, Carlos Alberto Dabus; MARQUES, Márcio Antero Motta Ramos. Condomínio edilício. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MARION, José Carlos. Contabilidade empresarial. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2009. OLIVEIRA, Luiz Martins de et al. Manual de contabilidade tributária. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009. REIS, Arnaldo Carlos de Rezende. Demonstrações contábeis: estrutura e análise. São Paulo: Saraiva, 2003. Sá, Antônio Lopes de. Teoria da contabilidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002. SILVA, Izaias José da. A Contabilidade como instrumento de transparência nas organizações não-governamentais. 46 p. Monografia (Graduação em Ciências Contabeis) - Faculdade Salesiana do Recife, Recife, 2007.
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Balanço patrimonial: uma análise comparativa das informações apresentadas a cvm e nos relatórios independentes, segundo o nível de governança corporativa da BMFBOVESPA Joséte Florêncio dos Santos Kécia da Silveira Galvão Medeiros Renata Gusmão Luna
1. INTRODUÇÃO Procianoy e Rocha (2002, p.1) explicitam que “as decisões de investimento são tomadas pelos investidores de acordo com a quantidade e qualidade de informações a respeito das empresas disponíveis a eles e ao mercado financeiro como um todo”. O processo de divulgação das informações sobre a gestão aos usuários externos é um fator indiscutível para a sobrevivência das empresas que operam no mercado de capitais. Para tanto, uma maior quantidade aliada a uma maior qualidade, dessas informações, proporciona credibilidade aos gestores e harmoniza igualdade de direitos entre os acionistas. Para tanto, a contabilidade é constantemente desafiada a produzir essas informações de qualidade e quantidade satisfatórias, considerando ser a demanda por informação pública, independente e verificável. Desta feita, a relação entre a qualidade e a quantidade das informações produzidas pela Contabilidade, também apresenta um relação muito próxima com a governança corporativa, já que, de acordo o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)¹ :
¹ Site: www.ibgc.org.br
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Balanço patrimonial: uma análise comparativa das informações apresentadas a cvm e nos relatórios independentes, segundo o nível de governança corporativa da BMFBOVESPA
A Administração deve cultivar o desejo de informar, sabendo que da boa comunicação interna e externa, particularmente quando espontânea, franca e rápida, resulta em clima de confiança, tanto internamente, quanto nas relações da empresa com terceiros. empresas e o nível de governança em que se encontram as empresas dos níveis diferenciados da Bovespa. Já que se pressupõe que a estrutura do Balanço Patrimonial que produz melhorias na prestação de informação está considerando os níveis diferenciados de governança.
2. INFORMAÇÕES OBRIGATÓRIAS PARA AS EMPRESAS DE CAPITAL ABERTO Oliveira (2004) afirma que “o conhecimento é fator primordial para que se possa tomar alguma decisão. Esse conhecimento se dá através de informações e da forma pela qual elas são evidenciadas”. A Lei nº 6.404/76, Lei das Sociedades Anônimas, apresenta o conjunto de informações obrigatórias que deve ser divulgado na prestação de contas das companhias abertas no Brasil, as Demonstrações Financeiras (ou Demonstrações contábeis) e as Notas Explicativas que as acompanham. Também dispõe sobre a atuação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que orienta os procedimentos a serem adotados na divulgação das mencionadas informações. O artigo 176 da Lei nº 6.404/76 estabelece que, ao final de cada exercício social, a Diretoria da empresa deve elaborar, com base na escrituração mercantil, as seguintes demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do Patrimônio da empresa e as mutações ocorridas no exercício: • Balanço Patrimonial => (objeto de estudo deste trabalho) é a demonstração contábil que reflete, em um determinado momento, a posição patrimonial e financeira da empresa, com todos os seus bens e direitos, constantes no Ativo, assim como, as suas obrigações com os sócios e com terceiros, constantes no Passivo. • Demonstração do Resultado do Exercício • Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido. • Demonstração dos Fluxos de Caixa. • Demonstração do Valor Adicionado. As informações oriundas das Demonstrações Contábeis devem ser divulgadas anualmente pela Gestão da empresa, como sendo sua prestação de contas para os sócios e demais interessados, em conjunto com as notas explicativas e os relatórios da administração, para que esses possam acompanhar a saúde econômico-financeira da empresa.
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Consoante a Cartilha de Recomendações sobre Governança Corporativa da CVM (2002, p.1), Governanças Corporativa pode ser definida como sendo “o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital”. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), define governança corporativa como sendo um sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os acionistas e os cotistas, Conselho de Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho Fiscal. Já, autores como Caldbury Report (1992, p.14), Shleifer e Vishny (1997), La Porta, Lopes-de-Silanes e Shleifer (1999, p. 6), Lodi (2000, p.13), tratam a Governança Corporativa como sistema de relacionamento entre empresainvestidor com o objetivo de proteção destes, pela divulgação de informações por parte daquela. Ressalte-se o envolvimento de outros agentes como auditores, funcionários responsáveis pelas informações. Grün (2003) preconiza que, a governança corporativa é uma nova maneira de se organizar as relações entre as empresas e o mercado financeiro e que esta predica a transparência contábil das empresas e o respeito dos direitos dos acionistas minoritários. Andrade e Rossetti (2004) resumem os diversos conceitos de governança corporativa a partir de expressões-chave que procuram definir sua diversidade e abrangência: • a eqüidade (fairness); • a transparência (disclosure); • a prestação de contas (accountability); e • compliance ou obediência e cumprimento das leis do país. Voltando-se ao Brasil, no ano de 2000, a Bovespa decidiu criar os níveis que exigiam um maior comprometimento com as chamadas “boas práticas de governança corporativa” para as empresas que são negociadas na bolsa: • Nível 1(com menor grau de exigências) • Nível 2 • Novo Mercado (com maior grau de exigências) Os mencionados segmentos especiais de listagem das empresas em forma de níveis diferenciados de governança corporativa foram desenvolvidos com o objetivo de proporcionar um ambiente de negociação que estimulasse, simultaneamente, o interesse dos investidores e a valorização das companhias.
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2.1. Governança corporativa
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Consoante Bushman e Smith (2003), “definimos como papel da informação contábil nos mecanismos de governança a utilização de informações contábeis preparadas para usuários externos em mecanismos de controle que promovem a governança eficiente das corporações”. O que torna a contabilidade um essencial e relevante instrumento de governança corporativa, já que, seu instrumental visa identificar, mensurar e divulgar os eventos financeiros e econômicos ocorridos, auxiliando na previsão de fluxos de caixa futuros. 2.1.1. Níveis 1 e 2 de governança corporativa Dependendo do grau do compromisso assumido, dar-se-á a adesão das companhias ao Nível 1 ou ao Nível 2, essa adesão é formalizada por meio de um contrato entre a companhia e a Bovespa. No Nível 1, as companhias devem apresentar melhorias na prestação de informações ao mercado e promover a dispersão do controle acionário. No mencionado Nível, outras obrigações adicionais à legislação devem ser atendidas, tais como: • Adicionar às Informações Trimestrais (ITRs), entre outras, as demonstrações financeiras consolidadas e a demonstração dos fluxos de caixa; • Adicionar às Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFPs), melhoria nas informações relativas a cada exercício social; • Adicionar às Informações Anuais (IANs) a quantidade e características dos valores mobiliários de emissão da companhia detidos pelos grupos de acionistas controladores, membros do Conselho de Administração, diretores e membros do Conselho Fiscal, bem como a evolução dessas posições. • Melhoria nas informações prestadas, disponibilizado ao público informações corporativas entre outras: o Realização de reuniões públicas com analistas e investidores, ao menos uma vez por ano; o Apresentação de um calendário anual, do qual conste a programação dos eventos corporativos, tais como assembleias, divulgação de resultados etc; o Divulgação dos termos dos contratos firmados entre a companhia e partes relacionadas; o Divulgação, em bases mensais, das negociações de valores mobiliários e derivativos de emissão da companhia por parte dos acionistas controladores; o Manutenção em circulação de uma parcela mínima de ações,
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No Nível 2, as companhias comprometem-se a cumprir as exigências estabelecidas para o Nível 1 e, adicionalmente, adotam um conjunto de regras mais amplo de práticas de governança, priorizando e ampliando os direitos dos acionistas minoritários. A seguir são apresentadas algumas obrigações adicionais para participação neste nível: • Divulgação de demonstrações financeiras de acordo com padrões internacionais IFRS (International Financial Reporting Standards) ou US GAAP (United States Generally Accepted Accounting Principles). • Conselho de Administração com mínimo de 5 (cinco) membros e mandato unificado de até 2 (dois) anos, permitida a reeleição. No mínimo, 20% (vinte por cento) dos membros deverão ser conselheiros independentes. • Direito de voto às ações preferenciais em algumas matérias, tais como, transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia e aprovação de contratos entre a companhia e empresas do mesmo grupo sempre que, por força de disposição legal ou estatutária, sejam deliberados em assembleia geral. • Extensão para todos os acionistas detentores de ações ordinárias das mesmas condições obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia e de, no mínimo, 80% (oitenta por cento) deste valor para os detentores de ações preferenciais (tag along). • Realização de uma oferta pública de aquisição de todas as ações em circulação, no mínimo, pelo valor econômico, nas hipóteses de fechamento do capital ou cancelamento do registro de negociação neste Nível; • Adesão à Câmara de Arbitragem do Mercado para resolução de conflitos societários. 2.1.2. Novo mercado Empresas que se comprometem em adotar e utilizar um conjunto de regras societárias mais exigentes do que as presentes na legislação, ou seja, medidas de governança corporativa adicionais às exigidas pela legislação brasileira, participam de um segmento denominado de Novo Mercado. Tais regras aumentam os direitos dos acionistas e melhora a qualidade das informações prestadas para os usuários externos.
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representando 25% (vinte e cinco por cento) do capital social da companhia; o Quando da realização de distribuições públicas de ações, adoção de mecanismos que favoreçam a dispersão do capital.
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De acordo com a Bovespa (2005), a premissa básica do Novo Mercado é “valorização e a liquidez das ações são influenciadas positivamente pelo grau de segurança oferecido pelo direito concedidos aos acionistas e pela qualidade das informações prestadas pelas companhias”. Para participar do Novo Mercado a firma deve possuir apenas ações ordinárias. A Bovespa (2006) cita outras obrigações adicionais que as companhias possuem, além das já expostas nos Nível 1 e 2, dentre elas: • Extensão para todos os acionistas das mesmas condições obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia (tag along). • Realização de uma oferta pública de aquisição de todas as ações em circulação, no mínimo, pelo valor econômico, nas hipóteses de fechamento do capital ou cancelamento do registro de negociação no Novo Mercado. • Conselho de Administração com mínimo de 5 (cinco) membros e mandato unificado de até 2 (dois) anos, permitida a reeleição. No mínimo, 20% (vinte por cento) dos membros deverão ser conselheiros independentes. • Realização de reuniões públicas com analistas e investidores, ao menos uma vez por ano.
3. METODOLOGIA Para construção deste trabalho foi realizada, a princípio, uma investigação documental, levantando-se trabalhos realizados anteriormente que versassem sobre Balanço Patrimonial, segundo as normas da CVM e legislação societária, e Governança Corporativa, bem como estudos que tenham realizado análise comparativa dos demonstrativos contábeis. Sendo encontrados artigos científicos, livros e sites, conforme disposto no referencial teórico. Em um segundo momento foi feita a coleta e análise de dados. Como fonte de dados foi utilizada o site da Comissão de Valores Mobiliários, a CVM, o site da Bolsa de Valores e Mercados Futuros, a BVMF, doravante denominado BOVESPA, para captação do Balanço Patrimonial disponibilizado pelas empresas. Também foram acessados os sites das empresas estudadas para captação de seus relatórios anuais e /ou trimestrais que apresentassem o Balanço Patrimonial com encerramento em 31 de dezembro de 2010. O período de análise foi escolhido por representar o último Demonstrativo Financeiro Padronizado apresentado pelas empresas a Comissão de Valores
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Sobre a população deste estudo, esta corresponde as empresas que compuseram o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo, o IBOVESPA, justifica-se a utilização do referido índice, pelas ações estudadas precisarem apresentar certo nível de liquidez e negociação. Já amostra, correspondeu a todas as ações que fizeram parte do IBOVESPA no período de análise e que apresentassem o Balanço Patrimonial que pudessem ser analisados. Importante ressaltar que foram retiradas as empresas financeiras por apresentarem em seus relatórios estruturas diferenciadas, o que prejudicaria a análise. Parra realização da análise foi escolhida três grandes dimensões a qual foram chamadas de Mudança de Valor de Grupos e Subgrupos, Mudança de Nomenclatura e Reclassificação, as quais são explicadas como segue: • Mudança de Valor: Foi comparado o total do balanço patrimonial dos dois relatórios, bem como o total dos grupos e subgrupos desse, para identificar onde há divergência. • Mudou Nomenclatura: Foi averiguado se a nomenclatura da contas utilizada nos dois demonstrativos são iguais ou se há alguma diferença. • Reclassificação: Foi verificado se alguma conta que compõe o balanço patrimonial teve seu posicionamento modificado, ou se foram apresentadas contas divergentes em valor e ineditismo. Tendo elucidado as dimensões de análise dos balanços, para maior esclarecimento, segue quadro 1 com itens que foram analisados no balanço patrimonial, com 19 (dezenove) itens de avaliação do ativo, 11 itens de avaliação do Passivo exigível e 3 itens de avaliação do Patrimônio Líquido. Quadro 1 – Critérios de avaliação do Balanço Patrimonial Avaliação de Contas de Ativo
Avaliação de Contas de Passivo e Patrimônio Líquido
Mudou Valor de Conta do Ativo
Mudou Valor de Conta do Passivo
Mudou Valor conta de AC
Mudou Valor conta de PC
Mudou Valor de Conta do ARLP
Mudou Valor de Conta do PELP
Mudou Valor de Conta do Investimento
Mudou Valor de Conta do PL
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Mobiliários. A coleta dos dados foi realizada entre 03 de junho de 2011 a 10 de julho de 2011.
Balanço patrimonial: uma análise comparativa das informações apresentadas a cvm e nos relatórios independentes, segundo o nível de governança corporativa da BMFBOVESPA
Mudou Valor de Conta do Imobilizado Mudou Valor de Conta do Intangível Mudou Nomenclatura de Conta do Ativo
Mudou Nomenclatura de Conta do Passivo
Mudou Nomenclatura conta de AC
Mudou Nomenclatura conta de PC
Mudou Nomenclatura de Conta do ARLP
Mudou Nomenclatura de Conta do PELP
Mudou Nomenclatura de Conta do Investimento
Mudou Nomenclatura de Conta do PL
Mudou Nomenclatura de Conta do Imobilizado Mudou Nomenclatura de Conta do Intangível Reclassificação de Conta do Ativo
Reclassificação de Conta do Passivo
Reclassificação conta de AC
Reclassificação conta de PC
Reclassificação de Conta do ARLP
Reclassificação de Conta do PELP
Reclassificação de Conta do Investimento, Imobilizado e Intangível
Reclassificação de Conta do PL
Reclassificação AC para ARLP
Reclassificação PC para PELP
Reclassificação ARLP para AC
Reclassificação PELP para PC
Reclassificação ARLP Outros Não Circulantes Por fim, seja levado em consideração que, para analise, o Balanço Patrimonial apresentado a CVM é considerado a base de comparação do Balanço apresentado pelas empresas em seus relatórios independentes. Assim qualquer divergência avaliada equivale a modificação do relatório independente em relação ao da CVM.
4. ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS Neste capítulo serão apresentados os dados dos resultados obtidos através da respectiva análise, levando em consideração a metodologia discutida no capítulo anterior. Para tanto, inicia-se com o sumário estatístico, ou estatística descritiva, seguida da aplicação da avaliação dos grupos e subgrupos do Balanço Patrimonial, do Ativo, Ativo Circulante, Ativo Realizável a Longo Prazo, Investimento, Imobilizado e Intangível; do Passivo, Passivo Circulante Passivo Exigível a Longo Prazo e o Patrimônio Líquido.
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Neste tópico é realizada uma análise descritiva das empresas estudadas em relação ao Ibovespa, conforme tabela 01, evidenciando-se o número de ações que compõem tal índice, bem como o número de empresas a que essas ações pertencem. Nesse contexto os números são apresentados segundo a participação nos níveis diferenciados de governança corporativa, bem como o percentual de composição de cada grupo no índice estudado, o Ibovespa. Tabela 01 – Análise descritiva da População e da Amostra
Conforme tabela 01, tomou-se como população 62 (sessenta e duas) empresas, representadas por 69 (sessenta e nove) ações que compõem o índice IBOVESPA. Dessas, foram analisadas 49, sendo então descartadas 13 (treze) empresas por não terem apresentados os dados necessários ou por alguma dificuldade de coleta das informações. Da amostra, foi observado que 55% (cinquenta e cinco por cento), são participantes do Novo Mercado da BM&FBovespa; 6% (seis por cento), alocadas no Nível 2 de Governança Corporativa; 24% (vinte e quatro por cento) classificadas como Nível 1 de Governança Corporativa e 14 (quatorze por cento), não fazem parte de nenhum dos grupos de governança corporativa. Com isso pode ser observado que a grande maioria das empresas que compõem o índice IBOVESPA participam em algum dos mercados com padrão de governança diferenciado Como composição percentual, por fim, pode ser notado que após o Novo Mercado e o Nível 1, seguem as empresas não classificadas no índice de governança corporativa, seguida pelo Nível 2. Como composição percentual, por fim, pode ser notado que após o Novo
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4.1. Estatística descritiva
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Mercado e o Nível 1, seguem as empresas não classificadas no índice de governança corporativa, seguida pelo Nível 2. 4.2. Análise comparativa do balanço patrimonial Neste tópico procura-se evidenciar os resultados obtidos com o a comparação da composição do Balanço Patrimonial apresentados pelas empresas que compõem o índice Ibovespa, à Comissão de Valores Mobiliários e o que são disponibilizados nos relatórios financeiros independentes de seus sites. Em geral os relatórios coletados nos sites das empresas equivaleram aos denominados Press Release do 4º trimestre de 2010, representando o balanço de 31 de dezembro de 2010. Ressalte-se também que foram tomados os Balanços Consolidados das empresas estudadas. Para análise, observando a classificação de Governança Corporativa dada pela BMFBOVESPA, foi separado o conjunto de contas do ativo e do passivo, ambos sendo analisado sob as perspectivas de valor total dos grupos e subgrupos, reclassificação e nomenclaturas das contas, como pode ser visto nos tópicos que se seguem. 4.3. Análise das contas de ativo Conforme mencionado, neste tópico são evidenciados os resultados e realizada a análise dos Grupos, Subgrupos e Contas do Ativo, o Ativo Circulante, Ativo Realizável a Longo Prazo, Investimento, Imobilizado, Intangível e suas contas. Conforme dito os aspectos analisados são Mudança de Valor, Mudança de Nomenclatura, Reclassificação das Contas. 4.3.1. Valor total dos grupos e subgrupos do ativo Neste item foram observados se o total do ativo e os grupos Ativo Circulante, Ativo Realizável a Longo Prazo, Investimento, Imobilizado e Intangível apresentavam o mesmo valor, ou não, no Balanço Patrimonial apresentado no site da CVM e dos relatórios coletados nos sites das Empresas. Para essa evidenciação é apresentada a Tabela 02.
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Conforme pode ser observado, das empresas analisadas apenas uma empresa no grupo Novo Mercado apresenta divergência (para mais ou para menos) no total do valor do Ativo, sendo essa divergência de valor observada nos grupos Ativo Circulante e Ativo Realizável a Longo Prazo. Também foi notado diferença de valor em uma empresa do grupo classificado no Nível 1 de Governança Corporativa, sendo essa diferença percebida em quase todos os grupos de contas do Ativo analisadas, ou seja, nos grupos do Ativo Circulante, do Ativo Realizável a Longo Prazo, do Investimento e do Intangível. O único grupo com resultados compatíveis foi o imobilizado. É importante destacar que para as empresas com de Nível 2 e as Sem Classificação, não foram encontradas incongruências no valor total dos grupos do ativo. 4.3.2. Mudança na nomenclatura das contas de ativo Nesse item foi comparada a nomenclatura das contas entre os relatórios estudados, ressalte-se que a mesma análise foi realizada para os grupos e subgrupos do Ativo, porém não foi notado nenhum tipo de divergência. Seja destacado que não está sendo evidenciado o número de contas que teve a nomenclatura modificada, mas se houve essa mudança ou não, mesmo que seja em uma única conta. Os resultados foram obtidos são apresentados na tabela 03, seguida de análise.
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Tabela 02 – Avaliação do valor dos Grupos e Subgrupos do Ativo
Balanço patrimonial: uma análise comparativa das informações apresentadas a cvm e nos relatórios independentes, segundo o nível de governança corporativa da BMFBOVESPA
Tabela 03 – Avaliação da Mudança na Nomenclatura das Contas de Ativo
Conforme pode ser notado na tabela 3, todas as empresas participantes em algum mercado diferenciado de GC analisados apresentaram modificação de nomenclatura nas contas de ativo. Realizando ranking desses grupos, pode ser notado que o grupo com maior percentual de empresas com modificação na nomenclatura é o Nível 1, representando 83% (oitenta e três por cento) das empresas que o compõem, seguido do Grupo Novo Mercado como 74% (setenta e quatro por cento), do Nível 2 com 67% (sessenta e sete por cento) e por fim as empresas que não se enquadram na classificação de Governança Corporativa da Bovespa. Pode ser notado mais uma vez que os dois grupos com menor sem classificação de Governança Corporativa, são os que possuem menor incongruência na comparação Balanço CVM x Balanço Relatório Independente. 4.3.3. Reclassificação de contas de ativo Neste item são analisadas as contas que compõem o ativo das empresas, lembrando que foi considerado reclassificação quando notado mudança de valores nas contas, por terem sido realocados para outra conta, ou pela modificação de sua localização dentro do grupo a que pertenciam ou para outro grupo. Os dados de análise de Reclassificação de Contas de Ativo são apresentados na Tabela 04 e analisados posteriormente a essa, levando em consideração os níveis de Governança Corporativa.
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Tabela 04 – Avaliação da Reclassificação de Contas de Ativo
Segundo dados apresentados na Tabela 04 é notável que todas as empresas classificadas em algum nível de Governança Corporativa realizou reclassificação de contas de ativo e das empresas sem classificação de Governança Corporativa, apenas 1 (uma) não realizou reclassificação. Pode ser notado que em geral o maior número de reclassificações ocorreu dentro do grupo Ativo Circulante, com exceção do Grupo N2, seguido do Realizável a Longo Prazo, e Reclassificação do Investimento, Imobilizado e Diferido. Sobre reclassificação das contas entre grupos foi observada uma maior ocorrência entre conta de Ativo Realizável a Longo Prazo (ARLP) e Outros não circulantes (Investimento, Imobilizado e Intangível). Nesse contexto, abordando a Governança Corporativa, em números reais, o grupo no Novo Mercado foi o que mais realizou reclassificação entre grupos, duas empresas, seguido dos outros três com uma empresa. Já em termos percentuais o grupo que mais realizou reclassificação foi o de Nível 2, 33% (trinta e três por cento), seguido do Sem Classificação com 14% (quatorze por cento), Nível 1 com 8% (oito por cento) e o Novo Mercado com 7% (sete por cento). 4.4. Análise das contas de passivo e patrimônio líquido Neste tópico serão apresentados os dados referentes aos Grupos do Passivo Exigível, doravante chamado apenas de Passivo e a Conta de Patrimônio Líquido, bem como a análise dos resultados. Para avaliação do Passivo Exigível
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foram evidenciados os Grupos Passivo Circulante e Passivo Exigível a Longo Prazo e o Patrimônio Líquido não foi tratado os seus subgrupos. Os aspectos analisados são semelhantes ao analisado anteriormente nos Grupos, subgrupos e contas de ativo. 4.4.1. Valor total dos grupos e subgrupos do passivo e do patrimônio líquido Neste item foram observados se o total do Passivo, com os grupos Passivo Circulante e Passivo Exigível a Longo Prazo, além do Patrimônio Líquido apresentavam o mesmo valor, ou não, no Balanço Patrimonial apresentado no site da CVM e dos relatórios coletados nos sites das Empresas. Para essa evidenciação é apresentada a Tabela 05. Tabela 05 – Avaliação do Valor Total dos Grupos e Subgrupos do Passivo e do Patrimônio Líquido
Semelhante ao ocorrido com o Ativo, foram encontradas divergências de valor nos Grupos Novo Mercado e Nível 1. Conforme pode ser visto, das empresas analisadas 1 (uma) empresa no grupo Novo Mercado apresenta divergência para mais ou para menos no valor total, sendo essa divergência de valor observada nos grupos Passivo Exigível a Longo Prazo (PELP) e no Patrimônio Líquido. Também foi notado diferença de valor em 1 (uma) empresa do grupo classificado no Nível 1 de Governança Corporativa, sendo essa diferença decorrente dos grupos Passivo Circulante, Passivo Exigível a Longo Prazo e no Patrimônio Líquido. Importante destacar que para as empresas de Nível 2 e as Sem Classificação, não foram encontradas incongruências no valor total dos grupos do Passivo e Patrimônio Líquido.
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Destaque-se que não está sendo evidenciado o número de contas que teve a nomenclatura modificada, mas se houve essa mudança ou não, mesmo que seja em uma única conta. Os resultados foram obtidos são apresentados na tabela 06, seguida de análise. Tabela 06 – Avaliação da Mudança na Nomenclatura das Contas de Passivo e Patrimônio Líquido
Conforme pode ser notado na Tabela em questão, todos os grupos de Governança Corporativa analisados apresentaram modificação de nomenclatura nas contas de Passivo e Patrimônio Líquido. Ranqueando esses grupos, pode ser notado que o grupo com maior percentual de empresas com modificação na nomenclatura é o Nível 2, representando 100% (cem por cento) das empresas que o compõem, seguido do Nível 1 como 75% (setenta e cinco por cento), do Novo Mercado com 74% (setenta e quatro por cento) e por fim as empresas que não se enquadram na classificação de Governança Corporativa da Bovespa com 71% (setenta e um por cento). Pode ser notado mais uma vez que o grupo que não possui classificação de Governança Corporativa é o que possui menor incongruência na comparação Balanço CVM x Balanço Relatório Independente. Note-se também que para todos os grupos o maior número em termos percentuais e reais de mudança ocorreu no Passivo Circulante, seguido do Passivo Exigível a Longo Prazo e do patrimônio Líquido.
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4.4.2. Mudança na nomenclatura das contas de passivo e patrimônio líquido
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4.4.3. Reclassificação de contas de passivo e patrimônio líquido Neste item são analisadas as contas que compõem o Passivo e Patrimônio Líquido das empresas, lembrando que foi considerado reclassificação quando foi notado mudança de valores nas contas, por terem sido realocados para outra conta, ou pela modificação de sua localização dentro do grupo a que pertenciam ou para outro grupo. Os dados de análise de Reclassificação de Contas de Passivo e Patrimônio Líquido são apresentados na Tabela 07 e analisados posteriormente a essa, levando em consideração os níveis de Governança Corporativa. Tabela 07 – Avaliação da Reclassificação de Contas de Passivo e Patrimônio Líquido
Segundo dados apresentados na Tabela 07 é notável que a grande maioria das empresas realizou alguma reclassificação nas contas de Passivo e / ou Patrimônio Líquido. Sobre as contas do Passivo, vale destaque para o Níveis 1 e 2 de Governança Corporativa, em que 100% das empresas fez algum tipo de reclassificação no Passivo Circulante ou no Exigível a Longo Prazo. Seguido do grupo Novo Mercado e das empresas sem classificação.
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Tabela 08 – Resumo dos Resultados
Conforme pode ser observado na tabela 08, com o resumo dos resultados, é possível perceber que dos nove itens gerais avaliados, o grupo que esteve a frente percentualmente das incongruências na avaliação Balanço Patrimonial CVM x Balanço Relatório Independente foi o grupo classificado no Nível 1 de Governança Corporativa, seguido pelo Nível 2, Novo Mercado e Sem Classificação. Destaque-se, porém que o percentual, e também números reais, de divergência do grupo Novo Mercado apresenta-se em geral bastante elevado. Além disso, destaque-se que as empresas que não estão classificadas em nenhum dos níveis de governança corporativa em geral são as que possuem menor número real e percentual de incongruências comparado com os outros grupos, porém seja ressaltado que esses valores também são elevados.
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Para as contas de Patrimônio Líquido o grupo que teve maior percentual de reclassificação foi o Grupo Sem Classificação, seguido dos Níveis 1 e 2 e do Novo Mercado, com 71% (setenta e um por cento), 67% (sessenta e sete por cento) e 59% (cinquenta e nove por cento), respectivamente.
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5. CONCLUSÃO Conforme mencionado em alguns trechos anteriores, este trabalho teve como objetivo realizar uma análise comparativa entre o Balanço Patrimonial apresentado pelas empresas de Capital aberto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o apresentado pelas mesmas em relatórios disponibilizados em seus sites para o ano de 2010, levando em comparação os níveis de governança corporativa da Bolsa de Valores de São Paulo. Segundo dados apresentados e analisados, chega-se a conclusão de que as empresas que não estão classificadas em nenhum dos níveis de governança corporativa, doravante denominadas sem classificação, ou não classificadas, foram as que apresentaram menor percentual de incongruência nos aspectos analisados, seguido do Grupo Novo Mercado, nível 1 e Nível 2. Porém ressalte-se que todos os índices encontrados são considerados altos. De certo, este estudo não tem o objetivo de julgar a intensão das entidades, mas questionar a falta de uniformidade nos relatórios dessas, o que obriga os investidores utilizar diversos relatórios para buscar uma conclusão sobre a situação da empresa. Nesse contexto, questiona-se a estrutura mais adequada a se tomar decisão, se é a adotada pela CVM, que assim ocorra com obediência à legislação específica que busca a defesa do investidor, se o mais claro são os relatórios complementares, que a legislação os abrace. Esse estudo parte da crença das autoras na necessidade de ter relatórios contábeis claros e uniformes que facilitem a tomada de decisão do investidor, o que acredita ser realmente a Governança Corporativa.
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Um novo olhar pedagógico para as Ciências Contábeis Cacilda Soares de Andrade Joaquim Osório Liberalquino Ferreira
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Na busca por uma nova base pedagógica para o ensino de Ciências Contábeis, encontramos nas idéias construtivistas pressupostos inovadores para esta área do saber. Assim, buscou-se implementar estes pressupostos em nossos estudos para o curso de Ciências Contábeis na modalidade à distância. Dessa forma, questiona-se como promover um aprendizado significativo para os discentes do curso de Ciências Contábeis na modalidade de educação à distância online, por meio da aplicação de uma teoria pedagógica, que considere as características da área de Ciências Sociais a Aplicadas? Para tanto, o principal objetivo do estudo foi destacar e apontar a necessidade de um novo tratamento pedagógico para as Ciências Sociais e Aplicadas, em especial às Ciências Contábeis. Fez-se um levantamento bibliográfico acerca da concepção construtivista e das teorias aplicadas para a educação à distância, buscando identificar qual seria mais adequada para esta área. Ao final apresentam-se os resultados da aplicação de um estudo de caso ancorado por uma teoria construtivista.
2. APRENDIZAGEM E CONHECIMENTO Dos diversos autores e pesquisadores que buscaram em sua trajetória de vida explicar como se dá a aprendizagem e a construção do conhecimento podemos destacar Piaget e Vygotsky, já que ambos foram contemporâneos e tinham a mesma preocupação com a questão do desenvolvimento humano. Mesmo que suas abordagens possam parecer contraditórias, encontrou-se alguns fatores que podem se complementar no entendimento do fenômeno da aprendizagem. São questões como: de que forma os alunos do ensino superior constroem o conhecimento? Como se dá o processo de elaboração de suas idéias? E como a lógica do pensamento passa do nível inicial para o nível superior? que nos levam a uma discussão focando o ensino superior. Mas o que é conhecimento? Coll, Marchesi e Palácios (2004, p.45) ancorados
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na teoria de Piaget conceituam conhecimento como “um processo e, como tal, deve ser estudado em seu devir, de maneira histórica”. Justificam a inquietação de Piaget de não se contentar apenas com a resposta de como é possível o conhecimento, mas ainda de como o conhecimento muda e evolui dentro de uma abordagem epistemológica. Conforme Coll, Marchesi e Palácios (op. cit.), Piaget define epistemologia genética “como a disciplina que estuda os mecanismos e os processos mediante os quais se passa ‘dos estados de menor conhecimento aos estados de conhecimento mais avançados’”. Entende-se que o conhecimento surge da “interação entre sujeito e objeto, será essencialmente uma construção” (COLL, MARCHESI ; PALÁCIOS, 2004, p. 47). Os estudos de Piaget e seus colaboradores consideram a aprendizagem com ênfase em seu processo, mais do que em seu resultado. Porém, seus estudos apontam que a capacidade do sujeito de aprender depende de seu nível de desenvolvimento biológico que leva ao desenvolvimento cognitivo. Portanto, o educador deve se preocupar com a capacidade individual de cada aprendiz analisando os conteúdos com os objetivos propostos para determinar as competências cognitivas necessárias ao aprendizado satisfatório. No entanto, ao aceitar-se que o conhecimento é progressivo, apropriando-se o sujeito do objeto, leva-se ao entendimento de que a “assimilação do primeiro às estruturas do segundo é indissociável da acomodação destas últimas às características do objeto” (FOSNOT et al, 1998, p. 47). Dentro da concepção de Piaget, a passagem de um nível de menor conhecimento para um nível mais avançado, aponta para o entendimento de que a aprendizagem escolar não é uma recepção passiva, muito pelo contrário é um processo ativo de elaboração. Consideram-se os erros de compreensão, como uma assimilação incorreta ou incompleta do conteúdo. São tidos como uma estratégia do aprendiz na tentativa de aprender novos conteúdos, ou seja, tem a chance de errar e construir. O ambiente de ensino deve oferecer, portanto, a interatividade do conteúdo com os indivíduos envolvidos no processo de aprendizagem. Assim, o aprendiz poderá construir o conhecimento diante das ações efetivas e mentais, sobre o conteúdo da aprendizagem.
3. A PERSPECTIVA CONSTRUTIVISTA E O ENSINO SUPERIOR Antes de se discutir o processo de aprendizagem no ensino superior, se faz necessário caminhar pelos mesmos passos que Piaget, quando iniciou suas pesquisas sobre o desenvolvimento humano e como esse desenvolvimento pode influenciar na aprendizagem. Destaca-se aqui que vários estudiosos afirmam que a abordagem de Piaget “prima pelo rigor científico de sua produção, ampla e consistente ao longo
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Do ponto de vista de Piaget, o conhecimento se realiza por meio de construções sucessivas baseadas na maturação do ser humano. Tal maturação foi por ele classificada em quatro estágios de desenvolvimento distintos. O primeiro, conhecido por período sensório-motor, vai de 0 (zero) a 02 (dois) anos de idade e analisa os primeiros sentidos da criança diante de um mundo desconhecido por ela, no qual passa a habitar. As funções mentais limitam-se aos reflexos inatos conquistados mediante a percepção e os movimentos. O segundo período, pré-operatório, se encontra na fase dos 02 (dois) aos 07 (sete) anos de idade, quando a criança apresenta o uso da função simbólica, ou seja, a criança representa suas ações em seu pensamento, pois é por meio da linguagem lógica que se percebe o pensamento do sujeito. No entanto, Piaget defende que “o desenvolvimento da linguagem depende do desenvolvimento da inteligência”. O terceiro período, das operações concretas, se evidencia dos 07 (sete) aos 12 (doze) anos. Neste período, a criança consegue realizar operações mentais e, não apenas aquelas identificadas no período sensório-motor (ações físicas), mas desenvolve a capacidade de interiorizar as ações por meio da ação mental, ou seja, sem precisar da ação física para encontrar a lógica das coisas. Dos 12 (doze) anos em diante, no período das operações formais, ampliam-se as capacidades dos períodos anteriores. O indivíduo já consegue estruturar esquemas conceituais abstratos e por meio deles executar operações mentais dentro de uma lógica formal. É nessa fase que identificamos como se dá a aprendizagem do adulto e procuraremos fazer uma abordagem da teoria piagetiana diante das características dos alunos do ensino superior e, especificamente alunos do curso de Ciências Contábeis, nosso campo de estudo. Os estudos de Piaget focaram o processo que permita surgir a aprendizagem “em vez de rotular o tipo de lógica usado pelos aprendizes (ou seja, pré-operatória, concreta ou formal)” (FOSNOT et al, 1998, p. 28). Nos últimos 15 anos de sua vida, Piaget se preocupou em aprofundar seus estudos sobre o mecanismo da equilibração. Este mecanismo é usado para motivar as aprendizagens. É por meio da contradição que se provoca o desequilíbrio, a motivação interna e consequente acomodação. Fosnot et al (1998, p. 33) discutem as três propostas de acomodações que poderiam ser construídas por aprendizes, de acordo com Piaget, diante desse desequilíbrio:
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de 70 anos” (LA TAILLE, 1992; RAPPAPORT, 1981; FURTADO et al,1999; COLL, 1992 apud TERRA). Não se pode negar que apesar de não ter sido com intenções específicas de aprendizagem, a teoria de Piaget trouxe inestimáveis contribuições para a educação.
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(1) poderiam ignorar as contradições e perseverar em seu esquema ou idéia inicial; (2) eles poderiam oscilar, mantendo ambas as teorias simultaneamente e lidando com a contradição, fazendo cada teoria servir para casos específicos e separados, ou (3) eles poderiam construir uma noção nova, mais abrangente, que explicasse e resolvesse a contradição anterior. O que se deve salientar é que em quaisquer das hipóteses, tais acomodações são decorrentes de um comportamento interno auto-organizador do aprendiz. Muito embora os estudos de Piaget apresentem como último o período das operações formais, observa-se que muito ainda está por ser construído pelo indivíduo adulto, pois de acordo com suas conquistas cognitivas que teoricamente foram adquiridas no decorrer de sua vida, até então, continuarão presentes nos anos seguintes. Assim, pode-se afirmar que os adultos continuam em constante desenvolvimento, seja do ponto de vista cognitivo, físico ou afetivo. Dessa forma as equilibrações, orientadas por Piaget, também se observam no sujeito adulto. Nesse sentido, Saravali (2005, p. 13) citando Legendre afirma que para “assimilar os conhecimentos científicos elaborados [...] é necessário dispor das estruturas próprias do pensamento operatório formal”. Evidentemente que para o adulto o meio não se apresenta tão cheio de novidades quanto para um recém-nascido, no entanto suas experiências vividas correspondem a uma transformação experiencial para uma transformação conceitual. Entende-se, portanto, que “suas inúmeras experiências anteriores formam sistemas ou modelos” e o adulto “vai interpretar a realidade”, ou seja, [...] “uma nova informação irá sempre ser observada pelo filtro desses saberes já construídos anteriormente e/ou servirá para reestruturá-los mediante um processo de equilibração” (op.cit). Dessa forma, pode-se entender que o estudante universitário encontra-se no período das operações formais, pois já traz em sua bagagem de vida experiências vividas nos períodos anteriores e se abre um leque de novos conhecimentos que precisam ser aprendidos e construídos. No caso específico do aluno de contabilidade, os novos conhecimentos são de extrema complexidade devido ao raciocínio específico exigido do aprendiz. Por outro lado, o professor necessita identificar os primeiros conflitos na aprendizagem diante de um conhecimento novo e não experimentado nas fases anteriores, descritas por Piaget. Esses conflitos ocorrem principalmente no primeiro contato do aluno com a teoria contábil, quando se exige que ele entenda o mecanismo de débito e crédito, provocando nitidamente um
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4. CONSTRUTIVISMO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO O construtivismo segundo Fosnot et al (1998, p. xi) “[...] descreve o que é ‘saber’ como nós ‘viemos a saber’”. Nesta abordagem elege-se a aprendizagem como foco no processo de construção do conhecimento oportunizando aos alunos experiências concretas e significativas. “O conhecimento é tido como temporário, não-objetivo, internamente construído, social e culturalmente intermediado” (op.cit). Dessa forma, entende-se que o aluno possa alcançar padrões, questionamentos e assim construir os próprios conceitos e modelos. O construtivismo encara a aprendizagem como um processo auto-regulador e, por isso, enfrenta conflitos diante dos modelos pessoais já existentes e as novas construções de representações da realidade a partir de novos significados desenvolvidos por meio da “atividade social, do discurso e do debate” (ibidem). Nesta perspectiva, rejeita-se o modelo da simples transmissão de conteúdos, pré-elaborados característicos da abordagem voltada para o ensino. Abandona-se a idéia de que sejam incorporadas cópias do conhecimento do professor como sendo o ideal para todos; o modelo de conceitos que podem ser divididos em etapas, por se considerar que o aluno ainda não possui habilidades necessárias para avançar em seu aprendizado, ou seja, o foco neste caso é o ensino modelado pelo entendimento dos professores. Na visão construtivista sugere-se que o ensino dê oportunidades aos alunos de experiências que tenham significados dentro de seu contexto, nos quais possam “buscar padrões, levantar suas próprias perguntas e construir seus próprios modelos, conceitos e estratégias” (FOSNOT et al, 1998, p.xi). Estimula-se a autonomia do discente afastando-o da concepção de que se deve aprender o que o professor sabe. Observa-se que numa concepção construtivista, a escola tem o papel de promover o desenvolvimento a partir do incentivo à atividade mental construtiva dos alunos. Assim, a escola é a responsável por transformar o aprendiz em um ser único, com suas próprias reflexões diante de sua realidade e no contexto de seu grupo social. O conhecimento é construído por meio da aprendizagem ativa, fruto de uma construção pessoal. Nesta perspectiva, “a escola torna acessíveis aos seus alunos aspectos da cultura que são fundamentais para seu desenvolvimento pessoal, e não só no âmbito cognitivo assim, [...] a aprendizagem contribui para o desenvolvimento na medida em que aprender não é copiar ou reproduzir a realidade” (COLL, et al 1978, p. 19).
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desequilíbrio no raciocínio lógico, que só voltará a se re-equilibrar quando o docente se utiliza de analogias e representações para elucidar o mecanismo contábil.
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O construtivismo se destacou das demais teorias da cognição a partir do trabalho de Piaget, defendendo que o conhecimento “não tem, e não pode ter, o propósito de produzir representações de uma realidade independente, mas antes tem uma função adaptativa” (FOSNOT et al, p.19). O construtivismo se diferencia das teorias de aprendizagem por sua postura não-positivista opondo-se diretamente ao Behaviorismo, por exemplo, que considera a psicologia, um estudo científico explicando a aprendizagem em um sistema de respostas comportamentais a estímulos físicos. Preconiza-se no “efeito do reforço, da prática e da motivação externa sobre uma rede de associações e comportamentos aprendidos”. (ibidem, p.26). Na abordagem behaviorista o currículo é dividido, o conteúdo é disposto em partes que orientam as habilidades necessárias para o avanço do aprendizado em uma seqüência hierárquica do simples para o mais complexo. Fosnot et al (1998, p.26) citando Bloom (1956) e Gagne (1965), apontam as seguintes suposições da Teoria Behaviorista: 1. que observar, escutar explicações de professores que comunicam claramente ou engajar-se em experiências, atividades ou sessões práticas com retorno resultará em aprendizagem e 2. que habilidades proficientes produzirão quantitativamente o todo ou o conceito mais abrangente. Os autores completam tais suposições baseados em Skinner (1953) esclarecendo que, nesta abordagem, os alunos são agentes passivos e precisam de motivação externa e de reforço. Nas palavras de Coll et al (1978, p. 10), “a concepção construtivista não é, em sentido estrito, uma teoria, mas um referencial explicativo que, partindo da consideração social e socializadora da educação escolar, integra contribuições diversas [...]”. Significa dizer que não é um livro de receitas que se preste a resolver os problemas educacionais. E nem seria possível se forem observadas todas as complexas variáveis que envolvem o ambiente educacional e os sujeitos nele inseridos. Apesar de seus estudos terem sido voltados à estruturação cognitiva progressiva dos indivíduos, Piaget também observou os efeitos sociais sobre o processo da aprendizagem, porém considerando-os como uma fonte do conflito cognitivo e consequentemente desequilibração provocando o desenvolvimento. Nesse sentido, destaca-se o trabalho de Lev Vygotsky que se dedicou a estudar o efeito da interação social, linguagem e cultura sobre a aprendizagem. Castorina et al (2006, p.11) afirmam que Vygotsky “defendeu um estudo inter-
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Vygotsky levantou a hipótese da Zona de Desenvolvimento Proximal, para evidenciar “o caráter orientador da aprendizagem com relação ao desenvolvimento cognitivo” (CASTORINA et al, 2006, p.19), o que significa dizer uma área intermediária entre o nível real e o nível potencial de um indivíduo, ou seja, o que ele só pode fazer com ajuda de outro e o que ele pode fazer sozinho. Dessa forma, destaca-se a relação entre os conceitos espontâneos e os conceitos científicos. Entende-se por conceitos espontâneos aqueles desenvolvidos naturalmente no processo de construção, são as experiências cotidianas. Já os conceitos científicos são os originados da educação formal, da sala de aula que são impostos por meio de acordos culturais, ou seja, não podem ser considerados espontâneos. Diante dessas observações, a Zona de Desenvolvimento Proximal explica a passagem dos conceitos espontâneos para os conceitos científicos. É o “lugar onde os conceitos espontâneos [...] encontram a sistematicidade e a lógica do raciocínio [...]” (FOSNOT et al, 1998, p.36). Os estudos de Vygotsky buscaram o diálogo para esclarecer o processo da aprendizagem. Ele acreditava que por meio das conversas, questionamentos e o diálogo entre os indivíduos, produzia-se a aprendizagem mais efetiva. Em suma, o ponto de discordância entre Piaget e Vygotsky no que se refere à forma como se constrói o conhecimento, destaca-se quando o primeiro defende que o conhecimento ocorre “de dentro para fora”, numa visão genética e, o segundo afirma categoricamente que o conhecimento se dá “de fora para dentro”, diante da internalização dos fatores culturais.
5. APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA No processo de aprendizagem significativa, as ideias que são expressas por meio de símbolos se relacionam com as informações adquiridas anteriormente pelo aluno, seja de forma arbitrária ou não. Entende-se que a aprendizagem significativa parte da disposição do aluno em aprender, essa é sua condição, pois se o aluno decide apenas decorar a matéria não se pode considerar algum significado. Dentro dessa abordagem, identifica-se a necessidade de conceitos prévios. Por exemplo, trazendo para o campo de estudo desta pesquisa, o aprendiz em
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relacionado e não reducionista das funções e processos psicológicos”. Para ele dois são os instrumentos essenciais para o desenvolvimento cognitivo: a interação social e o instrumento linguístico. Daí sua teoria classificar-se como histórico-social do desenvolvimento.
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contabilidade necessita dos conceitos das demonstrações contábeis antes de ser consultado acerca das mutações que essas demonstrações podem sofrer, de acordo com as ações gerenciais sobre o patrimônio da entidade. Porém, para que se alcance verdadeiramente uma aprendizagem significativa, o aluno deve estar disposto ao aprendizado de determinada matéria e essa disposição depende da motivação, ansiedade e outros fatores que devem ser observados pelo professor. Além dos itens até agora citados, deve-se observar o material a ser utilizado, visando à aprendizagem. Ausubel, Novak e Hanesian (1980, p.37) apontam dois critérios para a produção de um “material de aprendizagem logicamente significativo” que não seja aplicado de forma arbitrária ou substantiva. Os autores se referem à forma arbitrária, quando se trata de uma aprendizagem executada por meio de experimentos realizados em laboratórios, considerados pelos autores sem sentido e objetivando estimular a aprendizagem dita automática. No que se refere aos tipos de aprendizagem significativa, os autores indicam a representacional como sendo a mais básica “que implica aprender o significado de símbolos particulares [...] ou aprender o que eles representam” (AUSUBEL, NOVAK e HANESIAN, 1980, p.39), quando o indivíduo se depara com algo desconhecido para ele e entende que é necessário para seu desenvolvimento, portanto é algo que ele precisa aprender. Dessa forma, se dá o processo de aprendizagem representacional, ou seja, passa a ter alguma representação ou significado para o indivíduo. Vejamos, por exemplo, o caso do aprendiz em contabilidade que desconhece o mecanismo de débitos e créditos, ou que este tenha para ele outro significado que a ciência contábil vise por finalidade explorar: utilizando-se a representação de uma balança convencional, pode-se associar ao estado patrimonial representado pela demonstração contábil conhecida por Balanço Patrimonial. A figura a seguir representa simbolicamente o patrimônio de uma entidade e suas possíveis situações.
Figura 01 – Representação Patrimonial
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A aprendizagem de conceitos consiste na formação de conceitos de uma determinada matéria. Os autores destacam que “os conceitos [...] são também representados por símbolos particulares, assim como são outras formas de unidades referenciais” (op.cit, p. 40). Portanto, conceituar a situação patrimonial de uma determinada entidade consiste em se conceituarem inicialmente os itens que compõem o patrimônio para só então conceituá-lo no conjunto. Já a aprendizagem proposicional se ocupa com o “aprendizado do significado de novas ideias expressas de forma proposicional” (idem). Nesse aspecto, o exemplo contábil que vem sendo desenvolvido, em cada uma das aprendizagens, pode ser expresso com a proposição de levar ao conhecimento do aluno as consequências na tomada de decisões gerenciais que afetam não apenas as empresas, mas a sociedade como um todo. Coll, Marchesi e Palácios (2004) destacam a teoria da aprendizagem criada por Ausubel, para descrever as idéias que dão sentido coerente aos seus estudos e de seus colaboradores. Explicam as duas principais idéias que orientam uma aprendizagem significativa. A primeira trata especificamente da aprendizagem formal, ou seja, dentro da escola, enquanto a segunda vincula-se à complexidade do fenômeno educacional. O ponto de conflito entre as duas se situa na abordagem empírica que confere à primeira, o trabalho em sala de aula, situações de ensino formal, enquanto a outra reclama uma teoria que venha orientar a prática docente, visando uma melhoria na ação docente. De acordo com Coll, Marchesi e Palácios (2004, p. 60), Ausubel e seus colaboradores “sempre consideraram que as teorias da aprendizagem e do ensino são interdependentes e ao mesmo tempo reciprocamente irredutíveis; as segundas devem basear-se nas primeiras, embora devam ter caráter mais aplicado”. Os autores relatam que o que levou Ausubel a elaborar sua proposta de aprendizagem se deve ao fato de existirem poucas propostas de teorias do ensino que tomassem por base os conhecimentos das teorias de aprendizagem. Dessa forma, seu estudo está dirigido à análise das características dos vários tipos de aprendizagem no ambiente escolar visando “construir conhecimentos com significado para os alunos” (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2004, p. 61).
6. TEORIAS PEDAGÓGICAS APLICADAS NA MODALIDADE DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA - EAD Diante das questões características da EAD, como a distância entre os sujeitos,
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Ausubel, Novak e Hanesian (1980) explicam ainda dois outros tipos de aprendizagem significativa que merecem destaque: aprendizagem de conceitos e aprendizagem proposicional.
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vários estudiosos desenvolveram teorias que procuram auxiliar na solução dos problemas típicos do mundo virtual. A característica que mais preocupou esses estudiosos remete-se à separação existente entre professor e aluno. Destacamos a seguir algumas das teorias mais conhecidas na literatura. Teoria do Processo Industrial de Otto Peters – Compara a produção em massa, divisão do trabalho e mecanização da EAD com os processos industriais. Para o autor, a EAD é um produto da sociedade industrial e por isso o processo da produção industrial é comparável ao processo de criação de cursos à distância. Teoria da Distância Transacional e Autonomia do Aprendiz de Michel Moore – Considera que a distância existente entre professor e aluno não é apenas uma questão geográfica, mas um conceito pedagógico. O autor defende a autonomia do aluno relacionando-a com a estrutura dos programas, ou seja, para ele, um programa muito estruturado impõe pouco ou nenhum diálogo entre os agentes. Esse diálogo é a interatividade necessária para que haja uma aprendizagem significativa, com cada um adicionando uma contribuição que, unida às outras, reduzem a distância. Teoria Tridimensional da Educação à Distância de Verduim e Clark – Considera-se como característica da EAD a separação entre professor e aluno de acordo com três pressupostos: a) o diálogo é imprescindível para comunicação com o aluno na elaboração de tarefas; b) o papel e a competência do aluno variam de acordo com o que se pretende alcançar em termos de aprendizagem e c) a estrutura do conteúdo são fundamentais para o resultado do processo ensino/aprendizagem. Teoria da Comunicação e Controle do Aluno de Garrison – Nesta abordagem o processo de aprendizagem depende diretamente da interatividade do professor com o aluno. Explica que para ocorrer à aprendizagem a separação entre professor e aluno necessita da tecnologia para uni-los. Entende que EAD e tecnologias são inseparáveis. Teoria do Ensino na Educação à Distância de Holmberg – Atribui importância imprescindível a autonomia do aluno, entendendo ser este o grande objetivo da EAD, no entanto defende uma comunicação efetiva quando professor e aluno estão separados pelo tempo e pelo espaço. A seguir destaca-se a Teoria da Flexibilidade Cognitiva que entendemos ser a mais adequada para as Ciências Sociais e Aplicadas, diante de suas características.
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Como visto até agora, compreender o processo de ensino/aprendizagem tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores. Seja pela ótica da psicologia, seja pela da educação, o fenômeno da aprendizagem intriga todos os sujeitos nele envolvidos. Com o advento das novas tecnologias, as questões que envolvem os processos de ensino e de aprendizagem receberam tipos diferentes de comunicação, a exemplo dos hipertextos, hiperdocumentos, simulações interativas e ambientes virtuais. De acordo com Carvalho (1998), no final da década de oitenta e início da década de noventa acontecia uma grande euforia pelo hipertexto. Porém, a desorientação no hiperespaço provocou desmotivação em seus utilizadores, principalmente no que se refere à aprendizagem, fazendo surgir novos estudos para tentar solucionar esse problema. A TFC surge, então, trazendo propostas de orientação para representação do conhecimento “para ensino e para aprendizagem de assuntos complexos e em ambientes pouco estruturados [...]” (CARVALHO, 1998, p.03). Dessa forma, pretende-se que o aprendiz use o conhecimento de maneira flexível, entendendo-se que ele deve ser ensinado também de forma flexível. Diante deste cenário, Rand Spiro desenvolveu a TFC que se preocupa com a aprendizagem do ponto de vista da flexibilidade cognitiva, para resolver problemas de aprendizagem caracterizados no nível avançado e em ambientes não estruturados. Carvalho (1998) afirma que a TFC não pode ser considerada uma teoria geral por não se aplicar a qualquer nível de conhecimento, mas a um nível específico, ou seja, o nível avançado de conhecimento, em domínios complexos e pouco estruturados. O nascituro desta teoria surgiu devido a problemas de aprendizado nas aulas do curso de Medicina nos Estados Unidos. Carvalho (1998) explica que Spiro foi convidado para pesquisar os problemas de negligência médica naquele país. Relata que o professor, entrevistando os alunos do curso de Medicina, identificou a dificuldade de compreensão conceitual e da transferência desses conhecimentos em situações novas. A autora (1998, p. 139) descreve a Teoria da Flexibilidade Cognitiva como “uma teoria construtivista de ensino e de aprendizagem [...] serve-se da ana-
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7. A TEORIA DA FLEXIBILIDADE COGNITIVA - TFC E A CAPACIDADE DE SOLUCIONAR PROBLEMAS
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logia da paisagem como representação do conhecimento [...] e da metáfora da ‘travessia da paisagem em várias direções’ [...]”. Segundo ela, a travessia da paisagem foi inspirada na obra: Investigações Filosóficas de Wittgenstein (1987). O autor utiliza a travessia na exposição escrita não convencional, enquanto que Spiro a utiliza como uma teoria base da aprendizagem, do ensino e da representação do conhecimento. Tal analogia procura esclarecer como se dá a aprendizagem, envolvendo o aprendiz em situações diversas por meio de casos que exigem deste, o raciocínio na solução de problemas complexos. Seu objetivo é o de promover no aluno o uso flexível do conhecimento fazendo com que ele acesse a mesma informação várias vezes, mas com diversas finalidades e consequentemente olhando uma mesma informação por diversos ângulos. De acordo com Feltovich et al, citados por Carvalho (1998), a utilização de analogias é importante, desde que se tomem determinados cuidados. Seu uso indevido pode induzir a concepções alternativas, ou seja, se as analogias não forem precisamente elaboradas podem provocar uma acomodação no aprendiz, limitando sua compreensão apenas àquela situação. Dessa forma, conforme relata Carvalho (1998), Spiro et al encontraram, no curso de Medicina, oito formas que as analogias contribuíram para o surgimento de concepções alternativas, ressaltando que possuíam em comum a inadequação na informação ou informação enganosa para compreensão do assunto; assim, o conhecimento, na prática, ficou resumido à analogia. Para se compreender o que são tratados nos “domínios complexos” e “pouco estruturados” necessita-se de um esclarecimento inicial no que diz respeito aos níveis de aquisição de conhecimento, considerados pelos autores. Carvalho (1998) descreve a existência de três níveis de conhecimento que Spiro et al consideram pertinentes: introdutório, avançado e de especialização. O nível avançado, por ser o intermediário entre o introdutório e o de especialização, necessita de cuidados particulares, em vista de que precede a especialização e exige mais do que uma simples exposição do assunto como acontece no nível introdutório. É nesta fase em que se “deve alcançar uma compreensão profunda do assunto para se poder aplicar esse conhecimento flexivelmente em diferentes contextos” (CARVALHO, 1998, p.144). Porém, Spiro observou que “mesmo na fase introdutória uma abordagem simplificada de um assunto complexo dificulta o domínio do assunto numa fase avançada” (CARVALHO, 2008, p. 149). Carvalho (1998, p.145-146), ao se detalhar na complexidade conceitual e nos domínios pouco estruturados, destaca os motivos apresentados por Feltovich
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Conforme desenvolvemos com relação ao conhecimento contábil, no item que tratou da aprendizagem significativa, utilizaremos o mesmo procedimento, para trazer as características da TFC, ao campo de estudo deste trabalho. No que diz respeito ao item (1) destacado por Carvalho (1998), pode-se comparar a mesma exigência, observada no curso de Medicina, ao curso de Ciências Contábeis, pois os conceitos também são em elevado número e exigem do aprendiz processos cognitivos simultâneos sobrecarregando o nível de memória. No nível da exigência da representação formal, necessita-se de um grau de abstração que leve à compreensão dos aspectos pouco concretos e às representações simbólicas, por meio de equações matemáticas, por exemplo. O conhecimento prévio, ou seja, no nosso exemplo, o conhecimento dos conceitos das demonstrações contábeis, pode não ser coincidente com os conhecimentos que se tem a respeito do tema, causando conflito no aprendizado. E por fim, a exigência de noções de regularidade pode ser associada à variedade de aplicações das demonstrações contábeis, de acordo com seus conceitos e com sua dependência a outros conceitos aos quais estejam atrelados. Dessa forma, exige-se do aprendiz o conhecimento e a compreensão de uma extensa quantidade destes conceitos. Dentro das semelhanças da medicina com cursos da área das Ciências Sociais e Aplicadas, pode-se citar ainda o trabalho de Lima (2001, p.6) que apresenta uma proposta de aplicação da TFC para estudantes de cursos de Administração. O autor explica que: a proposta nasceu das seguintes premissas: a) os cursos superiores de administração perdem em eficácia pedagógica pela fragmentação excessiva do conhecimento organizacional em disciplinas isoladas, com poucos mecanismos de interação interdisciplinar e re-significação destes fragmentos; b) por conta disso, os alunos de administração têm dificuldade de visualizar a complexidade das interdependências sistêmicas entre as dimensões funcionais de uma organização típica [...]; c) para aumentar a capacidade destes alunos de produzir sentido com os conteúdos que lhes são apresentados é necessário contextualizar de forma interdisciplinar o ensino de gestão; por fim,
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et al relativos aos conceitos em medicina pelas exigências cognitivas, os quais classificaram essas exigências em quatro categorias: “(1) Exigências ao nível da memória; (2) Exigências ao nível da representação formal; (3) Exigências ao nível da ‘intuição’ ou do conhecimento prévio e (4) Exigências de noções de regularidade” (grifos da autora).
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d) uma maneira atraente de atingir este objetivo é estimular os alunos a criar e utilizar estudos de casos mediados por computador de um alto grau de complexidade, enriquecidos por situações-problema que cubram um amplo espectro de ementas do curso de administração e que permitam ao estudante explorá-los de acordo com as suas próprias prioridades e ritmo de aprendizado. Identificam-se assim, as mesmas dificuldades constatadas por Spiro e colaboradores, em seus estudos.
8. A TEORIA NA PRÁTICA A Teoria da Flexibilidade Cognitiva se utiliza da metodologia de casos e das travessias temáticas, o que a torna adequada a um cenário de aprendizagem construtivista. Pedro e Moreira (2005, p.641) afirmam, citando Shuman, que o estudo de caso “é na sua essência, uma história, uma narrativa, um evento ou experiência que liga uma situação particular a princípios, teorias ou métodos mais gerais”. Assim, um caso é uma representação da realidade, com problemas reais, analisados e tratados em ambientes controlados. Entende-se que a metodologia de casos promove o conhecimento por meio da construção ativa do aprendiz, o qual interpreta o problema e aplica o conteúdo aprendido. O caso apresenta-se ainda como flexível, na medida em que “evita a construção de representações do conhecimento rígidas e generalizadoras, ao mesmo tempo em que promove a capacidade de transferência de conhecimento para situações detentoras de novidade” (op.cit, p.642). A TFC utiliza-se também das travessias temáticas que, segundo Carvalho (1998), só se consegue a compreensão de determinado domínio depois que se atravessam as paisagens em várias direções. Essa travessia significa uma desconstrução. Ou seja, o caso é analisado pela desconstrução da situação em análise (mini-casos), por meio dos múltiplos temas aplicados ao caso (travessias temáticas). Dessa forma, a complexidade de um caso será compreendida numa seqüência de partes, de diferentes pontos de vista, diferentes perspectivas, fazendo com que o assunto seja visto de diferentes ângulos, promovendo assim, a flexibilidade cognitiva no sujeito, para a solução do problema proposto. Assim, a Teoria se utiliza dessa metodologia para avaliar a aprendizagem pela aplicação de estudo de caso e da desconstrução dos casos em mini-casos, por meio das travessias temáticas.
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Esta pesquisa apresenta os resultados do estudo de Andrade (2008) que afirma acreditar nesta metodologia construtivista. Afirma a autora que quando usada nas Ciências Sociais e Aplicadas, esta Teoria vem contribuir para dirimir ou até solucionar os problemas do ensino e da aprendizagem em um campo de tamanha complexidade quanto ao que aplica seus conhecimentos à sociedade, mensurando os efeitos das decisões gerenciais. Aqui são descritos e analisados os resultados obtidos na disciplina Contabilidade Gerencial do curso de administração de Empresas da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, tomando-se por base os pressupostos da Teoria da Flexibilidade Cognitiva – TFC, aplicando-se o estudo de caso, descrito a seguir. O caso proposto neste trabalho foi subdividido em 05 (cinco) mini-casos: Balanço Patrimonial - BP, Demonstração do Resultado do Exercício - DRE, Demonstração do Fluxo de Caixa - DFC, Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido - DMPL e Demonstração das Origens e Aplicações de Recursos – DOAR. O quadro 01 apresenta a composição do caso e seus mini-casos. Quadro 1 – Descrição do Caso e Mini-Casos CASO
MINI-CASOS
1 – Decisão Gerencial
1 – BP 2 – DRE 3 – DFC 4 – DMPL 5 – DOAR
Fonte: Elaboração própria
10. APRESENTAÇÃO DO CASO PROPOSTO No ano findo de 2007, o Governo Federal brasileiro anunciou o fim da CPMF (Contribuição Provisória da Movimentação Financeira). Com sua extinção houve a necessidade de complementar a receita pública com o aumento de outros tributos federais, a exemplo do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A empresa “Usar Cartão é a Melhor Opção – UCMO”, do ramo de indústria e comércio, tem sua receita de vendas suportada por operações em cartão
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9. VALIDANDO A TFC
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de crédito. Diante da decisão de transferir a perda na arrecadação para um imposto que incide diretamente nas operações de crédito, o consumidor recuou da opção de comprar no cartão, justamente no mês de janeiro no qual normalmente há uma queda esperada, após as festas de fim de ano, momento de maior movimentação no comércio. Diante deste fenômeno econômico do cenário nacional, a UCMO teve uma queda nas vendas da ordem de 20%. Problema: Como gestor da UCMO que alternativas você implementaria para recuperar, ou, pelo menos, manter o nível projetado de vendas da empresa para o primeiro semestre de 2008? Utilize as demonstrações Contábeis da empresa para analisar a situação e propor alternativas.
11. TRAVESSIAS TEMÁTICAS
As travessias temáticas foram pré-definidas e figuram como outro processo fundamental nesta teoria. Cada travessia temática busca evidenciar um tema ou uma combinação de temas ao longo das demonstrações contábeis, que foram os mini-casos, focando a presença do assunto em outras situações. As travessias temáticas pré-definidas foram: • A Contabilidade como Sistema de Informação • A utilização das informações contábeis para tomada de decisões • Relatórios Gerenciais • Demonstrações Contábeis obrigatórias • Evidenciação das Demonstrações Contábeis • Conceito de Ativos • Modelo de Gestão do Ativo e do Passivo • Conceitos de Lucro Econômico e Lucro Contábil • Informações Gerenciais para Suporte • Lucro por Ação e Lucro Residual
12. RESULTADOS ESPERADOS O resultado esperado foi o de desenvolver no aprendiz a habilidade de analisar as demonstrações contábeis da empresa e adquirir competência de tomar a decisão mais adequada para o momento. As possíveis alternativas afetam os resultados da empresa que são identificados nas demonstrações levantadas após a tomada de decisão. Para este estudo, foram consideradas as justificativas dadas pelos grupos em cada decisão tomada.
13. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Para se avaliar a qualidade das respostas apresentadas no caso proposto foi
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Para obterem a avaliação definida como “completa” os grupos deveriam observar os efeitos de suas decisões nas demonstrações contábeis, seguindo a lógica de causa e efeito, sabendo-se que as demonstrações estão interligadas pela equação patrimonial. As respostas avaliadas como incompletas apresentaram decisões que afetaram positivamente uma determinada demonstração, no entanto, sem observar os efeitos nas demais demonstrações provocando inconsistências de gerência e, por fim a avaliação considerada descontextualizada apresentou alternativas que não conseguem resolver o problema e ainda afetou de forma negativa a sobrevivência da empresa.
14. RESULTADOS ENCONTRADOS Dos 58 (cinquenta e oito) alunos matriculados, 49 (quarenta e nove) frequentaram as aulas. O caso foi resolvido por 09 (nove) grupos de 05 (cinco) a 06 (seis) pessoas, que indicaram diversas alternativas para a solução do problema da UCMO. O quadro 02 apresenta a avaliação das alternativas de solução do caso. Quadro 02 – Avaliação do caso proposto Caso Grupos
Avaliação
1
C
2
C
3
C
4
D
5
I
6
C
7
C
8
I
9
C
Fonte: Elaboração própria
Os grupos (1), (2), (3), (6), (7) e (9) apresentaram alternativas de solução consideradas completas tendo em vista que exploraram todas as características dos efeitos da decisão nas demonstrações contábeis, procurando associar as
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elaborado um quadro, no qual estão dispostos os seguintes critérios para as respostas: completas (C), incompletas (I) e descontextualizadas (D).
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travessias temáticas por meio de reflexão dos conceitos de cada demonstração, bem como do resultado contábil e econômico para a empresa. Descreveram ainda a importância das informações contidas nas demonstrações para uma segura tomada de decisão. Os grupos com soluções consideradas completas apresentaram as seguintes alternativas: a) mudança na política de compra e venda; b) mudança do ciclo operacional; c) desinvestimentos de ativos e re-investimento em marketing; d) diminuição de custos por meio da redução da taxa de juros junto aos fornecedores; e) emissão de novas ações para com o ingresso de novos recursos efetivar a quitação de dívidas. Os grupos (5) e (8) que receberam avaliação considerada incompleta apresentaram alternativas como: a) reduzir o quadro de funcionários; b) trocar o nome da empresa; c) investimento na política de marketing; d) desconto nas vendas. O grupo (4), que obteve avaliação considerada descontextualizada, apresentou como alternativas: a) demissão de funcionários; b) antecipar recebimentos de duplicatas e; c) promover liquidações de estoque.
15. CONSEQÜÊNCIAS DAS DECISÕES DOS GRUPOS DE ALUNOS As alternativas consideradas completas do ponto de vista de decisões gerenciais, tais como a mudança na política de compra e venda da empresa UCMO, incentivando as vendas à vista com descontos promocionais, além de provocar uma redução dos estoques, aumenta a disponibilidade do saldo de caixa; a re-negociação com os fornecedores aumentou o prazo para pagamento das dívidas. Para justificar as decisões, os grupos fizeram uso da análise das demonstrações contábeis por meio de cálculos específicos que retrataram os efeitos patrimoniais e no resultado do exercício. A decisão na mudança do ciclo operacional indicou que a mudança no giro dos estoques e o desinvestimento de ativos re-investindo em marketing pode ser alternativa viável, tendo em vista que associada à nova política de compra e venda provoca uma reestruturação operacional na UCMO. Já os grupos (5) e (8) não observaram em sua completude os efeitos de uma decisão que poderia afetar resultados futuros e consequentemente a continuidade da empresa. Decisões como redução da despesa por meio da demissão em massa de funcionários pode resolver a situação em curto prazo, no entanto em médio e longo prazo comprometeria a produção e consequentemente a disponibilidade de mercadorias para venda e, ainda, falta de pessoal qualificado para produzir receita de vendas, principal fonte de recursos. Apenas o grupo (4) apresentou solução descontextualizada com a situação.
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16. CONCLUSÃO Diante das características das Ciências Sociais e Aplicadas acreditamos que a concepção construtivista venha contribuir para dirimir ou até solucionar os problemas do ensino e da aprendizagem em um campo de tamanha complexidade quanto ao que aplica seus conhecimentos à sociedade, mensurando os efeitos das decisões gerenciais. Assim, diante dos resultados encontrados, constatamos que a TFC é uma teoria adequada para a produção de cursos à distância na área contábil.
REFERÊNCIAS ANDRADE, Cacilda Soares de. Educação à distância online: uma proposta pedagógica para expansão do ensino de ciências contábeis 2008. 208 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação , Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2008. AUSUBEL; NOVAK ; HANESIAN. Psicologia educacional. Tradução Eva Nick. 2.ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980. CARVALHO, Ana Amélia C.C. Amorim S. de. Os documentos hipermídia estruturados segundo a teoria da flexibilidade cognitiva: importância dos comentários temáticos e das travessias temáticas na transferência do conhecimento para novas situações. Tese (Doutorado) - Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, Braga, 1998. CASTORINA, José Antônio et al .Piaget-Vygotsky: novas contribuições para o debate. Tradução Cláudia Schilling. 6. ed. São Paulo: Ática, 2006. COLL, César et al Construtivismo na sala de aula. Tradução Cláudia Schilling. 6. ed. São Paulo: Ática, 1978. Série Fundamentos. COLL; MARCHESI;PALÁCIOS. Desenvolvimento psicológico e educação. Tradução Fátima Murad. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. FOSNOT, Catherine Twomey. Construtivismo: teoria, perspectivas e prática pedagógica. Tradução Sandra Costa. Porto Alegre: Artmed, 1998. LIMA, Marcos. Teoria da Flexibilidade Cognitiva e a autoria de estudos de
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As alternativas propostas não tiveram por base as demonstrações contábeis da empresa, mas com a seguinte justificativa: “achamos que seriam convenientes tais atos [...]”.
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casos hipertextuais em ambientes de aprendizagem construtivistas: projeto aplicado de novas tecnologias para educação on-line. In: CONGRESSO BRASILEIRO DA COMUNICAÇÃO, 24. 2001, Campo Grande (MS). Anais do XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação. Campo Grande/MS 2001. PEDRO, Luis Francisco ;MOREIRA, Antônio. O ensino baseado em casos e os hipertextos de desenvolvimento do protótipo didaktos. Disponível em: <http://www.nonio.uminho.pt/challenges/05comunicacoes/ Tema11/07LuisPedro.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2008. SARAVALI, Eliane Giachetto. Dificuldades de aprendizagem no ensino superior: reflexões a partir da perspectiva piagetiana. Disponível em: <http://143.106.58.55/revista/include/getdoc.php?id=119&article=42&mode= pdf>. Acesso em: 16 out. 2008. TERRA, Márcia Regina. O desenvolvimento humano na teoria de Piaget. Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/ d00005.htm>. Acesso em: 15 out. 2008.
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Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores Augusto Santana Veras de Medeiros Carolina Magda da Silva Roma Karina da Silva Carvalho Kécia da Silveira Galvão Medeiros Marcelino José Caetano Odilon Saturnino Silva Neto Ricardo Cavalcante Galvão Valéria Louise de Araújo M. Saturnino Silva
1. INTRODUÇÃO Este capítulo tem como objetivo fornecer aos alunos da Faculdade Salesiana uma visão geral do mercado de capitais brasileiro, focando na aprendizagem prática de técnicas que permitam aos mesmos investir em Bolsas de Valores. O leitor deve levar em consideração nos estudos deste capítulo que o mercado de capitais tem um papel de grande relevância para o desenvolvimento de uma nação. Neste tipo de mercado, há vários papéis que são transacionados, entre eles: ações, opções sobre ações, DepositaryReceipts – DRs, BrazilianDepositaryReceipts– BDRs, debêntures, letras de câmbio, certificados/recibos de depósitos bancários, caderneta de poupança, letras hipotecárias, warrants e títulos conversível (ASSAF NETO, 2010). Todavia, como este texto tem um caráter introdutório, será dada ênfase em ações, que “constituem a menor parcela (fração) do capital social de uma sociedade anônima” (ASSAF NETO, 2010, p. 69). Este mesmo autor demonstra que as vantagens que o investidor pode adquirir na compra de ações são as seguintes (op. cit., p. 70-71): o Dividendos: é uma parte dos resultados da empresa, determinada em cada exercício social e distribuída aos acionistas sob a forma de dinheiro; o Bonificação: é a emissão e distribuição gratuita aos acionistas, em quantidade proporcional à participação de capital, de novas ações
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Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
emitidas em função do aumento de capital efetuado por meio de incorporação de reservas; o Valorização: os subscritores de capital podem ainda beneficiar-se das valorizações de suas ações no mercado; o Direito de subscrição: como os atuais acionistas gozam do direito de ser previamente consultados em todo aumento de capital, esse direito pode também constituir-se em outro tipo de remuneração aos investidores. No site da Bolsa de Valores de São Paulo – Bovespa há diversos textos introdutórios sobre investimento em ações. Sendo assim, os autores selecionaram alguns tópicos que são expostos de forma simplificada para investidores iniciantes. Primeiramente, veremos o passo-a-passo para você, principiante, começar a investir. Depois, demonstraremos algumas técnicas para escolha das melhores ações de acordo com uma análise fundamentalista, baseada em dados econômicos, contábeis e financeiros. Por fim, serão expostas as técnicas de análise gráfica para que você aprenda a escolher as ações com base em gráficos, realizando projeções. Boa leitura!
2. COMEÇANDO A INVESTIR NA BOLSA DE VALORES Esta seção tem como objetivo explicar o passo-a-passo para que o leitor inicie as operações no mercado de capitais. É uma parte bem simples, que ajuda você a iniciar suas operações de forma semelhante à abertura de uma conta corrente em um banco comercial. Existem algumas formas do cidadão comum entrar no mercado de capitais e se tornar sócio de uma grande empresa. O quadro a seguir mostra as mais comuns. Quadro 1 – Maneiras de participar do mercado de capitais
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No Brasil, a aquisição de ações não é feita de maneira direta pelo interessado, mas através de uma corretora de valores. Esta condição traz mais segurança ao sistema e ao investidor, que terá uma instituição executando as suas ordens. A aquisição de ações é um processo relativamente simples, composto por poucos passos. A figura abaixo resume o processo e dá algumas dicas de como proceder. Figura 1 – Começando a Investir
Fonte: Adaptado de BOVESPA (2011)
Primeiramente, é necessário escolher uma corretora de valores. O processo é semelhante à escolha de um banco comercial, devendo ser escolhida uma instituição com credibilidade e tradição. Porém, como qualquer banco
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Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
Fonte: Adaptado de BOVESPA (2011)
Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
comercial, as taxas variam e existem custos envolvidos. Faça a sua escolha de maneira consciente. Para facilitar o entendimento, resumiremos as taxas cobradas a apenas duas: custódia e corretagem. Vale lembrar a importância de o leitor visitar o site da Bovespa (www.bovespa.com.br) e conferir em detalhes todas as cobranças. A taxa de custódia é cobrada mensalmente pela corretora para manter a conta do cliente ativa. Ou seja, é uma taxa semelhante às taxas de manutenção de conta existentes nos bancos. Uma dica importante é observar quais corretoras não cobram essa taxa. A corretagem é cobrada por cada ordem executada. Por exemplo: Se uma pessoa comprar cem ações da Petrobrás, a corretora cobrará uma taxa de corretagem pela execução desta ordem. O leitor deve procurar corretoras que cobrem de acordo com as suas necessidades. Normalmente, a corretagem fixa é a mais indicada. Não deixe de ver os serviços oferecidos. Algumas corretoras oferecem gratuitamente softwares de análise técnica, outras oferecem acesso ao quadro de analistas, enquanto outras dispõem de fóruns com respostas às principais dúvidas. Após escolhida a corretora, abra uma conta e envie a documentação solicitada. Em breve chegará a confirmação de abertura e as operações já poderão começar. Não deixe de entrar em contato com a corretora a cada dúvida, pois essa é uma forma rápida e simples de aprender um pouco mais. Siga as instruções e acesse o Home Broker, e então você já está pronto para começar a comprar e vender ações. Uma vez apto a comprar ações, vem a questão mais difícil: quais ações devo comprar para ter um bom lucro? As próximas seções apresentarão as estratégias mais comuns para tomar esta decisão e então escolher as melhores ações. Primeiramente, abordaremos a técnica da análise fundamentalista, a qual consiste em avaliar a ação com base no desempenho financeiro da organização, comparando este desempenho com o que está acontecendo na economia do país e do setor ao qual a empresa pertence. Depois, abordaremos um assunto mais complexo, a análise técnica, que consiste em tentar prever as tendências futuras dos preços das ações através de gráficos e indicadores técnicos.
3. ANÁLISE FUNDAMENTALISTA Qualquer investimento sempre está associado a um grau de risco. Risco esse que pode ser minimizado, quando se faz uma análise criteriosa e profunda do nosso perfil como investidor diante de decisão de investimento no mercado.
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Neste sentido, algumas ferramentas como a análise fundamentalista fornecem pistas para ajudá-lo na adoção de melhor estratégia para tomada de decisões, na hora de escolher um ativo (representado por ações), comprar, vender, entrar e sair nesse mercado. Para isso, é importante compreender quais são as premissas lançadas pela análise fundamentalista. Esta técnica consiste em considerar aspectos gerais relacionados com a estrutura da empresa, dentre as quais a capacidade de geração de fluxo de caixa, retorno, liquidez, endividamento e aspectos de influências do ambiente externo, tais como: as taxas de juros, economia nacional e internacional, política econômica, taxas de câmbio, setor de atuação, dentre outros. Portanto, vale frisar que a análise fundamentalista leva em conta a perspectiva de longo prazo de uma empresa. Você investidor que deseja planejar retornos de longo prazo, ou fazer desse investimento um projeto de vida, vamos ajudálo a experimentar ou entender um pouco o emprego de algumas ferramentas supracitadas, de modo a obter sucesso no seu investimento. Antes de adentrarmos aos aspectos de análise em si deste método, vale uma alerta: lembre-se que para entrar nas operações de investimentos em ações, é de fundamental importância disciplina e regularidade. O que isto significa? Que disciplina ajuda a você a se concentrar nos seus objetivos, enquanto que regularidade está relacionada à adoção de um comportamento padrão, quer em termos de investimento em um determinado período, quer no sentido de retirar do mercado e aguardar sinais positivos. Então, a você investidor, aconselhamos que avalie empresas que oferecem segurança a seu investimento; para isso, algo fundamental é acompanhar os retornos gerados por esta empresa nos últimos anos, semestres ou meses. Para saber como calcular esse retorno, vamos assumir que n investimentos estão disponíveis, então tomamos Xi como a fração de participação do investimento i, então podemos considerar que X1 + X2 + X3 + ...+ Xn = 1, ou 100% se todo o recurso for investido. O retorno esperado de um conjunto de investimentos pode ser definido como, o somatório de retorno individual proporcionado por cada título que compõe a carteira, e pode-se representá-lo como se segue:
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Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
Quando se trata de investimento em renda variável, por exemplo, em ações, vale considerar fatores como risco e retorno. Estes elementos subsidiam a você investidor, a se posicionar com relação ao tipo de aplicação que está disposto a colocar seu dinheiro, bem como avaliar seu risco, possibilitando desta forma definir o retorno mínimo necessário para seu ativo.
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E (R) =X1R1 + X2R2 + X3R3 + ...+ XnRn ou
Onde Ré o retorno total da carteira de investimento; i é o percentual de participação do investimento i na carteira de investimentos e µ é o retorno do investimento i. Não obstante, mesmo investindo nas empresas chamadas Value (aquelas que costumam proporcionar maior retorno), isso não significa que você está totalmente protegido de risco de perda. Para minimizar este risco existe uma ferramenta estratégica altamente empregada no mercado de ações que foi sugerida por um americano chamado Harry Markowitz, a do Portfolio Selection. O investidor, baseando-se em algumas ferramentas quantitativas, pode ter confiança na sua carteira de investimento, chamada também de portfolio,buscando o melhor método para maximizar o retorno e minimizar o risco, dependendo da tolerância ao risco do investidor. As ferramentas estatísticas que são frequentemente utilizadas para medir risco são desvio-padrão, variância, o coeficiente de correlação, o coeficiente de beta e o coeficiente de determinação. Com base nestas ferramentas, é possível determinar o peso ideal de cada ativo na carteira com foco na minimização do risco e na maximização do retorno. Esta ferramenta será demonstrada em outra oportunidade, tendo em vista sua complexidade, e sabendo que o foco deste capítulo é uma introdução aos investimentos em bolsas de valores. Pois bem, este mesmo teórico das Finanças, além de desenvolver estas ferramentas, identificou e classificou dois tipos de riscos que influenciam na estruturação de uma carteira e nos retornos, quais sejam: risco sistemático e não sistemático. O risco sistemático é aquele que está relacionado aos fatores externos, cujos impactos fogem do controle da empresa. Alguns exemplos desses riscos são: política econômica, crise econômica mundial, inflação, juros, taxas de câmbio e segmento. Este tipo de risco, conforme podes perceber, não é diversificável, ou seja, a empresa não consegue neutralizá-lo, pois não está dentro da área de controle da organização. Enquanto isso,o risco não sistemático diz respeito a variáveis internas a empresa. Em outras palavras, são riscos que podem ser controlados e minimizados através de diversificação de investimento. Isto significa que você deve realizar investimentos não apenas em um único ativo ou empresa, mas sim em vários
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Sabendo da necessidade de diversificar seus investimentos, quais ativos escolher? Esta resposta pode ser fornecida através da análise fundamentalista. Antes de mais nada, vale salientar que a análise fundamentalista pode ser conceituada como aquela baseada no desempenho da organização que negocia seus ativos ou ações, sendo este desempenho mensurado por indicadores calculados através das informações contábeis e financeiras publicamente disponíveis. Muitas são as publicações acerca deste tipo de análise em livros e revistas acadêmicas, mas sempre com um foco muito teórico. Portanto, esta publicação procura trazer como diferencial o entendimento e a aplicação prática para que o leitor possa se utilizar das ferramentas de análise como auxílio à decisão na escolha dos investimentos. Para fins didáticos, esta seção está dividida em duas subseções, de acordo com metodologia proposta por Matias (2009), quais sejam: a) análise macrofinanceira e do setor, onde serão apresentadas as bases para a análise da economia do país e do setor de atuação da empresa que se pretende investir; e b) Análise pelas Demonstrações Contábeis, onde serão utilizados os Demonstrativos para realizar a Análise Horizontal e Vertical e se calcular índices econômico-financeiros, para então avaliar o desempenho da empresa analisada. 2.1 Análise macrofinanceira e do setor O que a notícia acerca da primeira diminuição no ano da taxa básica de juros da economia brasileira (Selic) no dia 31 de agosto de 2011 (de 12,5% para 12%) tem a ver com os seus investimentos? Você sabia que o Banco do Brasil reduziu as taxas de juros de algumas de suas linhas de crédito para pessoas físicas e jurídicas em decorrência dessa diminuição da Selic? E o que o aumento do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para carros importados no mês de setembro de 2011 está relacionado com esses fatores e com suas decisões de investimento? A resposta é: estão todas relacionadas entre si e com os seus investimentos. Em um mundo globalizado e complexo como o dos dias de hoje, os mercados de capitais de diversos lugares do mundo estão interligados entre si e, uns com menos influência e outros com mais, qualquer acontecimento relevante na economia de um país afeta os vários mercados existentes. É por este motivo que é muito importante estudar a situação macroeconômica do país e também de outras nações que tenham mercados influentes no Brasil.
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ativos e segmentos. Isso permite que você pode diminuir o risco dos seus investimentos ao investir em diversas empresas, não deixando seus recursos serem influenciados apenas pelo risco inerente à uma única empresa.
Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
De acordo com Mankiw (2005), a macroeconomia pode ser entendida como o estudo de fenômenos gerais da economia, onde são tratadas questões como inflação, crescimento econômico, desemprego e como as políticas macroeconômicas influenciam essas questões. De uma forma sintética, o investidor deve procurar analisar a macroeconomia do país no sentido de avaliar qual será a reação do preço da ação diante das mudanças macroeconômicas, como taxas de juros, PIB do país e de setores específicos. Nesta análise macroeconômica, é fundamental acompanhar os noticiários. A partir deste momento, o investidor terá maiores condições de avaliar também o desempenho dos setores que ele pretende investir. Muitas páginas de internet oferecem notícias acerca do mercado financeiro, mas sugerimos as seguintes para o seu acompanhamento: Quadro 2 – Sites de Notícias para Acompanhamento
Fonte: Elaboração própria
Ao acompanhar as notícias e informações da economia e dos setores, você investidorserá capaz de avaliar o desempenho da empresa e compará-lo com o de outras do mesmo setor, escolhendo aquelas que provavelmente irão trazer maiores retornos. Sem esgotar o assunto, e sabendo também da realidade que outros fatores influenciam no desempenho do mercado de capitais, o investidor deve procurar ver se as decisões macroeconômicas gerais vão trazer recursos para o mercado de capitais ou deslocar o capital para os títulos de renda fixa. Como exemplo, a diminuição da taxa básica de juros atrai mais capital para o mercado acionário, em uma busca por maior rentabilidade.
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2.2 Análise pelas demonstrações contábeis Sendo a análise fundamentalista relacionada às bases segundo as quais se avalia o desempenho de uma empresa, as demonstrações contábeis apresentam informações bastante úteis para que se proceda a esse tipo de análise. Como o foco dessa abordagem é de longo prazo por ser esse o horizonte temporal de investidores em ações, os demonstrativos financeiros a serem conceituados e verificados são: Balanço Patrimonial (BP) e Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), a partir dos quais podem ser calculados indicadores de desempenho que orientam os investidores em suas avaliações. O Balanço Patrimonial demonstra a situação financeira e patrimonial de uma empresa em determinado período (geralmente trimestral), representando as origens (passivo) e aplicações (ativo) dos recursos obtidos, conforme estrutura simplificada a seguir. Quadro 3 – Balanço Patrimonial (BP) ATIVO
PASSIVO
Ativo Circulante
Passivo Circulante
Caixa
Contas a Pagar
Aplicações
Fornecedores
Contas a Receber
Impostos a Pagar
Estoques
Empréstimos de Curto Prazo
Ativo Não Circulante
Passivo Não Circulante
Realizável em Longo Prazo
Exigível em Longo Prazo
Investimentos
Financiamentos
Imobilizado
Patrimônio Líquido
Intangível
Capital Social e Lucros Acumulados Fonte: Elaboração própria
Na estrutura apresentada, os ativos representam os bens e direitos da empresa, como dinheiro e aplicações disponíveis para cumprir com suas obrigações corriqueiras, contas a receber de clientes no curto prazo, e estoques. Essas
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Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
O investidor, ao acompanhar o mercado de capitais, passa a ter condições de realizar uma análise mais aprofundada da carteira de empresas que este deseja investir, analisando as demonstrações contábeis, que são publicamente disponíveis, conforme veremos a seguir.
Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
contas são classificadas como circulantes devido ao prazo das operações, que é geralmente inferior a 1 ano e é nesse horizonte temporal que se fala de curto prazo. Os ativos não circulantes, por sua vez, são compostos por valores a receber no prazo superior a 1 ano (realizável em longo prazo), investimentos de longo prazo; imobilizado, onde se contabilizam máquinas, equipamentos, terrenos, entre outros ativos fixos adquiridos pela empresa; e intangível, este representativo do reconhecimento da empresa no mercado devido à sua marca e outras características não facilmente mensuráveis. Uma vez tomadas suas decisões de investimentos, onde a empresa pode obter os recursos necessários para investir nesses ativos? Podemos identificar as fontes de financiamento no passivo, que representa as obrigações da empresa para com os seus credores e proprietários. No passivo circulante são registradas as contas a pagar no prazo inferior a 1 ano e envolvendo, portanto, os empréstimos de curto prazo ou negociação da dívida com fornecedores no que se refere aos estoques e instituições governamentais em relação aos impostos. As obrigações superiores a 1 ano, ou que irão repercutir no próximo exercício, são de longo prazo, como exigíveis e financiamentos. O Patrimônio Líquido, por fim, é composto por recursos próprios da empresa, como capital dos sócios e lucros auferidos no exercício de suas atividades operacionais. No Balanço Patrimonial pode-se perceber que a empresa obtém os recursos para investir em seus ativos de duas formas: com capital de terceiros (Passivo Exigível) ou próprio (Patrimônio Líquido). Os recursos de terceiros consistem de tudo o que é oriundo de fontes externas à empresa, especialmente os financiamentos obtidos através dos bancos. Por outro lado, a retenção de lucros ou emissão de ações representam os recursos próprios, sendo essas ações preferenciais ou ordinárias, no caso das empresas negociadas em bolsas de valores. A composição entre recursos próprios (patrimônio líquido) e de terceiros (passivo exigível) representa a estrutura de capital da empresa, indicando o nível de endividamento da mesma para proceder aos seus investimentos. A decisão relacionada a essa estrutura pode ser auxiliada pelo cálculo de indicadores econômico-financeiros envolvendo essencialmente as contas do Balanço Patrimonial, os quais serão apresentados na seção referente à análise por meio de índices. Antes de proceder a um detalhamento de como as contas desses demonstrativos podem ser utilizadas para análise de investimentos e financiamentos, apresentamos as definições básicas de outra demonstração bastante útil como complemento ao BP, que é a Demonstração de Resultado do Exercício (DRE). Esta tem como foco o detalhamento das receitas e despesas realizadas no
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Os gastos expressos na DRE podem ser divididos em custos e despesas, conceituados aqui de acordo com a abordagem de Iudícibus e Marion (2011). Segundo esses autores, os custos estão associados aos gastos de produção, envolvendo estoques e outros fatores relacionados à fabricação, sendo denominados como: Custo dos Produtos Vendidos (CPV) na Indústria, Custo da Mercadoria Vendida (CMV) no comércio e Custo do Serviço Prestado (CSP), no setor de serviços. Conforme visão dos mesmos autores mencionados, as despesas representam todos os gastos empreendidos com a finalidade de gerar receita, sendo classificadas em despesas administrativas, financeiras e de vendas, as três categorizadas como operacionais. Sendo assim, o Lucro Operacional resulta do lucro após a dedução dessas despesas. Os juros resultantes dos financiamentos obtidos pela empresa são subtraídos do Lucro Operacional e isso resulta no Lucro antes do Imposto de Renda. Por fim, a dedução da alíquota deste imposto leva ao resultado do demonstrativo em questão, que é o Lucro Líquido a ser distribuído entre os sócios da empresa ou retido para ser reinvestido e, portanto, contabilizado na conta de Lucros Acumulados do Balanço Patrimonial. Quadro 4 – Demonstração de Resultado do Exercício DRE Receita (Custos) Lucro Bruto (Despesas) Lucro Operacional (Juros) Lucro antes do Imposto de Renda (Imposto de Renda) Lucro Líquido Fonte: Elaboração própria
Na DRE, as vendas realizadas pela empresa, independentemente do recebimento, são contabilizadas como receita. Cada conta neste demonstrativo está interligada ao Balanço Patrimonial. Por exemplo, as vendas à vista entram no fluxo de caixa e o que foi negociado a prazo passa a se constituir como contas a receber, no ativo circulante; parte dos custos de produção está associada ao
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Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
período, consistindo basicamente da apuração do lucro após dedução dos gastos, conforme representação simplificada abaixo.
Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
estoque, até a apuração do resultado, que após a distribuição do lucro entre os sócios, compõe o Patrimônio Líquido juntamente com o capital social (Lucros Acumulados). Uma vez conhecidas as informações provenientes dos demonstrativos financeiros, como utilizá-las para tomar decisões de investimentos em ações? Que auxílio uma informação referente ao total de ativo da empresa ou de seu patrimônio líquido, por exemplo, pode proporcionar àquele que está começando a investir? Saber o total de lucro obtido em determinado período pode fazer com que o iniciante na bolsa de valores seja bem sucedido? É importante esclarecer de antemão que a resposta é negativa, para nos livrarmos das presunções que surgem normalmente. Sendo assim, não há qualquer proveito para fins de aplicações pessoais saber os números de forma absoluta. Então, para que analisar as demonstrações contábeis? Conforme mencionado anteriormente, o BP é indicativo da situação financeira e patrimonial da empresa, mas isso só faz sentido para o investidor se o mesmo fizer comparações entre períodos ou utilizar indicadores financeiros. Por exemplo, saber que o ativo de uma empresa foi de R$ 1.000.000,00 em 2010 é apenas um dado, mas se sabemos que este mesmo ativo era de R$ 500.000,00 em 2009, passamos a ter a informação de que o valor da empresa duplicou no período de 1 ano. Porém, de onde vieram os recursos para investir nesses ativos? Empréstimos ou dinheiro próprio da empresa? Ela tem condições de pagar as dívidas dos financiamentos ou de proporcionar um bom retorno aos que estão aplicando seu capital? Daí a necessidade de conhecer o passivo e patrimônio líquido. Nestes, o que deve predominar? Dinheiro emprestado/financiado ou capital social? As respostas a essas questões podem surgir a partir de dois tipos de análise das demonstrações contábeis: análise vertical e horizontal, e análise através de índices, ambas detalhadas a seguir. 2.2.1 Análise horizontal e vertical Uma maneira simples e básica de avaliar os demonstrativos contábeis da empresa é através da análise horizontal e vertical ou relativa. Esta consiste em fazer verificações nos valores de uma conta contábil, ou comparando-a ao longo do tempo (método horizontal) ou com outras contas do Demonstrativo (método vertical). Não há melhor maneira de aprender estes métodos do que utilizando-o através de um exemplo. Antes, porém, vale salientar a necessidade de padronização dos Demonstrativos Contábeis, para que não sejam comparadas contas diferentes. Muitas vezes os Balanços são divulgados com nomenclaturas divergentes, o que dificulta a análise, sendo necessário um processo atento de conciliação dos valores nas contas em uma única matriz para comparação dos mesmos.
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Sendo assim, podemos começar conceituando a análise horizontal como um método comparativo dos valores de uma mesma conta ao longo do tempo. O método horizontal pode ser utilizado de duas maneiras: realizando o comparativo sempre com o período anterior ou então escolhendo uma data base que será utilizada no cálculo para todos os anos seguintes. A escolha de uma delas dependerá basicamente dos objetivos do gestor: avaliar o comportamento ao longo do tempo pede a escolha de uma data base, enquanto que a análise encadeada (cada período em relação ao anterior) é mais adequada para avaliar as variações de um período para o outro. Desta maneira, o conceito pode ser mais bem explicado pela fórmula a seguir:
onde AH é o índice de análise horizontal para a conta λ no período t; λt é o valor da conta λ no período t e λx é o valor da conta λ no período x, onde x será t-1caso a análise seja encadeada (comparando a variação de um período para o outro) ou 0 (zero) caso tenha sido escolhido um t0 para ser o período base de toda a análise. Nada melhor do que um exemplo. Segue abaixo uma tabela com algumas contas do Ativo da Cremer S/A. Tabela 1 – Análise Horizontal Encadeada de algumas Contas do Ativo da Cremer S/A Contas (R$ mil)
2005
2005/2006
2006
2006/2007
2007
2007/2008
2008
Disponibilidades
R$ 13,970.00
130.11%
R$18,177.00
1006.40%
R$ 82,933.00
74.82%
R$36,879.00
Clientes
R$ 34,157.00
112.80%
R$38,530.00
116.83%
R$ 45,013.00
111.34%
R$50,116.00
Estoques
R$ 15,477.00
169.36%
R$26,212.00
103.88%
R$ 27,230.00
157.17%
R$42,797.00
Imobilizado
R$ 40,311.00
86.45%
R$34,850.00
102.98%
R$ 35,887.00
121.56%
R$43,626.00
Fonte: Elaboração própria
Como é possível inferir através da tabela acima, os percentuais apresentados demonstram a relação proporcional de variação de uma conta de um ano para o outro. Por exemplo, a conta de Disponibilidades tem uma relação
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Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
Além disso, é necessário definir o tempo e a periodicidade da análise, para então definir quais dados serão coletados. Por exemplo, caso o objetivo seja realizar um comparativo anual, o Demonstrativo publicado em 31/12 de certo ano traz os melhores dados para serem analisados; por outro lado, uma análise semestral irá requerer mais trabalho, pois os Demonstrativos são trimestrais, então serão necessários procedimentos de soma para depois efetuar a análise.
Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
proporcional de 1006.40% de 2006 para 2007, o que significa um aumento de 906.40% em um único ano, algo relativamente alto e que deve ser objeto de análise. Seguindo o exemplo com a mesma conta, de 2007 para 2008 a relação proporcional é de 74.82%, indicando uma diminuição de aproximadamente 25% nas disponibilidades de um ano para o outro. Vejamos agora os mesmos dados, desta vez apresentados com uma Análise Horizontal que tem uma data base única, o ano de 2005. Perceba na tabela a seguir que os percentuais de todos os períodos são calculados tomando como base os valores deste ano. Tabela 2 – Análise Horizontal Não-Encadeada de algumas Contas do Ativo da Cremer Contas (R$ mil)
2005
2005/2006
2006
2005/2007
2007
2005/2008
2008
Disponibilidades
R$13,970.00
130.11%
R$18,177.00
1309.47%
R$ 182,933.00
979.81%
R$ 136,879.00
Clientes
R$34,157.00
112.80%
R$38,530.00
131.78%
R$45,013.00
146.72%
R$50,116.00
Estoques
R$15,477.00
169.36%
R$26,212.00
175.94%
R$27,230.00
276.52%
R$42,797.00
Imobilizado
R$40,311.00
86.45%
R$34,850.00
89.03%
R$35,887.00
108.22%
R$43,626.00
Fonte: Elaboração própria
No caso desta análise, é mais fácil de perceber o comportamento dos valores das contas ao longo do tempo. Por exemplo, as contas de clientes e estoques estão sempre aumentando a cada ano, enquanto que a de imobilizado diminuiu em 2006 e voltou a subir nos dois anos seguintes. Tendo visto isso, passaremos agora à análise vertical: este método consiste em comparar os valores das contas do Demonstrativo com alguma conta base. Em outras palavras, este método irá demonstrar a “composição” do Balanço Patrimonial ou da DRE. A conta base escolhida depende do foco de comparação, mas geralmente se utiliza o ativo total / passivo total na análise do Balanço Patrimonial e a Receita Bruta na análise da DRE, pois são as contas que representam os “totais”, e nenhuma outra conta será maior do que estas. Sendo assim, a fórmula que representa a análise vertical é:
onde AV é o índice de análise vertical para a conta λ no período t; λt é o valor da conta λ no período t e CBt é o valor da conta base no período t. Continuaremos com o exemplo da Cremer S/A para demonstrar como é feita a análise vertical.
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Contas (em R$ mil)
2008
AV 2008
2007
AV 2007
Receita Bruta de Vendas e/ou Serviços
413,366
100.00%
356,498
100.00%
Deduções da Receita Bruta
-98,635
-23.86%
-87,457
-24.53%
Receita Líquida de Vendas e/ ou Serviços
314,731
76.14%
269,041
75.47%
Custo de Bens e/ou Serviços Vendidos
-238,938
-57.80%
-201,901
-56.63%
Resultado Bruto
75,793
18.34%
67,140
18.83%
Despesas/Receitas Operacionais
-40,028
-9.68%
-74,190
-20.81%
Resultado Antes Tributação/ Participações
35,765
8.65%
-7,050
-1.98%
Lucro/Prejuízo do Período
28,359
6.86%
-4,627
-1.30%
Fonte: Elaboração própria
No exemplo, e conforme mencionado anteriormente, a conta base na DRE é a da Receita Bruta, e por isso que seu valor na Análise Vertical é de 100%. Perceba que o custo de produção de bens para venda ou da prestação de serviços corresponde a 57.80% em 2008 e a 56.63% em 2007, indicando que mais da metade de sua receita bruta é gasta na produção de seus produtos para venda, e aumentou proporcionalmente em 1% de ano para o outro. Depois de subtraídas todas as despesas, o prejuízo em 2007 correspondeu a 1.30% da Receita, enquanto que em 2008 o lucro foi de 6.86%, demonstrando uma melhora no desempenho da organização. A Análise Vertical, quando realizada com o Balanço Patrimonial, fornece importantes valores para a tomada de decisão do investidor, tais como o índice de endividamento, ou quanto do total do passivo é de capital de terceiros, lucro sobre passivo total, percentual do ativo imobilizado, dentre outras razões proporcionais importantes. Muitas destas proporções são tão fundamentais na verificação do desempenho de uma empresa que se tornaram índices a serem acompanhados constantemente pela organização. A próxima seção trata exclusivamente deste tópico. 2.2.2 Análise por meio de índices As comparações entre períodos ou a proporção entre cada conta das demonstrações e seu valor bruto pode ser complementada pela utilização de indicadores como liquidez, endividamento e rentabilidade, sendo esta a classificação básica dos índices financeiros, conforme abordagem de Carmona
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Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
Tabela 3 – Análise Vertical da DRE da Cremer S/A
Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
et al (2009). Mas o que representa cada um desses indicadores? É o que nos propomos a definir de maneira simplificada nas linhas seguintes. Ao investirmos em ações de determinada empresa, umas das primeiras informações que desejamos saber é se a mesma tem condições de pagar as suas dívidas de curto prazo, ou simplesmente se tem dinheiro em caixa para as contingências do dia-a-dia. Isso significa capital de giro ou ativo circulante, o qual precisa estar sempre acima do passivo de curto prazo para que a empresa tenha seus ativos líquidos. Diante disso, começamos a abordar sobre os índices de liquidez, a qual se divide basicamente em: geral, corrente, seca e imediata (CARMONA et al, 2009). A liquidez geral (mensurada pelo Índice de Liquidez Geral – ILG) representa o total dos recursos de curto e de longo prazo disponíveis à empresa para o pagamento das suas obrigações, também de prazos curto e longo. Dessa maneira, o referido índice pode ser calculado dividindo-se o Ativo Circulante (AC) mais Realizável em Longo Prazo (RLP) pela soma entre Passivo Circulante (PC) e Exigível em Longo Prazo (ELP). O cálculo do indicador pode ser efetuado através da fórmula:
ILG =
A C + RLP P C + ELP
Tendo como foco as operações exclusivamente de curto prazo, o Índice de Liquidez Corrente (ILC) consiste da razão entre o Ativo Circulante e o Passivo Circulante. Assim como o ILG, quanto maior o ILC, mais a empresa demonstra ter condições de cumprir com suas obrigações de curto prazo.
ILC =
A C P C
Vale uma breve reflexão a respeito deste último indicador. Será que quanto maior, melhor, sem limites? Evidentemente não. Caso o AC seja excessivamente superior ao PC, isso pode ser indicativo da empresa não estar em boas condições de venda dos seus ativos estocados, já que o circulante envolve não apenas caixa e recebíveis, mas também os estoques. Para isso, importa calcular o Índice de Liquidez Seca (ILS), que tem o mesmo cálculo do ILC, retirando os estoques (E).
ILS =
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A C −E P C
ILI =
D P C
As disponibilidades são constituídas por dinheiro em caixa ou nos bancos (conta corrente) mais aplicações da empresa em Poupança e títulos de curto prazo, como Certificados de Depósito Bancário (CDB). Portanto, quanto maior o ILI, melhor, também com certos limites, já que a concentração de recursos no curto prazo pode ser prejudicial à empresa em termos de rentabilidade. A partir do cálculo dos índices citados, é possível conhecer a empresa em termos de liquidez para o pagamento de suas dívidas, mas que dívidas são essas? De curto ou de longo prazo? Quanto esse endividamento representa do total de ativos da empresa ou do capital dos seus sócios? Para isso, vamos tratar de indicadores ainda utilizando as contas do BP, calculando os índices de endividamento, classificados em (CARMONA et al): Índice de Estrutura de Capital (IEC), Índice de Dependência (ID), Índice de Dependência de Curto Prazo (IDCP) e Índice de Composição (IC). A estrutura de capital da empresa, já mencionada anteriormente, representa as fontes de recursos, que podem ser próprios ou de terceiros. O capital próprio pode ser identificado conhecendo o Patrimônio Líquido (PL), o qual contém o valor investido pelos sócios em conjunto com os lucros acumulados no período. Adicionalmente, a empresa obtém os seus recursos a partir de compras, empréstimos e financiamentos, pagando também tributos para que conduza suas operações legalmente. Diante disso, quanto a dívida representa do total do patrimônio? Para isso, vejamos o Índice de Estrutura de Capital.
IEC =
P E P L
Neste caso, assim como nos outros indicadores de endividamento, desejamos um valor o menor possível, já que o interesse primordial é de que a empresa tenha predominantemente recursos próprios. Isso também depende, é claro, dos investimentos realizados, para os quais muitas vezes há a necessidade de financiamentos mais robustos. Mesmo assim, o investidor busca fazer suas
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Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
Mesmo com a retirada dos estoques, o Ativo Circulante continua sendo calculado a partir de caixa e recebíveis, estes já vendidos, mas não recebidos pela empresa. Diante disso, apenas o disponível é representativo do que a empresa efetivamente tem em seu poder no curto prazo, sendo esta conta livre dos riscos operacionais associados a estoques e devedores duvidosos. O Índice de Liquidez Imediata (ILI), portanto, é obtido dividindo-se as Disponibilidades (D) pelo Passivo Circulante.
Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
aplicações, a princípio, em empresas com baixa dependência de capital de terceiros, esta mensurada pela razão entre o Passivo Exigível e o Ativo Total.
ID =
P E A T
A partir de um baixo valor do Índice de Dependência, verifica-se que a maior parte dos ativos provém de recursos próprios, demonstrando desse modo uma baixa dependência de financiamento, embora este sempre exista como fonte complementar de capital. Também é importante avaliar como o endividamento da empresa é negociado em relação ao prazo. Nas dívidas de curto prazo, o risco é maior e se busca, diante disso, uma menor dependência desse horizonte temporal, medido pelo Passivo Circulante (PC). O Índice de Dependência de Curto Prazo (IDCP), portanto, é obtido pela divisão entre o PC e o Ativo Total, como representado abaixo.
IDCP =
P C A T
Por fim, o endividamento da empresa pode ser medido em termos de composição do seu Passivo Exigível (PE), permitindo identificar se as obrigações são predominantemente de curto ou longo prazo. Neste caso, podemos utilizar o Índice de Composição (IC), que é igual ao PC dividido pelo PE. Quanto menor, melhor em termos de risco, apesar dos maiores custos associados ao endividamento de longo prazo. Em alguns casos, é melhor renegociar a dívida do que concentrar as obrigações em prazos nos quais a empresa pode não ser capaz de honrar adequadamente. Podemos perceber, portanto, que vários fatores interferem e não podemos ter a resposta de forma absoluta quanto ao melhor valor dos índices. Outro fator muito importante a ser considerado, além de liquidez e endividamento, é o retorno proporcionado à empresa e seus proprietários. Sendo assim, um alto nível de endividamento atual pode ser compensatório diante de aumentos consideráveis de lucro futuro. Desse modo, tendo a empresa financiamentos para investir pesadamente em seus ativos, quanto esses ativos proporcionam de lucro aos seus proprietários? Ou quanto o capital aplicado pelos mesmos se transforma em lucro? Que percentual das vendas é convertido em lucro? Conforme percebido, nossa abordagem agora se volta para a mensuração do resultado da DRE, sendo esta utilizada em conjunto com o BP para calcular os índices de rentabilidade, classificados em: Retorno sobre o Ativo (ROA), Retorno sobre o Patrimônio, do inglês ReturnofEquity (ROE), e Margem Líquida (ML).
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ROA =
L A T
O ROE é definido como a razão entre o resultado da empresa e o capital próprio, que é o Patrimônio Líquido (PL). Uma vez que esse indicador mede os ganhos de capital da empresa, quanto maior for o mesmo, melhor para a companhia em termos de rentabilidade patrimonial. O ROE é medido em termos históricos, representando o retorno de todos os projetos acumulados no passado (ROSS, WESTERFIELD e JAFFE, 2002, p. 107) e é estimado conforme representação a seguir.
ROE =
L P L
Onde LL é o lucro líquido da empresa num período igual ou superior a três meses e PL representa o Patrimônio Líquido (Capital Próprio) na mesma dimensão temporal. Conforme visto na abordagem sobre a DRE, as vendas efetuadas pela empresa em determinado período estão sempre sujeitas a custos e despesas, até que seja apurado o lucro resultante dessas vendas. Ao dividirmos o resultado da DRE pela Receita Líquida (RL) da empresa, que representa as vendas após dedução dos impostos, obtemos a Margem Líquida (ML), indicativa do quanto o faturamento se transformou em Lucro Líquido (LL).
M L =
L V
Há outras categorias de índices expressos na literatura, mas nesta parte introdutória iremos nos ater a esses três grupos mencionados, os quais serão exemplificados a seguir no caso da empresa Providência S.A., do setor de não tecidos. Segundo o que foi abordado anteriormente, a análise de qualquer indicador contábil só faz sentido quando são estabelecidas comparações em diferentes períodos, sendo as informações apresentadas para os anos de 2006 a 2008, com a aplicação de todas as fórmulas demonstradas.
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Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
Nos três casos precisamos mensurar o Lucro Líquido (LL) resultante da DRE, o qual dividido pelo Ativo Total (AT) resulta no Retorno sobre o Ativo (ROA). Quanto maior, melhor, pois indica que o valor da empresa em termos de bens, investimentos, imobilizado e outros recursos, são convertidos em lucro, podendo este ser reinvestido na empresa ou distribuído entre os sócios.
Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
Tabela 4 – Análise de Índices com os Dados da Empresa Providência S.A. ÍNDICES
2006
2007
2008
Liquidez Geral
21,55
0,99
1,01
Liquidez Corrente
27,79
7,31
3,96
Liquidez Seca
25,46
6,72
3,57
Liquidez Imediata
17,28
3,60
2,08
Estrutura de Capital
4,87%
102,10%
121,54%
Dependência
4,64%
50,52%
54,86%
Dependência de Curto Prazo
2,80%
6,29%
10,84%
Composição
60,24%
12,45%
19,76%
Retorno sobre o Ativo
15,55%
0,55%
3,86%
Retorno sobre o Patrimônio Líquido
16,31%
1,11%
8,54%
Margem Líquida
16,80%
1,02%
6,96%
Fonte: Elaboração própria
Primeiramente se observa uma diminuição considerável dos índices de liquidez da empresa no ano de 2007, permanecendo praticamente no mesmo nível a liquidez geral em 2008. Apesar dessas quedas, os indicadores de liquidez apresentam sempre valor maior que 1,0, exceto a geral de 2007, que foi igual à unidade. Isso significa que a empresa sempre tem ativos superiores aos seus passivos, em especial no curto prazo, diminuindo nos anos seguintes, devido possivelmente a investimentos realizados e que levaram a uma mudança no seu perfil de endividamento. Conforme resultados dos indicadores de endividamento, a estrutura de capital da empresa passou a contar com a maior parte de capital de terceiros, indo de 4,87% em 2006 a 102,1% em 2007 e 121,54% em 2008. O indicador seguinte reforça a dependência da empresa dos empréstimos e financiamentos, embora seja perceptível também que o nível de dependência era muito baixo em 2006. Nos anos seguintes, esse índice passou a revelar que metade dos ativos da empresa é adquirida a partir de recursos de terceiros, havendo uma dependência equilibrada, apesar de maior ao longo dos anos. Em relação ao prazo, observa-se um aumento das dívidas de curto prazo, mas com um percentual ainda baixo em 2008. A composição do endividamento, de forma complementar, mostra que as dívidas estão mais concentradas no longo prazo, o que leva a um menor risco para a empresa diante da possibilidade de renegociação de suas obrigações. A análise conjunta dos índices demonstra, portanto, que houve aumento da dívida, mas esta se concentra no longo prazo
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Sabendo que a Providência aumentou suas dívidas para proceder aos seus investimentos, quanto isso proporcionou de retorno aos seus proprietários? Vejamos então os resultados dos índices de rentabilidade. Tanto sobre os ativos como sobre o Patrimônio Líquido, o retorno diminuiu em 2007, além da Margem Líquida, mas observa-se uma melhoria considerável em 2008, principalmente para os sócios, que auferem um ROE de 8,54% neste ano. Pois bem, muitas vezes é necessário sacrificar o resultado de lucro atual para que a empresa se desenvolva e proporcione retornos potenciais futuramente, apesar do risco. Na Providência, esses investimentos foram realizados sem comprometimento da capacidade da empresa de honrar com suas obrigações de curto prazo, observando-se aos poucos o retorno do que foi investido. Diante desses números, o que mudou no perfil da empresa em 2007 e levou, consequentemente, a esses resultados nos índices calculados? Como mencionamos inicialmente, a análise fundamentalista começa com uma análise macrofinanceira e do setor, observando o ambiente em que a empresa atua, além da concorrência e oportunidades de mercado. No caso da empresa em questão, houve vários eventos em 2007 que levaram a uma mudança desse perfil, tais como: Oferta Pública Inicial de ações (IPO), aquisição da Isofilme, alteração do controle, entre outros fatores, todos os eles contribuindo para que a empresa se tornasse mais dependente de financiamentos com potencial futuro de recuperação dos investimentos. Em 2008, por sua vez, a companhia se internacionalizou e vendeu sua unidade de PVC. Essas informações demonstram que a Providência pode ser considerada como uma boa oportunidade de investimento especialmente pelo equilíbrio de seus indicadores diante de tantos investimentos empreendidos, possibilitando retorno potencial aos seus investidores. A análise fundamentalista da Providência leva a concluir que a mesma tem bom potencial de crescimento, participa de um mercado em grande expansão, e não tem fortes concorrentes, que poderiam representar problemas, havendo muito mercado ocioso a ser trabalhado. Diante disso, é natural a diminuição da liquidez, aumento do endividamento e comprometimento da rentabilidade atual para dar conta dessas oportunidades macrofinanceiras e setoriais. Com este exemplo, finalizamos a seção da análise fundamentalista esperando que o leitor tenha compreendido seus aspectos básicos e como estes podem auxiliá-lo na avaliação de uma empresa e, consequentemente, na escolha apropriada das ações nas quais irá investir. Na próxima seção, damos início ao
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e explica parcialmente a diminuição da liquidez pelo aumento dos passivos, os quais não apontam para incapacidade da empresa de honrar com suas obrigações, já que os ativos são financiados em torno de 50%.
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conteúdo da análise técnica, também de grande importância na identificação de tendências futuras dos preços.
3. ANÁLISE TÉCNICA A Análise Técnica é o estudo dos movimentos do mercado – mediante o uso de gráficos e indicadores técnicos – que tem como objetivo prognosticar as tendências futuras de preços (MURPHY, 1999). Dessa forma, este tipo de análise se baseia na observação dos gráficos das ações como forma de captar o sentido dos preços, objetivando auferir ganhos no mercado ao encontrar os momentos certos de compra e venda dos ativos. Para Magee e Edwards (2003), o preço de mercado de uma ação reflete não somente diferentes opiniões de avaliadores, mas também expectativas, apreensões, suposições – racionais e irracionais – de centenas de potenciais compradores e vendedores, bem como suas necessidades e recursos disponíveis. Essas são variáveis que os analistas se defrontam e para as quais não podem fazer estimativas, mas que, contudo, são sintetizadas e expressas nos gráficos. Conforme complementam Bruni et al (2009, p.64), a análise técnica “se baseia na análise visual e estatística dos movimentos do mercado, possibilitando a identificação de tendências e possíveis pontos de reversão, de forma a auxiliar na tomada de decisão”. Dentro da Análise Técnica (também denominada gráfica), temos alguns conceitos fundamentais, que a partir deste momento serão explorados e que merecem ser conhecidos pelos investidores, a saber: (i) Topos e fundos: são regiões no gráfico onde há inflexão na sequência de alta/queda dos preços. Como pode ser observado nafigura a seguir, as regiões de topo são representadas por uma sequência de preços que estava ascendente e passou a cair. As regiões de topo também são chamadas de picos. Os fundos são as regiões onde houve uma inflexão no sentido oposto ao da sequência anterior de quedas, passando os preços a subir. (ii) Tendência - Uma tendência pode ser definida como a direção de uma sequência de topos e fundos, sendo classificada como: (i) de Alta, com uma série de topos e fundos cada vez mais altos; (ii) Lateral, com uma sucessão de topos e fundos horizontais; (iii) de Baixa, com uma série de topos e fundos cada vez mais baixos. As tendências também são classificadas em primária, secundária e terciária. Tendência primária é aquela que dura mais de seis meses, podendo permanecer por anos. Tendência secundária é aquela que dura entre três semanas e seis meses, sendo a mais recomendada para o investidor iniciante. Tendência terciária é aquela que dura até três semanas.
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A seguir, temos uma figura na qual podem ser percebidos os topos e fundos, as zonas de suporte e resistência e as tendências do mercado. Figura 2 – Conceitos básicos da análise gráfica
Fonte: Adaptado do site Grafbolsa.com
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(iii) Suporte e Resistência– Para Magee e Edwards (2003), suporte é um nível de preço onde ocorre uma demanda grande o suficiente para interromper ou até mesmo reverter uma tendência de baixa; enquanto que a resistência é a zona em que uma tendência de alta pode ser revertida devido à força de oferta do mercado. Noronha (2006) afirma que existe suporte e resistência porque as pessoas têm memória, que as induz a comprar e vender em certos níveis de preço. Se os investidores se lembram que recentemente os preços pararam de cair e a partir daí subiram até certo nível, provavelmente uma volta a este nível os induzirá a comprar novamente. Se os investidores se lembram que uma subida recente reverteu, após atingir certo topo, tenderão a vender quando os preços voltarem a este nível. Assim, os conceitos de suporte e resistência constituem a base para identificação da psicologia do mercado.
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3.1 Teoria Dow: a base conceitual da análise técnica Para Murphy (1999), a origem da Análise Técnica está nos princípios propostos por Charles Dow. A Teoria Dow é a pedra angular da Análise Técnica e, apesar de ter suas origens no século XIX, está implícita nos mais novos e melhores indicadores técnicos que vêm surgindo com os avanços da tecnologia de informática. Conforme Murphy (1999) são três as premissas que a Análise Técnica está embasada, que são: 1) O preço desconta tudo; 2) Os preços se movem em tendências; 3) A história se repete. O primeiro item se refere ao fato que todas as notícias e informações pelas quais o mercado se defronta estão inseridas nos preços das ações. Por exemplo, não é difícil de observar que qualquer anúncio acaba por interferir no mercado de capitais e passam a ser refletidos totalmente nos preços. Sobre a segunda premissa temos que os preços seguem uma tendência, que pode ser de alta, de baixa ou até mesmo lateral. Fazer o acompanhamento dessas tendências é relevante para identificarmos possíveis oportunidades de ganhos ou até mesmo mudarmos a posição que estamos atuando para evitar perdas. Recomenda-se manter posições compradas (manter a propriedade das ações) em tendências de alta e vender em tendências de baixa. Por último, a história se repete. Padrões de comportamento podem ser percebidos e ser fonte de ganhos. Ou seja, o padrão (ex: topos e fundos ascendentes) percebido no passado tende a se suceder novamente (novos topos e fundos tendem a ocorrer no futuro). 3.2 Estratégias de decisão em análise técnica Nesta seção é apresentado aos investidores alguns dos principais padrões gráficos e indicadores técnicos adotados que podem auxiliar como suporte à tomada de decisão através do uso de Análise Técnica. Os padrões gráficos tratados devem ser identificados através da análise do histórico de preços das ações. Já em relação aos indicadores técnicos expostos, pode-se dizer que estão contidos nos principais softwares técnicos disponíveis. 3.2.1 Padrões gráficos Para Magee e Edwards (2003), a principal incumbência do analista técnico é aprender a identificar os padrões gráficos para, então, poder julgar oportunidades lucrativas de negociação. Cedo ou tarde, uma tendência em
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3.2.1.1 Padrões de reversão Um padrão de reversão ocorre quando uma tendência de preços reverte e, quanto mais tempo demora a se formar e quanto mais ações forem transferidas durante sua construção, mais importantes suas implicações. Nas figuras abaixo, temos um exemplo de um padrão, que talvez seja o de padrão de reversão mais forte do mercado, o qual dentro da linguagem da Análise Técnica é denominado de ombro-cabeça-ombro, formado a partir de três topos sendo que, os preços sobem e fazem o primeiro ombro, continua subindo e faz a cabeça daí então, descem e faz o segundo ombro. É sugerido que se deve vender quando houver o rompimento do suporte deste segundo ombro. Um outro exemplo é o ombro-cabeça-ombro invertido, que é o oposto do anterior. Neste, deve-se comprar no rompimento da resistência do segundo ombro. Figura 3 – Ombro-Cabeça-Ombro
Fonte: Adaptado de Noronha (2006)
Figura 4 – Ombro-Cabeça-Ombro Invertido
Fonte: Adaptado de Noronha (2006)
3.2.2 Indicadores técnicos Apontam, quantitativamente, máximos de compra e venda, e identificam sinais de esgotamento de tendências. A tendência – assim como ocorre com os
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evolução(de alta) será interrompida por um movimento lateral, podendo, então, ser revertida ou reassumir seu curso. É recorrente, neste período de transição, o surgimento de padrões gráficos, os quais podem ser de reversão ou de continuidade. O que queremos dizer é que, nenhum padrão de comportamento se manterá constante por um prazo indefinido, pois o mercado é formado por compradores e vendedores que o movimentam com expectativas, opiniões diferentes, divulgação de resultados das empresas, enfim, está sujeito a uma grande variedade de acontecimentos que o levam a interromper determinados padrões que podem ser observados e, assim, encaminhando para outro rumo.
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padrões gráficos – assume um papel relevante para a análise por indicadores, uma vez que determinado grupo de indicadores, os Rastreadores, apresentam maior eficiência diante de um mercado com tendência definida, enquanto que o outro grupo, os Osciladores, fornecem melhores sinais diante de mercados em que os preços se movem em uma banda de flutuação horizontal. 3.2.2.1 Indicadores rastreadores - Média Móvel Segundo (GALVÃO et al, 2010) a técnica de Média Móvel rastreia a tendência de preço das ações, buscando evidenciar o comportamento e os fatores que afetam os preços. Assim, pode-se dizer que suaviza as flutuações de preços e apresenta a tendência do mercado, constitui, dessa maneira, a base dos indicadores rastreadores, possuindo a característica de ser um seguidor e não um predecessor do preço de ações. Para visualização e avaliação dessa técnica são traçadas sobre os gráficos das ações linhas que refletem as médias móveis no decorrer do tempo, ou seja, a traça-se uma linha com os resultados obtidos, e a técnica consiste basicamente em observar o comportamento dessas linhas. Vale dizer que em geral são utilizadas duas ou mais linhas de Média com dias ou tipos de médias variados. Esta técnica é uma das mais utilizadas pela sua facilidade de utilização e entendimento, tanto via construção de gráficos e tabelas pela coleta dos preços das ações, como pela disponibilização em sites de análise de investimentos e Home Brokers. Para cálculo das Médias Móveis, basta lembrar as fórmulas matemáticas aprendidas durante o primeiro e segundo grau escolar, como a média aritmética, ou simples, média exponencial, dentre outra, as quais são apresentadas a seguir com suas formulas e definições. Média Aritmética: Apresenta o valor médio dos preços de fechamento de determinada ação em período de tempo determinado, conforme fórmula abaixo.
onde: VMn – Representa o valor de fechamento de cada ação de cada período n – Tempo em que se constrói a média 1. Média Exponencial: Equivale a uma média ponderada de observações passadas, conforme pode ser visto na fórmula a seguir.
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Preço – valor de fechamento da ação em determinado dia MMEontem - Média exponencial do dia anterior K – variável dependente do período N e representada pela fórmula N – número de períodos Como pode ser visto nas fórmulas apresentadas para cálculo de médias móveis são utilizados períodos, também chamado de amplitude, que para este estudo e para análise de preço de ações são classificados como de curtíssimo prazo, de curto prazo, de médio prazo e de longo prazo, conforme definição a seguir. 1. Curtíssimo Prazo - refletem mais rapidamente a variação dos preços das ações na reta, abrange geralmente um período de 5 a 13 dias; 2. Curto Prazo - refletem rapidamente a variação dos preços das ações na reta, geralmente toma-se o período de 14 a 25 dias; 3. Médio Prazo – refletem de forma menos rápida a variação dos preços das ações na reta, toma-se em geral o período de 26 a 74 dias; 4. Longo Prazo – observa o comportamento dos preços das ações em um período mais longo de tempo, entre 75 a 200 dias. Amplitude do Cálculo – 5 dias • Sinalizador de Alta – Quando MMEt for superior a Pt, indício de que os compradores estão atuando com mais força no mercado • Sinalizador de Baixa – Quando MMEt for inferior a Pt, indício de que os vendedores estão atuando com mais força no mercado - Convergência/Divergência da Média Móvel# A linha MACDt de Convergência/Divergência da Média Móvel corresponde à diferença entre duas Médias Móveis Exponenciais, sendo uma de período mais curto, MMEtC; e outra de período mais longo, MMEtL. Assim: MACDt=MMEtC-MMEtL A linha MACDt reflete o consenso da massa num período de curto prazo, gerando sinais de compra ao cruzar para cima a Linha do Sinal; e de venda ao cruzá-la para baixo. A Linha do Sinal, por sua vez, reflete o consenso da massa num período de longo prazo, e corresponde a uma Média Móvel Exponencial MMEtMACD do MACDt.
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onde:
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• Amplitude do Cálculo – A MMEtC é calculada para um período de 12 dias, enquanto que a MMEtL é calculada para um período de 26 dias. A Linha do Sinal abrange um período de 9 dias • Sinalizador de Alta – Quando MACDt for superior a MMEtMACD, indício de que os compradores estão atuando com mais força no mercado • Sinalizador de Baixa – Quando MACDt for inferior a MMEtMACD, indício de que os vendedores estão atuando com mais força no mercado 3.2.2.2 Indicadores osciladores - Índice de Força Relativa Adotando Incrementos+n como representação da Média dos incrementos positivos; e Incrementos-n como representação da Média dos incrementos negativos, ambas em n períodos; é possível extrair o coeficiente FRt de Força Relativa#. O IFRt expressa a relação entre as forças de oferta e demanda do mercado em um determinado período, monitorando a porcentagem das altas que ocorreram em relação ao total das oscilações. • Amplitude do Cálculo – 14 dias# • Sinalizador de Alta – Quando IFRt for inferior a 30 – limite estabelecido de forma ad hoc – sinalizando que o mercado está sobre-vendido • Sinalizador de Baixa – Quando IFRt for superior a 70 – limite estabelecido de forma ad hoc – sinalizando que o mercado está sobrecomprado - Estocástico: Este indicador tem como base a intuição de que, à medida que os preços sobem, os preços de fechamento aproximam-se das máximas, ocorrendo o contrário quando os preços encontram-se em momentos de baixa. Ou seja, rastreia a relação entre cada preço de fechamento e as máximas e mínimas recentes. 3.3 Recomendações O mercado trabalha muito hoje em cima de especulação. Então, observe com cuidado os movimentos. O volume de rompimento de resistência é um indicador que deve ser levado em conta. Confie em rompimentos de resistência e de suporte se eles forem acompanhados de volumes acima da média. Elabore uma estratégia de saída em caso de fracasso. Para o caso do padrão
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Nunca estabeleça uma perda superior a dois porcento do seu capital. Ou seja, se você vai entrar em uma operação onde a estratégia de saída limita a perda a quatro porcento, só entre na operação com metade do seu capital. Assim, você garantirá o seu capital mesmo em tempos de operações fracassadas. Mantenha-se sempre fiel ao seu planejamento. Um ponto muito importante dentro da análise técnica e de qualquer outra ferramenta que pode ser usada na vida para atingir um determinado objetivo, quer seja para maximizar o lucro ou outra finalidade, é ser sempre fiel ao planejamento. Muitos investidores se planejam e quando entram na operação não conseguem usar da racionalidade e se deixam guiar pelas emoções, com pensamentos do tipo: o preço da ação vai se valorizar, vai subir e perde o momento de sair da operação, acumulando prejuízos. Se você já realizou o que tinha pretensão, então não perca de mente seus planos iniciais. “Você será bem-sucedido nas operações de mercado apenas se lidar com essa atividade como um empreendimento intelectual sério. Os investimentos emocionais são letais”, conforme adverte Elder (2004, p.5). Um conselho prático, portanto, é: siga seu planejamento. Busque ser mais racional nas decisões porque o mercado não perdoa os erros. Prepare-se e use critérios objetivos. “A análise técnica, realizada com o auxílio de gráficos multiformes e formulações matemático-estatísticas, tem o objetivo de permitir estar no lado maior das probabilidades” (BRUNI et al, 2009, p.69), portanto, busque critérios de escolha que minimizem tanto quanto possível a escolha pela indução, emoção. Um mecanismo disponível no Home Broker das corretoras e seu aliado é o stop loss. O stop loss é um dispositivo que você define em até que preço continua na operação. Por exemplo, você comprou uma ação no valor de R$20,00 e admite um prejuízo de até R$1, 50 por ação, assim, se tal mecanismo for ativado, quando o preço da ação alcançar o valor de R$18,50 automaticamente será emitido uma ordem de venda e o seu prejuízo pode ser minimizado. Muitos dos investidores que estão entrando na bolsa recentemente e não tem experiência em negociações acabam com grandes perdas porque não souberam ou simplesmente ignoraram o stop loss. Quantas histórias são conhecidas de indivíduos que deram uma rápida ida ao banheiro ou que pararam para ver um email e quando se deram conta já estavam levando um sério prejuízo? No mercado de ações é quase impossível você perder todo o capital investido se souber proteger seu patrimônio - e isso é uma tarefa que ninguém melhor que você pode fazer por si próprio. Faça o manejo do risco.
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não se confirmar, escolha um ponto de saída antes da operação começar. Exemplo: para o caso da tendência de alta não se confirmar, venderei minhas ações quando a perda chegar a quatro por cento (exemplo meramente ilustrativo).
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Um outro dispositivo também encontrado no seu Home Broker é o stop gain. Este, quando a ação que você investe estiver sendo valorizada, ou seja, com seu preço subindo, será acionado quando atingir determinado valor conforme sua pré-determinação. Muitos não fazem uso dele, mas é de igual maneira importante para proteger os lucros positivos que já estão sendo ganhos e até mesmo, podemos dizer, defender a si de se auto-sabotar e ver tudo ir por água abaixo. Investir no mercado de ações é estar sujeito as mudanças no comportamento dos preços que podem oscilar consideravelmente de um dia para o outro. Defenda como puder seu investimento buscando nas ações não um jogo de perder, ganhar ou empatar, mas usar da racionalidade e análises objetivas, pois “se você permitir que suas emoções interfiram em suas operações de mercado, a batalha estará perdida” Elder (2004, p.31). Tenha seu método. Se perguntarmos no mundo quem é adepto da análise fundamentalista e quem é da técnica, perceberemos que uma grande quantidade intitula-se como pertencente da segunda opção, então, o que diferencia você dos outros é o seu método. Um outro ponto a se destacar é identificar o timming da operação. Para ilustrar isso podemos pensar em um(a) jovem que tem um compromisso com hora marcada para iniciar e que apesar de não ter hora pré-estabelecida para terminar, tem mais ou menos uma noção do horário. Você pode perceber que, quase ninguém teria a coragem o suficiente para comparecer ao compromisso já próximo ao fim porque sabe que teria perdido grandes oportunidades, ou deixado de conhecer alguém que se tornaria muito especial em sua vida ou até por não querer perder a ocasião para ter assunto que conversar com as amizades no outro dia. Assim também a operação tem um timming. Não seria tão sensato entrar em uma operação se você chegou depois do ponto mais indicado para entrar nela e nem também continuar em uma se já está no momento adequado de sair, pois você poderá estar arriscando demais o resultado positivo que pode ser realizado fruto da negociação. Há o momento certo para entrar ou sair de uma negociação e ainda mais porque envolve seu patrimônio, o que já é muito! Às vezes bons fundamentos das empresas no final não acabam por levar a tendência esperada, ou seja, mesmo com acontecimentos que parecem que convergirão para uma determinada direção no preço da ação da empresa, acaba por não corresponder fielmente as expectativas. Um exemplo é a publicação do balanço patrimonial da empresa, em que mesmo apresentando bons resultados ainda assim pode não ser o suficiente para incrementos no preço da ação. Um outro ponto que não pode deixar de ser comentado é a necessidade de mudarmos o pensamento de que somente se ganha com alta. Isso não é certo.
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A liquidez é um fator que deve ser observado pelo investidor. É interessante buscar títulos liquidos, ou seja, aqueles que, caso necessário, possam ser facilmente transacionados, que possuem um bom volume de negociação.
REFERÊNCIAS ASSAF NETO, A. Mercado financeiro. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. BOVESPA – Bolsa de Valores de São Paulo. Índice Bovespa. Disponível em: http://www.bmfbovespa.com.br/Indices/download/IBovespa.pdf. Acesso em: 20 de set. de 2011. BRUNI, A. L. et al. Análise técnica de ações: um estudo de caso da empresa Bombril S.A. Revista Cont. Ufba, Salvador, v. 3, n. 3 p. 66-80, set./dez.. 2009. ELDER, Alexandre. Como se transformar em um operador e investidor de sucesso. 14. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. FROST, A. J; PRECHTER, R. R. J, Jr. O princípio da onda de Elliott: chave para o comportamento do mercado. São Paulo: Editec, 2002. MAGEE, J; EDWARDS, R. D. Thechnical analysis of stock markets. 9 ed. [S.L] : John Magee, 2003. MURPHY, J.J. Análisis técnico de los mercados financieros. New York: J.J. Murphy, 1999. NORONHA, M. Análise técnica: teorias, ferramentas e estratégias. São Paula: Editec, 2006.
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Uma introdução ao mercado de capitais: investindo na Bolsa de Valores
Sempre há aqueles que lucram mesmo quando o mercado está em baixa, pois há como tirar proveito delas.
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A Fluidez da sociedade na visão de Zygmunt Bauman Mário César dos Santos de Carvalho
1. INTRODUÇÃO O objeto do presente estudo é uma análise teórica da sociedade líquido-moderna na visão do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Pretendemos aqui entender um pouco mais sobre as condições a que os membros dessa sociedade estão sujeitos e a consolidação de seus hábitos, rotinas e formas de agir em um mundo que não pára e no qual características como estabilidade, lealdade e solidez são vistas como ultrapassadas. Em seus estudos, Zygmunt Bauman argumenta que estamos todos imersos numa vida “líquida”. O termo líquido é usado para caracterizar que a sociedade é incapaz de manter a sua forma. Tudo nela muda muito rápido. O mais importante é a velocidade e não a duração. Não vivemos mais no mundo passado, onde o tempo caminhava bem mais lentamente e resistia à aceleração, conforme Bauman (2007a, p. 15). “Certamente, o mundo pós-moderno é qualquer coisa, menos imóvel – tudo, nesse mundo, está em movimento”. (BAUMAN, 1998a, p. 121). Porém, movemo-nos aleatoriamente, dispersos e sem saber exatamente para onde. A metáfora do líquido apresenta uma realidade com incertezas constantes, sintetizada pela precariedade das nossas relações, valores e sentimentos. Considerando as incertezas da “liquefação do real”, estamos cada vez mais cercados por inseguranças. Nossos antigos sonhos de ter raízes tradicionais, princípios, profissões, expectativas de vida e casamentos “até que a morte nos separe”, são trocados por valores e gostos fúteis, relações efêmeras e trabalho precário. Há pouco espaço para uma vida vivida com um projeto de longo prazo ou uma esperança de longo alcance. Temos que ser gratos pelo pão que comemos hoje e não cogitar demasiado do futuro, como destaca Bauman (1998a, p. 50). Segundo Bauman (2004, p. 112-113), vivemos todos em uma inédita fluidez, fragilidade e transitoriedade que marcam todas as espécies de vínculos
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A Fluidez da sociedade na visão de Zygmunt Bauman
sociais que, uma década atrás, combinaram-se para constituir um arcabouço duradouro e fidedigno dentro do qual se pôde tecer com segurança uma rede de interações humanas. Elas afetam particularmente, e talvez de modo mais seminal, o emprego e as relações profissionais. Tudo neste “mundo líquido” é definido como temporário. Nossas instituições, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades “auto-evidentes”. Agora todas as coisas – empregos, relacionamentos, know-hows etc. – tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis. Nossa era, portanto, se caracteriza por evitar que padrões de conduta se congelem em rotinas e tradições. De acordo com Bauman (2003, p. 45). Nossos valores estão longe de ser sólidos e com certeza não estão fixados definitivamente. Parecem divisórias de papelão ou telas destinadas a serem reposicionadas mais e mais vezes segundo mudanças sucessivas de necessidades ou caprichos. O objetivo deste estudo é fazer uma análise desta vida líquida em que as pessoas, dentro e fora das Organizações, estão imersas. Um mundo em que falamos compulsivamente sobre redes e tentamos obsessivamente evocá-las, a partir dos “namoros rápidos” e dos encantamentos dos “sistemas de mensagem” dos telefones celulares. Fazemos isso porque sentimos dolorosamente a falta das redes seguras que as verdadeiras redes de parentesco, amizade e irmandade de destino costumavam oferecer de maneira trivial, com ou sem os nossos esforços. As agendas dos celulares ocupam o lugar da comunidade que nos falta, e a esperança é que substituam a intimidade perdida. Espera-se que agüentem uma carga de expectativas que lhes é impossível levantar, muito menos sustentar, conforme destaca Bauman (2005, p. 100). Este estudo primeiramente apresentará um panorama geral sobre a nova ordem que se apresenta no mundo líquido-moderno. Em seguida é feita uma análise da fragilidade das instituições, inclusive a redução do papel do Estado. Posteriormente será descrita a sociedade do consumo dentro dessa fluida sociedade. E por fim são apresentadas as conclusões deste trabalho.
2. UMA NOVA ORDEM Vivemos num mundo regido sob uma nova ordem. Uma realidade fugaz e instável. Mas Bauman (1998a, p. 15-16) afirma que Ordem, ao contrário, significa um meio regular e estável para nossos atos. Num mundo ordenado, as probabilidades dos acontecimentos não estão distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita, de modo que certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos possíveis, alguns virtualmente impossíveis.
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Até mesmo dentro de suas próprias residências os indivíduos se encontram dispersos, isolados, por vezes incomunicáveis. Segundo Bauman (2004, p. 84), os lares tornam-se centros de lazer multiuso em que os membros da família podem viver, por assim dizer, separadamente lado a lado. As casas se tornaram locais de escaramuças territoriais, ilhas de intimidade, onde se constroem bunkers fortificados. Hoje usamos nossa privacidade como um traje pressurizado, corremos para nossos quartos e trancamos as portas. No mundo líquido, as pessoas têm preferido a proximidade virtual e esta tem sido praticada de forma mais espontânea do qualquer outra forma de contigüidade. Estamos virtualmente próximos a quem quisermos. Bauman (2004, p. 78) destaca que não importa onde estejamos, permanecemos conectados – mesmo estando em constante movimento, e ainda que os remetentes ou destinatários invisíveis das mensagens recebidas ou enviadas também estejam em movimento, cada qual seguindo suas próprias trajetórias. A diferença entre um lugar e outro, entre um e outro grupo de pessoas ao alcance de sua visão e de seu toque, foi suprimida, tornou-se nula e vazia. Você é o único ponto estável num universo de objetos em movimento graças às suas conexões. No entanto não deixamos de exibir nossa indiferença onde quer que estejamos quando, com os fones de ouvido devidamente ajustados, ligados no celular, desligamonos da vida. A proximidade física não se choca mais com a distância espiritual, como diz Bauman (2005, p. 33). Bauman (2005, p. 35) destaca que em nossa época líquido-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, ‘estar fixo’ – ser ‘identificado’ de modo inflexível e sem alternativa – é algo cada vez mais malvisto. Segundo Bauman (2004, p. 78) não importa onde você está, quem são as pessoas à sua volta e o que você está fazendo no lugar onde estão essas pessoas. A diferença entre um lugar e outro, entre um e outro grupo de pessoas ao alcance de sua visão e de seu toque, foi suprimida, tornou-se nula e vazia. Todos os recursos tecnológicos de que dispomos nos dias de hoje se encar-
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Dentro da sociedade líquido-moderna, os laços que unirão pessoas serão cada vez mais frágeis e elas saberão cada vez menos o que esperar dos relacionamentos, seja qual for sua natureza. Para Bauman (2004, p. 111), o compromisso com outra pessoa ou com outras pessoas, em particular o compromisso incondicional e certamente aquele do tipo “até que a morte nos separe”, na alegria e na tristeza, na riqueza ou na pobreza, parece cada vez mais uma armadilha que se deve evitar a todo custo. “Em nosso mundo de furiosa ‘individualização’, os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro” (BAUMAN, 2004, p. 8). É nesse universo repleto de incertezas e desordem que o ser humano viverá no século XXI.
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regam de reduzir todas essas distâncias. Porém, a realização mais importante da proximidade virtual parece ser a separação entre comunicação e relacionamento. Diferentemente da antiquada proximidade topográfica, ela não exige laços estabelecidos de antemão nem resulta necessariamente em seu estabelecimento, conforme Bauman (2004, p. 82). Imersos na fluidez, não nos parece tão importante tentar crescer pessoal e profissionalmente e ao mesmo tempo semear e solidificar valores como a família, as amizades, o respeito e o amor. Só pensamos no individual, na nossa “Identidade”. Bauman (2003, p. 20) destaca identidade como a palavra do dia e o jogo mais comum da cidade. Ela deve a atenção que atrai e as paixões que desperta ao fato de que é a substituta da comunidade: do “lar supostamente natural” ou do círculo que permanece aconchegante por mais frios que sejam os ventos lá fora. “’Identidade’ significa aparecer: ser diferente e, por essa diferença, singular – e assim a procura da identidade não pode deixar de dividir e separar” (BAUMAN, 2003, p. 21). Bauman (2005, p. 91) acrescenta que a construção da identidade assumiu a forma de uma experimentação infindável. Os experimentos jamais terminam. Você assume uma identidade num momento, mas muitas outras, ainda não testadas, estão na esquina esperando que você as escolha. Bauman (2005, p. 96) também sustenta que em nosso mundo fluido, comprometer-se com uma única identidade para toda a vida, ou até menos do que a vida toda, mas por um longo tempo à frente, é um negócio arriscado. As identidades são para usar e exibir, não para armazenar e manter. Para Bauman (2005, p. 32), é nisso que nós, habitantes do líquido mundo moderno, somos diferentes. Buscamos construímos e mantemos as referências comunais de nossas identidades em movimento – lutando para nos juntarmos aos grupos igualmente móveis e velozes que procuramos, construímos e tentamos manter vivos por um momento, mas não por muito tempo. Cada vez mais tendemos a nos afastar da comunidade. As pessoas que dela se aproximam são vistas como inseguras, desorientadas, confusas e assustadas pela instabilidade e transitoriedade do mundo que habitam. Sobre o a hostilidade do mundo em que vivemos e desejo das pessoas de viver em comunidade, Bauman (2003, p. 8-9) considera: Quem não gostaria de viver entre pessoas amigáveis e bem intencionadas nas quais pudesse confiar e de cujas palavras e atos pudesse se apoiar? Para nós em particular – que vivemos em tempos implacáveis, tempos de competição e de desprezo pelos mais fracos, quando as pessoas em volta escondem o jogo e poucos se interessam em ajudar-
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Concluímos então que “fugimos” das comunidades. Como coloca Bauman (2003, p. 55), acima de tudo, a ‘bolha’ em que a elite cosmopolita global dos negócios e da indústria cultural passa a maior parte de sua vida é uma zona livre de comunidade. Esta elite quer que todos nós sigamos os modelos dessa sociedade sem raízes. Bauman (2005, p. 33) reitera que no admirável mundo novo das oportunidades fugazes e das seguranças frágeis, as identidades ao estilo antigo, rígidas e inegociáveis, simplesmente não funcionam.
3. FRAGILIDADE DAS INSTITUIÇÕES A “nova desordem mundial” dos dias de hoje não pode ser explicada, como coloca Bauman (1998b, p. 65-66), meramente pela circunstância que constitui a razão mais óbvia e imediata da sensação de pasmo e perplexidade: a confusão de “dia seguinte” produzida pelo fim abrupto do Grande Cisma e o súbito colapso da rotina política de blocos de poder, mesmo que tenha sido este colapso que deu o alerta da “nova desordem”. Ninguém parece estar no controle agora. Pior ainda, não está claro o que é “ter o controle”. A globalização é vista então como a nova desordem mundial. Para Bauman (1998b, p. 71-72) a mudança afetou acima de tudo o papel do Estado. A autosuficiência militar, econômica e cultural do Estado, sua própria auto-sustentação, deixou de ser uma perspectiva viável. Para preservar sua capacidade de policiar a lei e a ordem, os Estados tiveram que buscar alianças e entregar voluntariamente pedaços cada vez maiores de sua soberania. “Estados fracos são precisamente o que a Nova Ordem Mundial, com muita freqüência encarada com suspeita como uma nova desordem mundial, precisa para sustentar-se e reproduzir-se”. (BAUMAN, 1998b, p. 76) No entanto, Bauman (2005, p. 94) diz que não se pode ser “contra a globalização”, da mesma forma que não se pode ser contra um eclipse do Sol. O problema, e o próprio tema do movimento, não é como “desfazer” a unificação do planeta, mas como domar e controlar os processos, até agora selvagens, da globalização – e como transformá-los de ameaça em oportunidade para a humanidade. Bauman (2005, p. 57), ao caracterizar o momento que vivemos, diz que estamos agora passando da fase ‘sólida’ da modernidade para a fase ‘fluida’.
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nos, quando em resposta a nossos pedidos de ajuda ouvimos advertências para que fiquemos por nossa própria conta, quando só os bancos ansiosos por hipotecar nossas posses sorriem dizendo ‘sim’, e mesmo eles apenas nos comerciais e nunca em seus escritórios – a palavra ‘comunidade’ soa como música aos nossos ouvidos.
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E os ‘fluidos’ são assim chamados porque não conseguem manter a forma e por muito tempo e, menos que sejam derramados num recipiente apertado, continuam mudando de forma sob a influência até mesmo das menores forças. Num ambiente fluido, não há como saber o que nos espera é uma enchente ou uma seca – é melhor estar preparado para as duas possibilidades. Não se deve esperar que as estruturas, quando (se) disponíveis, durem muito tempo. Não serão capazes de agüentar o vazamento, a infiltração, o gotejar, o transbordamento – mais cedo do que se possa pensar, estarão encharcadas, amolecidas, deformadas e decompostas. Sobre a transformação do Estado, Bauman (2003, p. 90) diz que: Essa transformação, contudo, priva o Estado de seu antigo status de lugar supremo, talvez único, do poder soberano. As nações, antes firmemente abrigadas na armadura da soberania multidimensional do Estado-nação, se acham num vazio institucional. Bauman (1998a, p. 50), opina sobre a maneira como as empresas terão que se adaptar ao mundo líquido-moderno, dizendo que elas precisam modernizar a Direção, tornando o trabalho ‘flexível’, devendo desfazer-se da mão-de-obra e abandonar linhas e locais de produção de uma hora para outra, sempre que uma relva mais verde se divide em outra parte, sempre que possibilidades comerciais mais lucrativas, ou mão-de-obra mais submissa e menos dispendiosa, acenem ao longe. Mais preocupante ainda é a questão dos indivíduos dentro deste mundo tão fluido, sem forma definida. As pessoas, segundo Bauman (2005, p. 34-35), em busca de identidade encontram pouca segurança, para não falar em plenas garantias, dos poderes do Estado, o qual reteve apenas minguados remanescentes de uma soberania territorial que um dia já foi indomável e indivisível. Os direitos sociais são substituídos um a um pelo dever individual do cuidado consigo mesmo e de garantir a si mesmo vantagem sobre os demais. É uma sensação de estar desamparado, desprotegido. O Estado antes até paternalista, que garantia emprego, saúde, educação, segurança, agora tem seu papel cada vez mais reduzido e o cidadão, quando assim pode ser reconhecido, se vê cada vez mais “órfão”, carente de uma “mão” que lhe ampare. Num ambiente sem a presença, de fato, do Estado, a atmosfera de insegurança se instala. As cidades contemporâneas se tornam campos de batalha em que os poderes globais e os significados e identidades obstinadamente locais se encontram, se chocam, lutam e buscam um acordo que se mostre satisfatório ou pelo menos tolerável – um modo de coabitação que encerre a esperança de uma paz duradoura, mas que, em geral, se revela um simples armistício,
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A insegurança chega a ser não apenas uma sensação, algo que deixe as pessoas somente preocupadas com seu futuro pessoal e profissional, mas se torna algo que pode colocar suas próprias vidas em risco. O medo de sair às ruas e até mesmo de ficar dentro de casa coexiste com a rotina dos indivíduos que habitam o mundo líquido-moderno. Os moradores dos condomínios cercamse para ficar “fora” da excludente, desconfortável, vagamente ameaçadora e dura vida da cidade – e “dentro” do oásis de calma e segurança. A cerca separa o “gueto voluntário” dos ricos e poderosos dos muitos guetos forçados que os despossuídos habitam, como bem coloca Bauman (2004, p. 131).
4. A SOCIEDADE DO CONSUMO Bauman (1998b, p. 87-88) afirma que vivemos em uma sociedade de consumo. Temos em mente então algo mais que a observação trivial de que todos os membros dessa sociedade consomem. Todos os seres humanos, ou melhor, todas as criaturas vivas “consomem” desde tempos imemoriais. Mas o consumidor em uma sociedade de consumo é uma criatura acentuadamente diferente de quaisquer outras sociedades até aqui. Segundo Bauman (2003, p. 59), vivemos num mundo acolchoado, maleável e informe da elite global dos negócios e da indústria cultural, em que tudo pode ser feito e refeito e nada vira sólido. Não há lugar para realidades obstinadas e duras como a pobreza, nem para a indignidade de ser der deixado para trás, nem tampouco para a humilhação que representa a incapacidade de participar do jogo do consumo. Bauman (2004, p. 68) ainda sobre os excluídos deste jogo, ressalta que: Pobres daqueles que, em razão da escassez de recursos, são condenados a continuar usando bens que não mais contêm a promessa de sensações novas e inéditas. Pobres daqueles que, pela mesma razão, permanecem presos a um único bem, em vez de flanar entre um sortimento amplo e aparentemente inesgotável. Tais pessoas são os excluídos na sociedade de consumo, os consumidores falhos, os inadequados e os incompetentes, os fracassados – famintos definhando em meio à opulência do banquete consumista. Bauman (1998a, p. 55-56) diz que a sedução do mercado é, simultaneamente, a grande igualadora e a grande divisora. O consumo abundante, é-lhes dito e mostrado, é a marca do sucesso e a estrada que conduz diretamente ao aplauso público e à fama. Eles também aprendem que possuir e consumir
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um intervalo para reparar as defesas avariadas e redistribuir as unidades de combate, como afirma Bauman (2004, p. 125-126).
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determinados certos objetos, e adotar certos estilos de vida, é a condição necessária para a felicidade, talvez até para a dignidade humana. Bauman (1998b, p. 91) explica que para os consumidores da sociedade de consumo, estar em movimento, ou seja, procurar, buscar, não encontrar ou, mais precisamente, não encontrar ainda, não é sinônimo de mal-estar, mas promessa de bem-aventurança, talvez a própria bem-aventurança. Seu tipo de viagem esperançosa faz da chegada uma maldição. Os shoppings são construídos de forma a manter as pessoas em circulação, olhando ao redor, divertindo-se e entretendo-se sem parar, com inúmeras atrações, mas de forma alguma por muito tempo. Não há interesse de fazê-las parar, se olhar e conversar, a pensar em analisar e discutir alguma coisa além dos objetos em exposição, conforme coloca Bauman (1998b, p. 33). O alienamento dos consumidores dentro desse mundo faz parte do jogo da fluidez. Não se quer clientes esclarecidos, lúcidos, reflexivos, que possam entender o invólucro no qual estão sendo envolvidos. O objetivo é que as pessoas sejam cada vez mais vulneráveis, suscetíveis ao consumo da forma que lhes é apresentado. Dentro da liquefação da realidade o “modo consumista” requer que a satisfação precise ser, deva ser, seja de qualquer forma instantânea, enquanto o valor exclusivo, a única “utilidade”, dos objetos, é a sua capacidade de proporcionar satisfação. Uma vez interrompida a satisfação, não há motivo para entulhar a casa com esses objetos inúteis. Isso se torna-se cada vez mais antiquado. Não existe reconhecimento por valores como fidelidade, amizades duradouras e comprometimento, seja com marcas, empresas e muito menos com as pessoas. Bauman (2007a, p. 18) diz que vivemos num mundo de consumo onde a distinção entre consumidores e objetos de consumo é, com muita freqüência, momentânea e sempre condicional. Para Bauman (2005, p. 71-72) uma relação só dura enquanto permanece a satisfação que traz a ambos os parceiros, e nem um minuto a mais. No caso dos relacionamentos, você deseja que a “permissão de entrar” venha acompanhada da “permissão de sair”, no momento em que não veja mais razão para ficar. Substituímos os poucos relacionamentos profundos por uma profusão de contatos pouco consistentes e superficiais. Ao falar da efemeridade e superficialidade dos laços que unem os habitantes da modernidade líquida, Bauman (2005, p. 72) faz uma analogia dos relacionamento que os jovens têm com seus animais de estimação e com os humanos. Ele diz que três meses é mais ou menos o tempo máximo durante o qual jovens trainees da sociedade de consumo são capazes de aproveitar e depois tolerar a companhia de seus animais de estimação. É provável que eles
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Num mundo tão fluido, não há espaço para paixões tão duradouras nem fidelidade a qualquer marca ou rótulo que seja. Não podemos ser fãs incondicionais de cantores, atores, artistas em geral, jogadores de futebol ou políticos. Segundo Bauman (2003, p. 65), para que sirvam a seu propósito, os ídolos devem ser brilhantes a ponto de ofuscar os espectadores e formidáveis a ponto de ocupar inteiramente o palco; mas devem ser também voláteis e móveis – de maneira a poderem desaparecer rapidamente da memória deixando a cena para a multidão dos ídolos à espera da vez. Não deve haver tempo para a sedimentação de laços duradouros entre os ídolos e seus fãs, e nenhum ídolo em particular deve ter uma presença duradoura. Não seria possível imaginar que na modernidade pudéssemos nos questionar se teríamos ou não filhos. O futuro nos reservaria mais tempo com a família, para lazer, atividades esportivas e, com certeza, menos tempo dedicado ao trabalho. Mas, ao contrário, os avanços tecnológicos e a voracidade cada vez maior do modo de produção capitalista, fizeram com que nos perguntássemos se ser pai ou mãe é ou não um bom “investimento”. Bauman (2004, p. 60-61), de maneira bastante interessante, diz que os filhos estão entre as aquisições mais caras que o consumidor médio pode fazer ao longo de toda sua vida. Em termos puramente monetários, eles custam mais caro que um carro luxuoso do ano, uma volta ao mundo em um cruzeiro ou até mesmo uma mansão. Pior ainda, o custo total tende a crescer com o tempo, e seu volume não pode ser fixado de antemão nem estimado algum grau de certeza. E completa ainda com um dilema da fluidez de nosso tempo: Tê-los ou não é comprovadamente a decisão com maiores conseqüências e de maior alcance que existe e, portanto, também a mais angustiante e estressante. Ademais, nem todos os custos são monetários, e os que não o são jamais poderão ser medidos e calculados. Ter filhos pode significar a necessidade de diminuir as ambições pessoais e até “sacrificar uma carreira”.
5 CONCLUSÃO Procuramos analisar como o pensamento do sociólogo polonês Zygmunt Bauman acerca da fluidez da modernidade vem evoluindo há cerca de uma década. Concluímos, após esta análise de seis de seus livros, que vivemos em um mundo cheio de incertezas, de laços inter-humanos cada vez mais frágeis e temporários, com organizações sociais que não podem manter sua forma por
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levem esse hábito adquirido tão cedo para a vida adulta, em que os cães são substituídos por seres humanos como objetos do amor.
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muito tempo e, por conseguinte, não podem mais servir de referência para as ações humanas, em razão de sua expectativa de vida muito curta. Para a grande maioria dos habitantes do líquido mundo moderno, atitudes como cuidar da coesão, apegar-se às regras, agir de acordo com os precedentes e manter-se fiel à lógica da continuidade, em vez de flutuar na onda das oportunidades mutáveis e de curta duração, não constituem opções promissoras. O que lhes resta é tentar da melhor forma adaptar-se a essa atmosfera volátil. É necessário agir, planejar ações, calcular ganhos e perdas esperados dessas ações e avaliar seus resultados em condições de tantas incertezas. É claro que este é apenas um estudo teórico e pode ser aprofundado com a análise dos outros livros que compõem a obra de Zygmunt Bauman que não foram aqui contemplados. Além disso, pode ser feito um diálogo com o pensamento de outros autores acerca do mesmo tema. Sem dúvida o confronto de ideias seria muito enriquecedor. Mas este trabalho procurou destacar como a sociedade vive um momento de crise de valores, de insegurança, de efemeridade e falta de comprometimento com tudo e todos. Temos que nos preparar para enfrentar então todas as “independências” que nos são apresentadas. Vivemos num mundo que é fluido. Temos que nos adaptar. Como destaca Bauman (2005, p. 36), se você deseja “relacionar-se” ou “pertencer” por motivo de segurança, mantenha a distância. Se você espera e deseja realizar-se com o convívio, não assuma nem exija compromissos. Deixe todas as portas bem abertas.
REFERÊNCIAS BAUMAN, Zigmunt. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2004. ______. Comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2003. ______. Globalização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1998b. ______. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1998a. ______. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2007b. ______. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2007a.
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Apontamentos iniciais para análise da historicização da relação professor x estado x universidade Julianna Cláudia Santos Ramos
1. INTRODUÇÃO Este artigo tenta avaliar, em um primeiro plano, a questão da educação, e o seu papel e importância sócio-econômico-cultural. Em segundo, as inserções neste mesmo esboço avaliativo de elementos de contextualização do processo no qual destacam-se o tratamento e importância despendidos à educação, a partir, do papel dos docentes e das IES e também do Estado. O presente trabalho não ambiciona, em nenhum momento, exaurir todas as hipóteses que possam ser associadas `a grandiosidade da educação como um instrumento revolucionário de inserção/ exclusão sócio-econômica, bem como, o desafio de tornar-se professor universitário hoje e as possibilidades, que se dão quando da busca de soluções, construindo caminhos, ou simplesmente, o levantar do brado, no qual, a figura do professor, terá um rol imprescindível a desempenhar.
2. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-SOCIOLÓGICA DA EDUCAÇÃO A educação pode e deve ser avaliada enquanto um fenômeno que de uma maneira ou de outra, deve ser passível de observação em todas as formas sociais até o momento já conhecidas, desde as mais simples às atuais. Contudo quanto menos sofisticada for a organização social tanto mais nitidamente serão visualizados os elementos que se emprestam a compor o elenco da educação, bem como o seu respectivo ambiente, ou seja o cenário social onde este tal fenômeno deve ocorrer. É interessante pontuar que os elementos que compõem a Educação dizem respeito à natureza geral desta, bem como ao seu fim, ao seu método, a sua organização e ao seu resultado.
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Apontamentos iniciais para análise da historicização da relação professor x estado x universidade
Avaliando-se devidamente a forma ou modo pelo qual a educação na sua roupagem rústica se apresenta, o que deve servir por base para sustentar o entendimento desta mesma educação posteriormente mais complexa e sofisticada. Segundo Paul Monroe, a educação pode ser apontada ou enquadrada como educação teórica e educação prática. A educação prática advém da necessidade do homem, o qual mesmo enquadrado em uma organização social primitiva tem em prover através dos devidos processos de acesso, ou melhor, técnicas usualmente utilizadas pela comunidade, para obtenção de abrigo, alimento, vestimentas, etc. Já a educação teórica, a qual também pode ser identificada em formas primitivas sociais, é composta basicamente pelo repasse de todo o costume ou conhecimento ligado aos modos de manifestação cultural que, diziam respeito, principalmente, aos rituais, danças e feitiços, os quais podem ser destacados como genuínas e primitivas formas de culto religioso. Formalmente, então, já se faz possível destacar socialmente o papel do professor, conforme propõe Monroe (1978, p.9): “Embora todos os homens de certos grupos participem das representações cerimoniais, estas se acham, geralmente, sob a direção de pessoas determinadas”. Outro aspecto interessante a ser também reverenciado, é o fato do papel social do professor, desde então, e até os dias atuais, confundir-se plenamente, como uma espécie de exercício sacerdotal, ou melhor, sacerdócio. Quanto a existência de um método, pode-se apontar, que em formas menos avançadas socialmente, o método educacional, se assim pode ser dito, esteve plenamente caracterizado pela mera transmissão a partir do uso de da repetição, ou seja, o caráter meramente da instrução pela via da imitação. Formas mais sofisticadas de métodos educacionais, tendo por referência a linguagem escrita e a respectiva familiarização com as elaborações formais, não são inerentes aos povos primitivos. Com o uso da linguagem escrita, ocorre uma interessante passagem, posto que, surge o aparecimento da instrução, a qual difere substancialmente do treino, ou mero exercício repetitivo. Com a paulatina e gradual sofisticação, ou melhor, sistematização de repasse das instruções que eram meramente (re)transmitidas de geração para geração, surgem as primeiras escolas, as quais inicialmente se propunham apenas a preparar ou formar os futuros membros a serem integrantes do grupo de sacerdotes. Contudo, a elaboração de um roteiro previamente definido, ou melhor, currículo, bem como o acanhado surgimento do magistério, ao menos de seus elementos mais gerais, torna possível que seja visualizado o término do período rústico ou primitivo da educação, e com isso são dados os primeiros
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Conforme bem colocado por Monroe (1978, p. 26): A transição do sociedade primitiva para os primeiros estádios da civilização é assinalada pela substituição da organização genética da sociedade por uma organização política e pela formação de uma linguagem escrita e de uma literatura. A organização política da sociedade indica que a individualidade é agora reconhecida, e que o indivíduo, mais do que a família ou classe, é a unidade social. A linguagem escrita e a literatura indicam que a sociedade já tem consciência do passado e das formas de conduta estabelecidas, e que descobriu meios para conservar, cuidadosamente, essas formas. ..... A classe governante da sociedade é a classe literária que, geralmente, também constitui o sacerdócio. O mundo oriental, sob o ponto de vista da concepção educacional continuou a utilizar modos e modelos de manutenção e conservação dos elementos e tradições ligados ao passado, através da negação, ou melhor, da desconsideração do individuo em seu exercício de individualidade. Já no mundo ocidental, em particular, na Grécia, ocorreu uma verdadeira revolução através da educação, posto que por se tratar de uma sociedade com ênfase ao desenvolvimento do indivíduo, o que levou tal organização social a níveis de progresso e liberdade. É com os gregos em sua apologia ao individuo que se criou um conceito até os dias atuais conhecido: Educação Liberal. Conceitos e termos fundamentais como o de liberdade política, cidadania, didática e muitos outros são também contribuições gregas. “o termo ‘didática’, ‘didático’ é conhecido desde a Grécia, significando uma ação de ensinar presente nas relações entre os mais velhos e jovens, crianças e adultos, na família e nos demais espaços sociais e públicos”. (PIMENTA ; ANASTASIOU, 2002, p.42) Outro aspecto interessante a ser pontuado como um grande atributo dado por essa fabulosa cultura foi a colocação da educação em discussão, ou seja, os problemas ligados à educação, como métodos, conteúdos etc. Em se tratando de uma civilização em voga bem anterior a Era Cristã, é interessante pontuar com Monroe(1978,p.28): Mais do que com qualquer outro povo do passado, foi com os gregos que o problema da educação surgiu com as características mais semelhantes das que adquiriu para nós, nos séculos XIX e XX. Nenhum
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passos em direção ao processo de maior elaboração do processo, por assim dizer, civilizatório.
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outro período há, até o século XVIII, tão cheio de sugestões para o educador. A cultura grega trazia uma peculiaridade posto que, de um modo geral, foi uma das primeiras civilizações a declarar um infinito “amor do saber pelo saber”. A curiosidade levava-os de forma brava as searas anteriormente nunca estudadas pelo homem, seja pelo fato de serem tabus ou saberes dogmáticos, ou pelo simples e mero fato, de tais elementos serem privilégio da casta sacerdotal. Um fato interessante então é o da formal ruptura entre o intelectual e o teológico, posto que o primeiro pudesse e veio a coexistir sem a senhoriagem divina. O mundo não seria então, mais o mesmo, pois, agora, uma consciência racional, passa a ter lugar comum na maneira de viver desse povo, e, paulatinamente, da humanidade. Durante o período do domínio romano, não ocorreram grandes contribuições a nível do campo teórico da educação, contudo, no âmbito da educação prática é interessante considerar o que diz Monroe(1978, p.93): A contribuição romana para civilização foi uma contribuição prática de instituições como meios para realizar ideais ou propósitos sociais. Conseqüentemente, sua contribuição para a educação foi de muito menos valor permanente do que a dos gregos. Por outro lado eles forneceram a melhor ilustração da educação prática. O sistema educacional romano tentou inicialmente adotar os processos educativos gregos, o que acarretou na formação de um sistema híbrido ou modificado. É fundamental aponta que as manifestações gregas ganharam espaço principalmente nas classes superiores, e assim deixando o povo menos favorecido sem chance de acesso a tais elementos culturais e literários. Tal forma ou modelo modificado mesmo não trazendo em si sustentabilidade, conseguiu gerar alguns frutos conforme ilustra Monroe (1978, p.93): As grandes realizações da literatura latina foram produtos dos primeiros tempos deste período, quando o gênio romano nada tinha perdido de sua virilidade e a educação grega tinha sido adotada em pequena extensão. Relativamente em pouco tempo, essa imitação dos gregos tornou-se inteiramente artificial, a educação se fez formal e irreal. Tal fato, também, ajuda a reforçar a ideia de que a educação é um poderoso instrumento político, no qual, paradoxalmente pode servir para alienar ou tornar muito frágil a conexão com os elementos da vida real. O discurso político e o enredo educacional devem por assim dizer, apontar uma grande sintonia.
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Na Idade Média, também denominada Idade das Trevas, sob o julgo da Igreja surge, pois na realidade um modelo educacional totalmente diferente. “Durante todo este período predominou uma nova concepção de educação em completo antagonismo com o liberal e individualista dos gregos e com a prática e social dos romanos”. (MONROE, 1978, p.95) A solução educacional apontada pelo cristianismo tomava como base a natureza de ordem moral, a qual, por assim dizer, é comum e inerente a todos os homens, independentemente de sua respectiva capacidade intelectual. O modelo apontado trazia como subsídio uma total substituição dos parâmetros e referências já adotados. “A instrução na doutrina da Igreja e a prática do culto substituíram o elemento intelectual; uma disciplina rígida de conduta substituiu o treino físico e retórico”. (MONROE, 1978, p.94). A mesma educação que no enfoque clássico conseguiu romper pela veia intelectual com os tabus e dogmas das concepções sócio-religiosas primitivas, passa então, através da sua vestidura ideológico-cristã, a novamente cultuar, uma espécie de alienação aos interesses ligados ao mundo material ou mundano. Tudo o mais poderia e deveria ser deixado para trás, posto ser segundo a crença dominante em toda a Igreja primitiva de que estava próximo a nova chegada de Cristo, ou seja, os Tempos do Juízo Final. A forma pela qual a Igreja começa a reger a educação, passa a ser denominado de educação monástica, a qual nasce no século VI e pode ser observada até as margens da modernidade. A educação moral, ganhou graças ao monaquismo, uma roupagem organizacional bastante rígida e minuciosa, ou seja, sistematizou-a como uma disciplina moral e a serviço da purificação e elevação do homem. Conforme ilustra Monroe (1978,p.106) “Os ideais do monaquismo resumiamse, usualmente, em três: castidade, pobreza, obediência ou mais tecnicamente, conversão, estabilidade e obediência”. Paradoxalmente, o ideal monástico, se por um lado, negava a importância dos elementos institucionais da sociedade, como, o Estado, a organização produtiva (indústria) e até mesmo a família, por outro lado, tornou-se de forma ampla,
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Da perda de importância da educação romana, surge a paulatina substituição pela primitiva Igreja Cristã, a qual, durante algum tempo ainda coexistiu com a estrutura educacional de orientação grega.
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uma força motriz de cunho educacional a qual contribuiu com a introdução de elementos significativos para o desenvolvimento da sociedade. De acordo com Monroe (1978, p.106): Cada um desses ideais monásticos introduziu novos fatores no desenvolvimento social. Por exemplo, o hábito de obediência e sua virtude irmã- a humildade- contrabalançaram do modo mais intenso possível o forte individualismo do bárbaro e a arrogância do romano. Os ideais e hábitos dos monges contribuíram para a reorganização da sociedade, pela instituição do feudalismo; revelaram-se no movimento das cruzadas e provavelmente contribuíram, mais do que qualquer outro fator isolado, para a sujeição do rude teutônico às restrições da civilização e da cultura. A dominação da Igreja, bem como as organizações monásticas, podem ser apontadas pelo fato d,e do século VII até o início do século XIII, não terem surgido quaisquer outras formas ou concepções de educação, bem como instituições com tal finalidade, fora do estrito e direto controle da Igreja. Tal fato consolida o período do monaquismo, como uma espécie de monopólio educacional, e contraditoriamente, tal prática em si, não pode ser apontada como um sistema educacional sob o prisma da concepção literária e ainda escolar. Nos mosteiros havia a imposição de horas de trabalho diárias, as quais poderiam chegar em média a sete horas de dedicação à trabalhos manuais, ou de ordem literária , bem como ainda a obrigatoriedade da leitura. Curiosamente, é através de tal imposição que surge a principal contribuição do monaquismo, conforme descreve Monroe (1978, p.107): Os maiores benefícios sociais do monaquismo decorreram desse regime de trabalho imposto como disciplina aos monges. Se os monges têm de ler, têm de inevitavelmente de aprender a ler, devem ter livros e ensinar, por sua vez, aos noviços a leitura e a cópia de manuscritos. Surgiram, então, as escolas, a preparação dos jovens aceitos para a vida monástica, a cópia dos livros, o estudo da literatura , a conservação dos livros, embora nada disso fizessem referências às regras. Contudo é interessante pontuar que as ditas escolas que surgiram em decorrência do ritmo e estilo de vida dos mosteiros, servia de uma forma bem clara, aos propósitos de preparação e perpetuação do sistema monástico. As cópias das obras literárias e dos manuscritos em poder dos monges, preservaram para a humanidade, muito do conhecimento antigo, que talvez em poder de mãos bárbaras, tivessem desaparecido para sempre.
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Os interesses intelectuais dos séculos XI e XII foram significativamente modificados, o que possibilitou o surgimento de um estilo de vida com significativa ênfase ao educativo: a escolástica. “A escolástica não se caracteriza por nenhum grupo de princípios ou crenças, sendo, antes, um método ou tipo peculiar de atividade intelectual” (MONROE, 1978, p.108). A escolástica se prestou como uma espécie de revolução aos métodos e princípios adotados pelo exercício doutrinário da Igreja na primeira metade da Idade Média, onde toda e qualquer forma de contestação ou dúvida a tais princípios, era totalmente descartada, não pelo uso do discurso racional, mas, pela mera concepção de se tratar de algo desprovido de verdade e impregnado de pecado. Contudo, na segunda metade da Idade Média, século XI, o convívio com outras crenças e culturas, patrocinado pelas Cruzadas, forçou a Igreja a adotar uma nova postura diante da inegável necessidade de rever alguns aspectos da sua postura. A escolástica objetivava trazer a fé para as sólidas bases da razão, bem como, por assim dizer, submeter a Igreja a um ritmo intelectual, no sentido estrito da palavra. É imprescindível pontuar que, mesmo trazendo a fé às bases da racionalidade; tal fé, contudo, ainda era considera com mais ênfase do que a razão. Em linhas gerais pode-se apontar a escolástica como sendo uma espécie de patrocinadora da sistematização do conhecimento, a partir da adoção de formatos científicos. O conhecimento, então, de caráter teológico e filosófico. A contribuição, sob este aspecto, é de inegável importância, não só pelo rompimento com uma arcaica pseudopostura intelectual, mas, também, pelo fato de tais sistemas se emprestarem, em sua complexidade, como referencial para as gerações futuras. A escolástica, se por um lado contribuiu com um sofisticado esquema de sistematização do conhecimento, por outro, pecou, pelo fato de tal conhecimento, muitas vezes ser totalmente desprovido de conexão com a vida real, ou seja, eram por demais filosóficas para dar conta das necessidades comuns dos homens. Contudo, a semente da razão, da dialética, da busca pelo intelecto, ou melhor, por uma maior liberdade intelectual, pareciam realmente que iriam encontrar condições de florescer. Sob tal impulso, surgem as primeiras universidades, as quais, no geral, foram evoluções naturais de escolas que funcionavam ligadas aos mosteiros e catedrais. Contrariamente aos modelos escolares anteriores, as universidades, situavamse nos centros populacionais da época, e detinham uma espécie de governo
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Com a invenção da imprensa e o surgimento das universidades, o papel de reprodução literária manual por parte dos mosteiros perdeu o seu ritmo e significado.
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com uma característica democrática; além disso, os seus integrantes detinham certos privilégios de ordem legal e até, tributária. Um outro forte privilégio, ou capacidade, era o de conceder a colação de grau (licença para ensinar), sendo assim, descentralizado a Igreja, como única e oficial fonte de formação de professores. O controle do método educacional, bem como as formas e conteúdos, passaram, então, indefinidamente, a não ser monopólio da Igreja; mesmo que ainda, estrita e fortemente ligados a Ela. Nos momentos iniciais da universidade, não havia como diferenciar em termos práticos e literais os papéis dos mestres, doutores ou professores. Todos compartilhavam um mesmo status, e sendo assim, tais títulos, eram tidos por termos de natureza sinônima. Vale também apontar que, a forma inicial com a qual a educação universitária, se mostrou, era por assim dizer, deveras presa aos livros das áreas especificas. Aquilo que por sua vez estava inserido nos livros era tomado por sendo uma espécie de verdade inquestionável. Ou seja, uma procura pela verdade de forma mais ampla, ou além dos manuais, ainda não era praticada por tal instituição. Contudo, é interessante pontuar que os estudantes universitários poderiam ter acesso a obras e fontes de natureza literária, as quais não necessariamente detinham a aprovação da Igreja, ou seja, eram de conteúdo mundano. Um outro importante aspecto inerente às universidades, desde o seu surgimento, foi a forma pela qual podiam exercer uma certa influência política. A liberdade para discutir os mais variados temas, tornou o ambiente universitário receptivo e fértil como produtor de discussões de assuntos das mais variadas naturezas. Um lugar, por excelência, de natureza essencialmente democrática. Mesmo em grande parte, identificando o discurso universitário, com os interesses das classes dominantes, se fazia também, como uma espécie de portavoz dos anseios do povo junto às autoridades da época. Ou seja, apontava uma vertente de cunho social, ou melhor, acenava como sendo uma instituição de caráter, também social. Contudo, com o tempo, o caráter social da universidade pareceu ceder lugar. Como bem aponta Monroe (1978, p. 134): Os interesses intelectuais se viam cristalizados agora numa grande instituição, reconhecida como de categoria quase igual à da Igreja, à do Estado e à da nobreza. Estes interesses e esta organização institucional estava tão reduzidos no século XV que possuíam pouco mais do que a vida formal.
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Nos momentos iniciais do movimento renascentista, houve uma grande apologia à cultura como via de desenvolvimento individual, contudo, mais adiante, quando o movimento chegou ao norte da Europa, observou-se a inclusão de ares de resolução dos problemas e injustiças através do saber. Ou seja, se os males e desgraças sociais eram fruto da ignorância, então, pelo saber, a sociedade ganharia condições de ter uma nova vida. A educação durante o Renascimento apresentou duas formas, ou modos distintos, conforme sugere Monroe (1978, p.171): O primeiro foi a restauração da educação liberal dos gregos que visava ao desenvolvimento da personalidade por meio de uma grande variedade de recursos educativos. Este objetivo da educação era amplo e incluía diversos elementos além do intelectual e empregava muitos meios além do literário . Cedo, entretanto, ficou para trás, e sobreviveu apenas em várias formas de protestos ou movimentos reformadores, que se levantaram contra o tipo dominante de educação. Este tipo dominante de educação que foi o segundo resultado educacional do Renascimento foi a estreita educação humanista, franca decadência da ampla educação humanista ou liberal grega. Como o Renascimento trouxe, ou evidenciou, uma segregação ideológica, entre o sul europeu, clássico e individualista, bem como, pagão; e, o norte, cristão. Surgem então os movimentos consequentes de Reforma e ContraReforma; sendo este último uma expressa reformulação (um pouco atrasada) da escolástica, para responder ao movimento de ruptura ocorrido dentro da Igreja. Dentre outras contribuições da Reforma para a educação, está o fato de que, sob a borbulhante onda do Renascimento, elementos como a razão, o direito de esboçar e proferir opinião individual, bem como a busca de fontes literárias para inspirar e fundamentar o pensamento. A Reforma contribuiu, também, com a ideia de universalização da educação. Conforme aponta Monroe (1978, p.194): No século XVII desenvolveram-se sistemas de escolas públicas primeiro na Alemanha, depois na Holanda, Escócia, Nova Inglaterra
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Com o surgimento do Renascimento, movimento ocorrido inicialmente no sul da Europa, séculos XV e XVI, e que trouxe à tona, uma verdadeira revolução, no sentido de emprestar uma visão individualista, intelectual, estética e social, totalmente diferente dos elementos encontrados na Idade Média.
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e noutros Estados protestantes. À Reforma, portanto, devemos a nossa idéia de educação elementar e universal e a primeira realização desta. A universalização da educação, ou o uso da didática de forma intimamente ligada ao “ato de ensinar”, a “ação”, “começará a ganhar contornos de campo específico e autônomo a partir do século XVII, com o monge luterano João Amós Comênio (1562-1635), que escreve, entre 1627 e 1657, a obra Didática Magna—Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. (PIMENTA ; ANASTASIOU, 2002, p.42). A partir de então, ora sob o patrocínio da Reforma ou da Contra-Reforma, surgiram ordens, agora com outros novos métodos e ideias. No bojo da Contra-Reforma, destacaram-se as Escolas da Ordem Jesuíta, 1540; e, no bojo da Reforma, destacaram-se as Escolas de Port-Royal, 1581, e que pode ser apontada como uma reação francesa aos Jesuítas. Destacaram-se, ainda, as Escolas Alemãs, 1565. Tais modelos foram de inegável importância para a época, bem como, para os dias mais atuais. Trouxeram influencia na educação nos diversos níveis, e em especial, também, na educação de nível superior no Brasil. Analisando a historicidade da universidade no Brasil, é possível identificar a influência de alguns modelos europeus: o jesuítico, o francês e o alemão, que tiveram sua predominância em diferentes momentos históricos e na universidade se fazem presentes até hoje. (PIMENTA et ANASTASIOU, 2002,p.144). A educação é um elemento, que se faz por um processo dinâmico dentro da estrutura social de todo e qualquer País, misturando-se e confundindo-se com a própria história deste. A forma como é equacionada e aplicada, dirá, certamente, o nível de acumulação e desenvolvimento no qual se encontra uma Nação.
3. EDUCAÇÃO COMO PAPEL DO ESTADO E O PAPEL DO ESTADO NA EDUCAÇÃO Tratar ou tentar abordar a educação, e a sua possível contextualização enquanto elemento socialmente dinâmico e dotado e dotador , não é tarefa fácil, uma vez que, deve tal educação, assumir o seu principal papel de inserir socialmente os indivíduos no âmbito social e econômico. Paradoxalmente caso a educação não seja priorizada em sua forma mais coerente, ética e ampla; tal elemento será o causador e mantenedor de um desumano processo que ao
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Como sendo um País de colonização portuguesa, o Brasil, traz em seu âmago, feixes de similaridade com a cultura européia, contudo, por vezes tais feixes acatam um caráter de falta de amadurecimento e capacidade de elaboração de um modelo próprio tanto a nível técnico quanto a nível social, que tenham por finalidade explicar e tornar a realidade brasileira mais moderna não apenas em termos técnicos, como, também, e principalmente, em termos socialmente éticos. Então é importante que inicialmente seja possível visualizar o modelo inspirador-colonizador europeu, como bem aponta Buarque (1994,p.13): Na Europa a modernidade foi o coroamento de um processo secular de evolução: na tomada de consciência da individualidade de cada ser humano; no avanço dos instrumentos da racionalidade; na ampliação do desejo de liberdade; na percepção do mundo natural; e na ânsia por mudanças sociais. Significou o sentimento de um mundo em construção na direção de uma utopia que eliminaria as necessidades materiais, diminuiria as desigualdades sociais e ampliaria os horizontes de liberdade, de cultura, de educação. Ela ocorreu graças ao avanço técnico dos séculos XVIII e XIX; confundindo-se, no século XX, como sinônimo das técnicas que usa. A modernidade européia foi imaginada internamente e teve como base os recursos do resto do mundo. Foi graças ao ouro saqueado, à apropriação do trabalho escravo, ao desprezo aos valores da cultura nãoeuropéia, ao genocídio, às atrocidades dos ditadores, à depredação da natureza e à concentração da renda nos “países atrasados”, que o exercício da liberdade, o fim das necessidades básicas e a diminuição das desigualdades foram construídos nos “países modernos”. A educação como um fundamental elemento formado e formador da sociedade, precisa obviamente ser verificada dentro dos quadros sociais, ou cenário social ao qual está inserida. No caso do Brasil, é de fundamental importância apontar que por mais de 300 anos o país atuou apenas como uma mera área de retirada de produtos de significativo valor como o pau-brasil, ouro, açúcar, café, através da utilização maciça da mão-de-obra escrava. A colonização efetivamente só se prestava como forma de conservar a autoridade e poder da metrópole portuguesa. Uma vez, decorrido o período supracitado, o mundo dito moderno, borbulhava com a Revolução Francesa, em 1789, a qual expôs para a Europa de
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invés de hominizar, produzirá uma massa acrítica, e portanto passível de ser manuseada ou melhor manipulada.
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forma nítida a semente da segregação entre a atividade política e a atividade econômica, anteriormente condensadas e fortemente personificadas na figura singularmente expressiva do soberano, o qual era o ponto central e principal do sistema monárquico, modelo preponderante no Continente Europeu. Com o advento do século XIX, o Estado, outrora senhor absoluto de todos os seguimentos responsáveis e integrantes da composição social, passa a ter seriamente limitado o seu poder de intervenção na economia; não que deixasse de intervir, porém, ausentava-se o aspecto violento desta atitude; tal fato possibilitou que o sistema econômico, em contrapartida, pudesse engatinhar orientado pela mão invisível: crença no livre equilíbrio de mercado patrocinada pelos economistas liberais. Sob a ótica do Liberalismo Econômico, ao Estado cabiam três funções fundamentais: • Proteger e guardar a sociedade de toda e qualquer violência, tanto no plano externo, sendo em outras palavras o próprio exercedor do poder de policia; • Dosar, de modo adequado, a justiça desde a esfera individual até atingir a sociedade de forma total, protegendo cada individuo da injustiça e opressão, as quais poderiam ser patrocinadas por outros indivíduos ou grupo; • Construir e manter obras e instituições públicas, que não despertassem o interesse dos indivíduos, para a sua devida execução, deste modo o Estado deveria patrocinar diretamente os bens públicos. Por ser o regime liberal essencialmente fundamentado na livre iniciativa, onde todo e qualquer indivíduo pode participar direta ou indiretamente, do âmbito econômico. O Brasil, limitado, então, a sua condição de Colônia Portuguesa, obviamente não pode simultaneamente ter acesso às revolucionárias práticas apresentadas pela gama da doutrina do liberalismo. Durante o período colonial, o Brasil não apresentou um esboço de Estado francamente constituído, o que era coerente com o seu status. Porém, mesmo aí, já era possível diagnosticar a presença da grande influência e poder que detinha a classe dominante, a qual era formada pelos detentores de grandes propriedades, os chamados senhores de engenho. Estes senhores compunham a elite econômica, a qual representava, com grande força, a organização privada, sendo esta aberta e diretamente relacionada com o poder público, ou melhor, com a Coroa Portuguesa. Então, enquanto o mundo se deleitava com
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Outro aspecto de muita relevância, é o fato da ausência de um período de amadurecimento da fase de transição entre o Brasil enquanto Colônia Portuguesa e o Brasil como País independente. A falta de tal amadurecimento, com certeza, coopera de forma negativa quanto à concepção e execução de um modelo ou sistema genuinamente nacional, para a autogestão do Brasil. Em pleno século XIX, a Europa fervilhava, e o Brasil foi escolhido para acolher a Família Real Portuguesa, e com esta, obviamente, toda uma estrutura pré-fabricada da sistematização administrativa de Portugal; porém, é cabível pontuar que, enquanto por um lado houve tanta evolução em tão curto espaço de histórico, por outro lado, o País, ainda Colônia, encontrou-se literalmente obrigado a gestar um embrião, com vícios e ineficiências, de uma máquina administrativa muito pouco adequada a sua realidade em vários âmbitos. Com o advento da Independência, em 1822, a antiquada e obsoleta estrutura começava a vivenciar um intenso processo de reformulação, iniciava-se, então, uma espécie de despertar, patrocinado pela luz dos fracos raios da doutrina liberal. Dois anos após o grito do Ipiranga, foi promulgada a Primeira Carta Magna do País, que oficializou a organização do processo político-administrativo, agora, realmente com traços nacionais. Conforme brilhantemente define Buarque (1994, p.21): Diferentemente da Independência, que rompeu laços políticos mas teve o mesmo propósito e a mesma estrutura social; da libertação dos escravos, que rompeu com um aspecto da estrutura social mas manteve tudo o mais igual; e da República, que substituiu o imperador por um presidente, conservando a mesma oligarquia, a Revolução de 30 teve por objetivo reformar o tipo de estrutura econômica, no seu propósito, reorientando a economia brasileira, de exportadora agrícola, para industrial voltada ao mercado interno. E conseguiu, mas sem realizas as mudanças necessárias Desde a semente lançada nos períodos observados, até os dias atuais, o Estado apresenta-se em franco processo de amadurecimento das suas funções; contudo, a sua posição face às medidas de cunho intervencionista, devem ser discutidas e analisadas sob o enfoque teórico , sendo este tanto liberal quanto de outras linhas de pensamento; tal aspecto é de suma importância, posto que, no
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o liberalismo, na Colônia Brasil, poder político e poder econômico se confundiam de modo absoluto.
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tangente às variadas questões como saúde, infra-estrutura social básica, previdência publica, e em especial a educação. A sociedade e a administração dos meios públicos devem traçar linhas e diretrizes, para com isso, sincronizarem todas as necessidades e potencialidades, as quais devem ser vistas da forma mais socialmente ética possível, pois só deste modo, trarão como conseqüência, o progresso e a devida manutenção do mesmo; já que este é a via a ser seguida para se dar o alcance do desenvolvimento de modo sustentado. No encalço de uma nítida definição do que realmente são as necessidades e potencialidades sociais, e como tais elementos são efetivamente demandados pela sociedade. Ou seja, como se mostra o modelo ou molde a ser seguido no sentido de se atender aos anseios do sistema em vigor, conforme, com muita propriedade, aponta Buarque (1994, p.30): Enquanto na Europa, a industrialização foi sobretudo conseqüência do conhecimento de novas técnicas, no Brasil o conhecimento técnico foi um dos aspectos mais desprezados. [...] Não se vê no debate nacional o problema do desenvolvimento tecnológico nacional, da capacidade de copiar técnicas; nem mesmo de repeti-las, pela imitação. Na sua grande maioria, os industriais brasileiros sempre desprezaram a universidade como fonte de conhecimento técnico. [...] Essa posição contrasta radicalmente com a posição dos industriais alemães e japoneses, que, desde o inicio, tiveram uma clara preocupação com o desenvolvimento das técnicas que usavam em suas indústrias, procurando faze-las ajustadas à realidade local e criando uma autonomia mínima da indústria. O preço pela adoção de um caminho para o desenvolvimento, ou talvez, simplesmente, modernização; quando passa pela via da importação de um esquema social e ainda de métodos ligados a produção, pela mera substituição e compra maciça de máquinas e equipamentos estrangeiros, na escala em que se deu o processo de Substituição das Importações no Brasil; aponta um custo de grandes proporções: a dependência do País em relação ao resto do mundo tecnologicamente evoluído. Direta ou indiretamente, principalmente, tendo em vista o atual nível de abertura generalizada dos vários Países do globo (Globalização) é de se notar uma franca dependência, ou melhor, interdependência entre tais economias. Mas, não é deste tipo de relação que se deseja referenciar; e sim, a relação de dependência, no sentido da ausência de modelo próprio e genuinamente local. Um aspecto crucial que deve ter levado o País ao erro de escolha quanto a forma na qual o processo de modernização deveria ocorrer. Modernizar,
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Pode-se dizer que de certo modo, então, todos os elementos até o momento pontuados enfatizam, sutil ou claramente, a necessidade de se tratar a educação como uma força motriz dotada da capacidade de gerar um modelo social efetivamente sustentado; onde, a exemplo dos Países desenvolvidos, a educação é vista como base ou sinônimo de tal sustentação. Então, convertese amplamente à ideologia do lucro imediato e da total submissão da sociedade pela via econômica, não é, talvez, o caminho mais sensato. Gerenciar a educação sob o mero enfoque da economia da educação, pode, segundo Buarque, não ser a estrada mais racional, ou melhor, sensata: [...] as opções e definições de investimentos e gastos na educação são decididos com base em uma análise chamada economia da educação. Nessa lógica os investimentos só se justificam quando capazes de apresentar rentabilidade econômica: alfabetização para adultos só se justifica se os alfabetizados forem capazes de aumentar os seus produtos em um valor superior ao que foi gasto no processo de alfabetização. Sob esta ótica , as medidas anteriores não se justificariam. A maior parte delas não trará um aumento na produtividade da mão-de-obra, ao menos no curto prazo em que funcionaram as analises dos economistas. O sentido da adoção de uma política de natureza liberal deve antes de tudo, pontuar os limites da educação enquanto um bem essencial e inegavelmente de natureza pública, e por isso, totalmente atrelado à tutela do Estado. A forma com a qual este mesmo Estado vai se relacionar com a educação, dirá a magnitude e a dimensão sócio-econômica de tal sociedade. O liberalismo, não significa em absoluto, o total descaso com os elementos, que como a educação, são bens de natureza pública, que por concessão e necessidade podem e devem também ser objeto da iniciativa privada, posto que tal iniciativa, sem desmerecimentos, visa pública e notoriamente o êxito econômico e financeiro. E em se tratando da educação como um bem público, é talvez, inegável, o papel do Estado como o promotor e gerenciador, principalmente da educação a nível básico e de amplo alcance social. Segundo A . Smith (1996, p.244245): Seria licito então perguntar: não deverá o Estado dispensar nenhuma atenção à educação das pessoas? Ou, se alguma atenção deve dispen-
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adotar uma postura mais competitiva, foi e ainda é um grande desafio tanto para o Brasil, quanto para o mundo. “A modernidade técnica vê o consumo e o uso de técnicas como o indicativo de modernização. A modernidade ética deve ver a educação e o enriquecimento cultural como um objetivo em si” (BUARQUE, 1994, p.129).
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sar, quais são as matérias que deve reconhecer, nas diversas categorias da população? E de que maneira as deverá reconhecer? Em alguns casos, o estado da sociedade necessariamente leva a maior parte dos indivíduos a situações que naturalmente lhes dão, independentemente de qualquer atenção por parte do Governo, quase todas as capacidades e virtudes exigidas por aquele estado e que talvez ele possa admitir. Em outros casos, o estado da sociedade não oferece a maioria dos indivíduos em tais situações, sendo necessária certa atenção do Governo para impedir a corrupção e degeneração quase total da maioria da população. A educação das pessoas comuns talvez exija, em uma sociedade civilizada e comercial, mais atenção por parte do Estado que a de pessoas de alguma posição e fortuna. A forma com a qual o Estado atua na sociedade é por vezes domada pelos interesses claros e explícitos do poder, seja este em que forma ou natureza for, o que, segundo Chauí (2001, p.282), se empresta como demandante de novas maneiras de validação do trato ou relação do Estado para com a sociedade: A nova realidade, ao impedir que o Estado cumpra o poder e atue segundo a perspectiva liberal clássica, obrigando-o à busca de novos procedimentos de legitimação. Estes não se pautam pela idéia de justiça que, anteriormente, era o critério para medir o legal ( a lei se oferecia como direito e este como arte do justo e bom), mas pela idéia da eficácia racional segundo o lema “maximizar os ganhos e minimizar as perdas”, sem determinar a qualidade dos ganhos e das perdas em termos sociais e políticos. Assim, embora pareça paradoxal mas não o seja, a ideologia que comanda a busca da legitimação é economicista, uma vez que o lema dos ganhos e perdas define a esfera do mercado como paradigma de todas as práticas sociais. Sendo assim, a única forma de se conceder alguma chance de mudanças no atual cenário brasileiro, tanto a nível social quanto a nível econômico, é através da expressa adoção tanto por parte do Estado quanto por parte dos empresários e cidadãos, de meios e alternativas que contemplem a educação como meta primordial nos seus diversos níveis. Pois só deste modo será possível a obtenção de um modelo menos desumano de exclusão social e mais sustentável de desenvolvimento. Tomando por base, pois, as palavras de Smith (1996, p.243), que aponta de forma singular o trato a ser dado à educação, em uma economia, dita de mercado, ou liberal:
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O Estado, ainda, é, a principal vedete desta revolução, posto que, através do seu poder e autonomia, faz-se viável atingir tais metas. Quando a iniciativa privada desmotivada pelas parcas margens de lucro, recuar de investimentos que contemplem a ampla pesquisa e a tecnologia caberá, então, ao Estado, o seu papel máximo: o de tornar educação sinônimo de investimento e comprometimento com um modelo de desenvolvimento nacional, genuinamente pensado e feito para o Brasil.
4. UNIVERSALIZANDO A UNIVERSIDADE PELA (RE)CONSTRUÇÃO DO PAPEL DO PROFESSOR Um dos principais desafios da atual Universidade, é a sua inserção no âmbito social de forma universal, não só no que diz respeito a atuar como um lugar passível de criar e pensar tecnologias e formas mais produtivas, economicamente falando, como também, o de traduzir tais elementos produtivos em meios viáveis de serem utilizados socialmente. Pois como bem define Demo (1999,p.35): “A modernidade produtiva não tem vocação social”. Então cabe a Universidade servir como ponte mediadora entre os interesses do mundo produtivo e as demandas de natureza social. Cristovam Buarque, então Ministro da Educação do Brasil, colocou bravamente em Paris com a apresentação de seu Trabalho: A universidade numa encruzilhada, na Conferência Mundial de Educação Superior + 5, realizada pela UNESCO em junho de 2003: A universidade tem de servir a todos. Servir a todos não significa que todos tenham acesso à universidade, mas fazer com que os profissionais universitários sirvam a todos. A universidade tem de ser a elite da força de trabalho, a serviço de toda a população. O fato de a universidade resistir às mudanças de seus cursos e de sua estrutura faz com
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Se não houvesse instituições públicas para a educação, não se ensinaria nenhum sistema e nenhuma ciência que não fossem objeto de alguma procura ou que em circunstancias da época não tornassem necessário, conveniente ou, pelo menos, de acordo com a moda. Um professor particular jamais poderia considerar vantajoso ensinar uma ciência reconhecida como útil, mas num sistema desacreditado e antiquado, ou então uma ciência que todos consideram um simples acervo inútil e pedante de sofismas e coisas destituídas de sentido. Tais sistemas e tais ciências só podem subsistir em sociedades devidamente incorporadas para a educação, cuja a prosperidade e renda são, em grande parte, independentes do seu renome e totalmente independentes de sua operosidade.
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que muitos dos seu membros, demagogicamente, defendam a ilusão no ingresso universal, quando deveriam estar defendendo a universalização do trabalho dos professores universitários. Anteriormente, a todo e qualquer passo, em sentido à própria questão da universidade, e a sua possível universalização, é interessante analisar, esta tal estrutura universitária, a qual está inserida em um particular País, como o Brasil. Também, colocou, Buarque, na mesma conferencia: O Brasil não é nem a Europa nem a África, é um pouco de cada um desses continentes. O Brasil é o retrato do planeta e da civilização contemporânea, e o melhor indicador do rumo tomado pelo mundo e também do rumo que o mundo pode vir a tomar. Um outro aspecto singular, é o que desempenha o papel da figura do professor universitário, ou melhor professor de nível superior, nos dias atuais, em seus respectivos locais de trabalho. “A educação superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas e privadas, com variados graus de abrangência ou especialização”. (Artigo 45, LDB). As IES (Instituições de Ensino Superior), englobam desde renomadas universidades federais até faculdades privadas, bem como os institutos ou escolas superiores. O corpo docente que as integra, aponta como missão comum o exercício da docência, ou seja, o ofício do professor em sala de aula. A trilogia ensino/pesquisa/extensão, são elementos essenciais à sustentabilidade intelectual das universidades. Quanto mais importante e destacada é uma IES, tanto maior, também, deve ser o seu reconhecimento e peso, e importância para a sociedade. Caso, a IES, detenha uma linha de trabalho permeada por programas que venham a responder pelas questões inerentes a atual organização sócio-econômico-cultural do Brasil, então, sim, terá inquestionavelmente, encontrado o seu papel social. A forma, a qualidade, a autonomia em sala de aula, bem como os recursos financeiros e estruturais necessários, serão o diferencial que, conferirão o devido status ao professor. A própria dimensão do que assim a Lei coloca como ensino superior, destaca pontos abissais, posto ser a realidade do exercício da docência em uma renomada instituição universitária amparada financeiramente, e assediada pela demanda industrial; quando da pesquisa e obtenção de métodos de engenharia genética, computação ou física nuclear, por exemplo. Bem diferente, da realidade que pode ser encontrada, em outro departamento da mesma instituição, a saber, talvez, no Departamento de Sociologia ou Pedagogia.
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Uma severa crítica, ao atual sistema de ensino superior é colocada por Pedro Demo, em Desafios Modernos da Educação: O que espanta é a naturalidade com que a sociedade tolera instituições ditas superiores, onde a subalternidade copiada é a pretensa “virtude”. Espanta que universidades paralisadas no ensino copiado gastem tamanhos recursos para manter um sistema imbecilizante. Espanta que professores totalmente improdutivos, que não só nunca produziram, mas sequer sabem o que significa isso, se digam professores. Espanta sobretudo que as associações de professores universitários sejam dominadas por professores improdutivos que escondem sob a algazarra fátua, a miséria do parasita incompetente e prepotente. Espanta que grande maioria dos reitores não seria capaz de construir uma política científica para sua universidade, razão pela qual contentam-se com administrar prédios e orçamentos. (1999, p. 137) O professor, obviamente, encontra-se literalmente comprometido com tal realidade, e precisa de forma corajosa enfrentar o perigo da burocratização e superficialização do ensino superior. Precisa, de modo urgente, transcender a sua parca realidade de sala de aula, por esses Brasis afora. Mas, como lutar e driblar a correnteza do jogo de forças do mercado? Como tornar, ou melhor, resgatar a auto-estima e importância da figura, do papel do professor? Estas com toda a certeza são questões sem fáceis e rápidas respostas. Equacionar a dimensão da ausência da auto-estima encerra-se por um trabalho, no qual, de inicio, deve ser proposta uma avaliação da identidade, posto que, auto-estima e identidade são elementos que se transrelacionam de maneira sinergética. Conforme descreve Ciampa (1997, p.65): Dizer que a identidade de uma pessoa é um fenômeno social e não natural é aceitável pela grande maioria dos cientistas sociais. Exatamente isso nos permitirá caminhar. Com efeito, se estabelecermos uma distinção entre o objeto de nossa representação e a sua representação, veremos que ambos se apresentam como fenômenos sociais,
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O caráter da iniciativa privada, cada vez mais presente no seguimento educacional, bem como a abstenção do Estado (esfera dita pública); tornam cada vez mais notório o perigo da bizarra relação entre lucro e educação. “Podese recuperar a questão central em discussão, que não é o confronto entre o público e o privado, mas o bom serviço à população”. (DEMO 1999, p.125). A educação deve ser conservada como legítima reprodutora do saber; não apenas o saber tecnicista e economicamente viável, mas, o saber, em seu sentido amplo e contínuo.
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conseqüentemente como objetos sem características de permanência, não sendo independentes um do outro. O referencial de tempo, também se empresta como um dos elementos a ser considerado. “O caráter temporal da identidade fica restrito a um momento originário, quando nos ‘tornamos’ algo; por exemplo, ‘sou professor’ (= ‘tornei-me professor’) e desde que essa identificação existe me é dada a uma identidade de ‘professor’ como uma posição”. (CIAMPA, 1997, p. 66). Então, um bom elemento a ser pontuado, é a questão de como se dá a construção da identidade do professor de nível superior. As autoras Pimenta e Anastasiou, apresentam a seguinte crítica: A construção da identidade com base numa profissão inicia-se no processo de efetivar a formação na área. Assim, os anos passados na universidade já funcionam como preparação e iniciação ao processo identitário e de profissionalização dos profissionais das diferentes áreas. Quando passam a atuar como professores no ensino superior, no entanto, fazem-no sem qualquer processo formativo e mesmo sem que tenham escolhido ser professor. (2002, p. 105) A atual LDB em dois de seus artigos e no parágrafo único abaixo destacados, traz à foco a questão da experiência docente: A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas. (Artigo 65); A preparação para o exercício do magistério superior se far-se-á em nível de pós-graduação, principalmente em programas de mestrado e doutorado. (Artigo 66); Parágrafo Único – A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino. Tal aspecto legal pode ser apontado como um avanço no que tange ao quanto a priorização e exigência da pós-graduação para o docente de nível superior, faz com que, “embora o professor ingresse na universidade pelo cargo da docência, ou seja, primeira e essencialmente para atuar como professor, nos seus momentos de aprofundamento no mestrado e doutorado, são poucas as oportunidades que tem para se aperfeiçoar nesse aspecto”. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p. 107). A necessidade de se encarar a identidade do professor de nível superior como algo dinâmico e passível de profissionalização contínua, é imprescindível, posto que, um alto e aprofundado nível de especialização nem sempre, trazem
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Considerando-se que os programas de mestrado e doutorado em áreas diversas da educacional se voltam para a formação de pesquisadores em seus campos específicos, e não à formação de professores, permanecem estes sem condições institucionais de se formar na docência. Paradoxalmente, quanto mais alto é o nível de um curso, tanto menor, proporcionalmente, na maioria dos casos; é o preparo ou capacitação pedagógicodidática dos respectivos docentes que o irão ministrar. E para contribuir e perpetuar ainda mais este quadro, “as instituições que os recebem já dão por suposto que o ‘são’, desobrigando-se, pois, de contribuir para ‘torná-los’. Assim, sua passagem para a docência ocorre ‘naturalmente’; dormem profissionais e pesquisadores e acordam professores!” (PIMENTA ; ANASTASIOU, 2002, p.104). A grande maioria das IES acolhem os seus docentes tomando-os por profissionais prontos, cometendo assim, também, outra falha que é desconsiderar ou não tratar devidamente o indispensável processo formação e atualização tão essenciais ao exercício da docência. Deste modo, é aceitável que, mesmo com tantos avanços a nível tecnológico, “não é de estranhar a permanência de uma relação entre professor, aluno e conhecimento na sala de aula de modo secularmente superado, tradicional, jesuítico, cientificamente ultrapassado”. (PIMENTA ; ANASTASIOU, 2002, p.108). Contudo, segundo as mesmas autoras apontam: “diferentemente do momento jesuítico inicial, não se impõem ao professor universitário um manual. Sua ação docente é muito mais calcada no senso comum do como ensinar”. (2002, p.148). O aspecto legal, tanto no nível da LDB, quanto do Parecer (12/93 do CFE), o qual traz um significativo avanço para a questão educacional, sob o enfoque pedagógico da formação do docente das IES, quando da (inclusão) oferta de uma disciplina sobre metodologia do ensino. Este Parecer, bem como a LDB, com certeza, não solucionam a questão do problema da formação do professor em sue estrito papel de docente; mas, servem, dentro das suas proporções, como passos iniciais para as mudanças necessárias. Passos, estes, que de alguma forma resgatem elementos, os quais são bem
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para tal profissional a garantia de um bom desempenho para com os elementos que por excelência formam ou constituem a base do exercício da docência, como: conceitos, objetivos, conteúdos, métodos, de avaliação, etc. Tal fato, é muito bem colocado por Pimenta e Anastasiou ( 2002, p. 154):
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destacados por Pimenta e Anastasiou (2002, p.152): [...] no período anterior à ditadura militar, as universidades latini-americanas viviam um clima de trabalho que propiciava um pensamento científico, crítico e participativo até entre os graduados dos diversos cursos, comportamento indesejado em período ditatorial. Um aspecto curioso e interessante, do período da ditadura militar, o qual deu-se entre 1964 e 1984, foi, que, se por um lado, houve muito incentivo e oportunidade de aprofundamento técnico em diversas áreas de pesquisa, tal “aprofundamento” não se deu de forma crítica, e pensada sob o ponto de vista do conhecimento amplo. Tal conhecimento, com certeza, não se emprestava como útil, e era por demais perigoso, para o regime em voga. As Ciências Sociais, perderam muito do seu viço, posto que só eram “aprovadas” caso viessem, de algum modo, a contribuir e perpetuar o sistema. A ciência, estava ampla e diretamente subjugada ao Estado Ditador. Tal fato pode, no caso do Brasil, ter enfatizado ainda mais, o aspecto da “super-valorização” das Ciências Exatas, diretamente mais úteis à produção, em detrimento das Ciências Sociais, mais propensas ao criticismo e contestação. Em se tratando de um contexto neo-liberal-capitalista, no qual, grande parte do mundo, e o Brasil estão inseridos; vale, a concepção de mercado, ou seja, o puro apreçamento e valoração de tudo. E, como não poderia deixar de ser, a educação, também entra no rol, de tal concepção. Este fato poderia ser menos devastador, caso, a educação fosse tratada como uma commodity, valiosa, indispensável, e de frutos a serem colhidos no mínimo a médio prazo. É preciso quebrar a estática ou paradigma da educação sem valor, na qual se aceita como natural que “um físico ‘produz’ mais do que um professor de física, porque o físico participa do processo de produção e o professor ‘apenas’ da educação, que não é vista como área de importância, porque não aumenta o Produto Interno Bruto no final do ano.” (BUARQUE, 1994, p.139). A grande questão, não é, única e exclusivamente o modelo de produção vigente, mas, a forma com a qual tal modelo, poderia tratar e trata a educação, bem como os outros elementos socialmente inerentes ao desenvolvimento sustentado de uma sociedade. O árduo trabalho de resgate e restauração da original e genuína importância do papel e da identidade do professor, transita, em uma campanha que deve contemporizar não apenas a plena conscientização do professorado e a sua real função na sociedade, bem como uma ampla valorização de tal carreira; a qual poderia e deve ser contemplada, para inicio, com uma campanha de salários mais dignos. Esta medida deve trazer um significativo resultado, posto que:
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Paralelamente ao esforço de se re-contextualizar de forma ética e socialmente eficiente a figura do professor, das instituições de ensino (geral e) superior bem como os alunos; pode-se, então, trazer à tona a eminente questão da universalização da universidade. O aspecto econômico da globalização contribuí, talvez, para catalisar o processo, contudo, universalização da universidade, não pode ser tomada, por globalização e internacionalização da mesma. Posto que, enquanto a primeira têm por ambiente o contexto regional local (Brasil) e a outra, a relação do País com o resto do mundo. Ambas são de inquestionável importância, contudo, a garantia de uma boa inserção do Brasil, a nível mundial, só se dará de forma coerente, se o “dever de casa” das questões sociais for devidamente equacionado ou ao menos encaminhado. Tal fato, aponta mais uma “encruzilhada”, pois, a globalização, como um fenômeno sócio-econômico, não “espera” por nada nem ninguém. A universidade, mais do que nunca, tem o seu papel enfatizado, como uma ímpar mediadora de alcance ilimitado. Cabe à universidade, aos que a compõem, pensar a educação como a única via capaz de uniformizar as diferenças sociais de modo a promover uma melhor condição e qualidade de vida à população. A universalização da universidade, não precisa levar literalmente a importante premissa de Comênio do “ensinar tudo a todos”, mas, ensinar a todos, aquilo que for imprescindível e essencial ao processo de “hominizacao”.
5. CONCLUSÃO Este trabalho, tentou, a seu tempo, a partir de um breve mosaico, com alguns dos ingredientes essenciais ao enquadramento e contextualização da educação, visando pontua-la como um processo extremamente vasto e dinâmico, posto que se empenha na (re)transmissão do conhecimento. A perspectiva de análise, tomou por patamar, o prisma ou visão a partir das IES, bem como, pela expressa referencia `a figura e identidade dos seus respectivos docentes. A qualidade educacional, independentemente da natureza pública ou privada, é questionada posto que, vários são os vetores componentes do atual cenário brasileiro.
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Uma ação profissional competente é diferente de uma ação resultante de uma ocupação, emprego ou bico. A diferenciação entre profissionalidade e empregabilidade permite maior clareza no processo de construção dos professores como categoria profissional. [...] E identidade que é ‘profissional’, visto que a docência constituí um campo específico de intervenção profissional na prática social. (PIMENTA ; ANASTASIOU, 2002, p. 196- 264).
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Inúmeros papéis e paradigmas precisam, e já estão de alguma forma, sendo (re)avaliados e (re)alterados. Ressalvando-se nas devidas proporções, espera-se, que de algum modo, este acanhado punhado de considerações e ideias, possa ter mostrado a necessidade de se colocar a educação, e em especial a de nível superior, como uma prioridade máxima. Para tanto, a universidade, em sua privilegiada posição perante a sociedade, enquanto corpo (vivo) docente-discente tem muito a fazer e contribuir.
REFERÊNCIAS BUARQUE, Cristovam. A revolução nas prioridades: da modernidade técnica à modernidade ética. São Paulo: Paz e Terra, 1994. ______. A universidade numa encruzilhada. Disponível em: < http://www. dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_ obra=14599>. Acesso em: 08 dez. 2004. CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2001. CIAMPA, Antônio da Costa; LANE, Silvia T. M. Psicologia social: o homem em movimento. 13.ed. São Paulo: Braziliense, 1994. DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002. MONROE, Paul. História da educação. 13.ed. São Paulo: Editora Nacional, 1978. RAMOS, Julianna. Oferta e procura: uma análise histórica. 1993. 67f. Trabalho de conclusão de Curso (Bacharelado em Ciências Econômicas)- Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 1993. SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. (An Inquiry into the nature and causes of the welth of nations). Vol. 2. Trad. BARAÚNA, Luiz João. São Paulo: Nova Cultural, 1996. SOUZA, Paulo Nathanael Pereira de; SILVA, Eurides Brito da. Como entender e aplicar a nova LDB. São Paulo: Pioneira, 1997.
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Aprendizagem organizacional: um elemento que traz competitividade às empresas Ana Paula Palmeira de Oliveira Geisa Margarida de Lira Jairo João da Silva
1. INTRODUÇÃO Desde a época dos homens das cavernas, o termo aprendizagem esteve sempre presente, embora de maneira rudimentar. Os chefes das tribos eram tratados pelos grupos como guerreiros líderes que arquitetavam e delegavam funções às suas equipes de trabalho. Mesmo de uma maneira intrínseca, estavam desenvolvendo e aprimorando habilidades gerenciais para lidar com novos desafios e até mesmo superá-los, pois o conceito de aprendizagem acaba esbarrando na superação de administrar mudanças e resolver conflitos. Analisando este raciocínio, observa-se que desde o final do século XX as organizações têm passado por rápidas transformações. E hoje, as empresas não têm atuado de forma muito diferente dos nossos antepassados quando se trata de desenvolver e aprimorar conhecimentos, habilidades e competências. Segundo Fleury (1999), partindo de uma análise ampla da conjuntura atual, as palavras de ordem são: incerteza, competição e mudança (ou dinamismo). Pode-se admitir que, pelo menos em parte, a força dessas expressões decorre de uma gradual expansão da capacidade produtiva em nível mundial, que levou ao acirramento da competição, à busca incessante de inovações em produtos e serviços para garantir os clientes, à busca permanente de novos mercados e ao esforço de racionalização das atividades para otimizar custos e preços. Este novo contexto exige velocidade nos processos, rapidez nas mudanças e inovação, o que faz as organizações buscarem profissionais comprometidos e focados em resultados, reforçando cada vez mais a necessidade de constante aprendizagem. Para auxiliar essa compreensão, estudiosos lançaram-se nessa área de pesquisa e perceberam a necessidade de entender o fenômeno chamado aprendizagem organizacional. Um componente dentro das organi-
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Aprendizagem organizacional: um elemento que traz competitividade às empresas
zações que embora intangível, contribui sobremaneira para a sustentabilidade da empresa no cenário globalizado. Silva (1986), explica que a palavra aprender deriva do latim apprendere, que quer dizer agarrar, apoderar-se de alguma coisa. Aprendizagem é a aquisição de um certo saber com a ajuda do outro ou por si só. Huber (apud ZANELLI, 1998), expõe que as organizações são mais do que uma coleção de indivíduos, a aprendizagem organizacional é mais do que a simples somatória das aprendizagens individuais. A aprendizagem organizacional implica na aquisição do conhecimento, distribuição, interpretação das informações e construção da memória organizacional. Assim, a aprendizagem organizacional pode ser institucionalizada através das rotinas, procedimentos, estruturas, sistemas de informação, artefatos organizacionais, elementos simbólicos, missão e estratégias. Diante disso, percebe-se que a organização baseada na cultura da aprendizagem organizacional consegue melhorar seu desempenho com o decorrer do tempo, já que investe continuamente na busca por novos conhecimentos. Em outras palavras, é preciso reforçar a natureza processual da aprendizagem organizacional e contextualizá-la. Aprendizagem Organizacional só passa a ter sentido se associada à mudança. Caso contrário, poderá ser tratada em outro campo de estudo. O conceito de aprendizagem organizacional é valorizado por seu caráter dinâmico e integrador, potencializando a tendência à mudança contínua nas organizações como também unindo diferentes níveis de análise: individual, grupal e organizacional.
2. APRENDIZAGEM A aprendizagem é um fenômeno extremamente complexo, envolvendo aspectos cognitivos, emocionais, orgânicos, psicossociais e culturais. É resultante do desenvolvimento de aptidões e de conhecimentos, bem como da transferência destes para novas situações. A capacidade de aprender distingue o profissional bem sucedido nos dias de hoje. Tal capacidade se reflete, dentre outros fatores, em se adaptar frente às situações do dia-a-dia e de responder prontamente às exigências do trabalho. O mesmo se aplica as organizações. O mundo globalizado e a alta competitividade exigem que as organizações explorem novas oportunidades e que aprendam com seus erros e sucessos passados. Starkey (1997), enfatiza o importante papel da experiência no processo de aprendizagem. Segundo esse autor, a experiência concreta é a base da ob-
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Este mesmo autor afirma, que para o efetivo aprendizado, os aprendizes necessitam de quatro tipos de habilidades: experiência concreta; observação reflexiva; conceituação abstrata e experimentação ativa. Isto quer dizer que eles precisam ser capazes de se envolverem completamente em novas experiências (experiência concreta); necessitam refletir essas experiências e observá-las a partir de diversas perspectivas (observação reflexiva); precisam criar conceitos que integrem suas observações em teorias sólidas em termos de lógica (conceituação abstrata) e por fim, usar essas teorias para tomar decisões e resolver problemas (experimentação ativa). Entretanto, é muito difícil obter este ideal. Uma análise mais cuidadosa desse modelo revela que o ato de aprender exige habilidades distintas e que o aprendiz deve estar continuamente escolhendo o conjunto de habilidades a desenvolver em cada uma das situações de aprendizagem. Cada indivíduo desenvolve um estilo pessoal de aprendizagem, estilo esse que tem seus pontos fortes e fracos. Fleury e Fleury (1998), argumentam que os modelos de aprendizagem individual seriam sustentados por duas vertentes. A primeira, pelo modelo behaviorista, cujo foco principal seria o comportamento, considerado passível de ser observado e mensurado e cuja análise implicaria o estudo das relações entre eventos estimuladores, respostas e conseqüências. A segunda, sustentada pelo modelo cognitivista, seria mais abrangente que a primeira, procurando explicar fenômenos mais complexos, como a aprendizagem de conceitos e a solução de problemas. O modelo cognitivista considera dados objetivos, comportamentais e subjetivos, além das crenças e percepções dos indivíduos como fatores que influem na percepção da realidade. As duas vertentes exploram representações e leva em consideração o processamento de informações pelo indivíduo. 2.1 A Aprendizagem organizacional e o processo de aprendizagem A aprendizagem organizacional é um tema já bem conhecido nos estudos e pesquisas das organizações. É um fenômeno sistêmico nas empresas que permanece independente das pessoas. Sim, as organizações podem não ter cérebro, mas são dotadas de sistemas cognitivos, que elas mesmas desenvolvem e vão sendo impregnados na sua cultura por meio, principalmente, de rotinas ou procedimentos. Dodgson (apud PERIM et al, 2005), afirma que a aprendizagem organizacional pode ser descrita como a forma adotada pelas organizações para construir,
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servação e da reflexão. Tais observações são assimiladas na forma de uma teoria a partir da qual se podem deduzir novas implicações para a ação. Essas implicações servirão de guia durante a ação para criarem novas experiências.
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suplementar e organizar o conhecimento e as rotinas e adaptar e desenvolver a eficiência organizacional através das capacidades da sua força de trabalho. Schein (1993) considera que as organizações que incentivam o aprendizado possuem algumas características como: interesses equilibrados; crença nas pessoas e no seu desenvolvimento; crença de que é possível mudar o ambiente organizacional; trabalho em equipe e compartilhamento de ideias. Todas essas premissas reunidas contribuem para a construção e consolidação de organizações que de fato se orientem pela aprendizagem organizacional. Entretanto, para que as organizações se transformem em verdadeiros espaços de aprendizagem é necessário romper com os pressupostos culturais e rituais comportamentais considerados obsoletos. Isto implicaria em uma mudança cultural, uma definição de um outro rumo e uma nova maneira de fazer as coisas, alicerçada em novos valores, símbolos e rituais. Ainda, segundo o mesmo autor (2009), a cultura de aprendizagem deve ter em seu DNA um gene de aprendizagem, no sentido em que os membros devem assumir a suposição compartilhada de que a aprendizagem é algo em que vale a pena investir e a aprendizagem é por si uma habilidade a ser dominada. O processo de aprendizagem organizacional se dá a partir da percepção do ambiente externo e interno da organização. Da decisão pela necessidade e importância da mudança e, consequentemente, pela definição de novos valores e padrões comportamentais. A aprendizagem organizacional nunca é um produto final, mas um processo em contínuo desenvolvimento. O sucesso de uma empresa vai depender de sua capacidade de aprendizado, envolvendo todos os membros da organização. Desta forma, a solução para os problemas não é mais da alta gerência. Parte-se do principio de que todos são aprendizes, pois o ato de aprender faz parte da natureza humana e organizacional. Segundo Ruas (apud PERIM et al, 2005), muitas empresas experimentam uma dificuldade muito grande para aprender e não vão além do nível de aprendizagem individual. Quando a mudança se torna imprescindível, preferem contratar terceiros para realizá-la e determinar como fazer, ao invés de mobilizar o conhecimento e habilidade em geral presentes no interior da organização. Outras vezes, iniciam novos processos de aprendizagem sem haver completado uma mudança de atitude concreta e visível no processo anterior. 2.2 Fatores facilitadores da aprendizagem organizacional Quanto aos facilitadores da aprendizagem organizacional, Ely (2004, p.56) elabora a seguinte síntese, adaptada de Nevis et al.
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2.3 Perspectivas da aprendizagem organizacional Para Shrivastava (apud BASTOS et al, 2004), há quatro perspectivas – apresentadas no quadro 1 – que apoiadas em diferentes pressupostos teóricos, ressaltam diferentes produtos dos processos de aprendizagem organizacional. Tais perspectivas seriam mais complementares de que excludentes.
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1. Capacidade de análise do ambiente externo: capacidade de ver o que está acontecendo com o ambiente externo (concorrentes, melhores práticas) em contraste com o ambiente interno da organização. Compreender o ambiente no qual a empresa está inserida. 2. Lacunas de performance: rapidez em analisar e detectar as oportunidades de aprendizagem a partir da identificação das lacunas de performance ( atual x desejado). 3. Interesse pela mensuração: capacidade de desenvolver e usar formas de mensuração do aprendizado. A mensuração auxilia na percepção de novos níveis de aprendizagem. 4. Oportunidades para experimentação: suporte para experimentar coisas novas, curiosidade sobre como as coisas trabalham. Os erros são aceitos e não punidos. As mudanças em processos de trabalho, políticas e estruturas são compreendidas como oportunidades de aprendizagem. 5. Clima de abertura: comunicação aberta dentro da organização. Compartilhamento dos problemas / erros / lições como forma de gerar o aprendizado. Debates e conflitos são vistos como formas de resolver problemas. 6. Educação contínua: apoio para que todos os funcionários da organização possam crescer e se desenvolver. Programas formais de treinamento e desenvolvimento e educação oferecida a todos os níveis. 7. Variedade operacional: variedade de métodos, procedimentos e sistemas, apreciação da diversidade, pluralismo. Maior adaptação para solução de novos problemas. Existem mais de uma maneira de se alcançar os objetivos. 8. Multiplicadores: novas ideias e métodos são disseminados por funcionários para todos os níveis. A disseminação não fica restrita apenas ao responsável pela nova ideia ou método. 9. Engajamento das lideranças: todas as lideranças (de todos os níveis) articulam projetos futuros e estão engajados em sua implementação. Existe uma interação dos mesmos e estão envolvidos em programas de educação. 10. Perspectiva de sistemas: interdependência das unidades organizacionais; problemas e soluções são vistos em termos sistêmicos da relação entre processos. Conexão entre as necessidades e objetivos das unidades e da organização como um todo.
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Quadro 1 - Perspectivas do processo de Aprendizagem Organizacional Conforme Shrivastava Perspectiva
Produto da Aprendizagem
Adaptativa
Regras e padrões de procedimento úteis à vivência coletiva, à produção e ao desempenho na organização.
Compartilhamento de pressupostos
Cognições e teorias acerca do fenômeno organizacional para ser usado no dia-a-dia da organização
Institucionalização da experiência
Comportamentos e práticas institucionalizados que guiam a socialização dos membros da organização
Desenvolvimento de base de conhecimento
Conhecimentos e informações que se tornam acessíveis e disponíveis a todos os membros da organização
Fonte: Shrivastava (apud BASTOS et al, 2004)
A primeira perspectiva - ênfase no processo adaptativo – destaca que a aprendizagem organizacional resulta de um processo cumulativo de experiências e de ajustes contínuos, cujos êxitos alcançados permitem o estabelecimento de regras e procedimentos valiosos para a organização. A aprendizagem seria a capacidade de a organização melhorar o seu desempenho, respondendo apropriadamente às contingências ambientais a que está submetida. A segunda perspectiva - ênfase nos processos de compartilhamento – desloca o foco para as cognições que fornecem as bases para as ações e as interações entre os membros organizacionais. Neste caso incluem-se, claramente, as ideias de Argyris e Schön (apud BASTOS et al, 2004), quando concebem a organização como um artefato sustentado pelos mapas cognitivos dos seus membros. Assim, aprendizagem organizacional implica modificação dos mapas cognitivos dos indivíduos. A terceira perspectiva – ênfase nos processos de institucionalização - destaca que os produtos do processo são mudanças de comportamento e que tais mudanças podem ser resultado de elementos condicionantes – habilidade gerencial, método de produção, ferramentas e etc. – que melhoram o desempenho organizacional. Finalmente a quarta perspectiva apoia-se na ideia de organização como um sistema processador de informações para ressaltar que as mudanças em sua base de conhecimento, tanto de nível quanto de qualidade, constituíram o produto de aprendizagem organizacional.
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2.3.1 Perspectiva econômica e vantagem competitiva A literatura sobre aprendizagem organizacional envolve diversos campos teóricos: psicológico, sociológico, cultural, histórico, antropológico e econômico. Sob a perspectiva econômica, a aprendizagem organizacional é definida como a aquisição ou uso do conhecimento existente e/ou a criação de novos conhecimentos com o objetivo de melhorar o desempenho econômico. Segundo Vasconcelos e Cyrino (2000), a vantagem competitiva, isto é, a ocorrência de níveis de desempenho econômico acima da média do mercado em virtude das estratégias adotadas pelas empresas, é explicada de forma diferenciada por quatro correntes do pensamento sobre estratégia empresarial, as quais estão agrupadas em dois eixos de análise, sendo cada um composto por duas correntes. No primeiro eixo, a Teoria de Posicionamento Estratégico, prioriza a vantagem competitiva como resultado exógeno à organização, orientada por uma visão de fora para dentro. Já a Teoria Baseada em Recursos, reconhece as especificidades das organizações, explicando a vantagem competitiva, principalmente, por meios de fatores internos às firmas (inspiradas na Teoria da Organização Industrial). No segundo eixo, encontra-se duas outras teorias que estão associadas a uma visão dinâmica de mercado, quais sejam, a Teoria de Processos de Mercado e a Teoria das Capacidades Dinâmicas. No contexto desta última abordagem, inclui-se a Teoria da Competição Baseada em Competências, a qual reconhece os níveis de incerteza envolvidos na mudança estratégica, assim como os processos cognitivos e a aprendizagem organizacional. As empresas competem por recursos críticos e por mercados de produto e simultaneamente cooperam para criar novos recursos e mercados. Nesse contexto, o papel da cognição gerencial é reconhecido como essencial na Teoria da Competição Baseada em Competências, gerando diferenças nas capacidades das firmas. As competências são gerenciadas como um sistema e os objetivos estratégicos devem ser gerenciados holisticamente. No curto prazo, as alianças competitivas podem tornar-se um meio para obter oportunidades de mercado. Entretanto, no longo prazo, a sustentação da
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É importante ter presente que o verdadeiro processo de aprendizagem não se limita ao conhecimento e a compreensão do que é essencial para a sobrevivência da empresa (o aprendizado adaptativo), mas deve incluir o que chamamos de aprendizado produtivo, ou seja, aquele que expande a capacidade da organização em criar os resultados que ela realmente deseja.
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vantagem competitiva depende de uma capacidade superior para identificar, construir e alavancar novas competências. Desse modo, a aprendizagem se torna a variável estratégica crítica para o sucesso competitivo.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio deste artigo buscou-se, então, apresentar uma visão geral sobre as teorias da aprendizagem, com ênfase especial à aprendizagem organizacional, compreendendo que faz-se necessário um olhar permanente e reflexivo de como este fenômeno ocorre nas organizações. Importante lembrar que as múltiplas perspectivas ou campos de estudo que o tema percorre e se interrelaciona. Requerendo do estudioso ou pesquisador o desafio de buscar compreender a aprendizagem organizacional de modo sistêmico e, quando inserido numa organização, contribuir para a construção de uma cultura de aprendizagem permanente, que é cíclica, construindo, refletindo, modificando e reconstruindo. O tema aprendizagem organizacional é desafiador enquanto um sistema social e como tal passível de inúmeras abordagens e interferências. Em síntese, não se deve pensá-la como uma receita às soluções das organizações, mas como um caminho na busca contínua da competitividade e sustentabilidade. Ponto de consenso, pode-se dizer que aprendizagem organizacional é tema que precisa ser abordado estrategicamente nas organizações.
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Aprendizagem organizacional: um elemento que traz competitividade às empresas
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Consequências da insatisfação do consumidor no contexto de serviços: uma investigação teórica Ananda Lia Santana Nunesmaia
1. INTRODUÇÃO Percebe-se, atualmente, um crescente interesse, por parte de acadêmicos e profissionais da área de marketing, na compreensão do comportamento do consumidor após a compra, ancorados pela idéia central de que o processo da empresa junto a seus clientes não se limita ao ato de compra de um produto, mas avança até o período pós-compra, quando o consumidor é, então, realmente satisfeito ou não em suas necessidades. De maneira especial, o sentimento de insatisfação e as ações reclamatórias estão começando a ocupar uma posição central no pensamento e na prática de marketing. No Brasil, no que se refere à prática empresarial, pode-se constatar que algumas empresas já começam a dar sinal de interesse no entendimento do comportamento pós-compra, através da adoção de sistemas que maximizam as oportunidades de queixas e solicitações do cliente. A criação de departamentos ou serviços de atendimento ao consumidor, os conhecidos DAC s ou SAC s, é um passo importante para este entendimento. Assim, ao invés de tentar obter novos clientes para o mercado ou encorajar a mudança de marca por parte de clientes de outras empresas, o marketing de relacionamento está interessado em reduzir o êxodo de clientes do mercado e em impedir a mudança de marca por parte dos clientes atuais. (SANTOS, 2001). A necessidade de conquistar e, principalmente, manter clientes leais à empresa impulsionou o desenvolvimento de uma área dentro da disciplina de Marketing, conhecida como Marketing de Relacionamento. O estudo do marketing de relacionamento tem sido freqüentemente explorado no ambiente business-to-business (mercado organizacional), onde um representativo número de trabalhos tem sido desenvolvido. Entretanto, poucos estudos têm sido realizados no contexto do mercado de consumo final, principalmente no que tange ao mercado de bens (duráveis e não-duráveis) (DRAGHETTI, 1998).
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Nos últimos anos, os estudos sobre a satisfação do consumidor absorveram parte considerável dos esforços dos pesquisadores em marketing, dos institutos de pesquisa, dos órgãos governamentais e das empresas interessadas em implantar programas de qualidade total. O estudo da satisfação remete à essência do conceito de marketing, o qual é uma função organizacional e uma série de processos para a criação, comunicação e entrega de valor para clientes, e para o gerenciamento de relacionamentos com eles, de forma que beneficie a organização e seus stakeholders e é um truísmo reconhecer que satisfazer as necessidades do consumidor é um dos objetivos centrais das organizações. O reconhecimento desse princípio básico de gestão vem tornando cada vez mais importante o monitoramento da satisfação do consumidor como forma de avaliar o desempenho global das organizações, quer visem ao lucro ou não. (FERNANDES ; SANTOS, 2006) Entretanto, nem sempre a satisfação é alcançada e compras insatisfatórias, embora variem em magnitude e prevalência por determinados produtos e serviços, inevitavelmente ocorrem. Essas situações parecem ser ainda mais comuns ao setor de serviços, o qual devido a algumas características peculiares inerentes a sua atividade, tais como, a intangibilidade, maior interdependência entre as partes e maior contato pessoal entre funcionários e clientes, geram maiores e mais constantes divergências entre os consumidores e a empresa (BERRY; PARASURAMAN, 1991; BITNER et al., 1990 apud FERNANDES E SANTOS, 2006). Segundo o IBGE (2002) no Brasil, em 2002, a Pesquisa Anual de Serviços detectou cerca de 945 mil empresas de serviços mercantis não-financeiros ocupando 6 856 mil pessoas e pagando R$ 55,1 bilhões em salários, o que reforça ainda mais a importância do setor.
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Consequências da insatisfação do consumidor no contexto de serviços: uma investigação teórica
O desenvolvimento de relacionamentos fortes e duradouros entre consumidores e fornecedores tem apresentado inúmeros benefícios, para ambas as partes. Os benefícios para as empresas têm sido bem documentados na literatura. De maneira geral, clientes leais podem levar ao crescimento dos rendimentos de uma empresa, são mais inclinados a fazer compras adicionais de produtos e serviços e geram novos negócios para a empresa através do boca-a-boca (BERRY ; PARASURAMAN 1991; ZEITHAML et al. 1996 apud SANTOS , 2001). Os benefícios para o consumidor, no entanto, têm recebido menor atenção. Entre eles, destacam-se a redução dos riscos associados à compra e o recebimento de tratamento especial, que incluiria descontos e tratamento preferencial (BERRY 1995; GWINNER et al. 1998 apud SANTOS, 2001). Estes benefícios funcionariam como motivações para o engajamento em relacionamentos duradouros e, para tanto, é importante que haja o estudo no intuito de reduzir ou dissipar a insatisfação do consumidor e restabelecer o relacionamento e a lealdade deste.
Consequências da insatisfação do consumidor no contexto de serviços: uma investigação teórica
O conhecimento do comportamento do consumidor, com vistas à busca de sua satisfação, torna-se desta maneira chave para o sucesso de qualquer empresa no ambiente competitivo e globalizado, atualmente vigente. A obtenção da satisfação do consumidor torna-se uma condição sine qua non para a obtenção do sucesso organizacional. Com base no cenário descrito tem-se como objetivo central deste artigo oferecer um modelo teórico que examine as consequências da insatisfação no setor de serviços, para isso serão abordados temas como: marketing de relacionamento, setor de serviços, satisfação e insatisfação do consumidor, ações pós-satisfação e lealdade. Por fim, as principais contribuições deste artigo são analisadas e alguns caminhos a serem trilhados são sugeridos.
2. CONTEXTO DE SERVIÇOS A escolha do setor de serviços para este trabalho deve-se a vários motivos. O primeiro deles diz respeito à enorme significância que este setor vem adquirindo no escopo da economia mundial e, particularmente, na economia brasileira. Os primeiros sinais deste fenômeno começaram a ficar evidentes por volta da década de 1950, quando, nos Estados Unidos, o setor terciário ultrapassa o setor industrial como principal fonte de emprego na economia norte-americana (BRAGA, 1989 apud SANTOS, 2001). O crescimento do setor de serviços vem gerando, tanto no âmbito acadêmico quanto no gerencial, um grande interesse às questões e problemas ligados a este setor. Uma vez que a maioria dos serviços são performances e não objetos, eles não podem ser sentidos, vistos ou experimentados como produtos. Isto faz das relações interpessoais entre os funcionários que provém os serviços e os consumidores um aspecto crítico do serviço (BATSON ; HOFFMAN, 2001). Para Kotler (2000, p. 448) serviço é: Qualquer ato ou desempenho, essencialmente intangível, que uma parte pode oferecer a outra e que não resulta na propriedade de nada. A execução de um serviço pode estar ou não ligada a um produto concreto. Uma característica distinta dos serviços é que eles são simultaneamente produzidos e consumidos. Isto os difere dos produtos que são primariamente produzidos e então vendidos e consumidos. Significa que o processo de produção do serviço ocorre em “tempo real”. Além disso, o consumidor tem um papel crucial na produção dos serviços. Por exemplo, é extremamente difícil um médico tratar um paciente sem a descrição dos sintomas que o paciente está
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Conforme Kotler (2000) os serviços apresentam quatro características principais, que são: intangibilidade, ao contrário de produtos físicos, eles não podem ser vistos, sentidos, ouvidos cheirados ou provados antes de serem adquiridos; inseparabilidade, de modo geral os produtos são produzidos e consumidos simultaneamente; variabilidade, pelo fato de dependerem de quem os fornece, além de onde e quando são fornecidos, os serviços são altamente variáveis; perecibilidade, serviços não podem ser estocados. Características como intangibilidade e variabilidade parecem colaborar para o aumento da relevância de conceitos como confiança e lealdade e no estabelecimento de relacionamentos mais duradouros entre consumidores e empresas, no intuito de reduzir os riscos associados à compra e utilização dos serviços. Desta forma, a importância deste setor, a dificuldade em se estabelecer mecanismos eficientes para a resolução de insatisfações provenientes de falhas em serviços e as características particulares dos serviços, que parecem promover um ambiente propício a reclamações.
3. SATISFAÇÃO A satisfação de clientes é um tema amplamente trabalhado tanto em pesquisas como em publicações acadêmicas aplicadas. Trata-se, portanto, de uma área de pesquisa em evidência permanente. Pesquisar a respeito da satisfação dos clientes é uma tarefa fundamental para a gestão das empresas, uma vez que seu entendimento pode proporcionar uma avaliação de desempenho sob a perspectiva do cliente, indicando decisões tanto estratégicas quanto operacionais que venham a influenciar no nível de qualidade dos serviços prestados pela organização. (MILAN ; TREZ, 2005). É importante ressaltar também a relação verificada nas empresas entre altos níveis de satisfação de clientes e retornos econômicos superiores. (ROSSI ; SLONGO, 1998) Conforme Kotler (2002) a satisfação consiste na sensação de prazer ou desapontamento resultante da comparação do desempenho, ou resultado, percebido de um produto ou serviço em relação às expectativas do comprador. Diversos estudos indicam que a satisfação é um dos pilares que exercem influência positiva na lealdade, contribuindo para a sua formação. Sob o ponto de vista do consumidor, pode-se entender que este tenderá a ter um comporta-
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sentindo. Estas características ressaltam o aspecto central das interações e dos procedimentos no encontro de serviços e fazem com que problemas relativos a serviços, tais como uma entrega que não é feita na data marcada ou uma refeição que não está tão boa quanto deveria, tendam a ser mais difíceis em termos de quais as ações de reparação são mais apropriadas (SANTOS, 2001).
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mento leal quando se sentir satisfeito já que a satisfação influenciará a atitude do cliente em relação ao produto ou serviço. (OLIVER, 1997 apud ESPINOZA ; LARÁN, 2004) Conforme Santos (2000) O Paradigma da Desconfirmação de Expectativas, desenvolvido nos anos 70, a partir dos estudos seminais de Cardozo (1965), Engel, Kollat & Blackwell (1968) e Howard & Sheth (1969), é o mais aceito no meio acadêmico para explicar o desenvolvimento do fenômeno de satisfação/insatisfação (S/I) e sua construção tornou-se um marco importante para inúmeros estudos sobre satisfação. Basicamente, a teoria da desconfirmação de expectativas sugere que o nível de satisfação do consumidor é resultado de um processo em quatro etapas. Primeiro, as expectativas anteriores a compra crença sobre como o produto ou o serviço deverá ser desempenhado - tornamse um parâmetro com o qual a real performance será avaliada. Segundo, os consumidores compram/utilizam o produto ou serviço, adquirindo percepções a respeito do mesmo. Terceiro, o nível de satisfação se origina da discrepância entre a percepção sobre o desempenho do produto/serviço e as expectativas quanto a este desempenho. Quando a performance excede as expectativas, desconfirmação positiva e satisfação resultarão, quando a performance é percebida mais baixa do que a esperada, desconfirmação negativa e insatisfação terão lugar. Quando nenhuma discrepância é encontrada, confirmação e status quo resultam. Por último, satisfação determina intenções comportamentais, como, por exemplo, comprar o mesmo produto no futuro. De acordo com Andreasen (1977), estudos devem distinguir entre satisfação inicial e final nos episódios de compra. A satisfação “inicial” origina-se da comparação entre a performance do produto/serviço e as expectativas quanto a esta. A satisfação “final” envolve a (dis)confirmação quanto à “performance” da empresa em responder à insatisfação e à reclamação do consumidor, isto é, refere-se à satisfação com o gerenciamento de reclamações. Como diferentes mecanismos de performance estão envolvidos nestes dois processos, têm sido notado que a satisfação final pode não ter relação - ou mesmo estar negativamente relacionada - com a satisfação inicial. Assim, uma insatisfação inicial pode dar origem a um alto nível de satisfação “final”, como conseqüência de esforços justos e efetivos da empresa para restituir a satisfação do consumidor.
4. A INSATISFAÇÃO DO CONSUMIDOR Insatisfação pode ser entendida “uma emoção negativa gerada pela desconfirmação de expectativas na experiência de consumo” (DAY, 1984, p.497 apud FERNANDES ; SANTOS, 2006). Acadêmicos e praticantes têm demonstrado interesse em entender como sentimentos de insatisfação se manifestam em
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Alguns autores consideram a insatisfação como ponto oposto à satisfação num mesmo construto. Entretanto, existem diversas evidências na literatura que atestam a separação em dois construtos. A primeira delas provém de estudos que encontraram atributos geradores de apenas satisfação e outros geradores de apenas insatisfação e outros ainda que não instigam a satisfação, mas que se não existirem, geram insatisfação (OLIVER, 1996). Logo, existindo fatores geradores diferentes e independentes, essas duas dimensões também seriam diferentes entre si. Em segundo lugar, os termos satisfação e insatisfação são utilizados com distinção na literatura, indicando que muitos autores aceitam a diferença entre eles. Uma terceira evidência seria a não compensação da insatisfação com a satisfação. Essa evidência pode ser comprovada nas muitas vezes em que o consumidor satisfeito há tempo é perdido por uma única experiência insatisfatória. Portanto, a insatisfação seria um construto único, com antecedentes bem diferenciados da satisfação. Além disso, Oliver e Swan (1989 apud FERNANDES ; SANTOS, 2006) elencam cinco estados emocionais que favorecem o aumento da satisfação, sendo: alegria, aceitação, alívio, interesse/excitação e prazer, e cinco também à insatisfação: tolerância, tristeza, agitação, arrependimento e ultraje, e destaca que os estados emocionais não são contrários, não podendo ser considerados pontos opostos de uma mesma reta. Estas evidências citadas parecem atestar que satisfação e insatisfação não são valores opostos de uma mesma dimensão e convergem para tratamento em duas entidades distintas.
5. AÇÕES PÓS-INSATISFAÇÃO As ações dos clientes frente a experiências insatisfatórias de consumo foram estudadas inicialmente por Hirschman (1970 apud FERNANDES ; SANTOS, 2006), o qual argumentou existirem três possíveis respostas à insatisfação: saída (exit), voz (voice) e lealdade (loyalty). Lealdade significaria a não tomada de ação e permanecer com a empresa, mesmo após a ocorrência do problema. Saída corresponderia a não realizar compras novamente com a empresa e resposta por voz significaria a tentativa de obter retorno do fabricante ou varejista. O trabalho de Singh (1988) sugere que as respostas dos clientes a insatisfação podem ser categorizadas em três grupos: 1) respostas por voz, incluindo a reclamação direta à empresa e nenhuma resposta, apenas a recompra; 2) respostas privadas, isto é, ações que envolvem comunicação boca-a-boca negativa a amigos e parentes e parar de comprar e trocar de empresa; e 3) respostas à
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comportamentos e em compreender a natureza e a estrutura das ações pósinsatisfação.
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terceira parte, incluindo ações junto a agências externas e ações legais. Um ponto importante a ser ressaltado aqui é que estas ações não são mutuamente excludentes, isto é, as pessoas podem responder à insatisfação através do engajamento em múltiplas ações, por exemplo, reclamar à loja que vendeu o produto, falar a amigos sobre sua experiência e nunca mais voltar ao local. Seguindo esta lógica, Singh (1989, p. 84) argumenta que o comportamento pós-insatisfação1 deve ser definido como um “conjunto de múltiplas respostas (comportamentais ou não), algumas ou todas geradas por uma insatisfação percebida com um episódio de compra”. A classificação desenvolvida por Singh (1988) parece ser suficientemente refinada, além da mais representativa e aceita até os dias de hoje. Conforme Fernandes e Santos (2006) os consumidores brasileiros praticamente desconsideram a opção de resposta à terceira parte. Lentidão nas ações judiciais, legislação precária e tempo e esforço excessivos demandados para tal ação e resposta muito aquém das expectativas foram as principais explicações sobre a não procura de entidades de assistência ao consumidor e de ações legais. Conforme Chauvel: Apesar dos dez anos de existência do Código de Defesa do Consumidor e dos esforços crescentes das empresas em aprimorar o atendimento que oferecem aos seus clientes, o cliente ainda parece contar mais, para resolver a situação, com sua posição e habilidade social, do que com o respeito das empresas pela legislação vigente. (CHAUVEL, 2000, p.10) A partir disso, optou-se por avaliar três respostas à insatisfação: reclamação, troca de empresa e comunicação boca-a-boca negativa e como era formado seu agrupamento. 5.1 Comportamento de reclamação Por parte das empresas, o descontentamento do cliente é diagnosticado através do registro da reclamação, a qual possui diversas formas de entrada, como: funcionários da linha de frente, gerentes, cartões e formulários de queixa ou avaliações de serviço, telefones 0800 e reclamações passadas à companhia por terceiros, como órgãos governamentais e outras empresas da cadeia de valor. Pode-se constatar, também, que algumas empresas começam a dar sinal de interesse na compreensão do comportamento pós-insatisfação, através da adoção de sistemas que “maximizem as oportunidades de queixas e de solicitações do cliente”, para verificar a satisfação deste (KOTLER, 1992, p. 42).
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Nyer (2000, apud FERNANDES ; SANTOS) sugere que encorajar clientes insatisfeitos a expressar seus sentimentos e opiniões pode causar aumento de satisfação. Nyer (2000) também indica que os benefícios de encorajar as reclamações são mais óbvios aos clientes que estão mais insatisfeitos e menos óbvios àqueles que estão moderadamente insatisfeitos. Em seu estudo, os clientes que foram encorajados a expressar suas reclamações foram 59% mais inclinados a recompra do que aqueles que não foram solicitados expressar seus sentimentos. Além da oportunidade de reverter a situação e de transformar um cliente insatisfeito em satisfeito, a reclamação é uma informação valiosas às empresas. Os gerentes devem considerar queixas como dados de pesquisa - como um córrego da informação (barata) da pesquisa de mercado que destaca onde as melhorias são necessárias. Além disso, seria possível, com esta “filosofia”, identificar uma série de problemas individuais dos clientes que necessitam ser resolvidos e evitados em situações similares no futuro. Colocando a importância em recolher dados desta maneira, os gerentes podem ver o processo da queixa como um sistema de advertência adiantado e assegurando não somente de que os mecanismos estejam no lugar para gravar queixas, mas de que a atenção séria está dada a analisar estas queixas em uma base regular. (FERNANDES ; SANTOS, 2006) 5.2 Comportamento de troca de empresa A dimensão de ação privada por troca de empresa inclui como pontos extremos as opções de permanecer com o fornecedor atual e de realizar a troca de empresa fornecedora (BEARDEN E OLIVER, 1985). Entretanto, a saída do cliente não precisa ser total e pode ser parcial, ou seja, ao encontrar alguma alternativa razoável, o cliente pode considerar outros fornecedores para compra, sem descartar o atual (REICHHELD, 1996). O consumidor, ao substituir o provedor de serviço, incorre em diversos custos, como psicológicos, emocionais, processuais (tempo e esforço) e econômicos (dinheiro), o que dificulta a sua saída (PATTERSON ; SMITH, 2003). Todavia, ao deparar com falhas e problemas na execução ou no resultado de um serviço, o cliente provavelmente considerará a possibilidade de trocar de fornecedor (SINGH, 1988). Segundo Reichheld (1996), os dois motivos princi-
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A disponibilização de um canal para atendimento às reclamações, porém, não é mais um diferencial, mas uma obrigação para as empresas se manterem no mercado. A evidência e que grande parte das organizações dispõe de telefones 0800, além de departamentos ou serviços de atendimento ao consumidor (DAC e SAC) é um passo importante, todavia, não suficiente, à medida que um número das firmas não lida de forma adequada com esta informação.
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pais para o êxodo do cliente são: a percepção do consumidor de menor valor oferecido pelo fornecedor atual sobre a concorrência e a ocorrência de falhas na realização do serviço. 4.3 Comportamento de comunicação boca-a-boca negativa O comportamento de boca-a-boca negativa é componente da dimensão privada de respostas à insatisfação. Ao deparar com situações de insatisfação, é comum os clientes engajarem em comunicação boca-a-boca negativa. Conforme Bateson (2001), o cliente médio que tem uma reclamação fala sobre isso com nove ou dez pessoas, mas os clientes cujos problemas são resolvidos só contam isso a cinco outras pessoas e, ainda que, para cada reclamação que uma empresa recebe, há outros dezenove clientes insatisfeitos que não quiseram reclamar. A comunicação boca-a-boca é um fenômeno importante, no qual os consumidores recebem informações relacionadas a organizações e suas ofertas. Devido à comunicação bocaa- boca ser independente da empresa em questão (SILVERMAN, 1997), ocorrer através de fontes que os consumidores consideram confiáveis como amigos e família (RICHINS, 1983) e prover informações referentes à performance do produto e às conseqüências sociais e psicológicas de uma decisão de compra (COX ; GOOD, 1967), sua influência nas avaliações dos consumidores é maior do que a influência de fontes comerciais (HERR ; KARDES ; KIM, 1991). A comunicação boca-a-boca pode ser positiva ou negativa. A versão negativa é definida como uma forma interpessoal de denegrir a imagem de uma organização ou de um produto (RICHINS, 1984 ; WEINBERGER ; ALLEN ; DILLON, 1981). Pesquisas anteriores sugerem que a comunicação boca-a-boca negativa oferece um impacto maior nas avaliações da marca pelo cliente do que a comunicação boca-a-boca positiva (MIZERSKI, 1982). Além disso, Richins (1984) argumenta que a comunicação boca-a-boca negativa é realizada a mais pessoas do que a versão positiva. Baseando-se em evidências empíricas, a autora indica que, além do consumidor ser mais propenso a falar mal do que a falar bem de suas experiências de compra, a mensagem negativa alcança lugares mais distantes do que a mensagem positiva através da retransmissão. É provável também que, ao experimentar situações insatisfatórias de consumo, as pessoas com determinadas características de personalidade, como autoconfiança, falem mais e pior para outros indivíduos do que aquelas menos autoconfiantes. Falar mal de uma empresa é, em essência, revelar a insatisfação com algum produto ou serviço comprado e admitir uma falha como consumidor. Portanto, aqueles consumidores menos autoconfiantes e mais introvertidos terão menor intenção de comunicação boca-a-boca negativa.
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6. LEALDADE A lealdade pode ser definida como o grau em que o cliente possui uma atitude positiva, apresenta comprometimento e pretende continuar comprando no futuro. É conceituada ainda como um conjunto de intenções que sinalizam motivações para manter um relacionamento com a empresa (ESPINOZA ; LARÁN, 2004). Dominguez (2000) afirma que a lealdade dos clientes é um comportamento que pode ser medido pela taxa de recompra: a quantidade de vezes que um cliente compra o mesmo produto, em uma determinada categoria de produtos, em relação ao número total de compras feitas pelo consumidor naquela categoria, em situações nas quais existem outros produtos aceitáveis e disponíveis na mesma categoria. Devido aos altos índices de risco percebido, os clientes leais tendem a concentrar suas compras em fornecedores em quem confiam aumentando, assim, a rentabilidade destes. Podem até estar preparados para pagar um preço mais alto em troca de níveis reduzidos de risco percebido (BATESON ; HOFFMAN, 2001) Clientes também percebem que recebem vários benefícios por serem “clientes leais”. Esses benefícios podem incluir satisfação ótima, o conhecimento do que esperar do prestador de serviço, confiança no seu fornecedor, bom relacionamento com os funcionários, ganho de tempo por não ter que procurar outro fornecedor e vários tipos de tratamento especiais. (GREMLER ; BROWN, 1996) Mais do que medir lealdade, pesquisadores e profissionais têm demonstrado crescente interesse nos antecedentes da lealdade do consumidor ( SAMARA, 2005). De fato, a lógica de que manter clientes atuais requer menor investimento por parte das empresas do que conquistar novos clientes, e que boa parte dos negócios da empresa são feitos com clientes “mais leais”, tem levado à priorização por estratégias que construam lealdade e comprometimento. Tais estratégias estão, por certo, estreitamente relacionadas com satisfação e gerenciamento de reclamações (DICK ; BASU, 1984 apud SANTOS, 2001).
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Nyer (2000) argumenta que, quando o cliente insatisfeito não reclama, seja por perceber a probabilidade de obter retorno positivo como baixa, por ter uma atitude negativa frente à reclamação ou por não ter tido oportunidade de registrar seu descontentamento, sua propensão a falar mal da empresa é maior, pois os clientes precisam, de alguma forma, expressar seu descontentamento.
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Verificou-se com este estudo que três estilos de resposta são dadas pelos clientes diante da insatisfação com a prestação de serviços : (1) comunicação boca-a-boca negativa; (2) troca de empresa; (3) reclamação à empresa. Percebeu-se também que a insatisfação pode impactar na lealdade do consumidor. Este trabalho procurou contemplar as diversas ações que podem ser tomadas, entendendo que o consumidor, após a insatisfação, não se restringe a apenas um ou outro tipo de resposta, de maneira racional e limitada. Entretanto, esta pesquisa oferece não só uma contribuição teórica para aqueles que lidam com o comportamento do consumidor, mas também uma contribuição prática para aqueles que, dentro das empresas, procuram estabelecer uma filosofia realmente voltada ao consumidor, entendendo que o trabalho do profissional de marketing não termina quando o produto é comprado, mas continua durante o período pós-compra, no qual se torna importante o monitoramento de todo o elenco de caminhos que estará à disposição do consumidor, caso seja experimentado algum sentimento de insatisfação com o produto ou serviço. Acredita-se que o marketing de serviços seria um contexto apropriado para um exame da insatisfação, pois diversas características da prestação de serviços colaboram na criação de um cenário propício para relevância de construtos como satisfação e lealdade e para o estabelecimento de relacionamentos fortes entre consumidores e empresas. Entre elas, a intangibilidade, que pode causar maior risco àqueles que o estão adquirindo, a difícil avaliação sobre o desempenho da empresa, maior interdependência entre as partes, maior participação do consumidor no processo de prestação de serviço e maior contato pessoal entre funcionários e clientes. Além disso, a preocupação com a satisfação parece particularmente crucial no marketing de serviços, onde os desafios gerados por tais características fazem da insatisfação e sua expressão um crítico “momento da verdade” na manutenção e desenvolvimento de um relacionamento a longo-prazo Com base nas informações aqui apresentadas, as empresas podem entender melhor como os clientes respondem a uma insatisfação, há os que apenas trocam de fornecedor e falam mal da empresa, os que dão uma nova chance à companhia antes de divulgar a falha e trocar de empresa, os que falam mal, reclamam e trocam de empresa e aqueles que, por já terem um histórico de compras com a empresa em questão, não realizam ação alguma, apenas esperam as próximas experiências para testar novamente a performance da companhia. As contribuições trazidas por este estudo devem ser ponderadas pelas limitações que o cercaram. A principal limitação diz respeito ao fato de não ter
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havido um estudo empírico que validasse as referências aqui apresentadas. Designs de pesquisa que permitem uma variabilidade maior (investigando múltiplas categorias de serviços, por exemplo) parecem adequados, pois ofereceriam uma validade externa maior e uma generabilidade importantes para que, a princípio, se tenha uma visão mais ampla sobre as relações apresentadas.
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OLIVER, R. Varieties of value in the consumption satisfaction response. Advances in Consumer Research, v. 23, n. 1, p.143-147, 1996. ROSSI,Carlos Alberto Vargas ; SLONGO, Luiz Antonio. Pesquisa de satisfação de clientes: o estado-da-arte e proposição de um método brasileiro. RAC, v.2, n.1, p. 101-125, 1998. SANTOS, Cristiane Pizzuti dos. Impacto do gerenciamento de reclamações na confiança e lealdade do consumidor, no contexto de trocas relacionais. Anpad, 2000. ______________. Impacto do Gerenciamento de Reclamações na Confiança e Lealdade do Consumidor, no Contexto de Trocas Relacionais de Serviços: construção e tese de um modelo teórico. Porto Alegre, 2001, 247 p. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Administração, Programa de Pós-Graduação em Administração, 2001.
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O trabalho no “centro” do consumo: uma análise das relações laborais em um shopping center de Porto Alegre Roberto Dantas Brandão Junior Deise Luiza da Silva Ferraz Márcio André Bauer Simone Nenê Portela Dalbosco
1. INTRODUÇÃO O Brasil se insere no ambiente competitivo internacional em condição subordinada (MATTOSO, 1997), haja vista que o desemprego e as formas de flexibilização do trabalho, que, historicamente, marcaram o mercado de trabalho brasileiro, puseram em foco questões sociais e políticas muito mais complexas, dada a característica autoritária, precária, excludente e desigual do sistema de relações de trabalho e da estrutura social do país. As mudanças são vivenciadas por todos os setores da economia, sobretudo, pelo setor secundário, que necessita incorporar inovações técnicas e organizacionais, normalmente poupadoras de força de trabalho. No entanto, o processo de degradação das condições e dos regimes de trabalho expõe sua face mais dura nos segmentos do setor terciário da economia, que passa a absorver boa parte do volume da população economicamente ativa devido à reestruturação do setor industrial. Espremidos num mercado de trabalho estruturalmente mais heterogêneo devido ao variado leque dos vínculos, das ocupações, das qualificações e dos rendimentos -, de elevada competição e, como corolário, muito mais fracamente organizado, os trabalhadores dos serviços e do comércio representam um contingente mais vulnerável do mercado de trabalho quando considerado em relação aos trabalhadores do setor industrial. Em face disso, este artigo, resultante de uma pesquisa empírica realizada em um shopping center na cidade de Porto Alegre, tem como objetivo identificar as percepções dos comerciários acerca das relações de trabalho. Para isso, buscou-se conhecer aspectos como: salário, jornada de trabalho, vínculo empregatício, benefícios. Além
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O trabalho no “centro” do consumo: uma análise das relações laborais em um shopping center de Porto Alegre
disso, os entrevistados foram indagados quanto à influência do sindicato na definição das regras e políticas que orientam as relações de trabalho no setor. Este texto procura destacar os achados da pesquisa qualitativa quanto aos aspectos relacionados às políticas de trabalho das empresas, analisando-os à luz das discussões acadêmicas acerca da centralidade do trabalho e da precarização do mesmo, sem contudo, deixar de contextualizar o mercado de trabalho, cujos informantes fazem parte. Para isto, utilizaremos dados referentes ao emprego no comercio de Porto Alegre apresentados na RAIS - Relação Anual de Informações Sociais. A opção por estudar as relações de trabalho ocorre em virtude de aceitarmos as considerações de Kovács (2002) de que o discurso do fim do trabalho ou do fim da sociedade do trabalho apenas oculta a realidade da precariedade das relações sociais ao qual os trabalhadores estão submetidos em suas atividade laborais. Para clarificar esse discurso e elencar os conceitos que serão aceitos como categorias de análises, elaboramos, a seguir, algumas reflexões teóricas.
2. CENTRALIDADE DO TRABALHO E RELAÇÕES DE TRABALHO Escolher a profissão certa é uma angústia para milhares de jovens que buscam ingressar no “mercado” de trabalho. Em geral, a profissão está associada à divisão do trabalho na sociedade em categorias social e financeiramente valorizadas, o que exige cada vez mais o investimento de tempo e recursos, sem que haja uma garantia de inserção. Como conseqüência, a realização profissional passa a ser para muitos uma busca pelo pote de ouro no fim do arcoíris. A partir desse panorama pouco alentador é que se tem falado de que o trabalho perdeu a centralidade, tanto nos estudos sociológicos quanto na vida das pessoas. Mas de onde vem esta crença na centralidade? Ela se justifica empiricamente ou seria apenas um mito? De acordo com Offe (1989), desde os clássicos há uma preocupação em relação aos princípios que formam a estrutura da sociedade, programam sua integração ou seus conflitos e regulam seu desenvolvimento. O trabalho desempenharia um papel central nessa estrutura, como uma esfera separada que detém a primazia sobre as demais na determinação da ordem e das representações na sociedade. Offe (1989) argumenta que o trabalho (assalariado, por certo) perdeu a centralidade diante das novas relações sociais e da diversificação objetiva do trabalho. Esta heterogeneidade, além de levantar a possibilidade de o trabalho estar se tornando cada vez mais abstrato, sugere o fim da classe trabalhadora, uma vez que muitas atividades assalariadas nada mais têm em comum a não ser o nome “trabalho” (OFFE, 1989).
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Da mesma forma Toledo e Hernandes (2000) denominam tais especulações sobre o fim da centralidade do trabalho de meros exercícios de futurologia, baseadas em argumentos teóricos e de caráter eurocêntrico. Os autores refutam, uma a uma, as teses sobre o fim do trabalho afirmando ser simplista a hipótese de que as posições no mercado de trabalho podem determinar normas, valores e atitudes. No que respeita a formação da identidade, os autores argumentam que ela é uma configuração subjetiva complexa e que dá sentido de pertencimento a um grupo ou classe, não dependendo somente da ocupação. Também a ideia de uma desarticulação absoluta da sociedade é difícil de se sustentar, pois não há, a não ser em um plano metateórico, elementos que comprovem a sua própria articulação, mesmo que se tome como base o período de Revolução Industrial. Sorj (2000) acrescenta que a crise é, na verdade, uma crise da própria Sociologia do Trabalho que estaria assumindo o consumo como categoria central. No entanto, este autor defende que o trabalho ainda é determinante das condições de vida das pessoas. Geralmente a crítica à centralidade do trabalho invoca os nomes de Weber e Marx, os quais seriam responsáveis pela elevação do trabalho à categoria essencial na análise sociológica. Isso torna necessária uma visita aos clássicos (Marx, Weber e também Durkheim), ainda que de forma sucinta, pois se acredita que eles tenham elementos que ajudariam a compreender a crise do trabalho na nossa sociedade. 2.1 O Trabalho em Marx, Weber e Durkheim Sem dúvida, várias questões levantadas atualmente acerca do trabalho “não estão muito distantes daquelas que alimentaram as reflexões mais profundas dos autores clássicos, no que diz respeito, por exemplo, ao lugar, à função e ao sentido do trabalho” (MERCURE ; SPURK, 2005, p. 11).
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Para Toledo e Hernandes (2000, p. 758-9), os tempos atuais trazem consigo uma nova reflexão, que coloca em pauta o próprio “fim da sociedade do trabalho”. Esta corrente tem como argumentos o fim da utopia do socialismo e da classe operária como sujeito. Segundo as teses desses autores estaríamos assistindo à fragmentação das antigas identidades operárias e à conseqüente impossibilidade de organização coletiva mais ampla; ao fim do trabalho como centro das relações sociais e formação de identidades coletivas; à desvalorização do trabalho como fonte de geração de riqueza; e à incapacidade das organizações operárias de transformar suas formas de luta em um contexto de substituição do conflito patrão-operário pela luta por mercados.
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Marx (1970) estabelece uma separação conceitual entre a divisão do trabalho na manufatura e a divisão do trabalho social. A primeira tem como pré-condição a segunda. A divisão social do trabalho é dada pela necessidade natural a posteriori, balizada pelas trocas recíprocas entre coletividades. Neste caso, o trabalhador e seus meios de produção ficam juntos, assim como “o caracol e sua concha” (MARX, 1970, p. 358). Já a divisão do trabalho nas manufaturas é considerada, por Marx, como algo não natural, que fragmenta o homem e apenas subsiste como uma regra “a priori” que possibilita colocar o trabalho sob a autoridade do capitalista. A divisão do trabalho, na manufatura, tem como pré-condição a divisão social do trabalho. Para Marx, o que inicialmente seria uma divisão do trabalho “acidental”, para cumprir um determinado prazo e aumentar a velocidade, acaba por assumir um caráter sistemático, devido à necessidade crescente de reduzir o tempo e aumentar a escala de produção. Por fim, acaba este processo por tornar-se ossificado e petrificado figurando como uma “lei social” (MARX, 1970, p. 359). Durkheim (1973), assim como Marx, concorda que a maior produtividade leva à intensificação da divisão do trabalho, e que uma maior especialização leva o indivíduo ao isolamento e desintegra a sociedade, conduzindo-a a um estado de anomia. Isso se dá, em grande parte, pelo desenvolvimento das organizações e de um mercado único “que abarca praticamente toda a sociedade” (DURKHEIM, 1973, p. 314). Com este aparece a grande indústria, que substitui o trabalho manual pelo mecânico e que trata os trabalhadores como máquinas. Para o referido autor, a divisão do trabalho, apesar de conduzir ao isolamento, é considerada normal, útil e necessária para manter a unidade do sistema social. Assim, o Estado e os governos devem intervir no cumprimento de todas as funções da economia social, para manter a ideia de conjunto e o sentimento de solidariedade comum. Weber (2005), por seu turno, analisou a ascensão do trabalho à categoria de valor sob a ética protestante, quando este passa a ser assumido como “a própria finalidade da vida” (p. 115). Só o trabalho poderia conferir a certeza da graça, mesmo quando realizado nas condições mais adversas, cabendo ao homem “trabalhar naquilo que lhe foi destinado, ao longo de sua jornada” (p. 114). De acordo com a tendência puritana, a “vocação certa” estava associada à divisão do trabalho social, e seguir a ela era um imperativo moral. Para Weber, a visão do trabalho como vocação tornou-se uma característica do trabalhador moderno. Declara Weber:
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Diante disso, não se pode dizer que o trabalho, sob a égide do capitalismo, seja visto por estes autores de maneira positiva. Para Weber, no regime capitalista moderno, o trabalho estaria abandonando toda a espécie de compromisso ético valorativo, passando a se orientar por uma racionalidade formal. Sendo assim, não é nenhuma novidade afirmar que o trabalho nestas condições seja visto de forma negativa pelo homem. Da mesma forma Marx (2005, p. 114) teceu o conceito de trabalho alienado, para expressar a situação em que o trabalho se torna “exterior ao trabalhador”, ou seja, “não pertence à sua característica” e não o leva a uma auto-afirmação, ao contrário, torna-se uma maneira de negar a si mesmo. Ora, este negar a si mesmo não é o mesmo que negar a própria identidade? Como é possível afirmar, portanto, que o trabalho no passado recente era central à identidade? Marx vai além, ao dizer que o trabalhador “só se sente bem fora do trabalho”. Assim, seu trabalho não é voluntário, mas imposto, é trabalho forçado. Não constitui a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades. O trabalho externo, o trabalho em que o homem se aliena, é um trabalho de sacrifício de si, de martírio. O seu caráter estranho resulta visivelmente do fato de se fugir do trabalho, como da peste, logo que não existe nenhuma compulsão física ou de qualquer outro tipo (MARX, 2005, p. 114 – grifo do autor). Portanto, quando nos dias atuais se ouve falar em fim da centralidade do trabalho ou fim da sociedade do trabalho é bom atentar para as teorizações de Marx, Durkheim e Weber - sem deixar de considerar que eles possuem diferentes paradigmas -, pois a partir deles é possível questionarmos: afinal, de que trabalho se está falando? Parece haver entre os autores contemporâneos um debate estéril a respeito da centralidade do trabalho burocrático assalariado, algo como uma frustração
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O puritano quis trabalhar no âmbito da vocação; e todos fomos forçados a segui-lo. Pois quando o ascetismo foi levado para fora das celas monásticas e introduzido na vida quotidiana e começou a dominar a moralidade laica, desempenhou seu papel na construção da tremenda harmonia da moderna ordem econômica. Entretanto a moderna ordem econômica está hoje ligada às condições técnica e econômica da produção pelas máquinas, que determina a vida de todos os indivíduos nascidos sob este regime com força irresistível, e não apenas os diretamente envolvidos com a aquisição econômica. E talvez assim a determine até que seja queimada a última tonelada de carvão fóssil. [...] Hoje, o espírito do ascetismo religioso, quem sabe se definitivamente, fugiu da prisão. Mas o capitalismo vitorioso, uma vez que repousa sobre fundamentos mecânicos, não precisa mais de seu suporte (WEBER, 2005, p. 130-131).
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e um recalque pelo fracasso da sociedade salarial, do modelo fordista e do wellfare state. Juntamente com Kovács (2002), acredita-se que o trabalho continua e continuará a desempenhar um importante papel na vida das pessoas e na vida social em geral. Entretanto, o “principal problema não é o do fim do trabalho, mas a abundância de trabalho sem qualidade, que não permite satisfazer as expectativas das pessoas...” (KOVÁCS, 2002 p. 41). De acordo com Antunes (2005), o “eixo do debate sobre a crise da sociedade do trabalho” não é o “adeus ao trabalho” ou o “fim da centralidade do trabalho”, mas a existência paralela de duas realidades, ambas problemáticas. De um lado encontra-se, em uma escala minoritária, o trabalhador “polivalente e multifuncional” da era informacional, capaz de “exercitar com mais intensidade sua dimensão ‘intelectual’”. De outro, “uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação” (ANTUNES, 2005, p. 32). Retirar o problema da estratosfera metateórica para posicioná-lo de volta ao chão das relações de trabalho estabelecidas no sistema capitalista. Este é o caminho que se quer percorrer daqui por diante. 2.2 Relações de trabalho O período posterior às guerras mundiais (Pós-Segunda Revolução Industrial) calcado no pleno emprego, crescimento da demanda por direitos sociais, forte presença do Estado, consumo de massa e ganhos crescentes de produtividade, encontrou seu esgotamento nos anos 70, este período foi caracterizado pelo uso da técnica da eletromecânica. Com as novas exigências para remunerar o capital, assiste-se a outra “Revolução Industrial”, que combina a retração da base contributiva do Estado, com o crescimento da demanda por proteção social e a diminuição de direitos. Os Estados nacionais tenderam a ceder espaço em favor da iniciativa privada em razão, dentre outros fatores, das novas exigências do mercado. Nos anos 90 do século passado, principalmente nos países periféricos, as transformações produtivas e econômicas advindas sob o impacto dos novos padrões tecnológicos e competitivos do comércio internacional nocautearam o impulso de luta dos sindicatos. A abertura econômica e as privatizações expandiram os processos de reestruturação produtiva nas empresas, cujas estratégias de competição se direcionaram, predominantemente, para a redução dos custos do trabalho, redundando num fenômeno de demissão em massa de dimensão nunca vivida na história da industrialização do Brasil. Até a primeira metade da referida década mais de 1 milhão de empregos foram destruídos na indústria de transformação, tendo boa parte de seus trabalhadores caído na informalidade e outra se deslocado para o setor terciário, onde é ainda mais
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No campo legal brasileiro, avançaram as medidas de flexibilização da legislação trabalhista. Em 1997 e 1998, como reflexo de iniciativas liberais apoiadas no discurso de que o desemprego era fruto da rigidez da legislação, um pacote de medidas arbitradas pelo Governo Federal legalizou, dentre outras coisas: 1) o banco de horas, que substituía o pagamento das horas-extras; 2) a suspensão temporária do contrato de trabalho por motivos econômicos; 3) o contrato de trabalho por tempo determinado, com redução dos encargos sociais; 4) a redução do salário com redução da jornada; 5) as cooperativas de trabalho, que estimularam, como produto da sub-contratação, o crescimento do trabalho autônomo, desprovido da proteção dos direitos do emprego regular; 6) a abertura do comércio varejista aos domingos sem o pagamento de horas extras e sem obrigação de negociação com os sindicatos. Essas medidas de modificação da legislação trabalhista se mostraram perniciosas uma vez que reduziram conquistas e direitos dos trabalhadores e foram incapazes de gerar novos empregos ou ampliar a formalização dos já existentes. Embora as pressões por ajuste competitivo tenham redundado em perdas de conquistas, especialmente no terreno da flexibilização dos salários, dos vínculos e das jornadas, os trabalhadores mais organizados (aqueles das atividades de maior dinamismo econômico - metalurgia, petroquímica, bancos, telecomunicação, energia – ou de empresas ou categorias de serviços públicos específicos), conseguiram, em graus diferenciados, manter algum poder de pressão e limitar o potencial das perdas. Essa não seria, todavia, a realidade para a imensa maioria dos empregados brasileiros com baixo poder de representação sindical ou trabalhadores do mercado de trabalho informal. Ressaltese que nos setores mais tradicionais, e aqui se destacam as atividades do setor de serviços e do comércio, é fraca a representação sindical, as negociações coletivas permanecem referendando direitos já assegurados na legislação trabalhista e predominam relações de trabalho autoritárias com poucas iniciativas de modernização/democratização da gestão (DIEESE, 1999, 1999a; NORONHA, 1998; CARVALHO NETO, 2001; OLIVEIRA, 2003). Essa realidade colabora para fragilizar a estrutura do mercado de trabalho formal no Brasil: baixos salários, excessiva instabilidade do vínculo empregatício e baixa qualificação dos seus trabalhadores. A ampliação do desemprego e da precarização no padrão de uso e remuneração da força de trabalho nos anos 90 agravaram essas características. Segundo Pochmann (1999), em 1996 o salário médio real dos trabalhadores nas regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE equivalia a menos de 50% do poder aquisitivo de 1980. Um outro indicativo dessa precariedade é a elevada taxa de rotatividade da força de tra-
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forte a heterogeneidade das condições de emprego, pois há o predomínio dos contratos de baixa qualificação e de baixos salários (MEDEIROS ; SALM, 1994; POCHMANN et al, 1998; MATTOSO, 1999).
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balho no país, um fator histórico que gerou uma cultura de trabalho altamente substituível e barato, alimentada pelo não compromisso dos patrões com a estabilidade, e, conseqüentemente, com as políticas de formação e valorização dos trabalhadores, pela ausência na legislação de proteção contra demissões arbitrárias e pela inexistência de mecanismos de representação sindical nos locais de trabalho.
3. METODO O presente trabalho caracteriza-se como sendo descritivo pois, pretende descrever com a maior exatidão possível fatos e fenômenos e estabelecer relações entre as diversas variáveis da realidade dos funcionários das lojas de um centro comercial. A pesquisa descritiva para Triviños (1995) faz com que o pesquisador tenha que buscar as informações sobre o que se tem a intenção de pesquisar e possui o objetivo de descrever com a maior exatidão possível os fatos e fenômenos que ocorrem em uma determinada realidade. A abordagem do trabalho é quanti-qualitativa, pois foram analisados, enquanto dados secundários, as informações eletrônicas da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), referentes aos anos de 1985 a 2005; e, as entrevistas, enquanto dados primários, realizadas com comerciários de diferentes lojas de um shopping center da capital do Rio Grande do Sul. Os dados da RAIS permitiram analisar as dinâmicas do mercado de trabalho no setor de serviço do município de Porto, no que tange às questões de gênero, faixa etária, escolaridade e renda média mensal. Os dados primários foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas. A entrevista semi-estruturada permite que o entrevistador tenha maior liberdade para gerar os dados além das respostas proferidas, permitindo que o pesquisador possa sondar além das respostas e possibilita aos respondentes a utilização dos seus próprios termos ao invés de respostas padronizadas, estabelecendo, assim, um diálogo com o entrevistado incrementando valor as metas de comparação e padronização. (MAY, 2004). Nesta pesquisa, buscou-se entrevistar pessoas que pudessem representar essa grande variedade de comércios, deste modo, foram ouvidos funcionários de grandes redes, lojas especializadas e pequenos empreendimentos. Ao todo foram 14 entrevistados, caracterizados por: 2 trabalhadores de uma grande rede nacional de lojas de calçados; 1 trabalhador de uma grande rede nacional loja de moda masculina; 2 trabalhadores de uma rede nacional de lojas (quiosque) de material esportivo; 3 trabalhadores de uma rede regional de lojas de moda feminina; 2 trabalhadores de uma franquia de lojas de acessórios de couro
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As entrevistas realizadas com esses 14 profissionais foram feitas no próprio ambiente de trabalho e tiveram uma duração média de 20 minutos, tempo em que eles responderam as 27 indagações que compunham o roteiro de entrevistas. O roteiro foi elaborado com base nos estudos já desenvolvidos por Costa (2005) e Costa et al. (2007) e abordaram os seguintes grandes temas: relações de trabalho, sindicalismo e mudanças nas leis trabalhistas. Os dados coletados nessas entrevistas foram confrontados com as análises dos dados da RAIS e com as reflexões teóricas realizadas por diversos autores acercas do temas supracitados, nos itens que seguem.
4. ANÁLISE DOS DADOS DA RAIS: CONTEXTUALIZANDO O MERCADO DE TRABALHO DO COMERCIÁRIO DE PORTO ALEGRE A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) foi criada em 1975, no governo do Presidente da República Ernesto Geisel, para que as organizações informassem os dados que compõem o panorama do emprego no país, tendo a finalidade de suprir as necessidades de controle, informações e estatísticas das entidades governamentais da área social. Desde sua criação, não sofreu significativas alterações na sua formatação. As empresas são obrigadas por lei a informar até meados do mês de março, relativos ao emprego do ano anterior. Os dados coletados são de fundamental importância para suprir as demandas por necessidades da legislação, da nacionalização do trabalho, de controle dos registros do Fundo de Garantia por Tempo de serviço (FGTS), dos sistemas de arrecadação e de concessão e benefícios previdenciários de estudos técnicos de natureza estatística e atuaria e para a identificação do trabalhador com direito ao abono salarial do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). A partir do ano de 1985, os dados referentes à RAIS foram organizados e tratados por via computadorizada, sendo possível sua consulta e análise através do software Sistema Gerador de Tabelas (SGT) e dos dados referentes aos respectivos anos de exercícios financeiros disponibilizados pelo IBGE. Tais dados podem ser analisados através de 5 (cinco) Grandes Setores de Atividade Econômica (GRSET) indústria, construção civil, comércio, serviços e agropecuária. Nesta pesquisa foram utilizados os dados a partir da primeira
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(atuação nacional); 2 trabalhadores de uma franquia de lojas de moda praia; trabalhador de uma franquia de lojas (quiosque) de acessórios (atuação regional); 1 trabalhador de um micro-empreendimento local de lingerie. Os entrevistados eram tanto do sexo feminino quanto do masculino, não havendo diferença significativa. A diferença ocorre na idade, há informantes com 16 ano como também com 50 anos.
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coletânea apresentada de forma digital (1985) até a última divulgação, dados de 2006, disponibilizados em dezembro de 2007. Foi realizada uma análise comparativa dos dados referentes ao emprego, segundo a divisão por Grande Setor de Atividade Econômica (GRSET), utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram utilizadas as seguintes limitações geográficas: Brasil e o município de Porto Alegre. Num primeiro instante, foi realizada uma analise de evolução histórica dos dados para as áreas geográficas e uma análise comparativa entre a estrutura de emprego nas áreas referidas. Em seguida, foram analisadas as características sócio-demográficas (gênero, faixa etária, grau de instrução e renda média) dos trabalhadores do comércio no município de Porto Alegre entre os anos de 1985 e 2006. Gráfico 1 - Grande Setor de Atividade Econômica (GRSET) – Brasil
Fonte: RAIS (1985 a 2006)
De acordo com o Gráfico 1 - GRSET do Brasil, a estrutura do emprego formal no Brasil apresentou um aumento percentual de 76,45%, comparando os dados de 1985 e 2006, ou seja, no período dos 22 anos analisados. Neste intervalo de tempo houve períodos de crescimento e de retração do mercado formal de trabalho. Destacamos o ano de 1994, como o ano de maior crescimento (12,31%), e os três primeiros anos da década de 1990 que apresentaram índices negativos de crescimento. Em três anos foram reduzido 3.296.994 postos de trabalho. O período compreendido entre meados dos anos de 1980 e início da década seguinte foi caracterizado por altas taxas de inflação e sucessivos planos
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Já o período pós-1994 foi caracterizado pela estabilidade econômica e monetária, onde ao invés de quatro, apresentou apenas uma moeda e taxas de inflação em patamares controlados rigidamente pela equipe econômica do governo federal, com uma estrutura economia um pouco mais preparada para enfrentar as conjunturas negativas relativas à competição global, crises financeiras em outros países e fatores internos (política cambial). O Gráfico 1 permite ainda, constatar que a matriz do emprego do país vem passando por um processo de mudança, ou seja, percebe-se que o setor industrial tem passado por uma redução do seu percentual de participação nos empregos formais, que em meados da década de 1980 era de 28,42%, passando atualmente a representar 20,26 pontos percentuais de participação do total dos empregos. Em contrapartida, outros setores da economia se encontram em franca expansão na participação do mercado de trabalho, como: o comércio, que passou de uma representatividade de 13,17% dos empregos formais em 1985 e chegando a um nível de 18,01% da força de trabalho formal em 2006; e a agropecuária, que tinha uma representatividade de 1,67% em 1985, apresentando um crescimento médio anual de 8,86% em 21 anos, passando a representar atualmente 3,58% dos empregos formais do país, tal fato pode ser creditado à promulgação da Constituição Federal em 1988 que equiparou os trabalhadores rurais aos trabalhadores urbanos. Por fim, a matriz de emprego brasileira apresenta uma relativa equidade no que se refere aos valores de participação dos setores de serviços e construção civil, pois, ambas tiveram crescimento médio de 3,14 e 4,89 pontos percentuais e representam em torno de 53% e 4% do total dos empregos formais brasileiros respectivamente. O Gráfico 2 mostra a matriz de emprego no município de Porto Alegre no período entre 1985 e 2005. A cidade apresenta uma alta concentração (atualmente 71,93%) dos empregos formais no setor de serviços, em segundo lugar está o setor do comércio que responde por 15,34 pontos percentuais, seguida pela indústria, que vem apresentado significativa redução de postos de trabalho no município (em 21 anos houve o desaparecimento de 34.039 postos de trabalho na indústria), devido a reestruturação produtiva e a busca por green fields, e pela construção civil e agropecuária, que juntos representam 3,65% do mercado de trabalho.
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econômicos, fazendo com que a moeda, desvalorizada, trocasse de nome quatro vezes neste período (Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro, Cruzeiro Real). Além do fato da indústria nacional não estar devidamente preparada para a abertura às importações, que foi realizada sem o planejamento necessário sob os impactos que causaram a economia nacional, ocorrida no início da década de 1990, fazendo com que caíssem os níveis de emprego.
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Gráfico 2 - Grande Setor de Atividade Econômica (GRSET) – Porto Alegre
Fonte: RAIS (1985 a 2006)
Pode-se constatar que a cidade não acompanhou o ritmo de crescimento nacional, a sua economia apresenta uma dinâmica própria e peculiar no que se refere ao emprego. Ao observar o número absoluto de emprego no período, verifica-se que a cidade teve um crescimento muito menor que apresentado pelo cenário nacional em 21 anos, ou seja, enquanto o país apresentou uma taxa média anual de crescimento de 3,15 por cento o Porto Alegre cresceu anualmente em média 1,98% neste período. O município respondia por quase 3% da força de trabalho nacional (2,84%) em 1985, passando a ter representatividade de 1,81% da força de trabalho nacional em 2006. De posse destas informações, sobre os panoramas do emprego nos grandes setores da economia, o presente artigo segue analisando as especificações das informações dos empregos no comércio no município de Porto Alegre. Os empregos gerados no comércio da capital gaúcha apresentam uma ligeira predominância de indivíduos do sexo masculino (atualmente 55,44%), apresentando tendência de que seja atingida a eqüidade no futuro próximo, pois a representatividade dos indivíduos do sexo masculino respondia por 61,21% dos empregos do comércio porto-alegrense em 1985.
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Fonte: RAIS (1985 a 2005)
No Gráfico 3, constata-se que os empregos gerados no comércio da capital gaúcha apresentam uma predominância de trabalhadores entre 18 e 29 anos, corresponde a uma força de trabalho jovem, percebe-se que esta tendência por funcionários com tal faixa etária é encontrada em todo o período analisado. O fato estrutural que deve ser destacado é a redução crescente da utilização da força de trabalho com idade abaixo dos 17 anos, que chegou a atingir patamares de 11,07% no final da década de 1980, e que atualmente representa menos de 2% (1,97%) dos trabalhadores formais, havendo em contrapartida, um crescimento do numero de trabalhadores com mais de 40 anos. Gráfico 4 – Escolaridade
Fonte: RAIS (1985 a 2005).
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Gráfico 3 – Faixa etária
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A escolaridade dos funcionários do comércio foi o fator que representou maiores mudanças no período analisado, como pode ser observado no Gráfico 4. Pode-se constatar um aumento significativo no nível de ensino. Em meados dos anos 1980, o nível de escolaridade que predominava no setor era de funcionários com a 8ª Série do ensino fundamental, observa-se que neste período 62,98% dos funcionários possuíam até a 8ª série completa, pode-se constatar que durante os últimos 22 anos houve um crescimento no nível de ensino formal no setor. A classe de funcionários, com o ensino médio completo (antigo segundo grau), foi o nível que representou maior crescimento de representatividade no período, com aumento de 293,59% e apresentando tendência de crescimento, pois possuir tal grau de instrução é o pré-requisito para a contratação atualmente no comércio porto-alegrense. Outrossim, o ensino médio (completo e incompleto) foi o nível de escolaridade que apresentou o maior crescimento percentual no período analisado, em meados de 1985 tal classe representava 29,50% dos trabalhadores do comércio porto-alegrense, atualmente 60,43% dos funcionários possuem este nível de ensino. Os funcionários com nível superior (completo ou incompleto) também tiveram um acréscimo de representatividade no setor, em 1985 representava 6,63% do total dos trabalhadores e no ultimo levantamento da RAIS apresentou 13,31 pontos percentuais do total dos trabalhadores do setor. Em contrapartida, o setor reduziu o percentual de trabalhadores analfabetos e com a 4ª série do ensino fundamental incompleto ou completo que somados não chegam a 3% (2,96%) atualmente, e que já representou 19,73% em 1985. Também foi reduzido o número de funcionários com a 8ª série completa ou incompleta, cabe ressaltar que o percentual de funcionários com a 8ª série completa ainda representa a segunda classe com maior representatividade no setor.
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Fonte: RAIS (1985 a 2005).
O nível de remuneração dos funcionários do comércio de Porto Alegre apresenta um cenário de mudanças. Nos últimos anos houve um decréscimo no percentual de pessoas que recebem entre dois e cinco salários mínimos. Durante quase uma década (1991 – 2000), o percentual de funcionários do comércio que recebiam essa faixa salarial variava entre 50% e 60%, chegando a atingir 62,19%, 62,75%, 62,99% respectivamente nos anos de 1992, 1996 e 1998. No ano de 2000, 56,94% do contingente dos trabalhadores do comércio situavam-se nesta faixa salarial. Entretanto, a partir desse ano, começa a ocorrer uma queda contínua, que só é interrompida em 2004, quando ocorre uma leve alta, mas com retomada do decréscimo no ano seguinte. No ano de 2006, apenas 32,99% dos funcionários do comércio recebiam entre 2 e 5 salários mínimos. Em contrapartida, mantêm-se o crescimento do número de funcionários que recebem até dois salários mínimos, algo que vem acontecendo sistematicamente entre os anos de 1996 e 2003. No ano de 2004, houve uma pequena queda no percentual desta faixa, mas com retomada do crescimento no ano seguinte. De acordo com o Gráfico 5, pode-se constatar que 56,83% do contingente de trabalhadores do comércio porto-alegrense recebe essa faixa salarial .
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Gráfico 5 – Renda média (em salários mínimos)
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O decréscimo também é sentido nas faixas de 5 a 10 e superior a 10 salários. Até o ano de 2001, essa primeira faixa chegou a representar 17,03% dos trabalhadores do comércio em 1996 a em 2006 representava apenas 6,63 pontos percentuais dos comerciários com emprego formal na cidade de Porto Alegre. Por sua vez, o percentual de trabalhadores que recebem mais de 10 salários mínimos chegou a representar 7,18% dos comerciários da cidade em 1990 e em 2006 representava 2,55% dos trabalhadores do comércio da cidade.
5. OS COMERCIÁRIOS E SUAS PERCEPÇÕES ACERCA DAS RELAÇÕES DE TRABALHO As entrevistas foram transcritas, analisadas e categorizadas. A seguir, apresentaremos as percepções dos comerciários acerca dos seguintes temas referentes às relações de trabalho: o tempo no trabalho – o tempo de trabalho, horas-extra/banco de horas, trabalho aos domingos; variação na jornada diária de trabalho; a remuneração – salário, metas, comissões, benefícios; relação com o sindicato – sindicalização, impressões sobre o sindicato, atuação do sindicato; e, trabalho – percepções sobre o trabalho, centralidade, identificação com o trabalho. 5.1 O tempo no trabalho Atentar para o tempo que os entrevistados estão trabalhando na mesma empresa permite discutir a prática da precarização dos contratos de trabalho. A possibilidade do contrato temporário, permite que existam dois grupos distintos de trabalhadores. Um grupo de recém contratados na empresa, com cerca de um mês de trabalho, ainda em contrato de experiência, o outro composto por trabalhadores com cerca de um ano de trabalho na loja, revelando que estes foram contratados no mesmo período do ano anterior. Como a pesquisa foi realizada no final do mês de novembro de 2007, evidenciou-se que o aumento do trabalho decorrente da proximidade das festas natalinas exige a contratação de novos funcionários. Isto é realizado na modalidade da contratação temporária de modo que a porta de entrada desses novos empregados os submetem a abrir mão de direitos trabalhistas ainda assegurados pela CLT. Todavia, esse quadro revela ainda um lado mais perverso, qual seja, a substituição dos funcionários não temporários pelos temporários, pois o período subsequente às festividades natalinas revelam a substituição dos trabalhadores formais, pois foram poucos os entrevistados que possuíam mais de 1 ano de trabalho na mesma empresa. Esclarecendo: somente 3 dos trabalhadores entrevistados possuem mais de dois anos de trabalho na mesma empresa. Cinco trabalhadores encontram-se
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Um outro aspecto do tempo no trabalho que apareceu nas entrevistas foi a discussão acerca das horas-extras versus banco de horas, pois grande parte dos entrevistados que faz horas-extras recebe o pagamento através de folgas (banco de horas). É necessário frisar que algumas lojas não pagam horasextras, porém parece haver interesse de alguns funcionários em exceder a jornada, pois com isso podem obter um aumento na remuneração pelo volume maior de vendas. Exemplo disso é o relato do entrevistado 13: “Geralmente eu venho quando dá, [...]. Quando dá, eu venho umas duas horas, meio-dia, por aí” [...]. “O extra, quando é por conta própria, não é pago, daí. [...] Eu venho, e a comissão que eu ganhei, é meu”. Deste modo, percebemos que o relaxamento da obrigatoriedade do pagamento de horas-extras acarretou em um ganho duplo para o empregador que passa a contar com um funcionário que “opta” por trabalhar além da sua carga horária sem a necessidade de pagar-lhe por isso. Assim, além do ganho financeiro garantido pela venda da mercadoria realizada nas horas trabalhadas não remuneradas, o comerciante ainda possui um funcionário motivado pela possibilidade da comissão. As horas a mais que o funcionário realizou sem receber o pagamento extra, fica registrado no banco de horas e é utilizado durante os dias da semana, quando o movimento de clientes é reduzido. Deste modo, percebemos que a flexibilização da jornada de trabalho através da redução do tempo de trabalho durante a semana permite o acréscimo da mesma aos sábados e domingos – nesses dias, os funcionários trabalham cerca de 10 horas, sem com isso receber nenhum tipo de remuneração extra pelo trabalho realizado em tempo excedente. Quanto ao trabalho aos domingos as lojas tendem a cumprir a legislação vigente, com uma folga para cada dois domingos trabalhados, no entanto observa-se que muitas costumam trabalhar no sistema de uma folga para cada domingo trabalhado, ou mesmo duas folgas a cada domingo trabalhado. Entretanto, isto não representa uma conquista da categoria ou um benefício dado aos funcionários pelas lojas, mas uma adequação à demanda, que nos domingos é menor. Ao que se refere as pausas durante a jornada diária de trabalho, observamos
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em contrato de experiência. Nota-se a prática institucionalizada, no ambiente empresarial, de contratar um funcionário “sem vícios”, ou seja, jovem e com pouca ou nenhuma experiência laboral. A julgar pelas entrevistas dos mais experientes, ou seja, aqueles com mais de um ano na empresa, pode-se dizer que estes “vícios” são experiências negativas com a organização que frustraram expectativas ou feriram direitos.
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que apesar de terem uma pausa para descanso, a maioria dos entrevistados permanece no interior do shopping. Embora alguns trabalhadores recebam vale-refeição, a maioria deles leva seu próprio alimento e consome em um espaço comum do shopping, reservado para este fim, ou mesmo na própria loja. Demonstrando, portanto, que os funcionários acabam usando o valor monetário referente à refeição diária como complemento do salário e não para os fins devidos, o que permite questionamentos acerca da remuneração recebida pelos comerciários. 5.2 Remuneração Quanto à remuneração, a maioria dos entrevistados avaliou-a negativamente. O salário fixo é muito baixo, o que os faz perseguir uma remuneração variável (comissão). Portanto, os funcionários entrevistados são representativos dos dados da RAIS que apontam que, nos últimos anos, o comerciante paga cada vem menos pela compra da força de trabalho. Nas lojas maiores observa-se um maior incentivo ao alcance das metas, com premiações, inclusive por parte da indústria dos produtos comercializados. A maioria dos comerciários recebe o piso da categoria, o que representa uma remuneração muito baixa em épocas do ano em que as vendas não são tão boas. A fala de um entrevistado ilustra bem a situação vivenciada pela maioria. Quando perguntado se considera justa sua remuneração ele responde: “Ai meu Deus...(risos)” O entrevistador segue indagando se a remuneração seria satisfatória recebendo como resposta novamente um “Ai meu Deus...(risos)”. Ao que se refere a existência da premiação por vendas, o mesmo entrevistado esclarece: “Prêmio é a comissão, e se é justo...depende da gente. Quanto mais tu trabalhar mais tu ganha.” (entrevistado 7). Ou seja, é necessária dedicação máxima, contudo, vale destacar que a venda não é apenas responsabilidade do vendedor, há fatores externos a sua dedicação que influenciam na realização do trabalho, como por exemplo, os preços dos produtos, as condições de pagamentos que o cliente pode ter, etc. que são definidos pelo empregador. Observa-se que a estratégia da maioria das empresas pesquisadas é a de pagar salários baixos, esses assegurados pela lei, para que o vendedor busque complementá-lo com a comissão. De acordo com a fala de um sub-gerente, é muito difícil o vendedor ganhar o piso. “Eu, durante todos esses anos que trabalho aqui, nunca ganhei o piso que a categoria tem. Então é a comissão sempre vai passar do piso”. È necessário esclarecer que a remuneração em alguns estabelecimentos, depende da comissão por vendas realizadas, ou seja, o salário é totalmente vinculado ao percentual das vendas individuais realizadas. Tal percentual não é agregado ao piso.
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Acho que me faltou alguma base [conhecimento sobre técnicas de vendas] porque eu quero ganhar mais, por isso eu sempre tô mais embaixo que as outras meninas no salário, mas acho que isso é alguma coisa que falta de vendas pra minha função, é que é alguma coisa a mais (entrevistado 13). Os resultados – metas de venda individual e/ou coletivas – é a forma de controle no ambiente de trabalho percebida pelos comerciários. “A gente é cobrado, a gente tem metas, a empresa cobra bastante” (entrevistado 5). Entretanto os vendedores acham esta uma “forma tranqüila” de cobrança. Ao que parece eles naturalizaram a pressão e as cobranças da chefia a ponto de não considerarem que haja uma cobrança excessiva pelo alcance das metas, tendo em vista que eles estabelecem uma relação direta entre a meta e o salário a cobrança parece ser maior do próprio funcionário, pois um baixo desempenho é uma baixa remuneração. Os funcionários recebem geralmente os benefícios previstos, como o valetransporte. Em alguns casos as empresas fornecem alimentação, auxílio médico e odontológico. Algumas oferecem descontos aos funcionários para a aquisição dos produtos. É importante salientar que todos os entrevistados adquirem ou pretendem adquirir os produtos das lojas nas quais trabalham, muito embora algumas não concedam nenhuma espécie de desconto ou vantagem na compra. 5.3 Sindicalismo Em relação às relações sindicais somente 2 entrevistados eram sindicalizados, mesmo assim eles revelaram não participar das atividades sindicais, a falta de tempo foi usada como justificativa para o não envolvimento. Verifica-se um grande desconhecimento por parte dos funcionários em relação à função do sindicato, este muitas vezes é percebido apenas como uma “contribuição”. Alguns chegaram a afirmar que eram sindicalizados em virtude da contribuição sindical, conforme revela a fala a seguir: “É que o sindicato é descontado no teu contracheque, é normal, mas eu não participo de nada.” (entrevistado 11).
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A relação entre salário fixo e variável faz com que os vendedores percam a noção do valor de seu trabalho, pois em épocas de maior movimento no comércio, eles chegam a avaliar a remuneração de forma positiva, entretanto, nos períodos de baixa, quando o variável é menor, o baixo valor do piso da categoria desponta como um problema para os comerciários. Um problema nem sempre percebido por eles, pois muitas vezes a baixa remuneração é atribuída à falta de capacidade ou competência do próprio vendedor:
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Há uma percepção do sindicato como uma organização externa, que busca os direitos dos trabalhadores, que presta serviço a eles, mas independe da participação dos mesmos. Atribuem ao sindicato um papel importante, mas não percebem quaisquer conquistas da entidade para a categoria como um todo. Por vezes revelam uma total descrença na atividade política: “Ai, assim... Passeata, essas coisas... Acho que é só pra trancar o trânsito.” (entrevistado 12). Ou ainda: “Eu prefiro me focar mais no meu trabalho do que ficar... É que às vezes a gente se decepciona, política muito envolve, promete, mas no fim não dá em nada, então não me envolvo muito com isso.” (entrevistado 11) Além da descrença na atividade política, dois possíveis fatores pode estar influenciando na baixa sindicalização dos comerciários, quais sejam: o trabalho de vendedor estar sendo considerado uma atividade provisória e o desconhecimento dos trabalhadores quanto às flexibilizações das leis trabalhistas. O entrevistado 10 revela que a atividade no comércio é um trabalho passageiro, pois a necessidade de trabalho nos fins de semana acrescido das baixas remunerações levam os trabalhadores desejarem trabalhar em outros setores da economia. Devido a isso, o informante salienta: “Eu acho legal, eu gostaria [de participar do sindicato], mas é que assim... eu não pretendo trabalhar no comércio por muito tempo” (entrevistado 10). Todos os entrevistados revelaram desconhecer a discussão sobre a flexibilização das leis trabalhistas e os impactos que esta causa para a classe trabalhadora. Como são jovens recém entrantes no mercado de trabalho, percebem as perdas dos direitos conquistados ao longo da história como uma oportunidade de ganhar experiência e capacitar-se para uma oportunidade melhor no futuro, como revela a fala do entrevistado 14: “Ah não sei, eu acho legal trabalho temporário, é uma experiência que tu teve, não é porque tu não vai ficar no emprego, mas é uma experiência”. 5.4 Trabalho Como já mencionado, às percepções dos funcionários sobre o trabalho desempenhado revela uma baixa de identificação com a categoria, por conta de sua atividade ser considerada provisória. A baixa identificação com o tipo de trabalho realizado no comércio leva muitos entrevistados a perceberem o trabalho como mera fonte de subsistência. A profissão de vendedor, por sinal uma das mais antigas da história da humanidade, é sequer percebida como uma opção de carreira. Para a maioria dos entrevistados é uma opção temporária a que estão sujeitos enquanto não conseguem algo melhor. Eu queria trabalhar com publicidade, queria estar numa agência, trabalhar com atendimento publicitário. Eu acabo trabalhando ainda pelo
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As relações de trabalho entre colegas existem, mas são prejudicadas pelo pouco tempo de trabalho dos funcionários. “Olha...não nos encontramos...é que ela é nova, ela entrou essa semana e as outras meninas estão há um mês só”. Este pouco tempo de trabalho também reforça o individualismo e impede as relações sociais entre colegas. Deste modo, o trabalho representa: Independência, para mim é a independência e necessidade, para mim necessidade (entrevistado 1). [...] é ajudar na parte financeira (entrevistado 2). a gente não sobrevive sem trabalho [...]. Porque precisa de trabalho pra juntar dinheiro pra comprar o alimento (entrevistado 3). Por fim, sobre a centralidade do trabalho para os funcionários das lojas do shopping, verificamos, na percepção deles, que o trabalho é “central” na medida em que viabiliza sobreviver, consumir e, meio de colocar alguns projetos em prática futuramente, como o caso de arrumar algum trabalho melhor no futuro.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Inicialmente argumentou-se no presente estudo que a verdadeira problemática do trabalho não está na discussão sobre sua centralidade, mas nas relações de trabalho estabelecidas no sistema capitalista e burocrático. A discussão, tampouco está no fim da atividade laboral, mas na abundância de um trabalho sem fim. Isto é corroborado a partir da análise dos dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), referentes aos anos de 1985 a 2005 e de uma pesquisa empírica realizada em um shopping center.. O trabalho no comércio se caracteriza como um dos mais flexíveis da economia formal, cujos fundamentos são: os baixos níveis salários; faixa etária extremamente jovem; a jornada de trabalho variada; o aumento das exigências dos níveis de formação; a extrema individualidade; e o baixo nível de sindicalização. Mais ainda, não existem meios que favoreçam a ação coletiva fundada numa noção de identidade e união de classe para a defesa dos interesses da categoria, pois, via de regra, atividade sindical é ignorada pela maioria dos funcionários. Mesmo entre aqueles que se dizem filiados aos sindicatos há uma percepção destes como organizações externas, que
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dinheiro e não pelo prazer da função (entrevistado 4). Eu tô aqui mesmo porque eu preciso. Sei lá, eu penso em outras coisas (entrevistado 13).
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sobrevivem sem a sua participação e cuja finalidade é apenas a prestação de algum tipo de serviço. Apesar de as falas terem revelado uma grande insatisfação com a jornada de trabalho (especialmente aos domingos) e com os baixos salários, isso não se traduz em uma mobilização via sindicato. Ao contrário, poucas conquistas são percebidas pelos funcionários. Ademais, a insatisfação em relação ao salário corrobora os dados da RAIS sobre a crescente diminuição da base salarial do comércio. Paralelo a isto está a grande rotatividade que coloca a cada ano “milhares” de trabalhadores novos no mercado. Estes trabalhadores “sem vícios” preocupamse tão somente com o horizonte de curto prazo: em obter uma experiência de trabalho que melhore seus currículos. A natureza da atividade comercial, o pouco tempo de trabalho nas organizações e a supervisão cerrada das chefias contribuem para o individualismo e a competição no ambiente de trabalho, que impede a reflexão conjunta acerca dos reais problemas da categoria. Os resultados da pesquisa apontam, portanto, para um mercado de trabalho caracterizado pela crescente busca de qualificação dos funcionários e de extrema competição, representado por sindicatos com baixa atuação nos locais de trabalho. Desta forma, as empresas concentram muito mais poder para definir, a partir de seus interesses, as regras da regulação do uso do trabalho, inclusive, em muitos casos, desrespeitando alguns dos direitos trabalhistas assegurados. Isso é percebido pelos trabalhadores de forma negativa, que passam a entender a labuta no comércio como uma atividade temporária e, por via de consequência, atribuem ao trabalho o entendimento de algo que acarreta sofrimento e que se não fosse necessário, não seria executado. A não identificação com o trabalho de vendedor, apresentada pela grande maioria dos entrevistados, demonstra que o mesmo não é visto como uma vocação, no sentido weberiano do termo. É apenas um meio de sobrevivência, que sustenta o consumo. Se não precisassem trabalhar, não o fariam, talvez fugiriam dele como de uma peste, tal como Marx apregoou. Mas, isto em nada tem a ver com o trabalho em si. Se assim o fosse, não teríamos muitos jovens trabalhadores, como os do shopping center analisado, investindo em uma formação e qualificação –faculdade ou pré-vestibular – com vistas a um trabalho mais digno. O problema é que a linha do horizonte avança à medida que se caminha em direção a ela. Se a qualificação aumenta (veja-se o crescente aumento da escolaridade que contradiz a tese da desqualificação da mão de obra), diminuem as oportunidades no “mercado” de trabalho e também diminui a identificação com um trabalho simples e de baixo prestígio social como o de vendedor.
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Por outro lado, os sindicatos têm atuação limitada, pois não encontram respaldo em suas bases. Os profissionais já não se identificam como “trabalhadores”, mas como indivíduos responsáveis por seu desempenho. Diante de tudo isso, as ações do poder público, que deveriam representar esses “indivíduos” contribuem para o aumento do trabalho sem fim (de semana) mas com prazo limitado (um ano de contrato).
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